A didática no ensino superior

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A DIDÁTICA NO ENSINO SUPERIOR


A DIDÁTICA NO ENSINO SUPERIOR


Apresentação

Apresentação Um conteúdo objetivo, conciso, didático e que atenda às expectativas de quem leva a vida em constante movimento: este parece ser o sonho de todo leitor que enxerga o estudo como fonte inesgotável de conhecimento. Pensando na imensa necessidade de atender o desejo desse exigente leitor é que foi criado este produto voltado para os anseios de quem busca informação e conhecimento com o dinamismo dos dias atuais. Com esses ideais em mente, nasceram os livros eletrônicos da Cengage Learning, com conteúdos de qualidade, dentro de uma roupagem criativa e arrojada. Em cada título é possível encontrar a abordagem de temas de forma abrangente, associada a uma leitura agradável e organizada, visando facilitar o aprendizado e a memorização de cada disciplina. A linguagem dialógica aproxima o estudante dos temas explorados, promovendo a interação com o assunto tratado. Ao longo do conteúdo, o leitor terá acesso a recursos inovadores, como os tópicos “Atenção”, que o alertam sobre a importância do assunto abordado, e o “Para saber mais”, que apresenta dicas interessantíssimas de leitura complementar e curiosidades bem bacanas, para aprofundar a apreensão do assunto, além de recursos ilustrativos, que permitem a associação de cada ponto a ser estudado. Ao clicar nas palavras-chave em negrito, o leitor será levado ao Glossário, para ter acesso à definição da palavra. Para voltar ao texto, no ponto em que parou, o leitor deve clicar na própria palavra-chave do Glossário, em negrito. Esperamos que você encontre neste livro a materialização de um desejo: o alcance do conhecimento de maneira objetiva, concisa, didática e eficaz. Boa leitura!

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Prefácio

Prefácio A didática, sendo uma ciência que estuda o processo de ensino-aprendizagem, deve ser explorada em todas as fases do ensino. Não seria diferente com o ensino superior. Ao analisarmos o contexto histórico, grandes mudanças ocorreram e, atualmente, o docente que milita no ensino superior se depara com algumas peculiaridades. Sendo o responsável pela transmissão de conhecimento por meio de métodos de aprendizagem, o professor do ensino superior precisa se manter ambientado com os avanços práticos e tecnológicos, caso queira manter a atenção de seu público. Antes, o docente poderia contar com o imprevisto a fim de chamar mais a atenção dos alunos, fomentando a participação e o debate em sala de aula. Essa cumplicidade deu vazão à união que antes se via entre mestre e discente, que chegaram a ir às ruas para clamar pela democracia nos tempos de ditadura. Esse diálogo e união se esvaíram. A tecnologia tomou o lugar da pessoalidade e as atenções, hoje, estão voltadas às facilidades da modernidade: computadores, smartphones, internet, entre outros. De que artifícios o professor poderá lançar mão para ter ao seu lado o aprendiz do ensino superior? Esta e outras perguntas são discutidas neste material, que tem por objetivo resgatar os métodos de transmissão de conhecimento e aprendizagem no ensino superior. Na Unidade 1, a didática do ensino superior é analisada sob o viés histórico. Além disso, a concepção dualista e a propagada feita por Paulo Freire também são apresentadas. O planejamento e a importância dos conteúdos programáticos são explorados na Unidade 2. A docência universitária é o foco da Unidade 3, que trata, também, da problemática envolvendo o surgimento das universidades no país. Por fim, na Unidade 4, o leitor refletirá em torno das abordagens críticas e não críticas e das tendências pedagógicas atuais. A disciplina entrega um convite ao leitor que se interessa e pretende entender o funcionamento do ensino no âmbito superior. Desejamos uma boa leitura e um proveitoso aprendizado.

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Unidade 1 – As características da instituição escolar no contexto socioeconômico...

UNIDADE 1

AS CARACTERÍSTICAS DA INSTITUIÇÃO ESCOLAR NO CONTEXTO SOCIOECONÔMICO CULTURAL BRASILEIRO Capítulo 1 Objetivos e finalidades, 10 Capítulo 2 Organização e política educacional, 18 Capítulo 3 Políticas educacionais, 20 Capítulo 4 Especialistas e recursos materiais, 24

Glossário, 26

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1. Objetivos e finalidades Nesta primeira parte da Unidade, vamos traçar um panorama sobre o desenvolvimento da educação no Brasil, identificando, nos períodos estudados, diferentes objetivos e finalidades a fim de atender às demandas de cada época. O desenvolvimento da educação no Brasil se inicia com a chegada dos jesuítas, a partir do século XVI. As missões jesuíticas serviam para propagar a doutrina da Igreja, que fora contestada pelas Reformas, por povos orientais e, muitas vezes, internamente. Os jesuítas tinham como objetivo converter os não cristãos, ou seja, índios, infiéis ou hereges, em cristãos para, desse modo, deixar os homens o mais semelhantes possível. Eles chegaram no Brasil em 1549 com essa mesma função: priorizar a fé católica defendida pela Igreja e pela coroa portuguesa. A atuação dos jesuítas pode ser estudada em dois períodos: o primeiro, onde se buscou divulgar a fé cristã entre os indígenas, por meio da catequese, do convencimento, de visitas e da ligação dos padres com os chefes das tribos. Com o passar do tempo, os índios passaram a demonstrar resistência, levando os jesuítas a adotar outras formas de ação, dando início à segunda fase, marcada pela construção de colégios nas principais vilas da colônia. O colégio jesuíta no Brasil seguia o que era determinado pela Companhia de Jesus. O colégio ensinava aulas de gramática latina, humanidades, retórica e filosofia. Cumprindo-se, integralmente, nove anos de estudo, a formação de letrado seria alcançada, entretanto, o currículo era ministrado de uma forma intermitente, dependendo da existência de padres-mestres e alunos. Além disso, eram dadas aulas de português, quando, na realidade, os alunos não dominavam esse idioma, já que, na época, o tupi era falado no cotidiano. Em meados dos séculos XVIII, os jesuítas passaram a ser recusados pela elite “letrada”. Quando Marquês de Pombal dominou o poder, ocorreu a expulsão dos religiosos e, juntamente com isto, a reformulação da educação escolar e do sistema de ensino da metrópole e colônias.

Marquês de Pombal

As reformas pombalinas tinham como precípuo objetivo afastar os jesuítas de seu monopólio na esfera eclesiás-


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tica e cultural. Pombal iniciou-as na metrópole e, aos poucos, estendeu-as para a colônia. As reformas pombalinas chegaram ao Brasil com muita dificuldade, pois encontraram várias oposições dos defensores da ordem jesuítica. Aos poucos, foram implantadas redes de aulas avulsas de primeiras letras, gramática latina, grega, retórica e poesia, filosofia, matemática superior e geometria. Foi criado um colégio para formação de padres que visava aplicar a ciência de acordo com as necessidades do estado português. Além disso, devido à influência de brasileiros que foram estudar na metrópole, várias ideias europeias puderam ser encontradas em movimentos, tais como Inconfidência Mineira e Confederação dos Alfaiates (BA), entre outros. As ideias ilustradas podiam ser encontradas, principalmente, nas academias literárias. A educação no Brasil imperial, por sua vez, sofreu influências importantíssimas do contexto político da época, tanto nacional quanto internacional. A Independência Brasileira se deu pelo “partido brasileiro” de caráter moderado, composto pela classe senhorial e defensor da manutenção da propriedade escrava. Porém, é importante ressaltar que a hierarquia social apontava uma preocupação liberal de uma educação apenas para o povo (classe senhorial), excluindo tanto os escravos, quanto as camadas mais pobres, além de verem o controle sobre essa educação como algo de responsabilidade não só do Estado, mas, também, das iniciativas privadas.

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A Constituição do Império (1824) propunha o “ensino primário gratuito para todos e ensino das ciências e das artes em colégios e universidades”, mas deixava a efetivação dessas medidas para uma legislação ordinária. Dessa forma, a primeira legislação (1826-1827) começa a discutir a temática de uma educação popular, definindo o “ensino mútuo” como o melhor método a ser aplicado por se contrapor ao ensino tradicional até então pregado. O Ato Adicional de 1834 promoveu a criação de assembleias legislativas nas províncias e acabou por apresentar influências no sistema educacional brasileiro, pois os conservadores haviam proposto a seguinte estrutura educacional: “(...) a cargo das Assembleias Legislativas Provinciais, o ensino de primeiras letras e os cursos de formação de seus professores, e sob o controle da Assembleia Geral e dos ministros do Império, o ensino superior em geral e as aulas da própria capital do país.” (HILSDORF, 2003).

Para o Estado manter seu controle sobre o ensino superior, criou o Colégio Pedro II, em 1837. Desse modo, o governo controlava quem entrava no ensino superior já no ensino secundário, demonstrando a “barreira antidemocrática” e um tempo próprio dos saquaremas para a educação, no qual “o processo de escolarização da sociedade brasileira nos moldes conservadores caminhou lento, oblíquo e restritivamente, mas de modo tentacular e inexorável”. (HILSDORF, 2003) Após algumas convulsões políticas, ocorreu, no Brasil, a passagem do Império para a República, que trouxe novas questões para a formulação do sistema educacional nacional. Já com o Manifesto Republicano (1870), ficou clara uma forma evolutiva de conquista do poder através do voto e da educação, por verem, nessas duas “instituições”, o modo de formar cidadãos realmente ativos. Assim, a educação aparecia como forma de resolução dos problemas sociais, tornando-se função republicana por excelência. Os propagandistas republicanos defendiam que somente eles tinham condições de agir em defesa de suas necessidades. Desse modo, os republicanos tomavam para si toda a responsabilidade e função de criação das escolas nacionais, seja em 1870 ou em 1890, com a Grande Reforma. Cesário Motta Jr., ao subir ao poder em 1893, criou os Grupos Escolares que, ao reunir em grupos de aulas avulsas crianças de mesmo nível de aprendizagem, possibilitava uma divisão racional do trabalho docente. E, apesar de aceitar crianças das mais variadas camadas, esses grupos não eram para educação das massas, uma vez que eram destinados à população de trabalhadores já urbanizados. Entre 1890 e 1900, os liberais brasileiros criaram e recriaram o sistema educacional brasileiro, desde a escola infantil ao ensino superior e fundamental até a pedagogia, que deveria ser utilizada em cada uma dessas instituições.


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A questão da escolarização foi um fator de extrema importância para as oligarquias que estiveram no poder durante a Primeira República e, também, para os trabalhadores, que reivindicavam uma educação que deveria estar acompanhada de transformações materiais, distribuição de riquezas, justiça e igualdade, pontos que não contavam no repertório republicano. Esses trabalhadores estão associados a certos movimentos, como o socialista, que já está presente na Primeira República. Os socialistas tinham como objetivo possibilitar a educação politizante do trabalhador em todos os espaços, incluindo Marechal Deodoro da Fonseca – líder da Primeira República escolas, bibliotecas e imprensa, pois, visavam o ensino leigo, gratuito e obrigatório. Outro movimento que se encontra nesse período é o dos libertários, sendo estes, imigrantes portugueses, espanhóis e italianos. Essa corrente visava o estabelecimento de escolas leigas, privadas e livres, com uma linha pedagógica clara, que combinava os princípios da escola moderna ou racionalista. Apresentava, como princípio básico, a liberdade e a solidariedade. Já os comunistas assumiram a vanguarda da esquerda operária na década de 1920. Buscavam melhoria de vida e de condições de trabalho para professores e alunos, a educação político-partidária para a formação da consciência operária e a defesa da escola unitária, onde não se tinha a divisão do ensino profissionalizante e intelectual. Porém, a modernização da escola brasileira só ocorre ao longo da década de 1920, quando novos educadores liberais foram introduzindo a pedagogia da Escola Nova no país, por meio de reformas realizadas no ensino. Essa transformação marca a educação brasileira, no sentido de ser uma separação entre a mentalidade tradicional e a progressista. Um exemplo dessa Nova Escola foi a reforma que ocorreu no sistema mineiro, sendo a mais bem-sucedida quanto à substituição do modelo político por um pedagógico. A reforma apresentava algumas características: o predomínio da atividade no lugar da passividade, e escola encarada como ação social e atenta aos interesses das crianças e não à lógica das disciplinas. Portanto, há uma diferenciação e hierarquização pela sua modernidade e atualidade, na proposta estabelecida.

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A Revolução de 1930, visando fazer a reconstrução da nação, foi mais uma transformação que ocorreu na sociedade. Sem grandes rupturas, ela acarretou a substituição do antigo poder oligárquico, baseado nas forças do Estado e nas forças locais, pelo novo poder oligárquico, que era centralizado e menos dependente das forças locais. Pode-se dizer que a Revolução de Trinta, do ponto de vista da educação e do ensino, foi o momento de renovação desencadeado pelos liberais republicanos adeptos da Escola Nova dos anos vinte, os quais eram especialistas do ensino e tradicionais adversários dos católicos. Foram eles que criaram o Ministério da Educação, além de conseguirem neutralizar a influência dos católicos no ensino. Durante o Estado Novo, Vargas manteve uma atuação autoritária, centralista e intervencionista. Ele definiu e propagou o nacionalismo como a cultura oficial do regime, controlou os meios de comunicação de massa da época para reprimir as manifestações do liberalismo e do comunismo, procurando, assim, orientar a mentalidade da sociedade para instituir a moderna nação brasileira. Portanto, o Estado Novo necessitava que a educação escolar propagasse os valores atribuídos à família, à religião, à pátria e ao trabalho. É possível observar que as linhas ideológicas, que definem a política educacional do período, vão se orientando pelas suas matrizes, ou seja, pela centralização, nacionalização, modernização e pelo autoritarismo. O Estado, para reforçar o nacionalismo, destacou no currículo dos cursos a importância da educação física, do ensino moral católico e da educação cívica. Quanto à modernização, esta se deu pela implantação do aparelho burocrático administrativo do setor educacional. Dentro desse contexto, as “leis orgânicas” surgiram para produzir mão-de-obra qualificada e especializada, que produzisse para a agricultura, indústria e setor de serviços. O ensino priorizado foi o secundário técnico, destinado às camadas populares, que moldava indivíduos capacitados para assumir novas funções da “era das máquinas”, voltadas para a abertura do mercado interno. Já dentro das escolas, essas leis procuraram regulamentar o cotidiano de professores e alunos, padronizando a programação curricular, a arquitetura escolar, o controle do recreio e da disciplina, o uso do uniforme, entre outros fatores. A Assembleia Constituinte de 1946 viria a substituir a de 1937, até então em vigor no país, sendo que a nova constituição retomaria questões relativas à educação debatidas nos anos 1920 e 1930, as quais tinham como objetivo descobrir quem e como se deveria fazer o controle da educação nas escolas, já que ela seria a grande responsável pela formação da mentalidade dos indivíduos. Naquele momento, os partidos majoritários eram o Partido Social Democrático (PSD), sendo este o da situação, e a União Democrática Nacional (UDN), o partido da oposição.


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Os constituintes, no decorrer da elaboração da nova Constituição, se utilizavam do debate estabelecido nos anos 1920 e 1930 e, juntamente com os católicos-conservadores, colocam-se contra o “monopólio” do Estado na educação gratuita e obrigatória, sendo favoráveis ao ensino da religião na escola pública e da liberdade de ensino. Em contraposição a esse grupo estavam os liberais, defensores de uma educação laica, mista, única e obrigatória, a qual apareceria no Estado como um dever deste com a sociedade. A nova Constituição não teve nenhum anteprojeto elaborado pelo governo como forma de “guia” e, por esse motivo, os deputados resolveram por tomar a Constituição de 1934 como o eixo inicial que levaria à concretização da nova constituinte. Como forma de colaborar com o projeto, os políticos utilizaram, ainda, a “Carta da Educação Brasileira Democrática” (1945) como fator de inspiração para concluir o feito, já que nela estava presente o “programa de política educacional dos liberais para o novo contexto” (HISLDORF, 2003), atrelando a esse conteúdo redigido a possibilidade da restauração da democracia no país à educação escolarizada, mediante as estratégias de universalização da escola elementar gratuita e leiga e a manutenção do ensino secundário propedêutico. Por fim, tanto católicos quanto liberais tiveram suas principais exigências inscritas na nova Constituição, pois o ensino religioso facultativo prevaleceu, somando-se este ao estabelecimento de “rendas mínimas” com finalidade do custeio de ensino e educação. Ficaram de fora, porém, os debates acerca da expansão do ensino público e de uma “reorientação mais democrática” do ensino. Os debates na Assembleia Constituinte de 1946 foram relacionados de acordo com os alinhamentos ideológicos referentes aos desejos do Estado e, também, da Igreja no que dizia respeito à educação, portanto, essa discussão assumiu um caráter de disputa entre o ensino público e o privado. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), de 1961, propôs um currículo flexível e estudos que possibilitassem um aproveitamento entre nível técnico e acadêmico apoiando, também, a iniciativa privada, desde que o controle da educação permanecesse nas mãos do governo da União, tanto em termos de ideias quanto de organização do currículo.

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TENÇÃO! O sistema educacional brasileiro, até 1960, era centralizado e o modelo era seguido por todos os estados e municípios. Com a aprovação da primeira LDB, os órgãos estaduais e municipais ganharam mais autonomia, diminuindo a centralização do MEC.

Os defensores do ensino privatista acreditavam no direito da família em educar seus filhos, sendo que o governo deveria assumir o financiamento dessas escolas de forma que elas se tornassem gratuitas, com subsídios que poderiam

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ser oferecidos na forma de bolsas de estudo e auxílio na manutenção da infraestrutura escolar. Como o incentivo à escola privada foi feito sem alterações de importância no ensino público, podemos caracterizar os anos de 1946 a 1964 como conservadores em relação ao ensino escolar. Entre as décadas de 1940 e 1950, se consolidou no Brasil a política do populismo, sendo que, nesse momento, a massa reclamava por mais vagas nas escolas públicas, agora insuficientes em decorrência da expansão urbano-industrial repentina ocorrida na capital paulista durante o governo de Jânio Quadros. Para tanto, algumas medidas provisórias foram tomadas como forma de assegurar a entrada de todos os alunos no curso primário (uma maneira de diminuir as taxas de analfabetismo no país), dentre as quais se encontrava a eliminação da “barreira seletiva” entre o grupo escolar e o secundário, como forma de expandir as vagas do ensino público – essa seria a antecipação de uma medida que, depois, em 1967, se tornaria permanente, com a criação da escola de oito anos. Essas medidas tomadas por Jânio, porém, não eram apoiadas pelos educadores ou intelectuais. A compreensão desse contexto se torna complicada se considerarmos que muitas delas, posteriormente, tornaram-se permanentes, funcionando como agravantes no processo de proletarização do ensino que atingiu, também, os professores decorrentes de uma expansão na educação sem a infraestrutura necessária. Mudanças substanciais no sistema educacional brasileiro ocorreram, também, durante o governo militar no Brasil, que teve seu início no ano de 1964 e tinha, por características, o fato de ser um regime autoritário e centralizado, sendo que a economia nesse período era altamente dependente do capital estrangeiro e tinha na indústria a sua base. Como forma de acompanhar as alterações que atingiram a economia, a educação sofreu uma reformulação, em que ela passava a ser vista como um “investimento”, que tinha, por finalidade, um aumento da capacidade produtiva da população e isso geraria, consequentemente, uma melhora do “capital humano”. Sendo assim, as exigências da produção internacional eram atendidas e, dessa forma, se acreditava proporcionar uma melhoria nas condições de vida dos trabalhadores e também de toda a sociedade.


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Nos anos 1960, promoveram-se teorias que propagavam a ideia de que quanto maior o nível educacional, maior a possibilidade de ascensão das pessoas. Com a divulgação dessas ideias, abriu-se espaço para um possível financiamento da educação para os países de “Terceiro Mundo” por parte dos primeiro-mundistas, tendo por objetivo a conquista de novos “mercados assistentes”, que trabalhavam com a educação como forma de construir novos “cérebros” que evadissem para seus países. A fim de promover uma melhoria das capacidades do sistema educacional brasileiro, entre 1964 e 1968 o Ministério da Educação e Cultura e a agência norte-americana USAID assinaram 12 acordos entre si, que tinham por finalidade apontar e solucionar problemas enfrentados pelo sistema de ensino promovido pelo Brasil, sendo que, posteriormente, esses mesmos acordos foram utilizados como bases na formulação de leis que promoveram uma reforma no ensino superior e secundário, nos anos de 1968 e 1971 (Leis n. 5.540 e n. 6.952).

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ARA SABER MAIS! Os Acordos MEC-USAID foram implantados no Brasil com a Lei n. 5.540/68. Foram negociados secretamente e só se tornaram públicos em novembro de 1966, após intensa pressão política e popular. Foram estabelecidos entre o Ministério da Educação (MEC) do Brasil e a United States Agency for International Development (USAID) para reformar o ensino brasileiro de acordo com padrões impostos pelos EUA. Apesar da ampla discussão anterior sobre a educação, iniciada ainda em 1961, essas reformas foram implantadas pelos militares que tomaram o poder após o Golpe Militar de 1964. A reforma mais visível ocorreu na renomeação dos cursos. Os antigos cursos primário (5 anos) e ginasial (4 anos) foram fundidos e renomeados como primeiro grau, com oito anos de duração. Já o antigo curso científico foi fundido com o clássico e passou a ser denominado segundo grau, com três anos de duração. O curso universitário passou a ser denominado terceiro grau. Essa reforma eliminou um ano de estudos, fazendo que o Brasil tivesse apenas 11 níveis até chegar ao fim do segundo grau, enquanto países europeus e o Canadá possuem um mínimo de 12 níveis. Para saber um pouco mais sobre a agência americana, basta acessar o site: <http://www. usaid.gov/>. Acesso em: 27 fev. 2015.

Muitos educadores viam essas reformas como um “isolamento” na educação dos contextos social e político, já que anteriormente, nos anos 1950 e 1960, o elemento cultura era visto como o fator transformador dos grupos sociais. Acreditava-se que, com as reformas promovidas pelo acordo entre MEC-USAID, passava-se a difundir um ensino “tecnicista”, desviando, portanto, do foco inicial pretendido pela formação educacional brasileira. A nova legislação possibilitou, também, a conquista do alvo do grande empresariado capitalista. Assim, recomendava-se que, “de acordo com a concentração de rendas” deveria ocorrer “a concentração do sistema escolar”, refreando, consequentemente, a expansão do ensino público e incentivando a abertura de escolas

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particulares, principalmente no ensino superior. A privatização do ensino foi, também, alvo de críticas por promover a transformação da educação num grande negócio, no qual os únicos beneficiados eram os donos dessas escolas. As décadas de 1980 e 1990 são conhecidas historicamente como “décadas perdidas”, já que, nesse período, o econômico se sobrepôs ao sociocultural, o que acabou por gerar uma sustentação dos problemas, ou até mesmo um aumento deles no que dizia respeito à educação, sendo uma das graves consequências a decadência do nível de ensino e, também, as altas taxas de evasão escolar verificadas naquele momento, muitas vezes decorrentes de fatores classificados como “extraescolares” (tais como falta de transporte, má alimentação etc.). Em vista disso, algumas medidas foram tomadas tendo por finalidade diminuir a influência desses elementos. Assim, o governo passou a oferecer alguns subsídios para que os alunos ingressassem e permanecessem nas escolas, como merenda escolar, livros, transporte. Porém, nem todos concordam que aquelas foram “décadas perdidas”, pois durante aquele período, principalmente na década de 1980, ocorreu a fundação de associações e sindicatos dos educadores e também pode se observar uma relativa mudança na consciência dos professores, que deixaram de assumir posturas “apáticas ou ingênuas”, como as verificadas nos anos de repressão. Foi um período de conquistas importantes para a educação. Assim, depois de contextualizar os vários períodos pelos quais o sistema educacional passou, abre-se espaço para um debate mais atual, em torno da escola brasileira hoje, suas questões e problemáticas.

2. Organização e política educacional A escola tem como função desenvolver as potencialidades físicas, cognitivas e afetivas dos alunos. Um dos seus maiores objetivos é o ensino e aprendizagem que só serão realizados a partir de um conjunto de fatores: atividades pedagógicas, curriculares e docentes. Estas, por sua vez, se realizam através da organização e gestão.

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TENÇÃO! Organização, aqui, é compreendida como uma unidade social que reúne pessoas que interagem entre si por meio de estruturas, com a intenção de alcançar os objetivos da instituição. E gestão, o processo de tomada de decisões e o controle destas.

No período de 1930 a 1980, a organização escolar estava voltada para modelos calcados na administração clássica. Esses modelos passam a sofrer diferentes críticas, sendo que, a partir de 1980, surge uma tendência de gestão baseada numa perspectiva democrática, reflexo do novo cenário político brasileiro, sain-


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do de uma ditadura militar. Este mesmo período é marcado pelas críticas às políticas educacionais. A promulgação da Constituição de 1988 introduziu vários princípios democráticos no sistema de ensino, como a gestão democrática, proporcionando às escolas autonomia e participação dos integrantes da escola na gestão. De acordo com o artigo 206 da Constituição Federal de 1988, o ensino deveria ser ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais (...); VI – gestão democrática do ensino público na forma de lei (...).

De acordo com Libâneo (2007), esta tendência de gestão democrática apresenta muito mais uma forma de representação da comunidade, gestão de recursos financeiros, e menos dispositivos gerenciais e técnicos de funcionamento da escola, deixando de lado os processos responsáveis por garantir o processo de ensino e aprendizagem. O início dos anos 1990 foi marcado por reformas educacionais, sendo que no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso foram realizadas medidas para educação básica, entre as quais: Reforma Institucional, na qual foi redefinida as responsabilidades do MEC, revisão de financiamento e repasse de recursos, foram estabelecidos novos padrões de gestão, algumas medidas foram destinadas para a educação básica, tais como ampliação do acesso, conteúdos curriculares básicos e padrões de aprendizagem em nível nacional, formação de professores, sistema de avaliação nacional do desempenho das escolas. Essas medidas não englobavam um plano abrangente, porém, acompanhavam as tendências internacionais a partir de orientações econômicas e técnicas dos organismos internacionais (LIBÂNEO, 2007). Neste caso, deve-se observar que as reformas educacionais foram acopladas às economicistas, prevalecendo, portanto, a lógica do mercado. Neste sentido, vale a pena fazer uma reflexão: a educação passou a despertar mais interesse pela associação entre conhecimento e informação, exercendo influência no desenvolvimento econômico. Nos países industrializados foi revisto o lugar das instituições encarregadas de produzir conhecimento e informação,

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enquanto nos países emergentes a educação é valorizada em função da reorganização dos processos produtivos e da competitividade econômica. Esta situação leva à seguinte indagação: como equilibrar a necessidade de articulação de um sistema educativo eficaz, de acordo com as exigências do mercado e da mundialização da economia, com uma quantidade de investimentos que deve ser compatível com um Estado organizado sob os parâmetros do neoliberalismo? Ao observarmos o contexto de organização, notamos que a importância atribuída às formas de organização e gestão depende dos objetivos sociais e pedagógicos aos quais se propõe a escola, que estão subordinados às concepções sobre as relações educação e sociedade (LIBÂNEO, 2007).

3. Políticas educacionais A Constituição brasileira de 1988 foi inovadora em vários aspectos, principalmente no que diz respeito à educação. As outras constituições não tratavam desta temática com profundidade. Foi a de 1988 que colocou a educação como um direito de todos os cidadãos, sendo o Estado o responsável por provê-la em todos os seus níveis. Segundo a Constituição, a educação deve promover o desenvolvimento intelectual das crianças bem como sua cidadania. Os estados e a União ficam responsáveis pelo ensino fundamental e médio, enquanto os municípios devem atender à educação infantil. Cabe a estes repassar uma determinada porcentagem dos impostos recolhidos para a educação. Toda criança tem o direito a uma vaga na escola, porém, se no estado ou no município há insuficiência destas, a criança deverá ser destinada a uma escola particular com bolsa garantida pelo Estado, enquanto ele se compromete em investir para que novas vagas sejam criadas. Outro ponto que pode ser ressaltado na Constituição de 1988 é que não só as crianças têm direito a receber o ensino, mas, também, aqueles que não tiveram


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oportunidade de concluir seus estudos na idade certa, caracterizando, desse modo, um incentivo à erradicação do analfabetismo no país. O ensino público e gratuito fica sobre inteira responsabilidade dos órgãos municipais, estaduais e federais, facilitando assim, o acesso de todos a uma educação de qualidade. Além do Estado, fica declarado na Constituição que a família também possui o encargo de promover a educação de suas crianças, que têm sua presença verificada, e o poder público entra em ação caso seja constatado que elas estão fora da escola, sendo os responsáveis punidos em casos de irregularidades. Fica determinado, também, que é de responsabilidade do Estado garantir os meios que facilitem o acesso de deficientes à educação, por meio de um atendimento educacional especializado no ensino regular. O ensino superior deve ser oferecido para todos. As universidades possuem autonomia didático-cientifíca, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, ficando ao seu encargo a contratação de professores. Além disso, esta possui autonomia em relação ao que deve ser ensinado, e o Estado é o responsável por investir na pesquisa e na extensão. A Constituição de 1988 estabeleceu os passos que a educação brasileira deveria seguir, ficando determinada a elaboração de um plano nacional plurianual que vise o desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, conduzindo a ação do poder público à erradicação do analfabetismo, universalização do atendimento escolar, melhoria na qualidade do ensino, formação para o trabalho e a promoção humanística, científica e tecnológica do país. Desse modo, observa-se o desenvolvimento das leis de diretrizes e bases da educação, em 1996, e anos mais tarde do plano nacional de educação que visavam estabelecer, respectivamente, diretrizes e metas para o desenvolvimento educacional do país. A LDBEN (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394) foi instituí­da em 20 de dezembro de 1996 e tem por finalidade estabelecer as diretrizes e bases da Educação Nacional. No “Título I – Da Educação”, é trabalhado o conceito de educação, compreendo-o como um processo de formação humana, perpassando pelo âmbito abrangente da educação e seus processos formativos, esses desenvolvidos não somente pela educação formal, mas que se estendem ao âmbito familiar, na convivência entre os seres, nas relações de trabalho e nos movimentos sociais. Os artigos segundo e terceiro aparecem no “Título II – Dos Princípios e Fins da Educação Nacional” e tratam dos princípios e finalidades da educação como dever da família e do Estado. Ela deve se inspirar nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, e institui os princípios nos quais o ensino deve se pautar, ressaltando a importância da igualdade no acesso e permanência de todos nas escolas: liberdade, aceitação do pluralismo de

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A DIDÁTICA NO ENSINO SUPERIOR

Esta obra destina-se a professores, em geral, e traz considerações teóricas sobre a didática no ensino superior e suas tendências pedagógicas no processo ensino–aprendizagem. Além disso, a autora trata das relações com a formação do professor que atua nesse nível de ensino, com a problemática do planejamento e com o desenvolvimento de abordagens interdisciplinares dos conteúdos programáticos.


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