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O conhecimento das práticas culturais: medir, avaliar, comprender 1
Olivier Donnat 2
Um dos principais vetores do programa de estatísticas culturais elaborado no início dos anos 60 pelo Serviço de Pesquisas do Ministério da Cultura na França foi o progresso no conhecimento dos públicos da cultura. Os primeiros trabalhos realizados nessa época - antes de ter sido lançada em 1973 a primeira pesquisa entitulada Práticas Culturais dos Franceses abrangem pesquisas sobre os públicos dos museus, dos teatros, das salas de cinema e de várias Casas de Cultura. De início, a adequação era quase perfeita entre os objetivos dos militantes culturais e os dos sociólogos: a missão assumida pelos poderes públicos no que diz respeito à democratização exigia pesquisas para estabelecer uma avaliação e medir a eficácia das ações empreendidas, enquanto que as desigualdades sociais e geográficas reveladas pela abordagem sociológica após cada pesquisa apelavam implicitamente para a necessidade de intervenção dos poderes públicos para eliminar diferenças e reduzir as desigualdades de acesso à cultura. O fim dos anos 80 marca uma ruptura profunda com relação a esse quadro inicial: os resultados das pesquisas não são mais usados para reivindicar uma política de democratização mais ambiciosa, mas interpretados como provas de sua ineficácia e até, para alguns, de sua inutilidade. O contexto havia mudado: a cultura do quantitativo havia progredido consideravelmente, mas no âmbito político a temática da democratização tinha progressivamente desaparecido da retórica ministerial, sendo substituída, particularmente, pela promoção da diversidade cultural, enquanto na área acadêmica, a sociologia da legitimidade cultural era cada vez mais contestada frente ao impulso da sociologia pragmática e das diferentes correntes centradas sobre a questão do individualismo. Na virada do século, a revolução numérica e a disseminação em massa das telas conectadas tornaram essa ruptura ainda mais radical permitindo um acesso imediato, fácil, e geralmente gratuito aos conteúdos e obras, a tal ponto que a maioria das categorias que serviam para orientar a reflexão sobre a cultura (e a política cultural) perdeu hoje em grande parte sua pertinência. Por conseguinte, a situação atual compele a repensar o quadro estatístico e intelectual assim como os instrumentos de observação das práticas culturais herdados do século passado: os 1
Esse texto foi parte da apresentação de Olivier Donnat, durante a mesa “O conhecimento de práticas culturais: medir, avaliar, qualificar”, no Encontro Internacional Públicos da Cultura, realizado em novembro de 2013. Este texto foi traduzido por Sylvie Cazzamini Giraud. 2 Sociólogo do Départament des études, de lo prospective et des statistiques (DEPS) do Ministério da Cultura e Comunicação da França. Doutor em Economia e autor de diversas obras no campo da Sociologia da Cultura, entre as quais Les pratiques culturalles des Français à l’ére numérique.
2 objetivos das políticas culturais, as problemáticas científicas assim como também as ferramentas de quantificação e as nomenclaturas - sem as quais as comparações no tempo e no espaço se tornam impossíveis - devem ser adaptados à era digital.