Desenvolvimento de Personagens e de Narrativas para Games

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) S544d Sheldon, Lee.

Desenvolvimento de personagens e de narrativas para games / Lee Sheldon ; tradução Noveritis do Brasil ; revisão técnica Delmar G. Domingues. – São Paulo, SP : Cengage Learning, 2017. 560 p. : il. ; 26 cm.

Inclui índice e apêndice.

Tradução de: Character development and storytelling for games (2. ed.). ISBN 978-85-221-2556-2

1. Videogames - Personagens. 2. Videogames - Autoria. 3. Jogos por computador - Design. I. Domingues, Delmar G. II. Título. CDU 004.92

CDD 794.8

Índice para catálogo sistemático:

1. Videogames : Personagens 004.92 (Bibliotecária responsável: Sabrina Leal Araújo - CRB 10/1507)

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Lee Sheldon

Desenvolvimento de personagens e de

narrativas pa ra games

Tradução da 2a edição norte -americana Course Technology PTR Parte da Cengage Learning t r a duç ão

Noveritis do Brasil revisão técnica

Delmar G. Domingues

Doutor em Design pela PUC-Rio Coordenador do curso Design de Games e do curso de Design de Animação da Universidade Anhembi Morumbi

Austrália • Brasil • Japão • Coreia • México • Cingapura • Espanha • Reino  Unido • Estados  Unidos

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Desenvolvimento de personagens e de narrativas para games Tradução da 2a edição norte-americana

© 2014, Course Technology, parte da Cengage Learning.

1a edição brasileira

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida, sejam quais forem os meios empregados, sem a permissão, por escrito, da Editora. Aos infratores aplicam-se as sanções previstas nos artigos 102, 104, 106 e 107 da Lei no 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.

Lee Sheldon Gerente editorial: Noelma Brocanelli Editora de desenvolvimento: Gisela Carnicelli Supervisora de produção gráfica: Fabiana Alencar Albuquerque Editora de aquisições: Guacira Simonelli Especialista de direitos autorai: Jenis Oh Título original: Character Development and Storytelling for Games (978-1-4354-6104-8) Tradução: Noveritis do Brasil Revisão técnica: Delmar G. Domingues Copidesque e revisão: Nelson Barbosa, Fábio Gonçalves, Luicy Caetano de Oliveira, Eduardo Kobayashi, FZ Consultoria e Danielle Mendes Sales

© 2018 Cengage Learning Edições.

Essa editora empenhou-se em contatar os responsáveis pelos direitos autorais de todas as imagens e de outros materiais utilizados neste livro. Se porventura for constatada a omissão involuntária na identificação de alguns deles, dispomo-nos a efetuar, futuramente, os possíveis acertos. A Cengage Learning não se responsabiliza pelo funcionamento dos links contidos neste livro que podem estar suspensos. Para informações sobre nossos produtos, entre em contato pelo telefone 0800 11 19 39 Para permissão de uso de material desta obra, envie seu pedido para direitosautorais@cengage.com

Projeto gráfico: MegaArt Design

© 2018 Cengage Learning. Todos os direitos reservados.

Diagramação: PC Editorial Ltda.

ISBN-13: 978-85-221-2556-2 ISBN-10: 85-221-2556-2

Capa: BuonoDisegno Indexação: Casa Editorial Maluhy Imagens da capa: TSUNEOMP/Shuterstock

Cengage Learning Condomínio E-Business Park Rua Werner Siemens, 111 – Prédio 11 – Torre A – Conjunto 12 Lapa de Baixo – CEP 05069-900 – São Paulo – SP Tel.: (11) 3665-9900 – Fax: (11) 3665-9901 SAC: 0800 11 19 39 Para suas soluções de curso e aprendizado, visite www.cengage.com.br

Impresso no Brasil. Printed in Brazil. 1 2 3 4 5 6 7 21 21 19 18 17

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Prefácio

Os tempos estão mudando Escrevi a primeira edição deste livro entre 2003 e 2004. É o equivalente a décadas atrás no mundo real. A partir daí, a indústria de videogames vivenciou um choque drástico na montanha-russa que marcou seu progresso desde seu surgimento. No início, dominavam os computadores pessoais, como o Apple II e o IBM PC. Eles se juntaram e em poucos anos foram dominados pelas primeiras máquinas de jogos, como o Atari 2600 e a Mattel Intellivision. Quando se desistiu do mercado de consoles em 1983, e todas aquelas cópias de ET: The Extra-Terrestrial acabaram em um aterro sanitário, os computadores pessoais apreciaram um breve ressurgimento. Apenas três anos depois, no entanto, o primeiro sistema de entretenimento da Nintendo foi lançado na América do Norte e, enquanto alguns consoles foram esquecidos, as máquinas de jogos, incluindo os games de mão, como o Nintendo 3DS e o Sony Vita, continuaram dominando. Os computadores pessoais nunca foram totalmente eliminados como plataformas de videogames graças, em parte, ao aumento da resolução gráfica e aos jogos multiplayer que atraem milhões de jogadores.

Vem a revolução Em seguida, uma revolução totalmente nova explodiu no mercado e na demografia dominada pela indústria de videogames desde seus primeiros dias. Essa revolução foi liderada por três desenvolvimentos. O primeiro deles foi o lançamento do Nintendo Wii em 19 de novembro de 2006. O primeiro dos consoles controlados por movimento chocou a Microsoft e

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VI

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a Sony, cujo Xbox 360 e PlayStation 3, respectivamente, tinham melhores gráficos e bibliotecas de jogos mais sofisticadas. O Wii apresentou duas novas razões para jogar videogames. De repente, eles poderiam ser apreciados por toda a família. Os pais se reconectaram aos filhos jogando esses games “ferozes”, como tênis e boliche. A segunda razão para jogar era a parte física. Os jogadores não ficam debruçados sobre controles ou teclados. Eles ficam em pé, se movimentando e até suam como atletas! Membros da família de todas as idades estavam jogando juntos e sendo mais saudáveis. Rapidamente, o Wii passou a ser o best-seller dominante entre essa geração de consoles, o que levou a Sony e a Microsoft a investirem milhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento dos próprios consoles controlados por movimento. A interface Move para o PlayStation 3 foi lançada nos Estados Unidos em 17 de setembro de 2010. Em seguida, a Microsoft, em 4 de novembro de 2010, lançou uma nova interface para o Xbox 360. O Kinect elevou o nível de exigência consideravelmente. Ele não utilizava mais um controle de mão. O Kinect rastreia o movimento do corpo e o faz surpreendentemente bem para um dispositivo tão barato. A decisão de visão de futuro da Microsoft em abrir o código para todos ampliou até as vistas de maior alcance em entretenimento, pesquisa e educação. A segunda inovação em jogos ocorreu apenas sete meses após o Wii ser lançado. Foi uma inovação por muito mais razões do que os videogames por si só, mas o impacto dos jogos foi astronômico. Em 29 de junho de 2007, a Apple adicionou um telefone ao tocador de música iPod. Seu nome, não totalmente uma surpresa, foi iPhone. O iPod Touch foi apresentado em 5 de setembro de 2007, com características essencialmente idênticas mas sem a função de telefone e alguns aplicativos adicionais, como GPS. Em 2008, a iTunes App Store vendeu 115 milhões de dólares em jogos. Um ano depois, a estimativa desse número já saltou para 500 milhões de dólares. Em 3 de abril de 2010, a Apple lançou o iPad. Telefones com Android e tablets foram lançados, e o mercado para todos esses dispositivos explodiu. Hoje, os iPs contam com um percentual de crescimento exponencial do total de vendas de videogames. Essa conta inclui os jogos para todos os dispositivos, sejam entregues na caixa ou baixados, com uma grande exceção. Você pode pensar que o Wii, os smartphones e os tablets teriam acabado com os últimos PCs como o produto mais cotado para a plataforma superior de jogos. Mas havia um desenvolvimento que ninguém na indústria de games parecia prever. A empresa de videogames de maior sucesso nos últimos anos foi fundada em julho de 2007. Naquele ano, o empresário Mark Pincus nomeou seu mais

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VII

©2013 XEOPlay Inc. Todos os direitos reservados.

Prefácio

Figura 0.1 – Tilt World: projetado para o acelerômetro do iPhone.

novo empreendimento depois de ter um cachorro de estimação chamado Zynga. A Zynga não foi a primeira a colocar um jogo no Facebook, mas, de longe, se tornou rapidamente o fornecedor mais bem-sucedido. Depois de apenas cinco anos, a empresa está avaliada em dezenas de bilhões de dólares, embora, em 2010, a Zynga IPO não tenha atendido às expectativas. Mais detalhes serão informados posteriormente. O termo para esses novos jogos produzidos pela Zynga, Playdom e uma série de empresas de pequeno porte são jogos de rede social ou simplesmente jogos sociais. Cinco anos após sua fundação, a Zynga tinha 232 milhões de usuários ativos mensais jogando games como Farmville, Cityville, Frontierville, Empires and Allies, Texas HoldEm Poker, Mafia Wars 2 e Indiana Jones Adventure World. Para surpresa de todos, eles agora estão prontos para os jogos de internet com dinheiro real. Com interesse na divulgação completa, escrevi sobre o recém-cancelado Indiana Jones Adventure World e terei mais a dizer sobre tal experiência neste livro. O incrível sucesso dos jogos nas redes sociais pegou a indústria de videogames de surpresa. Foram rejeitados como simples e mal projetados no plano interativo. E essa opinião foi justificada com mais frequência. Mas hoje muitos dos principais designers da indústria estão projetando jogos de rede social. Os artistas estão aprendendo a lidar com menos pixels e jogos isométricos em vez de jogos com mundos realistas. Os programadores estão se apressando para adicionar

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VIII

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Flash, ActionScript e HTML 5 em currículos que até recentemente eram dominados por C++ e Python. Tomados em conjunto, estes três desenvolvimentos transformaram surpreendentemente a indústria de videogames. Eles expandiram a base de jogadores e modificaram a maneira como os jogos eram vistos.

Conheça os revolucionários Em 2010, a Entertainment Software Rating Board (ESRB), o equivalente à Motion Picture Association of America (MPAA) da indústria de videogames, compilou as estatísticas sobre a indústria de videogames. Elas incluem todos os consoles e computadores pessoais, mas não os jogos sociais: ▷▷ ▷▷ ▷▷ ▷▷ ▷▷

67% dos lares nos Estados Unidos jogam no computador ou no videogame. A média de idade do jogador é de 34 anos. Em 2010, 26% dos jogadores tinham mais de 50 anos de idade. 60% dos jogadores são do sexo masculino e 40%, do sexo feminino. As mulheres de 18 anos ou mais representam uma parte significativamente maior da população de jogadores (33%) do que os homens de 17 anos ou mais jovens (20%).

Uma pesquisa recente da Royal Pingdom revelou que, em geral, a média de idade dos usuários de redes sociais está entre 35 e 44 anos. Em 2010, um estudo de jogos sociais, encomendado pela PopCap, desenvolvedora do Bejeweled e outros jogos sociais populares, observou os jogadores dos Estados Unidos e do Reino Unido: ▷▷ 55% de todos os jogadores sociais dos Estados Unidos são mulheres, assim como quase 60% das pessoas no Reino Unido. ▷▷ O perfil médio de jogadores sociais são mulheres de 43 anos. As novas plataformas para jogos ampliam os tipos de games que as pessoas estão jogando, virando estereótipo, conforme percebido por muitos políticos e pais de homens musculosos em roupas de metal munidos até os dentes com armas de alta tecnologia, em nada mais do que uma escolha entre muitas. O impacto mais significativo sobre a indústria de videogames a partir de jogos de smartphones e redes sociais não é o efeito sobre os jogadores, mas sobre a própria indústria. Com relação a jogos, iPhone e Facebook voltaram às origens. Ao contrário de um shooter AAA que pode empregar mais de cem desenvolvedores e levar anos para ser produzido, hoje, um jogo para o iPhone pode ser feito e comercializado por um estúdio de jogos composto por uma única pessoa. Graças à plataforma GameSalad, Jenna Hoffstein, enquanto era estudante de graduação, criou o jogo Castaway Jelly que, agora, está à venda no iTunes.

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IX

Prefácio

Jenna fez tudo, exceto a música. Os jogos do Facebook estão sendo desenvolvidos por equipes que podem se ajustar e preparar os computadores em uma garagem suburbana. Essa é precisamente a maneira como a indústria comercial de videogames começou. Não com o estouro de um grande número de roteiristas, designers, artistas e programadores, mas com o sussurrar de algumas almas resistentes que trabalham em qualquer espaço vazio que encontram. As grandes empresas que saltaram para surfar nesta nova onda estão lucrando. E é impressionante o renascimento potencial da qualidade e da arte nos jogos, sem empresas impulsionadas pelos sinais de dólar e pelas métricas. A revolução é impulsionada não somente por plataformas e jogadores, mas também por jogos casuais e sociais designados para serem jogados como “pequenos lanches” em vez de “sete refeições”. Os jogos também voltaram para o pátio da escola e para fora dela, jogados por centenas de milhares de pessoas: grandes jogos disputados no “mundo real” e em tempo real, jogos de realidade alternativa e jogos de realidade aumentada. Os serious games estão expandindo nossos conhecimentos e mudando o próprio mundo em que vivemos. Agora, temos novos termos, como gamificação, sala de aula para multiplayers, games for change e muitos outros. Em setembro de 2011, foi anunciado que os jogadores, e não os cientistas, que utilizavam o game de enrolamento de proteínas Foldit decifraram a estrutura molecular de uma proteína essencial para a multiplicação de retrovírus como o HIV/Aids. Os bioquímicos lutam há mais de uma década para a criação de tal modelo. Os jogadores fizeram isso em três semanas. Esta atualização de Desenvolvimento de personagens e de narrativas para games está muito atrasada. E a terceira edição provavelmente estará atrasada em alguns anos. Mas é hora de adicionar estes novos desafios desenvolvidos para os jogos de hoje à história contada na primeira edição. Examinaremos como as personagens heroicas podem ser comprimidas em telas pequenas e como as narrativas podem ser escritas em pequenos bits para acomodar os jogadores casuais, além de contar histórias significativas com personagens convincentes. Exploraremos como o desenvolvimento de games jogados em tempo real deve ser dinâmico e flexível. Enfrentaremos os desafios de desenvolver jogos que envolvem e entretêm e até mesmo ensinam. E, quando um novo tipo de jogo se sobressai da escuridão desconhecida do futuro, colocaremos uma luz sobre ele também.

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Lee Sheldon Troy, NY

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Agradecimentos

Muitas pessoas ajudaram a tornar este livro possível. Gostaria de agradecer aos meus escritores colaboradores, tanto os oficiais quanto os não oficiais: Mark Barrett, Hal Barwood, Bob Bates, Jim Buchanan, Noah Falstein, Nate Fox, Bill Link, Steve Meretzky, Matt Mihaly, Ken Rolston e Mark Terrano. Agradeço também James Ohlen, Jennifer Hicks, Scott Jennings, Alex Bradley, Chris Foster, Jurie Horneman, Chris Klug, Dorion Newcomb, Graham Sheldon e Game Design Workshop: depois de tantos anos, ainda é o grupo de pessoas mais interessantes que conheço. Mais agradecimentos gerais são para Chris Abbott, Ron Austin, Richard Bartle, Sandy Bianco, Jean-Michel Blottiere, Eddie Bowen, Ted Castronova, Glen Dahlgren, Steve de Souza, Mike Dornbrook, Elonka Dunin, Phoebe Elefante, Megan Elliott and Brendan Harkin, Phil Fehrle, Alida Field, Eric Goldberg, Brian Green, Michael Hengst, Hope Hickli, Geoff Howland, Jeanne Johnston, Susan Kelly, Amy Jo Kim, Raph Koster, Nicole Lazzaro, Elan Lee, Peter Lefcourt, Niki Marvin, Anne Massey, Nathan Mishler, Andrew Nelson, Nick Nicholson, Joseph Olin, Otto Penzler, Jeff Perkinson, Sophie Revillard, Francois Robillard, Liz Robinson, Jesse Schell, Damion Schubert, Jeri Taylor, Jeff Tyeryar, John Valente, Rich Vogel, Doug Walker, Steve Wartofsky, Johnny Wilson e Gary Winnick. Alguns de vocês saberá o porquê. Os outros terão de acreditar que também merecem estar aqui. Tenho certeza de que não mencionei alguns nomes. Meus sinceros pedidos de desculpas! Para todos os nomeados e não nomeados, o meu mais profundo agradecimento.

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Sobre o autor

Lee Sheldon é professor associado e codiretor do programa Games and Simulation Arts no Rensselaer Polytechnic Institute. Ele escreveu e projetou dezenas de comerciais, videogames aplicados e MMOs. Em junho de 2011, The multiplayer classroom: designing coursework as a game foi publicado pela Cengage Learning. Agora, a página do Facebook para o método de Lee de ensino com jogos multiplayers é seguida por mais de quinhentas pessoas em 45 países. Lee é colaborador em muitos livros sobre videogames, incluindo Well-played 2.0, Writing for video game genres da IGDA e Game design: an interactive experience e Second person. Ele é mencionado em muitas publicações, é palestrante regular e consultor de design de jogos e desenvolvimento nos EUA e no exterior. Lee começou a carreira acadêmica em 2006 na Indiana University, onde ensinou design de jogos e roteirização. Na IU, primeiramente, Lee instituiu a prática de design de aulas como jogos multiplayers; trabalhou com os serious games Atlantis Quest e Virtual Congress e escreveu e projetou os jogos de realidade alternativa The Skeleton Chase e Skeleton Chase 2: The Psychic, financiado pela Robert Wood Johnson Foundation, e Skeleton Chase 3: Warp speed, financiado pela Coca-Cola. Ele é chefe da equipe de desenvolvimento do Emergent Reality Lab em Rensselaer, um espaço de realidade mista para pesquisa e educação, e está trabalhando na sequência do jogo de realidade alternativa de ensino da cultura mandarim e chinesa, que será o primeiro projeto do laboratório. Mais recentemente, Lee foi consultor de design e principal roteirista no MMO da Gameforge, Star Trek: Infinite Space e roteirista-chefe no jogo do Facebook da Zynga, Indiana Jones Adventure World, além do novo jogo Kinect para Harmonix. Lee é o principal roteirista e consultor de design em projeto de serious games

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que ensinam matemática para ATRLT; consultor na StatStar, um jogo aplicado que ensina estatística para a University of Connecticut; recentemente começou a desenvolver e a projetar um serious game para ensinar ética nos negócios para a Indiana University. Antes da carreira em videogames, Lee desenvolveu e produziu mais de duzentos programas de televisão populares, incluindo Star Trek: The next generation, As panteras e Cagney & Lacey. Como roteirista principal da série diurna The edge of night, recebeu uma nomeação para melhor roteirista do Writers Guild of America. Lee foi nomeado duas vezes para o Edgar Awards pelo Mystery Writers of America. Seu primeiro romance de mistério, Impossible bliss, foi reeditado em 2004.

Este livro é dedicado aos meus pais, Helen e Harold. À minha avó, Elsie King (uma promessa mantida). E para Dolores Brown, minha professora de inglês do segundo ano do ensino médio, que me mostrou o teatro. Obrigado a todos por ajudarem a me dar a vida que hoje amo.

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Sumário

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XV PARTE UM CONHECIMENTOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1 1 Mitos e equações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 2 A história continua a mesma . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

PARTE DOIS Criação de personagens . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 3 Respeito às personagens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 4 Papéis das personagens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62 5 Traços das personagens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92 6 Encontros de personagens . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119

PARTE TRÊS Como contar a história . . . . . . . . . . . . . . . . . . 160 7 Era uma vez . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162 8 Respeito à história . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 192 9 Como trazer a história à vida . . . . . . . . . . . . . . . . 218 10 Explorando novos territórios . . . . . . . . . . . . . . . . 239 11 Anatomia da história . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 262 12 Edição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 275 13 As raízes de um novo tipo de narrativa . . . . . . . . . . . 301 14 Narrativa modular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 322 PARTE QUATRO Os games que se jogam hoje . . . . . . . . . . . . . . . 357 15 Tipos de games . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 359 16 Gêneros de games . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 383 17 Como dar vida aos MMOs . . . . . . . . . . . . . . . . . 411

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Criando histórias em mundos virtuais . . . . . . . . . . . Plataformas de games . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Games sem plataformas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Serious games . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

444 473 492 511

PARTE CINCO REFLEXÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 528 22 O roteirista responsável . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 530 Índice remissivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 536

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Introdução

A segunda edição de Desenvolvimento de personagens e de narrativas para games pretende ser um recurso para roteiristas, designers e aqueles que devem trabalhar conosco e que talvez queiram falar de maneira inteligente em algum momento. Este não é um livro de regras que, se forem rigidamente seguidas, garantirão o sucesso. Você verá que, a cada vez que tento estabelecer alguma lei aprovada para seguir, eu imediatamente penso em exceções. Não tenha medo de quebrar qualquer regra escrita, desde que saiba exatamente o que significa e por que são as regras iniciais. Pablo Picasso sabia disso, como você logo verá. É um dos temas contínuos deste livro. Pense nesta publicação como um livro de ideias e de escolhas. Esperamos que lhe ajude a ter ideias. E se sentirá mais confortável quando as escolhas se apresentarem conforme são escritas. Não é possível ensinar como fazer escolhas. É parte do instinto criativo que chamamos de talento, cuja voz secreta nos guia nas decisões toda vez que sentamos em frente ao teclado. De qualquer maneira, essas escolhas serão diferentes para pessoas diferentes. Apesar do que os gurus dizem, as histórias não são idênticas. Elas são moldadas por todas essas facetas únicas dos humanos que as escrevem. Tenho algumas opiniões formadas, e você as encontrará aqui. Esperamos que, caso não concorde com elas, ainda descubra muita coisa útil como roteirista de jogos. Ou melhor, seu desacordo pode nos esclarecer algo. O debate é parte necessária da aprendizagem. Às vezes, conforme escrevi, queria apenas parar e fazer as minhas perguntas sobre você. Aviso antecipadamente que me prolongarei em casos interessantes e exemplos de todos os tipos de lugares estranhos. Essa é a maneira como as ideias nascem. Quero te incentivar, assim como no desenvolvimento do seu roteiro, a se abrir para todas as artes e para o mundo que busca retratar. Limitar-se a um

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gênero ou tipo de entretenimento favorito pode ser bom para o nosso público (embora eu não incentive isso), mas devemos isso ao nosso público para desenvolver um mundo muito mais amplo em termos de conhecimento e experiência. Este livro é muito mais sobre design de jogos, uma vez que é escrito para jogos. Os dois são praticamente inseparáveis. Ocasionalmente, parecerá que me desviei para tópicos que aparentam ser apenas sobre o projeto, mas, esperançosamente, as discussões serão valiosas para as nossas principais preocupações, personagem e narrativa, mesmo que apenas pelo contexto. Ideias sem contexto podem ser ótimas para adesivos de carro, mas são inúteis para nós como criadores. Não se preocupe, não me desviarei muito. Quando olhamos para outras mídias a fim de compreender como escrever histórias para jogos, a literatura é surpreendentemente a primeira escolha comum. Podemos aprender muito com a literatura, mas os jogos são visuais, um meio de ação semelhante ao drama e ao filme. As narrativas de jogos, como as narrativas no cinema e na televisão, não precisam (e não devem) ser complicadas, mas, como o escritor de mistérios sabe, está tudo na narração, e a trama aparentemente complexa pode realmente ser muito simples. Não podemos falar sobre trama ou desenvolvimento de personagens ou emoção no vácuo. Fazer isso é quase tão útil quanto tentar estudar medicina examinando apenas o pé esquerdo de uma pessoa. Todas as armas do drama devem visar ao que escrevemos. A narrativa e a mecânica do jogo devem evoluir simultaneamente. A tentativa de mudar uma forma de entretenimento para outra é diminuir as vantagens das duas. Mesmo que sejam muito diferentes, elas podem ser combinadas para criar uma única experiência de entretenimento. Não sou programador. Sou escritor profissional. Pelas diversas carreiras, não importa o que sou – editor de narrativas, produtor, diretor ou designer de jogos – antes de tudo, sempre fui escritor. Você não precisa ser um programador para ser um designer de jogos, mas precisa saber o suficiente sobre programação para manter conversas significativas com programadores da equipe de desenvolvimento. Você precisa saber o suficiente para ser capaz de, pelo menos, suspeitar a diferença entre um compromisso firme e querer. Ao contrário da crença popular, nem todos os programadores são mentirosos, mas são o público mais otimista que você já conheceu. E você também precisa saber o suficiente sobre como a programação funciona de modo que as escolhas do jogador não o confundam. Não tenha medo de consentir a agência ao jogador, apenas aprenda a acomodá-la. Você não precisa ser artista, mas precisa ter conhecimentos sobre arte. Isso economiza tempo para ser capaz de ignorar Jackson Pollock como um artista potencial e conceitual para o jogo de caça ao tesouro da Disney. O Mickey Mouse dele te faria infeliz.

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Introdução

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Você não precisa ser escritor. Mas ser capaz de reconhecer que você não é já ajuda muito. Assim como uma pessoa precisa ser programador para programar, você realmente precisa ser escritor para escrever. Muitas pessoas parecem pensar que a escrita não requer destreza manual como a arte muitas vezes requer, ou a capacidade de fazer matemática, que qualquer um pode fazê-la. Um problema com o qual deparamos ao tentar discutir jogos é a falta de um vocabulário comum. Pegamos os termos emprestados de outras mídias e modificamos as definições. Fazemos nossas próprias palavras. Algumas áreas cinzentas da terminologia devem ser mencionadas aqui. Na maior parte, uso videogame e jogo de computador indistintamente, especialmente se a plataforma for irrelevante para o tema em discussão. Às vezes, apenas serei relaxado e não modificarei a palavra jogo para tudo. A menos que eu mencione especificamente, presumam que videogame ou jogo de computador são a mesma coisa. A distinção torna-se importante somente ao discutir o hardware. Em seguida, os jogos de computador são reproduzidos em computadores pessoais e os videogames são jogados em consoles. No desenvolvimento de jogos, a palavra gênero é muitas vezes utilizada equivocadamente quando se fala de ação, RPG, jogos de aventura e assim por diante. Neste livro, reservo a palavra gênero para a definição mais tradicional de uma categoria artística. Na pintura, poderia ser o expressionismo ou o minimalismo. Nas artes que contam histórias, gêneros são mistério, romance e ficção científica, entre outros. Uma vez que temos esses tipos de gêneros em jogos também, diferencio ação, encenação, simulação e assim por diante como “tipos” de jogos. Outra palavra complicada é script. Um script, na minha vida anterior como escritor de Hollywood, era argumento televisivo ou cinematográfico, que consistia no diálogo e nas descrições da ação. Nos jogos, também podemos utilizar “script” para um tipo simples de linguagem de pseudoprogramação que pode ser traduzida para código do programação. Fui chamado muitas vezes para escrever roteiros em script, gerando confusão quando me encontrava com outros desenvolvedores para discutir o projeto. Você encontrará os dois tipos de script discutidos nas próximas páginas, mas o contexto esclarecerá o que quero dizer. Há também a confusa sopa de letrinhas em torno de jogos multiplayer. Os mundos virtuais, persistentes, grandes e massivos e as siglas difíceis de falar, como MMORPG, de Massively Multiplayer Online Role-Playing Game – jogo massivo de interpretação de personagens multiplayer, e MMO (Massively Multiplayer Online/Multiplayer massivo on-line) são apenas tipos de sinônimos. Na primeira edição deste livro, preferia o termo mundos virtuais usado por Richard A. Bartle no livro Designing virtual worlds. Mas ninguém aborda adequadamente todos eles: persistente ou não persistente, multiplayer massivo ou os MUDs e

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MUSHs sobre o qual têm como base. Então, enquanto normalmente fico com o mais curto, o MMO, você pode estar sujeito à maioria deles em um momento ou outro. Hoje, especialmente, a sopa de letrinhas tornou-se ainda mais “embaralhada”. Temos jogos casuais, sociais, de redes sociais, de realidade alternativa, de realidade aumentada, jogos AAA, jogos pervasivos, sérios, aplicados, transmídia e dezenas de outros. Darei o melhor de mim para diferenciar todos eles. Deseje-me sorte! Tento fornecer as datas de nascimento e de morte, se for apropriado, para muitas das pessoas reais que você encontrará nestas páginas e que contribuem para o meu entendimento de, e por amor ao, roteiro. Não faço isso por causa da convenção de livro, mas porque acredito que é importante perceber que não estamos criando novos paradigmas aqui. Estamos construindo conceitos que, em alguns casos, remontam aos homens primitivos, como Urk (790.067 a.C-790025 a.C), o grande caçador de mastodonte que se tornou o “pai da história da fogueira”. Com sorte, as datas serão colocadas em perspectiva sobre há quanto tempo as pessoas pensam sobre as personagens e a narrativa, e, sim, sobre a criação também. Em um livro com este escopo, existem milhares de detalhes. Foi feito todo esforço humano para confirmar as referências históricas, citações e fatos. Às vezes, as fontes primárias estavam disponíveis. Às vezes não estavam, mas havia fontes secundárias confiáveis. Muitas vezes tive somente as referências anedóticas para recorrer. Em outros casos, as tentativas para verificar os exemplos específicos falharam, e tive que confiar em meus próprios poderes de observação (bom) ou em minha memória (fantasiosa). Cometerei erros. Isso não é um jornal. Não sou jornalista. Se eu der um exemplo errado, perdoe-me. Olhe para o fundamento do argumento. Garanto que, mesmo que o exemplo seja impreciso, pelo menos apoia minha tese! Envie correções ou acréscimos. Fizemos muitas correções em relação à primeira edição. Essa segunda edição que você está lendo é outra grande oportunidade para eu cometer erros. Caso haja a terceira edição do livro, ficarei feliz em corrigir quaisquer erros que você encontrar. Usei muito a palavra esperançosamente nesta breve introdução. Este é um livro esperançoso. Você tem em mãos quase tudo o que sei sobre desenvolvimento de jogos e muito do que acredito e pratico, não importando o tipo de desenvolvimento que eu esteja fazendo. Este livro tem o objetivo de informar, instruir e talvez até mesmo inspirar. Use as ideias que puder e descarte o resto. Faça suas próprias escolhas. Todos estamos em uma jornada em que não existe uma única estrada.1 Nota da Editora: a bibliografia comentada desta obra está disponível na página do livro no site da Cengage.

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Parte Um

Conhecimentos

CAPÍTULO 1

Mitos e equações

▷ CAPÍTULO 2 A história continua

a mesma

Prefácio na caverna iluminada por fogo Em uma área com poucas samambaias, foi jogado o corpo de um caçador que já estava esfriando. Um segundo caçador, ferido duas vezes no peito e no ombro, estava nas proximidades, piscando para o sol filtrado pelas grandes folhas de uma árvore imponente. Os homens que estavam manejando facas de pedra cortavam a carne em fatias e raspavam a cartilagem de grandes amostras de pele. O trabalho foi feito com pouca graça; a velocidade era importante. A carne devia estar fatiada para o acampamento atual da tribo o mais rápido possível para ser queimada e consumida em poucas horas. A cada minuto, a carne poderia ser contaminada e havia grandes chances de transmitir doenças, possivelmente até a morte, em vez de nutrir. A morte estava em cada bocada, tanto para os membros da equipe quanto para os caçadores, os coletores de raízes e frutos silvestres, os cozinheiros e os artesãos que modelaram as pontas da pedra em lanças e lâminas de facas. A morte era uma companheira constante, às vezes cruel, outras vezes misericordiosa, inevitável como o anoitecer, uma companhia dependente. Quando tudo o que poderia ser carregado foi retirado da besta desgrenhada e presa há um tempo, os caçadores começaram uma lenta peregrinação de volta para a caverna, que era um refúgio quando a primeira geada do outono tocava a terra apenas alguns pores do sol antes. A carga pesada significou uma viagem

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lenta. E eles deviam estar sempre de guarda contra algum predador que sentia o cheiro da refeição fácil que carregavam. Por fim, a boca da caverna foi pintada; outros membros da tribo se juntaram, aguardando o retorno. Uma vez dentro dela, entre as mulheres, as crianças e os enfermos – não havia idosos nesta vida –, a carne foi espetada em longas estacas e colocada na fogueira central. A pele foi distribuída para as mulheres se protegerem contra o inverno que se aproximava rapidamente. Os dois caçadores lamentaram a perda do animal, a refeição foi consumida e o fogo engoliu a escuridão. Agora, todos se reuniam em volta do fogo: caçadores, mulheres, crianças. Finalmente a conversa sobre trabalho do dia acabou, e todos os olhos se voltaram para o chefe dos caçadores. Ele tinha apenas um olho bom e a mão esquerda havia necrosado depois de ter sido atacada pelos dentes de um grande gato três invernos atrás. No entanto, ele foi o caçador mais corajoso de todos, o mais astuto e o mais hábil. O chefe dos caçadores esperou em silêncio, deixando-o tardar. Ele olhou para o fogo que faiscava e cuspiu nele a gordura animal. Por fim, quando o silêncio foi esticado como um tendão, ele olhou em volta e começou a falar... E, com cada palavra que conhecia, ele contou a história da caça.

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Mitos e equações

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Desde que as histórias de grandes caçadas e caçadores começaram a ser contadas a ouvintes impressionados reunidos em volta do fogo protetor, dos homens das cavernas aos frequentadores de cinema, temos sido atraídos pelo poder da contação de histórias. A narrativa é a linha única tecida ao longo de todo o tecido que nos entretém. A apreciação de uma boa história é um presente não concedido a qualquer outra espécie no planeta. Ela é reservada somente para o homo sapiens. Como outras espécies, o homo sapiens joga. De esportes profissionais a trocadilhos e justaposições de palavras que acendem nossas conversas, os jogos nos agradam em muitos níveis. Gostamos de jogos por serem uma importante fonte do nosso entretenimento e um estímulo para nossa consciência, uma vez que primeiro focamos os nossos olhos recém-nascidos em um mundo de possibilidades. O jogo é uma maneira de lidar com o desconhecido. Se os nossos dedos pudessem jogar com sucesso, talvez não fossem algo para serem temidos! Jogos e histórias têm muito em comum. Ambos lidam com a maneira como lidamos com o medo. Ambos podem nos ensinar sobre o mundo e nós mesmos. Ambos podem nos desafiar, fazendo-nos rir ou chorar. Ambos fazem brotar a criança interior e ambos podem nos manter jovens. Cada um deles pode existir separadamente e ser totalmente divertido, mas também há momentos em que os dois se encontram, um alimenta o outro e se transformam em algo maior do que eram separadamente. Uma das oportunidades mais interessantes para que jogos e histórias coincidam está na forma ainda relativamente nova de entretenimento (em comparação aos livros) chamada videogames. Eles são o foco deste livro (uma forma antiga de entretenimento). Antes de chegarmos nos elementos para elaboração de histórias e construção de personagens, há duas questões fundamentais em que devemos pensar, alguns

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mitos que precisam ser esclarecidos e um reconhecimento de que os jogos são um meio de interação; afinal, queremos ouvir nosso público. Em primeiro lugar, vamos às perguntas.

Por que fazer jogos? É uma necessidade de criar? A necessidade de nos expressarmos? A necessidade de entreter? A necessidade de iluminar a condição humana? A necessidade de gerar grandes maços de dinheiro? Pergunte a si mesmo por que quer fazer jogos enquanto lê este livro. Você nunca chegará a uma resposta que agrade a todos, mas é importante chegar a uma resposta que o agrade. O entretenimento interativo nunca substituirá o entretenimento passivo mais do que um filme possa substituir o teatro ou a tevê possa substituir os filmes. No entanto, crescerá a ponto de ser uma fonte igual de prazer e satisfação para milhões de pessoas em todo o mundo. As oportunidades são ilimitadas para quem tem tempo e paciência para aprender as habilidades necessárias para construir jogos e o talento para tirar proveito deles. Há dois objetivos que muitos dizem que precisamos ter para alcançar como indústria. Na primeira edição deste livro, escrevi: “A primeira é entretenimento de massa. A indústria de jogos pode parecer estar lá em razão da massa absoluta, mas até um único título atinge verdadeiros números de mercado de massa, estamos apenas flertando com o conceito. Em uma noite, em 1977, escrevi um episódio para uma série televisiva, As panteras, visto por aproximadamente 60 milhões de pessoas. Agora, não estamos necessariamente falando da qualidade do produto, mas da quantidade de pessoas que o viram. Mesmo na atual indústria de televisão altamente fragmentada, o público para um episódio de um programa de tevê de sucesso é medido em dezenas de milhões. Essa é a penetração no mercado de massa. E os nossos títulos de maior sucesso nem chegam perto disso”. Oito anos depois? Wii Sports, junto com o Wii em 2006, já vendeu até agora 78,71 milhões de cópias. Meu recorde caiu. E sobre os principais jogos recentes? The Elder Scrolls: Skyrim, lançado em 2011, vendeu 10,41 milhões de cópias. O jogo vendido mais rapidamente na história da nossa indústria, Call of Duty: Modern Warfare 3, também lançado em 2011, vendeu 13,4 milhões de cópias. Isso coloca ainda Call of Duty: Modern Warfare 3 apenas em 29o lugar atrás da dupla Grand Theft Auto, Brain Age 2: More Training in Minutes a Day para o DS, Kinect Adventures, Grand Turismo 3: A-Spec e os 24 títulos da Nintendo, incluindo o número 1 no parágrafo anterior.

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CAPÍTULO 1 • Mitos e equações

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Naturalmente, estes títulos AAA de alta bilheteria são caros, mas não se preocupe, nunca ouvi falar de desenvolvedores ou publishers de sucesso reclamando sobre não ter lucro. E, mesmo que os números de vendas não correspondam aos de visualização, se olharmos apenas para o dinheiro ganho, os jogos são, sem dúvida, uma mídia de massa. Muitas das estatísticas compiladas sobre videogames estão apenas começando a acompanhar os jogos sociais. Grande dica: a empresa que fornece as estatísticas mais úteis para aqueles, como nós, que fazem jogos é a EEDAR (www.eedar.com). Eles não compilam boatos nas estatísticas. EEDAR é a única empresa que faz essa qualidade de pesquisa dedicada para videogames. A sabedoria pode ser traduzida diretamente em vendas. Mas caso seu interesse em tais situações seja mais casual, aqui estão algumas estatísticas interessantes de cortesia da Associação de Software de Entretenimento (ESA – Entertainment Software Association). Dê uma olhada: ▷▷ ▷▷ ▷▷ ▷▷ ▷▷

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72 por cento dos lares norte-americanos jogam videogame no computador. A média de idade do jogador é de 37 anos e joga há 12 anos. 82 por cento dos jogadores têm 18 anos ou mais. 42 por cento de todos os jogadores são mulheres, e mulheres com mais de 18 anos são um dos dados demográficos de crescimento mais rápido da indústria. Hoje, as mulheres adultas representam uma parcela maior da população que joga games (37%) do que os rapazes de 17 anos ou mais jovens (13%). 29 por cento dos jogadores têm mais de 50 anos de idade, um aumento de 9 por cento em 1999. É certo que esse cenário aumentará nos próximos anos com casas de repouso para idosos em todo o país agora incorporando o videogame nas atividades. 65 por cento dos jogadores jogam pessoalmente com outros jogadores. 55 por cento dos jogadores jogam no celular ou com dispositivo portátil. 91 por cento do tempo dos pais estão presentes quando os jogos são comprados ou alugados. 98 por cento dos pais estão confiantes em relação à precisão das avaliações do Entertainment Software Rating Board. 75 por cento dos pais acreditam que o controle parental disponível em todos os novos consoles de videogames são úteis. Os pais também enxergam diversos benefícios dos softwares de entretenimento. 68 por cento dos pais acreditam que os jogos fornecem estímulos mentais ou são educativos, 57 por cento acreditam que os jogos incentivam a família para passar o tempo junta, e 54% acreditam que o jogo ajuda os filhos a se conectarem aos amigos.

Hoje, essa é uma indústria de mídia de massa e, se você pretende desenvolver para ela, precisa conhecer o público com um “s”. Plural. Mais de um.

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O segundo objetivo é alcançar algum tipo de legitimidade aos olhos dos críticos, outras mídias e da população em geral. Não creio que a arte (ou até mesmo entretenimento de qualidade) seja alcançada por alguém que se propõe a fazer arte. Estou falando agora sobre Arte com “A” maiúscula, uma pintura ou uma sinfonia ou um livro ou um filme é considerado um clássico porque “resiste ao tempo”. O que significa uma frase muito usada? Que o criador desse pedaço de Arte conseguisse tocar corações e mentes das gerações futuras quando a Arte foi criada. Antonio Salieri foi o compositor estrela da corte socialmente consciente do Sacro Império Romano José II, mas é Mozart a quem estimamos. Salieri deixaria uma nota de rodapé na história da música se não fosse pela brilhante peça de Peter Shaffer, Amadeus, e o filme adaptado a partir dela. Mas, mesmo com a nova fama, a obra de Salieri não é muito executada hoje. A Arte persiste. A opinião popular some. Então, enquanto seria pomposo sugerir que qualquer criador de jogos está tentando fazer Arte, também devemos estar cientes de que essas qualidades podem ser propícias à geração. Alguns dos nossos produtos podem flertar com a Arte. E, enquanto a Arte não está tão fora de alcance como muitos podem pensar, não é para ficar esperando placidamente para recuperarmos o atraso. É necessário um corpo sólido de trabalho com o qual possamos aprender e uma perspectiva crítica com a qual possamos estudar. Podemos começar suspeitando de como um relógio funciona, observando os ponteiros se movimentando ou ouvindo seu tique-taque. Mas só aprenderemos como ele funciona desmontando-o e remontando-o. Podemos ver exemplos de como isso acontece em outras indústrias bastante novas com aspirações ao “A” maiúsculo. Meu mentor no California Institute of the Arts foi o roteirista e diretor Alexander MacKendrick. Sandy era um produto da “era de ouro” da comédia cinematográfica britânica, um período do final dos anos de 1940 ao início de 1960, quando os estúdios de cinema (o mais famoso deles, o Ealing Studios, onde Sandy trabalhou por quase toda sua carreira inicial) lançaram o que são considerados por muitos como os clássicos da comédia. Os filmes do Ealing Studios, como O homem do terno branco, As oito vítimas, O mistério da torre e Os matadores de velhinhas, foram notáveis (entre outras situações) pela estrutura impecável da história, as personagens não estereotipadas, a iluminação da humanidade e a verdade na tolice das personagens e situações. Em um curso ministrado por Sandy, vimos um punhado de filmes repetidas vezes: Intriga internacional, Sindicato de ladrões e o próprio Sandy em Matadores de velhinhas. O objetivo era enxergar além do valor de entretenimento que cada

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CAPÍTULO 1 • Mitos e equações

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filme possuía para ver as costuras, como todos os elementos se uniriam para criar uma experiência de entretenimento unificada. Caso chegue ao ponto do seu jogo favorito não entretê-lo mais, você terá dado um passo crucial para entender como a magia funcionava. Pode ser um momento triste e estimulante, tudo ao mesmo tempo.

Por que contar histórias em jogos? Os jogos devem tentar contar histórias? Nem todos. Mas podem, caso queiramos. Caso queiramos envolver emoções mais elevadas do que uma descarga de adrenalina, precisamos alcançar o espírito humano, e não apenas suas glândulas endócrinas. Caso quiséssemos ser legitimados algum dia, as narrativas e as personagens são formas consagradas pelo tempo para começar. Podemos fazer isso? A resposta é óbvia: sim. As narrativas não eram utilizadas nos primeiros jogos, mas atualmente as histórias possuem muito valor. Ainda se debate se as narrativas e o gameplay podem ser projetados em conjunto em dado momento. Recentemente tive essa discussão com um norueguês. A história e o jogo precisam parar de brigar como irmãos malcriados competindo pela atenção dos pais. Chegamos nesta luta novamente para explorar o Mito no 2. Podemos fazer isso bem? Claro que sim. Com um pouco de imaginação, talento e técnica. Imaginação e talento não podem ser ensinados, mas podem ser incentivados. Dê a um artesão as ferramentas das quais ele precisa para criar, e a imaginação e o talento podem florescer. As histórias estão presentes em todas as outras formas de entretenimento trabalhadas. Em algumas, como teatro ou novelas (uma espécie em extinção, graças à internet), a história é muitas vezes preeminente. As limitações de produção colocam um adicional necessário em cima do bom desenvolvimento. Eventualmente, se queremos algum tipo de reconhecimento crítico pelo menos como na televisão e no cinema, ou simplesmente alcançar o verdadeiro mercado de massa, é hora de conferir o desenvolvimento dos videogames, com o respeito e o profissionalismo pelo menos igual ao que reservamos atualmente para gráficos, som e programação.

Mito no 1: a narrativa interativa apareceu pela primeira vez em jogos de computador Alguns de nós que fazem jogos têm a tendência de acreditar que a narrativa interna chegou tardiamente à nossa civilização, em nosso desenvolvimento dramático. Na verdade, a interatividade fazia parte da narrativa desde o início. Há uma cena no filme O vento e o leão, escrito e dirigido por John Milius, em que o

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“último dos piratas berberes”, um chefe de deserto interpretado por Sean Connery, está relatando a história de vida em mais uma fogueira de acampamento. À medida que ele relata o conto para o público, interpretado por Candice Bergen, os homens, tendo ouvido isso muitas vezes e sabendo quase tão bem quanto ele, sugeriram-lhe recontar as partes mais importantes e impressionantes. Eles tentam moldar a história, e o contador de histórias, líder sábio que é, molda o fio para atender às solicitações. Podemos confiar que, à medida que o principal caçador conta a história que abre este capítulo, os homens que estavam na caça com ele apresentarão as lembranças, e os membros da tribo que não faziam parte da experiência farão perguntas e responderão às exclamações de espanto, satisfação ou tristeza. Tanto o material adicionado pelo caçador-chefe dos homens quanto a resposta do restante da tribo afetarão a narrativa. Como não afetariam? As performances dramáticas ao vivo levam sempre em conta a personagem extra e o público ajustados adequadamente. Se o público estiver respondendo com riso entusiasmado a uma comédia, os atores aproveitarão essa energia para vitalizar as performances. Já se o público estiver cansado e inquieto, os atores podem se esforçar mais para infundir as palavras com intensidade ou podem simplesmente acelerar o diálogo para minimizar a experiência para eles e para o público. William Shakespeare reconheceu o papel do público no Globe Theatre, principalmente aqueles que estavam em pé com legumes, jogando-os nas produções. Os Cats, de Andrew Lloyd Webber, rastejavam pelo público à medida que a peça estava para começar. Muitos anos atrás, participei de um pastiche de Sherlock Holmes, Crucifixo de sangue, de Paul Giovanni, no teatro de West End em Londres. No meio da peça, houve um barulho súbito na sacada. Rapidamente se tornou impossível para o público ou para os atores ignorarem. Na verdade, um homem gritou da varanda essas palavras imortais: “Há um médico na casa?”. Keith Michel, o ator que interpretava o famoso detetive na peça, repetiu a pergunta. Havia, de fato, um médico na plateia, e o homem que tinha sofrido um ataque cardíaco foi removido de ambulância para um hospital. Quando a peça recomeçou, os atores repetiram o início da cena que havia sido interrompida. Michel, para atrair o público de volta para a diversão, acelerou as falas, dando-lhes uma conotação de quadrinhos que o texto não tinha. Mesmo que ele tenha quebrado a “quarta parede”, um termo que discutiremos no Capítulo 8, “Respeito à história”, o público adorou, relaxou e voltou para a experiência da peça. A atriz principal, Susan Hampshire, não foi tão tomada pelos esforços e ficou olhando para o ator, até que ele finalmente voltou ao ritmo da peça conforme combinado e a realidade da performance.

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CAPÍTULO 1 • Mitos e equações

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A interatividade, o curso de duas vias da narrativa, sempre esteve conosco, mesmo quando os meios posteriores, como cinema, rádio e televisão, eram muito insensíveis ao público, pelo menos durante o momento da ação ou (desempenho) real. Felizmente, ainda temos o teatro! Se tivéssemos de expressar essa relação como uma equação, poderia ser algo como: Roteiro/História + Público = Experiência de Entretenimento Portanto, temos nos jogos de computador uma abordagem muito mais natural para contar histórias do que a anterior, que inclui a participação do público, aqueles indivíduos que chamamos de jogadores.

Mito no 2: jogos e histórias não se misturam Muitas vezes, essa é a primeira observação que sai da boca de alguém que acredita que não devemos mais tentar contar histórias superficiais nos jogos, ou que temos de jogar fora todas as regras “antiquadas” de narrativas e encontrar algum paradigma completamente novo, como inteligência artificial, para conduzir as personagens não jogáveis, ou forçar os jogadores a fazer todo o trabalho e criar qualquer história necessária. Ambos, na verdade, têm lugar nos jogos, mas não como substitutos para personagens desenhadas de modo imaginário ou histórias cuidadosamente elaboradas. A peça de Jerome Lawrence e Robert E. Lee, O vento será tua herança, foi inspirada pelo Julgamento do Macaco de Scopes, realizado em 1925, em que um professor foi processado por ensinar a evolução das espécies. No final da versão cinematográfica, Henry Drummond (um Clarence Darrow ficcionado), interpretado por Spencer Tracy, pega uma cópia da Bíblia e uma cópia de A origem das espécies, de Charles Darwin, pesa-as e, em seguida, coloca-as na pasta. O simbolismo é óbvio. O ensino e a evolução bíblica podem coexistir. Isso também é verdadeiro para narrativas e jogos. Os jogos são muito diferentes das histórias. Todos nós sabemos disso. Enquanto a palavra jogo é interpretada como um meio para uma atividade competitiva, a definição mais geral fora dos círculos acadêmicos é simplesmente “uma forma de se divertir”. Na verdade, os games que incentivam a participação ativa na narrativa são tão antigos quanto os jogos por si só. As crianças aprendem pelos jogos. Elas agem fora das histórias, interpretam as personagens e moldam as histórias e personagens em reação a ações dos amigos. Os adultos que jogam RPG na mesa da cozinha aproveitam a estrutura de um jogo que permite que uma narrativa fluida se ajuste ao jogo. Aqui, nossa equação pode parecer o seguinte:

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Regras do Jogo + Roteiro/História Ensaiada + Jogadores = Experiência de Entretenimento A chave para uma experiência de entretenimento gratificante está no equilíbrio das partes. Equilíbrio é uma preocupação fundamental em muitas áreas de design de jogos, assim como a escrita. Você descobrirá que é um dos temas principais e que voltaremos a abordá-lo neste livro. Se na nossa primeira equação o contador de histórias é incapaz de se ajustar ao público, a participação dele diminuirá (ou se degenerará em partes!) e a experiência de entretenimento será prejudicada. (No caso de produções teatrais da época de Shakespeare, é claro, a interferência era uma parte reconhecida do entretenimento de massa. A sociedade educada foi forçada a apoiar ou patrocinar produções privadas.) Na segunda equação, se as regras do jogo ou o roteiro forem muito rígidos para se adaptarem às improvisações dos atores, a experiência de entretenimento será sofrível. O que os jogos de computadores alteraram nesta mistura é a substituição de seres humanos por algoritmos de um lado ou outro da equação. Em vez de contadores de histórias humanos que respondem ao público ou atores que ajustam suas performances, exigimos o ajuste da programação do jogo, uma proposta muito mais complicada e que abordaremos muitas vezes nas páginas seguintes. Já que estamos “bagunçando” as equações, vejamos mais um mito comum.

Mito no 3: a vida é igual ao drama O Dicionário Webster traz as seguintes definições de drama: 1. 2. 3. 4.

Peça em prosa ou em verso. Arte dramática de determinado tipo ou período. Arte ou prática de escrever ou produzir peças. A situação da vida real ou sucessão de eventos com progressão dramática ou conteúdo emocional típico de uma peça.

A última definição é de maior interesse para nós. Há muitos anos, lembro-me de um debate durante uma mesa redonda na Conferência de Desenvolvedores de Jogos, em que alguns designers de jogos insistiram que, se testemunharmos uma criança sendo atingida por um carro, estaremos vendo drama. Mas essa posição reflete a incompreensão do uso coloquial ou comum da palavra, como em “Aquilo não foi um jogo de basquete dramático?”.

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CAPÍTULO 1 • Mitos e equações

O que realmente significa é “Aquele não era um jogo de basquete tão emocionante quanto o filme da Disney sobre jogo de basquete que vimos?”. Há mais drama do que a vida real. O drama só existe na vida real quando os eventos espelham a estrutura dramática e nos faz lembrar do drama que testemunhamos. Isso não quer dizer que as emoções intensas não possam ser despertadas por uma criança ferida ou pela pontuação em uma competição esportiva. Podemos até nomear esses exemplos como “drama”. Mas é perigoso para os criadores de drama assumirem que tudo o que temos que fazer é seguir o famoso conselho de Hamlet para os jogadores: “Para manter, por assim dizer, o espelho da natureza”. De acordo com a definição, devemos iniciar o drama como uma estrutura na qual se envolve a vida real. Drama Gera Drama da Vida Real. Portanto, a progressão se parece com isso: Drama Þ Drama da Vida Real Mas espere! O que realmente veio primeiro? Não era a vida? Causa e efeito não devem parecer mais com isso? Vida Real Þ Drama Não, porque, mesmo no início da narrativa e do drama, voltando na fogueira após a queda do mamute, houve um passo adicionado na equação: Vida Real + Intérprete = Drama O drama é construído sobre a reflexão que os seres humanos fazem com relação aos incidentes e aos conflitos da vida real e é comunicado a outros seres humanos. E o drama é construído a partir do contexto humano que envolve as realidades da vida interior. Apenas adicionar um intérprete na equação não garante o curso do drama. Vida + Intérprete (Shakespeare) = Drama + Vida + Intérprete (My Next Door Neighbor Bob) = Trivialização Bob é um cara legal, mas não é bardo. Quando você adiciona visão e perspectiva à vida, ela pode se tornar um drama. Ela nos fala como seres humanos e pode enriquecer nossas vidas. No entanto, ao adicionar imagens sem significado, a vida não é dramatizada, é banalizada. Vamos explorar um pouco alguns dos blocos de construção de drama e ver como eles se relacionam com a técnica do desenvolvimento para jogos.

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Última equação Ok, vamos resumir todos os conceitos inatingíveis que acabamos de abordar. Esqueça Arte. Esqueça Drama. Há uma equação primária que conduz todas as indústrias de entretenimento: Entretenimento = Diversão Parece óbvio, não é? No entanto, somos uma indústria inundada em teorias da estimação que desrespeitam a diversão, novos paradigmas que ignoram “descobertas” estrondosas e passadas que só parecem novas para os descobridores porque não têm conhecimento da curta história da nossa indústria. Muitas dessas teorias da estimação, novos paradigmas e descobertas estrondosos foram experimentados e falharam miseravelmente. Parafraseando George Santayana: “Aqueles que são ignorantes do passado serão condenados a esquecê-lo”.

Atenderemos a algumas solicitações do nosso público Nós, contadores de histórias, temos uma boa ideia do que queremos do nosso público. Queremos que ele se divirta. Mas o que eles querem de nós? Se ouvirmos com atenção, eles nos dirão: ▷▷ Leve-me para um lugar onde nunca estive. ▷▷ Faça-me ser alguém que nunca poderia ser. ▷▷ Deixe-me fazer coisas que nunca poderia fazer. Obviamente, todos os meios de entretenimento têm a oportunidade de levar o público a um lugar que ele nunca foi. Mas apenas alguns meios adicionam os outros dois: um parque temático, bailes de máscaras, simuladores, ação ao vivo e, claro, videogames. Caso possamos atender a esses três pedidos tão triviais, teremos sucesso. Como autores, podemos acrescentar mais no nosso prazer. Podemos dividir nossas filosofias de vida, expor nossos pontos de vista políticos, ensinar, estimular, chocar, confortar, desafiar, capacitar, subornar. As escolhas são ilimitadas. Mas é a partir desses três pedidos do nosso público que se abre a porta para todos os outros seguirem. Eles estão no centro de certos “fiadores” místicos de entretenimento, como suspensão voluntária da descrença e imersão. Isso nos trará muitas situações boas se mantivermos esses conceitos e perguntas em mente enquanto trabalhamos.

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