A experiência de ócio na sociedade de tempos escassos

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A EXPERIÊNCIA DE ÓCIO NA SOCIEDADE DE TEMPOS ESCASSOS THE LEISURE EXPERIENCE AND THE SCARCITY OF TIME José Clerton de Oliveira Martin * Felipe Teófilo Ponte** RESUMO A contemporaneidade nos oferece realidades temporais nas quais os cronogramas sobrecarregados de demandas de todos os tipos, levam a percepção de que estamos vivendo em função do tempo métrico (o do relógio). Nesse contexto, o modelo no qual estruturamos nossa forma de viver aporta conseqüências como, a depressão, o estresse, o tédio, a taquicardia entre outras. A partir de observações cotidianas e ancorados em dados recolhidos a partir de pesquisa teórica, este estudo trata da articulação entre a escassez temporal e o processo subjetivo da experiência de ócio. Tido enquanto uma dimensão própria do homem, o ócio caracteriza-se como âmbito para o recriar-se e também refere-se àquelas vivências, pessoalmente, satisfatórias e transformadoras oriundas do exercício da autonomia e protagonismo. No entanto, observa-se que o fenômeno da aceleração do tempo social, paradoxalmente associada à percepção da redução do tempo em nosso cotidiano, vem inviabilizando a possibilidade do sujeito empreender-se em experiências mais realizadoras. Assim, chamar a atenção para o significado e os benefícios que o ócio proporciona, vai de encontro a um compromisso que possibilita ao homem repensar determinadas formas de relações estabelecidas em seu cotidiano. Palavras-chave: Tempo social. Ócio. Contemporaneidade. ABSTRACT The contemporary era offer temporal realities in which the schedules are overload with all kinds of demands giving the perception that we are living according the cronological time (the clock's time).In this context, the model which is structured the way of life has, as consequence, depression, stress, boredom etc. Based on daily observations and theorical data research, this paper is about the link between scarcity of time and the subjective process of leisure. Taking leisure as a ontological dimension and associated to re-creation and personal satisfation, it is a kind of experience that increase the autonomy of human abilities and his protagonism.However, it is noted that the phenomenon known as the increase in speed of social time related to a time reduction perception prevented the possibility of a self-fulfilling experience. And then calling atention to the meaning and benefits of leisure as one of the ways of rethinking the forms of relations in daily life. Key words: Social time.Leisure.Contemporary.

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Doutor em Psicologia pela Universidade de Barcelona - Espanha. Prof. Titular do Mestrado em psicologia da Universidade de Fortaleza/Brasil. Pós-doutor pela Universidade de Deusto – Espanha

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Graduando em Psicologia pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Bolsista de iniciação à pesquisa PIBIC/CNPq. Membro do laboratório OTIUM (Laboratório de Estudos sobre Ócio, Trabalho e Tempo livre).

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INTRODUÇÃO Os puritanos no século XVII, apontavam para a importância da economia do tempo na vida moderna. Benjamin Franklin, através de suas concepções que ajudaram a estruturar o pensamento protestante, também ressaltou à importância do tempo, alertando para o perigo de desperdiçá-lo quando nossas ações encontram-se voltadas para o campo dos negócios ou indiretamente ligadas a ele. Para tanto, observa-se que a reelaboração nas estruturas relacionais do trabalho na Modernidade produziram um forte redimensionamento nas formas de ser dos indivíduos. Esses elementos contextuais, além de contribuírem para o podamento das subjetividades humanas, apontam para uma conexão entre a disciplina e o tempo, variáveis que segundo Berian (1999) constituíram um dos principais motores que proporcionaram o início da aceleração social (WEBER, 1974). Essa intensificação do ritmo social representa um dos principais fatores associado, paradoxalmente, a escassez temporal, um fenômeno que tem seus efeitos empiricamente observados com mais nitidez nas populações urbanas. Certas variáveis auxiliam o transcurso dessa problemática, tais quais: os avanços técnico-científicos, cujas conseqüências agem em diversos setores da sociedade, como, a do transporte, as das telecomunicações, a da engenharia genética, a da cibernética, no meio das relações laborais, e no próprio atravessamento entre homem, sociedade e cultura. As altas taxas de aceleração que o meio social absorve, produzem significativas mudanças no ritmo e na vida das pessoas. Elas passam a ter agora a percepção de encontrar-se constantemente no fio da navalha, ou a ponto de um ataque de nervos, sentindo que estão sempre perdendo algo ou ficando para trás. Diante dessas observações, Le Goff (1980), alerta sobre o surgimento de um contexto representado por pessoas cada vez mais estressadas, depressivas e tediosas, que tentam sempre abarcar o “mundo com as mãos”, isto é, procuram desesperadamente realizar atividades que superam as suas limitações físicas e a de seus aparelhos tecnológicos, desembocando para uma percepção de que o tempo esvazia-se cada vez mais rápido durante o seu dia.

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Para tanto, o presente trabalho busca através de uma pesquisa de cunho bibliográfico, referenciando-se aos dados teóricos do projeto – Ócio: representações, práticas e funções, na sociedade que centraliza o trabalho, explanar sobre a articulação entre a escassez temporal (um processo construído a partir das práticas sociais da modernidade) e a experiência de ócio (uma forma de ser implicada à criatividade, desenvolvimento e satisfação), assim como, alertar para as conseqüências que esses dois elementos podem possibilitar para os sujeitos. A referida pesquisa, inicialmente, antes de transcorrer sobre a questão temporal, procurará explicar o sentido da concepção da terminologia da palavra ócio. Um fenômeno que durante séculos sofreu inúmeras transformações, que resultaram na alteração do seu significado e na produção de várias incoerências quanto aos seus valores, onde, tais preceitos, ainda geram conflitos epistemológicos entre diversos estudiosos da respectiva área e campos afins. A proposta tem uma importante função resguardada ao desenvolvimento do potencial humano, da qualidade de vida e com o bem-estar do sujeito, chamando a atenção para a importância dessa dimensão humana e para os fatores que impossibilitam uma manifestação subjetiva mais autêntica. 1. ÓCIO E TRABALHO: ENTRE DICOTOMIA EQUIVOCADA E EQUILÍBRIO SAUDÁVEL Etimologicamente a palavra ócio encontra-se associada à psicagogia, um fundamento arcaico implicado ao processo de formação dos homens da Grécia Clássica. Permite-se dizer que ela representava um aprendizado resguardado a preceitos tais quais: a potencialização dos talentos e ao autoconhecimento. Para tanto, deixa-se claro que este último, não diz respeito a uma terminologia ou concepção psicológica, mas, atrela-se aos fundamentos filosóficos do conhece-te a ti mesmo socrático (SALIS, 2004). Poder-se-ia explicar a experiência de ócio tomando como referência aquelas vivências cuja finalidade reside no simples prazer e satisfação de quem as experimenta, ou seja, naqueles espaços em que o homem proporciona para si, um ambiente interno e 3


externo enriquecedor para a sua vida, ou, de uma forma não dicotomizada, diz respeito a um movimento contemplativo que se volta para uma reflexão do homem acerca do que está a sua volta. Joseph Pieper, em o Ócio e a existência, indaga sobre a experiência de ócio a partir da lógica da contemplação festiva. Um estado em que o sujeito transgride uma dada função social, eliminando o espaço e o tempo, adentrando então, em uma contemplação do mundo enquanto uma totalidade e realizando a si mesmo como um ser projetado para o mundo como um todo. Um exemplo que poderia clarificar essa explanação, pode ser apontada empiricamente ao observarmos o estado em que uma criança encontra-se quando volta-se para o sua prática do brincar, onde, deixa de discriminar tudo a sua volta, entregando-se por completo a sua atividade. Um princípio que se aproxima dessa matriz conceitual de Pieper (2004), ancorase na concepção do tempo existencial, trazida por Erwin Straus (2000) em seus trabalhos sobre a psicopatologia a partir do enfoque da psicologia humanista. Segundo o referido autor, essa constituição temporal não pode ser separada da vida e da história de cada indivíduo, dessa maneira, a relação presente-passado-futuro apresenta apenas um valor de posição, haja vista que, assim como o ócio, o tempo existencial é finito, da ordem da experiência e do devir pessoal. A conjectura referenciada acima, nos dá subterfúgios para adentrarmos em uma problemática de bastante pertinência para o desenrolar da presente proposta, a relação dicotômica entre o ócio e o trabalho. Um tema que gera inúmeras discordâncias, inclusive por estudiosos do próprio campo, quando se discute a possibilidade de se remeter ao ócio no ambiente laboral. Há aqueles autores que defendem que essa experiência só é possível ser pensada no âmbito do tempo livre, pois, neste intervalo temporal o sujeito apresenta uma disponibilidade pessoal (autocondicionamento) superior ao grau de imposições sociais (heterocondicionamento) que se observa nas relações de trabalho (MUNNÈ, 1980 & PUIG Y TRILLA, 2004). Todavia, retornando aos pressupostos de Pieper (2004), observa-se que o ócio não depende de uma circunstância específica, mas de um estado no qual o sujeito, de forma autônoma, implica-se em uma experiência atrelada a elementos tais quais: a autorealização, a criatividade, ao prazer, ao bem-estar, e, principalmente, ao 4


desenvolvimento pessoal. Recorrendo novamente às características da noção de tempo existencial pode-seia explanar outra contribuição, afim de tornar mais claro essa passagem. Minkowski em conferência ao Institut de Psychiatrie et de Prophylaxie Mentale, referindo-se a essa noção temporal, afirma que cada acontecimento tem uma posição única e fisionomia própria, determinada por sua relação com a realidade e com a possibilidade. Por conseguinte, essa constituição temporal não flui de maneira uniforme e homogênea, assim, a interação que se observa aqui, encontra-se na ordem de um valor específico próprio, cujas dimensões tempo-espaciais agem enquanto um mero referencial. Dessa forma, assim como nessa perspectiva do tempo, o ócio em relação ao trabalho, parafraseando uma premissa kantiana, possui uma possibilidade de coexistência, inferindo de maneira até a complementar-se com ele. Na década de 80 (oitenta), pesquisadores dos Estados Unidos passam a estudar o fenômeno de ócio a partir de uma perspectiva psicológica, onde se passou a enfatizar em suas análises as variáveis da liberdade percebida e da motivação intrínseca, indicadores que, segundo as investigações, seriam primordiais para remeter-se às experiências de ócio. Diante disso, tínhamos que, o primeiro termo passaria a resguardar-se à livre escolha dos sujeitos para com suas vivências e atividades, inferindo no que diz respeito à conduta e ao comportamento. O outro, implicar-se-ia àquela fonte de satisfação em que se obtém pela simples ação da atividade, como por exemplo: tocar a música, pela simples música (ETXEBARRIA; RODRÍGUEZ, 2006). Csikszentmihalyi (1997), em seus estudos sobre a concepção da experiência ótima/flow/fluir, chama a atenção para o fato de que o ócio implica um desfrutar, ou seja, algo que se associa ao crescimento, a troca e a criação. O referido autor, ao analisar a relação entre os indivíduos e as atividades associadas ao ócio, percebe certas características psicológicas, comum a quase todos os sujeitos:

Produção de uma perda da consciência quanto à noção de espaço e tempo;

O sujeito percebe uma noção de autocontrole (autoconhecimento de si);

Produzia-se uma união entre ação/consciência e entre realização e vivência.

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Diante disso, buscar compreender a relação existente entre nossa representação coletiva de tempo e determinadas tramas de significados que estão presentes em todas as sociedades humanas nos leva a questionar sobre os efeitos que certos denominadores históricos tiveram no atravessamento da nossa constituição subjetiva. Assim sendo, investigar essas transformações implicam, inevitavelmente, em entender como se deu certos processos que afetaram os ritmos vitais de uma sociedade e consequentemente, auxiliam ou inviabilizam a experiência ociosa. 1. TEMPO ESCASSO Entender o fenômeno da escassez de tempo na contemporaneidade, nos leva a estudar aquelas transformações que agem direto ou indiretamente sobre o nosso processo de subjetivação com relação ao tempo. Beriain (1999) procura percorrer o caminho da redução temporal a partir, paradoxalmente, de seus estudos sobre os processos de aceleração nas plataformas da temporalidade. Contudo, estudar essas transformações no modo de se perceber o tempo, nos remete, inicialmente, a compreender o conceito desse fenômeno e alguns dos elementos sociais que tiveram um importante papel na sua reestruturação. Para Beriain (1999), o tempo configura-se como um conjunto de relações significativas imbricadas no transcurso histórico, ou, em outras palavras, constitui-se enquanto um produto da vida social. Neste contexto, deixa de ser sentido enquanto dimensão única de experiência, passando a estar associado a um espaço complexo e fragmentado, conectado com articulações sutis e múltiplas. O tempo social não flui uniformemente em um mesmo grupo ou, em sociedades distintas, posto que, os movimentos do tempo sócio-cultural estarem condensados em tempos “cheios” de sentido e tempos “vazios” de sentido. Tais dimensões nos convoca a pensar sobre outros dois tipos de tempo: o da experiência subjetiva (qualitativo) e o métrico/cronológico (quantitativo). O primeiro resguarda-se ao estabelecimento daquela seqüência estrutural de acontecimentos, além de fatos, tais como, a sua duração, o seu grau de recorrências e sua localização temporal. Distintamente do tempo métrico, essa organização temporal não flui 6


uniformemente em um mesmo grupo, posto que, a duração dessa forma de tempo é dada pela maneira em que a vida coletiva se estrutura, ou seja, em que as atividades vitais se estabelecem ( BERIAIN, 1999). Paul Virilio (1997), em sua obra open sky, procura investigar essas articulações a partir de uma das principais mudanças que afetaram essas estruturas, a transição da relações de interdependência social pautado nos ritmos rurais para um ritmo social de características urbanas e comerciais, pois, a partir daí, presenciou-se uma das mais significativas revoluções: a técnica. Com ela, tem-se uma supervalorização do tempo cronológico. O homem passa a internalizar e cristalizar preceitos, crenças e valores (autonomia, mercado, tecnologia) de uma nova estrutura social que se encontrava em processo de consolidação, dando início ao próprio processo da aceleração dos ritmos vitais. Inúmeras mudanças no contexto social são percebidas, um exemplo desse incremento de velocidade social que pode ser explanado, diz respeito às alterações que os meios de transporte sofreram e continuam a sofrer. As carruagens que continham uma velocidade média entre 4,5Km e 8,5Km deram lugar a carros que podem atingir velocidades médias entre 120Km e 210Km. As embarcações que reduziram significativamente seu tempo para percorrer elevadas distâncias, citando o exemplo do veleiro marítimo Klipper, um meio de transporte inglês que reduziu para 90 dias uma distância que antes era realizada em 190 dias. E por fim, pode-se apontar os aviões, que chegam a atingir velocidades superiores a 1.150Km (VIRILIO, 1997). Contudo, o que pode parecer desenvolvimento para a humanidade, na realidade traz consigo inúmeras conseqüências para o homem, pois, os processos de aceleração em nossa sociedade, têm alcançado na atualidade sua saturação. Retomando o referido autor, ele procura explicar essa inferência com base na lei dromológica, cuja premissa enfatiza que um incremento na velocidade supõe também um incremento no potencial de colapso do sistema, isto é, utilizar a aceleração enquanto uma espécie de freio para os efeitos colaterais que ela mesma produz em nossa sociedade, proporcionará o surgimento de outros paradoxos e contradições no meio em que vivemos. O tráfico rodoviário dos centros urbanos podem ser citados como exemplo dessa acepção, posto que, cada vez mais vemos esse sistema entrando num caos. 7


Outra conseqüência da aceleração é a percepção da compressão do tempo, haja vista, observarmos que a multiplicação de acontecimentos sucedem-se a intervalos cada vez menores, reduzindo a instantes o que levaria anos, séculos ou até, milênios para serem realizados, como é o caso dos eventos que ocorrem nas esferas da saúde e biogenética (VIRILIO, 1997 & BERIAIN, 1999). Seguindo essa linha de pensamento, Ramos (1999), ao estudar os efeitos produzidos na sociedade pela revolução nos meios de transmissão e comunicação, no século XX, chamou a atenção para o surgimento do “tempo globalizado”, uma temporalidade abstrata cujo espaço desvincula-se do concreto (aqui), passando a operar no espaço virtual e comunicar-se com diversos setores ao mesmo tempo, ou seja, uma vez que o centro não se encontra situado em parte alguma, a circunferência encontra-se em todos os lugares. Pode-se explanar que, dessa forma, o homem é possibilitado de empregar-se em inúmeras atividades ao mesmo tempo, ao passo que a temporalidade real converteu-se agora em um espaço com várias classes de tempos reais. Diante disso, Hermam Liible indaga que as sociedades pós-modernas experimentam uma contração do presente, uma transformação no sentido da linha temporal (passado-presente-futuro). Representativamente o passado ganha um valor de não validade, uma vez que, o futuro adquire expectativas nulas. Para tanto, tem-se agora, uma ênfase no presente, um lapso de tempo onde o espaço da experiência e o horizonte das expectativas colidem, criando-se uma visão na qual somente a partir desse corte temporal pode-se produzir alguma certeza sobre orientações, expectativas e etc (BERIAIN, 1999). Todavia, com base nessas características: o amputamento do passado e uma desconfiança do futuro, adentramos numa lógica de supervalorização do presente, do momento, do aqui-e-agora. Essa situação fica bem ilustrada quando analisamos o modo de funcionamento dos cartões de crédito, uma das invenções mais revolucionária do capitalismo. “Compra-se agora, e paga mais tarde”, ou seja, nos apossamos do futuro com a intenção de realizarmo-nos no aqui-e-agora, extirpando possíveis frustrações e circulando em um mundo do “quanto mais rápido melhor”. Porém, não nos damos conta desse absolutismo de realidade, representado pelos obstáculos cuja presença cotidiana pretendemos ignorar (ordem financeiro, ordem familiar, religiosa, política, ecológica, 8


etc). (RAMOS, 1999). Conforme Beriain (1999), essas transformações podem ser verificadas empiricamente através de um processo investigativo nas estruturas básicas da sociedade encarregada da produção e reprodução social, ou seja, a família e o trabalho. O processo de aceleração acarretou mudanças nessas duas esferas da sociedade, permitindo o deslocamento de um ritmo inter-geracional, nas sociedades pré-modernas, para um ritmo geracional na modernidade clássica e, atingindo, por conseguinte, um ritmo intrageracional nas sociedades pós-modernas. Ao se tomar, por exemplo, as camadas sociais do trabalho observava-se que, no período pré-moderno os ofícios eram herdados, isto é, a ocupação era passada do pai para o filho, continuando o rito geração à geração. Por outro lado, na modernidade clássica, as estruturas ocupacionais tendem a mudar de geração para geração, os filhos são livres para eleger suas próprias profissões-trabalho, destacando-se que essa escolha perdura por toda a vida. Na Contemporaneidade por sua vez, as ocupações não se estendem a toda a totalidade do tempo de trabalho ao longo da vida. Os trabalhos mudam em uma velocidade superior às gerações anteriores. A unidade formada pela profissão e seu desempenho enquanto trabalho assalariado se quebram, posto que, a profissão já não é mais garantia de trabalho, muito pelo contrário, o sujeito se vê obrigado a remodelar-se constantemente em sua profissão, através de cursos, formações, especializações, mestrados e etc. O trabalhador busca agora atender a intermitentes demandas de mercados flexíveis e voláteis (BERIAIN, 1999). Simmel (1986), afirma que a aceleração da velocidade da vida (ritmos vitais) produziu um efeito sobre a experiência do tempo individual, o intervalo entre os eventos ficaram mais curtos, se gerou uma sensação de escassez de tempo. A partir daí, observamos outros dois fenômenos na vida dos homens: o primeiro, através da contração mensurável do tempo biológico em episódios tais como – o de comer; o de dormir e o descansar. No outro, a acumulação de inúmeras atividades a serem realizadas num curto espaço de tempo.

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3. REFLEXÕES FINAIS Falar sobre uma sociedade baseada na aceleração social e todas as conseqüências envolvidas nesta, significa remeter-se a um campo onde as taxas de crescimento das atividades das pessoas encontra-se superiores as taxas de crescimento da aceleração tecnológica. Inevitavelmente, essas mudanças produziram inúmeras transformações nas práticas e percepções sociais, podendo ser citada dentre essas, a própria escassez temporal. Observa-se uma fragmentação nos estilos de vida da sociedade e um forte pluralismo individual. O homem partiu-se em inúmeras partes, cada uma delas tenta dar conta das diversas atividades em que se propôs a executar. A partir daí, vemos um tempo social heterogêneo, no qual, suas características podem expressar elementos que apontem para as metamorfoses que diversos segmentos sociais sofreram. Tais reflexos podem ser observados empiricamente nas formas de subjetivação que se constituem por meio das relações contemporâneas. No interior deste entorno o sujeito transforma-se em um instrumento de “mil-euma” utilidades, tentando abarcar um número de atividades superior ao que é capaz de realizar. Dessa forma, nos deparamos imersos num ambiente, onde, o tempo encontra-se escasso para o desenvolvimento de atividades e realizações daquelas vivências que suscitam experiências de ócio. Essas implicações acabam ampliando as chances para a manifestação de recorrentes patologias modernas – síndrome do pânico, burnout, estresse, depressão, tédio, etc. Atentar-se na atualidade para a problemática da escassez do tempo implica questionarmos certas características dessa sociedade, assim como dos mecanismos que a regem e os efeitos que ela nos proporciona, por essa razão, estudar a experiência de ócio não resguarda-se à uma “salvação da humanidade”, mas, associa-se a uma forma de nos colocarmos diante desse contexto com relação a nós mesmos, pois, reportar-se a essa maneira de experimentarmos o mundo, representa um resgate autêntico, enriquecedor e criativo de um dos valores mais sublimes de nossa espécie humana.

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STRAUS, Erwin. Uma perspectiva existencial do tempo. Tradução: José Newton Garcia de Araújo. Latinoam. Psicopatologia Fundamental, ano III, n° 3. p.115-123, 2000. VIRILIO, Paul. Open Sky. Tradução: Julie Rose. Verso. Rio de Janeiro, 1997. WEBER, Marx. A ética protestante e o espírito do capitalismo: capítulos II e V. Zahar, Rio de Raneiro, 1974.

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