DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR O PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM
DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR O PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM
Apresentação
Apresentação Um conteúdo objetivo, conciso, didático e que atenda às expectativas de quem leva a vida em constante movimento: esse parece ser o sonho de todo leitor que enxerga o estudo como fonte inesgotável de conhecimento. Pensando na imensa necessidade de atender ao desejo desse exigente leitor é que foi criado este produto, voltado para os anseios de quem busca informação e conhecimento com o dinamismo dos dias atuais. Com esses ideais em mente, nasceram os livros eletrônicos da Cengage Learning, com conteúdos de qualidade, dentro de uma roupagem criativa e arrojada. Em cada título é possível encontrar a abordagem de temas de forma abrangente, associada a uma leitura agradável e organizada, visando a facilitar o aprendizado e a memorização de cada disciplina. A linguagem dialógica aproxima o estudante dos temas explorados, promovendo a interação com o assunto tratado. Ao longo do conteúdo, o leitor terá acesso a recursos inovadores, como os tópicos Atenção, que o alertam sobre a importância do assunto abordado, e Para saber mais, que apresenta dicas interessantíssimas de leitura complementar e curiosidades bem bacanas para aprofundar a apreensão do assunto, além de recursos ilustrativos, que permitem a associação de cada ponto a ser estudado. Ao clicar nas palavras-chave em negrito, o leitor será levado ao Glossário para ter acesso à definição da palavra. Para voltar no mesmo ponto em que parou no texto, o leitor deve clicar na palavra-chave do Glossário, em negrito. Esperamos que você encontre neste livro a materialização de um desejo: o alcance do conhecimento de maneira objetiva, concisa, didática e eficaz. Boa leitura!
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Prefácio
Prefácio Saber o que é educar, o que é conhecer, qual é o efeito da aprendizagem, qual é o papel do professor, o que é necessário para que ele possa exercer a função de docente com plenitude são algumas das informações que este material visa apresentar. Trata-se de um conteúdo que convida o leitor a importantes reflexões acerca do processo de ensino atual e do que realmente se sabe sobre a sua rotina. Na Unidade 1, são explorados temas como a educação e sua finalidade, as inteligências múltiplas na produção do conhecimento, os desafios da Comissão Mundial sobre Educação, a história da educação e as metas atuais A Unidade 2 tratará de temas como o saber fazer na educação e a importância da formação do profissional da educação. As formas de aprendizagem, os desafios do professor no processo de aprendizagem e a definição de ensinagem são alguns dos assuntos estudados na Unidade 3. Finalmente, na Unidade 4 são analisados os conteúdos escolares, a organização do trabalho escolar e sua metodologia e a organização escolar como lugar de práticas educativas e de aprendizagem. Desejamos a todos bons estudos.
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Unidade 1 – Orientação para a produção do conhecimento
UNIDADE 1
ORIENTAÇÃO PARA A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO Capítulo 1 Introdução, 10 Capítulo 2 A educação e a sua finalidade, 10 Capítulo 3 As inteligências múltiplas na produção do conhecimento, 11 Capítulo 4 O instrumental teórico-metodológico que sustenta uma
ação pedagógica fundamentada no ensino, na pesquisa e na extensão, 13
Capítulo 5 História da educação e as metas atuais, 19
Glossário, 22
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1. Introdução A orientação para a produção do conhecimento na didática possibilita uma reflexão que abrange os fundamentos da educação na inserção da didática, no que diz respeito às concepções de vida e de sociedade: é conhecer e compreender os alicerces do processo educativo. Para tanto, é necessário refletir sobre questões filosóficas, históricas, sociológicas, econômicas, teóricas e pedagógicas da educação, com vistas a uma atuação objetiva na realidade educacional.
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ARA SABER MAIS! Antes de iniciar os estudos, convém realizar uma reflexão realizando alguns questionamentos: • Educar para quê? • Educar quem? • Educar para que tipo de sociedade? • Educar a partir de quais princípios e valores?
2. A educação e a sua finalidade De acordo com Silva (2001), a educação tem como finalidade formar um ser humano desejável para determinado tipo de sociedade. Dessa forma, ela promove mudanças relativamente permanentes nos indivíduos, de modo a favorecer o desenvolvimento integral do homem na sociedade. Assim, é fundamental que a educação atinja a vida das pessoas e da coletividade em todos os âmbitos, visando à expansão dos horizontes pessoais e, consequentemente, sociais. Ela pode, além disso, desenvolver uma visão mais participativa, crítica e reflexiva dos grupos nas decisões dos assuntos que lhes dizem respeito, se essa for a sua finalidade. A concepção de educação está diretamente relacionada à concepção de sociedade. Logo, cada época enunciará suas finalidades, adotando determinada tendência pedagógica. Na história da educação brasileira, podem-se reconhecer várias concepções, tendo em vista os ideais da formação do homem para a sociedade de cada época. Silva (2001) afirma que as principais correntes pedagógicas identificadas no Brasil são: a tradicional, a crítica e a pós-crítica. A concepção tradicional enfatiza o ensino e a aprendizagem de conteúdos a partir de uma metodologia rigorosamente planejada, com foco na eficiência. A concepção crítica aborda questões ideológicas, colocando em pauta temas relacionados ao poder, às relações e classes sociais, ao capitalismo, à participação etc., de forma a conscientizar o educando acerca das desigualdades e injustiças sociais.
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A partir do desenvolvimento da consciência crítica e participativa, o educando será capaz de emancipar-se, libertar-se das opressões sociais e culturais e atuar no desenvolvimento de uma sociedade justa e igualitária. A concepção pós-crítica foca temas relacionados à identidade, à alteridade, à subjetividade, à cultura, ao gênero, à etnia, ao multiculturalismo, ao saber e poder, de forma a colher a diversidade do mundo contemporâneo, visando respeito, tolerância e convivência pacífica entre as diferentes culturas. A ideia central é a de que, por meio da educação, o indivíduo acolha e respeite as diferenças. Assim, por meio de um conjunto de relações estabelecidas nas diferentes formas de se adquirir, transmitir e produzir conhecimentos, busca-se a construção de uma sociedade. Isso envolve questões filosóficas como valores, questões histórico-sociais, econômicas, teóricas e pedagógicas que estão na base do processo educativo. Como foi visto, qualquer que seja o ângulo pelo qual observamos a educação e sua inserção didática, encontrar-se-ão fundamentos para o desenvolvimento do ser humano, de acordo com a concepção de vida e com a estrutura da sociedade. As concepções atuais da educação apontam para o desenvolvimento do ser humano como um todo, reafirmando seu papel nas transformações pelas quais vêm passando as sociedades contemporâneas e assumindo um compromisso cada vez maior com a formação para a cidadania. Torna-se imprescindível, portanto, que façamos uma conexão entre educação e desenvolvimento, pensando no desenvolvimento que educa e em educação que desenvolve, a fim de vislumbrarmos uma sociedade mais democrática e justa. Uma educação que carregue, em si mesma, a utopia de construir essa sociedade deve ter como tema constitutivo o desenvolvimento integral do ser humano.
3. As inteligências múltiplas na produção do conhecimento Estudar as inteligências múltiplas, propostas pelo pesquisador americano Howard Gardner, ancora o professor na escolha de recursos mediadores de diferentes tipos, com a intenção de promover o desenvolvimento de toda a gama de capacidades e habilidades dos alunos. Gardner (2000) critica a valorização apenas das habilidades lógico-matemáticas para definir o conceito de “inteligência”, que norteou os chamados “Testes de QI” bastante aceitos até então. Os testes de QI mensuravam, basicamente, o raciocínio lógico-matemático, tomado como padrão para medir a inteligência, considerada uma característica inata. Embora com um enfoque interacionista e com a proposição da existência de uma inteligência sensório-motora, espe-
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cialmente importante nos primeiros anos de vida, Piaget também valorizou, em suas pesquisas, a gênese do pensamento lógico, considerando-o um estágio mais avançado de adaptação. Desde meados da década de 1980, Gardner vem aprofundando seus estudos sobre a “Teoria das Inteligências Múltiplas”. O autor define inteligência como o potencial biopsicológico para resolver problemas e criar produtos culturalmente valorizados. Assim, dependendo do tipo de problema enfrentado, uma ou mais inteligências são acionadas (GARDNER, 2000). O problema “acertar uma flecha em um alvo” exige uma inteligência bastante diferente daquela exigida por “compreender uma pessoa que está sofrendo” ou “resolver uma equação de segundo grau”. Gardner propôs, inicialmente, sete inteligências, deixando claro que estas não esgotam a riqueza da pluralidade da inteligência humana. São elas: • Lógico-matemática: capacidade de resolver e criar problemas e produtos utilizando a compreensão de símbolos matemáticos, operando com quantidades, grandezas, cálculos, proporções, fórmulas; capacidade de lidar com os dados de um problema utilizando o raciocínio abstrato e ferramentas lógicas (dedução, inferência etc.). • Linguística: capacidade de lidar bem com problemas com base em símbolos linguísticos; domínio das palavras, da linguagem oral e escrita; articulação lógica e criativa de ideias; oratória; memória declarativa. • Espacial: capacidade de operar relações de tempo e espaço, localização, composição de formas; senso de direção; organização do pensamento de maneira figurativa; reconhecer e manipular situações que envolvam apreensões dos objetos e seres no espaço. • Corporal-cinestésica: capacidade de utilizar o próprio corpo com o fim de resolver problemas ou fabricar produtos; execução de movimentos corporais finos e/ou complexos; controle e domínio do corpo; práticas esportivas; habilidades manuais. • Musical: capacidade para utilizar símbolos musicais, instrumentos, partituras, ritmos, para compor e reproduzir construções musicais; canto; percepção de sons, tons, timbres; sensibilidade emocional à música. • Intrapessoal: capacidade para o autoconhecimento; saber lidar consigo mesmo; controle das emoções; automotivação; autoestima; usar o entendimento de si mesmo para alcançar certos fins. • Interpessoal: capacidade de entender as intenções e os desejos dos outros; conduzir diálogos; cooperação; sociabilidade; relacionar-se bem em sociedade.
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Mais tarde, o autor acrescentou à lista a inteligência naturalista, referindo-se à capacidade de lidar bem com o meio ambiente, de reconhecer, classificar e lidar com espécies da natureza (plantas, animais), além da inteligência existencial, relacionada à capacidade de refletir sobre questões fundamentais da existência, como o sentido maior do humano e o propósito das tarefas do dia a dia. Ampliar dessa forma o conceito de inteligência implica consequências tanto para as diretrizes mais amplas de educação como para os objetivos e para o fazer pedagógico do professor em sala de aula. Se o ser humano é multifacetado, dotado de diferentes capacidades, habilidades e inteligências, a função da educação deveria ser o desenvolvimento harmônico de todo o espectro de inteligências, de modo a preparar as crianças e jovens para enfrentar os mais variados tipos de problemas em suas vidas. Para tanto, cabe ao professor-mediador ajudar os alunos a, por um lado, identificar e cultivar os seus talentos naturais e, por outro, cuidar e investir esforços em seus aspectos mais fragilizados, para fortalecê-los. Isso só é possível se a escola valorizar todas as formas de inteligência e cultivar um clima de respeito mútuo. Outra implicação diz respeito à forma de apresentar e explorar os conteúdos programáticos. Diferentes tipos de problemas mobilizam diferentes tipos de inteligências, portanto, se o professor variar os recursos que utiliza (uma música, um desafio lógico, uma atividade física, um debate de ideias, uma produção de texto, um exercício de autorreflexão), estará promovendo experiências diversificadas e estimulando as múltiplas facetas do aprender humano. Além de incentivar o desenvolvimento global dos estudantes, variar as linguagens e os recursos de ensino traz outras vantagens. Desse modo, vale ressaltar que diversificar as características das ações propostas no processo de ensino e aprendizagem promove a democratização da sala de aula, afastando-se da “ditadura da supremacia da razão lógica” como caminho único para a construção do conhecimento. Cultivar diferentes aproximações, variar as rotas de acesso ao conhecimento, com o planejamento e a intencionalidade que devem marcar a mediação da aprendizagem são atos que colaboram com a construção do conhecimento complexo, pois fortalecem a articulação e a integração entre a objetividade do conhecimento formal (a “explicação”) e a apropriação significativa e subjetiva da “compreensão”, ampliando os significados e sentidos dos conhecimentos.
4. O instrumental teórico-metodológico que sustenta uma ação pedagógica fundamentada no ensino, na pesquisa e na extensão É possível perceber mudanças que têm proporcionado à sociedade experienciar novas maneiras de associar conhecimentos, fundamentados em estudos dispo-
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nibilizados nas diferenciadas redes de informações. A diversificação desses assuntos contribui para transformar a visão das pessoas que se interessam em compreender a realidade, bem como a trajetória histórica das concepções de mundo. Conforme Delors (2001), existe um instrumental metodológico que possibilita uma ação pedagógica diferenciada ao disponibilizar saberes e saber-fazer, dentro da concepção pós-crítica adequada à civilização cognitiva. Esse instrumental fundamenta as bases das competências do futuro, de modo a aproveitar e explorar, ao longo da vida, as oportunidades de atualização, aprofundamento, enriquecimento de conhecimentos e de adaptação ao mundo em constantes mudanças. Antes de continuarmos nossas reflexões sobre as concepções de educação na didática do ensino superior, vale refletir sobre o seguinte conceito: Para Perrenoud (2000), competência é a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações) para solucionar com pertinência e eficácia uma série de situações. Os estudos referentes a Perrenoud, serão estudados com mais profundidade no próximo capítulo. Continuando as nossas reflexões acerca das mudanças na atualidade, sobre saberes e saber-fazer dentro da concepção pós-crítica, é importante recorrer ao Relatório de Delors, em que foram discutidos e definidos os quatro pilares da educação. Delors (2001), enfatiza que a proposta dos membros dos países signatários (países que assinaram o relatório), que participaram da Comissão Mundial sobre Educação, foi a de enfrentar os desafios para o século XXI e indicar novos objetivos direcionados à educação.
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Os desafios da Comissão Mundial sobre Educação A Comissão propôs, especificamente, disponibilizar uma concepção ampliada sobre a educação, que “devia fazer com que todos pudessem descobrir, reanimar e fortalecer o seu potencial criativo – revelar o tesouro escondido em cada um de nós”. Desse modo, a visão de educação ultrapassaria o sentido puramente instrumental e chegaria à sua plenitude ao desenvolver a realização pessoal do indivíduo. Ao compilarem os resultados das propostas de novos objetivos para a educação, a Comissão compreendeu que a educação deve estar organizada em quatro aprendizagens fundamentais, denominadas os quatro pilares da educação: aprender a conhecer – adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer – agir sobre o meio envolvente; aprender a viver junto – participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; aprender a ser – integrar as três precedentes. Considerando-se a concepção de aprender a conhecer, primeiro pilar proposto, a aprendizagem do conhecimento é contínua, multifacetada e inacabada, visto que pode ser enriquecida à medida que interagimos com o mundo que nos cerca. A Comissão defende a concepção de que esse mundo é compreendido a partir do aumento de saberes que ampliam o nosso campo de conhecimento. Com isso, possibilita-se o desenvolvimento da capacidade de discernir, decorrente da autonomia para visualizar ambientes sob diferenciados pontos de vista, bem como o despertar da curiosidade intelectual, entre outros aspectos que permitam ao indivíduo compreender o real. Em sentido mais amplo, aprender a conhecer pode significar aprender a aprender, de modo a exercitar a atenção, a memória e o pensamento. A aprendizagem direcionada para esse foco está relacionada aos processos cognitivos por excelência. Ao despertar no aprendiz esse processo, pode-se desenvolver nesse indivíduo, também, a vontade de aprender, de modo a querer sempre saber mais e melhor. Para tanto, os educadores deverão ser competentes e sensíveis às necessidades, às dificuldades e à diversidade dos aprendizes, apresentando metodologias que proporcionem o desejo de conhecer, a capacidade de aprender a aprender, respeitando as estratégias, os ritmos e os estilos de aprendizagem de cada educando e, ainda, de construir as suas próprias opiniões e seu pensamento crítico. Outro aspecto importante proposto pela Comissão para aprender a conhecer se refere ao desenvolvimento da pesquisa científica como fonte de conhecimento. A combinação dos dois métodos científicos antagônicos – dedutivo e indutivo – aplicados aos processos relacionados à aprendizagem ao longo da vida, pode ser pertinente ao conhecimento, na medida em que, na maior parte das vezes, ambos são necessários à organização do pensamento.
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TENÇÃO! É importante refletir sobre a questão apresentada e elaborar uma síntese pessoal a esse respeito. Pense em um profissional de educação que irá mediar saberes sobre determinado assunto e que não tenha conhecimento teórico que fundamente a sua ação docente. Imagine como seria essa aprendizagem.
Partindo do pressuposto de que o aprender a fazer está intimamente ligado ao aprender a conhecer, vamos retornar ao relatório elaborado pela Comissão Mundial de Educação e identificar qual foi a linha de pensamento que fundamentou tal pilar. Delors (2001) relata que a referida Comissão diferencia, no relatório, “o caso das economias industriais, onde domina o trabalho assalariado, do das outras economias, onde domina, ainda em grande escala, o trabalho independente ou informal” (DELORS, 2001, p. 93). A Revolução Industrial do século XX substituiu o trabalho humano por máquinas e provocou a necessidade de se desenvolver tarefas repetitivas para atuar nas fábricas. Entretanto, aprender a fazer não pode ser mais direcionado para práticas rotineiras que impossibilitem as pessoas de refletir sobre a sua ação. As mudanças no campo profissional, decorrentes de progresso técnico e tecnológico, modificam as exigências de qualificação, em todos os níveis, pela busca do compromisso pessoal do trabalhador. Para atender a essas exigências, o
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profissional deve ter competências que se apresentem como uma espécie de coquetel individual, combinando a qualificação, em sentido estrito, adquirida na formação técnica e profissional, no comportamento social, na aptidão para o trabalho em equipe, na capacidade de iniciativa e no gosto pelo risco. Ao refletir sobre a questão posta, torna-se fundamental pensar em como o ensino e a aprendizagem influenciam o terceiro pilar, aprender a viver juntos ou a conviver. A Comissão Mundial de Educação destacou que na história da humanidade sempre houve conflitos violentos, mais fortalecidos na atualidade, em virtude do potencial de destruição evidenciado nos séculos XX e XXI. As tentativas de ensinar a não violência nos espaços educativos foram consideradas uma maneira positiva de lutar contra preconceitos que geram conflitos. Entretanto, do ponto de vista macro, as atividades econômicas desenvolvidas no interior de cada país, caracterizadas pelo clima de concorrência, reforçam a competição e, consequentemente, o sucesso individual, bem como as desigualdades sociais, as quais “dividem nações do mundo e exacerbam as rivalidades históricas”. O que fazer para melhorar a situação? Delors (2001) ressalta que, nessa perspectiva, a educação deve aproveitar todas as possibilidades para que a aprendizagem ocorra a partir das descobertas de si com e para com o outro, iniciando pela família, perpassando pela escola, pela comunidade e em espaços educativos, de modo que crianças, adolescentes, adultos e pessoas da terceira idade desenvolvam atitudes de empatia, especialmente entre as pessoas com as quais convive, o que contribuirá, sobremaneira, para comportamentos sociais de tolerância e aceitação das diferenças ao longo de toda a vida.
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Portanto, quando tende a atingir objetivos comuns, o trabalho em conjunto ameniza as diferenças, que podem até desaparecer em alguns casos. O terceiro pilar reforça o propósito de aprender a conviver como forma de minimizar conflitos no processo de aprendizagem e na convivência com os outros. Ao refletir sobre a afirmativa anterior, levantamos o seguinte questionamento: Os membros participantes da Conferência consideram que todo ser humano deve ser preparado, desde a juventude, para o desenvolvimento de pensamentos autônomos e críticos, para a formulação de juízos de valor e, assim, para tomar decisões nas diferenciadas situações do cotidiano. Mencionaram como preocupação para este século a necessidade de fornecer às pessoas forças e referências intelectuais, de modo a compreenderem e comportarem-se no mundo que as cerca como atores responsáveis e justos. E, ainda, que as pessoas devem ter “liberdade de pensamento, discernimento, sentimento e imaginação de que necessitam para desenvolver os seus talentos e permanecerem, tanto quanto possível, donos do seu próprio destino” (DELORS, 2001, p. 100). Desse modo, a Comissão postula pelo desenvolvimento, que tem por objeto a realização completa do homem, em toda a sua riqueza e na complexidade das suas expressões e dos seus compromissos: indivíduo, membro de uma família e de uma coletividade, cidadão, produtor, inventor de técnicas e criador de sonhos (DELORS, 2001, p. 101). Na perspectiva dos quatro pilares da educação, a completude do ser humano, ao longo de seu ciclo de vida, se apoia em um processo dialético que parte do conhecimento de si e, desse modo, atinge a relação com o outro a partir de uma construção social interativa. Portanto, o desenvolvimento se dá em todo momento e em todos os lugares, de maneira multifuncional, complementar e multifacetada.
Recomendações: • A educação, ao longo de toda a vida, baseia-se em quatro pilares: aprender a conhecer aprender a fazer, aprender a viver juntos, aprender a ser. • Aprender a conhecer, combinando uma cultura geral, suficientemente vasta, com a possibilidade de trabalhar em profundidade um pequeno número de matérias. O que também significa: aprender a aprender, para beneficiar-se das oportunidades oferecidas pela educação ao longo de toda a vida.
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• Aprender a fazer, a fim de adquirir, não somente uma qualificação profissional, mas, de uma maneira mais ampla, competências que tornem a pessoa apta a enfrentar numerosas situações e a trabalhar em equipe. Mas, também, aprender a fazer, no âmbito das diversas experiências sociais ou de trabalhos que se oferecem às pessoas, quer espontaneamente, fruto do contexto local ou nacional, quer formalmente, graças ao desenvolvimento do ensino alternado com o trabalho. • Aprender a viver juntos desenvolve a compreensão do outro e a percepção das interdependências – realizar projetos comuns e preparar-se para gerir conflitos – no respeito pelos valores do pluralismo, da compreensão mútua e da paz. • Aprender a ser, para melhor desenvolver a sua personalidade, é estar à altura de agir com cada vez maior capacidade de autonomia, discernimento e responsabilidade pessoal. Para isso, não negligenciar, na educação, nenhuma das potencialidades de cada indivíduo: memória, raciocínio, sentido estético, capacidades físicas, aptidão para comunicar-se. • Numa altura em que os sistemas educativos formais tendem a privilegiar o acesso ao conhecimento, em detrimento de outras formas de aprendizagem, importa conceber a educação como um todo. Essa perspectiva deve, no futuro, inspirar e orientar as reformas educativas, tanto em nível da elaboração de programas quanto na definição de novas políticas pedagógicas. Fonte: Delors (2001, p. 101-102).
Como foi estudado, os membros da Comissão pensaram em uma educação que proporcione ao ser humano o desenvolvimento na sua integralidade.
5. História da educação e as metas atuais Para entender as mudanças propostas no relatório da UNESCO, é importante retornar à história da educação, para que se possa compreender o ambiente no qual a escola está inserida. A escola surgiu no século XVIII, na Inglaterra, no contexto histórico da Revolução Industrial, dentro da complexidade de um mundo voltado para o trabalho repetitivo. Para minimizar o tempo e aumentar os lucros, foi criado um sistema educacional que reuniu, em um mesmo espaço, massas de estudantes coordenadas por professores.
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Assim, o aprendizado foi hierarquizado em séries, de modo que todos os estudantes aprendessem as mesmas coisas, ao mesmo tempo, desconsiderando-se a individualidade e as diferenças dos aprendentes no que se refere aos ritmos, às estratégias e aos estilos de aprendizagem. Essa padronização de conteúdos e metodologias de ensino, com carteiras enfileiradas em lugares predeterminados, ocorria em horários rígidos de início e fim dos momentos de estudo. Como se pode observar, as mudanças na educação ainda são incipientes, considerando-se que replicamos aquilo que nos parece familiar e o que comumente não nos exige o confronto com novas situações cotidianas. Refletindo acerca da relação entre educação e instrução, vale destacar, que se faz necessário compreender que há diversos conceitos de educação que trazem à tona esta discussão. Apoiamo-nos em Delors (2001), que menciona que a educação não pode ser reduzida ao acúmulo de conhecimentos para o desenvolvimento de projetos individuais e coletivos. O autor ressalta que devemos aproveitar e explorar, por toda a vida, as possibilidades referentes à produção e ao enriquecimento do conhecimento, bem como as capacidades de adaptação a um mundo de mudanças. Voltemos ao ensino e à pesquisa e seus desdobramentos no universo estudantil. O foco do ensino é a atividade mental dos alunos, pois o elemento nuclear da prática docente é a aprendizagem, que resulta da atividade intelectual e prática de quem aprende em relação ao conteúdo ou objeto de estudo. Vista a aprendizagem como a relação cognitiva do aluno com a matéria de estudo, o ensino não será outra coisa senão a mediação dessa relação em que o aluno avança não apenas do desconhecido para o conhecido, do conhecimento incompleto e impreciso para conhecimentos mais amplos, mas, também, interioriza novas qualidades de relações cognitivas com o objeto que está sendo aprendido. Isto requer planos de ensino mais precisos em termos de formação de ações mentais por meio dos conteúdos, aulas expositivas com a preocupação com a atividade mental dos alunos e formação de ações mentais e estratégias metodológicas participativas, nas quais se podem incluir projetos, aulas de conversação dirigida, organização e moderação de debates, uso de portfólio e, especialmente, o ensino baseado em problemas.
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O melhor resultado do ensino é obtido quando o professor consegue ajudar o aluno a compreender o caminho da investigação que se percorre para a definição de um objeto de estudo e internalizar as ações mentais correspondentes. Para isso, um procedimento privilegiado é o ensino baseado em problemas. As ações ligadas ao aprender implicam a resolução de tarefas cognitivas baseadas em problemas, de modo que, na apropriação do conhecimento e do pensamento científico, o ensino com pesquisa associa-se ao método de resolução de problemas. Desse modo, um professor cuja prática de ensino inclui a pesquisa “intervém ativamente por meio de tarefas nos processos mentais dos alunos e produz novas formações por meio dessa intervenção”. Para isso, as tarefas de aprendizagem baseadas na solução de problemas são a forma de estimular o pensamento dos alunos para explicar o ainda não conhecido e fazê-los assimilar novos conceitos e procedimentos de ação. “O conhecimento não se transmite aos alunos de forma já pronta, mas é adquirido por eles no processo da atividade cognitiva autônoma no contexto da situação-problema”. Essas ideias sobre ensino e aprendizagem coincidem inteiramente com o entendimento de aprender pesquisando. Nesse caso, a pesquisa aparece como modo de apropriação de conhecimentos e de desenvolvimento de competências cognitivas, no desenvolvimento normal das aulas. Os alunos aprendem a trabalhar com conceitos e a manusear dados, a fazer escolhas, a submeter um problema a alguma teoria existente, a dominar métodos de observação e análise, a confrontar pontos de vista. Além disso, a pesquisa possibilita uma relação ativa com os conteúdos e com a realidade da qual estes pretendem dar conta, ajudando na motivação dos alunos para o aprender. Verifica-se, pois, que a pesquisa não é meramente um complemento da formação universitária, mas atividade de produção e avaliação de conhecimentos que perpassa o ensino. Numa aula, são trabalhados conhecimentos que foram produto de pesquisa, os conhecimentos trazidos provocam outros problemas e suscitam novas descobertas. Portanto, a pesquisa dá suporte ao ensino, embora seja, também, imprescindível para a iniciação científica. Eis que, desse modo, se une o ensino com os modos de investigação conexos à matéria ensinada. Um professor que ensina com pesquisa, vai buscar, na investigação própria da ciência que ensina os elementos, os processos, o percurso indagativo, os métodos, para a atividade de investigação como processo cognitivo.
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O PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM
Esta obra é dedicada a todos os professores que buscam uma orientação para a produção do conhecimento. Explica como a formação do professor afeta o saber fazer na educação, o processo de ensinar e aprender e a aula como organização do processo de ensino, por meio de seus objetivos, conteúdos escolares/metodologia.