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# PERI Go Skate Day 2012 [PRIMAVERA 2012] 3 Foto: Thiago Marchetti


A música “A Linda Curitiba” do grupo de rap JAC dá o recado: “Curitiba também tem periferia”, reverberando a voz de jovens que não sentemse representados pelos discursos que vendem Curitiba como “cidade ecológica”, “modelo” ou “sorriso” para o restante do país e do mundo. Por outro lado, a composição musical, enquanto coloca o dedo na ferida do poder, atesta que a periferia produz arte e pensa politicamente, possibilitando, por exemplo, grupos como o JAC romperem fronteiras e estigmas. A PERI derruba a fronteira das visões de mundo maniqueístas constituídas a partir de oposições centro/periferia, longe/perto, bonito/feio, rico/pobre para comunicar com e à partir de uma realidade múltipla e pulsante. A cidade ressurge assim como uma trama compexa, uma rede de relações, visões de mundo e estilos de vida, na qual o centro pode ser a periferia da periferia, a periferia pode ser o centro, o centro pode ser a periferia e a periferia pode ser o centro! A cidade é um imenso organismo falante, um manancial infinito de linguagens, um incrível organismo comunicacional mais potente que todas mídias sociais. Interessa-nos o híbrido possível, a mistura, as conexões interbairros, a polifonia. PERI vem do grego em “volta de”. Não desejamos um olhar superior nem inferior, mas um olhar central e periférico ao mesmo tempo, um olhar PERI. Ótima leitura. PERI [PRIMAVERA 2012] 4

# Na foto: ISHTA


ISHTA 21 anos Pixação ou graffiti? Pixação e graffiti vandal Som para inspirar: Arsonists: “Language Arts” Rolê em Curitiba: Qualquer quebrada

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sumário 04 editorial 10 skate 24 perfil 26 rap 34 olhar peri 36 ação coletiva 38 graffiti 48 entrevista

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Nas ruas de terra da Favela do Papelão, zona sul de Curitiba, o rap floresceu no olhar dos piás que acompanharam atentos e entusiasmados cada rima e cada batida do Rap na Favela, evento organizado pelo MC Relato da Esperança nos primeiros dias da primavera que reuniu rappers das mais diversas “quebradas” da cidade. Fotografias: José Geraldo

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PeRi editorial

REVISTA PERI #1 PRIMAVERA 2012 PPGCOM UFPR + NCEP + Central Periférica Editor

José Geraldo da Silva Junior

Reportagem

Ana Carolina Maoski Ana Paula Moura Bruno Santana Franciele Petry Schramm José Geraldo da Silva Junior Mário Hélder

Diagramação Fotografia

Colaborações especiais

Agradecimentos

Capa

Periodicidade Contato

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Coletiva Ana Clara Tonocchi José Geraldo da Silva Junior Rafael de Andrade Pablo Vaz Thiago Marchetti Maria Auxiliadora Rocha Kelly Prudêncio, Toni Vieira, Elizabete Figueiredo, Giulia Fontes, Larissa Fabrizia Fanes, Lucas Sales, Letícia Ordálio Toledo, Marina Sequinel, Marina Yoshimi, Samanta K. Carvalho, Thiago Lavado, Victor Parolin Schnekenberg Roselaine Mendes Ferreira, vice-presidente do Instituto Lixo e Cidadania (ILIX) e integrante da coordenação estadual do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). Fotografia de Ana Clara Tonocchi Trimestral centralperiferica@gmail.com


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go skate day

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saída: praça 29 de março, 17 de junho de 2012, domingo, sol atrás de nuvens cinzas, skate, outro skate, mais skates, uma multidão com skates, alguns patins e bicicletas, rap, rap americano, rap nacional, camisetas sendo lançadas do caminhão de som e disputadas a unha, ”não rasga a camiseta, cara!”, punks, um pai e seus dois filhos: todos de skate, rap curitibano: cilho, nairobi, ant, cabes, skates ao ar, uma imagem histórica, fios de alta tensão, adesivos, “galera não se perde, não se perde”, flyers, manobras radicais, policial de motocicleta, bonés de aba reta, muitos estilos, um fotógrafo, uma fotógrafa, skate no lugar dos carros, rolês de longboard, famílias nas janelas dos apartamentos, uma câmera acoplada no capacete filma tudo, “não rasgue o caderno piá! pense no tiozinho que depois terá que limpar”, um skatista atropela um ônibus, um homem de terno ao contrário, trincheira da martin afonso, “go skate!”, garoa gelada, “skate não é crime“, meus olhos são rodinhas coloridas, “go skate!”, é a juventude sônica, a zona autônoma temporária, nada nem ninguém detém os skatistas que avançam até o centro cívico: “uh skate é foda, uh skate é foda!” Fotografias: Ana Clara Tonocchi & Rafael de Andrade PERI [PRIMAVERA 2012] 11


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As idas e vindas de Roselaine Texto: Mário Teixeira Fotografias: Ana Clara Tonocchi

Roselaine Mendes Ferreira, vice-presidente do Instituto Lixo e Cidadania (ILIX) e integrante da coordenação estadual do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), foi entrevistada com exclusividade pela revista PERI. Com muita disposição, na Cooperativa Catamare, bairro Rebouças, ela respondeu a aproximadamente 20 minutos de questões referentes ao seu trabalho e ao daqueles que, em suas palavras, estão “retirando dos aterros, dos lixões, reaproveitando materiais pra que sejam extraídos menos recursos naturais”. O que começou como uma pauta genérica, ligada ao dia-a-dia dos catadores em Curitiba, também se tornou uma história de perseverança na defesa dessa categoria. A trajetória profissional de Roselaine, cheia de “idas e vindas” na catação, remete à sua infância, quando “tinha três ou quatro anos” e a mãe a “levava no carrinho pra coletar no Centro”. PERI [PRIMAVERA 2012] 24

Hoje, ela própria como uma jovem mãe, cultiva uma relação bem diferente com sua criança: “tenho um filho de 7 anos e estou separada. Então, quando chego em casa, tenho que ter tempo de dar atenção. Porque ele não quer saber como foi o seu dia, se foi pesado, se você está cansada ou se não está. Ele quer atenção. E tem que ajudar a fazer a tarefa”. Quando estava casada e grávida, aos 17 anos, Roselaine teve de interromper um estágio no Detran e seus estudos na sétima série para sobreviver: “dois desempregados, dois adolescentes… Eu tive de voltar pra catação”. O retorno foi ao trabalho com o qual já estava familiarizada, para atravessadores. E essa realidade tão desafiadora e tão familiar só começou a mudar quando ela conheceu a Catamare, que passou a ser sua cooperativa e a apresentou ao Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis.


A posição de liderança no MNCR, à qual foi eleita em 2010, para ela, foi consequência de “sempre participar das reuniões” do Movimento, “ser menos tímida” e “estar conversando, abordando o catador na rua”. Sobre as dificuldades desse cargo e da vice-presidência no ILIX, ela explica: “não tem muito desafio porque é a convivência, é o dia-a-dia, é o que eu já fazia dentro da Catamare enquanto cooperada. O desafio maior mesmo é com a população. Conscientizar pra separar o seu material dentro de casa, pra ir à associação. Nesta semana, por exemplo, foi um cachorro morto dentro da coleta seletiva pra Associação de Recicladores de Pinhais. Então, o trabalho maior é conscientizar a população”.

Nessa problemática, ela também inclui preconceitos que algumas pessoas carregam: “acham que o catador enfeia a cidade, não acham que o catador trabalha com material reciclável, ainda pensam que é o lixo, que está atravancando rua porque caminha junto com os carros”. Para combater essa ignorância, a vicepresidente do ILIX ajuda a coordenar campanhas: “a gente costuma dar muita palestra pra universidade mesmo. Então, muitos dizem que, antes de conhecer o trabalho, de visitar a associação, de ver a gente triando, tinham uma outra impressão do catador. E, depois que conhecem o trabalho, começam a respeitar”. Segundo Roselaine, não é apenas o cidadão que precisa ficar atento à importância dos catadores, mas principalmente o poder público de municípios paranaenses: “falta estrutura. Um galpão, um barracão grande com pren-

sa, balança, carrinho… Ainda hoje a gente tem associações como a Almirante Tamandaré, que não tem uma prensa. A prefeitura não dá incentivo. Então, isso prejudica o trabalho deles. Eles não conseguem fazer uma venda com um valor melhor se esse material não estiver prensado”. “A gente quer trabalhar pra ir no mercado e escolher o que a gente quer comprar. Então, queremos que a nossa renda melhore, não simplesmente ganhar uma cesta básica do governo”, completa. Em meio à articulação política dessas demandas pelo Paraná, a coordenadora estadual do MNCR não desanima: “este trabalho que eu faço é pra que as outras associações cheguem no patamar no qual está a minha cooperativa. Que estejam ganhando melhor, que tenham uma estrutura melhor. É isso que me motiva realmente”. Parece ser a mesma motivação que ela aplica à vida pessoal, pois, mesmo morando “na periferia, numa favela” e tendo “várias dificuldades” por isso, é assertiva: “Pretendo voltar a estudar este ano”. Embora ainda não tenha completado seu período escolar, Roselaine tem educação como instrumento fundamental para coordenar a comunidade de catadores: “a gente tem um grau de analfabetismo muito grande. Então, muitos não sabem os direitos que têm. Realmente, quando trabalha com lixo, acha que faz parte dele. Então, o que a gente busca é fazer com que o catador entenda que hoje sua profissão é reconhecida, que é digno trabalhar dessa forma”. PERI [PRIMAVERA 2012] 25


MC Algoz apresenta-se na Praça 29 de dezembro durante o lançamento da Coletânea “Som de CTBA - Vol. 4” PERI [PRIMAVERA 2012] 26


RAPARANÁ as rimas do rapem CWBeats

Franciele Petry Schramm José Geraldo S. Jr.

O rap está "bombando" nos alto-falantes nacionais. Só para rimar: o estilo hoje ocupa as páginas dos cadernos culturais e tem espaço até mesmo nos telejornais. Em Curitiba, o volume está no máximo, no centro e na periferia, de noite e de dia, nas ruas e nas timelines das mídias sociais. Um "rolê" atento pelas ruas ou mesmo uma breve navegada na Internet é suficiente para se começar a perceber uma intensa movimentação de dezenas de rappers, DJ`s e beatmakers, ficar por dentro de festas, batalhas de MC`s, lançamentos de álbuns, coletâneas, eps, mixtapes, singles e videoclipes de ilustres conhecidos e desconhecidos. Aprofundando-se um pouco mais descobre-se que na base desta intensa circulação de ritmo e poesia pelas artérias da cidade estão os estúdios e as produtoras independentes.

Acolméia Loops, Akimemu, Digital 2030, Estúdio Crazzy, Dirijo Records, Fábrica de Sonhos, Kontratak, LAB:01, Lapaz Records, O Moio, Maloka Records, Snarekick, Track Cheio, Trinca Rua, Underapz e UpGround são alguns destes realizadores. Para compreender este momento da cena rap na capital paranaense que há duas décadas conecta mentes e corações, cruzando territórios e classes sociais, a PERI foi ouvir quem entende do assunto. "Se liga sangue bom!" PERI [PRIMAVERA 2012] 27


No rap há 15 anos, Magú logo adianta que não é uma tarefa simples explicar a cena do rap em Curitiba na atualidade. "Hoje, a coisa tomou uma proporção imensa. Quando cheguei nisso, éramos poucos jovens, de bairros distintos, reunindo-se, conhecendo-se e trocando informação e revolta, hoje não é não tão simples descrever e localizar a coisa", explica o MC que este ano lançou de forma independente o elogiado “Onde for serei melhor”. Magú tem razão. O rap em Curitiba corre na velocidade das ruas e da informação. Se você acha que está por dentro, no instante seguinte uma canção é disponibilizada para baixar, um novo beat é lançado no soundcloud, uma festa é marcada para o final de semana, seja no quintal da casa de um DJ na periferia seja em uma casa noturna no centro da cidade.

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MC Cabes e MC Cilho (Foto: Pablo Vaz)

O rap não surgiu ontem em Cu- pelo que vem daqui. Antes havia uma ritiba. O contexto atual de intensa espécie de "tanto faz" quando se faprodução musical tem história e pos- lava em Curitiba, analisa o MC Magú. sui forte conexão com a cultura hip hop. O MC e produtor musical Luis Cilho concorAs manifestações iniciais do hip hop na da com Magú e atribui o desenvolvimento cidade ocorreram em 1984 quando alguns da cena rap na cidade ao esforço de MCs, Bboys se reuniam para dançar breaking em DJs e produtores, como também à cresfrente ao recém inaugurado Shopping Itália, cente aceitação do rap pelo público local. prática que virou hábito que virou tradição... "Toda essa mudança e crescimento se deve a verdadeiros guerreiros que trabalham inJá o rap chegou oficialmente em Curitiba tensamente para isso, seja na promoção em 1990 com a mudança de Davi Gabriel de eventos, ou na criação e produção de Pascal, o Davi Black. Oriundo do bairro músicas com qualidade, e também tem a Capão Redondo, zona sul de São Paulo, parte que pra mim acredito ser uma das Davi formou o grupo 3D Rap e em mais importantes que é o público, que cada 91, juntamente com Toaster Ed- vez mais aceita os artistas locais", explica. die e DJ Gordinho, o Projeto Niggaz. Este bom momento do rap curitibano, in22 anos se passaram e incontáveis clusive com MCs, grupos e beatmakers rimas, scratchs, batidas e "rolês" tece- obtendo reconhecimento nacional além ram uma complexa trama que hoje con- de ser um estímulo para a própria cena stitui e dá sustentação ao rap curitibano. tem motivado, direta e indiretamente, uma "A cena curitibana nesse momento está nova geração de rimadores e criadores bem destacada. Há um certo respeito de beats a investirem em seus projetos PERI [PRIMAVERA 2012] 29


Para a MC Karol Conká, “o governo tem que abrir mais os olhos para ver que tem algo bonito acontecendo” Levantamento feito pela Central Peri férica, projeto que mapeia produções culturais periféricas, estima a existência de cerca de 250 MCs atuantes na Grande Curitiba, além de dezenas de DJs, beatmakers, escritores de graffiti, b-boys e b-girls. Todavia, o crescimento da cena não está sendo acompanhado por políticas culturais que poderiam dar sustentação a ela. Grande parcela da produção de eventos, álbuns e videoclipes ocorre em função dos esforços dos próprios artistas. "Está faltando investimento e valorização da cena por parte dos órgãos municipais e estaduais responsáveis pela cultura", analisa Gaúcho Rinaldi, MC do grupo Lado Trilho. "Todas as iniciativas são independentes e partem de pessoas simples e com um ideal de mudança pra melhor. O que sinto falta é de editais e projetos culturais voltados ao Hip Hop", declara o MC Cilho. Reconhecida nacionalmente, a MC Karol Conká, assim como Gaúcho Rinaldi e Cilho, aponta a existência de descaso do poder público com os artistas do rap. PERI [PRIMAVERA 2012] 30

" Há locais em Curitiba maravilhosos, perfeitos para se organizar eventos lindos no final de semana. Em Belo Horizonte, eu vejo praças lindas, com policiamento, tudo bonitinho e com 800 pessoas na rua, em um evento maravilhoso, e todo mundo fica na paz. Curitiba é muito fechada para essas coisas. O governo tem certo preconceito ainda, acha que o rap é uma cultura pobre, que não pode aparecer nas mídias. Mal sabe que existem artistas daqui reconhecidos nacionalmente. Na verdade, nem tem mesmo essa obrigação de saber, mas penso que deveria, pelo menos, procurar entender, dialogar e discutir os projetos apresentados pelo pessoal da cena. Quando viajo e comento que aqui em é difícil ter evento, as pessoas ficam assustadas: “como assim Curitiba, uma cidade linda, limpa, bem conservada e não tem um evento?"O governo tem que abrir mais os olhos para ver que tem algo bonito acontecendo".

Gaúcho Rinaldi e Carlos Midjey do Lado Trilho


Na batalha pelo reconhecimento da cena, novos focos de resistência cultural despontam nos quatro cantos do estado. São os estúdios de gravação, produtoras e produtores cujo trabalho tem permitido que o fluxo de rimas e levadas que circula pelos corpos e mentes de centenas de jovens seja registrado e reverbere pelos espaços sociais. O barateamento dos computadores e o surgimento de programas mais simples de criação e edição de beats possibilitam também a produção caseira do rap. Nesta conjuntura, debates emergem. O rap curitibano corre o risco de perder em qualidade frente a um cenário marcado pela produção musical massiva e pela busca constante por apresentar novidades nas mídias sociais? Para Grilo Kinino o que tem imperado é a quantidade e não a qualidade. “O rap já não é mais o mesmo. É triste ver que o que você lutou com todas as forças para um dia ser reconhecido como música perante a sociedade sendo usado de maneira egoísta, leviana e sem nenhum sentido por algumas pessoas que só pensam em benefício próprio para se destacarem perante um grupo social. Vamos ouvir o que temos para valorizarmos o

que somos não em um momento e sim em uma história que cada MC escreve no livro da cultura hip hop”, argumenta o MC do grupo ManosCrito. O MC e produtor Cabes não vê nesta situação um problema capaz de deteriorar o cenário rap curitibano, pois, segundo ele, o rap de qualidade não deixará de existir nesta nova conjuntura marcada pela expansão do acesso da sociedade à informação. “Acredito que quanto mais gente com acesso a informação, melhor. Sempre haverá espaço para trabalhos bons: esses sempre vão se sobressair. Não basta só colocar um som na net e esperar que ele bombe. É um trabalho pesado feito em cima de cada música, para que a arte chegue até as pessoas”, declara Cabes que em 2011 lançou o elogiado “Pra Onde As Pessoas Vão”. Cilho acrescenta: “hoje em dia com acesso fácil a tudo através da Internet qualquer um pode começar, e acho isso muito legal! Mas o que é preciso saber é a origem do rap, a história do Hip Hop, se informar mesmo! O rap tem um papel social importante e ando vendo muita música nova sem conteúdo, lógico, salvo várias exceções”.

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Depois dos debates fundamentais para a própria evolução da cena é hora de ouvir as centenas de artistas. Como? Adquirindo CD`s, coletâneas, singles, mixtapes independentes ou mesmo ouvindo na Internet as faixas que são disponibilizadas pelos próprios músicos para download. Onde? Se "antenando" nos eventos públicos ("Batalha da Cultura", "Rapaz"), votando no Prêmio Paraná Hip Hop e frequentando o circuito de festas que acontecem na cidade focadas tanto no gênero ("Hip Hop Sessions", "I Love

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CWBeats") como em vertentes que dialogam com ele como o dub ("Hazedub"), soul music e funk ("Funk You"). Se você quiser se aprofundar nas raízes do rap curitibano a dica é o grupo "Acervo Rap Curitibano" no Facebook, que reúne importantes articuladores do movimento e dis-ponibiliza gravações e imagens que refletem a história do rap na "cidade zero grau". A partir daí é só seguir o fluxo dos links, sentir o peso dos beats e encontrar o seu flow...


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O OLHAR PERI desta edição é do Rafael de Andrade. “São Baiano das Agrárias me permitiu registrar a sua ilustre tenda, que leva mais da minha renda do que o restaurante universitário” PERI [PRIMAVERA 2012] 35


S達o Cristov達o 1x0 Trincheira Reportagem: Ana Carolina Maoski & Ana Paula Moura Fotografia: Maria Auxiliadora Rocha

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“A comunidade São Cristóvão, em São José dos Pinhais, provou que a união não faz só açúcar”, brinca o pároco Estanislau Talma ao se referir à luta bem-sucedida dos moradores contra a construção de uma trincheira na Rua Arapongas que aconteceria sem consulta prévia à população e exigiria a implantação de vias rápidas no entorno de uma escola da região, Depois de ouvir boatos em torno das marcações feitas no lugar por agentes da Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (COMEC), os moradores obtiveram a confirmação de que a trincheira seria mesmo construída. A obra integrava o “Projeto do Corredor Aeroporto-Rodoferroviária” e estava incluída no Programa PróTransporte do PAC da Copa do Mundo de 2014. Para a comunidade São Cristóvão a falta de consulta à população, como afirma o pároco, foi o que causou indignação nos moradores. “Nós não somos contra a logística da Copa e sim contra a falta de consulta à população”. Foi então que as iniciativas contra a obra começaram. A primeira delas foi o posicionamento da Igreja. Cartazes presos ao muro anunciavam: “Diga não à trincheira na Rua Arapongas”. Em seguida, um abaixo-assinado organizado pelo Conselho de Desenvolvimento Social local, o Projeto Noé, passou a marcar presença na porta da paróquia durante os horários de missa e na Festa do Santuário. A ação reuniu 1800 assinaturas. Os moradores também decidiram expressar a indignação com faixas nos muros de suas próprias casas e pinturas na rua. Além disso, ligaram para emissoras de rádio e televisão. O resultado das mobilizações foi uma reunião com um representante da comunidade com autoridades locais.

Olho no lance! Apesar das iniciativas tomadas, a comunidade constatou que precisaria de ajuda para lidar com os aspectos políticos e jurídicos que a mobilização trouxe. Foi então que o Projeto Noé entrou em contato com o Comitê Popular da Copa de

Curitiba – grupo popular formado por entidades não governamentais que estuda e questiona os impactos da Copa do Mundo de 2014. Segundo Maria Auxiliadora da Rocha, coordenadora do Projeto Noé, a ajuda do Comitê foi fundamental para a vitória da comunidade. “O Comitê deu força à comunidade. Além da assistência jurídica, proporcionou maiores proporções ao nosso movimento”, conta. Com a orientação do grupo, a comunidade encaminhou 2 mil assinaturas à Prefeitura de São José dos Pinhais. O documento, posteriormente, foi repassado pelo prefeito à COMEC. A comunidade não parou por aí. Além de lidar com questões burocráticas, a população decidiu ir às ruas para pressionar os órgãos públicos. E escolheu um dia estratégico, junto ao Comitê, para isso. No dia 12 de dezembro, dia nacional de luta dos Comitês Populares da Copa de 2014, os moradores fizeram uma passeata que saiu da paróquia e foi até a prefeitura municipal. O objetivo era protestar contra as violações dos direitos humanos cometidas em função da Copa. O principal símbolo da manifestação foi o Dossiê Nacional de Violações dos Direitos Humanos, que pretende dar visibilidade aos impactos negativos do campeonato. O documento foi entregue à Câmara de vereadores e à prefeitura. De acordo com Maria Auxiliadora, a união com o Comitê foi muito vantajosa para a comunidade. “Ele nos deu força como movimento, nos orientou e apoiou. Iríamos nos mobilizar de qualquer forma, mas a participação deles, com a entrega do dossiê, deu uma proporção bem maior para a causa”, afirma.

Gol de placa Quinze dias após a passeata, a COMEC encaminhou um comunicado à Prefeitura dizendo que a trincheira não seria mais construída no local. A população, em festejo, decidiu trocar as faixas da igreja, que pediam pela não construção da trincheira, por faixas comemorativas, que traziam frases como “Vencemos! A trincheira não vai sair aqui”. PERI [PRIMAVERA 2012] 37


FOTOS: TOXICOMANOS CREW

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A volta por cima de Leonildo Entrevista/Foto: Bruno Santanna

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No samba “Volta Por Cima”, Paulo Vanzolini canta que um homem de moral não fica no chão, mas “reconhece a queda e não desanima, levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”.

cia, acabei indo pra rua. Depois de um ano na rua, no final de 2006, eu consegui ir embora pra São Paulo. Lá tem mais infraestrutura pra quem está em situação de rua. Fique em um abrigo, o albergue Pedroso, lá participando de encontros no Os versos do sambista paulista resumem Largo São Francisco conheci o movimento parte da trajetória de Leonildo José Mon- quando estavam distribuindo chá e depois teiro filho, 36, hoje coordenador do Mo- fui convidado a montar ele aqui no Paraná. vimento Nacional da População de Rua em Curitiba, mas que sentiu na pele Fiquei três meses falando que não queria a aspereza que é viver no olho da rua. voltar, a cidade é fria e as pessoas ainda mais. Era um grande desafio montar o movimento no Paraná, principalmente em CuEm 2005, Leonildo mudou-se para a ciritiba. Mas acabei aceitando. Fiquei um ano dade sorriso em busca de trabalho, mas aqui e participando das reuniões em São viu seu sonho transfigurar-se lentamente Paulo, que eu ia de carona. O que mudou em em pesadelo. Desnorteado no sul per- 2007, com a ajuda da Curia, onde fazíamos deu os documentos. Sem conhecer nin- as reuniões e fizemos o censo do Ministéguém e sem ser reconhecido por alguém rio do Desenvolvimento Social e Combate acabou na rua. “A rua é o último espaço à Fome (MDS) sobre a população de Rua para o cidadão, muita gente não vê a rua. em Curitiba, que deu 2176 pessoas em É o extremo do extremo. Dela você só situação de rua. Com as reuniões em São tem dois caminhos: a cadeia ou a morte”. Paulo, eu vi e trazia muitos jornais voltados à população de rua, como o “O Trecheiro”. A PERI conversou com Leonildo que nos contou em detalhes sobre sua ex- Em 2009, tivemos uma audiência públiperiência de queda e ascensão. “Hoje, ca no Ministério Público, o que só veio a eu e outros membros do movimento fortalecer o movimento. O MP nos cedeu sentamos à mesa para discutir as políti- um espaço para realizarmos as reuniões, cas públicas para o morador em situa- que acontecem toda quarta-feira. Hoje eu ção de rua junto com os ministros”. sou, além de Coordenador da MNPR, sou Agente Social do Centro de Defesa NacioComo foi sua transição de mora- nal da População de Rua e Catadores condor em situação de rua à coordena- tratado. Faço parte do Comitê Intersetorial ção do Movimento Nacional da Pop- de Acompanhamento e Monitoramento da ulação de Rua (MNPR) no Paraná? Política Nacional para a População em Situação de Rua e do Comitê Técnico de Eu vim pra Curitiba em busca de oportu- Saúde para a População em Situação de nidade de trabalho, fiquei um tempo pro- Rua. Conseguimos montar o movimento curando, mas sem sucesso. Então acabei em Londrina, Joinville, Florianópolis e esperdendo os documentos e como eu não tamos começando em Porto Alegre. Trazconhecia ninguém e ninguém me conhe- er essa política para esses três Estados.


Você percebe mudanças no período entre o seu ingresso no Movimento Nacional da População de Rua e a atualidade? Uma mudança que eu senti na pele foi quando eu fui entregar um oficio para o comitê de direitos humanos na Assembleia e fui acompanhado por um segurança. Hoje, eu e outros membros do movimento sentamos à mesa para discutir as políticas públicas para o morador em situação de rua junto com os ministros. Eles nos procuram, ligam para o movimento pra marcar reuniões. O morador de rua é respeitado politicamente. O que leva o cidadão a ir para a rua? A rua é o último espaço para o cidadão, muita gente não vê a rua. É o extremo do extremo. Dela você só tem dois caminhos: a cadeia ou a morte. Tivemos uma época de desemprego no país, o que levou muita gente pra rua, procurar empregos em outros estados, cidades. E chegando lá não era o que eles viam na televisão e acabaram indo para a rua mesmo. Ou por um problema familiar, principalmente nas áreas mais carentes, onde o problema com drogas e o álcool é muito grande, nasce numa família desestruturada. Aí não tem oportunidade e a única proposta de trabalho é o crime. Vai do crime pra rua. E quanto à política de fornecer moradia, emprego para tirar o morador de rua? Ninguém quer morar na rua, a rua é gelada, é fria. Você precisa estar no horário certo pra receber uma doação de comida. Se você se atrasar, não come. Você tem

só uma alimentação por dia. A segurança pública te trata pior que cachorro, se você não sair da calçada acaba apanhando. Às vezes o morador não procura uma assistência porque tem alguma pendência com a lei, ai fica com medo e se r Como é a relação do sistema de segurança pública com os moradores de rua em Curitiba? Nós ouvimos muitos relatos dos moradores que sofrem algum tipo de abuso por parte da polícia. Quando um grupo de moradores de rua vai para uma quadra pública, os guardas vêm e mandam o pessoal sair, dão geral. Isso precisa parar. Foi discutido o protocolo de abordagem da segurança pública. Junto dele vai sair uma cartilha para as polícias — municipal, civil, militar e federal — informando quem são os moradores em situação de rua, como tratar com eles, quem são os membros do movimento e alguns apoiadores. Com isso a gente espera que os abusos acabem e o morador de rua seja tratado como cidadão. Saiu na grande mídia da capital que os cidadãos de rua não usufruem dos “benefícios” que o governo oferece, como os albergues e a assistência da FAS (Fundação de Ação Social de Curitiba). Como você vê essa cobertura feita pelas redes de tevê? A cobertura feita foi falha. Ela mostrou que as pessoas preferem ficar na rua, bebendo e usando drogas do que passar a noite nos albergues. Mas em nenhum momento falou dos fatos que tem na cidade quanto ao trato do morador de rua. Em 2008. eram 2176 pessoas em situação de rua e, de lá pra cá, nas reuniões, ouvimos que as vagas nos albergues


Como é a relação do sistema de segurança pública com os moradores de rua em Curitiba? Nós ouvimos muitos relatos dos moradores que sofrem algum tipo de abuso por parte da polícia. Quando um grupo de moradores de rua vai para uma quadra pública, os guardas vêm e mandam o pessoal sair, dão geral. Isso precisa parar. Foi discutido o protocolo de abordagem da segurança pública. Junto dele vai sair uma cartilha para as polícias — municipal, civil, militar e federal — informando quem são os moradores em situação de rua, como tratar com eles, quem são os membros do movimento e alguns apoiadores. Com isso a gente espera que os abusos acabem e o morador de rua seja tratado como cidadão. Saiu na grande mídia da capital que os cidadãos de rua não usufruem dos “benefícios” que o governo oferece, como os albergues e a assistência da FAS (Fundação de Ação Social de Curitiba). Como você vê essa cobertura feita pelas redes de tevê? A cobertura feita foi falha. Ela mostrou que as pessoas preferem ficar na rua, bebendo e usando drogas do que passar a noite nos albergues. Mas em nenhum momento falou dos fatos que tem na cidade quanto ao trato do morador de rua. Em 2008. eram 2176 pessoas em situação de rua e, de lá pra cá, nas reuniões, ouvimos que as vagas nos albergues foram aumentadas em ape-

nas cem — enquanto o número de moradores cresceu em 600. Não dá nem 10% do que é preciso. Então nós fizemos a vigília, onde reunimos moradores de rua para que eles próprios mostrassem as falhas no programa público que não foram apresentadas pela mídia. Pois a imprensa estava ouvindo só o lado do gestor público. A vigília também pretendia desmistificar o que é dito na grande mídia e esclarecer por que tantas pessoas estão nessa situação. Quanto aos albergues, eles são como um regime semiaberto. Eles abrem às 6 da manhã, então você tem que sair e ficar pela cidade. Albergue é coisa do passado, precisamos de mais vagas nos abrigos, que construam repúblicas. E que o Centro-POP (centro da população de rua) exerça seu papel: encaminhe as pessoas para fazerem documentos, qualificação, trabalho, mas que funcione em lugar próprio e não dentro dos albergues. A sociedade, no geral, acaba por ignorar os moradores em situação de rua. Por que isso acontece? Infelizmente a mídia sempre trouxe o morador de rua como um mendigo, como usuário de crack. Eu acredito que a partir do momento que o governo começar a tirar essa população da situação de rua e fizer uma campanha nacional para mostrar como ela foi parar lá, a mídia também vai para de marginalizar o morador em situação de rua. Aí as pessoas vão mudar também, vão entender que essas pessoas querem voltar a ter uma casa. PERI [PRIMAVERA 2012] 51


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