A MONTANHA ano 4 | número 8 | dezembro 2016
TRAVESSIA DA SERRA DA CANASTRA O CEL em Minas Gerais EXCURSÃO INTERCUMES:
CEL, CERJ, CEB, CET e CNM
Branca de Neve e Filhote da Anta
Chang Wei: a reconquista Dezembro 2016
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Revista do CEL
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editorial ano 4 | número 8 | dezembro 2016 CEL - Clube Excursionista Light Presidente: Marcus Vinicius Carrasqueira Vice-Presidente: Karla Paiva Secretaria-Geral: Rogério Bandeira Tesouraria: Claudio Van e Norma Bernardo Diretoria de Montanhismo: Amanda Danielle e Michel Martins Diretoria Social: Gabriela Lima Diretoria de Ecologia: Daniel Arlotta Diretoria de Comunicação: Claudney Neves Diretoria Cultural: Miriam Gerber Projeto Gráfico inicial: Paulo Ferreira Organização: Claudney Neves Editoração: Karla Paiva Foto de capa: Bernardo Monteiro escalando a “Chang Wei”. Foto: Claudney Neves Papo de Montanha é uma publicação do CEL - Clube Excursionista Light. As opiniões expressas pelos autores são de inteira responsabilidade dos mesmos e não representam a opinião da revista Papo de Montanha e do CEL.
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Um dos grandes prazeres para quem faz parte de um clube de montanhismo é a socialização com outros da “mesma espécie”. Pessoas que casam os interesses com os seus e que você vai conhecer de verdade quando passar alguns dias caminhando, dormindo, acordando, comendo e convivendo sem filtros. As matérias desta edição mostram exatamente esse espírito sociável e a felicidade que isso gera. Na primeira, nossa tribo se embrenhou em uma travessia clássica, na Serra da Canastra, em Minas Gerais. Foram cinco dias intensos com trilhas, cachoeiras, poços de águas transparentes e gente boa. A segunda nos mostra a força da coletividade, onde um grupo composto por 40 pessoas, de cinco clubes distintos, enfrentaram as subidas do Filhote de Anta e Branca de Neves, duas montanhas situadas no espetacular Parque Estadual dos Três Picos.
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A última também tem muito a ver com socialização… Quando os conquistadores da Chang Wei, uma linda via de escalada em Niterói, decidiram intermediar a linha inteira para que possibilitasse mais repetições. “Mas eles não estão rebaixando o nível da via???”, leia e entenda. ;)
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Boa leitura e vamos para as montanhas!
índice Travessia da Serra da Canastra O CEL em Minas Gerais ......................................................................................... 04
Branca de Neve e Filhote da Anta Excursão intercumes: CEL, CERJ, CEB, CET E CNM ........................................... 17
Chang Wei: a reconquista Vias do CEL ......................................................................................................... 20 Dezembro 2016
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TRAVESSIA DA SERRA DA
CANASTRA
Texto: Marcus Vinicius Carrasqueira Fotos: Marcus Vinicius Carrasqueira e Raisa Daher
A serra da Canastra é um território muito maior do que seu Parque Nacional, algo perto de 500 mil hectares contra 71 mil hectares oficialmente protegidos. Formada por três chapadões paralelos mais seu entorno e compondo belas paisagens com seus vales pouco habitados, o lugar possui vegetação de transição entre a Mata Atlântica e o Cerrado, com predominância dos campos de altitude, abrigando inúmeras espécies da fauna brasileira, com destaque para o lobo-guará, o tamanduá-bandeira, o veado-campeiro e o tatu-canastra. A aparência despojada da região esconde mais de seis mil espécies vegetais, uma biodiversidade florística impressionante, sendo a sempre-viva sua vedete mais conhecida. A água é um elemento que agrega riqueza ambiental, com incontáveis nascentes responsáveis pela formação de centenas de córregos, poços e cachoeiras abastecedores das populações tradicionais, que lutam pela preservação das culturas e tradições herdadas dos seus antepassados colonizadores. Várias são as possibilidades de travessia e escolhi um traçado que inicia na cidade de Delfinópolis-MG e termina na parte alta da cachoeira Casca D’Anta, misturando trilhas com estradas rurais e caminhos de boi, a maior parte em terras particulares, totalizando 65 km em três dias de caminhada. Animados, partimos eu, Cláudia Eloy, Daniel Arlota, Danielle Souza, Raisa Daher e Sérgio “Baracuxi” Lima. Para chegar até lá existem diversas combinações
de uso entre meios de transporte: van, carro próprio, aluguel de veículo, avião e ônibus. Minha opção foi viajar de ônibus do Rio de Janeiro até Franca-SP (viação União, R$163), seguindo depois até CássiaMG (viação Gardênia, a R$13) e, depois, até Delfinópolis-MG (viação Gardênia, R$12). Menos estresse em organizar uma van, com as desagradáveis cobranças antecipadas de pagamento, desistências inesperadas e adesões de última hora.
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Após a travessia contratei resgate para oito pessoas com a empresa Tamanduá Ecoturismo (37.3433.1452, ao preço coletivo de R$900) para levar o grupo até a cidade de Piumhi-MG, onde tomamos ônibus da viação Gardênia (R$80) para Belo Horizonte, voltando para o Rio de Janeiro com a viação Útil (R$124 no semi-leito ou R$85 no convencional). Todas as passagens foram compradas com antecedência nos respectivos sites com cartão de crédito e funcionou muito bem. Dependendo do planejamento, o resgate pode terminar na cidade de São Roque de Minas-MG e, de lá, pegar ônibus até Piumhi-MG. Saímos do Rio às 21 hs de 19.04.16 e chegamos em Franca-SP às 10 hs da manhã do dia seguinte, ainda a tempo de pegar um ônibus até a cidade de CássiaMG, onde almoçamos no restaurante Tombá, bem ao lado da rodoviária. Comida simples servida em sistema self-service, gostosinha e com cortesia de doce caseiro de sobremesa. Uma boa opção é deixar as mochilas no guarda-volumes da rodoviária com a funcionária Maria, ao preço de R$2 por peça, e caminhar até o centro da cidade, explorando outros locais de alimentação ao redor da simpática praça. Chegamos em Delfinópolis-MG às 18 hs e seguimos direto para o Restaurante do Mamão (35.3525.1251), que já estava nos esperando com o jantar encomendado direto do Rio (R$20 por pessoa). Excelente e farta comida mineira que encheu o tanque para o difícil primeiro dia de caminhada.
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Quase ao final da refeição telefonamos para nosso táxi, pilotado pela Camila (35.99802.3645/ 35.98444.7975), que nos levou por 7 km até o bem estruturado camping Claro Casa de Pedra (35.3525.1051, R$35 por pessoa), situado na cota 700 metros, no pé da Serra Preta e início da trilha. A corrida custou R$25 para ser rateada entre os três ocupantes. Como éramos seis pessoas, ela chamou outro taxista para ajudar com um segundo veículo. Após 23 horas de viagem, o merecido banho e descanso na barraca, pois o prolongado dia seguinte nos aguardava. Infelizmente não deu tempo de aproveitar as cachoeiras e poços disponíveis ao lado do camping, fica para outra. Marquei a saída para 6:30 hs e fomos em direção à serra, na bifurcação à direita logo após o estacionamento do camping. Adentramos pelo portal da pousada Cachoeira Paraiso, propriedade particular onde pagamos R$20 por pessoa pela autorização de ingresso. O objetivo foi subir o trecho conhecido por Escada de Pedra. Cruzamos um riacho que se sobrepõe à estradinha e tivemos que tirar as botas para passar. No início da subida encontramos um segurança equipado com rádio, que explicou ser proibido o trânsito de motos. De fato, a prática desenfreada de motocross pelos ambientes naturais é um dos maiores causadores de deterioração por todo o complexo da Serra da Canastra, agravada pela invasão
clandestina em terras particulares e, por tudo isso, condenada pelos proprietários e ambientalistas. A presença de mochileiros não está associada a graves danos ambientais, sendo bem recebidos pelos moradores. À medida que subimos, a lâmina d’água do imenso lago formado pela barragem do Peixoto (sistema Furnas) foi se mostrando cada vez maior. Outrora, em algum lugar ali, existia o afunilamento rochoso e de fortes corredeiras do rio Grande conhecido por Garganta do Inferno, hoje submerso em área inundada de 250 km2. Descansamos nas adjacências da casa branca, fechada naquele instante, ponto de encontro da trilha com uma estradinha rural, onde nos refrescamos nas águas limpas do córrego lateral. Estávamos próximos do topo da Serra Preta, com seus 1.200 metros de altitude, logo alcançado e festejado com fotos. A visão da comprida e sulcada Serra do Cemitério à frente foi chocante, lá estava ela nos esperando ainda nesse mesmo dia. Divagando com aquela beleza panorâmica, lembrei que existem pinturas rupestres na Serra da Canastra, parte de um roteiro de visitação turística, comprovando a presença milenar de povos ancestrais. No período pré-colombiano do continente, as margens do grande rio Opará (rio mar, na língua indígena) eram habitadas por diversas tribos, tais como tuchás, cariris, coroados, vermelhos, ciapós, tapuás,
rodelas, chacribás, gamelas e gês, que foram expulsos do litoral pelos tupis. Em 1.501, o genovês Américo Vespúcio chega à foz daquele grande rio, rebatizando-o de São Francisco. Com o processo de colonização, os tupis também foram expulsos pelos exploradores europeus, não demorando muito para que os índios do Opará também tivessem que fugir mais para o interior, chegando até a região onde estávamos trilhando e na qual viviam cataguases e araxás. Quase todas as vilas e cidades localizadas nas margens do rio São Francisco surgiram de lutas sangrentas com os habitantes originais, culminando com sua expulsão. Nos primeiros dois séculos de ocupação do Brasil a população indígena foi reduzida a 40% da original; as guerras, doenças e escravidão trazidas pelos portugueses mataram três milhões de índios. Voltando à realidade, iniciamos a descida para o vale do rio Babilônia pela via rural e paramos na ponte sombreada do córrego do Ouro para nos refrescar na mata ciliar e reabastecer com água. O sol de abril desse ano foi implacável, considerando que o bioma de cerrado não proporciona muitas sombras para nos refugiarmos – a NASA divulgou estudo afirmando que foi o mês de abril mais quente desde que se iniciaram os registros meteorológicos. No fundo do vale alcançamos uma capela com duas ou três casas nos arredores, núcleo comunitário conhecido por Itajuí, na cota 800 metros. Após cruzarmos uma ponte e saciar a sede intensa, seguimos à direita pela estrada de chão e entramos na primeira porteira à esquerda, outra propriedade particular, cuidando para não despertarmos possíveis cachorros bravios, que não vieram. Encontramos o proprietário, muito gentil, que permitiu passagem pelas suas terras. Já passava das 14 hs e queríamos achar um bom lugar para almoçar. Esse desejo se materializou na forma do rio Dezembro 2016
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Babilônia, com grandes árvores ladeando seu leito, corredeiras rasas e alguns poços de imersão, com águas límpidas pela estiagem de mais de mês. O paraíso existe e veio no momento preciso! Parada acertada, com alimentação, descanso e diversão na medida. Danielle se atracou com uma lata de atum! Vestígios de fogueira e possível churrasco mostram que o lugar é visitado por moradores para lazer familiar. Em uma das variações do meu planejamento, e caso tivéssemos mais tempo, aqui seria uma possibilidade de terminar o primeiro dia, desfrutando das aprazíveis paisagens. Cuidamos das bolhas nos pés, refizemos as forças, abastecemos as garrafas com a última água e, às 15:30 hs, decidimos cruzar o rio pela pinguela do morador vizinho. Poderíamos passar a pé com as mochilas, pois o rio é raso e o caminho permanecia visível na outra margem. Todavia, teríamos que tirar as botas e pisar no leito formado por centenas de pedregulhos incômodos e controlando a corrente de água, condição que poderia causar instabilidade e desequilíbrio, levando-nos a cair com a mochila. Preferi não arriscar! A pinguela fica à esquerda da casa aparentemente fechada, seguindo pelo pasto na direção onde tínhamos efetuado nossa parada. Pinguela: ponte rústica feita com madeira. Típica construção matuta, a ponte era formada por um conjunto linear de duas tábuas paralelas de margem a margem, pregadas em madeiras transversais e suspensas por cabo de aço nas laterais que a abraçavam por baixo, formando um arco balançante na passagem das pessoas a, aproximadamente, 5 metros acima do rio. Exatamente no meio, uma das tábuas estava ausente, forçando o peso do conjunto montanhista+mochila sobre a única tábua arqueada. Mete medo! Um de cada vez, e o guia tem que dar o exemplo e ser o primeiro a testar a segurança da estrutura. 8
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Em alguns momentos dramáticos a fala ficou interrompida com o coração vindo à boca, mas todos passaram, entre apreensão, sustos e gritos! Seguimos em direção à outra sede de propriedade particular em silêncio, pois precisávamos da autorização daquele proprietário para acessar o último trecho da trilha, em direção à Serra do Cemitério. Mais uma vez a aparência de desocupação, com portas e janelas cerradas; todavia, alguém morava ali, pois havia patos e galinhas presos em cercados. Passamos sem encontrar ninguém, atravessamos uma porteira e logo nos deparamos com a bifurcação à esquerda, sentido perpendicular à serra. O cemitério existe e é feito de pedra, uma relíquia quase arqueológica! Edificado em um platô na encosta e com vista magnífica para o vale, a construção centenária serve de última morada para garimpeiros, tropeiros, escravos e doentes, anônimos em túmulos marcados por singelas cruzes de madeira desgastadas pelo tempo. Ainda hoje os moradores prestam homenagens anuais à memória desses defuntos através de festividades religiosas. Sentados na mureta rochosa no que foi nossa última parada de descanso, analisávamos o traçado da trilha montanha
acima. Percebe-se nitidamente um zig-zag original extremamente descaracterizado pela passagem contínua de motos morro abaixo, confirmando ser esse um esporte com grande impacto ambiental. A subida consumiu duas horas e chegamos ao topo da serra às 18 hs, no momento exato de testemunhar um belíssimo pôr-do-sol no trecho mais elevado, a cerca de 1.300 metros de altitude numa chapada colonizada por herbáceas formadoras de campos a perder de vista. Não se ouvia nenhum som antrópico e fiquei com enorme sensação de paz interna! Contudo, estava preocupado com o horário, pois logo escureceria e ainda tínhamos que andar por quarenta minutos até a área de acampamento. Daniel ficou para trás prestando apoio ao Sérgio, que demonstrava sinais de fadiga ao final de um exaustivo dia, enquanto adiantei com Cláudia, Danielle e Raisa para armar as barracas. Chegamos ao córrego Galheiro sem luz natural, nos hidratamos depois de uma rigorosa subida, abastecemos as garrafas, escolhemos os lugares de montagem e decidi retornar para resgatar os atrasados. Às 20 hs estávamos todos reunidos e nos alimentando. Danielle se atracou com
uma lata de atum! A lua cheia clareou o ambiente e mostrou vários poços de boa extensão e profundidade no córrego, lugar perfeito para uma relaxante imersão. Raisa ainda tomou um banho noturno refrescante. Montanhista de barriga cheia e espraiado no ambiente natural é uma das criaturas mais bem humoradas do mundo! Banhados pelo luar do cerrado, abrimos uma garrafa de vinho e jogamos conversa fora até às 22 hs, quando o cansaço finalmente nos venceu. O dia mais exigente tinha terminado! Acordei com os primeiros fulgores e fui presenteado com um belo pôr-delua amarelo-avermelhada no horizonte, praticamente no mesmo momento do nascer do sol. Todos ainda estavam recolhidos em suas barracas e aproveitei para caminhar na agradável solidão do alto do chapadão. Estava olhando para a mesma cena vista pelos pioneiros que garimpavam ouro na Serra da Canastra e que fundaram o vilarejo de Desemboque, em 1743, o mais antigo daquela região. O povoado foi o maior centro comercial de mineração do triangulo mineiro no século XVIII, chegando a ter 1.500 habitantes, conservando atualmente apenas 20 casas e cerca de 100 moradores permanentes. A calmaria bucólica de Desemboque parece contradizer os dias de glória e agito do vilarejo, pois ali se concentraram bandeirantes que partiram rumo ao sertão, quando o metal começou a escassear, mas também muitos desses desbravadores para ali retornaram com medo ou trazendo sequelas de ataques dos índios caiapós, à medida que avançavam ao centro do país. De dia percebemos que estávamos acampados perto de uma casa desabitada, porém entre cochos com vestígios de alimentos, mostrando que ainda existe gado solto naquele lugar tão longínquo. Todos refeitos com a repousante noite de sono, com direito à sinfonia de bichos de todas as espécies, saímos às 8hs. Dezembro 2016
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Teríamos que vencer uma extensão de 12km, sempre trilhando reto e plano pelo chapadão de 1.350 metros de altitude. Acelerei o passo, pois sabia que o sol seria implacável e não haveria água no caminho. Trilhar pelos campos de altitude foi uma experiência interessantíssima, sempre pelo alto e admirando as demais serras enrugadas pelos milênios de desgastes naturais. A Geomorfologia realmente é uma ciência interessante! Passamos por outro rancho abandonado, situação repetitiva que despertava a nossa curiosidade. Com rendimento médio de 3 km/h e transportando as pesadas mochilas cargueiras (a minha pesava 16 kg), ao meio-dia começamos a descer e chegamos no ponto que tinha planejado para o almoço: topo da cachoeira do Taboão. Maravilhosa combinação de água sobre rochedos em declive formando sucessivas quedas e poços, um ambiente altamente relaxante e que nos deixou mais sintonizados com a natureza. Fomos agraciados com a companhia de um casal de tucanos pousados na árvore bem ao nosso lado. Danielle se atracou com uma lata de atum! Essa foi a última água que encontraríamos até o final do dia. Depois do vazio humano que foi a travessia do chapadão, observamos movimentação de várias pick ups nas proximidades da cachoeira, em especial na distante parte baixa, a 150 metros verticais de desnível rochoso. No alto, onde 10
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estávamos, havia apenas um utilitário com pescadores, pois o acesso era diferente. Reanimados com o precioso descanso, voltamos para a via rural e, mais uma vez, nos deparamos com outra casa sem morador aparente, mas com cavalos no pasto e curral aberto. Descemos na topografia até a cota 1.250 metros e retomamos o aclive serpenteante até 1.350 metros. Às 15:30 hs chegamos ao cume da serra da Babilônia e avistamos a estonteante serra da Canastra propriamente dita, do outro lado do vale chamado de Vau dos Cândidos, visão que nos deixou paralisados diante de tamanho encanto. Pela primeira vez distinguimos ao longe, nítida e clara, a cachoeira Casca D’Anta, instante de grande euforia para o grupo. A serra da Canastra tem o formato de um baú, daí a origem do nome, pois canastra é um tipo de arca antiga carregada pelos bandeirantes. Focando o olhar mais à esquerda foi possível identificar, no topo de uma elevação arredondada que se sobressai do vale, a pousada Mirante da Natureza, local do nosso segundo pernoite, na cota 1.250 metros. Passado o (bom) susto, o grupo partiu para a sessão de fotos e registros, retomando a caminhada com mais energia. Sempre descendo, chegamos ao entroncamento em T de duas estradas de chão e nosso caminho virava à esquerda. Sérgio e Daniel davam sinais de desconforto físico com o peso das suas cargueiras, aproveitando a razoável movimentação de tracionados para pedir uma carona até a hospedagem. Foram generosamente atendidos pelos atenciosos integrantes do grupo de jipeiros conhecido por Malucos da Canastra que, após constatarem nosso itinerário e avaliarem nossas mochilas, não tiveram dúvidas: transferiram seu título para nós! Chegamos logo depois das 17 hs, armamos as barracas no campo de futebol multiuso (estacionamento, pasto, festas e peladas) e fui conferir com o atendente
se minhas reservas estavam confirmadas. Antes de sair em viagem negociei banho quente, jantar, camping e café-da-manhã ao preço individual de R$55, contato feito com Simone através do facebook. O sol já começava a se despedir e eu queria relaxar naquele final de tarde tudo que não tinha conseguido na noite anterior. Tomei um banho com sabonete, troquei de roupa, descolei uma beirinha na borda do platô bem de frente para a serra, abri uma garrafa de vinho e joguei conversa fora com os colegas que já tinham se banhado (só havia um chuveiro elétrico funcionando), enquanto tocaiava o desabrochar da lua. Aos poucos um incipiente brilho começou a surgir lá pras bandas de Piumhi, anunciando sua chegada. E ela veio com todo o seu esplendor, justamente naquele horário mágico em que nem é dia e nem é noite, com céu azul-escuro, ainda com
as últimas claridades presentes. Disco avermelhado e crescente se destacando no horizonte plano, emocionando a todos, cada um ao seu modo, era impossível ficar indiferente à sua aparição. Estava afastado do povo, em cantinho silencioso, e pude apreciar o espetáculo do jeito intimista que mais gosto, me integrando com o ambiente natural ao redor. O vermelho cedia lugar ao abóbora que cedia lugar ao laranja que cedia lugar ao leitoso. Uma das luas cheias mais bonitas que presenciei na minha vida de montanhista! O sinal de internet tinha sido rapidamente captado pelos colegas, que se jogaram sobre os respectivos smartphones tal qual predadores agarram suas presas. Alguns dispensaram o inigualável show fornecido pela lua, preferindo retornar em comportamento ao nocivo meio urbano, gritando assustados que a ciclovia desabou. Dezembro 2016
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Optei por me afastar disso tudo, pois quando vou para a montanha me desligo das coisas citadinas e familiares, quero viver um momento de harmonia ambiental e realizar uma faxina espiritual. Recuseime a ouvir notícias e fiquei brabo com quem insistia! Minha conexão é com a natureza e nela navego em banda larga, bloqueando spans vindos da metrópole! Passado o êxtase da lua, chega a hora do rango! O cheirinho era super convidativo e a apresentação das panelas sobre o fogão a lenha atraía os comensais como imã aos metais. Típica comidinha mineira que veio em boa hora, depois de dois dias à base de miojo, sanduba e atum. A pousada estava cheia, incluindo os simpáticos Malucos da Canastra, também acampados. Meu avô dizia que boi lerdo bebe água suja, então nos posicionamos estrategicamente e fomos os primeiros a nos servir. Nem precisava, pois as demais pessoas ainda estavam entretidas com banho, cerveja, sinuca e conversas. Barriga cheia, hora de relaxar com outro vinho e outro banho, o da lua. Os jipeiros se agruparam formando uma roda com os veículos, estenderam uma lona cobrindo o espaço interno e o violeiro
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preencheu o resto da noite com músicas sertanejas e caipiras, cantadas por todos em crescente paixão, proporcional à degustação da “mardita”. Ouvindo as canções românticas, mirando a imponente elevação iluminada pelo luar e com o fermentado vermelho fazendo efeito, viajei pelas paragens do Parque Nacional da Serra da Canastra, onde finalmente entraríamos no dia seguinte. Criado em 1972 para proteger a nascente do rio São Francisco e previsto com área inicial de 200 mil hectares, o Parque Nacional foi efetivado somente com 71 mil hectares. Isto vem acarretando muitos conflitos devido à intenção do Governo de desapropriar o restante das terras. Duas grandes áreas formam essa unidade de conservação: o chapadão da Canastra, com 71 mil hectares regularizados, e o chapadão da Babilônia, com 130 mil hectares decretados, mas não regularizados. Talvez essa seja a explicação para as várias casas desabitadas que vimos na travessia, uma vez que os proprietários ficam passíveis de sofrer repressão do Poder Público no caso de exploração econômica em desacordo com as orientações ou sem autorização do órgão
ambiental competente. Tal circunstância traz insegurança na continuidade da atividade agropecuária, interferindo negativamente no cotidiano das famílias e desestimulando sua permanência nos imóveis rurais. Adormeci sem perceber e despertei com uma radiante e frontal aurora emoldurando a silhueta do chapadão da Canastra! Como é bom acordar assim! O terceiro dia seria cronometrado, pois o resgate estava marcado para às 14 hs no alto da cachoeira Casca D’Anta e eu queria entrar no parque até à 9 hs, no máximo. Barracas desmontadas e mochilas arrumadas, fomos com vontade para o café-da-manhã. Achei bem modesto em relação ao banquete que tivemos no jantar (fiquei mal acostumado com a fartura noturna), todavia cumpriu com seu papel. A pousada produz o queijo-canastra, iguaria característica daquelas bandas e que apresenta possibilidade real de consolidar-se como produto de referência da região, desde que o processo de fabricação respeite a tradição do consumo do capim nativo pelas vacas, dando o gosto peculiar ao laticínio. Às 7:30 hs despedimos-nos dos novos amigos e descemos para o fundo do vale, na cota de 850 metros. Daniel e Sérgio, prejudicados fisicamente, conseguiram uma ótima carona direto para a cidade de Piumhi-MG, onde tomaríamos o ônibus na jornada de volta. Pouco mais de uma hora da partida adentramos pela portaria, pagamos o ingresso de R$9 e rumamos ligeiro até o mais famoso cartão-postal do parque: a Casca D’Anta, admirável queda d’água de 186 metros de altura do rio São Francisco, a segunda maior do estado de Minas Gerais e a sexta maior do país. Dizem que seu nome é oriundo de uma árvore medicinal nativa, na qual as antas se esfregavam para curar as feridas. No meio do caminho deixamos as pesadas cargueiras no quiosque de apoio
aos visitantes. A estratégia funcionou; chegamos eu e as meninas ao deserto poço formado pela milenar força escavadora das águas, viabilizando fotos limpas em que o ambiente se sobressai.
Retomamos o rumo quando os primeiros turistas começaram a chegar, disputando os melhores ângulos fotográficos. Enchemos os cantis e começamos a subir a última serra da travessia às 10 hs, trilha que nos levaria até a parte alta da mesma Casca D’Anta. O parque determina que o horário máximo para essa ascensão é às 14 hs. O traçado é em zig-zag e não possui nenhum ponto crítico. Terminamos às 11:30 hs, tempo que me deixou surpreso, pois imaginava que seria bem maior. Sorte nossa! Com calma fomos até o mirante de cota 1.200 metros do alto da serra e, ao meio-dia, estávamos Dezembro 2016
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nadando de braçada (literalmente) nas transparentes águas das profundas piscinas naturais. Sol aquecendo o corpo, relax total, bate a fome e é hora de lanchar. Danielle se atracou com uma lata de atum! Pontualmente às 14 hs estávamos acomodados na caminhonete de resgate do Zé Maria, escondida entre tantos outros estacionados. Não foi um bom transporte aquele disponibilizado por Tamanduá Ecoturismo, velho e desconfortável, sinal de muquiranagem empresarial com os clientes. Sem exagero, o pior veículo dentre as dezenas que invadiram o parque naquele dia de feriadão nacional e que nos forneceu o derradeiro banho da excursão:
de poeira! A desconfortável viagem de uma hora até a cidade de São Roque de MinasMG foi salva pelo zeloso motorista Afrânio, gente boa, humilde e bom de prosa. Paramos na nascente do rio São Francisco para as últimas fotos do passeio. Na sede da empresa trocamos de roupa, acertamos a diferença financeira, nos dividimos em dois taxis que já nos esperavam e seguimos até a cidade de Piumhi-MG, onde chegamos às 16 hs e almoçamos improvisadamente. O ônibus saiu às 18 hs para Belo Horizonte, chegou na capital mineira às 23 hs e, à meia-noite, tomamos o semi-leito para o Rio de Janeiro, onde desembarcamos às 7:30 hs da manhã de domingo, 24.04.16.
Volto feliz com o bom entrosamento do grupo, com o sucesso do meu planejamento e navegação, com as obras de arte naturais que testemunhei e com a inclusão de um roteiro inédito no cardápio do clube.
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Sobre a Canastra... Recostado nas poltronas dos coletivos, corpo amolecido e olhos fechados, tive tempo de repassar a belíssima travessia várias vezes em pensamento. Minas Gerais é um estado criado em decorrência do ciclo de mineração, o próprio nome faz alusão a essa atividade. Na década de 1930, a descoberta de diamantes na serra da Canastra atraiu centenas de pessoas que praticaram a garimpagem destruidora sem nenhuma preocupação ecológica (muitos animais foram caçados como fonte de alimentação); cicatrizes irrecuperáveis no solo podem ser vistas ainda hoje na forma de voçorocas e aterros, inclusive restos de maquinário em estado de decomposição, descartados pelas margens dos rios. Nos últimos 50 anos novos valores conservacionistas vêm permeando a sociedade, com reflexos no refreamento da exploração predatória, na criação de um parque nacional e no despertar de um moderno ramo de negócios da economia local: turismo ambiental. Entretanto, a prospecção de diamantes nunca parou, mas foi mantida em sigilo! No final da década de 1990, vazou para o meio geológico a informação de que uma subsidiária de grupo sul-africano encontrou um depósito de alta qualidade, atraindo investidores canadenses e australianos que estabeleceram uma empresa brasileira. Poderosos interesses capitalistas se agruparam ambicionando encontrar uma fórmula capaz de esburacar os proibidos terrenos do parque. Circula nos bastidores da Câmara Federal, em Brasília, movimento liderado por políticos regionais para desafetação do Parque Nacional da Serra da Canastra, isto é, de supressão de parte significativa da área protegida, abrindo caminho legal para a instalação das companhias de mineração industrial, cujas consequências sociais e ambientais a curto, médio e longo prazo são imensuráveis e irreversíveis. O turismo consciente cresce em toda a região e poderá consubstanciar-se em uma adequada e relevante fonte de receita sustentável para todos os setores produtivos, desde que haja maior organização e profissionalização da atividade. A distribuição dessa renda é mais justa e democrática, pois dela podem participar, direta e indiretamente, todos os moradores das cidades abrigadas na Canastra: empreendedores individuais e familiares, prestadores de serviços de transporte, hospedagem, alimentação, artesania, diversão e comércio em geral, sejam diurnos ou noturnos, urbanos ou rurais, pessoas físicas ou jurídicas. A mineração em grande escala caracteriza-se, via de regra, pela concentração de muito dinheiro em poucas mãos, podendo desestabilizar a economia e a moral nos frágeis povoamentos interioranos. Poderá trazer, ainda, poluição das águas e prejuízos na cadeia da vida animal e vegetal que delas dependem e, em efeito dominó, contaminar o abastecimento hídrico dos núcleos comunitários, agravando o cenário. Embarcar nesse canto de sereia é alimentar a insaciável ganância humana, arriscando matar a preciosa galinha dos ovos de ouro do ecoturismo! Como montanhista de carteirinha, penso que é nosso dever unir forças em prol da preservação do Parque Nacional da Serra da Canastra e da população do seu entorno, repudiando as manobras mal intencionadas que ameacem aquele ecossistema, alertando a comunidade de montanhistas sobre a importância de atitudes pró-ativas que venham a prevenir a tragédia anunciada e mobilizarmonos em defesa da integridade ambiental. O fantasma da degradação que paira sobre o parque deve ser afastado! Dezembro 2016
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14 de fevereiro de 2017 Rua Marechal Floriano, 199/501
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Branca de Neve e Filhote da Anta Excursão intercumes: CEL, CERJ, CEB, CET e CNM Texto: Miriam Gerber Fotos: Ramon Pagio, Norma Bernardo e Miriam Gerber
Galera reunida antes da atividade.
Dia 15 de outubro, uma enorme turma de mais de 40 pessoas de vários clubes se encontraram para realizar a excursão ao Branca de Neve e ao Filhote da Anta, no Vale dos Frades. A turma do CERJ e do Light marcou na padaria do Shopping do Vale e éramos mais de 20 integrantes. A padaria não deu vazão no atendimento, mas sobrou simpatia e finalmente, apesar de chegar atrasados ao ponto de encontro, o resto do pessoal também atrasou. Fiquei feliz de encontrar pessoas que fazia tempo que não dividia uma excursão e olha que nem entrou todo mundo na foto. Como tinha muitos participantes, o teresopolitano cancelou o almoço na fazenda e mudou para o Beira Rio em Bonsucesso. Eu tinha proposto dividir o grupo e foram comigo 8 pessoas (Caludia Eloy, Eder, Caiê Vizintin, Valéria Aquino, Hernano
do CEC, Marcus Barreto, Erika e eu) para reabrir a trilha do Filhote da Anta. Levamos um track log do Waldecy e o GPS de Éder. Fomos seguindo o track log, mas Almir do CEB estava com a gente e nos indicou outra entrada que eu também lembrava de ter visto quando fiz a Branca de Neve, Dezembro 2016
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então fomos por ela mesmo, tendo a visão da montanha. Mais tarde descobrimos que os dois caminhos se juntavam, apesar de querer seguir uma antiga trilha para não reabrir mais caminhos, a trilha estava completamente fechada e tivemos que abrir outra rota. Os participantes estavam muito entusiasmados, Erika e Claudia debutaram comigo no facão, não sei se já tinham usado antes. Também foi a primeira vez de Marcus Barreto comigo e ao chegar no cume, sentimos uma grande felicidade. Éder com o seu GPS foi de grande ajuda, sem o GPS
teríamos levado muito mais tempo até atingir o cume. Descemos perto das 3 da tarde e já chegando na fazenda, começou a chover copiosamente. Um grupo ainda nos esperava e fomos juntos a encontrar o resto do pessoal no Beira Rio, só encontramos o teresopolitano, animadíssimo e uma excelente comida. Terminamos a tarde num alto astral, nos divertindo muito com pena de não ter encontrado os que foram embora mais cedo. A excursão ao Branca de Neve foi um sucesso, beijos a todos e até a próxima!
Cume do Branca de Neve
Cume do Filhote da Anta
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(21) 98304-9972 Dezembro 2016
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Chang Wei
a reconquista Texto: Claudney Neves Fotos: Bernardo Monteiro, Nayara Lucide e Claudney Neves
Em 2008 João Paulo e eu já escalávamos há 3 anos e pretendíamos algo mais, queríamos começar a conquistar nossas próprias vias. Após participar de alguns projetos em Quixadá, no Ceará, voltei para o Rio disposto a colocar esses conhecimentos em prática. Mas foi com Bernardo Monteiro, em 2008, após uma escalada no Alto Mourão, quando esqueci minhas sapatilhas em casa, que a ideia começou a tomar forma. 20
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E a forma foi de uma via com mais de 400m, no Morro do Tucum, em Niterói, onde homenageamos uma grande amiga que não está mais conosco por causa de um nó que se desfez. Conto a história completa da conquista aqui: http://www.riocaminhadas.com.br/changwei/ Chang Wei foi uma linha que mostrou um pouco do quanto ainda precisávamos aprender nessa brincadeira de furar rocha. Nasceu como uma via fácil, o que
não atraía os mais experientes por sua humilde graduação, 2º III, muito menos quem estava começando a guiar, por não considerarem seguro escalar toda sua extensão com apenas 12 proteções, com atenção especial para a horizontal inicial a poucos metros acima do mar. São 75m de escalada que contavam com duas chapeletas e uma parada móvel, quase um psicobloc! Dezembro 2016
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Essa repetição também fazia parte de um projeto do CEL que se arrasta a passos de tartaruga manca, com o objetivo de listar, repetir, recuperar - quando necessário - e produzir os croquis e informações de acesso de todas as conquistas do nosso Clube. Espero terminar isso em um futuro próximo… Do portão do parque à base da via, que é comum ao Paredão Jardim e Alan Marra, levamos um pouco mais de 20 minutos. Entrei na via sentindo a tensão da minha parceira com a famigerada horizontal, que é muito fácil, mas ninguém acredita. Tudo piorou quando escalei cerca de 40m e não encontrei a primeira chapeleta, que eu mesmo tinha batido há alguns anos!
Croqui antigo!
Em setembro de 2016, aproveitando um churrasco promovido pela diretoria do Clube Niteroiense de Montanhismo (CNM), onde todos os clubes foram convidados a ocuparem as vias do Parque Estadual da Tiririca simultaneamente, resolvi escalar nossa cria com a Karla e ver qual o estado da criança. Chegamos cedo em Itacoatiara, cumprimentamos os amigos, novos rostos e conversamos com alguns deles… Foi muito engraçado perceber as expressões das pessoas quando falávamos da nossa escolha… - Chang? Deve tá bem suja... - Não ouvi falar de outras repetições… - É, não sei, o pessoal tem medo daquela horizontal, né… 22
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A cada dois passos ela perguntava se eu já havia costurado. Quando falei que estava indo para uma árvore, que seria nossa parada lá pelos 50m a partir da base sem ter costurado nada, Karla sapateou e balançou o dedo indicador para os lados, que, de longe, parecia dizer, não vou, não! Pensei, que droga, não vou repetir a via hoje… Mas no caminho de volta para a base, a bendita chapeleta apareceu! Agora protegido, avisei que continuaria e cheguei à parada verdadeira dessa vez. Ela veio logo depois, ainda tensa, mas já conformada com o passeio dali pra frente. De P1 até P2 são mais 25m de horizontal antes de tocar para cima e encerrar o drama pra quem não gosta de escalar para o lado.
Terminamos a escalada em pouco mais de duas horas, fazendo as últimas enfiadas à francesa, onde só não achei mais uma proteção… Pelo tempo que demoramos dá pra notar como é realmente um escalada fácil.
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O lance mais curioso, depois de não encontrar a primeira chapeleta, foi o de um grampo que tinha certeza da localização, pois fica em um lugar bem característico, depois de um corredor com platô no final. Cheguei ali e não o vi… Mas tinha certeza absoluta que o havia instalado naquele local! Comecei a tatear o mato e o encontrei por baixo de um tufo.
Chegamos ao cume, onde encontramos alguns amigos do CEL, outros do CNM e fomos encher o bucho! Entre uma mordida e um gole, toquei no assunto sobre a situação da via e do desejo de torná-la mais “sociável”, o que agradou muita gente. Conversei com Bernardo e João, que concordaram com a ideia e marcamos o dia da empreitada. Dia 29 de outubro Bernardo, eu, Karla e Nalu, esposa do Bernardo, partimos para Niterói no início da tarde, já que nesse horário a parede fica na sombra. Elas iriam subir o Alto Mourão para fotografar, enquanto nós trabalharíamos na via. E o João??? João, furou… Não seguiu o horário planejado e acabou ficando pra trás. No final das contas foi até bom. Por que? Conto mais à frente... A previsão era de um pouco de chuva no final da tarde e de mar alto. Fiquei preocupado principalmente com essa segunda condição, já que a via começa bem próxima da linha d’água, mas insistimos 24
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assim mesmo. Karla e Nalu seguiram para o início da trilha do Mourão, em Itaipuaçu, e nós entramos no parque por Itacoatiara. Depois da rápida caminhada, chegamos à base com o mar alto, que logo mostrou não estar de bom humor naquela tarde, nos dando as boas vindas com um banho, molhando mochilas e corda, mas nada que comprometesse a empreitada e nem que molhasse a linha da via. Dessa vez conseguimos ver a primeira proteção desde a base, um alívio =D Nos equipamos, coloquei as chapeletas no baudrier, a furadeira nas costas e instalei a nova primeira proteção logo depois da linha do grampo inicial da Alan Marra, com Bernardo fazendo a segurança. A partir desta foram mais quatro chapas e a duplicação da parada, deixando os 75m da horizontal, bem mais amigável agora, com 6 proteções, sem contar com a parada, e uma fenda com várias possibilidades de proteção móvel no final desse trecho. Fizemos também algumas alterações nos locais de parada, aumentando a extensão de algumas enfiadas. Bernardo preferiu ficar com o trabalho de duplicar essas paradas, enquanto eu instalava as outras proteções. Tudo fluiu muito bem, com apenas um caso fora do normal, quando estava fazendo um furo e a primeira bateria acabou. Como decidimos ir sem corda retinida, já que seria algo simples, deixei a furadeira enfiada no início de furo já feito, toquei pra cima e pedi pro Bernardo, quando subisse, trocasse a bateria e terminasse o trabalho. Colocamos, ao todo, mais 17 chapeletas, sendo quatro dessas nas paradas. Assim, Chang Wei, que possuía apenas 12 proteções, hoje está com um pouco mais do dobro disso! Então, exposição não é mais desculpa para não repetir a via.
Croqui atualizado em outubro de 2016
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Lembram quando comentei sobre a previsão do tempo?! Pois é, era horário de verão, quase 19h, com o sol indo embora, várias nuvens carregadas no horizonte, já descarregando água no mar e estávamos fazendo o último furo, quando a segunda bateria também morreu... Terminamos o bendito furo no batedor antes do anoitecer e da chuva, que só caiu fraca muito mais tarde. Chegamos ao cume aproveitando o restinho de luz do dia com aquele velho sentimento de dever cumprido que também experimentamos em 2008 ao finalizarmos nossa conquista em um final de tarde como o que víamos ali. E o João??? Bem, se João tivesse nos acompanhado seríamos uma cordada de três, o que atrasaria a escalada e, muito provavelmente, a noite teria nos engolido bem antes do final da via.
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Como sempre, tudo tem um propósito! Foi uma escalada extremamente tranquila, sem aqueles perrengues que dão mais “sabor” às histórias, mas, por outro lado, possibilitou terminar tudo em uma única investida. Não sei se todos os conquistadores pensam assim, mas é muito bom quando ouvimos sobre repetições das nossas vias. Depois dessa intermediação esperamos que a Chang Wei seja bem mais frequentada e que proporcione boas experiências para todos que gostam desse tipo de escalada um pouco mais exótica do que a maioria e que carrega um grande carga de sentimento em seu nome. Boas escaladas e levem uma escova de aço!
Claudney intermediando após a horizontal
Nalu e Karla no cume da Pedra do Elefante
Bernardo depois do banho na base da via antes de iniciar a reconquista
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Programação permanente na sede do CEL - Todas às terças e quintas: Muro de escalada e reunião social; - Terceira semana do mês: Palestra/debate no Papo de Montanha; acesse:
www.celight.org.br e fique sabendo da programação do clube e as vantagens de se associar.
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