Ano 37 • N. 143 - Janeiro/Junho - 2014 • ISSN 1676-2630 Publicação semestral de formação para catequistas e agentes de pastoral
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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO UNISAL
REVISTA DE CATEQUESE Chanceler Edson Donizetti Castilho Reitor Ronaldo Zacharias Pró-Reitora de Ensino, Pesquisa e Pós-Graduação Romane Fortes Santos Bernardo Diretora da Unidade São Paulo - Campus Pio XI Rosana Manzini Coordenador do Curso de Teologia Maurício Tadeu Miranda EQUIPE EDITORIAL Diretor Geral Pe. Maurício Tadeu Miranda Diretor Executivo Pe. Luiz Alves de Lima Editor Antonio Wardison C. Silva CONSELHO EDITORIAL Alexandre Awi Mello UNISAL – São Paulo Cézar Teixeira PUC/SP Elza Helena de Abreu UNISAL - São Paulo Emílio Alberich Pontifícia Universidade Salesiana - Espanha Enrique Garcia Ahumada Universidad Catolica Silva Enriques – Santiago do Chile Fernando Altemeyer Júnior PUC/SP
Revista de Catequese / Publicação do Centro Universitário Salesiano de São Paulo – Unidade São Paulo – Campus Pio XI e Instituto Teológico Pio XI. – ano 1, nº 0, (1977) - . — São Paulo: UNISAL, 1977 – v. ; 23 cm Semestral ISBN 1676-2630 I Catequese. II Educação Religiosa. III Evangelização. IV Educação de fé. V Pastoral. VI Ensino Religioso Escolar. CDU 268 CDD 268 Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Miriam Ambrosio Silva – CRB 5750/8
Luiz Alves de Lima UNISAL - São Paulo Luiz Eduardo Pinheiro Baronto Universidade São Judas - São Paulo Maurício Tadeu Miranda UNISAL – São Paulo Ney de Souza PUC/SP Ronaldo Zacharias UNISAL - São Paulo
Redação, Administração e Permuta Unidade São Paulo - Campus Pio XI Rua Pio XI, 1.100 - Alto da Lapa 05060-001 - São Paulo - Brasil Fone: 0xx11 - 3649-0200 (biblioteca - à tarde) Contato: revistacatequese@pio.unisal.br Edição: catequese.editor@pio.unisal.br
Anderson Alencar Menezes Universidade Federal de Alagoas Humberto Robson de Carvalho UNISAL – São Paulo Wolfgang Gruen Instituto Santo Tomás de Aquino – Belo Horizonte REVISÃO EDITORIAL Íris Gardino
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TRADUTOR José Aurélio Chiaradia Pereira CAPA Pedro André Pinto Júnior
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DIAGRAMAÇÃO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Renata Lima – AN Gráfica
Assinatura anual: R$ 63,00 • Assinatura para o exterior: US$ 60,00 Número avulso: R$ 32,00
ÍNDICE EDITORIAL 5
Maurício Miranda...............................................................................................................
ARTIGOS A situação da catequese hoje no Brasil Luiz Alves de Lima.............................................................................................................
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A catequese em tempos de Nova Evangelização Roberto Nentwig................................................................................................................ 22 A iniciação cristã em tempos de insegurança pastoral João da Silva Mendonça Filho............................................................................................. 36 Família: lugar privilegiado para evangelizar José Ulisses Leva.............................................................................................................. 46 Discipulado no Evangelho de Marcos: origem, característica e função Cézar Teixeira........................................................................................................................... 54 Querigma, anúncio e formação do discipulado de Jesus com base em Atos 8, 26-40 Francisco Pagnussat....................................................................................................... 64 Tribos urbanas: relatos juvenis da cultura atual William de Lima................................................................................................................. 83 O lugar da juventude na Igreja: estudo sobre a juventude nas diretrizes da ação evangelizadora da Igreja no Brasil 2011-2015 Joaquim Alberto Andrade Silva e Luis Duarte Vieira.......................................................... 93 Ecos y desafíos del congreso internacional de catequesis José Luis Quijano.............................................................................................................. 109
VIVÊNCIAS Catequese, protagonismo indígena e inculturação Justino Sarmento Rezende............................................................................................... 124
RESENHAS Vaticano II, memória e esperança para os tempos atuais Ney de Souza.................................................................................................................... 135
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A Revista de Catequese, ao longo de seus 37 anos de história, tem prestado um relevante serviço à Igreja no Brasil, com alguma presença também no exterior. Um projeto só pode perdurar por tanto tempo assim, quando procura conjugar tradição e modernidade. Por isso, prosseguindo com sua missão, a Revista de Catequese adequou sua equipe editorial, reunindo aos já consagrados estudiosos na área jovens promissores que nutrem o mesmo amor e compromisso com os atuais desafios da evangelização e catequese. O produto que chega às mãos do assinante é, portanto, resultado do trabalho árduo de muitas pessoas que, mantendo a profundidade característica da publicação, desejam torná-la cada vez mais acessível e atraente. As mudanças pelas quais passa a produção desse periódico são geridas com muita responsabilidade, em vista da continuidade da realização de sua missão: contribuir com a formação dos educadores da fé espalhados pelo Brasil e pelo mundo. Desejo a todos uma boa leitura, profundo estudo e apaixonada divulgação! P. Mauricio Miranda – Diretor Geral –
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ARTIGOS ARTIGOS A SITUAÇÃO DA CATEQUESE HOJE NO BRASIL THE SITUATION OF NOWADAYS´ CATECHESIS IN BRAZIL Luiz Alves de Lima, sdb* RESUMO: Trata-se da palestra pronunciada durante o Seminário Internacional de Estudos sobre a catequese na Europa, EUA e América Latina, realizado em Roma, pelo Pontifício Conselho para a Nova Evangelização na qual o autor expôs a realidade catequética no Brasil atualmente. Numa primeira parte, desenvolve questões mais relacionadas com a evolução e compreensão da catequese nos últimos cinquenta anos, a partir do Vaticano II. Refere-se particularmente aos importantes documentos da Igreja e acontecimentos que influenciaram o movimento catequético brasileiro nesse espaço de tempo. Numa segunda parte, apresenta aspectos da organização da catequese no Brasil, sua natureza e destinatários, a mudança de paradigma como o maior desafio da educação da fé hoje, a formação de catequistas, do clero e dos religiosos, o uso da Sagrada Escritura, o papel e importância do ensino doutrinal e a linguagem midiática hoje na catequese. Conclui com uma avaliação esperançosa da catequese para o futuro.
Palavras-Chave: Catequese. História. Iniciação Cristã. Catecumenato. ABSTRACT: Lecture presented during the Seminar of International Studies about catechesis in Europe, USA and Latin America. The event was held in Rome and organized by the Pontifical Council for the New Evangelization. Author ilustrates catechetical reality in Brazil nowadays. In the first part of the article, he develops issues linked to the evolution and comprehension of catechesis in the last fifty years since the Second Vatican Council. Such considerations are regards to the important documents of the Church and significant events that have influenced the Brazilian catechetical movement in this space of time. In the second part, he presents aspects of the organization of catechesis in Brazil, its nature and the parties to whom they are addressed, the paradigm shift as the most challenge of Faith education nowadays, the formation of catechists, of the clergy and of the religious, the use of the Sacred Scripture, the role and the importance of the doctrinal teaching and the media language in nowadays´ catechesis. The article finishes presenting a hopeful evaluation for the future of catechesis. Keywords: Catechesis. History. Christian initiation. Catechumenate.
INTRODUÇÃO O Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização (PCPNE), criado no final do Pontificado de Bento XVI como novo órgão da Cúria Romana, tem sob sua responsabilidade as atividades da catequese em âmbito de Igreja Universal. * P. Luiz Alves de Lima, sdb, é doutor em Teologia Pastoral Catequética, assessor de catequese na CNBB e CELAM, membro fundador da SCALA (Sociedade de Catequetas Latino-americanos), conferencista, professor no Campus Pio XI do Centro Universitário Salesiano de São Paulo, nas PUCs de Curitiba e de Goiânia (Campus Goiás), e no Instituto Teológico LatinoAmericano (ITEPAL) de Bogotá; consultor da Revista de Catequese, coordenador de redação do Diretório Nacional de Catequese. Participou do Sínodo dos Bispos de 2012 e do Seminário Internacional de Catequese em Roma (março 2014).
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ARTIGOS ARTIGOS Anteriormente, tal atividade estava sob o comando da Congregação para o Clero. O PCPNE, querendo tomar pulso da situação e dos principais problemas referentes à educação da fé no ocidente cristão, convocou um Seminário Internacional realizado de 06 a 08 de março no Vaticano.1 Sete expositores, entre os quais o autor deste artigo, apresentaram a situação da catequese em suas regiões. Seguiram-se discussões e debates sobre alguns pontos essenciais: a catequese como parte da Evangelização e a serviço da Iniciação Cristã, os complexos processos do catecumenato, sobretudo para adultos, a importância da Palavra de Deus para uma autêntica iniciação, Palavra manifestada, sobretudo na Bíblia, Liturgia e Catecismo da Igreja Católica. Discutiu-se também a importância da Escola como lugar de catequese e de ensino religioso, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, situação bem diferente para a América Latina. Problema polêmico foi a questão da idade mais apropriada para a iniciação eucarística: todos concordam que seja numa idade mais madura (após os 15 ou 16 anos), antecipando-se assim a crisma para a idade em que hoje, geralmente, recebe-se a Primeira Comunhão Eucarística; no entanto catequetas, sobretudo europeus, expressaram o temor de se criar um vácuo pastoral difícil de ser preenchido, na sequência dos sacramentos da Iniciação. No texto final do Seminário Internacional, que resume os principais pontos debatidos (elaborado pelo secretário do PCPNE e seus auxiliares), tal problema não foi mencionado. Foi pedido também que não se publicassem as palestras dos sete conferencistas nem o texto final, uma vez que são propriedades do PCPNE, a não ser os textos dos próprios autores. O autor deste artigo foi convidado como representante do Brasil e da América Latina e fez uma intervenção apresentando a situação da catequese no Brasil. Dividida em duas partes, na primeira apresenta a evolução do pensamento catequético no Brasil com base no Concílio Vaticano II, sobretudo pelos documentos oficiais e principais debates. Numa segunda parte, apresenta aspectos da organização da catequese no Brasil, sua natureza e destinatários, a mudança de paradigma como o maior desafio, a formação de catequistas, do clero e dos religiosos, o uso da Sagrada Escritura, o papel e importância do ensino doutrinal e a linguagem midiática hoje na catequese. A seguir está o texto completo de minha palestra, embora não tenha apresentado tudo, mas que fará parte das Atas do Congresso.
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Desse Congresso Internacional participamos cerca de 35 catequetas; sete eram do comité organizativo (todos europeus) e 28 convidados: um representante do Brasil, apenas três dos outros 21 países da América Latina e Caribe, 4 dos Estados Unidos e os outros 20 da Europa. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 6-21, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS 1 MARCO OU REFERÊNCIAS DOUTRINAIS 2 1.1 O IMPACTO DO CONCÍLIO VATICANO II Como todas as atividades pastorais, também a educação da fé recebeu grande impacto do Concílio Vaticano II em toda a Igreja. No Brasil não foi diferente; aliás, os documentos desse Concílio3 começaram a ser conhecidos entre nós com os estudos que catequetas e teólogos faziam para renovar a catequese à sua luz. Por influência da Constituição Dogmática Dei Verbum4 incorporou-se ao conteúdo da catequese a história vivida, realizada no dia a dia; a história vivida passou a ser não apenas ponto de partida (motivação pedagógica), mas parte integrante do conteúdo da catequese5. Isso ocorreu, sobretudo após a publicação dos documentos da II Conferência do Episcopado Latino-Americano em Medellín (1968)6 em que a nascente reflexão teológica, chamada comumente de Teologia da Libertação, ao mesmo tempo em que dava seus primeiros passos, tomou um grande impulso influenciando grandemente a caminhada da catequese no Brasil do final dos anos de 1960 até meados dos anos de 1990.
1.2 O DOCUMENTO CATEQUESE RENOVADA ORIENTAÇÕES E CONTEÚDO O principal documento do episcopado brasileiro da época pós-conciliar, Catequese Renovada Orientações e Conteúdo (CR, de 1983), foi pensado, gestado, escrito e vivido sob o clima da Teologia da Libertação, em sua vertente mais moderada e equilibrada e num dos seus momentos de maior vigor 7. Além de colocar a Bíblia como “livro de catequese por excelência” (cf CR 154), considera a catequese como ministério da Palavra e a pessoa do catequista mais importante que o texto de catequese; vê a catequese como iniciação à vida de comunidade e como processo permanente de crescimento na fé; apresenta uma catequese 2 Ao longo deste texto, retomo amplamente dados de meu artigo A recepção do Catecismo da Igreja Católica na América Latina e no Brasil in Revista de Catequese 35 (2012) n.º 140, outubro-dezembro, pp. 6-23; originalmente foi publicado como A recepção do Catecismo da Igreja Católica na América Latina, especialmente no Brasil in FERREIRA Antônio Luiz Catelán (org.). Os 20 anos do Catecismo da Igreja Católica e o Ano da fé. Brasília: Edições da CNBB, 2013. 3
Documentos do Vaticano II. Constituições, Decretos e Declarações. Petrópolis: Vozes, 1966. Edição bilingue sob a orientação e coordenação de Boaventura KLOPPENBURG e Frederico VIER.
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Constituição Dogmática Dei Verbum sobre a Revelação Divina in Documentos do Vaticano II, pp. 115-133.
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Cf. GRUEN Wolfgang, Novas orientações para a catequese no Brasil in Revista de Catequese 7(1 n.º 27), 1984, pp. 34-47, aqui pp. 36-37. 6
CELAM, A igreja na atual transformação da América Latina à luz do Concílio. Conclusões de Medellín. 6.ed., Petrópolis: Vozes, 1977. 7
CNBB, Catequese Renovada Orientações e Conteúdo. Documentos da CNBB 26. São Paulo: Paulinas, 1983. O sucesso desse documento episcopal pode ser comprovado por suas numerosas edições oficiais e reimpressões, sem contar a abundante literatura de toda espécie em torno dele. Em maio de 2014, estava na 39.ed./3ª. reimpressão, com uma tiragem total de 237.750 exemplares, : um verdadeiro best seller. É o documento da CNBB com mais edições e reimpressões até hoje. Na revista oficial da CNBB, Comunicado Mensal, órgão oficial da CNBB, o texto encontra-se no n.º 367 (1983), pp. 425-500.
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ARTIGOS ARTIGOS cristocêntrica, litúrgico-mistagógica; procurando ser coerente com a Pedagogia de Deus¸ que se revelou por palavras e acontecimentos, dá muita importância ao princípio da interação entre fé e vida, alcançando não apenas a vida pessoal, mas também comunitária e social; daí a opção pelos pobres, a defesa dos fracos, a crítica aos pecados sociais e à injustiça institucionalizada. A visão de catequese apresentada por esse documento representa a recusa tanto do excesso da teoria desligada da realidade, quanto do dualismo que desvaloriza as necessidades do aqui e agora, da vida terrena dos filhos de Deus. Confirma também a opção pelos adultos, sem deixar as outras faixas etárias. Surge desse documento, pois, uma Catequese transformadora e libertadora que propõe ações evangélico-transformadoras como aprofundamento do tradicional conceito de atividades pedagógicas, que procura ser também uma catequese inculturada. A opção pelos pobres não é um tema da catequese, mas uma perspectiva geral, que orienta concretamente objetivos, sujeitos e destinatários, conteúdo, métodos, recursos e a própria formação de catequistas. As ideias e propostas são inovadoras, progressistas, até ousadas... e frutificaram, de fato, ajudando o avanço da evangelização e o aprofundamento da fé solidamente ligada à vida, sobretudo social. Porém boa parte dos catequistas ou mesmo de coordenadores não conseguiu, por vários motivos, acompanhar esses passos do progresso da reflexão catequese. A geração formada nas lutas e embates, com todos seus aspectos positivos e negativos, nos anos de 1980 e 1990 não teve, porém, uma substituição à altura. A crise em que entrou a Teologia da Libertação e o avanço de movimentos eclesiais com outras visões teológicas fizeram com que as grandes conquistas dessas décadas ficassem relegadas aos documentos e às vezes aos cursos superiores de catequese (como as pós-graduações) em vez de servirem como fermento que impulsionasse a prática catequética.
1.3 O DIRETÓRIO GERAL PARA A CATEQUESE E O CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA O Diretório Geral para a Catequese (DGC) de 1997 da Congregação para o Clero e da Doutrina8 da Fé foi acolhido com grande entusiasmo; seus aspectos mais apreciados são: a importância à Palavra de Deus como fonte da catequese, à inculturação das expressões da fé, a valorização do ministério do catequista, o papel de protagonismo da Igreja Particular na organização e a elaboração de planos e programas de catequese, a ampliação do horizonte dos destinatários da catequese, sobretudo os adultos e as culturas. Mas, sobretudo, ele é valorizado porque repropõe o caráter catecumenal da catequese, inserindo-a no processo de Iniciação Cristã e, portanto, vinculando-a intimamente à Liturgia, valorizando e relançando o Ritual de Iniciação Cristã de Adultos (1972). Finalmente, apresenta critérios para a elaboração 8
CONGREGAÇÃO PARA O CLERO, Diretório geral para a Catequese. São Paulo: Paulinas-Loyola 1998. Uma nova edição corrigida foi publicada em 2009, somente pela Editora Paulinas (coleção Pedagogia da Fé).
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ARTIGOS ARTIGOS de catecismos locais e para uma catequese inculturada. Esse grande Diretório da Sé Apostólica inspirou profundamente o nosso Diretório Nacional de Catequese (2006). O Catecismo da Igreja Católica (daqui para frente citado como o Catecismo), refletindo a teologia conciliar tal como a entende e interpreta o magistério pontifício atual, também foi recebido com entusiasmo9 como uma bela síntese moderna dos conteúdos da fé. O apreço por esse texto foi crescendo cada vez mais, sobretudo pelos autores de textos catequéticos, no estudo da teologia, como síntese de muitos temas dos currículos da formação teológica. É muito valorizado também na formação dos religiosos e nos diversos movimentos eclesiais, sobretudo nas próprias escolas catequéticas. Alguns segmentos, principalmente entre catequetas, manifestaram certa hesitação diante do novo Catecismo. De fato, o movimento catequético do século XX havia superado o conceito de catecismo como apresentação meramente doutrinal; agora ele era visto como um instrumento muito ágil, à altura dos destinatários, inculturado, colocando a Bíblia acima do aspecto doutrinal e relevando mais seu caráter vital de mensagem. Num ambiente que levava à radicalidade o princípio da Encarnação do Verbo como norma suprema de pastoral, o advento de um Catecismo parecia um passo atrás, um retrocesso. Propunha-se que um eventual texto da Sé Apostólica fosse publicado com outros títulos, como: livro da fé, a fé eclesial, compêndio da fé, texto de referência, a doutrina da Igreja e outros. Mas prevaleceu a força da tradição e foi mantido o nome de Catecismo. Sabemos que toda receptio exige também tempo e assimilação profunda: foi o que aconteceu. Hoje, à distância de mais de 20 anos, ele é considerado um grande dom de Deus à sua Igreja e uma das mais belas heranças do pontificado do Bem-aventurado João Paulo II.
1.4 O DIRETÓRIO NACIONAL DE CATEQUESE E A V CONFERÊNCIA DA CELAM EM APARECIDA Num clima de intensa retomada da Evangelização como grande urgência da Igreja hoje, surgiram o Diretório Nacional de Catequese em 200610 e a V Conferência do Episcopado Latino-Americana11 em Aparecida (Brasil) em 2007. O documento de Aparecida propõe uma Igreja missionária e, portanto, como já havia sugerido o DGC, uma catequese de natureza evangelizadora, querigmática, de caráter catecumenal. Um pouco antes, o DNC, em 2006, também foi nessa direção. É importante ressaltar que ambos os documentos (Aparecida e o DNC) resgatam as teses mais centrais de Medellín: a dimensão antropológica, o cuidado pelos pobres, a dimensão sociocultural da fé, a eclesiologia de comunhão e a centralidade da comunidade na transmissão da fé.
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A receptio (recepção) desse texto está mais profundamente descrita em meu artigo A recepção do Catecismo da Igreja Católica na América Latina e no Brasil in Revista de Catequese 35 (2012) n.º 140, outubro-dezembro, pp. 6-23 (cf. nota 3). 10
CNBB, Diretório Nacional de Catequese. Publicações da CNBB 1. Brasília: Edições da CNBB 2006. São Paulo: Paulinas 2006 (Coleção Documentos da CNBB 84). 11
CELAM, Documento de Aparecida. Brasília: Edições da CNBB; São Paulo: Paulus e Paulinas 2007.
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ARTIGOS ARTIGOS O retorno a uma Igreja missionária levou também à restauração e valorização do complexo processo de iniciação à vida cristã como caminho de renovação catequética; na verdade, um novo paradigma catequético-evangelizador. Em Aparecida: “Propomos que o processo catequético de formação adotado pela Igreja para a iniciação cristã seja assumido em todo o Continente como a maneira ordinária e indispensável de introdução na vida cristã e como a catequese básica e fundamental. Depois, virá a catequese permanente que continua o processo de amadurecimento da fé” (DAp 294). Algumas características do DNC podem ser assim enumeradas: 1) inspira-se na renovação teológica e pastoral do Concílio Vaticano II e na caminhada pós-conciliar da Igreja no Brasil, colocando-se na perspectiva missionária que hoje perpassa toda Igreja; 2) assume as características da evangelização, seu ardor missionário e núcleo querigmático, tornando-se uma “catequese evangelizadora”; 3) apresenta uma catequese bíblica, encarnada na histórica, comunitária e antropológica, litúrgica e celebrativa; 4) baseia-se na Palavra de Deus, manifesta na Tradição (Bíblia, Liturgia, Santos Padres, Catecismos): a Bíblia continua a ser o “livro por excelência” da catequese, e a comunidade cristã, o ambiente em que o catequizando ou catecúmeno devem crescer e viver a própria fé; 5) assume a dimensão catecumenal como inspiradora de toda catequese: mais do que a tradicional dimensão racional ou doutrinal da fé, a catequese torna-se experiencial, celebrativa, orante; dá importância aos símbolos e aos progressivos passos na fé, assumindo as características de um processo de iniciação aos mistérios da fé; 6) está voltada preferencialmente para os adultos e jovens, sobretudo adultos que foram batizados mas não evangelizados, nem (suficientemente) iniciados na fé; o objetivo da catequese não é apenas a recepção dos sacramentos da Iniciação Cristã, mas toda a vida cristã; 7) privilegia o catequista e seu testemunho de vida (como o de toda a comunidade) e insiste em sua esmerada formação; o DNC institui, para as Dioceses que o desejar, o “ministério do catequista” para aqueles que são “reconhecidamente eficientes como educadores da fé de adultos, jovens e crianças, e estão dispostos a se dedicarem por um tempo razoável à atividade catequética na comunidade”; 8) dá orientações seguras quanto à organização da catequese na Igreja Particular, especificando as competências de cada um na educação da fé dentro da Diocese, paróquia e comunidade. A catequese no Brasil foi e é muito influenciada pela renovada valorização da Palavra de Deus, posteriormente mais incrementada pela Verbum Domini12 de Bento XVI e pelo Congresso São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 6-21, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS Nacional sobre a animação bíblica de toda pastoral (Goiânia, 2011)13, assim como pela Teologia da Missão. São típicas ações de uma Igreja que quer ser cada vez mais missionária, num mundo em acelerada descristianização. Esses três documentos (DGC, Aparecida e DNC) impulsionaram as reflexões desses últimos anos a respeito da natureza iniciática da catequese, assumindo-a como verdadeira iniciação à vida cristã.
1.5 UMA CATEQUESE EVANGELIZADORA De uma catequese quase exclusivamente doutrinal, característica dos séculos de cristandade, a Igreja encaminha-se há anos para o retorno à sua natureza missionária; hoje ela retoma e renova sua consciência missionária. Nas palavras da Evangelii Nuntiandi, “a Igreja existe para evangelizar: esta é sua graça e vocação própria, sua mais profunda identidade” (EN 14). Aparecida é a mais recente e profunda expressão dessa verdade reproposta por Paulo VI e João Paulo II, agora vigorosamente reafirmada pelo Papa Francisco na Evangelii Gaudium (título dos n.os 163-168: Uma catequese querigmática e mistagógica): “Voltamos a descobrir que também na catequese tem um papel fundamental o primeiro anúncio ou querigma, que deve ocupar o centro da atividade evangelizadora e de toda a tentativa de renovação eclesial.” (n.o 164). A Igreja latino-americana e caribenha sentiu a urgência de recuperar o caminho missionário vivido em seus inícios e consequentemente o retorno a uma catequese evangelizadora14. A catequese, que na milenar tradição eclesial distinguia-se pelos conteúdos doutrinais, condensados nos catecismos, hoje se reveste de uma natureza mais evangelizadora, missionária; isso provoca um contínuo retornando ao núcleo central da fé, ao anúncio de Jesus Cristo, proposta de um itinerário experiencial da fé, catecumenal em sua metodologia, como reafirma o Papa Francisco. Assim se acentua mais a primazia da Palavra de Deus, expressa sobretudo nas Sagradas Escrituras, e a centralidade da Liturgia como expressão e celebração do mistério divino e, consequentemente, lugar privilegiado de educação da fé. Tais perspectivas vêm reafirmar e consagrar as opções fundamentais do nosso Diretório Nacional de Catequese. A proposta de uma catequese evangelizadora, desenhada pelo DNC, coincide plenamente com o projeto evangelizador apresentado em Aparecida. Catequese e evangelização, missionaridade, discipulado, iniciação cristã, catecumenato, dimensão litúrgicocelebrativa, orante e simbólica na transmissão da fé, são conceitos que expressam mais claramente a face do novo paradigma de catequese em nossos dias. 12
BENTO XVI, Verbum Domini. Exortação Apostólica do Sínodo sobre a Palavra de Deus. Brasília: Edições CNBB 2010 (Documentos Pontifícios 6). 13
CNBB-COMISSÃO EPISCOPAL PASTORAL PARA A ANIMAÇÃO BÍBLICO-CATEQUÉTICA. Animação Bíblica a Pastoral. Brasília: Edições CNBB 2012. Trata-se das Atas do I Congresso Brasileiro de Animação Bíblica da Pastoral realizado em Goiânia (GO) de 08 a 11 de outubro de 2011. 14
Cf ALVES DE LIMA, LUIZ, Catequese Evangelizadora. Brasília: Edições CNBB 2014. Coleção Catequese à luz do Diretório Nacional de Catequese.
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São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 6-21, jan./jun. 2014.
ARTIGOS ARTIGOS 2 ORGANIZAÇÃO, PERSPECTIVAS E PROBLEMAS 2.1 ORGANIZAÇÃO DA CATEQUESE NO BRASIL A partir da Conferência Episcopal, a catequese no Brasil é conduzida pela Comissão Episcopal Pastoral para a Animação bíblico-catequética15, composta de três bispos e um secretário executivo. Ela é responsável, em âmbito institucional, pela catequese em todo o Brasil. A Conferência Episcopal está dividida em 18 Regionais; em cada regional há um bispo responsável pela catequese, um secretário executivo e uma equipe regional. Esse esquema repete-se nas 275 Dioceses brasileiras. Anualmente, reúnem-se os 18 bispos com seus assessores; são reuniões de estudo, programação e animação catequética. De cinco em cinco anos, ou com intervalos maiores, há uma reunião ampliada de todos os regionais, quando são convocados também representantes das Dioceses ou de conjunto de Dioceses. São encontros também de estudo, animação, festa e celebração. Finalmente, realizaram-se, desde 1986, três Semanas Brasileiras de Catequese, convocadas por ocasião de grandes acontecimentos. A última foi em 2009 por ocasião da celebração do Ano Catequético, e o tema Iniciação à Vida Cristã 16. Há um grupo de doze catequetas e biblistas (GREBICAT: Grupo de Reflexão BíblicoCatequética Nacional) que assessora a Comissão Episcopal de catequese; reúnem-se 3 ou 4 vezes por ano em vista da animação bíblico-catequética, produção de documentos e organização da catequese em nível nacional17. Há também a Sociedade Brasileira de Catequetas (SBCat) como uma sociedade privada de fiéis; é um espaço de reflexão e produção catequética, a serviço da nova evangelização, em espírito de comunhão e participação com a Igreja Particular; ainda está dando seus primeiros passos18. Dois grupos maiores, reunindo vários Estados da Federação (Sulão e Nordestão), debatem problemas comuns às próprias regiões. Como acontece em toda a Igreja, a Conferência Episcopal Brasileira, e depois as Dioceses dão as principais orientações e linhas de ação da prática catequética, da formação de catequistas e sobre a seleção de subsídios para a catequese que, por sua vez, realiza-se nas paróquias. Todas possuem seu coordenador diocesano com uma equipe de animação. Nas paróquias, os párocos em geral dão atenção e acompanham seus catequistas; porém, há um expressivo número deles que, por diversos motivos, não se fazem presentes nem dão 15
Cf. CNBB, Comissões Episcopais, Subcategoria Comissão Episcopal para a Animação Bíblico-Catequética. Disponível em http://www.cnbb.org.br/comissoes-episcopais-1/biblico-catequetica, acesso em 21.05.2014. 16
Documentação das duas últimas semanas brasileiras de catequese: CNBB-LINHA 3, Segunda semana brasileira de catequese: com adultos, catequese adulta. História, abertura, conteúdos, propostas, compromissos e documentos. Estudos da CNBB 84. Paulus 2002; CNBB-COMISSÃO EPISCOPAL PARA A ANIMAÇÃO BÍBLICO-CATEQUÉTICA, 3.ª Semana Brasileira de Catequese. Iniciação à Vida Cristã. Brasília: Edições CNBB, 2010, 300 pp., com CD. 17
ALVES DE LIMA Luiz, Origem e missão do GRECAT-CNBB: Notas para uma gênese e significado do Grupo Nacional de Reflexão Catequética in Revista de Catequese 134 (2011), abril-junho, pp. 70-74.
18 DOCUMENTOS, Fundada a Sociedade Brasileira de Catequetas (SBCat) in Revista de Catequese 35 (2012) n.º 138, abriljunho, pp. 79-80.
São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 6-21, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS o suficiente apoio à catequese. Uma multidão incalculável de catequistas leigos19 trabalha na educação de adultos, jovens, adolescentes e crianças, todos em regime de voluntariado, com grande dedicação e zelo, embora muitas vezes falte uma formação específica.
2.2 NATUREZA DA CATEQUESE, DESTINATÁRIOS OU INTERLOCUTORES Grandes conquistas têm sido feitas pela prática catequética nos últimos 50 anos, como a integração da dimensão bíblico-litúrgica na educação da fé, uma catequese mais experiencial e menos doutrinal, atenção à pessoa do catequista, sua formação e testemunho de vida, a renovação dos textos e manuais, a busca de uma catequese mais adulta para adultos. Entretanto a grande maioria da catequese brasileira ainda gira ao redor das práticas sacramentais, sobretudo a Primeira Comunhão Eucarística e Confirmação e, em geral, orientada para crianças, adolescentes e jovens. A catequese com adultos despertou um grande interesse, desde o pós-concílio, e realmente se faz muita coisa nesse sentido, mas ainda é um desafio. A maioria das Dioceses mantém um largo arco de educação cristã, que vai desde a pré-catequese para crianças abaixo de 7 anos até à adolescência. Em geral, a Primeira Comunhão Eucarística é realizada por volta de 10 ou 11 anos, e a confirmação pelos 13 ou 14 anos. Em quase todas as dioceses há também expressiva organização e atuação da pastoral da juventude que, embora tenha uma organização e dinâmicas próprias, não deixa de ser uma “catequese para jovens”. Um grande desafio para toda a Igreja é responder à questão levantada por Bento XVI na Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis: “devemos interrogar-nos se temos suficiente noção do vínculo estreito que há entre Batismo, Confirmação e Eucaristia; de fato, é preciso não esquecer jamais que somos batizados e crismados em ordem à Eucaristia. Este dado implica o compromisso de favorecer na ação pastoral uma compreensão mais unitária do percurso de iniciação cristã” (17). “A este respeito, é necessário prestar atenção ao tema da ordem dos sacramentos da iniciação... Em concreto, é necessário verificar qual seja a prática que melhor pode, efetivamente, ajudar os fiéis a colocarem no centro o sacramento da Eucaristia, como realidade para qual tende toda a iniciação.” (Ib. 18) Portanto: não seria melhor colocar a recepção da Sagrada Eucaristia numa idade maior, como ápice da iniciação cristã? O Sínodo de 2012, nas proposições 37 e 38, voltou sobre esse assunto20. Outro problema relativo a esse são os chamados “cursos de batismo e de matrimônio” de pouquíssima ou quase nula eficácia evangelizadora: não convertem, não integram as pessoas nas comunidades; infelizmente, por meio deles, continuamos a gerar pessoas sacramentalizadas, mas não evangelizadas. 19
Não temos estatísticas seguras, porém fala-se em cerca de 700.000 ou 750.000 catequistas nas 275 Dioceses brasileiras. Desse número não constam inúmeros agentes de pastoral que fazem verdadeiro trabalho de catequese, porém com outros nomes. 20
SÍNODO SOBRE A NOVA EVANGELIZAÇÃO PARA A TRANSMISSÃO DA FÉ, Proposições in Revista de Catequese 35 (2012) no. 140, out.dez., p. 59-75; aqui, p. 70.
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ARTIGOS ARTIGOS 2.3 O MAIOR DESAFIO: MUDANÇA DE PARADIGMA, RUMO A UMA PERSPECTIVA MAIS CATECUMENAL Estamos em geral suficientemente convencidos sobre a recuperação do catecumenato, essa grande estrutura litúrgico-catequética voltada para uma verdadeira iniciação ao mistério de Cristo e à comunidade crente. Mais do que um caminho metodológico, a dinâmica catecumenal é um espírito que deve permear todas as ações da “nova evangelização”. A Igreja pede-nos, há 50 anos, desde o Vaticano II, o retorno a essa verdadeira instituição missionária, que são os processos catecumenais. Mas o que interpela e inquieta hoje é o “como fazer?” Que metodologias, que itinerários seguir? O RICA, sendo um livro litúrgico, traça o caminho das celebrações, ritos, entregas, exorcismos e outras práticas litúrgico-rituais do processo catecumenal. Como combinar tais práticas, desconhecidas da tradição catequética durante séculos com a catequese entendida como instrução e aprendizado? Ou melhor: como recolocar a catequese, tal como a recebemos da tradição, dentro do grande quadro da Iniciação Cristã? Costumamos dizer que, tratando-se de textos, a catequese é o resultado de três livros: a Bíblia, o Rito de Iniciação Cristã de Adultos (RICA) e o Catecismo da Igreja Católica. Sabemos trabalhar bem com a Bíblia e o Catecismo, mas como fazê-los interagir com o RICA? Quais seriam os itinerários ou roteiros para colocar em prática esses processos catecumenais? Já faz algum tempo, uma comissão nacional se dedica a esse problema e estamos chegando a um resultado bastante genérico e esquemático, intitulado: Itinerário da Iniciação Cristã, para 4 idades distintas: adultos não batizados, adultos batizados, jovens-adolescentes e crianças. Esses itinerários baseiam-se nos 4 tempos21 estabelecidos pelo RICA, cada um com seus objetivos, os eixos temáticos da catequese e as celebrações. Quanto à catequese propriamente dita, o segundo tempo, sendo o mais longo (um ano ou dois), é subdividido em fases, igualmente com seus objetivos e eixos temáticos. É o que se pode apresentar da parte da Conferência Episcopal, em âmbito nacional, para todo o país. Assim se expressou Dom Jacinto Bergmann, bispo responsável pela animação bíblico-pastoral do Brasil: “esse itinerário é um instrumento que vai servir muito à Igreja uma vez que apresentará grandes orientações sobre como fazer a iniciação à vida cristã. Essas orientações gerais criarão unidade e ajudarão as igrejas locais a elaborarem os seus roteiros e manuais”. Esses itinerários foram estudados e aprofundados na reunião nacional dos 18 Regionais com seus bispos e coordenadores (Brasília, 11-14 de fevereiro de 2014). As várias igrejas particulares ou regionais deverão, depois, traduzir tais linhas da ação em prática concreta e inculturada. Considerando os quatro tempos do Catecumenato, creio que um dos grandes desafios é o chamado pré-catecumenato: ou seja, o primeiro anúncio, o tempo de evangelização propriamente dito... Como fazê-lo, como realizá-lo no ambiente fortemente secularizado de 21
São os conhecidos: pré-catecumenato, catecumenato, purificação e iluminação e mistagogia. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 6-21, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS hoje? Que pessoas são responsáveis por ele? Há possibilidade de fornecer indicações práticas às paróquias e Dioceses sobre como fazer o anúncio do querigma, sobretudo para a multidão de pessoas afastadas da Igreja? Nesse sentido, o Sínodo de 2012 fez esta sugestão: “Consideramos necessário que haja um Plano Pastoral de Primeiro Anúncio que leve ao encontro vivo com Jesus Cristo. Tal documento pastoral deveria fornecer os primeiros elementos de um processo catequético, permitindo a sua inserção na vida das comunidades paroquiais. E que contenha igualmente os elementos do processo catequético, indicando como se inserem na vida das comunidades paroquiais. Os padres sinodais propõem que se estabeleçam por escrito as linhas mestras da proclamação inicial do querigma. Neste compêndio se incluam: 1) o ensino sistemático do querigma na Escritura e na Tradição da Igreja Católica; 2) os ensinamentos e escritos dos santos missionários e mártires de nossa história católica e que nos ajudariam nos desafios pastorais de nossos dias; 3) características e orientações para a formação dos evangelizadores católicos nos dias de hoje.”22 Como iniciativas particulares (paróquias e Dioceses), há várias experiências de êxito em muitos lugares. Em quase todos os 18 Regionais há tentativas isoladas de implantação do catecumenato. Ao colocar em prática as orientações do DGC, do DNC e de Aparecida sobre o catecumenato, os esquemas e processos são bem diversos. O resultado é sempre positivo: a evangelização e catequese alcançam realmente seus objetivos, criam-se novos ministérios, renova-se a paróquia no ardor missionário e a própria comunidade é a primeira a se beneficiar. Em âmbito nacional, realiza-se de 06 a 09 de novembro, em São Caetano do Sul (SP), um Seminário Nacional sobre o Catecumenato. Há também esforço por parte de autores e editoras de se adaptarem textos catequéticos tradicionais à dinâmica e aos processos catecumenais, tanto para adultos, quanto para jovens e crianças. Infelizmente, em alguns textos a Iniciação Cristã permanece somente no título. O clamor que se levanta da parte daqueles que já se converteram à necessidade de mudança radical do paradigma catequético é sempre o mesmo: como fazer, como colocar em prática o esquema catecumenal apresentado pelo RICA, como envolver toda a comunidade nesse processo, sobretudo o clero, os religiosos...(sim, pois os leigos às vezes se entusiasmam muito mais que os padres e frades). Há sempre o perigo do nominalismo - dá-se o nome de iniciação cristã a processos que permanecem, ligeiramente modificados... - ou, pior ainda, a tentação do ritualismo, ou seja: reduzir a mudança de paradigmas a apenas alguns ritos a mais durante o processo tradicional catequético, nem sempre bem compreendidos e realizados. Nesse sentido, seria muito promissor se houvesse maior diálogo com o neo-catecumenato, sem querer assumi-lo como método ou proposta para toda a Igreja. É um movimento (denomina-se caminho) que possui muitíssima experiência do como realizar a experiência 22
SÍNODO SOBRE A NOVA EVANGELIZAÇÃO PARA A TRANSMISSÃO DA FÉ, Proposições, Proposição 9, 2.ª parte in Revista de Catequese 35 (2012) n.º. 140, out.-dez., pp. 59-75; aqui, pp. 62-63; cf PAPA FRANCISCO, Evangelii Gaudium, n.os 163 – 166.
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ARTIGOS ARTIGOS catecumenal; possuem uma prática bastante consolidada, metodologias e recursos de grande eficácia evangelizadora e que muito poderiam ajudar aqueles que querem realizar uma verdadeira iniciação à vida cristã, sem a radicalidade evangélica e profundidade com a qual os neocatecúmenos a assumem. Uma aproximação maior entre esse movimento e as dioceses e paróquias (em termos de planejamento, colaboração, troca de experiências) enriqueceria ambos os lados. Para isso é preciso abertura de ambas as partes e vontade sincera de se colocar a serviço da nova evangelização.
2.4 A FORMAÇÃO DE CATEQUISTAS Quase todas as Dioceses possuem escolas de formação de catequistas que, por serem diocesanas, são de nível médio. Escolas de nível básico encontram-se na maioria das paróquias; entretanto há catequistas que se formam somente na prática, ao lado de catequistas mais antigos; bebem do próprio poço e não possuem, pois, uma preparação específica. Se durante muito tempo prevaleceu o número de catequistas populares (sem muita instrução escolar), hoje cresce muito o número de catequistas de formação escolar de nível médio e superior. Daí também o crescimento de escolas de nível médio, em geral diocesanas ou regionais, ou mesmo de âmbito nacional. Alguns bons catequetas que atuaram e atuam no Brasil formaram-se no exterior, como na França, Itália, Bélgica, Espanha, Canadá, Chile, Colômbia entre outros. Durante o Concílio Vaticano II e nos anos posteriores, floresceu, no Brasil, o Instituto Superior de Pastoral Catequética (ISPAC), no Rio de Janeiro, à imagem e semelhança da mesma escola do Institut Catholique de Paris23. Essa escola obteve grande sucesso e formou bons catequetas que impulsionaram o movimento catequético dos anos de 1970 a 1990, mas durou poucos anos devido às crises do imediato pós-concílio. Com uma duração maior (15 anos), existiu o Curso Superior de Pastoral Catequética dos salesianos, com a duração de um ano inteiro de estudos, no Instituto Teológico Pio XI em São Paulo, fundado e dirigido por mim. Ultimamente tem trazido grandes esperanças a retomada da formação de nível superior pelos cursos de pós-graduação em catequese, com reconhecimento do Ministério da Educação (MEC), promovidos por várias universidades ou faculdades católicas. Atualmente são quase 10 desses cursos espalhados por todo o território nacional. Alguns deles são de âmbito nacional, como os de Goiânia, de São Paulo e os dois de Curitiba enquanto existiram; outros são regionais, como os de Porto Velho, Salvador, Joinville, Cuiabá, Fortaleza. Um grave desafio que perpassa todas as fases da formação de catequistas é: como dar um caráter também catecumenal à própria formação de catequistas? Se eles não 23
Para uma história do Instituto Superior de Pastoral Catequética e outros semelhantes na esfera regional, pode-se consultar ALVES DE LIMA Luiz. A face brasileira da catequese: um estudo histórico-pastoral do movimento catequético brasileiro das origens ao diretório “catequese renovada”, Faculdade de Teologia da Universidade Pontifícia Salesiana, Tese de doutorado n.º 346. Roma: UPS 1995, pp. 237-241. Edição acadêmica limitada. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 6-21, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS experimentam vivencialmente os processos de iniciação cristã, dificilmente irão depois traduzilos em suas práticas catequéticas. O problema torna-se mais grave quando se trata de formação superior, universitária; de fato, aí o tempo é muito escasso e apenas suficiente para desenvolver os conteúdos acadêmicos (controlados pelo MEC).
2.5 A FORMAÇÃO DO CLERO E RELIGIOSOS Grande problema é a formação catequética do clero. Quase todos os seminários ou faculdades de Teologia possuem a cátedra de Catequética. Às vezes a catequese é estudada em outras disciplinas, como “teologia prática”, “teologia pastoral”, “planejamento pastoral” etc. Infelizmente não há professores suficientes para atender essa demanda de formação nos seminários e institutos; recorre-se quase sempre a professores de outras áreas pastorais ou teológicas. No mundo feminino, encontram-se ótimas professoras para essa disciplina. Infelizmente, em muitos neossacerdotes prevalece a força da tradição do velho modelo catequético... e não conseguem traduzir em ação as novas propostas que aprendem nos seminários! Outra grave deficiência é a formação dos presbíteros e religiosos que há tempo concluíram os estudos. Para eles, há os encontros anuais de estudo para o clero, presentes na programação da maioria das Dioceses. O tema desses encontros de estudo dos presbíteros tem sido, muitas vezes, a catequese, a iniciação cristã ou o estudo e utilização do RICA. Uma coisa é certa: os catequistas possuem mais facilidade e entusiasmo para se atualizarem e assumirem os novos paradigmas de evangelização e catequese, do que o clero (presbíteros e diáconos); estes últimos não poucas vezes resistem às mudanças radicais exigidas pela catequese e pela pastoral em geral, pois elas multiplicam o trabalho e exigem maior presença dos ministros ordenados nas práticas catequéticas.
2.6 O USO DA SAGRADA ESCRITURA Uma conquista bem consolidada da catequese nos últimos 50 anos é o uso cada vez maior da Sagrada Escritura na catequese. O catecismo já não é o livro mais importante da catequese, mas a Sagrada Escritura, embora muitos catequistas dependam quase totalmente do texto ou manual catequético. O problema que se apresenta, porém, é o uso das Sagradas Escrituras por parte dos catequistas. Muitos se esforçam, estudam, praticam a lectio divina (ou leitura orante) com muito fruto para si e para os catequizandos. Entretanto, grande parte da multidão de catequistas ainda se sente perdida diante do mundo bíblico, da compreensão dos textos, da correta interpretação. O que poderíamos fazer para proporcionar edições cada vez mais catequéticas, mais compreensíveis, dentro dos códigos linguísticos de nossa gente, dos nossos catequistas? O texto bíblico oficial da CNBB foi feito sobretudo para o uso litúrgico, em que a linguagem é mais protocolar e cerimoniosa. Para a catequese se exigiria uma tradução menos formal e mais coloquial. Seria também muito bom que houvesse uma única tradução para uso 18
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ARTIGOS ARTIGOS catequético em todo o território nacional, não só em vista da unificação, mas também da memorização de uma mesma expressão bíblica da fé.24
2.7 O PAPEL E A IMPORTÂNCIA DO ENSINO DOUTRINAL A proposta de uma catequese de dimensão catecumenal dá importância também ao ensino doutrinal, porém não é o elemento mais importante. Seria mesmo um erro fazer oposição entre uma catequese renovada, sobretudo catecumenal, e uma catequese doutrinal. Tal contraste muitas vezes é acentuado devido à predominância, durante séculos e séculos, na Igreja, de uma catequese meramente doutrinal. No passado ela fazia sentido, pois havia o catecumenato social, ou seja: no longo período de cristandade, as famílias, a comunidade paroquial, e a própria sociedade ou civilização cristã, facilitavam e até proporcionavam uma suficiente experiência de fé cristã... e a catequese se ocupava apenas da fundamentação ou sistematização racional de fé, por meio da catequese doutrinal. Os catecismos chamados teológicos, do século XVI até meados do século XX, exerceram, com eficácia, essa função, naquele ambiente. Hoje, porém, o cenário é totalmente outro. Com raras exceções, o ambiente sociocultural e as próprias famílias já não proporcionam essa primeira e fundamental experiência vital cristã. Daí a urgência da evangelização; a própria catequese assume essa característica evangelizadora, acentuando o anúncio querigmático e a primeira experiência cristã. Entretanto ela não pode, absolutamente, abandonar sua característica doutrinal: faz parte de uma completa iniciação cristã. Constatamos, infelizmente, que grande parte das catequeses em nossas paróquias possui um déficit doutrinal. Os textos são fracos doutrinalmente, apesar da riqueza do Catecismo da Igreja Católica, que continua a ser a grande referência para catequistas e autores de textos catequéticos. Que contribuição a Teologia poderia dar para facilitar a expressão racional da fé, numa linguagem mais próxima dos nossos destinatários, menos hermética e mais expressiva da fé? A CNBB, desde CR não julgou oportuna, dada a extensão do território nacional, a confecção de um “catecismo nacional”. Mais do que um catecismo nacional, seria mais urgente a elaboração de um substancioso subsídio sobre o anúncio do querigma e, mais ainda, de um catecismo que primasse pela acentuação querigmática, como pediu o Sínodo dos Bispos de 2012 (cf acima no item 2.3 com a nota 23) e que o Papa Francisco repropôs na Evangelii Gaudium (cf n.os 163 – 166).
2.8 A LINGUAGEM MIDIÁTICA HOJE E A CATEQUESE Nossa fé cristã católica está, em geral, expressa numa linguagem e num horizonte de significados muito distantes da cultura de hoje. Não é dificuldade de uma ou de outra igreja; 24 Historicamente, a chamada Bíblia da CNBB foi o resultado, entre outras coisas, do pedido insistente da Primeira Semana Brasileira de Catequese, realizada em Itaici (SP) em 1986, para que houvesse uma tradução única no Brasil para o uso na catequese e na liturgia.
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ARTIGOS ARTIGOS trata-se de um problema universal. É próprio dos processos de iniciação introduzir os iniciandos ou neófitos na linguagem própria do mistério revelado. Os esforços que temos feito em toda a Igreja, a partir do Vaticano II, ainda são insuficientes para criar uma linguagem e expressões significativas dos mistérios da fé para a cultura de hoje. As novas gerações, porém, provindas de um mundo novo e com horizontes culturais diferentes, terão mais capacidade e ocasião de criar também novas linguagens que expressem o mesmo mistério revelado em Cristo Jesus. E o que dizer da linguagem ou oportunidades que se abrem com as novas mídias, com os areópagos midiáticos? Como abordar uma geração de crianças, adolescentes e jovens que já nascem enredados, envolvidos pelas redes sociais, sem usá-las para a transmissão da fé? Mas também os adultos estão imersos nessa galáxia midiática. Não se trata apenas de usarse a mídia na catequese, mas de levar em consideração a nova cultura midiática que deles nasce. Porém é possível a comunicação da fé sem o contato pessoal, sem o tu-a-tu, sem olho-no-olho?25 No Brasil se fazem experiências nesse sentido, mas reduzem-se em geral aos aspectos comunicativos entre catequizandos entre si e com os catequistas, sem tocar ainda no núcleo da questão, que é a autêntica comunicação da fé e a vivência comunitária.
CONSIDERAÇÕES FINAIS A catequese no Brasil apresenta-se como uma realidade muito rica e variada. Os esforços desde antes do Concílio Vaticano II, mas, sobretudo sob o impacto desse maior evento da história da Igreja no século XX, resultaram numa renovação que, entre luzes e sombras, vai respondendo, conforme as várias épocas, aos desafios encontrados. Hoje, mais que no passado recente, o mundo secularizado ou em via de secularização, a globalização com seus aspectos positivos e negativos, a crise generalizada da família, a imposição de uma economia de mercado que não favorece a todos, mas quase exclusivamente as classes mais privilegiadas, e tantos outros problemas, colocam a Igreja em geral, e particularmente a catequese, na necessidade de se reinventar, buscar novos caminhos, ou mesmo, retornar às fontes num renovado ardor missionário. Ao lado de segmentos que permanecem parados e incapazes de se libertar de esquemas passados que já não ajudam evangelizar com eficácia, há também muito esforço e vontade de renovação nos conteúdos e nos métodos evangelizadores, catequéticos. O documento de Aparecida, o Diretório Nacional de Catequese, o movimento por uma presença maior da animação bíblica em toda a pastoral, a busca da renovação do modelo paroquial, os últimos 25
Cf SCALA, Linguagens da cultura midiática e catequese. São Paulo: Salesianas, 2001. SPADARO Antônio, Ciberteologia. Pensar o Cristianismo nos tempos da rede. São Paulo: Paulinas, 2013.
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ARTIGOS ARTIGOS e próximos sínodos dos bispos e a própria eleição do Papa Francisco, com todo seu otimismo e novos ares que trouxe ao governo central da Igreja, são todos sinais animadores de que a Igreja, e com ela a evangelização e catequese, estão encontrando novos caminhos para que o Nome e o Evangelho do Senhor Jesus seja cada vez mais anunciado e seguido. A catequese, especificamente, como educação da fé, depois de dois mil anos presente na Igreja e crescendo com ela, vai também encontrando seu caminho, na medida em que redescobre suas origens, ou seja, o seu surgimento dentro da estrutura dos processos de iniciação cristã. É muito feliz a proposta dos Diretórios Geral e Nacional de catequese, quando falam de uma “catequese a serviço da Iniciação Cristã”. É somente aí nesse ambiente catecumenal e, mais ainda, na parceria profunda com a dimensão litúrgica, sobretudo por intermédio do RICA, que a catequese encontra seu futuro e suas possibilidades de êxito e de fecundo serviço ao Evangelho.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES DE LIMA Luiz. A face brasileira da catequese: um estudo histórico-pastoral do movimento catequético brasileiro das origens ao diretório “catequese renovada”. Faculdade de Teologia da Universidade Pontifícia Salesiana. Tese de doutorado, n.º 346. Roma: UPS, 1995. ALVES DE LIMA, Luiz. A recepção do Catecismo da Igreja Católica na América Latina, especialmente no Brasil. In FERREIRA Antônio Luiz Catelán (org.). Os 20 anos do Catecismo da Igreja Católica e o Ano da fé. Brasília: Edições da CNBB, 2013. ALVES DE LIMA, LUIZ. Catequese Evangelizadora. Brasília: Edições CNBB, 2014. (Coleção Catequese à luz do Diretório Nacional de Catequese) ALVES DE LIMA Luiz. Origem e missão do GRECAT-CNBB: Notas para uma gênese e significado do Grupo Nacional de Reflexão Catequética. In Revista de Catequese 134 (2011), abril-junho. CELAM, A igreja na atual transformação da América Latina à luz do Concílio. Conclusões de Medellín. 6ª ed. Petrópolis: Vozes, 1977. CELAM, Documento de Aparecida. Brasília: Edições da CNBB. São Paulo: Paulus e Paulinas 2007. CNBB, Catequese Renovada Orientações e Conteúdo. Documentos da CNBB 26. São Paulo: Paulinas, 1983. CNBB, Diretório Nacional de Catequese. Publicações da CNBB 1. Brasília: Edições da CNBB 2000. São Paulo: Paulinas, 2006. (Coleção Documentos da CNBB 84) CONGREGAÇÃO PARA O CLERO, Diretório geral para a Catequese. São Paulo: Paulinas-Loyola 1998. Nova edição corrigida’: São Paulo: Paulinas, 2009. (coleção Pedagogia da Fé) GRUEN Wolfgang, Novas orientações para a catequese no Brasil in Revista de Catequese 7(1984) nº 27. SCALA, Linguagens da cultura midiática e catequese. São Paulo: Salesianas, 2001. SÍNODO SOBRE A NOVA EVANGELIZAÇÃO PARA A TRANSMISSÃO DA FÉ. Proposições. In Revista de Catequese 35 (2012), n. 140, Out.-Dez. SPADARO Antonio, Ciberteologia. Pensar o Cristianismo nos tempos da rede. São Paulo: Paulinas, 2013.
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ARTIGOS ARTIGOS A CATEQUESE EM TEMPOS DE NOVA EVANGELIZAÇÃO CATECHESIS IN TIMES OF NEW EVANGELIZATION Roberto Nentwing* RESUMO: A religião institucional está em baixa, embora estejamos imersos num contexto de religiosidade. A Igreja conta com uma multidão de batizados que não vivem de um modo convicto a sua fé. Surge a necessidade de uma nova evangelização: urge o primeiro anúncio da alegre boa nova e a transformação das estruturas eclesiais arcaicas que não favorecem uma Igreja evangelizadora. À catequese cabe a tarefa de se inserir nesse novo contexto, configurando-se como catequese evangelizadora. Dois caminhos têm sido muito enfatizados para que tal tarefa seja cumprida: a) a catequese querigmática: ligada ao primeiro momento da evangelização; b) a catequese de inspiração catecumenal (mistagógica): iluminada pelo catecumenato dos primeiros séculos. Palavras-chave: Nova evangelização. Catequese evangelizadora. Querigma. Catecumenato. Mistagogia. ABSTRACT: The institutional religion is in retreat, even though we are immersed in a religiosity context. The Church counts on a crowd of baptized people that doesn´t live according to a convinced way of faith. It raises the need of a new evangelization: makes it urgent the joyful announcement of the gospel and the transformation of the archaic ecclesial structures that do not point to an evangelizing church. Catechesis must be placed in this new context as an evangelizing catechesis. Two routes have been receiving much emphasis for this aim to be successful: a) kerygmatic catechesis, wich is related to the first moment of evangelization; b) catechumenal inspiring catechesis (mystagogy): lighted by the catechumenate of the first centuries. Keywords: New evangelization. Evangelizing catechesis. Kerygma. Catechumenate. Mystagogy.
INTRODUÇÃO A nova evangelização é um tema crucial no atual momento da Igreja. Testemunhas disso são alguns acontecimentos como a 5.ª Conferência Geral do Episcopado Latino Americano, em 2007, e a 13.ª Assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos, em outubro de 2012, tendo como tema a “Nova Evangelização para a transmissão da Fé”. Recentemente, o Papa Francisco presenteou-nos com a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium sobre o anúncio do evangelho no mundo atual. O apelo para uma evangelização renovada exige da catequese uma nova postura. Este artigo pretende dar algumas pistas sobre a catequese em tempos de nova evangelização. Inicialmente, faremos um breve “ver”, apontando algumas características do tempo e a necessidade de uma nova postura evangelizadora da Igreja. Em seguida, * Doutorando em Teologia na PUC-Rio. Presbítero, colabora com a reflexão catequética em sua diocese e é membro da Sociedade Brasileira de Catequetas.
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São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 22-35, jan./jun. 2014.
ARTIGOS ARTIGOS abordaremos algumas luzes sobre a catequese evangelizadora, focalizando a catequese querigmática e a catequese de inspiração catecumenal. Cabe, antes da leitura do artigo, uma observação para o leitor mais inserto no mundo da catequese. O presente texto, inicialmente, foi escrito para um público que não está ciente da recente caminhada catequética. Essa é a razão da abordagem de alguns assuntos já dominados pelo público leitor desta Revista. O texto foi reescrito para a publicação, inserindose a novidade da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, do Papa Francisco.
1 NOVOS TEMPOS: NOVA ATITUDE “Que palavras são estas que trocais enquanto ides caminhando? E eles pararam com o rosto sombrio” (Lc 24,17). Quando Jesus se coloca diante dos discípulos de Emaús, não começa fazendo um grande discurso argumentativo sobre a sua ressurreição. Como bom catequista, o Senhor prefere perguntar a eles sobre os últimos acontecimentos, investigando sobre os seus sentimentos. O rosto sombrio dos dois caminhantes deixa evidente que havia medos e interrogações latentes. Certamente, nada disso foi ignorado pelo Mestre. Mais ainda: suas angústias foram o ponto de partida da catequese no caminho de Emaús. Se pretendemos falar da catequese em tempos de Nova Evangelização, certamente deveremos, mesmo que rapidamente, identificar a realidade do tempo de crise de modernidade, procurando perscrutar as esperanças e aspirações, bem como o caráter dramático de nossa geração.1 Não nos cabe aqui fazer uma abordagem exaustiva sobre as características desses novos tempos. Cabe-nos apenas uma passagem rápida pelos desafios para a evangelização, que emergem dos tempos hodiernos, o que nos levará a fundamentar com mais clareza a nova atitude que deve tomar a Igreja no que toca o ministério catequético. Vivemos num tempo em que a religião não tem forte influência na sociedade, como se podia perceber há algumas décadas, principalmente no mundo rural. Hoje, a religião institucional está em baixa. Isso não significa que a crise da modernidade é um tempo isento de experiências religiosas. A religiosidade, distinta de religião, nasce de uma necessidade afetiva, que conduz o indivíduo à busca da comunicação com as divindades para saciar um desejo de experimentar o mistério ou na esperança de receber gratificações e soluções para os problemas da vida. Tal religiosidade está muito presente.
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Gaudium et Spes, 4. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 22-35, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS Por sua vez, a religião instituída e histórica, com seus ritos, moral e doutrina, podem ser prescindida. As pessoas fazem suas experiências sem uma adesão firme a uma instituição religiosa, tomando dessa apenas o que lhes interessa. Nesse contexto, nossa Igreja vive um grande drama, pois a maioria dos que se afirmam católicos simplesmente se isentam de uma adesão firme, e nem mesmo frequentam os sacramentos. Como identificou muito bem o Documento de Aparecida, temos em nosso continente “uma multidão de batizados não suficientemente evangelizados”.2 A catequese de iniciação à vida cristã tem a dificuldade latente de fazer com que os catequizandos que recebem os sacramentos tenham de fato uma adesão profunda de fé e à vida de comunidade. Não podemos mais garantir que a fé seja transmitida de pais para filhos. Se a Igreja alicerçou sua prática sacramental na certeza de que pais e padrinhos transmitissem o tesouro da fé para a nova descendência e que a Igreja seria a mãe que acolheria de um modo quase natural os seus filhos, isso já não se evidencia. Se é difícil a adesão a uma instituição religiosa, o que falar então da inserção na comunidade? Em tempos em que o individualismo se torna uma realidade intensa, quando o que está no centro é a pessoa em sua liberdade e necessidade de autorrealização, torna-se mais difícil apresentar a comunidade cristã como um lugar de verdadeiro discipulado. Os desafios para a catequese de iniciação não provêm somente de fora da Igreja. A própria estrutura eclesial e os limites na sua prática pastoral configuram-se como desafios para a catequese. Há quem afirme que temos um bom produto (a fé, a graça, o Evangelho), mas não sabemos administrar bem, pois não somos efetivos em transmitir às novas gerações esse grande tesouro que está em nossas mãos. Há uma tendência que deve ser superada: a Igreja vivendo embalada pelo ritmo dos sacramentos, preocupando-se mais com a distribuição deles do que com a evangelização. A rotina, a repetição de muitas práticas anacrônicas, o moralismo e o formalismo são notas de uma pastoral que não encanta e não transforma. Por isso é preciso que a Igreja olhe para si mesma. Necessitamos de uma avaliação sobre nossa prática, reconhecendo que a Igreja muda ao longo dos tempos (Ecclesia semper reformanda). Não basta se evocar a conversão individual dos fiéis e esquecer-se da conversão da própria Igreja, que precisa reformar seus métodos e estruturas para ser verdadeiramente evangelizadora. Seguindo o espírito do Documento de Aparecida, o Papa Francisco convida a Igreja a uma conversão pastoral, tomando consciência de seus limites e da necessidade de ser fiel a seu chamado: “Há estruturas eclesiais que podem chegar a condicionar um dinamismo evangelizador; de igual modo, as boas estruturas servem quando há uma vida que as anima, sustenta e avalia. Sem vida nova e espírito evangélico autêntico, sem ‘fidelidade da Igreja à própria vocação’, toda e qualquer nova estrutura se corrompe em pouco tempo”.3 2
Documento de Aparecida, 293.
3
Evangelii Gaudium, 26.
24
São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 22-35, jan./jun. 2014.
ARTIGOS ARTIGOS Novos tempos evocam uma nova postura. Aqui encontramos ecos para uma Nova Evangelização. Vivemos em uma momento histórico em que urge o primeiro anúncio da alegre boa nova, levando nossos interlocutores ao encontro pessoal com Jesus Cristo. Vivemos num tempo em que a exigência de desinstalar-se é urgente, como já nos alertam as conferências episcopais da América Latina e do Caribe, ao convidarem a Igreja a uma reevangelização (Medellin) ou nova evangelização (Santo Domingo). Por isso, é preciso evangelizar os países onde a vida de fé foi enfraquecida como é o caso do Brasil. Os batizados não evangelizados precisam da riqueza da Boa Nova. Esta é a missão da Igreja: “anunciar a Boa Notícia do Reino, proclamado e realizado em Jesus Cristo”. 4 A missão da Igreja de hoje não é nada diferente do passado, mas urge uma nova maneira de transmitir a mesma mensagem de salvação, mudar os métodos e se revestir daquela novidade da fé sobre a qual nos fala São Paulo (cf. 1Cor 12,13). A criatura torna-se nova, porque o Evangelho é algo sempre novo e renovador de todas as coisas. Essa novidade que invade o coração de homens e mulheres deve ser anunciada com esse espírito, comportado por odres novos que não arrebentem por estarem ultrapassados (cf. Mt 9,16-17). De modo bem concreto, a Igreja precisa agir com a clareza de que não é mais hegemônica no mundo. Há muitas práticas que dão por pressuposto a experiência de fé e a consequente adesão dos fiéis. Basta perceber, por exemplo, como são realizados os famosos cursinhos de Batismo que, longe de provocarem o encantamento pela pessoa de Jesus, muitas vezes se resumem a explicar doutrinas e deveres aos ouvintes. É preciso ter consciência de que as pessoas que procuram a Igreja não têm os rudimentos básicos para uma autêntica vida cristã. “Não temos de dar nada por pressuposto e descontado. Todos os batizados são chamados a ‘recomeçar a partir de Cristo’, a reconhecer e seguir sua Presença com a mesma realidade e novidade, o mesmo poder de afeto, persuasão e esperança, que teve seu encontro com os primeiros discípulos nas margens do Jordão”.5 Por isso, os primeiros destinatários da Nova Evangelização não são mais os descrentes que residem em países sem tradição cristã, mas os próprios batizados que nunca tiveram uma verdadeira adesão de fé ou deixaram a Igreja. Devem ser inclusos, também, “os fiéis que conservam uma fé católica intensa e sincera, exprimindo-a de diversos modos, embora não participem frequentemente no culto. Esta pastoral está orientada para o crescimento dos crentes, a fim de corresponderem cada vez melhor e com toda a sua vida ao amor de Deus”. 6
4
Evangelii Nuntiandi, 14.
5
Documento de Aparecida, 291. O papa Francisco retoma a mesma ideia em sua Exortação Apóstólica (cf. Evangelii Gaudium 34). 6
Evangelii Gaudium, 14. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 22-35, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS 2 CATEQUESE EVANGELIZADORA Os desafios dos tempos questionam profundamente o modo como educamos na fé. Diante da realidade que se apresenta, a prática catequética não pode seguir a mesma linha de forte índole doutrinal e sacramental que predominou por séculos. A catequese deverá ser significativa e assumir novo jeito. O papa Francisco exorta-nos a realizar uma evangelização que priorize o essencial, não se perdendo em verdades secundárias que “não manifestam o coração da mensagem de Jesus Cristo”7. Tal mudança de postura evangelizadora “confere sentido, beleza e fascínio”.8 Para que se alcance tal intento, será necessário rever a prática da iniciação cristã: Um desafio que devemos encarar com decisão, com coragem e criatividade, visto que em muitas partes a iniciação cristã tem sido pobre e fragmentada. Ou educamos na fé, colocando as pessoas realmente em contato com Jesus Cristo e convidando-as para seu seguimento, ou não cumpriremos nossa missão evangelizadora.9
Chamaremos essa tentativa de resposta aos novos tempos (tempos de Nova Evangelização) de catequese evangelizadora. Aqui importa compreender a catequese como uma ação impregnada do ardor missionário, visando à adesão mais plena a Jesus Cristo: “Nossa realidade pede uma nova evangelização. A catequese coloca-se dentro desta perspectiva evangelizadora, mostrando uma grande paixão pelo anúncio do Evangelho”.10 A Evangelização é uma realidade rica, complexa e dinâmica, que compreende momentos essenciais e diferentes entre si. O seu primeiro momento é o querigma, ou seja, o anúncio que desperta a fé. A catequese é o segundo momento, que antecede a ação pastoral e a inserção do fiel na comunidade.11 É importante, porém, frisar que a relação entre a catequese e a evangelização não se resume ao fato de a ação catequética ser o segundo momento da ação evangelizadora. Na verdade, os momentos não são estanques: o querigma e a inserção pastoral (e na comunidade) caminham juntos, com o ato catequético. De modo especial, a catequese que pretende ser evangelizadora não poderá ser apenas o momento da instrução que aprofunda o querigma, mas um verdadeiro ato que inclui os demais elementos (anúncio e inserção na comunidade). Dois caminhos hoje têm sido muito enfatizados para que a catequese responda ao atual contexto evangelizador, configurando-se como uma catequese evangelizadora: a) a catequese querigmática: ligada ao primeiro momento da evangelização (querigma); b) a catequese de inspiração catecumenal (ou catequese mistagógica): ligada ao primeiro momento (querigma) e, sobretudo, ao terceiro momento da evangelização (ação pastoral, inserção na comunidade). 7
Evangelii Gaudium, 34.
8
Ibidem.
9
Documento de Aparecida, 287.
10
Diretório Nacional de Catequese, 29.
11
Diretório Geral para a Catequese, 63; Diretório Nacional de Catequese, 33.
26
São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 22-35, jan./jun. 2014.
ARTIGOS ARTIGOS Ao falar sobre a evangelização como aprofundamento do querigma, o papa Francisco ressalta a necessidade de uma “catequese querigmática e mistagógica”12. Em seguida, discorreremos sobre esses dois caminhos ou correntes catequéticas, procurando apresentá-los como respostas ao contexto de uma nova evangelização, procurando trazer alguns bonitos frutos da Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium”.
2.1 CATEQUESE QUERIGMÁTICA “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou pela unção para evangelizar...” (Lc 4,18a). Como Jesus no início da vida pública, a Igreja é também ungida pelo Espírito e proclama uma Palavra inaudita que arrebata os corações, devendo ser portadora de um anúncio provocador que toca os corações. Esse anúncio chama-se querigma: O querigma é anúncio e proclamação para suscitar a fé nos ouvintes e manter acesa sua chama, de modo que, acolhendo Jesus como Filho de Deus, Senhor e salvador, participem da sua própria vida, da vitória sobre a morte, e alcancem, assim, a vida eterna (cf. Jo 20,31).13
A catequese não se descuida do querigma: “na boca do catequista, volta a ressoar sempre o primeiro anúncio: ‘Jesus Cristo ama-te, deu a sua vida para te salvar, e agora vive contigo todos os dias para te iluminar, fortalecer, libertar’”.14 É importante, entretanto, fazer a distinção entre catequese e querigma: já vimos que a catequese é o segundo momento da evangelização, ou seja, é o aprofundamento do querigma. Mas, como estamos num contexto em que a maioria dos que procuram a Igreja não fizeram a sua primeira adesão a Jesus e à comunidade, é necessário que a catequese seja revestida das roupas do querigma: uma catequese que contenha as principais intuições do anúncio entusiasta e amoroso de Jesus Cristo. Em síntese, uma catequese que provoque uma primeira conversão em seus interlocutores: Na situação atual, requerida pela ‘nova evangelização’ esta tarefa se realiza por meio da ‘catequese kerigmática’, que alguns chamam de ‘pré-catequese’, porque, inspirada no pré-catecumenato, é uma proposta da Boa-Nova de acordo com uma sólida opção de fé. Somente a partir da conversão, isto é, apostando na atitude interior ‘daquele que crer’, a catequese propriamente dita poderá desenvolver a sua tarefa específica de educação da fé.15
12
Cf. Evangelii Gaudium, 163-168.
13
Anúncio Querigmático e Evangelização Fundamental, 19.
14
Evangelii Gaudium, 164.
15
Diretório Geral para a Catequese 62. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 22-35, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS Vejamos, na sequência, como o querigma é inspirador para a catequese, ou seja, quais são as principais características da catequese querigmática.16 a) Centralidade na pessoa de Jesus Cristo. O objetivo da catequese é conduzir o catequizando ao encontro pessoal com o Senhor e ao seguimento dos passos de Jesus de Nazaré, vivendo como construtor do Reino de Deus. Essa experiência fundante não pode ser dada por pressuposto num contexto de Nova Evangelização. É importante que esse encontro pessoal não seja interpretado de modo intimista, ou seja, uma afetividade vazia e descarnada. A catequese querigmática não se confunde com as experiências de religiosidade. Trata-se, sim, de mediar um autêntico encontro com o Senhor, que leva ao discipulado. Uma experiência que preenche o coração, sim, mas sem desvincularse do Reino e da proposta de Jesus. É preciso ter em mente que a verdadeira experiência religiosa não apenas causa calmaria do espírito como aconteceu com Elias no Monte Horeb (1Rs 19,12), mas também fere, deixando sua marca de um modo determinante: é a experiência de Jacó na sua luta com o anjo (Gn 32, 25ss.), é a experiência de Jeremias: “Tu me seduziste, Senhor, e eu me deixei seduzir. Foste mais forte do que eu e me venceste” (Jr 20,7). b) Uma experiência de fé. A catequese querigmática não pretende transmitir conceitos e verdades frias, mas despertar a fé na vida do catequizando. Transmite-se a mensagem da salvação e não fórmulas decoradas: perguntas e respostas de um catecismo de difícil compreensão. Por isso, torna-se necessária a valorização da linguagem narrativa. Seria adequado falar de transmissão da fé como nos propõe o Sínodo? Se for apenas a transmissão de verdades, não. A fé é mais do que uma teoria; é uma experiência de vida. O termo tradere (tradição=entrega, que se aproxima do termo transmissão) deve ser entendido como a entrega de uma experiência de fé viva, atualizada ao longo de dois mil anos, ou seja, inculturada. Transmitir um conteúdo fixo, uma teoria, não atende ao desafio evangelizador. De fato, nestes tempos de crise de modernidade, há grande importância para a subjetividade. Esta não pode ser entendida apenas como um aspecto negativo, mas como uma oportunidade para que cada indivíduo assuma de modo pessoal a sua fé. O papa Bento XVI, ao proclamar o ano da fé, estava preocupado com essa adesão de cada indivíduo ao manifestar o seu ato de fé. Não que a fé da comunidade não tenha importância, mas é fundamental que seja antes uma opção da pessoa.17 Por isso, uma catequese querigmática estará mais preocupada com o ato de fé (fides qua) do que com o conteúdo da fé (fides quae). A postura do querigma está focada na experiência do indivíduo, ou seja, no modo como o interlocutor faz a sua adesão afetiva a Deus, mais do que no aprendizado das verdades doutrinais. Nesse caminho, é preciso deixar de lado o Deus filosófico definido com base em conceitos abstratos da metafísica, para colocar no centro o anúncio do Deus encarnado. Por muito 16
Para maior aprofundamento, cf. MORÁS, Francisco. As correntes contemporâneas de catequese. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 17-24. 17
Porta Fidei, 10.
28
São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 22-35, jan./jun. 2014.
ARTIGOS ARTIGOS tempo, reforçamos o poder glorioso de Deus, apresentando-o num trono medieval. Hoje, vemos a necessidade de proclamar a sua quenosis, ou seja, o Deus que se esvaziou de si mesmo e assumiu o drama da condição humana até às suas últimas consequências em Cristo Jesus (cf. Fl 2,5-11), manifestando que o seu poder é o poder do amor.18 c) Atenção ao contexto vital da pessoa. A catequese procura atingir a pessoa no seu âmago, transformar a sua vida, gerar seguimento. Portanto, a catequese fala da mensagem cristã sempre atenta, como essa pode ser aplicada na vida concreta e cotidiana do catequizando. Os homens e mulheres de nosso tempo têm a necessidade de encontrar identidade e o sentido de suas vidas com base numa experiência que afete o seu interior. É preciso que a catequese não seja um amontoado de palavras vazias que não transformam a pessoa, mas uma verdadeira Boa Nova que toca o coração dos interlocutores. Algumas práticas eclesiais ao longo da história chegam até mesmo a obscurecer a beleza do evangelho. Hoje é urgente deixar para trás uma pregação culpabilizadora, centrada no pecado e arraigada à lei e aos preceitos. O anúncio do Evangelho deve ser entusiasta, o conteúdo baseado no amor, de modo que se produza alegria e sentido da vida. É este o caminho para que se abrasem os corações: A pregação puramente moralista ou doutrinadora e também a que se transforma numa lição de exegese reduzem esta comunicação entre os corações que se verifica na homilia e que deve ter um carácter quase sacramental: ‘A fé surge da pregação, e a pregação surge pela palavra de Cristo’ (Rm 10, 17).19
O Papa Francisco ainda defende que a evangelização deva ser pautada na liberdade, sem impor uma verdade ou se obrigar a uma moral. Pautado na alegria e vitalidade, evitandose as verdades doutrinais filosóficas, o evangelizador deve ser revestido de certas atitudes: “proximidade, abertura ao diálogo, paciência, acolhimento cordial que não condena”.20 d) Atenção à personalização. A pessoa é o interlocutor do querigma, pois a fé é antes assumida por indivíduo, de modo particularl. Não sem a comunidade, evidentemente, mas com base numa experiência que é sua e minha. Na crise da modernidade, não é suficiente a evangelização das massas, pois cada pessoa quer ser considerada em sua individualidade. Por isso, é preciso personalizar, considerar cada um, acolher cada pessoa em seu dom e em sua dificuldade. Mesmo os discursos não podem ser generalizantes, mas aplicáveis de um modo imediato na vida concreta de cada pessoa, utilizando-se preferencialmente o pronome referente à segunda pessoa do singular (ao do receptor): Deus ama você, você é chamado à conversão, Deus tem uma proposta de vida para você.... 18
Santo Tomás de Aquino fala da “onipotência do amor” (cf. Evangelii Gaudium, 37).
19
Evangelii Gaudium, 142.
20
Evangelii Gaudium, 165. Sobre a ncessidade de superar uma catequese baseada na doutrinação, conferir também: Evangelii Gaudium, 35. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 22-35, jan./jun. 2014.
29
ARTIGOS ARTIGOS O primeiro passo do catequista (e evangelizador) não é propor uma verdade pronta e acabada, mas escutar as alegrias e as preocupações de seus interlocutores, depois realizar o anúncio de modo humilde e testemunhal.21 Então, a palavra, que longe de ser um conceito formulado de modo inacabado, é uma palavra dinâmica. O evangelho encarnou-se numa cultura e deve continuar sendo inculturado na vida do povo, levando-se em consideração o que é próprio de cada gente.22 Enfim, a personalização da catequese acontece quando se transmite uma verdade afeita ao espírito dos povos, das pessoas concretas, quando se fala de sua vida, de suas aspirações, de suas alegrias e de seus dramas; quando o Evangelho é vivo e fala da vida. e) O testemunho pessoal. Se a catequese querigmática é a transmissão de um testemunho vivencial e afetivo, é fundamental que os catequistas estejam preparados para tal intento. Não é uma mera questão de técnica, mas de mística e testemunho. A Palavra deverá brotar do coração de quem a proclama. A relação que se estabelece com o mensageiro já é mensagem e vida de quem proclama, é sinal de credibilidade para que o anúncio tenha força de transformação, sem desprezarmos o mistério e a ação do Espírito Santo. Hoje se escutam mais “as testemunhas do que os mestres, (...) ou então se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas”.23
2.2 CATEQUESE DE INSPIRAÇÃO CATECUMENAL “Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem meus discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo o que vos ordenei” (Mt 28,19). No mandato missionário que antecede sua ascensão aos céus, Jesus não pede apenas que se proclame a sua Palavra. O seu mandato é triplo: fazer discípulos (dimensão vivencial da fé), batizar (dimensão celebrativa da fé) e ensinar (dimensão proclamativa da fé). A partir desse mandato testemunhado pelo evangelista Mateus, podemos resumir o tripé da vida eclesial que decorrerá no famoso tríplice múnus. De fato, a Igreja vive fundamentalmente do anúncio da Palavra (ensino), da celebração dos sacramentos (liturgia) e da caridade (martiria). A catequese, por sua vez, está também alicerçada nessa mesma linha de integralidade da missão eclesial. A catequese na idade moderna foi concebida como uma mera instrução, contudo tal conceito está hoje defasado, pois não se concebe mais o ato catequético como limitado ao momento do encontro ou ainda como mero estudo de temas. A catequese deve 21
Evangelii Gaudium, 128.
22
Evangelii Gaudium, 129.
23
Evangelii Nuntiandi, 41.
30
São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 22-35, jan./jun. 2014.
ARTIGOS ARTIGOS ser planejada dentro de um “modelo global”, ou seja, deve estar estruturada por vários fatores: pessoais, relacionais, conteudísticos, operativos... Todos os elementos unem-se para alcançar determinadas finalidades. A sequência da ação catequética deve unir: Palavra (anúncio, exposição, estudo...), relação (fatores afetivos, interativos...), ação (compromisso, testemunho, trabalho...) e celebração (ritos, gestos, festa...).24 Os documentos catequéticos apontam para uma catequese configurada a partir de um itinerário de educação na fé, que ultrapassa o planejamento aos moldes dos antigos planos de aula: “É um itinerário educativo, que vai além da simples transmissão de conteúdos doutrinais desenvolvidos nos encontros catequéticos. Esses roteiros contemplam um processo participativo de acesso às Sagradas Escrituras, à liturgia, à doutrina da Igreja, à inserção na vida da comunidade eclesial e a experiências de intimidade com Deus”. 25 A melhor experiência global de itinerário catequético na história da Igreja foi o catecumenato. Nos primeiros séculos da era cristã, a catequese consistia num amplo programa, fortemente marcado pela liturgia e pela inserção na vida de Cristo e na vida da comunidade. Não é sem razão que a documentação magisterial recente tem insistido sobre o resgate da instituição catecumenal.26 Não apenas se faz necessário retomar o catecumento de adultos, mas também fazer dele um modelo paradigmático para a catequese: “é a inspiração catecumenal que deve iluminar qualquer processo catequético”.27 A tarefa da catequese, portanto, é construir itinerários de educação na fé de inspiração catecumenal, ou seja, os elementos do catecumenato devem ser aplicados a qualquer âmbito, seja na catequese de crianças, na com adultos. Não se trata de forçar a estrutura catecumenal dentro dos itinerários, mas de captar as principais características da pedagogia catecumenal e aplicá-la na catequese de crianças e jovens, na preparação de pais e padrinhos, na preparação de noivos, nos encontros com pais, nos círculos bíblicos e demais espaços de formação na fé. Pode-se dizer, grosso modo, que outro termo para designar a catequese de inspiração catecumenal é catequese mistagógica. Trata-se de uma catequese que conduz ao mistério revelado por Jesus Cristo (mistagogia=conduzir ao mistério). “Significa essencialmente duas coisas: a necessária progressividade da experiência formativa na qual intervém toda a comunidade e uma renovada valorização dos sinais litúrgicos da iniciação cristã”.28 24
ALBERICH, Emílio. Catequese evangelizadora: manual de catequética fundamental. São Paulo: Salesiana, 2004. p. 335-336. 25
Diretório Nacional de Catequese, 152.
26
É interessante observar, ao celebrar os 50 anos do Concílio Vaticano II, que se pede o resgate do catecumenato de adultos (cf. Sacrosanctum Concilium 64; Ad Gentes 14). O Texto Instrumentum Laboris colocou a iniciação cristã no processo evangelizador como primeiro aspecto para que reavive a ação pastoral (cf. SÍNODO DOS BISPOS XIII ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA. A Nova Evangelização para a transmissão da fé cristã: Instrumentum Laboris. São Paulo: Paulinas, 2012. n.os 131-137). 27
Diretório Nacional de Catequese, 45.
28
Evangelii Gaudium, 166. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 22-35, jan./jun. 2014.
31
ARTIGOS ARTIGOS Veremos, na sequência, algumas das principais características do processo catecumenal (mistagógico) que podem inspirar qualquer itinerário catequético, sem que se limite a pensar a catequese como iniciação de crianças e adolescentes em idade de receber sacramentos. a) Valorizar a catequese com adultos. O catecumenato sempre teve os adultos como os principais interlocutores. Nos últimos tempos, temos investido muito na catequese de crianças e negligenciado os adultos. Em tempos de Nova Evangelização, são muitos os adultos que despertam para a fé ou a redescobrem, vindo até a comunidade. Muitos deles ainda não receberam os sacramentos da iniciação. Quando não há catecumenato, a prática em geral é a recepção sacramental precedida de uma instrução rápida e ineficiente. É preciso investir em pessoas adultas na fé, que possam abraçar a proposta do Reino por convicções próprias e não meramente por um preceito frágil. b) União catequese e liturgia. O lamento sobre o conteudismo e formalismo da catequese está muito relacionado com a dissolução histórica entre catequese e liturgia. Urge uma catequese que eduque para a liturgia e traga para o seu interior os elementos celebrativos e simbólicos que compreendem a riqueza ritual da Igreja. O símbolo toca o ser humano de um modo singular, diz o indizível, é acesso ao mistério. O símbolo sempre fala, e nem precisa das palavras, pois ele já remete ao sagrado. Por isso, os gestos, os ritos, os sinais da liturgia são bem-vindos na catequese. Os melhores itinerários catequéticos são aqueles que contemplam um itinerário celebrativo, sendo esta a principal característica da catequese de inspiração catecumenal.29 O Papa Francisco convida-nos a valorizar o caminho da beleza para a transmissão da fé: é a beleza a via para atingir o coração do ser humano, fazendo transparecer a bondade do Cristo Ressuscitado. É necessário, afirma o Papa, encontrar novos símbolos que tenham significado nos diferentes âmbitos culturais.30 Algumas pistas favorecem o casamento entre catequese e liturgia: I. realizar encontros celebrativos e celebrações catequéticas: os encontros catequéticos podem contemplar momentos orantes profundamente rituais e simbólicos. Desse modo, a catequese torna-se mistagógica, ou seja, uma mediação de acesso ao mistério do Cristo. É também muito oportuno fazer com os catequizandos algumas celebrações da Palavra, convidando os familiares, reunindo outras turmas. Os próprios catequistas podem conduzir esses momentos, inspirando-se nos conteúdos catequéticos, valorizando e partindo sempre da Proclamação da Palavra. O encontro catequético precisa de uma “ambientação adequada e duma motivação atraente, do uso de símbolos eloquentes, da sua inserção num amplo processo de crescimento e da integração de todas as dimensões da pessoa num caminho comunitário de escuta e resposta”31; 29
Diretório Nacional de Catequese, 118.
30
Evangelii Gaudium, 167.
31
Evangelii Gaudium, 166.
32
São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 22-35, jan./jun. 2014.
ARTIGOS ARTIGOS II. realizar celebrações de entrega e ritos de passagem. É preciso resgatar o sentido da gradualidade do processo catequético presente no catecumenato. O catequizando deve sentir que ele avança a cada dia no caminho e que vence etapas até atingir o cume do processo. A realização de algumas celebrações de passagem pode ajudar nesse sentido. Aqui merecem destaque as entregas, tão valorizadas no catecumenato: pode haver uma celebração festiva, com toda a comunidade, com a entrega de um símbolo para cada etapa do itinerário: a Bíblia, o Pai Nosso, o Credo, a Cruz, as Bem Aventuranças...; III. valorizar o tempo litúrgico. É preciso retomar toda a riqueza do Ano Litúrgico e a centralidade do Mistério Pascal. Não se pode viver na catequese uma mesmice, enquanto mudam os ciclos. Assim, na Quaresma é preciso enfatizar o silêncio, a penitência, a caridade; na Páscoa, a vida nova do Cristo Ressuscitado e alegria própria desse tempo; IV. aproximar da liturgia os catequizandos. Quem está no processo de iniciação à vida cristã precisa estar familiarizado com a liturgia. Para isso, deve ser constantemente educado sobre o seu sentido e incentivada a sua participação, também no desempenho de alguns serviços. c) Usar a Bíblia como fonte primeira da catequese. Hoje é urgente uma catequese mais bíblica, fazendo com que os encontros e atividades tenham inspiração bíblica, ajudando a conhecer o texto e interpretando-o bem. Principalmente, destaca-se a leitura orante da Palavra, tendo-se a Bíblia como primeira fonte de oração. Mais do que apenas usar a Bíblia, a Igreja convida-nos à animação bíblica da vida e da pastoral da Igreja.32 Ou seja, mais do que atividades ou novas pastorais, é preciso viver uma mística da Palavra de Deus, como o povo judeu, que tinha a escuta da lei e dos profetas nas sinagogas como fonte de sua fé. d) Interiorizar os conteúdos de fé pela oração. A oração não deve limitar-se às fórmulas decoradas. Além delas, é urgente valorizar a prática da oração espontânea e do silêncio que levem a acolher no coração os conteúdos de fé transmitidos na catequese. Como dissemos, a melhor oração é aquela que brota da Palavra de Deus. e) Conduzir os catequizandos para a participação em atividades evangélicotransformadoras. Não basta a Palavra, a liturgia e a oração se não nos convertermos. Assim, é muito oportuno que os catequizandos realizem atividades que os eduquem para a caridade, para a comunidade e para o compromisso social, como atividades em prol da ecologia, visitas a instituições sociais, campanhas etc. A Igreja do Brasil instituiu e tem incentivado o plano de atividades evangélico-transformadoras, nessa linha. Parte-se da tese de que a educação da fé não vem apenas pela instrução, mas pela própria prática cristã, num verdadeiro processo de interação entre fé e vida.33 32
Verbum Domini , 73; Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja do Brasil (2011-2015), 44-53.
33
Cateqeuse Renovada, 112-114. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 22-35, jan./jun. 2014.
33
ARTIGOS ARTIGOS f) Necessidade do testemunho da comunidade. Afirmamos que a catequese querigmática necessita do testemunho do catequista. A catequese de inspiração catecumenal necessitará ainda mais: pede o testemunho vivo de uma comunidade de fé. Somente uma comunidade evangelizadora poderá ser um espaço vivo para acolher os novos membros e reanimar outros que decidiram voltar para a Igreja. Se não há comunidade, não há iniciação, pois inserir-se na comunidade dos cristãos é condição essencial para se viver como seguidor de Jesus. A catequese catecumenal será também incremento da própria comunidade. Não se opera uma mera manutenção da comunidade, mas a sua renovação, pois o processo catecumenal desperta para o dinamismo da fé e da missão pela sua diversidade ministerial e organicidade pastoral, além de acolher novos membros em seu seio: “Uma comunidade que assume a iniciação cristã renova a sua vida comunitária e desperta seu caráter missionário”.34
CONSIDERAÇÕES FINAIS A catequese de hoje deve estar imbuída de uma mística. Não se trata de melhorar as técnicas, mas de qualificar o testemunho dos catequistas e da comunidade. Reafirmamos que a catequese deverá ser global, indo muito além dos meros e rápidos encontros catequéticos. Para isso, deverá ser de responsabilidade de toda a comunidade que se propõe a ser comunidade evangelizadora - uma comunidade que oferece um espaço onde quem acolher a proposta do Evangelho poderá inserir-se e viver a alegria de ser cristão. Tal adesão não passará somente pela recepção dos sacramentos, mas antes deverá ser uma opção de cada interlocutor, com base numa experiência significativa de fé, de um encontro pessoal com o Senhor. Para que se responda aos tempos de Nova Evangelização, a catequese “precisa ser mais vivencial, mais bíblica, mais litúrgica e celebrativa e mais comprometida”.35
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBERICH, Emilio. Catequese evangelizadora: manual de catequética fundamental. São Paulo: Salesiana, 2004. BENTO XVI. Verbum Domini: Exortação Apostólica Pós-Sinodal sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja. Brasília: Edições da CNBB, 2010. _____. Porta Fidei: Carta apostólica sob forma de motu proprio com o qual se proclama o ano da fé. São Paulo: Paulinas, 2011. CELAM. Documento de Aparecida: texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe: 13-31 de maio de 2007. Brasília/São Paulo: CNBB/Paulus/Paulinas, 2007.
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Documento de Aparecida, 291.
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RIXEN, Eugênio. Homilia da missa de encerramento da III Semana Brasileira de Catequese.
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ARTIGOS ARTIGOS CNBB. Catequese Renovada: orientações e conteúdo. São Paulo: Paulinas, 1983. (Documentos da CNBB n.º 26) _____. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja do Brasil: 2011-2015. Brasília: Edições CNBB, 2011. ______. Diretório Nacional de Catequese. Brasília: Edições CNBB, 2006. (Publicações da CNBB: Documento 1) ______. Anúncio Querigmático e Evangelização Fundamental. Brasília: Edições CNBB, 2009. (Subsídios Doutrinais 4) CONGREGAÇÃO PARA O CLERO. Diretório Geral para a Catequese. São Paulo: Loyola, 1998. CONSTITUIÇÃO PASTORAL GAUDIUM ET SPES. In: KLOPPENBURG, B. (org). Compêndio do Vaticano II: Constituições, decretos e declarações. 25 ed. Petrópolis: Vozes, 1996. CONSTITUIÇÃO SACROSANCTUM CONCILIUM. In: KLOPPENBURG, B. (org). Compêndio do Vaticano II: Constituições, decretos e declarações. 25 ed. Petrópolis: Vozes, 1996. DECRETO AD GENTES. In: KLOPPENBURG, B. (org). Compêndio do Vaticano II: Constituições, decretos e declarações. 25 ed. Petrópolis: Vozes, 1996. FRANCISCO. Evangelii Gaudium: Exortação Apostólica sobre o anúncio do evangelho no mundo actual. Disponível em <http://www.vatican.va>. Acesso em 13 de dezembro de 2013. MORÁS, Francisco. As correntes contemporâneas de catequese. Petrópolis: Vozes, 2004. PAULO VI. Evangelii Nuntiandi: Exortação apostólica do Sumo Pontífice Paulo VI sobre a Evangelização no mundo contemporâneo. São Paulo: Paulinas, 1976. SÍNODO DOS BISPOS XIII ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA. A Nova Evangelização para a transmissão da fé cristã: Instrumentum Laboris. São Paulo: Paulinas, 2012.
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ARTIGOS ARTIGOS INICIAÇÃO CRISTÃ EM TEMPOS DE INSEGURANÇA PASTORAL THE CHRISTIAN INITIATION IN TIMES OF UNCERTAINTY IN THE PASTORAL FIELD João da Silva Mendonça Filho* RESUMO: Com objetivo de repensar nossa ação catequética na paróquia, resolvemos enfrentar o desafio da metodologia da Iniciação Cristã fazendo um percurso com os agentes da catequese. Após meses de conscientização do Conselho Paroquial, iniciamos o processo. Durante oito meses paramos todas as atividades e, tendo o pároco como introdutor, os catequistas debruçaram-se sobre as vivências e conteúdos, ritos e etapas do longo caminho da iniciação. O resultado foi positivo. Vencemos as barreiras do medo e da inquietação inicial, chegamos ao final da meta com novos estímulos. Agora partilho essa experiência com o intuito de encorajar outras paróquias que ainda não começaram a fazer da catequese “a casa da iniciação cristã”. Palavras-chave: Catecumenal. Iniciação. Catequista. Mistagogia. Processo. ABSTRACT: Intending to rethink our Catechetical action in parish, we have decided to face the challenge of Christian Initiation Methodology through the path of pastoral catechesis pastoral agents. After months of awareness of the Parish´s Council, we have started the process. During eight months, having the parish priest as an adviser, we paused the activities and evolved the catechists to the personal experience, contends, rituals and stages of the Christian Initiation. The result was positive. We have overcome the obstacles of fear and of the initial anxiety and got to our goals with a new encouraging. Now, I share this experience trying to estimulate other parishes to start making catechesis the “house of Christian Initiation”. Keywords: Catechumenal. Initiation. Catechist. Mistagogy. Process.
INTRODUÇÃO Em nossos dias, a catequese assume dois grandes desafios: ir ao encontro daqueles que pouco a pouco perderam o sentido da vida cristã e proporcionar um encontro significativo com Jesus Cristo. Não se trata, portanto, de uma instrução sobre doutrinas da Igreja, mas a “adesão a uma pessoa concreta” (Bento XVI), que se fez um de nós e soube amar com coração humano, trabalhar com mãos humanas (Gaudium et Spes, 22). É sobre ele que devemos falar, como bem testemunhou o discípulo João (1 Jo 1,1ss). Fazer ecoar – catequese – é mais que uma atividade escolar, uma série de princípios a serem decorados ou uma Lei a ser obedecida. A fé é, antes de tudo, um ato circular que nos faz crescer na celebração, na partilha, na compreensão, no anúncio e no testemunho cotidiano. Numa sociedade que se torna agnóstica, ou seja, que nega a existência de Deus, ou que se *
Pe. João da Silva Mendonça Filho, salesiano, é mestre em Educação com especialização em Pedagogia Vocacional pela Pontifica Universidade Salesiana de Roma/Itália. Escritor e atualmente pároco na paróquia de Nossa Senhora das Graças –Ananindeua/PA. Contato: pe.mendonca@hotmail.com
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ARTIGOS ARTIGOS comporta como se ele não existisse, mesmo sendo interpelada pelo vazio – niilismo – a fé cristã é convocada a convocar os homens e mulheres para um processo de conversão. Para tanto, não podemos simplesmente fazer catequese; é preciso ser a palavra viva, como insistia São Cirilo de Jerusalém. Por isso, nossa ação evangelizadora precisa passar de uma conservação de normas e doutrinas e catecismos (não que essas questões não sejam importantes), para uma experiência na riqueza dos seus ritos, passagens e símbolos que marcam a compreensão da pessoa de Jesus Cristo, o Senhor. A catequese com inspiração catecumenal é uma recuperação da forma antiga de levar o candidato à vida cristã a compreender o processo de morte e ressurreição que sua vida é chamada a ser, após a adesão consciente a Jesus. Portanto a iniciação cristã supõe progressividade, itinerário, caminho gradual que gera uma novidade de vida, conduz a pessoa a uma nova forma de ser e de estar no mundo. O processo de se tornar cristão significa assumir a identidade cristã, como bem dizia São Leão Magno: “Cristão, toma consciência da tua identidade”. A iniciação unifica os três sacramentos: batismo, eucaristia e crisma, que foram esfacelados na vida do cristão e tornaram-se fatos estanques que não levam necessariamente a uma conversão. Com o processo, queremos resgatar alguns valores fundamentais do ato de fé: I. o sacerdócio comum dos fiéis com o valor da comunhão e da participação; II. a valorização da presença do cristão na ação litúrgica: assembleia, leituras, palavra, ministérios; III. a oração eucarística como o grande ato de elevação ao Pai diante de sua gratuidade conosco; IV. a vivência da liturgia na vida e não apenas um fato dominical; V. o sair de si – atitude missionária – como “ carteiro de Deus” para anunciar a Boa Nova do Reino. Na paróquia, resolvemos assumir esse desafio eclesial que Aparecida e as Diretrizes da CNBB 2011-2015, n.os 37-43, orientam-nos a assumir. Para evitar o mero discurso doutrinal, colocamo-nos no caminho catecumenal realizando o processo como verdadeiros candidatos à vida cristã. O processo foi longo, fatigante, mas prazeroso, pois, ao chegar ao fim, sentimos o quanto é importante fazer e compreender o processo com seus ritos, catequeses, símbolos e passagens, para melhor aceitar o ressuscitado que modifica nossas vidas, pois nos preenche e fala, celebra e nos envia em missão1. O processo que aqui apresentamos não é um trabalho de escritório, mas um projeto desenvolvido ao longo de seis meses, com falhas certamente, com lacunas, é claro, mas 1
Cf. Luiz Alves de Lima, Iniciação à vida Cristã, apresentação do tema prioritário da 47.ª Assembleia da CNBB, In Revista de Catequese, ano 32, n.º 127, julho-setembro 2009, p. 34-48. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 36-45, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS uma experiência de OUVIR o Senhor que falou conosco na Palavra, de VER sua presença a cada dia comunicando-nos as Escrituras, CONTEMPLAR sua presença nos ritos e símbolos sacramentais e TESTEMUNHAR a cada dia, no seio de nossas comunidades, o ardor que nos move como ministros da Palavra que salva.
1 O CAMINHO PERCORRIDO Quando apresentei a proposta à minha paróquia no final de 2010, começarmos o processo da iniciação cristã. O conselho de pastoral paroquial não gostou; manifestou uma clara atitude de reprovação. Senti a urgente necessidade de mudar a práxis catequética porque algo não funcionava mais e precisava mudar sem desconsiderar a história até aqui construída, embora se fizesse necessária uma nova hermenêutica, desta vez de ruptura. Durante quatro reuniões do conselho, retornei ao tema, sempre apresentando as motivações, fundamentado no Documento de Aparecida e na própria caminhada da Igreja do Brasil. Qual era a minha proposta? A primeira atitude seria dar um tempo à pastoral catequética e proporcionar aos catequistas um tempo de formação no qual eles seriam os catequizandos; segunda atitude, renovar a pastoral do batismo. Tudo isso assustava o conselho, mas, para mim, era um desafio pessoal que sentia no mais profundo da alma. Na quinta reunião, recebei o aval do conselho e começamos o trabalho. É essa experiência que quero narrar aqui nestas páginas. Ela se junta a tantas outras iniciativas neste Brasil corajoso de uma Igreja sempre reformanda2. Eu não acredito na fixação de métodos, muito menos nas meras repetições. Acredito que o Espírito de Deus nos empurra sempre para frente. Retroceder, nunca.
1.1 FAZER A EXPERIÊNCIA DA INICIAÇÃO CRISTÃ Planejei um caminho de formação com os catequistas da paróquia para um período de oito meses. Paramos toda a atividade que tínhamos programando para 2011. Tornei-me para eles um introdutor e, com eles, um mistagogo. O texto (roteiro) usado foi o seguinte: a) Conteúdo Programático O pré-catecumenato: o kerigma 1 Jesus Cristo é o Senhor!
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FANTINI, Giuliani; SABARENSE, Marilene. Experiência catecumenal com adultos a partir do Rica, in Revista de Catequese, ano 32, n.º 127, jul.-set. 2009, p. 53-61; MICHELETTI Guillermo Daniel. Um itinerário catequético de inspiração catecumenal, uma proposta paroquial em andamento, In Revista de Catequese, ano 32, n.º 127, jul.-set. 2009, p. 62-69.
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ARTIGOS ARTIGOS 1.1 A mensagem central sobre a pessoa de Jesus Cristo: Ele morreu, segundo as Escrituras. Ele ressuscitou, segundo as Escrituras. 1.2 Jesus é a Palavra de Deus. 1.3 Jesus é o Messias esperado e anunciado pelos profetas. 2 A Tradição Apostólica e a verdade sobre Jesus Cristo. 2.1 Da pregação aos textos inspirados. 2.2 As Sagradas Escrituras: Antigo e Novo Testamento. 2.3 O ensinamento da Igreja: magistério e teologia. 3 Jesus Cristo é a imagem invisível de Deus. 3.1 Jesus, autocomunicação de Deus. 3.2 Jesus é Deus: símbolo do Deus vivente. 3.3 A ciranda da Trindade como experiência de Deus.
b) Metodologia 1 Exposição de conteúdo. 2 Cada grupo de 05 catequistas deverá ler: 1 e 2 aos Tessalonicenses (51-52), Gálatas (5455), 1 e 2 Coríntios (57), Romanos (57-58), Filipenses-colossenses-Filemon (61-63), 1 e 2 Timóteo e Tito (63-67), Marcos (69-70), Mateus (69-70), Lucas (70-80), Atos (80-90), João (100), Apocalipse (100), 1 e 2 Pedro (120), Hebreus (130). 3 A leitura do texto acompanhará o conteúdo programático – Kerigma – cada grupo terá 10 minutos no início das atividades para comentar e elaborar perguntas sobre o que foi lido. 4 O primeiro anúncio é uma apresentação geral da pessoa, da obra, das ações e da verdade sobre Jesus Cristo. O aprofundamento virá no catecumenato. c) Caminho até a Quarta-feira de Cinzas 06.02: retiro na casa Monsenhor Giordano das 08h30 às 11h00; 07 a 12.02: cada catequista deverá continuar a leitura dos textos; 13.03: os grupos encontram-se para comentar as leituras e refletir sobre a seguinte pergunta: Quem é Jesus Cristo? O grupo elegerá um membro para partilhar do estudo. 14 a 26.02: cada catequista deverá ler a exortação apostólica do Papa Bento XVI – Verbum Domini;
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ARTIGOS ARTIGOS 27.02: os grupos voltam a se encontrar para refletir sobre o texto estudado e responder à seguinte pergunta: O que é a Palavra de Deus? 28.02 a 05.03: tempo de síntese pessoal; 06.03 e 08.03 - sempre pela manhã: partilha dos temas estudados em grupos, entre todos. Os membros eleitos de cada grupo deverão expor a síntese; 09.03 - Quarta-feira de Cinzas: rito de entrada no catecumenato com a recepção da cruz e da Bíblia; Encerra-se, então, a primeira parte do pré-catecumenato. 13.03 - 1o. Domingo da Quaresma: rito da inscrição no catecumenato nas comunidades. Comecei o processo querigmático com 90 catequistas e terminei com 70. Confesso que senti um pouco de frustração ao ver tantos que ficaram pelo caminho nesta primeira etapa, talvez sem forças para continuar ou, quem sabe, desiludidos pelas exigências. Contudo, continuei animado porque os que ficaram manifestaram o positivo desejo de seguir o processo compreendendo que a catequese não é uma adesão a ideias, mas à pessoa de Jesus que exige e quer uma resposta: Quem sou eu para vocês? O grupo envolveu-se nessa busca e no aprofundamento da Escritura; começou a dar razões sempre mais profundas à própria fé. Após esse período do querigma convidei o grupo a fazer a passagem para o catecumenato. Era um avanço importante para uma vivência cristã muito mais consciente. Eles aceitaram e fizeram os pedidos. Reuni a coordenação paroquial da catequese e fizemos um escrutínio para avaliar o caminho e aqueles que mais se empenharam no processo. Dos 70, 15 foram convidados a não continuar. Por quê? Simplesmente porque faltaram a mais de 3 encontros sem nenhum tipo de justificativa. Alguns me procuraram para conversar e apresentaram suas dúvidas e dificuldades. Depois desse diálogo, permiti que 10 deles continuassem. Avançamos , então, no catecumenato. O esquema é o que segue:
1.2 CONTEÚDO PROGRAMÁTICO - CATECUMENATO I. Rito da inscrição no catecumenato (nas comunidades): 13.03 – os catequistas entregarão uma folha com os nomes inscritos para o catecumenato no momento do ofertório. O texto do rito será entregue à coordenação da catequese. II. Começam as grandes catequeses sobre os três sacramentos. PARTE 1 - O QUE É SACRAMENTO? Em 13.03 – das 09h às 11h - Comunidade São José 1 O Batismo = nova vida em Cristo – Mensagem do Papa para a quaresma 2 Leitura do Catecismo da Igreja sobre o Batismo: 14 a 19.03 40
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ARTIGOS ARTIGOS 3 Reflexão em grupo sobre a leitura: 20.03 4 Leitura orante de alguns textos sobre o batismo: Ef 4,17-32. 5,1-21; Rm 6,1-23.8,1- 30: 21.03 a 02.04 5 Escrutínio: 27.03 – 20h30 = pároco e coord. da catequese – Comunidade São José 6 Lectio divina em grupo: 03.04 7 Leitura da carta encíclica de João Paulo II Sobre a Eucaristia – Ecclesia de Eucharistia – grupos de 01 a 06 e de Bento XVI Sacramentum Caritatis – grupos de 06 a 11: 04 a 15.04 PARTE 2 - confirmação: 17.04 – Comunidade São José às 19h30 PARTE 3 - Eucaristia: 22.04 – Comunidade São José às 09h00 – 11h30 Retiro: 23.04 - Casa de retiro Monsenhor Giordano das 09h00 às 11h30 Vigília de Páscoa: 23.04: Renovação dos sacramentos da iniciação nas três grandes comunidades: São José/ Vianney e Maria Auxiliadora. Centralizei o processo do catecumenato nas grandes catequeses sobre a unidade dos três sacramentos da iniciação: Batismo, Crisma e Eucaristia. Exatamente nessa ordem, recuperando a tradição antiga. O trabalho foi denso e produtivo. Comecei a sentir que todos os catecúmenos estavam imbuídos de um projeto de vida cristã mais definida. Tinham compreendido que o importante não é tanto receber um sacramento desassociado da vida, mas exatamente o contrário. Era necessário dar razões profundas ao ato de fé para abraçar com o coração, mente e vontade o projeto de vida cristã. A leitura dos textos do magistério da Igreja abriu horizontes novos para o debate eclesial e a inserção dos catequistas na realidade visível da universalidade da Igreja. É a tarefa de se compreender dentro do universal, sem perder a referência concreta ao local. O católico pertence a uma comunidade universal; sua casa é a Igreja com toda sua diversidade e riqueza, mas é na comunidade de fé que ele celebra, vive, partilha, compreende testemunha e anuncia o dom recebido no Batismo. Quando concluímos o catecumenato, éramos apenas 55. Trinta e cinco catecúmenos – catequistas – tinham deixado todo o processo. Pensei comigo mesmo: será que é isso mesmo que Deus quer? Levei a questão ao conselho de pastoral. Todos foram unânimes em afirmar que o processo estava muito bem e que deveria continuar sem receios. As desistências apenas justificavam uma mudança profunda. Prossegui e, após a renovação dos três sacramentos (pois todos já os tinham recebido), passamos para as catequeses mistagógicas. O esquema vem a seguir.
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ARTIGOS ARTIGOS 2 CATEQUESES MISTAGÓGICAS A mistagogia é o mergulho no mistério que se vive. Após receber o batismo-confirmação e eucaristia, o agora neófito passa a viver mais profundamente o valor da vida cristã com plena participação na vida nova que brota do ressuscitado. Serão quatro encontros mistagógicos. PARTE 1 - Reflexão pessoal com base nos relatos dos textos bíblicos semanais e dominicais do 1.º ao 3.º domingo de Páscoa (Ver os textos no boletim): 24.04 a 14.05. Tarefas: 1 Nesse período fazer uma visita à Catedral de Manaus e ali dedicar pelo menos meia hora de oração pessoal; 2 Acessar o site: www.domhenrique.com.br, sobre as catequeses mistagógicas e ler o conteúdo; 3 Responder: o que você achou deste estudo? PARTE 2 - Encontro de formação à mistagogia: 15.05 – 09h00 – 11h30: São José 1 Durante esta semana, buscar o site: www.vatican.va/ ; buscar no ícone audiências, ano 2009, a catequese de Bento XVI sobre a visão teológica das cartas pastorais. Estudar o texto. 2 Encontro de formação - 22.05 – 09h – 11h: São José. 3 De 23.05 a 03.06: encontro de estudo em grupos sobre artigo do padre Mendonça que será disponibilizado aos catequistas. 4 Encontro de formação – 04.06: 19h – 21h. 5 Participar na organização e vivência da vigília de Pentecostes nas comunidades: 11.06 e na festa de Pentecostes em 12.06. 6 Encontro formativo em 18.06 – 19h – 21h - São José 7 Envolvimento de todos no Congresso Missionário das crianças e adolescentes: 25 e 26.06. PARTE 3 - Avaliação do processo vivido - 09.07: 19h -21h - São José. Quando iniciei o processo mistagógico, o meu livro O lado imaginário da fé, iniciação cristã à luz de São Cirilo de Jerusalém, não estava ainda editado. Nele, porém, é possível encontrar as formulações essenciais que usei nessa fase. Foi um processo bonito e novo 42
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ARTIGOS ARTIGOS para todos nós, porque passamos a olhar para ele desde o mistério de Deus que nos envolve; então, ser cristão é ser Palavra viva e comunicação crível do dom recebido. Ao terminar o processo, avaliamos todo o percurso. O grupo estava animado e sabia exatamente o que significava a iniciação. O que fazer? Organizamos um período de dois meses para trabalhar com os adultos, pais e comunitários que quisessem compreender a linguagem e o processo iniciático. O saldo foi positivo. Então, era o momento de começar o processo com os catequizandos. Iniciamos na festa de Cristo Rei com a grande pergunta: Quem é Jesus? Passados dois anos, os frutos começam a surgir. Na Páscoa de 2013 teremos os primeiros grupos de adultos e jovens que receberão os sacramentos como fruto de uma vivência da fé à luz do ressuscitado.
3 PREPARAÇÃO DOS AGENTES DO BATISMO Estava consciente de que o processo de implantação da iniciação cristã deveria ser gradual. Então, optei por trabalhar os agentes do batismo. Dedicamos um mês para esse trabalho. Confesso que foi o mais desgastante porque a maioria deles eram adultos e não conseguiam entender as razões de uma preparação mais intensa dos pais e padrinhos, sobretudo com o envolvimento da comunidade no processo porque há dois momentos importantes de participação da comunidade: no rito de acolhida dos catecúmenos, seus pais e padrinhos, com a primeira parte do rito do batismo, ou seja, até a benção com o óleo dos catecúmenos; depois, um segundo momento final com o rito do batismo. Evidentemente, essa preparação é exigente para os agentes e eles precisam dominar o conteúdo das grandes catequeses, organizar os ritos de entrega do Creio, Pai Nosso. No começo foi difícil, mas aos poucos conseguimos envolver muito mais os pais e padrinhos, inclusive ajudando-os a resolverem os problemas pessoais de vida cristã, como o próprio sacramento do matrimônio. a) Programação geral 1 O que é a iniciação cristã? 1.1 Kerygma 1.2 Catecumenato 1.3 Mistagogia 2 O tempo kerygmático: Quem é Jesus Cristo? 2.1 Rito: Inscrição dos catecúmenos numa celebração 2.2 Atitude: Participação nos encontros formativos São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 36-45, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS 3 Catecumenato: As grandes catequeses da iniciação. 3.1 O batismo - vencer as tentações • a transfiguração – Mt 17,1 3.2 A confirmação - encontro com a samaritana: Jo 4,7 • a cura do cego: Jo 9,35.38 3.3 A eucaristia - a ressurreição de Lázaro: Jo 11, 25-2 • Rito: apresentação dos catecúmenos/unção; • Atitude: participação na celebração de todos. 4 Mistagogia: Ser cristão, discípulo, missionário com o sacramento recebido. 4.1 Rito: escuta da palavra/ batismo / unção do crisma; 4.2 Atitude: compromisso dos pais e padrinhos. 5 A figura eclesial do padrinho e da madrinha.
b) Metodologia para encontro com os pais e padrinhos: 1.º dia: Anúncio do Kerygma. 2.º dia: Apresentação dos catecúmenos no início da celebração e unção com óleo dos catecúmenos. 3.º dia: As grandes catequeses. 4.º dia: A mistagogia / batismo com água e unção do crisma.
Conquistas Nossa ação catequética assumiu novo vigor. Pais, padrinhos e catequistas passaram a ter maior entendimento. Há reuniões periódicas com os pais dos catecúmenos em todas as comunidades; muitos pais voltaram a participar melhor da vida comunitária e a comunidade cristã acompanha melhor o desenvolvimento da catequese sem aquela preocupação frenética somente pela realização dos sacramentos. Sinto, também na avaliação dos catequistas, que o compromisso com a evangelização exige sempre mais preparação, diálogo, criatividade e comunhão. Evidentemente, temos ainda desafios a serem vencidos, por exemplo, a preparação de novos catequistas, o atendimento mais personalizado dos catecúmenos, o envolvimento dos pais. 44
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ARTIGOS ARTIGOS Constato com alegria que hoje a paróquia vive outra formação para o batismo de crianças. Deixamos aos poucos uma preparação corrida e pontual para envolver pais e padrinhos como educadores da fé. Outra realidade importante é que a comunidade cristã começa a se sentir mais envolvida e chamada a acompanhar seja na acolhida dos catecúmenos, seja no rito final quando toda a comunidade também testemunha a fé. Para mim trata-se de um avanço e muito mais teremos de conquistar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS A partilha desse processo que estamos vivendo na paróquia tem apenas o objetivo de somar forças na grande luta que é sair de uma pastoral meramente de manutenção, sem profecia e ardor, para uma evangelização mais ousada que toque em profundidade a vida das pessoas. Para aqueles que resistem ao itinerário catecumenal ou que temem as perdas, quero dizer que toda ação evangelizadora tem perdas e ganhos. O pior de tudo é querer sempre lucrar com um tipo de religiosidade emocional sem o apoio da razão, como se a fé fosse um artigo de luxo. A fé precisa de um lugar teológico para amadurecer e uma pessoa identificada com Jesus para mover-se em direção ao outro. Nesse processo, o pároco é uma presença importante, mas não a única. O protagonismo dos leigos é essencial. Sem eles, não caminharemos. Só agradeço a Deus pelos agentes leigos corajosos que uniram forças comigo nesta jornada. Sem medo e sem dúvidas. A nova evangelização requer coragem. Termino com o testemunho de uma adolescente que muito me comoveu. Ela me disse: “Padre, meus pais não participavam de nada na comunidade. Eram indiferentes e até me criticavam porque eu venho e estou na catequese. Contudo, depois que começou o catecumenato e eles foram convidados a participar dos encontros, começaram a mudar. Hoje eles estão assíduos na comunidade e me dão a maior força. Agradeço a Deus esta graça que recebi”. Isso vale muito para mim.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Audiências do papa Bento XVI. Disponível em www.vatican.va/ Acesso em 12/102012. CNBB, Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja do Brasil 2011-2015, São Paulo: Paulinas, 2011. Catequeses mistagógicas. Disponível em www.domhenrique.com.br. Acesso 15/10/2012. DE LIMA, Luis Alves. Iniciação à vida cristã, In Revista de Catequese, ano 32, n.º 127, julho-setembro 2009. FANTINI, Giuliani; SABARENSE, Marilene. Experiência catecumenal com adultos a partir do Rica. In Revista de Catequese, ano 32, n.º 127, julho-setembro 2009. MICHELETTI, Daniel. Um itinerário catequético de inspiração catecumenal, uma proposta paroquial em caminho. In Revista de Catequese, ano 32, n.º 127, julho-setembro 2009. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 36-45, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS FAMÍLIA: LUGAR PRIVILEGIADO PARA EVANGELIZAR FAMILY: PRIVILEGED PLACE TO EVANGELIZE José Ulisses Leva* RESUMO: Verdadeiramente a Família é lugar privilegiado para Evangelizar. À Luz dos Documentos da Igreja Primitiva, dos Documentos Conciliares do Vaticano II, e sob as retas posições do papa Francisco nós estamos aguardando as Orientações Pastorais em favor das Famílias na busca coerente dos valores do Reino anunciados pelo Filho de Deus. O Sínodo sobre a Família, do próximo outubro, em Roma, será momento colegiado do papa com os bispos, para a segura postulação em favor da Igreja de Cristo Jesus. Palavras-chave: Evangelizar. Catequese. Família. ABSTRACT: Truly the family is a privileged place to evangelize. In the light of the documents of the early Church, the Second Vatican Council ones and under Pope Francisco’s straight positions regards to the theme, we have been looking forward to the Family Pastoral Guidelines and searching in a coherent way for the values of the Kingdom announced by the son of God. The Synod on the Family Theme, in next October in Rome, will be a Pope’s collegiate moment with the bishops for the secure nomination in favor of the Church of Jesus Christ. Keywords: Evangelizing. Catechesis. Family.
INTRODUÇÃO Por ocasião do Encerramento do 1.º Congresso de Leigos da Arquidiocese de São Paulo, escrevi o Artigo “A contribuição do Laicato na santificação do mundo”1 para lembrar que “A vontade de Deus é a santificação” (1 Ts 4,3). Todos nós somos chamados à santidade. A contribuição do Laicato para a santificação do mundo sugeriu uma reflexão madura e comprometida. Por um lado analisou-se a missão do leigo na Igreja e, por outro, averiguouse a sua influência na transformação da Sociedade. Qual a missão do leigo na Igreja? Qual a sua missão na Sociedade? Como estar no mundo sem ser do mundo? Na História, a Igreja destacou o leigo e mostrou seu labor nas muitas atividades por ele exercidas. O papa Francisco está motivando a Igreja por ocasião do XIV Sínodo dos Bispos que ocorrerá em Roma entre 05 e 19 de outubro de 2014. O Encontro tem como preocupação urgentíssima a Família. Em 2015, a Assembleia Geral definirá as linhas de ação pastoral *
Doutor em História Eclesiástica pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Professor Assiste Doutor: História Eclesiástica na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. juleva@pucsp.br 1
LEVA, J.U. A contribuição do Laicato para a santificação do mundo.
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São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 46-53, jan./jun. 2014.
ARTIGOS ARTIGOS para a Família na Igreja e no mundo. Ocasião salutar para ouvirmos os clamores da Igreja e anunciarmos as posturas catequéticas na formação permanente dos valores nas igrejas domésticas. Estamos ansiosos para recebermos as sadias orientações e colocá-las em prática com os membros das Famílias que compõem nossas comunidades eclesiais. O artigo “A contribuição do Laicato na santificação do mundo” leva-nos à conclusão de que o leigo deve buscar a santidade para promover a santificação do mundo em qualquer lugar que ocupe na Sociedade. A Família é o lugar privilegiado para Evangelizar. Encontrará sustento nas resoluções sinodais do próximo outubro em Roma? A Família e suas múltiplas faces serão contempladas nos seus anseios e clamores, para a edificação dos seus membros e, consequentemente, toda a Sociedade hodierna?
1 CARTA A DIOGNETO 1.1 “A ALMA NO CORPO, OS CRISTÃOS NO MUNDO”2 Os Documentos da Igreja Primitiva são verdadeiras fontes para uma salutar catequese para todos nós e, em muito, iluminam os tempos hodiernos. Assim, servimo-nos dessas fontes, riquezas da Igreja dos primeiros séculos, vividas com intensidade e profundidade. Os cristãos aguardavam a vinda do Senhor “Eis o que temos a dizer, de acordo com a palavra do Senhor: nós, os vivos, que ficarmos aqui na terra até a vinda do Senhor, não passaremos à frente dos que tiverem morrido” (1 Ts 4, 15) buscando viver a santidade, “Que o próprio Deus da paz vos santifique inteiramente, e que todo o vosso ser – o espírito, a alma e o corpo – seja guardado irrepreensível para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Ts 5, 23), nutrindo a Fé em comunidade “Que vos empenheis em viver tranquilos, ocupando-vos dos vossos próprios negócios e trabalhando com as próprias mãos, como vos ordenamos” (1 Ts 4, 11), e insertos nos afazeres cotidianos “Com efeito, quando estávamos entre vós, demos esta regra: ’ Quem não quer trabalhar também não coma’. Ora, temos ouvido falar que, entre vós, há alguns vivendo desordenadamente, sem fazer nada, mas intrometendo-se em tudo. A essas pessoas ordenamos e exortamos no Senhor Jesus Cristo que trabalhem tranquilamente e, assim, comam o seu próprio pão” (2 Ts 3, 10-12). Viviam no mundo sem que fossem do mundo. A belíssima Carta a Diogneto inspira profunda reflexão em torno do laicato. É um breve documentário da Antiguidade cujo autor, data e origem constituem ainda objeto de vivas discussões3. Não busco a especulação e a veracidade do documento, pois esse estudo cabe à Patrística. Busco, sim, degustá-lo como ele se apresenta. Sirvo-me da lapidar frase contida no texto “A alma no corpo, os cristãos no mundo” para dimensionar o papel do laicato na Igreja e no mundo. 2 3
A Carta a Diogneto, Capítulo VI. Idem, p. 7. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 46-53, jul. / dez. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS O Capítulo VI da Carta a Diogneto é apresentado como “uma das pérolas da Patrística.”4 A Carta é belíssima no seu todo, porque leva o leitor a deliciar-se com as maravilhas da Igreja Primitiva, mesmo quando ela precisou dar testemunho fidedigno do Evangelho de Jesus Cristo com consequências dolorosas a muitos cristãos que derramaram seu sangue. “Assim, nós mesmos somos levados a gloriar-nos de vós, nas igrejas de Deus, por causa da vossa constância e da vossa fé, em meio a todas as perseguições e tribulações que suportais. Elas são sinal do justo juízo de Deus, pois, por elas, vos tornais dignos do reino de Deus, pela qual vós também sofreis” (2 Ts 1, 4-5). A Carta a Diogneto é um tesouro para a Igreja. Ajuda todos nós no conhecimento do pensamento cristão dos primeiros séculos. O texto reflete uma real unidade entre o corpo e a alma. Quebra-se, ou, ao menos, dilui-se uma concepção dualista do homem em que a alma, realidade transcendente, se oporia ao corpo.5
Esse documento demonstra uma importância fundamental para os leigos de todos os tempos. Diogneto personifica aquele que se identifica com Jesus Cristo e quer dar uma resposta para si, não se refugiando do mundo nem com ele se confundindo. Viver como os primeiros cristãos, insertos no mundo, mesmo não fazendo parte dele, para a salvação de todos os homens e mulheres. A Epístola, porém, não apregoa uma separação dos cristãos em relação à Sociedade pagã, mas exprime uma profunda inserção do cristão na Sociedade do tempo, sem laivos de desprezo.6
O que dá vitalidade ao corpo é a alma. Um sem o outro não há existência. Quando Deus nos chama à vida somos agraciados com o corpo animado: “Então o Senhor Deus formou o homem do pó da terra, soprou-lhe nas narinas o sopro da vida, e ele tornou-se um ser vivente” (Gn 2, 7). Quando Deus nos chamar à eternidade, receberemos o corpo glorificado: “Vou ainda revelar-vos um mistério: nem todos morreremos, mas todos seremos transformados. Num instante, num piscar de olhos, ao soar da trombeta final – pois a trombeta soará - , não só os mortos ressuscitarão incorruptíveis, mas nós também seremos transformados” (1 Cor 15, 51-52). Assim, os primeiros cristãos entenderam o raciocínio da vida e buscaram intensificar a esperança cristã à lógica do mundo. A alma no corpo dá impulso para viver e o cristão no mundo dá esperança para que sejamos transformados em Cristo. Encerrada no corpo, a alma é quem faz a coesão do corpo. Os cristãos, igualmente, estão de certo modo aprisionados ao mundo, como num cárcere, mas são eles que sustêm o Cosmos. Imortal embora, a alma reside numa tenda mortal. De maneira semelhante, os cristãos abrigam-se provisoriamente em refúgios corruptíveis, à espera da incorrupção nos céus. A alma, mal cuidada relativamente à comida e à bebida, 4
Idem, p. 8.
5
Idem, p. 14.
6
Idem, p. 14.
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São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 46-53, jan./jun. 2014.
ARTIGOS ARTIGOS aperfeiçoa-se. Os cristãos também, cotidianamente supliciados, aumentam cada vez mais. Deus os colocou em tão elevado posto, que não lhes é lícito recusar.7
1.2 “CONTRIBUAM PARA A SANTIFICAÇÃO NO MUNDO”8 Vive-se os 50 anos do Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965) que trouxe à Igreja riquezas sempre novas em Jesus Cristo à luz das Fontes. O Concílio foi para a Igreja e o mundo, por meio de suas resoluções apresentadas nas Constituições Dogmáticas, Decretos e Declarações uma manifestação de profundo apreço. Alegrias e esperanças inundaram toda a Orbe quando “o Concílio Vaticano II quis ser um Concílio Pastoral” e “não é a discussão de um ou outro artigo da doutrina fundamental da Igreja.”9 E ainda “Mas da renovada, serena e tranquila adesão a todo ensino da Igreja, na sua integridade e exatidão, como brilha nos Atos Conciliares, desde Trento até ao Vaticano I, o espírito cristão, católico e apostólico do mundo inteiro espera um progresso na penetração doutrinal e na formação das consciências, em correspondência mais perfeita com a fidelidade à doutrina autêntica; mas também esta seja estudada e exposta por meio de formas de indagação e formulação literária do pensamento moderno.”10 Debates e resoluções dos padres conciliares deram-nos essas belíssimas páginas vivas da História da Igreja. Enquanto a Igreja se reunia, a sociedade esperava respostas salutares para um efetivo diálogo. A Igreja Católica, levantando por meio deste Concílio a facho da verdade religiosa, deseja mostrar-se mãe amorosa de todos, benigna, paciente, cheia de misericórdia e bondade [...].11
Dentre os muitos documentos formulados, destacamos a Lumen Gentium, mais especificamente o Capítulo IV sobre os Leigos. A Igreja apresenta brilhantemente o que compreende sob o nome de leigos: Pelo nome de leigos aqui são compreendidos todos os cristãos, exceto os membros de ordem sacra e do estado religioso aprovado na Igreja. Estes fiéis pelo batismo foram incorporados a Cristo, constituídos no povo de Deus e a seu modo feitos partícipes do múnus sacerdotal, profético e régio de Cristo, pelo que exercem sua parte na missão de todo o povo cristão na Igreja e no mundo.12
7
Idem, p. 23-24.
8
Compêndio do Concílio Vaticano II.
9
Idem, p. 8.
10
Idem, p. 8.
11
Idem, p. 8.
12
Idem, p. 77. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 46-53, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS A Igreja que é Una não se define Hierárquica e Laical, como se a compreendêssemos dividida, mas Cristo Jesus quis que ela fosse ministerial, onde todos os homens e mulheres exercessem bem seus dons e carismas vivendo cada um sua própria vocação. E os religiosos por seu estado dão brilhante e exímio testemunho de que não é possível transfigurar o mundo e oferecê-lo a Deus sem o espírito das bem-aventuranças. É, porém, específico dos leigos, por sua própria vocação, procurar o Reino de Deus exercendo funções temporais e ordenando-as segundo Deus.13
Os leigos “Vivem no século, isto é, em todos e em cada um dos ofícios e trabalhos do mundo”.14 Como cristãos, somos chamados a anunciar e testemunhar o nome de Jesus Cristo, como Salvador e Redentor. Os leigos “... são chamados por Deus para que, exercendo seu próprio ofício, guiados pelo espírito evangélico, a modo de fermento, de dentro, contribuam para a santificação do mundo.”15 E, assim, ecoando as palavras do Concílio, lemos a respeito dos leigos e buscamos constantemente aplicar à Igreja: “... manifestam Cristo aos outros, especialmente, pelo testemunho de sua vida resplandecente em fé, esperança e caridade. A eles, portanto, cabe de maneira especial iluminar e ordenar de tal modo todas as coisas temporais, às quais estão intimamente unidos, que elas continuamente se façam e cresçam segundo Cristo, para louvor do Criador e Redentor.”16
2 I CONGRESSO DE LEIGOS DA ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO 2.1 “VÓS SOIS O SAL DA TERRA [ ...] VÓS SOIS A LUZ DO MUNDO (MT 5, 13.14)17 Nossa Igreja Particular viveu momentos de júbilo no I Congresso de Leigos da Arquidiocese de São Paulo. Convocado oficialmente e aberto em 25 de janeiro de 2010,18 teve como tema “cristãos leigos, discípulos e missionários de Jesus Cristo na cidade de São Paulo”19 e como lema “vós sois o sal da terra; vós sois a luz do mundo” (Mt 5, 13.14)20. A meta do Congresso foi “promover uma reflexão ampla sobre a vida e a missão dos leigos na Igreja e no mundo, para um novo despertar o laicato.”21
13
Idem, p. 77-78.
14
Idem, p. 78.
15
Idem, p. 78.
16
Idem, p. 78.
17
Manual do I Congresso de Leigos.
18
Idem, p. 9.
19
Idem, p. 9.
20
Idem, p. 9.
21
Idem, p. 9.
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São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 46-53, jan./jun. 2014.
ARTIGOS ARTIGOS Promover a vida e a missão dos leigos na Igreja e no mundo faz-me refletir como a Igreja em São Paulo está-se empenhando na sua compreensão ad intra, ao mesmo tempo buscando um diálogo com a Sociedade, mais ainda, decidida a imergir no mundo levando eficazmente a mensagem salutar do Evangelho de Jesus Cristo. Compreender-se como Igreja e viver no mundo é uma dinâmica que exige profundo respeito com o outro, para buscar o diálogo. Haverá sempre uma exigência cristã de comprometimento, eficácia, transparência. “O lema vai ainda mais àquilo que os cristãos leigos e leigas, com a riqueza e a variedade de dons que receberam de Deus, são chamados a ser na Sociedade ... A presença dos discípulos de Jesus na Sociedade deve significar algo e levar para o enriquecimento e a transformação - em melhor – da vida neste mundo.”22 Compromete ainda mais o cristão em ser sal e luz quando essa referência é Jesus Cristo. O modelo apresentado ao mundo não é o meu referencial, mas o seguimento e o discipulado em Jesus Cristo. Quando os desafios são manifestados, há duas vertentes a se analisarem: um esforço em conhecer Jesus Cristo e o Seu Evangelho e uma aventura sem medidas ao relacionar-se com a Sociedade. Desde o Manual de convocação, “o congresso foi pensado com um processo envolvente, com várias etapas”23, até a Carta dos Cristãos Leigos por ocasião do encerramento do I Congresso de Leigos tendo como reflexão “a desafiante e perturbadora realidade urbana de São Paulo “24, há, de fato, um caminho percorrido ao longo dos séculos e uma longa trajetória a ser seguida à luz dos ensinamentos da Igreja. Há uma urgência para “que se sintam convocados para descobrir e desenvolver na Arquidiocese iniciativas inovadoras em espaços hoje não atingidos pela Igreja, de forma a conformar o mundo e a Sociedade aos desígnios de Deus, para a realização integral da pessoa humana segundo a natureza que lhe foi dada pelo Criador25; uma preocupação “com seus lugares vazios à mesa comum”26 e um imperativo “queremos dialogar com vocês!”27. A Igreja em São Paulo convocou um Congresso de Leigos e projetou perspectivas para uma efetiva maturação do laicato, tendo em vista sua santificação pessoal e a santificação do mundo. Os leigos responderam que há urgências e preocupações em meio a muitas iniciativas e muitos desafios. Dialogar, nesse momento, torna-se um excelente imperativo.
22
Idem, p. 9.
23
Idem, p. 11.
24
Carta aos Cristãos Leigos, p 1.
25
Idem, p. 3.
26
Idem, p. 3.
27
Idem, p. 4. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 46-53, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS 3 SÍNODO SOBRE A FAMÍLIA O papa Francisco tem alimentado a Igreja com sua constante catequese. Favorece os lugares para levar aos corações ressequidos a mensagem salutar do Evangelho de Jesus Cristo. Francisco aproveita circunstâncias e momentos oportunos para, com gestos e palavras, chegar às pessoas e dar a elas esperança e confiança. Reunindo-se com os Jovens na cidade do Rio de Janeiro, em 2013, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude, aproveitou para falar da Família e cercar-se de carinho com os valores perenes do Evangelho. Convivemos com as Famílias nas nossas comunidades e procuramos acertar sempre no acolhimento e nas orientações pastorais. Diante dos conflitos familiares, buscamos luzes nas Sagradas Escrituras e nos Documentos da Igreja para melhor orientar. Angústias cercamnos quando nos sentimos impotentes diante dos clamores que nos chegam das Famílias em situações de ‘periferias’, como nos recorda sempre o papa Francisco. O Sínodo sobre a Família está sendo aguardado com esperança evangélico-pastoral. Isso quer dizer que, buscando resposta na leitura do Evangelho de Jesus Cristo, seremos conduzidos para melhor orientar as Famílias que procuram nossas comunidades. Seguramente seremos, à luz do Bom Pastor, autênticos curas d’almas e eficientes catequistas na formação humano-cristã dos membros das nossas comunidades eclesiais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS A Igreja é convocada a evangelizar. Jesus Cristo pede a seus discípulos que batize e proclame seu Evangelho a toda a criatura (cf Mt 28, 20). Portanto aquele que se identifica com Jesus Cristo, quer seja clero, quer seja leigo, torna-se portador da mensagem salvífica do Filho Altíssimo de Deus (cf 1 Cor 9, 15-16). Por isso o laicato não deve ficar como mero expectador da dilatação do Evangelho; ao contrário, deve ser sujeito da sua vocação. Deus o chama e o convoca para ser agente dentro da Sua Igreja e, assim, o quer também santo. Os documentos apresentam- nos os leigos dentro da Igreja. E, como Igreja, são também Arautos do Único Evangelho de Jesus Cristo. Sendo Igreja e estando no mundo, santificamse a si mesmos e santificam também o mundo. Os diferentes documentos escritos em diferentes épocas delineiam um mesmo pensamento. Todos retratam a importância do laicato na Igreja e a sua notoriedade como fermento na sociedade. A Carta a Diogneto lembra o cristão dando alma à Sociedade, isto é, dando sentido às coisas da terra, testemunhando Jesus Cristo à espera da incorrupção no céu. A Lumen Gentium configura os leigos como partícipes da missão da Igreja, por sua 52
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ARTIGOS ARTIGOS própria vocação em conformidade com o Reino de Deus. Por fim, a Igreja em São Paulo convoca os leigos para um novo despertar para enriquecer e transformar a sociedade. O laicato necessita ocupar-se da sua missão de transformar a sociedade, sendo sal e luz (cf Mt 5, 13.14). Deve, também, ocupar os novos areópagos do mundo para proclamar a Boa Nova. Precisa anunciar o Evangelho onde depara com o deus desconhecido (cf At 17, 23). Urge dialogar com a sociedade, antes que venha a acontecer o total desconhecimento de Deus. Seja, também, a Família, à luz das resoluções sinodais, um canteiro de santidade na promoção da vida e dos valores cristãos, aos seus membros e, em consequência, a comunidade a que pertença e a toda sociedade contemporânea que assiduamente busca orientações seguras e maduras.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Carta a Diogneto. Trad. Abadia de Santa Maria. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1984. Carta dos Cristãos Leigos por ocasião do Encerramento do I Congresso de Leigos da Arquidiocese de São Paulo. Disponível em www.arquidiocesedesaopaulo.org.br Acesso em 20.05.2014. Compêndio do Vaticano II. 18. ed. Petrópolis: Vozes, 1986. LEVA, J. U. A contribuição do Laicato para a santificação do mundo. Revista Eletrônica Espaço Teológico. Vol. 5, n.º 7, jan./jun., 2011. Manual do I Congresso de Leigos da Arquidiocese de São Paulo. Dom Odilo Pedro Scherer. São Paulo: Paulinas, 2010.
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ARTIGOS ARTIGOS DISCIPULADO NO EVANGELHO DE MARCOS: ORIGEM, CARACTERÍSTICA E FUNÇÃO DISCIPLESHIP IN SAINT MARK´S GOSPEL: ORIGIN, CHARACTERISTIC AND FUNCTION Cézar Teixeira* RESUMO: O presente artigo tem como objetivo apresentar alguns pontos de como o evangelista Marcos articula a noção de discipulado em seu evangelho, fazendo justiça ao esforço de melhorar a fé estagnada de sua comunidade. Para tal, nesta análise apresentar-se-á uma estrutura sinótica própria pela qual podemos compreender de modo dinâmico a questão do discipulado no evangelho de Marcos. A análise inicia com a origem do fato histórico em que Jesus instituiu os Doze, no passado, para depois compreender as características e função do novo discipulado no presente da comunidade de Marcos. Portanto, com este estudo, objetiva-se ressaltar a importância do discipulado na verdadeira intenção de Marcos que é a de fazer com que seus leitores possam sair interrogando-se: sou um verdadeiro discípulo de Jesus disposto a perder a vida, tomar Sua cruz e segui-lO? Palavras-chave: Discipulado. Característica. Função. ABSTRACT: This paper aims to present how the Evangelist Mark articulates the notion of discipleship in his gospel, doing justice to the effort of improve the stagnant faith of your community. To this end, this analysis will present a singular synoptic framework by which we can comprehend in a dynamic way the question of discipleship in Mark’s gospel. The analysis starts from the origin of the historical fact in which Jesus instituted the Twelve in the past for understanding the characteristics and function of the new discipleship in Mark’s community later. Therefore, with this study, we aim to highlight the importance of discipleship in the true intention of Mark whose intention is making his readers question: am I a true disciple of Jesus willing to lose life, take up His cross and follow Him? Keywords: Discipleship. Feature. Function.
INTRODUÇÃO Dar um salto qualificativo entre o discipulado que Jesus criou com os Doze e o discipulado da comunidade de Marcos é o que o presente artigo deseja, isto é, alinhar fatos do passado com necessidades do presente. Por isso, desde o início o evangelho de Marcos deixa claro: aquilo que vamos encontrar neste livro é apenas o começo (arché: Mc 1,1). Esse dado revela uma intenção do evangelista, isto é, o discípulo que deseja fazer o mesmo caminho que leva a Jesus deve estar sempre disposto a recomeçar e recomeçar não é viver sob o status quo dos Doze ou numa imitação ingênua. Nessa perspectiva, para Marcos, os Doze discípulos *
Doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Santo Tomás de Aquino, Roma. É Professor da Faculdade de Teologia da PUC-SP, no Departamento de Teologia Fundamental. Faz parte do grupo de pesquisa: Verdade, Ética e Educação em Direitos Humanos, pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS/CNPq.
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ARTIGOS ARTIGOS encontram-se num estado crônico de ignorância, embora essa não tivesse sido a marca exata dos Doze discípulos de Jesus. Na verdade, a reação dos discípulos determina estágios marcantes no evangelho de Marcos e, por isso, não basta apenas compreender isoladamente a noção de discipulado em Marcos, mas dentro de uma dinâmica sinótica, isto é, uma visão de conjunto dos elementos essenciais: origem, características e função. Marcos leva seus leitores para uma dupla imagem dos discípulos. Em primeiro lugar, eles são aqueles jovens pescadores que Jesus chamou, acolheu e escolheu. Ele os arranca da atividade deles de pescar peixes e convida-os a segui-lO, chama quem quer, abre para eles o mistério do reino de Deus, convoca-os à parte para instruí-los de maneira particular e convida-os à sua mesa. Em segundo lugar, os discípulos não compreendem, sentem medo, não são ainda firmes na fé. Não compreendem o sentido das palavras e, sobretudo, rejeitam a cruz do seu mestre e as contrapõem a ideias vãs e egoístas. Reações que manifestam exemplarmente a sua incapacidade de compreender. Merece atenção o fato de que as reprovações levadas aos discípulos sejam expressas de forma interrogativa, com o que se entende dizer que eles devem ser ulteriormente impressionados e induzidos a melhorar. A função do discipulado é, portanto, a de superação de todas as incompreensões. Marcos desenvolve uma caracterização dos discípulos, em parte, por contraste e comparação. Os discípulos, em relação a Jesus, são incapazes de responder apropriadamente aos mandamentos de Deus. Na verdade, seus fracassos constituem os primários dispositivos literários pelos quais o narrador revela, por meio da maioria dos ensinamentos de Jesus, uma maneira para corrigir o comportamento e atitudes do seu discipulado. Enquanto Jesus pensa segundo Deus, os discípulos seguem pensando ao modo humano. Várias vezes Jesus discute com eles porque estão desejosos de status, de grandeza, de riqueza e de uma vida sem sofrimento.
1 A ORIGEM Foi na pequena vila de pescadores, em Cafarnaum, que Jesus deu origem ao primeiro grupo de seguidores. Eram jovens galileus que certamente injetavam nas veias os sentimentos anti-Judeia e anti-Templo espalhados por toda a província. Aos poucos, iam pensando como Jesus já trazia consigo alguns discípulos que estavam com João Batista antes de sua prisão e viviam sob a convicção da sua simples mensagem de que Deus olhara para a opressão dos empobrecidos e escutara suas lamentações e angústias1. O evangelho de Marcos informa que foi à beira do mar da Galileia, quando Jesus encontrou dois jovens pescadores chamados Simão e André, que tudo começou. Eles estavam a pescar com suas redes no momento em que Jesus os abordou, convidou-os para segui-lO e torná-los “pescadores de homens”. Subitamente, os irmãos Simão e André largaram tudo e O seguiram. 1
ASLAN, Reza. Zelota: A vida e a época de Jesus de Nazaré. Rio de Janeiro: Zahar, 2013, p. 120. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 54-63, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS O mesmo aconteceu com Tiago e João, que também deixaram de pescar para seguir Jesus. Além da pesca, eles deixavam suas casas e suas famílias para seguirem Jesus de aldeia em aldeia, de cidade em cidade e, assim, tornavam-se seus discípulos (Mc 1,16-20)2. Com o passar do tempo, outras pessoas tornaram-se discípulos de Jesus, incluindo mulheres3. O discipulado contou com um núcleo interno de discípulos denominado os Doze.4 Eles eram os principais protagonistas na pregação da mensagem de Jesus e representavam “a restauração das doze tribos de Israel, há muito tempo destruídas e espalhadas”.5
2 AS CARACTERÍSTICAS As características do discipulado no evangelho de Marcos apontam para dois nervos teológicos que vão se formando desde os primeiros capítulos a partir da estreita relação entre Jesus e os Doze: da profunda instrução para que os discípulos compreendam o seu destino e da incompreensão dos discípulos que realça o caráter atual da comunidade de Marcos para questionar a qualidade de ser discípulo de Jesus e da própria conduta do discipulado.
2.1 SER DISCÍPULO É ‘ESTAR COM JESUS’ A palavra ‘Doze’ é usada doze vezes no evangelho de Marcos. Mais que uma palavra numérica, ela constitui um título pelo qual o evangelista Marcos confirma a constituição dos Doze por Jesus como núcleo central, para que eles possam conhecê-lO e continuar sua missão. Eis aqui uma característica importante do discipulado, viver em profunda relação de comunhão com Jesus. Nesta perspectiva, mais que um numeral ou um simples título, os Doze são os continuadores da missão de Jesus, pois a sua existência é determinada pela dinâmica do “estar com Jesus”, isto é, viver continuamente Sua 2
IDEM, Ibidem.
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IDEM, Ibidem, p. 120-121. “O evangelho de Lucas afirma que havia 72 discípulos ao todo (Lucas 10:1-12), e, sem dúvida, nesse número se incluíam mulheres – algumas das quais, desafiando a tradição, são nomeadas no Novo Testamento: Joana, mulher do administrador de Herodes, Chuza; Maria, mãe de Tiago e de José; Maria, mulher de Cléofas; Susana; Salomé; e talvez a mais famosa de todas, Maria de Magdala, a quem Jesus havia curado de ‘sete demônios’ (Lucas 8:2) [...]. Os evangelhos afirmam que ‘muitas outras mulheres ... seguiram [Jesus] e o serviram’ (Marcos 15:40-41), desde seus primeiros dias de pregação na Galileia até seu último suspiro na colina do Gólgota”. 4
"Entre os 72, no entanto, houve um núcleo interno de discípulos, todos eles homens que teriam uma função especial no ministério de Jesus. Estes eram conhecidos simplesmente como ‘os Doze’. Eles incluíam os irmãos Tiago e João, filhos de Zebedeu, que seriam chamados de Boanerges, ‘os filhos do trovão’; Filipe, que era de Betsaida e começou como um dos discípulos de João Batista, antes de transferir sua fidelidade a Jesus (João 1:35-44); André, que o evangelho de João afirma que também começou como um seguidor de João Batista, embora os evangelhos sinópticos contradigam essa afirmação, localizando-o em Cafarnaum; o irmão de André, Simão, o discípulo a quem Jesus apelidou de Pedro; Mateus, que às vezes é erroneamente associado a outro dos discípulos de Jesus, Levi, o cobrador de pedágio; Judas, filho de Tiago; Tiago, filho de Alfeu; Tomé, que se tornou lendário por ter duvidado da ressurreição de Jesus; Bartolomeu, sobre o qual quase nada se sabe; um outro Simão, conhecido como ‘o Zelota’, designação usada para sinalizar seu compromisso com a doutrina bíblica do zelo, e não sua associação com o partido zelota, que não existiria pelos próximos trinta anos; e Judas Iscariotes, o homem que os evangelhos afirmam que um dia trairia Jesus para o sumo sacerdote Caifás” (ASLAN, Reza. Op.cit., p. 120). 5
ASLAN, Reza. Idem, p. 120-121.
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ARTIGOS ARTIGOS presença. É nessa relação de comunhão que se compreendem os Doze no evangelho de Marcos, pois tudo o que eles farão dependerá de Jesus. Devem anunciar Jesus; antes, porém, devem saber quem ele é.6 O estreito círculo dos Doze existe para estar onde Jesus se encontra e manter uma íntima comunhão com ele. Tal comunhão deixa de ser uma simples palavra para ser uma realidade, indicada pelo companheirismo e pela comunhão de mesa ao longo do evangelho.7 Tudo isso passa, possivelmente, pelo desejo de Marcos em associar os Doze com a Eucaristia.8 A expressão que caracteriza a destinação dos Doze de estar com Jesus vem expressa pela preposição “com” 9 e o pronome pessoal “eu” e “ele”, que no uso do genitivo significa “comigo ou com ele”. A preposição “com” exerce uma característica fundamental, sobretudo em seu uso para representar a relação de discipulado com Jesus, na ótica daquilo que o Novo Testamento tem do homem, isto é, um ser com os outros. Um valor particular que a preposição “com” adquire se encontra no tocante à participação nos banquetes, uma vez que a refeição era sinal de comunhão. Ser discípulo quer dizer viver com Jesus (Mc 14,18;Jo 6,3). Entrar em comunhão com Jesus é viver uma comunhão superior.10 Marcos, por um lado, assinala o chamado dos Doze na dinâmica do “estar com Jesus”. Por outro, porém, ele aprofunda mais ainda, passando de “com ele” (Mc 3,14) para “comigo” (Mc 14,18.20). Estar com Jesus, portanto, traduz-se pelo comer com Jesus, ou seja, participar da intimidade dos companheiros de mesa e viver em comunhão sem restrições, pois Jesus come com publicanos (Mc 9,10s), pecadores (Mc 2,16), discípulos (Mc 14,14) e com o discípulo traidor, cuja ação destrói a relação de comunhão com Jesus (Mc 14,18.20).11
6
GNILKA, J. El Evangelio según San Marcos. Vol. I. Tradução espanhola. Salamanca: Ediciones Sígueme, 1986, p. 163164. 7
TEIXEIRA, C. Eucaristia: uma Comensalidade Conflitiva. In: Revista de Cultura Teológica. Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção. São Paulo: Loyola, n.º 30, jan./mar., 2000, p. 19. A reflexão desse autor tem o objetivo de sublinhar alguns aspectos da comensalidade conflitiva que, no Evangelho de Marcos, culmina na Instituição da Eucaristia. Estudiosos afirmam que a cena da última ceia é o desfecho das conflitivas histórias de refeições que vêm sendo desenvolvidas desde os primeiros capítulos do Evangelho de Marcos. A cena da última ceia completa o drama das histórias e o conflito que se constrói ao redor delas é interpretado na última ceia. O interesse por essas histórias é o de sublinhar a prática de Jesus e seus discípulos nos contextos que envolvem comida/conflito. Com isso, Marcos enfrenta o verdadeiro significado do ato de comer com Jesus (a Eucaristia), base de conflito em sua comunidade, mas ao mesmo tempo esclarecedor da necessidade de comer o “pão partido” e de beber “o cálice amargo.” 8
BEST, E.Mark’s Use of the Twelve. In: Zeitschrift für die Newtestamentliche Wissen-schaft. n.º 69. Berlin, 1978, p. 29.
9
RADL, W. “verbete metá”. In: BALZ, H; SCHNEIDER, G. (ed.). Exegetical Dictionary of the New Testament. Vol. II. Grand Rapids: Eerdmans, 1991, p. 413. “a) The basic meaning with the gen., wit, varies in several Ways […]. Finally, it is used of existence with someone, whether in the literal sense of a relationship, as in Mark 3:14 […]”. 10 GRUNDMANN, W. “verbete sun-metá. In: KITTEL, G; FRIEDRICH, G. (ed.). Grande Lessico del Nuovo Testamento. Vol. XII. Brescia: Paidéia, 1990, col. 1551-1554. 11
BEST, E.Mark’s Use of the Twelve, p. 29-30. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 54-63, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS 2.2 A PARTICIPAÇÃO DOS DISCÍPULOS NO ENSINAMENTO NOVO Os Doze discípulos não são meros convidados a tomarem parte na vida de Jesus, mas participam com ele dos eventos gloriosos do Senhor. Essa característica relacional está reservada à intimidade do grupo que se abre até a última refeição tomada na dimensão escatológica. No contexto do quadro pascal, isso orienta todos para o ensinamento da libertação passada e para a libertação futura.12 A participação dos Doze é para Marcos um ensinamento novo mediado pela própria atitude de incompreensão do discipulado. O conteúdo do ensinamento que parte de dentro do grupo de Jesus está assentado na consciência de que existir com ele implica o sofrimento de cruz. Os esforços literários juntam-se em vista desse ensinamento que os Doze irão receber. Tratando-se de uma realidade que compromete o futuro, isto é, por meio da traição de um dos Doze, Jesus é conduzido à morte, Marcos usa uma pedagogia chocante pela qual os seus leitores se interrogam: sou eu mesmo um traidor do Senhor? (Mc 14,19). A dinâmica não coloca os Doze passivamente, como recebedores do ensinamento de Jesus; mesmo de modo incompreensivo, reagem ao anúncio proferido por Ele.13 Apesar das resoluções que Marcos apresenta para os problemas, permanece o caráter conflitivo de um grupo capaz de ser leal, mas que, ao mesmo tempo, não compreende até que ponto essa lealdade se estende.14
2.3 A INCOMPREENSÃO DOS DISCÍPULOS A incompreensão dos discípulos é outra linha evangélica de Marcos, segundo a qual os discípulos geralmente não compreendem a situação em que estão. O evangelho apresentaos como pessoas que não compreendem a profundidade misteriosa da realidade que vivem, colocando em jogo o sentido profundo do ministério de Jesus e de ser discípulo.15 A causa da incompreensão está fundamentada na diversidade em que eles veem a realidade. Os discípulos são frutos de uma realidade que os torna alienados pelo desejo de um status que 12
LÉON-DUFOUR, X. O Partir do Pão Eucarístico segundo o Novo Testamento. São Paulo: Loyola, 1984, p. 74.
13
RHOADS, D; MICHIE, D. Mark as Story. An Introduction to the Narrative of a Gospel. Philadelphia: Fortress, 1982, p. 123: “The narrator develops the disciples’ characterization, in part, by contrast and comparison. The disciples are foils for Jesus in their failure to respond appropriately to the rule of God. In fact, their failures constitute the primary literary device by which the narrator reveals Jesus’ standards for discipleship, for much of his teaching comes in the course of correcting their behavior and attitudes. Their contrast with Jesus is sharpest when, by use of the framing device, the narrator places Jesus’ trial and Peter’s denial side by side”.
14
KINGSBURY, J. D. Conflicto en Marcos. Jesús, Autoridades, Discípulos. Madrid: Ediciones El Almendro de Cordoba,1991, p. 142: “En general, la incomprensión de los discípulos se hace más profunda y se relaciona más directamente con el destino de Jesus [...]. La esencia del ministerio de Jesús está definida en sus predicciones de la pasión y se centra en su pasión y muerte (8,31; 9,31; 10,33.34) [...]. Por tanto, así como la esencia del ministerio de Jesús es el servicio, también la esencia del discipulado es el servicio”. 15
LÉON-DUFOUR, X. O Partir do Pão Eucarístico segundo o Novo Testamento, p. 213. Para maior aprofundamento, conferir; HAWKIN, D. J.The Incomprehension of the Disciples in the Marcan Redaction. In: Journal of Biblical Literature, n.º 91, Atlanta, 1972, p. 491-500. FOCANT, C. L’Incompréhension des Disciples dans le Deuxième Évangile. In: Revue Biblique, n.º 82, Jerusalém-Paris, 1985, p. 161-185. FUSCO, V. L’économie de la Révélation dans l’évangile de Marc. In: Nouvelle Revue Théologique, n.º 105, Tournai, 1982, p. 547-548.
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ARTIGOS ARTIGOS garante segurança e não sofrimento, como na perspectiva de Jesus.16 O narrador também caracteriza os discípulos favoravelmente: revelam sua lealdade a Jesus como exímios seguidores e auxiliares; apesar dos conflitos esforçam-se para seguir Jesus fielmente. Assim, o narrador retrata os discípulos de modo paradoxal, isto é, apesar de suas limitações estão do lado de Jesus.17 É na eminência da paixão que Marcos revela o ápice da incompreensão dos Doze. Antes, porém, uma missão foi entregue e eles, dotados da autoridade conferida por Jesus, o prolongamento de seu ministério. O contraste que Marcos coloca entre o sofrimento de Jesus e a traição por um discípulo torna-se doloroso. Apesar das atitudes leais dos discípulos, eles se tornam incapazes de olhar para si mesmos e se comprometerem com a realidade do ministério de Jesus que compreende também atos de apostasia do próprio discipulado como é o caso da violação dos sagrados laços da comunhão de mesa.18
3 A FUNÇÃO DOS DOZE Em Marcos, a função dos Doze não está na simples relação com as doze tribos de Israel, como assim simbolizava no AT.19 O número Doze, entretanto, no tempo de Jesus, ainda permanece com a característica simbólica de um povo eleito de Israel que constitui a plenitude dos tempos. Para Marcos, Jesus, ao constituir os Doze, dá continuidade à história. Isso implica não mais uma questão étnica, senão uma opção de viver na intimidade com Jesus e participar da sua messianidade. Assim, os Doze, estando com Jesus, representam o Israel messiânico. Nesse sentido, J. Mateos é da opinião de que a constituição dos Doze em Mc 3,13-14 não significa que Jesus fez uma nova eleição, mas, ao constituí-los, confirma a eleição 16
KINGSBURY, J. D. Conflicto en Marcos, p. 157: “Puesto que los discípulos no comprenden lo que Jesús dice de su propio ministerio, tampoco comprenden lo que dice del discipulado. Mientras que Jesús ‘piensa según Dios’, los discípulos siguen ‘pensando al modo humano’. Repetidamente Jesús choca con ellos porque, en vez de escuchar sus llamadas a que se hagan servidores y esclavos de todos, ellos están deseosos de status, de grandeza, de riqueza, de posiciones de poder, de un porvenir seguro y de una vida sin sufrimiento”. BORNKAMM, G. Jesús de Nazaret. Tradução espanhola. Salamanca: Sígueme, 1975, p. 62. 17 COUTTS, J. The Authority of Jesus and of the Twelve in St. Mark’s Gospel. In: The Journal of Theological Studies, n.º 8, Oxford, 1957, p. 117. “Thus St. Mark sees the Twelve paradoxically, as endowed with unlimited powers almost wholly inhibited”. RHOADS, D; MICHIE, D. Mark as Story, p. 123. 18 KINGSBURY, J. D.Conflicto en Marcos, p. 157: “Aunque animosos de espíritu, son débiles en su carne (14,38). El resultado de ello es que son incapaces de permanecer fieles a Jesús, y cometen apostasía: Judas lo traiciona, todos lo abandonan y Pedro lo niega. En el relato de la pasión, la incomprensión pervierte el compromiso”. BARDY, G. La Conversión al Cristianismo durante los Primeros Siglos. Tradução espanhola. Madrid: Encuentro, 1990, p. 262-263: “Por muy grave que la apostasía fuera en sí misma, por tremendas que fueran sus consecuencias espirituales, no deja de tener ejemplos en la Iglesia primitiva. El primer hecho de este género, el más doloroso también de recordar, es el del apóstol Judas. Los evangelistas, cuando lo citan en la lista de los apóstoles o en otros lugares, no dejan de recordar que él fue quien entregó al Maestro”. 19
BEST, E. Mark’s Use of the Twelve, p. 35. MATEOS, J. Los “Doce” y otros Seguidores de Jesús en el Evangelio de Marcos. Madrid: Ediciones Cristiandad, 1982, p. 50-52. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 54-63, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS antiga pela qual o povo se baseava na eleição dos patriarcas, confirmando a eleição antiga. Dessa forma, os Doze não correspondem à antiga aliança, senão à aliança de Jesus na adesão do Seu corpo e sangue.20 Os Doze, portanto, tornam-se exemplos para a comunidade que, por meio do próprio Jesus, imbuído do amor e poder de Deus, faz com que eles superem a incompreensão e participem desse mesmo amor de Deus na profunda humilhação da cruz.21 Torna-se necessária, para não limitar o sentido da atuação dos Doze, a perspectiva do que consiste o discipulado com outros ensinamentos dentro do evangelho de Marcos. Desde o início, no seu chamado aos primeiros discípulos (Mc 1,16-20), está evidente que o Reino de Deus torna-se presente no cotidiano normal da vida. O chamado focaliza o abandono imediato (Euthus) dos discípulos, deixando suas redes para segui-Lo (Mc 1,18). A interrupção da vida, do trabalho e da família simboliza esse chamado ao discipulado. Logo, a decisão é radical e implica a aproximação de uma vida pessoal cujas exigências são: uma nova maneira de agir, de pensar e um discernimento alcançado somente por meio da luta.22 O Evangelho de Marcos vivamente mostra Jesus lutando com o poder do mundo e exercitando uma autoridade capaz de derrotar o poder de Satanás. Em Seu ensinamento e em Seu exorcismo, Ele foi engajado numa luta mortal com os demônios deste mundo. Marcos enfatiza a cegueira dos discípulos que ignoram, ao se aproximarem de Jesus, sua luta com os poderes deste mundo. É ignorância que, para Marcos, torna-se um sinal do poder de Satanás sobre os homens. Consequentemente, a crise dos discípulos vem da necessidade de o Filho do homem sofrer, uma vez que eles também devem aceitar a cruz como entrada no discipulado.23 Assim, discipulado significa estar com Jesus. Isso é afetivo, porque se deve amar o Senhor ressuscitado como alguém que uma vez amou os poderes deste mundo. Em Mc 9,14-29, na cura da criança epiléptica, os discípulos são recordados da necessidade de pregar pelo discipulado. A pessoa chamada ao discipulado realiza sua própria inabilidade de exorcizar os demônios. Somente pelo poder da oração pode o mais difícil dos demônios ser expulso. Entregar-se a Deus é algo muito maior. O vazio de si mesmo é essencial ao discipulado, uma lição aprendida somente no gesto de abertura ao outro que caracteriza a oração. Orar é o 20
MATEOS, J. Los ‘Doce’ y otros Seguidores de Jesús en el Evangelio de Marcos, p. 73 § 181-182.
21
BEST, E. The Role of the Disciples in Mark. In: New Testament Studies, n.º 23, Cambridge Universyt Press, 1977, p. 400401: “Jesus’ teaching as Mark views it was not primarily intended for the few, Peter, James, Andrew and John who were sitting or standing around Jesus, but was intended for all who would be his followers; the role of the disciples in the gospel is then to be examples to the community. Not examples by which their own worth or failure is shown, but examples through whom teaching is given to the community and the love and power of God made known”. LAMARCHE, P. L’humiliation du Christ. In: Christus, n.º 26, Paris, 1979, p. 469: “Au centre de l’Evangile, les humiliations du Christ en croix révèlent en lui et en Dieu son Père un amour si fort et si vrai qu’il accepte de s’abaisser devant les hommes. Ainsi l’humilité prend tout son sens lorsqu’elle se manifeste comme la caractéristique la plus profonde et la plus nécessaire de l’amour”. 22
SCHWEIZER, E. The Good News according to Mark, Atlanta, 1976, p. 49.
23
IDEM, Ibidem, p. 179.
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ARTIGOS ARTIGOS veículo pelo qual o discípulo, dirigido pelo evangelho, interpreta e apropria-se da mensagem evangélica em sua situação de vida. Rezar informa o discípulo do papel profético ao que ele é chamado. Em Mc 14,32, Jesus fica diante da comunidade de Marcos como modelo para os discípulos, isto é, sozinho, em agonia, aparentemente anulado e desprovido da consolação humana, mas decidido sobre a obediência da fé.24 Na cena de João Batista, Marcos lembra a natureza dialética do ensinamento de Jesus sobre riquezas, como uma advertência para os discípulos ficarem vigilantes. O tempo final começou, os discípulos devem lutar para estarem vigilantes a fim de que não se “alegrem com riquezas e o desejo por outras coisas” (Mc 4,19).25 No chamado para serem “pescadores de homens” (Mc 1,16-20), é revelado o domínio para o discipulado. Eles não estão no deserto como João, mas no meio da vida cotidiana. No mundo, o evangelho dirige o discipulado fazendo-os questionar sua existência e assim os prepara para uma experiência de Deus.26 A função dos personagens é também a de simbolizar realidades que se unem com os presentes leitores e servem como modelos de significação e conduta. Dentre outros personagens Marcos destaca Judas, os Doze e Jesus. Judas é constantemente introduzido na seção da paixão (Mc 14,10.20.43) e identificado como “um dos Doze” que compartilha a mesa de companheirismo com Jesus (Mc 14,18-20). A figura de Judas choca o leitor dentro da realização que surge inimizade de dentro do grupo; como Jesus foi entregue por um dos Seus, assim são os cristãos igualmente entregues por um dos seus (Mc 13,12). Os Doze, como também Judas e Pedro, realizam a função de modelos negativos de discipulado. Eles preparam a ceia pascal, mas parecem não preparados para a exposição de Jesus ao inimigo dentro de sua última ceia (Mc 14,19). Jesus é o personagem principal do evangelho e um modelo trabalhoso de definir e difícil de seguir. Ele tem caráter de autoridade e posse de detalhado pré-conhecimento de tudo o que está acontecendo. Ele antecipa a precisa posição de sua última ceia (Mc 14,13-16), a global difusão do evangelho (Mc 14,9), a dispersão dos discípulos (Mc 14,27), a traição de Judas (Mc 14,20), a negação de Pedro (14,30) e sua própria morte (Mc 14,8.21.24.27.41). Existe uma aura de autoridade em torno de Jesus que está no controle sobre os eventos da paixão. Porém Ele é golpeado e nEle cospem, é sentenciado à morte, humilhado e rejeitado por Seus seguidores.27
24
SCHWEIZER, E. The Good News according to Mark, p. 314.
25
ARCHTEMEIER, P. J. Mark, Philadelphia: Fortress, 1975, p. 110.
26
SCHWEIZER, E. Ibidem, p. 176.
27
Cf. KELBER, W. H. (ed). “Verbete Passion”. In: The Passion in Mark. Studies on Mark 14-16. Philadelphia, 1976, p. 172176.
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ARTIGOS ARTIGOS CONSIDERAÇÕES FINAIS O evangelho de Marcos não poderia ter inventado o fato de Jesus ter chamado pessoas para segui-lO e formado um grupo central que pudesse aprender e propagar os Seus ensinamentos. Mesmo se quisesse fazê-lo não poderia, pois estaria negando aquilo que ele próprio encontrou na tradição, isto é, o registro de um mestre que fazia a diferença nas expectativas dos seus contemporâneos quanto ao presente e o futuro do seu povo. Um pensamento que ia além das concepções tradicionais de restauração ou de revolta política e religiosa. Um pensamento de paz, de solidariedade e de amor. Foi por isso que o seguimento a Jesus não parou nos Doze e nos 72, mas até hoje continua criando discipulado de seguidores e de seguidoras. Entretanto o discipulado em Marcos não passa somente pelo dado da tradição que ele recebeu. Marcos não foi um mero copilador da tradição, mas utilizou-se dos fatos trazidos pela tradição para ajudar a sua comunidade a superar uma fé estagnada por uma noção pequena de discipulado. Ser discípulo de Jesus não está imediatamente na pertença aos Doze. O status quo da grandeza Doze, calcada desde o Antigo Testamento no ideal das doze tribos, encobre a totalidade da compreensão do discipulado que, no seguimento, vai até as últimas consequências, inclusive morrer, como o mestre o fez, se necessário. Como seguir um mestre que diz: sim, o filho do homem vai morrer! Ser discípulo de um messias que vai morrer é, em Marcos, o fundamento das características do discipulado em seu evangelho. Por isso, ser discípulo de Jesus é existir com Ele, ter uma existência que inclui desde o nascer até o morrer com Jesus. Ser discípulo de Jesus é viver essa comunhão profunda que passa até mesmo pela incompreensão que leva a comunidade a se questionar: sou eu mesmo um verdadeiro discípulo de Jesus disposto a renegar a mim mesmo, tomar Sua cruz e segui-lO? O verdadeiro discípulo de Jesus desde o início do Seu chamado aos primeiros discípulos (Mc 1,16-20) conhece o projeto Reino de Deus que se faz presente no cotidiano normal da vida. O discipulado no tempo de Jesus serve de modelo, em cada época, tanto para seguir o mestre no seu projeto do Reino quanto para compreender as causas pelas quais não se deve seguir o mestre sem se dar contado projeto do antirreino. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARCHTEMEIER, P. J. Mark. Philadelphia: Fortress, 1975. ASLAN, Reza. Zelota: A vida e a época de Jesus de Nazaré. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. BARDY, G. La Conversión al Cristianismo durante los Primeros Siglos. Tradução espanhola. Madrid: Encuentro, 1990. (Ensayos 57) BEST, E. Mark’s Use of the Twelve.In: Zeitschrift für die Newtestamentliche Wissen-schaft. n. 69. Berlin, 1978. BEST, E.The Role of the Disciples in Mark. In: New Testament Studies, vol. 23, Cambridge Universyt Press, 1977. BORNKAMM, G. Jesús de Nazaret. Tradução espanhola. Salamanca: Sígueme, 1975. (Biblioteca de Estudios Bíblicos 13) COUTTS, J. The Authority of Jesus and of the Twelve in St. Mark’s Gospel. In: The Journal of Theological Studies, n. 8, Oxford, 1957.
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ARTIGOS ARTIGOS FOCANT, C. L’Incompréhension des Disciples dans le Deuxième Evangile. In: Revue Biblique, n. 82, Jerusalém-Paris, 1985. FUSCO, V. L’économie de la Révélation dans l’évangile de Marc. In: Nouvelle Revue Théologique, n. 105, Tournai, 1982. GNILKA, J. El Evangelio según San Marcos. Vol. I. Tradução espanhola. Salamanca: Ediciones Sígueme, 1986. (Biblioteca de Estudios Bíblicos 55/6) GRUNDMANN, W. “verbete sun-metá”. In: KITTEL, G; FRIEDRICH, G. (ed.). Grande Lessico del Nuovo Testamento XII. Tradução italiana. Brescia: Paidéia, 1990. HAWKIN, D. J. The Incomprehension of the Disciples in the Marcan Redaction. In: Journal of Biblical Literature, n. 91, Atlanta, 1972. KELBER, W. H. (ed). “Verbete Passion”. In: The Passion in Mark. Studies on Mark 14-16. Philadelphia, 1976. KINGSBURY, J. D.Conflicto en Marcos. Jesús, Autoridades, Discípulos. Tradução espanhola. Madrid: Ediciones El Almendro de Cordoba,1991. (En Torno al Nuevo Testamento) LAMARCHE, P. L’humiliation du Christ. In: Christus, n.º 26, Paris, 1979. LÉON-DUFOUR, X. O Partir do Pão Eucarístico segundo o Novo Testamento. Tradução portuguesa. São Paulo: Loyola, 1984. MATEOS, J. Los “Doce” y otros Seguidores de Jesús e nel Evangelio de Marcos. Madrid: Ediciones Cristiandad, 1982. RADL, W. “verbete metá”. In: BALZ, H; SCHNEIDER, G. (ed.). Exegetical Dictionary of the New Testament. Vol. II. Tradução inglesa. Grand Rapids: Eerdmans, 1991. RHOADS, D; MICHIE, D. Mark as Story. An Introduction to the Narrative of a Gospel. Philadelphia: Fortress, 1982. SCHWEIZER, E. The Good News according to Mark. Atlanta: John Knox, 1976. TEIXEIRA, Cézar. Eucaristia: uma Comensalidade Conflitiva. In: Revista de Cultura Teológica. Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção. São Paulo: Loyola, n.º 30, jan./mar., 2000.
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ARTIGOS ARTIGOS QUERIGMA, ANÚNCIO E FORMAÇÃO DO DISCIPULADO DE JESUS COM BASE EM ATOS 8, 26-40 KERIGMA, ANNOUNCEMENT AND TRAINING OF THE CHRISTIAN DISCIPLESHIP BASED ON ACTS 8, 26-40 Francisco Pagnussat* RESUMO: Este trabalho foi desenvolvido com o desejo de apresentar o Querigma como o primeiro passo no processo de Iniciação à Vida Cristã. É nesse primeiro tempo, chamado de Querigma ou primeiro anúncio, que o processo de educação da fé terá possibilidades concretas de avançar. Descobrimos que, sem a comunidade cristã, sem o acompanhamento e sem a Palavra de Deus, não há um autêntico Querigma – anúncio. Hoje se instaura no tempo e no espaço o desafio da mudança de época que o ser humano está vivendo. É nessa realidade que iremos encontrar as pessoas que desejam realizar em suas vidas a experiência do encontro pessoal com Jesus Cristo, Caminho, Verdade e Vida (Jo 14,7) e dEle se tornarem discípulos. Palavras-chave: Iniciação à Vida Cristã. Querigma. Catecumenato. Comunidade. Catequese. ABSTRACT: This work has been developed aiming to present the kerygma as the first step in the process of Christian initiation. It is in the beginning of the evangelization, which is called kerygma or first announcement time, that the faith process will have real possibilities to grow. We have found out that, without the Christian community, without following the pupils and without studying the Gospel, there is no authentic kerygma announcement. Today there is a challenge of changing, in time and space, human´s reality. It is in this reality that we will find people who want to accomplish in their lives the experience of a personal encounter with Jesus Christ, the Way, the Truth and the Life (John 14:7). Keywords: Introduction to Christian Life. Kerygma. Catechumenate. Community. Catechesis.
INTRODUÇÃO Bem sabemos que o processo de educação na fé exige da Igreja um aprofundamento e uma ampla visão de ser humano. O tempo que se instaura é único, próprio de nossa época. Por isso, surgem desafios que antes não foram enfrentados. Quando falamos em processo de evangelização, havemos de pensar na Igreja em que a catequese é uma dimensão de toda sua ação evangelizadora. O próprio Diretório Nacional da Catequese aponta-nos que a finalidade da catequese é “aprofundar o primeiro anúncio do Evangelho: levar o catequizando a conhecer, acolher, celebrar e vivenciar o mistério de Deus, manifestado em Jesus Cristo, que nos revela o Pai e nos envia o Espírito Santo” (DNC, 2008, p. 50).
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Curso de Pós-graduação em Pedagogia Catequética, Pontifícia Universidade Católica de Goiás, PUC-GO.
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ARTIGOS ARTIGOS Estimado leitor, a catequese deve ser a coluna da Igreja. Se quisermos homens e mulheres renovados para a construção de um mundo mais justo e fraterno, discípulos-missionários, precisamos levá-los a realizar em suas vidas um profundo e real encontro com Jesus Cristo do evangelho. O Querigma quer dar um novo impulso para a ação evangelizadora da Igreja, como afirma o papa Francisco em sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium em que “o primeiro anúncio ou querigma deve ocupar o centro da atividade e de toda tentativa de renovação eclesial” (EVANGELII GAUDIUM, 2013, p. 135). No decorrer da história, a Igreja, em diferentes épocas e situações, procurou anunciar Jesus Cristo às pessoas. Queremos partilhar aqui que, a partir do catecumenato e mais especificamente do seu primeiro tempo, foi o Querigma um caminho para apresentar Jesus de maneira que se realize na vida das pessoas um verdadeiro encontro e adesão à proposta de ser cristão. Nesse sentido, o Documento de Aparecida é feliz quando insiste que a evangelização comece pelo primeiro anúncio, o Querigma. Nesse anúncio querigmático, a pessoa irá descobrindo gradativamente que “ser cristão não é uma carga, mas um dom” (DAp. 2008, p. 24). Abordaremos, no primeiro momento deste artigo o “ser humano na mudança de época”. Iluminados pelo Documento de Aparecida, vamos refletir sobre e aprofundar o diagnóstico de sociedade na qual estamos insertos. Veremos que, nela, há elementos que nos forçam a mudar nossos métodos e linguagens para a ação evangelizadora hoje e chegar ao coração do ser humano. É importante que tenhamos uma visão clara da realidade sem maquiá-la e torná-la negativa. É nessa realidade que a Igreja está inserta e o evangelho precisa ser anunciado. Portanto, a análise que se segue é um caminho aberto e fecundo para uma ação evangelizadora integral e integradora, que vá ao encontro da pessoa. No segundo momento, debruçamo-nos a aprofundar o “Querigma”, objeto principal de nosso estudo, com base no texto bíblico de Atos dos Apóstolos 8, 26-40. Com a pesquisa, deparamos que o Querigma é, sem sombra de dúvida, a porta de entrada para nos tornarmos cristãos, já que não nascemos cristãos, pois estamos insertos numa sociedade plural e livre no que diz respeito ao âmbito religioso. Gradativamente vamos desenvolvendo o trabalho na perspectiva de aprofundar o tema do Querigma. A partir disso, perceberemos que não acontece uma verdadeira Iniciação à Vida Cristã nem o primeiro anúncio, sem pelo menos três elementos: o acompanhamento, a comunidade cristã e a Palavra de Deus. No terceiro momento, “A Iniciação à Vida Cristã”, acompanharemos o desenvolvimento e a origem do catecumenato, o período em que nasceu e foi propagado. O catecumenato foi fundamental para a Igreja nascente, pois foi esse método gradativo e sólido que alicerçou a São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 64-82, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS Igreja desde os primeiros séculos na fidelidade a Jesus Cristo. Veremos, ainda que com brevidade, o desenvolvimento do catecumenato em quatro tempos e três etapas. Neste último momento, lançaremos algumas pistas para a práxis da Ação Evangelizadora. Estamos convencidos da necessidade e da preciosa riqueza que a Igreja nos oferece como meio para a formação dos discípulos-missionários em nosso tempo. Seguimos neste trabalho o método ver, julgar e agir. Por isso, nossa pretensão não é esgotar o assunto; apenas esperamos poder partilhar esta pesquisa que vai ao encontro do que a Igreja tem insistido como saída para uma nova evangelização: anunciar Jesus em sua totalidade levando a uma profunda experiência e encontro pessoal com Ele.
1 QUERIGMA Considerado como o primeiro tempo, o Querigma é um espaço em que a centralidade está no anúncio e na experiência da pessoa de Jesus Cristo. Esse tempo é denominado de pré-catecumenato ou primeira evangelização. É o tempo de evangelização em que, com firmeza e confiança, se anuncia o Deus vivo e Jesus Cristo, enviado por Ele para a salvação de todos, a fim de que os nãocristãos, cujo coração é aberto pelo Espírito Santo, creiam e se convertam livremente ao Senhor, aderindo lealmente àquele que, sendo o caminho, a verdade e a vida, satisfaz e até supera infinitamente a todas as suas expectativas espirituais (RICA 9, 2001, p. 19).
Esse tempo quer ser na vida da pessoa, com a ajuda dos catequistas, do acompanhante e da própria comunidade, uma oportunidade em que “brotam a fé e a conversão inicial, pelas quais a pessoa se sente chamada do pecado para o mistério do amor de Deus” (RICA 10, 2001, p. 19). A fé e a conversão devem, no decorrer desse primeiro tempo, levar a um gradativo amadurecimento e a um profundo desejo de pedir à santa Mãe Igreja a graça de ser incorporado na vida de Cristo pelo batismo.
1.1 ANÚNCIO DO QUERIGMA COMO MANDATO MISSIONÁRIO É depois do Pentecostes que Pedro profere o primeiro discurso querigmático. A experiência da ressurreição e da convivência com Jesus deu a Pedro e aos demais discípulos a possibilidade de anunciar a centralidade da fé. Deus ressuscitou este Jesus. E nós todos somos testemunhas disso. Quando ouviram isso, todos ficaram de coração aflito e perguntaram a Pedro e aos outros discípulos: Irmãos, o que devemos fazer? Pedro respondeu: Arrependam-se, e cada um de vocês seja batizado em nome de Jesus Cristo, para o perdão dos pecados; depois vocês receberão do Pai o dom do Espírito Santo (At 2, 32.37-38).
O anúncio do Querigma é, antes de tudo, na Igreja nascente, um mandato missionário vivido a partir da orientação dada pelo próprio Jesus. “Ide, portanto, e fazei que todas as 66
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ARTIGOS ARTIGOS nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo o que vos ordenei” (Mt 28, 19). É com esse mandato que os apóstolos alicerçam o anúncio querigmático, ou seja, o anúncio de Jesus Cristo como Salvador. Não encontramos no Novo Testamento o processo da Iniciação à Vida Cristã como conhecemos hoje, mas os elementos e fundamentos que nos dão a razão de tal processo. Entre eles, está a compreensão do Querigma como envio missionário. A intuição do Concílio Vaticano II foi orientar na Igreja a restauração do catecumenato. “Iniciem-se, pois os catecúmenos convenientemente no mistério da salvação, no exercício dos costumes evangélicos e nos ritos que se celebrarão nos tempos sucessivos; sejam introduzidos na vida da fé, da liturgia e da caridade do povo de Deus” (AD, 14). Com isso, a Igreja entra num novo ritmo da sua história. Restaurar o catecumenato não é voltar ao passado, nem mesmo sentir saudades daquilo que os cristãos viveram em outros tempos, nem estar diante de uma nova moda. É atualizar a Igreja para um tempo único, buscando beber da fonte de sua Tradição. De outro modo, trata-se de ser fiel a sua essência: formar verdadeiros discípulos e missionários. Para isso supomos um caminho progressivo que leve a uma experiência profunda de fé iniciada a partir do Querigma. Restaurar o catecumenato é, antes de tudo, acolher o que Jesus pede aos discípulos e pede a cada um dos batizados: “Ide e fazei discípulos” (Mt 28, 19). Com esse jeito de evangelizar, a Igreja é convidada a sair de si mesma e ir ao encontro do outro. O Querigma, como mandato missionário, é condição para chegarmos ao coração das pessoas anunciando-lhes o que de mais precioso temos: Jesus Cristo e o Reino de Deus por Ele anunciado. Hoje, ou a Igreja assume para si essa condição de missionariedade querigmática, ou ela perde sua essência fundante. Encontramos no texto de Atos dos Apóstolos o mandato que o Senhor dá a Felipe em relação ao eunuco: “Levanta-te e vai, por volta do meio dia, pela estrada que desce de Jerusalém a Gaza” (8, 26). O que o Senhor nos pede é que, como Igreja, nós nos levantemos de nossos lugares e possamos ir ao encontro daqueles que ainda não tiveram a oportunidade de realizar em suas vidas uma profunda experiência de encontro com Jesus Ressuscitado. Para isso, Aparecida vai convidar a “abandonar as ultrapassadas estruturas que já não favoreçam a transmissão da fé” e a uma “conversão pastoral e renovação missionária” (DAp 365, 2008, p. 168).
1.2 O EUNUCO COMO MODELO DE PRIMEIRO ANÚNCIO O texto escolhido (At 8, 26-40) para este ensaio acadêmico encontra-se no conjunto do Livro dos Atos dos Apóstolos da eleição dos Sete Diáconos (6, 1-6); a prisão e morte de Estevão (6, 8-12: 7, 55-60); a grande perseguição contra a Igreja de Jerusalém (8, 1) e a São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 64-82, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS chegada dos helenistas em Antioquia (11, 19). Para Pablo Richard, com Estevão inicia-se o chamado de “Atos dos Helenistas”: “No dia do martírio de Estevão se desatou uma grande perseguição contra a Igreja de Jerusalém, mas a surpresa é que foram todos dispersos, exceto os Apóstolos” (RICHARD, 1998, p. 75). Os que haviam sido dispersos iam de lugar em lugar, anunciando a Boa Nova. Foi assim que Filipe, tendo descido a uma cidade da Samaria, a eles proclamava o Cristo (8, 4-5). Nosso intuito não é fazer uma exegese da narrativa e, sim, uma leitura catequética com ênfase na experiência do encontro que provoca a mistagogia. No texto 8, 26-40, encontramos Felipe a batizar o eunuco depois de lhe fazer um anúncio querigmático da missão de Jesus. Já de início percebe-se a ênfase do anúncio como um mandato missionário. “O anjo do Senhor disse a Felipe: Levanta-te e vai, por volta do meio dia, pela estrada que desce de Jerusalém a Gaza. A estrada está deserta” (8, 26). O texto retrata um apóstolo, Felipe. Quem é Felipe? No evangelho de João, depois de chamar os três primeiros - João, André e Simão Pedro - Jesus chama Felipe. “No dia seguinte, Jesus resolveu partir para a Galileia e encontrou Felipe. Jesus lhe disse. ‘Segue-me’. Felipe era de Betsaida, a cidade de André e de Pedro” (Jo 1, 43). De acordo com o evangelho de João, esses são os primeiros discípulos que Jesus chama. Felipe foi chamado diretamente por Jesus. Tendo vivido essa experiência, Felipe encontrou Natanael e disse: “Encontramos aquele de quem escreveram Moisés, na Lei, e os profetas: Jesus, filho de José, de Nazaré” (Jo 1, 45). Na multiplicação dos pães, encontramos Felipe. Jesus, “levantando os olhos e vendo a grande multidão que a ele acorria, disse a Felipe: Onde compraremos pão para que eles comam?” (Jo 6, 5). Depois da ressurreição de Jesus, Felipe começa a sua atuação missionária. Sai de Jerusalém e vai para Gaza, segue o caminho para o sul, para o deserto1 (Gaza). Nessa estrada havia um funcionário da rainha da Etiópia que tinha ido ao “Templo de Jerusalém para adorar” (Atos 8, 27). Ao templo de Jerusalém se dirigiam muitas pessoas para mais facilmente se encontrar com Deus. Nessa estrada está caminhando o eunuco, voltando de Jerusalém, onde havia ido dar glória a Deus2. Era um homem que estava à procura de Deus, que lia com interesse a profecia de Isaías, mas não compreendia ainda a quem ela se referia. Só entra na catequese catecumenal quem tem sede de Deus, quem já se sentiu de algum modo atraído pelo Mistério. Aqueles que já realizaram em suas vidas essa experiência com Deus estão à procura de um caminho que os leve à fonte onde vão saciar sua sede de Deus3. Essa sede manifesta-se e alimenta-se na oração. O eunuco foi ao templo com esta finalidade: alimentar a sede que sentia de Deus, descobrir algo mais sobre o Mistério que o atraía. 1
Deserto na Bíblia é o lugar do encontro. Moisés é o primeiro a encontrar no deserto a voz de Deus (Êx 3, 1-6). Marcos nos mostra João Batista no deserto (Mc 1, 4); Jesus passou 40 dias no deserto (Lc 4, 1-13). 2
Encontramos situação semelhante no Salmo 63, como oração de agradecimento a Deus.
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No diálogo de Jesus com a samaritana, encontramos uma boa referência para este tema Jo 4, 1-42.
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ARTIGOS ARTIGOS Felipe aproxima-se da carruagem e vê. “Felipe correu e ouviu que o eunuco lia o profeta Isaías”4 (Atos 8, 30a). Felipe aproxima-se e parte de um questionamento: “Entendes o que estás lendo? Como poderia, disse ele, se alguém não me explicar?” (Atos 8, 30b-31). O processo de evangelização que se instaura no tempo e no espaço em que estamos insertos é exigente. Deve possibilitar à pessoa, com a ajuda da comunidade, dos catequistas e dos acompanhantes, uma caminhada de fé e conversão. O eunuco não havia encontrado, ainda, meios para realizar em sua vida uma experiência concreta de Jesus Cristo e para conhecê-lO em profundidade. “Partindo deste trecho da Escritura, Felipe anunciou-lhe a Boa Nova de Jesus” (Atos 8, 35). Aqui, vale a pena destacar a presença daquele que orienta. Nessa situação, quem faz isso é Felipe. Quem orienta precisa primeiro saber ouvir e ter também uma experiência pessoal profunda daquilo que vai ajudar a anunciar. O Querigma é o anúncio da Boa Nova de Jesus, sua paixão, morte e ressurreição, seu Mistério Pascal, fonte e cume de toda a vida cristã. É claro que, para perceber o que significam esses fatos, é preciso saber quem foi Jesus e o que Ele veio pedir à humanidade. Toda pessoa em contato com esse anúncio descobre uma nova força, encontra razão e sentido para sua vida. O objetivo de toda catequese catecumenal requer um caminho que começa por esse anúncio, quer dizer, pelo Querigma. Esse primeiro contato leva a pessoa a se familiarizar com a Palavra de Deus5 para, por meio dela, descobrir o rosto amoroso de Deus revelado em Jesus Cristo. Na vida do catecúmeno, nesse sentido, “a Palavra, por sua vez, ouvida, escutada, acolhida, estimulada provoca a fé e a fé se descobre em amor, leva a viver Deus, dele e de sua santa vontade” (NERY, 2008, p. 19). É com base nessa dinâmica que começam a surgir os primeiros sinais e desejos de mudança de vida. Neste primeiro momento do anúncio querigmático, é preciso considerar a realidade da pessoa e suas experiências de fé. É partindo da experiência de vida daqueles que se aproximam desse caminho que os corações e as mentes se abrem para mergulhar na experiência de Jesus Ressuscitado.
1.3 VINDE E VEDE: O DESPERTAR DA FÉ O anúncio do Querigma é um “vinde e vede” (Jo 2, 46), tanto por parte daquele que o anuncia, quanto daquele que recebe o anúncio. O objetivo do Querigma é um “despertar da fé”. Consideramos que, para desenvolver esse processo, será preciso “estar com”, estar junto, apoiar-se na comunidade. A pessoa que chega para iniciar esse processo em sua vida, 4
O texto que o eunuco está lendo é o quarto canto do servo sofredor (Is 53, 7-8).
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No evangelho de Lucas, encontramos os discípulos de Emaús (Lc 24, 13-35) que, ouvindo a Palavra do Senhor, deixam a mente e o coração serem aquecidos e, a partir desse momento, mudam sua trajetória de vida. Esse texto apresenta-se como um itinerário de Iniciação à Vida Cristã. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 64-82, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS seja para pedir o batismo, seja para reiniciar sua caminhada de fé, precisa sentir-se assistida, acolhida e acompanhada pela própria comunidade. O processo do primeiro anúncio deve levar a pessoa a conhecer Jesus e estar com Ele. O discípulo de Jesus forma-se à medida que vai aproximando-se dEle e nEle mergulha sua vida. No dia seguinte, João se achava lá de novo com dois de seus discípulos. Ao ver Jesus que passava, disse: ‘Eis o Cordeiro de Deus’. Os dois discípulos ouviram falar e seguiram Jesus. Jesus voltou-se e, vendo que eles o seguiam, disse-lhes: ‘Que estais procurando?’ Disseramlhe: ‘Rabi (que, traduzido, significa Mestre), onde moras?’ Disse-lhes: ‘Vinde e vede’. Então eles foram e viram onde morava, e permaneceram com ele aquele dia (Jo 1, 35-39). Jesus tem uma atitude básica. Pergunta o que eles estão procurando. No primeiro anúncio, há a necessidade de começar pelas perguntas e interrogações que cada um irá trazer. Felipe também soube ouvir os questionamentos do eunuco. Começou a falar de Jesus depois que o outro quis saber a quem o profeta Isaías se referia no texto que estava lendo. O anúncio foi feito depois que o eunuco, “dirigindo-se a Felipe, disse: Eu te pergunto de quem diz isto o profeta? De si mesmo ou de outro?” (At 8, 34). Na relação de Jesus com seus discípulos, a atitude primeira do discípulo é querer saber como é o cotidiano da vida de Jesus. Em Jo 1,38 vemos dois discípulos de João perguntando a Jesus: “Onde moras?” Aqui vemos uma atitude fundamental de Jesus, que responde com um convite: “Vinde e vede”. Jesus não começa sua “catequese” explanando conceitos e teorias, mas os convida a conviver com Ele. O Querigma, como primeiro anúncio, deve despertar no coração e na vida daquele que se aproxima o desejo de estar com Ele e conhecê-lO. No caso do encontro com o eunuco, Felipe é convidado a subir e a sentar-se com ele (Atos 8, 31). Deus, pela ação do Espírito, serve-se de Felipe para chegar ao coração do eunuco. O anúncio querigmático apresentará mais resultado à medida que aquele que anuncia está junto e serve de mediação. O anúncio querigmático prossegue e abre possibilidades em cada um e, então, “o poder do Espírito e da Palavra contagia as pessoas e as leva a escutar Jesus Cristo, a crer nEle como seu Salvador, a reconhecê-lO como quem dá pleno significado a sua vida e a seguir seus passos” (DAp 279, 2008, p. 130).
1.4 CONVERSÃO O primeiro objetivo do Querigma é a conversão a partir do contato com a pessoa de Jesus. “Da evangelização realizada com o auxílio de Deus brotam a fé e a conversão inicial, pelas quais a pessoa se sente chamada do pecado para o mistério do amor de Deus” (RICA 10, 2009, p. 19). Uma catequese iniciada pelo anúncio querigmático é, antes de tudo, um anúncio que parte da Palavra de Deus. Neste primeiro tempo, não tratamos de doutrinas. O despertar para a conversão requer um elemento básico: o encantamento por Jesus. É esse anúncio que lançará alicerce sólido e consistente na vida da pessoa como afirma papa Francisco 70
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ARTIGOS ARTIGOS “nada há de mais sólido, mais profundo, mais seguro, mais consciente e mais sábio que este anúncio” (EVANGELII GAUDIUM, 2013, p. 136). Entendido assim, o catecumenato que começa pelo Querigma é o lugar de encontro e descoberta, do encantamento e da paixão, “é o anúncio que dá resposta ao anseio de infinito que existe em todo coração humano” (2013, p. 136). Trata-se de um encontro com Jesus e a comunidade, porque gradativamente esse processo vai introduzindo a pessoa na vida comunitária. É tempo de descoberta, porque a pessoa percebe o amor de Deus em sua vida (Is 43, 1-6). A mudança de vida é fruto da conversão, primeiro sinal de que se está disposto a seguir Jesus. A conversão é a resposta inicial de quem escutou o Senhor com admiração, creu nEle pela ação do Espírito, e decide ser seu amigo e ir após Ele, mudando sua forma de pensar e de viver, aceitando a cruz de Cristo, consciente de que morrer para o pecado é alcançar a vida. No Batismo e no sacramento da Reconciliação se atualiza para nós a redenção de Cristo (DAp 278b, 2008, p. 129). A conversão não acontece apenas com a explanação de doutrinas, mas alimenta-se de outros elementos: escuta atenta da Palavra de Deus, acolhida, acompanhamento e oração. A catequese propriamente dita, no segundo tempo, cuidará dos conteúdos e, entre eles, a doutrina. Todas as experiências que a pessoa tem em sua vida levam a questionamentos e à necessidade de respostas. Nem a formalidade, nem a doutrina num primeiro momento ajudarão esses adultos a encontrarem em suas vidas um sentido. O grande problema da pessoa não é mais criar discussões em torno da questão da existência de Deus. A maior necessidade hoje é dialogar com Deus e, por Ele, encontrar um sentido para a sua própria existência de vida e fé. A resposta para tudo isso é a experiência de fé6.
1.5 ACOMPANHAMENTO Esta catequese distingue-se das demais por um elemento de forte presença, que faz bastante diferença: o acompanhamento. Ele é fundamental neste processo inicial na vida da pessoa. Sem o acompanhamento, podem acontecer outras formas de catequese, mas não haverá um autêntico processo de Iniciação à Vida Cristã. O acompanhamento é realizado com a finalidade de introduzir na fé e na comunidade aquele que quer aproximar-se do caminho e realizar um verdadeiro processo de conversão e adesão à Palavra de Deus. Conforme nos orienta o RICA, o acompanhante – escolhido entre homens e mulheres insertos na vida comunitária e que nela testemunham Jesus – após aprofundar sua vocação, tem por missão “ajudar os candidatos e os catecúmenos durante todo o currículo de iniciação: no pré-catecumenato, no catecumenato e no tempo da mistagogia” (RICA 41, 2009, p. 27).
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Dicionário de Catequética, p. 125; EN n.º 46. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 64-82, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS É no pré-catecumenato que os alicerces sólidos da fé são lançados e acolhidos. Por isso RICA orienta para que “no período de evangelização e do pré-catecumenato lembrem-se os fiéis de que o apostolado da Igreja e de todos os seus membros procura, em primeiro lugar, anunciar ao mundo, por palavras e atos, a mensagem de Cristo e comunicar a sua graça” (RICA 41, 2009, p. 27). Esse processo requer dos acompanhantes que “estejam, portanto, prontos a demonstrar o espírito da comunidade cristã e receber os candidatos nas famílias, nas reuniões particulares e mesmo em algumas reuniões comunitárias” (RICA 41, 2009, p. 27). A finalidade do acompanhamento é levar o catecúmeno a realizar uma profunda experiência pessoal de Jesus pela Palavra de Deus inserto na vida da comunidade. Não se forma discípulo longe da comunidade cristã. O acompanhamento quer ser na vida do catecúmeno, portanto, um espaço privilegiado para percorrer um caminho sem cometer desvios ou perder-se. É importante nesse tempo que o acompanhamento, quando bem realizado, ajude a lançar as sementes para os demais tempos e ao encantamento por Jesus Cristo (ESTUDOS DA CNBB 97, 2009, p. 127-130). No acompanhamento, a comunidade está intensamente presente por meio de acompanhantes, a quem ela confiou tal ministério. O acompanhamento quer ser uma presença comunitária de forma personalizada na vida do catecúmeno. O adulto que se aproxima precisa, antes de tudo, ser acolhido, acompanhado em suas inquietações e buscas e introduzido no mistério da fé. “É um ministério de acompanhamento pessoal, a ser feito com ouvido atento para as necessidades do outro, num clima de confiança, sensibilidade e respeito” (PAGNUSSAT, BORGES; 2013, p. 45). Esse é o ritmo que irá despertar no catecúmeno o desejo ardente de abrir seu coração para Deus, rever a vida e dar os primeiros passos rumo ao seguimento de Jesus em sua comunidade, porque percebe nela o espaço de sentir-se acolhido como irmão, celebrando Jesus, junto dos que estão reunidos em seu nome. Na pessoa do acompanhante, o catecúmeno deve encontrar “um olhar respeitoso e cheio de compaixão, mas que ao mesmo tempo cure, liberte e anime a amadurecer na vida cristã” (EVANGELII GAUDIUM, 2013, p. 140). O primordial objetivo do acompanhamento espiritual é “conduzir cada vez mais para Deus, em que podemos alcançar a verdadeira liberdade” (2013, p. 140). Assim o acompanhamento provoca na pessoa um movimento e “convida a querer curar-se, a pegar no catre (cf. Mt 9,6), abraçar a cruz, a deixar tudo e partir sem cessar para anunciar o evangelho” (2013, p. 140). No texto de Atos vemos que o Senhor fala a Felipe: “Adianta-te e aproxima-te da carruagem” (Atos 8, 29). Uma comunidade que faz a opção pelo anúncio querigmático na sua forma de evangelizar quer ser uma Igreja missionária com cristãos que sejam capazes de ajudar outros a realizarem em suas vidas esta profunda experiência. Só vê o outro quem dele se aproxima. Nossa evangelização quer ser um aproximar-se por inteiro da pessoa e acolhê-la como fez Jesus7. 7
Jo 11, 11-45; Mc 1, 41; 7, 31-35; 8, 2.
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ARTIGOS ARTIGOS 1.6 ENCONTRO PESSOAL COM JESUS CRISTO: ORAÇÃO É no decorrer desse caminho que a oração deverá gradativamente se tornar parte integrante na vida da pessoa. Consideramos aqui a Leitura Orante da Bíblia como princípio para adquirir gosto pela oração. Cabe ainda à comunidade, por meio dos presbíteros e catequistas, se colocar nesse mesmo ritmo, como afirma o RICA. Durante o tempo de “pré-catecumenato”, os pastores devem promover orações especiais pelos “simpatizantes” (RICA 13, 2009, p. 20) É necessário descobrir o sentido mais profundo da busca, assim como é necessário propiciar o encontro com Cristo que dá origem à iniciação cristã. Esse encontro deve renovar-se constantemente pelo testemunho pessoal, pelo anúncio do querigma e pela ação missionária da comunidade. O querigma não é somente uma etapa, mas o fio condutor de um processo que culmina na maturidade do discípulo de Jesus Cristo. Sem o querigma, os demais aspectos desse processo estão condenados à esterilidade, sem corações verdadeiramente convertidos ao Senhor. Só a partir do querigma acontece a possibilidade de uma iniciação cristã verdadeira. Por isso, a Igreja precisa tê-lo presente em todas as suas ações (DAp 278a, 2008, p. 129).
É somente depois do primeiro anúncio que acontece a admissão ao catecumenato. Esse primeiro tempo, que o RICA denomina Querigma, quer lançar, por meio da oração, fundamentos concretos para o passo seguinte: aprofundar o conteúdo da fé. De fato, quando o Querigma é bem conduzido, deverá despertar sinais iniciais tais como: amar a vida em comunidade; ter o desejo de que outros façam essa experiência catecumenal; sentir necessidade de anunciar Jesus Cristo e sua experiência de amor; tornar-se discípulo de Jesus, assumindo um serviço pastoral na comunidade; sentir-se atraído e contribuir para o processo na comunidade em que está inserto.
1.7 COMUNIDADE: LUGAR DA INICIAÇÃO CRISTÃ Ainda trazemos em nossas concepções a ação evangelizadora com base na cristandade. Há de se levar em consideração que “mudanças de época são, de fato, tempos desnorteadores, pois afetam os critérios de compreensão, os valores mais profundos, a partir dos quais se firmam identidades e se estabelecem ações e relações” (DGAE 20, 2011, p. 32). Estamos vivendo essa mudança de época que força a refazer os conceitos e a encontrar maneiras eficazes no processo de anúncio de Jesus Cristo. Sendo o primeiro passo para introduzir alguém na fé, o Querigma quer igualmente introduzir alguém na comunidade cristã. Fé e comunidade estão juntas nesse processo; ele é um tempo especial, como nos diz o Diretório Nacional da Catequese. “É o momento do primeiro anúncio, em vista da conversão, quando se explicita o querigma (primeira evangelização) e estabelecem-se os primeiros contatos com a comunidade cristã” (cf. RICA 9-13); (DNC, 46a, 2007, p. 58-59). Não há um efetivo anúncio sem comunidade cristã e o processo pode ser comprometido quando não se estabelece o critério de valorizar esse tipo de participação. A comunidade deve participar ativamente da Iniciação. Nos últimos tempos, tem surgido uma tendência com correntes, até mesmo dentro da Igreja Católica, de buscar viver a fé sem a inserção numa comunidade cristã. Aparecida tem São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 64-82, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS insistido para que se evite tal comportamento: “Não pode existir vida cristã fora da comunidade” (DAp 278d, 2008, p. 129). Sabemos que a vida em comunidade leva a pessoa a educar-se na fé trazendo para sua prática diária ações transformadoras e promotoras de vida - e vida em plenitude - a exemplo de Jesus (Jo 10, 10). O verdadeiro discipulado nasce da experiência de Jesus Cristo realizada em contato com a comunidade cristã. A fragmentação da sociedade traz a inclinação para reduzir o espírito de pertença e compromisso comunitário, apontando uma maneira individualista de viver a fé cristã. A consequência disso é o afastamento e a indiferença em relação à vida comunitária. Assim, a formação do discipulado fica a desejar. Não há discipulado sem comunhão. Diante da tentação, muito presente na cultura atual, de ser cristão sem Igreja e das novas buscas espirituais individualistas, afirmamos que a fé em Jesus Cristo nos chegou por meio da comunidade eclesial [...]. A fé nos liberta do isolamento do eu, porque conduz à comunhão. Isso significa que uma dimensão constitutiva do acontecimento cristão é o fato de pertencer a uma comunidade concreta na qual podemos viver uma experiência permanente de discipulado e de comunhão (DAp 156, 2008, p. 82).
É preciso que aquele que deseja realizar o caminho da Iniciação à Vida Cristã encontre uma comunidade fortalecida na fé e no testemunho, que saiba que “conhecer Jesus é o melhor presente que qualquer pessoa pode receber; tê-lO encontrado foi o melhor que ocorreu em nossas vidas, e fazê-lO conhecido com a nossa palavra e obras é nossa alegria” (DAp 29, 2008, p. 24). Só assim o catecumenato alcançará seus objetivos. Seguiremos agora para pistas de ações concretas no terceiro momento de nosso estudo: suas implicações deste processo na Iniciação à Vida Cristã e seus apontamentos para uma Ação Evangelizadora.
2 INICIAÇÃO À VIDA CRISTÃ A Iniciação nos primeiros séculos era realizada por meio do catecumenato8. Ser iniciado no mistério de Cristo no início da Igreja era percorrer um longo e profundo caminho de preparação, mergulhando a vida nas Sagradas Escrituras e no ensinamento dos apóstolos para realizar a conversão, a profissão de fé e, por fim, ser inserto na vida de Cristo e na vida comunitária por meio da participação na Mesa Eucarística. Hoje a Igreja nos convida a seguir de novo esse caminho porque, como faziam os primeiros discípulos, temos de trabalhar numa sociedade que precisa ser apresentada a Jesus de forma nova e cativante. Esse processo de pedagogia da iniciação na fé leva o nome de 8
A palavra catecumenato procede do verbo grego Katechéin, que significa ressoar, fazer soar nos ouvidos e, por extensão, instruir, catequizar. Assim, catecúmeno é quem está sendo instruído, catequizado; mais concretamente, aquele que está sendo iniciado na escuta da palavra de Deus (DICIONÁRIO DE CATEQUÉTICA, 2004, p. 125).
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ARTIGOS ARTIGOS catecumenato. Está apresentado no Ritual de Iniciação Cristã de Adultos (RICA) uma orientação que se desenvolve em quatro tempos. Ali o nome “catecumenato” é dado ao segundo tempo, no qual o candidato recebe um aprofundamento da fé que está sendo convidado a abraçar. O catecumenato era, na Igreja primitiva, uma prática para levar as pessoas a se tornarem cristãs. Ser iniciado na Igreja primitiva levava a receber os três sacramentos: Batismo, Confirmação e Eucaristia e, com base neles, configurar a vida em Cristo, tornando-se seu discípulo.
2.1 SURGIMENTO Após a morte e ressurreição de Jesus, dá-se início à pregação dos apóstolos. A centralidade dessa pregação consiste em anunciar Jesus crucificado, morto e ressuscitado. Foi esse anúncio centrado no Mistério Pascal que deu um alicerce sólido para a Igreja e sua caminhada nos primeiros séculos. A luz desse Mistério ajudou a ver quem era Jesus e qual era a real importância da sua mensagem. No decorrer dos primeiros anos do cristianismo, conforme expressam os Atos dos apóstolos e as cartas, sobretudo de Paulo, se cristalizam o quadrinômio: pregaçãoevangelização, fé, catequese e batismo. A pregação, à semelhança do discurso querigmático de Pedro, visa a fazer a pessoa chegar ao passo essencial da conversão (metanoia), como renúncia ao passado e arrependimento dos pecados, como adesão pessoal a Jesus Cristo e como mudança de vida por causa dele (NERY, 2008, p. 33).
É fundamental, quando se falar de catecumenato, não separá-lo do contexto histórico de seu início. Vale lembrar que os cristãos eram minoria inserta num mundo pagão, e por vezes perseguida. Tornar-se discípulo do Mestre Jesus exigia um processo de preparação, porque o ambiente não favorecia a prática da fé cristã. Como a dificuldade estava basicamente em conservar a fé num mundo mergulhado no paganismo e na perseguição, o catecumenato foi sendo desenvolvido para sustentar de maneira sólida a opção de cada um por se tornar cristão. Esse processo consistia na fé e conversão. Não se nascia cristão; pelo contrário, era preciso se “tornar cristão” e isso exigia um processo de Iniciação9. Hoje, quando a sociedade pluralista não tem mais uma identidade nitidamente cristã, os primeiros tempos se destacam como fonte de inspiração para a evangelização. Jesus deixa para os discípulos um mandato: “Ide, façam discípulos em todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19). Os Apóstolos assumem esse anúncio com suas vidas e iniciam a pregação. “Arrependei-vos, e cada um de vós seja 9
A palavra “iniciação” vem do latim “in-ire”, ou seja, ir para dentro; donde: “in-inter”, ou seja, ingresso, em-caminhamento. Iniciação é o processo que coloca alguém na condição de entrar num novo estado de vida, numa comunidade; no plural latino: “initia” corresponde aos ministérios próprios dos cultos greco-romanos (Revista de Catequese 126, 2009, p. 8). O termo iniciação designa, etimologicamente, a introdução de uma pessoa em determinado grupo humano, associação ou religião, e indica o conjunto de ensinamentos e de ritos encaminhados a produzir uma mudança radical na pessoa iniciada. Representa, pois, um processo de aprendizagem, de assimilação e aquisição progressiva de uma doutrina ou de prática determinada, de crenças e valores ou de costumes e comportamentos novos (cf. IC 17). É aprendizagem, em última análise, que concerne a toda a pessoa e supõe uma renovação profunda do ser (DICIONÁRIO DE CATEQUÉTICA, 2004, p. 605). São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 64-82, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS batizado em nome de Jesus Cristo para a remissão dos vossos pecados. Então recebereis o dom do Espírito Santo” (At 2, 37-38). Já nos primeiros tempos, o seguimento a Jesus e a sua Palavra anunciada começam a ganhar força conquistando homens e mulheres que assumem em suas vidas a vida de Cristo. A Igreja que nasce tem a missão de formar discípulos. O catecumenato tem sua força total nos séculos III e IV. Com a conversão de Constantino ao cristianismo, a liberdade religiosa dos cristãos ganhava espaço e difundia-se por todo lado essa maneira de tornar-se cristão. Durante os séculos IV e V, as circunstâncias mudam com a conversão dos imperadores. Constitui-se uma cristandade. Desenvolve-se o período quaresmal, em detrimento do catecumenato propriamente dito. Finalmente, o século VI só conserva ritos mais ou menos condensados, e o batismo de criança impõe-se sobre o catecumenato (DICIONÁRIO DE CATEQUÉTICA, 2004, p. 127).
Quando Constantino assume o cristianismo como religião oficial do império, essa realidade sofre mudança. Já não parece necessária a preparação para se tornar cristão. A fé e a conversão, que são a linha mestra do processo de Iniciação, vão-se tornando mais ou menos pressupostas. Os batismos aconteciam em grande escala. Deixa-se de batizar somente adultos e passa-se a batizar crianças porque se supõe que crescerão num ambiente que valoriza a fé religiosa. Isso foi tornando dispensável o rito de Iniciação.
2.2 UM PROCESSO EM QUATRO TEMPOS É no decorrer da história, e sobretudo nos séc. III e IV, que a Iniciação à Vida Cristã vaise estruturando como a conhecemos hoje: em quatro tempos. São eles: 1) Querigma: o primeiro anúncio; 2) Catecumenato: catequeses e aprofundamentos; 3) Purificação e Iluminação: preparação próxima aos sacramentos; 4) Mistagogia: vivência dos mistérios celebrados em comunidade. Entre um tempo e outro há celebrações que no RICA foram chamados etapas (um nome que pode às vezes gerar confusão porque na linguagem comum tem outro sentido). São três, e querem deixar bem marcada a passagem de um tempo para outro: 2.2.1 Primeira Etapa: Acontece no final do primeiro tempo e a partir daí se inicia o catecumenato, o que chamamos de segundo tempo. Os candidatos são admitidos como catecúmenos na Igreja que os acolhe na presença concreta de Jesus, o Bom Pastor. 2.2.2 Segunda Etapa: É o que chamamos de celebração de eleição ou inscrição do nome. Quando concluído o segundo tempo, essa celebração quer dar ao catecúmeno o sentido de eleição, para que ele seja visto como eleito por Deus como discípulo de Jesus. Nessa celebração, é realizado o rito de inscrição do nome no livro dos eleitos. 2.2.3 Terceira Etapa: Consiste na celebração dos sacramentos de Iniciação, na Vigília Pascal. Após um longo caminho percorrido, os eleitos são mergulhados nos mistérios de Cristo pelo Batismo, Confirmação e Eucaristia. Com isso, participam plenamente da vida da Igreja em comunidade. 76
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ARTIGOS ARTIGOS É importante que as etapas sejam devidamente preparadas, pois são elas que marcam o ritmo de um tempo e outro. “Podemos dizer que as etapas acontecem em três ritos litúrgicos, que somam beleza, profundidade e seriedade em uma única celebração” (PAGNUSSAT, BORGES, 2013, p. 77).
2.3 O LUGAR DA INICIAÇÃO Como afirmamos acima, hoje estamos mergulhados num mundo fragmentado, cujo contexto nem sempre favorece a educação da fé. Se analisarmos os Atos dos Apóstolos nessa perspectiva, vamos compreendendo que Jesus dá o mandato aos apóstolos reunidos em comunidade. Por isso, vale a pena ressaltar que “hoje não é possível pensar uma iniciação cristã, realizada quase de modo espontâneo, por influência do ambiente. A nova situação social e cultural apresenta os perfis de forte secularização que determina, em muitos casos, o enfraquecimento e até o abandono da fé” (DICIONÁRIO DE CATEQUÉTICA, 2004, p. 602). Desde os tempos de Jesus, passando pela comunidade dos apóstolos, dos discípulos até as primeiras comunidades cristãs, vamos perceber que o lugar próprio da Iniciação à Vida Cristã é a comunidade onde as pessoas estão insertas. A iniciação cristã remete ao próprio coração da Igreja, porque põem em jogo as realidades mais profundas da fé como são a transmissão da verdade revelada, a manifestação na vida da Igreja da presença salvífica de Cristo, o chamado à conversão, ao abandono do pecado e à adesão a Deus, e, finalmente a incorporação à vida divina pelo sacramento do batismo (DICIONÁRIO DE CATEQUÉTICA, 2004, p. 603).
É na comunidade cristã que se começa a aderir a Jesus Cristo. Fala-se mais por gestos e atitudes do que por palavras. A comunidade tem um papel fundamental no processo de Iniciação à Vida Cristã, quando toda ela se torna lugar de acolhida e testemunho fraterno para os novos cristãos, ou para aqueles que querem ser reiniciados. Sentimos a urgência de desenvolver em nossas comunidades um processo de iniciação na vida cristã que comece pelo querigma e que, guiado pela Palavra de Deus, conduza a um encontro pessoal, cada vez maior, com Jesus Cristo, perfeito Deus e perfeito homem, experimentado como plenitude da humanidade e que leve à conversão, ao seguimento em uma comunidade eclesial e a um amadurecimento de fé na prática dos sacramentos, do serviço e da missão (DAp 289, 2008, p. 135).
2.4 A URGÊNCIA DA INICIAÇÃO Mais do que em outros tempos, há uma urgente necessidade de que a Iniciação à Vida Cristã se torne programa da nossa ação evangelizadora. Urge responder de modo adequado a um novo tempo no mundo e na Igreja como tem afirmado o papa Francisco: “o primeiro anúncio ou querigma, que deve ocupar o centro da atividade evangelizadora e de toda a tentativa de renovação eclesial” (EVANGELII GAUDIUM, 2013, p. 135). São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 64-82, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS Quando partimos da realidade de que muitos são os batizados que, por vezes, foram pouco evangelizados, surge na Igreja a urgente necessidade de re-evangelizar e reiniciar com esses homens e mulheres um caminho de descoberta do Mistério por meio da Palavra, celebrado de modo que deixe marcas profundas na identidade de cada pessoa. Iniciação é um caminho que compreende muito mais do que o “saber” sobre uma determinada doutrina. É um lançar-se por inteiro que faz a pessoa passar a “ser” algo novo que, no nosso caso, é o processo de tornar-se cristão. É uma dimensão que invade todas as dimensões da vida. Se entendermos a profundidade dessa questão que envolve o próprio sentido da vida, compreenderemos que formar cristãos não é simplesmente alimentar hábitos de tradição cultural. Está em jogo uma opção total de vida, uma escolha do Caminho, Verdade e da Vida, revelado em Jesus (PAGNUSSAT, BORGES, 2013, p. 16).
O Documento de Aparecida diz-nos: “percebe-se certo enfraquecimento na vida cristã no conjunto da sociedade e da própria pertença à Igreja Católica” (DAp 100b, 2008, p. 55). Com isso quer-nos alertar e impulsionar nossas comunidades a se tornarem verdadeiros espaços de Iniciação à Vida Cristã dentro de um mundo fragmentado. A acolhida é a primeira postura de uma comunidade que faz a opção pela Iniciação à Vida Cristã. Não se pode mais programar uma ação evangelizadora que meramente se resuma a encontros ‘ainda de estilo cursinho e aulas’. Necessitamos de um processo que leve em consideração que “no caso do Caminho, que é Jesus, é preciso que o conhecimento se transforme em experiência de fé” (PAGNUSSAT, BORGES, 2013, p. 16). A maior riqueza e o diferencial do catecumenato estão marcados pela necessidade de alimentar a fé gradativamente com ritos e celebrações litúrgicas. O ato de celebrar reforça sentimentos e compromissos. Não se nasce cristão; isso é algo que vai sendo construído ao longo do caminho que cada um vai percorrendo na comunidade de fé. Esse processo é um caminho, como já afirmamos, de quatro tempos marcados pelos atos celebrativos das três etapas, como constam no RICA. O objeto principal de nosso estudo compreende o primeiro tempo denominado Querigma. Consideramos os demais tempos igualmente importantes para o processo de Iniciação à Vida Cristã, mas julgamos oportuno nos deter nesse aspecto do primeiro anúncio: o Querigma, que, por sua vez, será a base na qual vai alicerçar-se todo o processo posterior. Essa urgência pela Iniciação à Vida Cristã consequentemente leva a pessoa em questão para uma nova identidade.
2.5 INÍCIO DE UMA NOVA IDENTIDADE Com o desejo de despertar a fé e a conversão, o objetivo do primeiro anúncio é conduzir o candidato a pedir o batismo. Quando esse caminho é bem conduzido, leva gradativamente a uma mudança de atitude e a configurar sua vida na vida de Cristo, para se poder dizer, como São Paulo: “já não sou eu quem vive, é Cristo quem vive em mim” (Gal 2, 20). 78
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ARTIGOS ARTIGOS Quando se desperta para a fé e, por ela, se experimentam os primeiros sinais de uma conversão inicial, a pessoa é impulsionada a querer incorporar sua vida na Vida de Cristo e da Igreja. A resposta ao anúncio querigmático é existencial, pois envolve toda a pessoa. Trata-se de uma verdadeira conversão por meio da qual ocorre o arrependimento dos próprios pecados e a adesão a Jesus Cristo, como entrega da própria vida a Ele. Trata-se de um encontro pessoal (SUBSIDIOS DOUTRINAIS 4, 12, 2009, p. 12).
Com o eunuco aconteceu este processo: depois de ouvir falar de Jesus e sua Boa Nova, expressa o desejo de aderir a Ele por meio do batismo. “Prosseguindo pelo caminho, chegaram aonde havia água. Disse então o eunuco: “Eis aqui a água. Que impede que eu seja batizado?’ E mandou parar a carruagem. Desceram ambos à água, Felipe e o eunuco. E Felipe o batizou” (At 8, 36-38). Pedir o batismo é uma decisão radical sustentada pelo anúncio e pela acolhida da parte de Felipe. O batismo é consequência da fé. Jesus produz em nós o desejo de sermos discípulos e para isso somos batizados. Uma nova identidade tende a surgir como fruto desse anúncio e da decisão de seguir o Mestre a que a pessoa foi apresentada. “Quando subiram da água, o Espírito do Senhor arrebatou Felipe, e o eunuco não mais o viu. Mas prosseguiu sua jornada alegremente” (At 8, 39). Aquele que adere a Jesus, por meio de uma comunidade e por ela é sustentado, encontra a verdadeira alegria e a razão de fazer parte do discipulado do Mestre. Compreendemos, portanto, que “não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande ideia, mas por meio do encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva” (DAp 243, 2008, p. 114). Ser cristão orientado por um caminho iniciado por meio do Querigma é mergulhar num estilo de vida diferente daquele que a lógica do mundo neoliberal, capitalista e consumista oferece hoje à pessoa. Uma vez inserto na vida de sua comunidade, “o cristão vive o mesmo destino do Senhor, inclusive até a cruz: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, carregue a sua cruz e me siga” (Mc 8, 34) (DAp 140, 2008, p. 74). Hoje, como em outros tempos, e sobretudo no início da Igreja, ser cristão deve ser uma escolha, uma opção. Nesse sentido, a pessoa que realiza em sua vida essa experiência deverá imprimir em sua identidade uma nova profissão de fé: colocar Jesus como o que dá sentido à sua vida. É assim que se desenvolve na pessoa o espírito de pertença eclesial. Mas só haverá pertença quando crescer com firmeza na pessoa a sua identidade cristã. No seguimento de Jesus Cristo, aprendemos e praticamos as bem-aventuranças do Reino, o estilo de vida do próprio Jesus: seu amor e obediência filial ao Pai, sua compaixão entranhável frente à dor humana, sua proximidade aos pobres e aos pequenos, sua fidelidade à missão recebida, seu amor serviçal até a doação de sua vida (DAp 139, 2008, p. 74).
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ARTIGOS ARTIGOS 2.6 NOVOS DISCÍPULOS: IGREJA EM ESTADO DE MISSÃO Quando o Querigma é prioridade no início do processo de Iniciação à Vida Cristã, ele se torna um elemento sólido na vida do iniciado, que, por sua vez, começa a entrar em uma nova forma de vida. Depois de percorrer esse caminho, o discípulo deverá começar a dar sinais de mudança em sua vida. Como fruto do Querigma, Aparecida nos oferece a seguinte contribuição: Quando cresce no cristão a consciência de pertencer a Cristo, em razão da gratuidade e alegria que produz, cresce também o ímpeto de comunicar a todos o dom desse encontro. A missão não se limita a um programa ou projeto, mas é compartilhar a experiência do acontecimento do encontro com Cristo, testemunhá-Lo e anunciá-Lo de pessoa a pessoa, de comunidade a comunidade e da Igreja a todos os confins do mundo (DAp 145, 2008, p. 76).
É preciso que nossas comunidades apresentem métodos mais eficientes para o processo de educação da fé hoje. O cristão é chamado a ser sal da terra e luz do mundo (Mt 5,13). É chamado a ser, com base na experiência com Jesus Cristo, um sinal profético. Nossas comunidades devem oferecer, por meio da acolhida, de encontros, a oportunidade de descobrir que “a alegria do discípulo é antídoto frente a um mundo atemorizado pelo futuro e oprimido pela violência e pelo ódio. A alegria do discípulo não é um bem estar egoísta, mas uma certeza que brota da fé, que serena o coração e capacita para anunciar a boa nova do amor de Deus” (DAp 29, 2008, p 24). É urgente que a Iniciação à Vida Cristã seja o método para aproximar homens e mulheres de Jesus Cristo na comunidade cristã em nosso tempo. Para isso precisamos com muita clareza definir o método e caminho a serem seguidos na catequese, e assim formar novas comunidades. A catequese e toda a ação evangelizadora da Igreja precisam “passar, de uma catequese só orientada para os sacramentos, para uma catequese que introduza no mistério de Cristo e na vida eclesial” (DNC, 14g, 2007, p. 34). Aquele que realiza a experiência do encontro com Jesus e por Ele se deixa modelar (Jr 18, 1-6) deverá dar os primeiros sinais atuando conscientemente como discípulo e missionário, fortalecendo no seio de sua comunidade novos paradigmas para a Ação Evangelizadora da Igreja. O Querigma é um espaço que quer levar a pessoa a redescobrir seu lugar e sua vocação no seio da comunidade cristã com base na Palavra de Deus. Com a retomada da Iniciação à Vida Cristã, é urgente na Igreja não apenas renovar o material, seu conteúdo e suas metodologias. É preciso mudar de rota, repensar toda a estrutura da ação evangelizadora catequética. Quando mudam os tempos, é preciso repensar como chegar ao coração do homem e da mulher, na situação concreta em que cada um vive.
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ARTIGOS ARTIGOS Temos de passar de uma Igreja que ainda pensa sua vida a partir da cristandade para uma Igreja missionária. Precisamos recuperar a unidade dos três sacramentos e passar de uma pastoral de manutenção para uma pastoral da Iniciação e formação permanente, como afirmam as Diretrizes: “O estado permanente de missão só é possível com base em uma efetiva iniciação à vida cristã” (DGAE 39, 2011, p. 48). Há que se romper com uma ideologia antiga, preparar em profundidade para os sacramentos e passar para uma mentalidade de “tornar-se e ser cristão”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS “O ser humano é capaz de Deus” (CIC, 2000, p. 21). Por natureza buscamos caminhar nessa perspectiva. A história da ação evangelizadora e, por sua vez, a história da catequese não estão fora dessa verdade. Estamos mergulhados num processo histórico que herdamos com suas alegrias e tristezas, com avanços e retrocessos. Este é o tempo que o Senhor da Vida tem reservado a nós para continuarmos a escrever a história e apresentá-lO aos demais em Seu nome. Com este estudo quisemos aprofundar essa realidade histórica hoje, suas relações, os processos de mudança e as construções das mudanças para, então, localizar os interlocutores desse processo. Como em outros tempos, ser cristão já não se resume a uma simples escolha, mas à exigência de se tornar cristão. Requer-se da pessoa a inserção em uma vida comunitária e gradativamente aderindo a uma experiência pessoal de encontro com Jesus. A fé não se impõe. A adesão a Jesus Cristo não acontece em um único momento; ela é gradativa. Uma vez iniciada pelo anúncio querigmático, esta catequese quer fazer a pessoa passar de objeto para sujeito de sua própria formação com o auxílio da comunidade e do acompanhamento. A evangelização pensada assim valoriza a autonomia do sujeito, sua iniciativa e suas motivações. Levando em consideração esses elementos, podemos afirmar o Querigma como ponto de partida num processo catecumenal para iniciar a pessoa na vida de Esta, uma vez transformada, vem a contribuir com uma comunidade viva e eficaz no Testemunho e no Anúncio da Palavra de Deus. Cremos ser urgente que a Igreja insista com mais força em uma práxis querigmática, que leve nossas comunidades a se tornarem realmente lugares de acolhida e, assim, do verdadeiro encontro com Jesus Ressuscitado. O lugar concreto da evangelização é a comunidade dos discípulos missionários que vão acolhendo e gerando novos cristãos. Por fim, com alegria e entusiasmo podemos afirmar que uma catequese iniciada pelo anúncio querigmático quer levar os cristãos à unidade na fé e no conhecimento do Filho de Deus e a formar o homem perfeito, maduro, que realize a plenitude de Cristo (Ef 4, 13). São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 64-82, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBERICH, Emilio. Catequese evangelizadora: manual de catequética fundamental. São Paulo: Paulinas, 1998. ALMEIDA, Antônio José. ABC da Iniciação Cristã. São Paulo: Paulinas, 2010. BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus, 2000. Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Loyola, 2000. CNBB. 3.ª SEMANA BRASILEIRA DE CATEQUESE: Iniciação à Vida Cristã. Brasília: Edições CNBB, 2010. ______. CATEQUESE, CAMINHO PARA O DISCIPULADO - TEXTO-BASE DO ANO CATEQUÉTICO NACIONAL. Brasília, edições CNBB, 2008. ______. Anúncio querigmático e evangelização fundamental. Subsídios doutrinais 4. Brasília: Edições CNBB, 2009. ______. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2011-2015. Brasília: Edições CNBB, 2011. ______. Iniciação à Vida Cristã. Estudos da CNBB 97. Brasília: Edições CNBB, 2009. ______. Comunidade de comunidades: uma nova paróquia. Estudos da CNBB 104. Brasília: Edições CNBB, 2013. ______. Catequese Renovada: orientações e conteúdos. Estudos da CNBB n.º 26. 27. ed. São Paulo: Paulinas, 1999. ______. O Itinerário da fé na iniciação cristã de adultos. Estudos da CNBB 82. São Paulo: Paulus, 2001. ______. Diretório Nacional de Catequese. Documento da CNBB 84. Brasília: Edições CNBB, 2008. ______. Um Caminho para Formar Discípulos Missionários: coleção Catequese à luz do Diretório Nacional de Catequese. Brasília: Edições CNBB, 2010. ______. Discípulos e Servidores da Palavra de Deus na missão da Igreja. 50.ª Assembleia Geral, Aparecida-SP, 18 a 26 de abril de 2012, n.º 97. Brasília: Edições CNBB, 2012. DIOCIONÁRIO DE CATEQUÉTICA. São Paulo: Paulus, 2004. DOCUMENTO DE APARECIDA. Brasília: Edições CNBB, Paulus e Paulinas, 2008. FRANCISCO, papa. Evangelii Gaudium. São Paulo: Paulinas, 2013. JOÃO PAULO II, papa. Catechesi Tradendae. São Paulo: Paulinas, 2011. LELO, Antonio Francisco. Catequese com estilo catecumenal. São Paulo: Paulinas, 2008. NERY, Irmão. Catequese com adultos e catecumenato: história e proposta. São Paulo: Paulus, 2008. PABLO RICHARD. El Movimento de Jesús después de su ressurreicción y antes de la Iglesia. Celeccion Bíblica 71. Ecuador: Tierra Nueva; Edicay Verbo Divino, 1998. PAGNUSSAT, Leandro Francisco; BORGES Maria Augusta. Formando equipes de Iniciação à Vida Cristã. Coleção Iniciação a Vivência cristã. Vol. I. Petrópolis: Vozes, 2013. ______. Pré-catecumenato. Coleção Iniciação a Vivência cristã. Vol. II. Petrópolis: Vozes, 2013. Revista de Catequese n.º 126. Publicação do Centro Universitário Salesiano, Campus Pio XI. Ano 31, n.º 126. São Paulo: Unisal, 2009. RITUAL DE INICIAÇÃO CRISTÃ DE ADULTOS. São Paulo: Paulus, 2009.
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ARTIGOS ARTIGOS TRIBOS URBANAS: RETRATOS JUVENIS DA CULTURA ATUAL URBAN TRIBES: YOUTH PORTRAITS OF ACTUAL CULTURE William de Lima*
As pessoas tentam nos colocar pra baixo (falo da minha geração) Só porque estamos por todos os lados (falo da minha geração) As coisas que eles fazem parecem terrivelmente frias (falo da minha geração) Espero morrer antes de ficar velho (falo da minha geração).1 RESUMO: As “Tribos Urbanas” aproximam os jovens. Jovens fontes de vitalidade e mudanças. São sensíveis a realidade circundante e sinalizam, mesmo que inconscientemente, elementos da cultura vigente. Ao educador religioso faz-se necessário conhecê-los: sejampunk, rapper, clubber, geek, cosplay, emo... Através da compreensão e do diálogo, realizar-se-á uma educação/evangelização mais incisiva, desconstruindo preconceitos, contribuindo para um mundo mais digno, visando a inclusão social e a promoção da pessoa. Eles estão presentes em nossas pastorais. Busquemos [...] “mais do que saber olhar para o novo, é necessário que o enxerguemos; mais do que saber ouvir aquele que nos é diferente, é necessário que saibamos escutálo” (SILVA, 2009, p. 20). Educar é entrar no fantástico mundo do outro. Palavras-chave: Tribos Urbanas. Juventudes. Grupos. Educação. Sociedade. ABSTRACT: The “Urban Tribes” bring together young people. Young people are a source of vitality and change. They are sensitive to the surrounding reality and show, even unconsciously, parts of the existing culture. Getting to understand them is indeed necessary to the religious educator, no matter what tribe they are from: punk, rapper, clubber, geek, cosplay, emo. Through the comprehension and communication, it will be possible to educate for evangelization in a more incisively way, deconstructing prejudices, contributing to a worthier world, focused on the social inclusion and personal promotion. Young people are part of our pastoral work. Let´s search for […] “more than a looking at the new, but necessarily a vision of it; more than listening to the one that is different, but understanding him.” (Silva, 2009, p. 20). Education is getting into the other´s fantastic world.” Keywords: Urban Tribes. Youth. Groups. Education. Society.
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Bacharelando em Teologia, Centro Universitário Salesiano de São Paulo, UNISAL; licenciado em Filosofia, UNISAL; e especialista em Educação Social, Universidade Católica de Brasília, UCB. 1
The Who. My Generation. Reino Unido: Brunswick Records, 1965, disco sonoro. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 83-92, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS INTRODUÇÃO Entender os jovens urbanos e suas ‘tribos’, desmistificar o seu comportamento e participar do seu universo é fundamental para o educador que deseja fazer cumprir os direitos dos jovens e adolescentes, como constata o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): “a criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na constituição e nas leis”.2 É preciso conhecer para amar, pois não se pode amar e cuidar daquilo ou daqueles que não se conhecem. Utilizar-se-á a terminologia ‘Tribo Urbana’, com a consciência de que se trata de uma parcela dos diferentes grupos jovens. Compreende-se que alguns teóricos não utilizem essa terminologia, pois a expressão ‘tribo’ denota uma característica antropológica indígena. A antropologia também utiliza outras denominações para tratar da juventude, como ‘culturas urbanas’, ‘culturas jovens’, ‘gerações’, entre outros. O termo é usado neste trabalho simplesmente pelo fato de já ser consagrado, inclusive no meio acadêmico, como fica demonstrado na obra de Michel Maffesoli, utilizada neste artigo. Diante da crescente diversidade de tribos em nossas presenças educativas e pastorais, torna-se necessário conhecê-las e, por meio da compreensão e do diálogo, realizar uma educação mais incisiva, desconstruindo preconceitos, contribuindo para um mundo mais digno, visando à inclusão social e à promoção da pessoa.
1 TRIBOS URBANAS: LEITURA DE UMA SOCIEDADE O jovem sofre com o dilema de ‘morrer’ para a infância, ser aceito pelos colegas e pela sociedade em outro grupo etário ou prolongar a doce ‘irresponsabilidade’ infantil.3 “O jovem está mais sensível com as mudanças sociais e culturais do meio em que vive, porque é parte fundamental dessas mudanças, porque está preparando-se para escolher uma profissão e se tornar, mais tarde, um adulto responsável com suas obrigações sociais”.4 No contato com o outro, o jovem encontra-se, o grupo seduz e permite experimentar o que na família e na sociedade ainda não havia feito. Em casa, é filho dependente; no grupo, sujeito ativo; isso o leva a preferir passar mais tempo no grupo do que em sua casa. No grupo, cresce a identidade pessoal, a segurança e a preparação para estabelecer seu lugar na sociedade. Entre os diversos grupos, trataremos das ‘tribos juvenis’. A expressão 2
SECRETARIA ESPECIAL DOS DIREITOS HUMANOS. Estatuto da Criança e Adolescente. Brasília: MEC; ACS, 2005, art. 15.
3
Cf. LIBÂNIO, João Batista. Jovens em tempo de pós-modernidade: considerações socioculturais e pastorais. São Paulo: Loyola, 2004, p. 29. 4
SILVA, Wilma Regina Alves. Tribos urbanas, você e eu: conversas com a juventude. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 2009, p. 30.
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São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 83-92, jan./jun. 2014.
ARTIGOS ARTIGOS ‘tribos urbanas’ surgiu na década de1980, com o sociólogo Michel Maffesoli, e designa todos os grupos que se expressam e têm maior evidência nas grandes cidades, devido a sua heterogeneidade e liberdade de expressão. Para o ‘jovem tribal’, estar em grupo, participar de uma tribo, é uma maneira de confrontarse com a realidade hodierna. “Essas tribos ostentam um vitalismo rebelde, opõem-se ao individualismo moderno e almejam situar-se à margem das normas da sociedade”.5 Tratando desse vitalismo rebelde, tomemos o exemplo da música techno ou as raves: há nelas som alto, luzes, cores, muita gente em contato com o nativo, o bárbaro, o tribal. Diz e rediz a origem e, com isso, restitui vida ao que tinha tendência a se esclerosar, a se aburguesar, a se institucionalizar. O retorno ao arcaico expressa, na maior parte do tempo, forte carga de vitalidade e tudo o que lembra o animal no humano. A vida torna-se selvagem!6 Dentro do corpo social, movimentos tribais, como os hippies, punks, rappers, juventude de 1968 diante do regime militar, foram grandes exemplos de vitalismo natural e social, respondendo às necessidades de suas respectivas épocas, com protestos culturais, sociais e, até mesmo, luta armada. Passemos para a análise de algumas tribos urbanas, ressaltando alguns elementos que trazem características da própria sociedade em que se encontram.
2 PRINCIPAIS TRIBOS JUVENIS 2.1 ROQUEIROS O rock-and-roll foi o grande responsável por unir grupos de jovens em todo o mundo, iniciou na década de 1950, entre a junção do blues e o country norte-americano, com um rapaz gordinho e simpático, chamado Bill Haley, mas foi com outro jovem que o rock ganhou popularidade em todo o mundo, Elvis Presley. Ele escandalizou sua época ao aparecer na TV rebolando e cantando com roupas justas, topete e grandes costeletas. Os grupos de jovens já estavam unidos por esse movimento musical e, em vez de cantores em carreira solo, surgiam os grupos, como os Beatles, The Who e os Rolling Stones. No rock nascente, com os difíceis acontecimentos sociais e culturais, sobretudo a Guerra do Vietnã, os grupos transformaram-se em porta-vozes da juventude. Criaram uma cultura não conformista, que exaltava valores de expressão, descontração, androginia, humor e espontaneidade, traduzidos na exaltação de ídolos e estrelas jovens, diferentes dos modelos anteriores. Os corpos masculinos adquirem atributos até então vistos como exclusivos do sexo feminino: cabelos longos, soltos ou presos em rabo-de-cavalo, lábios grossos e sensuais. Foi uma forma de ruptura com os paradigmas sociais vigentes. 5
COSTA, Márcia Regina. Tribos urbanas e identidades nas metrópoles. Eccos 3 (2001) 41-55, p. 46.
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Cf. MANFFESOLI, Michel. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. Trad. Maria de Loudes Menezes. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p. 08. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 83-92, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS 2.2 HIPPIES Ainda na década de 1960, surgem os hippies,7 jovens adeptos de uma moral e costumes não conformistas, baseados na não violência, na oposição à sociedade industrial e aos valores tradicionais, preconizando a liberdade em todos os sentidos, valorizando a vida em comunidade, sua oposição radical à militarização e à Guerra do Vietnã. O uso de drogas como a maconha e alucinógenos estava presente. Roupas velhas e rasgadas em oposição ao consumismo, roupas com cores berrantes e psicodélicas, calças boca-de-sino, camisas tingidas e roupas de inspiração indiana fazem parte de seu visual.8 Ao se falar dos hippies, um fato marcante vem à tona: o festival de Woodstock,9 um dos principais acontecimentos da contracultura na década de 1960, que reuniu em torno de quinhentos mil jovens para prestigiarem o festival. Cultura pacifista, sexo livre, três dias de liberdade e consumo de drogas, lançam o lema ‘Sexo, drogas e rock’n roll’, que faz até hoje muitos pais ficarem desesperados, quando o filho diz gostar de rock. O movimento hippie existe até hoje, composto não somente por jovens, mas também por adultos adeptos desde o início do movimento.
2.3 PUNKS Enquanto o mundo volta sua atenção às consequências horripilantes da Segunda Guerra Mundial e às mortes na Guerra do Vietnã, um grupo de jovens começou a perceber quais eram as influências do neoliberalismo na vida particular das pessoas. O punk nasceu na Europa, mesclando características das classes dos trabalhadores e universitários: cabelos moicanos e coloridos, piercing e grande quantidade de brincos, gargantilhas de espinhos, pulseiras, roupas rasgadas, coturnos, mochilas com dizeres revolucionários e o símbolo da anarquia. Lutavam contra tudo aquilo que julgavam conservador, como a família, a Igreja e a escola tradicional. Na América Latina, mais uma questão se agravava, além das guerras e o neoliberalismo: as ditaduras militares.10 Ainda hoje, grande parte dos punks participa de movimentos políticos, juvenis e estudantis. Estão sempre preparados para se manifestarem contra as políticas que prejudicam o povo. Podemos perceber sua luta no trecho do chamado Manifesto do livro de Essinger que, além da política, dos maus costumes, e da desonestidade, combate a hipocrisia: Todo repúdio ao sistema injusto, à fome, à miséria, à falsidade, à mediocridade, à falta de humor, à exploração do homem [...] à hipocrisia, aos burocratas, à dança da bundinha, aos que exploram as desgraças do povo na TV, à lei de Gerson, [...] aos que furam fila, à ganância, ao Star System, aos que vivem reclamando da vida e não fazem nada para mudá-la.11 7
Derivado do termo hipster, designativo das pessoas que se envolviam com a cultura negra nos EUA. Cf. FABI. Hippies e a contracultura. Spiner - Portal para Jovens. Disponível em: http://www.tribosjovens.com.br/hippies-ea-contracultura/. Acesso em: 05 nov. 2010. 9 Festival de rock realizado de 15 a 17 de agosto de 1969, na Woodstock Music and Art Fair, perto de Bethel, em Nova York (EUA). 10 Cf. SILVA, op. cit., p. 44.
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São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 83-92, jan./jun. 2014.
ARTIGOS ARTIGOS 2.4 GÓTICOS Uma rápida passagem por esta tribo em que, em seus contrastes, muito próprios de nossa sociedade hodierna, encontram-se “o bom e o mau, o certo e o errado, o claro e o escuro são lados de uma mesma moeda. [...] A dualidade, dessa forma, transformou-se na bandeira central desses jovens que começaram a se denominar darks e góticos”.12 O gótico é, acima de tudo, uma manifestação artística e cultural. Sua primeira forma de expressão deu-se pela arquitetura, cujo destaque são as grandes catedrais europeias, suas torres apontando para o céu, conduzindo nosso olhar para o criador, “o interior, muito escuro, ganhava luminosidade através dos vitrais coloridos. Era como se a luz que adentrava as catedrais fosse a manifestação do divino, de Deus, iluminando aqueles que se encontravam perdidos na escuridão”.13 Essa é a filosofia gótica, o reflexo do belo naquilo que aparentemente é feio e escuro, mostrando que, por trás das aparências sombrias, sempre se encontram luz, a beleza, por isso os membros dessa tribo estão sempre de preto, dando alguns destaques na maquiagem ou em alguma peça do seu vestuário. As cores escuras também se justificam como luto pela sociedade que sucumbe diante da ignorância. Os góticos foram uma dissidência dos punks.
2.5 Manos/Rappers Os rappers, originários das periferias e subúrbios metropolitanos, lutam contra a violência, que pode vir da polícia, do tráfico de drogas ou da criminalidade. Os ‘manos’ como são conhecidos, ou rappers, são representantes do rap, uma forma poética e urbana de música mais falada, com letras que retratam o cotidiano, muitas vezes violento e esquecido pelas autoridades, no qual faltam condições justas de moradia, educação, saúde e trabalho. Dentro da cultura rapper, outro movimento importantíssimo é o hip hop. O hip hop tem sido um dos grandes responsáveis pela redução do índice de violência e do uso de drogas pela juventude nas periferias e favelas de São Paulo, unindo jovens pela dança, arte do grafite e técnica da música, em busca da construção da paz. O hip-hop “vem oxigenar a participação política, porém, por intermédio de um movimento da arte e de uma cultura elaborada pelas pessoas da periferia. Ele preenche uma lacuna deixada pela sociedade”.14 Além de cultural, é um movimento político e social, ainda vítima de muitos preconceitos, por parte daqueles que não o conhecem.
2.6 NERDS Os jovens da tribo dos nerds são identificados pela dedicação aos estudos. Comumente caricaturas dos nerds costumam ser feitas nas escolas: óculos de ‘fundo de garrafa’, pessoas 11
Ibid., p. 50.
12
Ibid, p. 50.
13
Ibid., p. 51.
14
PORTAL SESC SÃO PAULO. São Paulo de todas as Tribos. Disponível em: <http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas/ revistas_link.cfm? Edicao_Id=368&Artigo_ID=5628&IDCategoria=6481&reftype=2>. Acesso em: 05 nov. 2010. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 83-92, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS fechadas e antipáticas que só tiram a nota máxima e são extremamente certinhas.15 Muitos de seus hobbies quase sempre não são compreendidos pelos outros jovens da mesma idade: jogo de xadrez, leituras de clássicos e romances, visita a galerias de artes e exposições. O esporte e o convívio com outros jovens não fazem parte de seus hábitos. A cultura nerds evolui, as bibliotecas não são mais suas únicas diversões. Conheceremos à frente os geeks, jovens obcecados por tecnologia e jogos eletrônicos.
2.7 CLUBBERS O movimento dos clubbers, nascido na Inglaterra, reúne pessoas que gostam de música eletrônica e têm um visual irreverente, cabelos coloridos e arrepiados, óculos de plástico colorido, roupas que vão do couro ao acrílico, sempre muito excêntricas. Uma das tribos urbanas mais complexas, os clubbers mostram como é possível idealizar uma vida naturalista e serem, ao mesmo tempo, como eles se autodenominam, filhos da tecnologia.16 Brincos e piercing, coturnos, correntes, a mistura de elementos de vários outros movimentos, os malabares, com arte circense e muito bom humor fazem parte do universo dessa tribo. A drogadição está presente no movimento. O ecstasy, uma droga muito comum nas raves, é uma substância que melhora a disposição e faz com que os jovens passem as madrugadas dançando sem sentir cansaço. A estética dos jovens dessa tribo lembra os ‘modelitos’ da boneca Barbie: celulares, acessórios de plástico e visual psicodélico são complementos básicos.17
2.8 EMOCORE, UMA EXPRESSÃO DA SOCIEDADE ATUAL A franja caída na testa, o tênis de cano longo e colorido, a calça e a camiseta apertadas, unhas pintadas de preto, emotividade à flor da pele, estar em grupo, ou mesmo isolado, cortar os pulsos e se aproximar do sofrimento, com um ‘que’ de sombrio dos góticos, cores dos clubbers, acessórios dos rockers e punks: estes são os emos,18 a tribo de maior destaque no cenário juvenil atual. Os jovens que vivem no contexto atual encontram na mídia e na indústria cultural, parceiros que a cada momento criam novos ídolos e lançam novas modas. Em meio a esse caldo cultural, encontra-se o jovem, que encara o mundo e sofre com suas angústias, ilusões e desilusões, um mundo dual e contraditório. Diz Manffesoli: 15
Cf. PORTAL SESC SÃO PAULO, op. cit.
16
Cf. SILVA, op. cit., p. 93.
17
Cf. PORTAL SESC SÃO PAULO, op. cit.
18
O vocábulo emo é a redução da expressão em inglês emotional hardcore (hardcore emocional). Foi atribuído ao estilo musical proveniente do punk rock, surgido nos anos 1980, em Washington.
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ARTIGOS ARTIGOS Em face de anemia existencial suscitada por um social racionalizado demais, as tribos urbanas salientam a urgência de uma socialidade empática: partilha das emoções, partilha dos afetos. Lembro que o “comércio”, fundamento de todo estar junto, não é simplesmente a troca de bens; ele é também “comércio das ideias”, “comércio amoroso”.19
A música emo, ou emocore, mescla o som pesado, característico do punk, com letras introspectivas e românticas. Seus adeptos geralmente não se assumem como tais; creio que seja uma forma de fugir do rótulo. Aceitam a opção sexual dos outros sem preconceitos, por isso são muitas vezes tachados de homossexuais. Repugnam-lhes pessoas violentas e lutam por um mundo sem violência. Tanto meninas quanto meninos escrevem diários, expressando seus sentimentos, angústias e dores. O emo é sensível e compreensivo, capaz de chorar por uma decepção amorosa, sem vergonha de mostrar seus sentimentos. Falam sempre no diminutivo, trocam letras de música em conversas na internet, palavras terminadas em “inho” como amorzinho, lindinho, fofinho são constantes em suas conversas, dando demonstrações explícitas de carinho, nas quais meninos e meninas se beijam, abraçamse em público, com pessoas do sexo oposto ou do mesmo sexo. A literatura sobre essa tribo é bem escassa. Começam, hoje, a aparecer os primeiros trabalhos sobre eles. Ressalto algumas influências que possam ter contribuído para o movimento emocore na literatura romântica do século XVIII, por exemplo o resgate do sentimentalismo, individualismo, egocentrismo, pessimismo, a idealização e até a morte como solução. Numa visão de mundo contrária ao racionalismo, o byronismo20 é caracterizado pelo narcisismo, egocentrismo, pessimismo e angústia no final do mesmo século.21 Os jovens emos têm feito um caminho contrário ao da grande massa social que vem buscando cada vez mais seus interesses; vive-se hoje um grande individualismo. O jovem tribal prefere estar em grupo, opondo-se ao individualismo; “a desumanização real da vida urbana produz agrupamentos específicos com a finalidade de compartilhar a paixão e os sentimentos”.22 Os emos já não estão na vanguarda das novas tribos; a mudança e a necessidade juvenil são muito rápidas e outras tribos e movimentos já invadem as ruas e ambientes frequentados pelas juventudes. Um grupo emo que vem ganhando espaço atualmente é chamado de ‘Coloridos’. Emos coloridos, que diferem da cultura sombria emo, são muito mais alegres e extrovertidos, continuando com a atitude de oposição, a bipolaridade. 19
MANFFESOLI, op. cit., p. 11.
20
Literatura romântica que segue o pensamento do poeta inglês Lord Byron (1788-1824). A literatura byroniana possui as seguintes características: o egocentrismo, o pessimismo e a angústia existencial. Cf. DICIONÁRIO INFORMAL. Byronismo. Disponível em: http://www.dicionarioinformal.com.br/byronismo/. Acesso em 29 nov. 2013. 21
Cf. CULTURAEMO. Referências teóricas sobre Cultura Emo: substrato cultural basilar da cultura EMO. Disponível em: <http://culturaemo.pbworks.com/Refer%C3%AAncias-te%C3%B3ricas-sobre-Cultura-EMO>. Acesso em 05 nov. 2010. 22
MANFFESOLI. Op. cit., p. 85. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 83-92, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS 2.9 OUTRAS TRIBOS - GEEKS, COSPLAYS, VEGANS E J-ROCK Há ainda outras tribos que surgiram mais recentemente como os geeks, cosplay, vegans e J-rock. Comentando a versão mais descolada dos nerds, os geeks, gíria em inglês sem significado definido, são obcecados por alta tecnologia, como computadores, iPhone, iPod, notebook, câmeras digitais e jogos eletrônicos. Seu modo de vestir é chamativo, com cores fortes e estampas animadas, compondo um visual divertido. Reúnem-se para compartilhar seus conhecimentos, descobrir e trocarem novas tecnologias; a internet e o mundo virtual dos jogos eletrônicos são seus lugares preferidos. São considerados sujeitos introspectivos e antissociais, incapazes de se relacionarem com as garotas e sem jeito para o esporte. O trunfo desses garotos ‘pouco populares’ são as boas notas na escola, como os nerds. Uma tribo interessante, que a partir da imaginação e fantasia dão vida a ídolos, heróis e vilões das séries de TV, cinema, games e desenhos animados japoneses, são os Cosplay.23 Para eles, quaisquer personagens podem ganhar vida, forma e características fiéis. “Cosplayer é a mistura de um artesão com um ator”.24 O cosplayer torna-se seu personagem favorito por um dia. Para isso, confecciona roupas para imitá-los; seus praticantes são pessoas comuns no dia a dia, transvestidos para eventos e competições que acontecem no mundo inteiro, principalmente no Japão e EUA. O que os diferencia é a capacidade de trazer para a realidade momentos e figuras do mundo da fantasia e ficção. Os vegans são vegetarianos, baseados na convicção de não consumir nenhum produto de origem animal. Com os cabelos em forma de rolos, conhecidos como dreadlocks, eles não diferem visualmente dos outros grupos que circulam nas cidades, a não ser por suas motivações ideológicas. Em seu vestuário não há nada que seja de couro, seda ou lã; usam geralmente produtos sintéticos. Muitas outras tribos e formas de manifestações juvenis poderiam ser apresentadas aqui. Algumas novas como os ‘Plocs’, que pregam um retorno à infância, o J-rock (Japanese rock), com seu ‘visual Kei’, ou outras dissidentes de tribos já presentes na cena urbana, como o Cyberpunk, do punk; Ska, dissidentes dos carecas, entre tantas outras. O programa ‘A Liga’, apresentado pela TV Bandeirantes,25 constatou que, só na cidade de São Paulo, contam-se 35 tribos. Interessante é notar que cada tribo, além de contrastar com a sociedade e os valores vigentes, contrasta com as demais tribos. A diversidade é, portanto, uma grande característica das juventudes. Com as tribos não seria diferente; muito importante é perceber dentro desse universo as individualidades presentes. Como educadores, precisamos compreender seu modo de ser, pois percebemos 23
Contração das palavras em inglês costume (traje/fantasia) e ‘play’/roleplay (brincadeira, interpretação). Cf. FRANÇA, Weligton. O que é cosplay? Cosplay Brasil. Disponível em: <http://www.cosplaybr. com.br/site/index.php/O-Que-eCosplay.html>. Acesso em 25 out. 2010. 24
PORTAL SESC SÃO PAULO. Op. cit.
25
Programa ‘A Liga’: tribos de São Paulo. Foi ao ar na TV Bandeirantes em 06.07.2010.
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ARTIGOS ARTIGOS mais de perto como devemos interagir com cada pessoa ou grupo. Finalizo com as palavras da professora Wilma, em suas conversas com a juventude: “Mais do que saber olhar para o novo, é necessário que o enxerguemos; mais do que saber ouvir aquele que nos é diferente, é necessário que saibamos escutá-lo”.26
CONSIDERAÇÕES FINAIS A ação educativa pode ser muito mais incisiva se o educador buscar conhecer, participar e valorizar o universo de seu educando. O jovem tribal traça um caminho na contramão da sociedade que preza pelo individualismo. Estar em grupo é uma forma de acolhida pessoal e social, é fonte de amadurecimento de suas convicções. Esses jovens são sensíveis à realidade circundante e ora sinalizam, mesmo que inconscientemente, elementos da cultura, em protestos sociais, como os Hippies, Góticos, Punks e Rappers, ressaltam elementos da vanguarda tecnológica, ou necessidades pessoais de afeto, como os Clubbers, Nerds, Cosplays e Emos. Percebe-se um paralelo entre os jovens tribais e a sociedade hodierna, sociedade múltipla, como as cores dos clubbers, o desejo da eterna juventude, ou mesmo um retorno à infância, como os Plocs, o desejo de ser o outro, como fantasiam os Cosplayers, travestindo-se de heróis. Emoção à flor da pele, visual marcante e diversificado, a imagem, o consumo, a pluralidade de ideologias comerciais, culturais e pessoais estão presentes em toda a sociedade. Em meio a esse caldo cultural, encontra-se o jovem emo que vive submerso na dor, no pessimismo e na dualidade de convicções. Ele é capaz de expor suas emoções, como chorar, estar isolado ou em grupo, sendo compreensivo com as meninas. O emo não tem vergonha de mostrar seus sentimentos: meninos e meninas beijam-se, abraçam-se em público, seja com pessoas do sexo oposto, seja com as do mesmo sexo. Como constata Manffesoli, as tribos urbanas salientam a urgência de uma sociedade empática: partilha das emoções, dos afetos; o ‘comércio’, fundamento de todo estar junto, não é simplesmente a troca de bens; ele é também comércio de ideias e amor. Dentro desse universo, a individualidade, o direito de ser pessoa, cada pessoa, dentro de sua particularidade, merece ser sempre respeitada pelo que ela é, e não pelo que gostaríamos que ela fosse. Educar é entrar no mundo do outro. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COSTA, Márcia Regina. Tribos urbanas e identidades nas metrópoles. Eccos 3 (2001). CULTURAEMO. Referências teóricas sobre Cultura Emo: substrato cultural basilar da cultura EMO. Disponível em: <http:// culturaemo.pbworks.com/Refer%C3%AAncias-te%C3%B3ricas-sobre-Cultura-EMO>. Acesso em: 05 nov. 2010. 26
SILVA. Op. cit., p. 20. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 83-92, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS DICIONÁRIO INFORMAL. Byronismo. Disponível em: http://www.dicionarioinformal. com.br/ byronismo/. Acesso em: 29 nov. 2013. FABI. Hippies e a contracultura. Spiner - Portal para Jovens. Disponível em: http://www.tribosjovens.com.br/hippies-e-acontracultura/. Acesso em: 05 nov. 2010. FRANÇA, Wellington. O que é cosplay? Cosplay Brasil. Disponível em: <http://www.cosplaybr.com.br/site/index.php/O-Quee-Cosplay.html>. Acesso em: 25 out. 2010. LIBÂNIO, João Batista. Jovens em tempo de pós-modernidade: considerações socioculturais e pastorais. São Paulo: Loyola, 2004. MANFFESOLI, Michel. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. Trad. Maria de Loudes Menezes. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. PORTAL SESC SÃO P AULO. São Paulo de todas as Tribos. Disponível em: <http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas/ revistas_link.cfm?Edicao_Id=368&Artigo_ID=5628&IDCategoria=6481&reftype=2>. Acesso em 05 nov. 2010. SECRETARIA ESPECIAL DOS DIREITOS HUMANOS. Estatuto da Criança e Adolescente. Brasília: MEC; ACS, 2005. SILVA, Wilma Regina Alves. Tribos urbanas, você e eu: conversas com a juventude. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 2009.
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ARTIGOS ARTIGOS O LUGAR DA JUVENTUDE NA IGREJA: ESTUDO SOBRE A JUVENTUDE NAS DIRETRIZES DA AÇÃO EVANGELIZADORA DA IGREJA NO BRASIL 2011-2015 THE PLACE OF YOUTH IN THE CHURCH: STUDY OF YOUTH ACCORDING THE GENERAL DIRECTIVES FOR BRAZILIAN CHURCH EVANGELIZATION FROM 2011 TO 2015 Joaquim Alberto Andrade Silva e Luis Duarte Vieira* RESUMO: Qual o lugar da juventude nas Diretrizes da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil? A história mostra-nos que, embora a juventude tenha sido silenciada através dos tempos, ela aparece, mesmo que de forma sorrateira. Isso acontece na Sagrada Escritura, nas tragédias gregas, nas obras literárias como as de Cervantes em Dom Quixote, entre outras. Não sendo a juventude tema específico das Diretrizes, como ela aparece nesse Documento da Igreja do Brasil? Será que o episcopado tinha presente, também, a juventude? Será que ele (o episcopado) trai aí seu amor à juventude? É o que desejamos estudar. A Igreja no Brasil, nos últimos anos, tem reafirmado por meio de inúmeras atitudes e ações a opção preferencial pela juventude e, como tal, a juventude estaria presente nas novas Diretrizes? Nesta reflexão propomos estabelecer um olhar rápido e sintético sobre o conjunto das Diretrizes, trazendo uma síntese simples de seu todo e, depois, lançar um olhar mais direto sobre os parágrafos que abordam a juventude e a ação evangelizadora com os/as jovens, tentando observar o que é, para o episcopado, a juventude dentro da preocupação de toda a Igreja. Palavras-chave: Juventude. Igreja. Missão. Fé. ABSTRACT: What is the real place of the youth in the General Directives for Evangelization in Brazilian Church? History shows us that the youth is active, even in a sneaky way, in spite of being muzzled over the years. This happens in the Sacred Scripture, in the Ancient Greek tragedies, in the literary works such Dom Quixote by Cervantes, among others. Even not receiving specific attention in the Directives, how come youth is cited in this important document of Brazilian Church? Has the episcopate also stood up for youth? Has the episcopate betrayed its love for youth? That is what we seek to understand. The Church in Brazil, in the last years, has reinforced the option for youth through several attitudes and actions. In accordance with this point of view, would the youth be present in the new Directives? In this reflection, we intend to propose a fast and synthetic look over the Directives, bringing a simple synthesis of its entire text, for then taking a look at the paragraphs that talk about the youth and the evangelization programs with the young man and women, trying to observe the meaning of the youth for the episcopate in the whole church concern. keywords: Youth. Church. Mission. Faith
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Luis Duarte, integrante da Coordenação Nacional da PJ entre 2009 e 2011. E-mail: duarteluis05@gmail.com. Joaquim Alberto possui graduação em Comunicação Social, bacharelado em Publicidade e Propaganda. Pós-graduando em Adolescência e Juventude. É membro da Comissão Nacional de Assessores/as da Pastoral da Juventude e compõe a assessoria da Área de Vida Consagrada e Laicato da União Marista do Brasil (UMBRASIL). E-mail: joaquimaasilva@gmail.com. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 93-108, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS INTRODUÇÃO Na Assembleia Geral dos Bispos do Brasil, realizada em Aparecida/SP, em maio de 2011, foram aprovadas as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (DGAE) para o quadriênio de 2011 a 2015. Essas Diretrizes desejam ser como grandes guias da ação evangelizadora e foram escritas para serem assumidas por todas as dioceses, regionais, pastorais, congregações, associações, movimentos, novas comunidades e demais organizações eclesiais que, a partir de seus planos pastorais, irão dinamizá-las.
1 UM OLHAR GERAL As Diretrizes da Ação Evangelizadora sempre partem de um objetivo geral que dá o direcionamento para a ação evangelizadora nos anos que seguem. A Igreja no Brasil assumiu, para esse quadriênio, como objetivo geral: “Evangelizar, a partir de Jesus Cristo e na força do Espírito Santo, como Igreja discípula, missionária e profética, alimentada pela Palavra de Deus e pela Eucaristia, à luz da evangélica opção preferencial pelos pobres, para que todos tenham vida, rumo ao Reino definitivo”. A partir desse objetivo, as Diretrizes estão organizadas em cinco capítulos: Partir de Jesus Cristo (cap. 1); Marcas de nosso tempo (cap. 2); Urgências na ação evangelizadora (cap. 3); Perspectivas de ação (cap. 4) e Indicações de operacionalização (cap. 5). O primeiro capítulo retoma a primazia da ação evangelizadora que deve partir de Jesus Cristo, de sua pedagogia, no seu seguimento e em seu anúncio, e voltar a Ele e ao seu Reino. Nesse capítulo destacam-se duas atitudes de Jesus que marcam profundamente a vida dos/as discípulos/as missionários/as e deve marcar a ação evangelizadora: a alteridade e a gratuidade. O segundo capítulo retoma a necessidade de se conhecer a realidade à sua volta para realizar a ação evangelizadora e, por isso, enumera algumas das grandes marcas de nosso tempo que afetam diretamente a vida do povo e a ação evangelizadora. Entre elas: 1. não estamos em época de mudanças, mas em mudança de época1; 2. agudo relativismo; 3. fundamentalismos; 4. irracionalidade da cultura midiática; 5. amoralismo generalizado; 6. desrespeito diante do povo; 7. desequilíbrio na natureza; 8. corrupção; 9. violência; 10. tráfico de pessoas e armamentos; 11. consciência de cidadania comprometida; 12. crescimento de uma proposta de felicidade como realização e sucesso pessoal, em detrimento do bem comum e da solidariedade; 13. direitos fundamentais não garantidos e respeitados; 14. vida ameaçada e 15. surgimento de práticas e vivências religiosas, predominantemente ligadas ao emocionalismo e ao sentimentalismo. O capítulo encerra-se com a afirmação de que essas 1
DGAE 2008-2010, n.º 13.
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ARTIGOS ARTIGOS grandes marcas de nosso tempo nos impelem a recomeçar a partir de Jesus Cristo, com efetivo compromisso missionário. Impulsionada por Aparecida, iluminada pela Verbum Domini e alimentada pela Palavra de Deus, no seguimento a Jesus para a realização de uma pastoral decididamente missionária e profética, a Igreja no Brasil vive hoje cinco urgências pastorais na ação evangelizadora. São elas: - uma igreja em permanente estado de missão; - uma igreja: casa de iniciação à vida cristã; - uma igreja: lugar de animação bíblica da vida e da pastoral; - uma igreja: Comunidade de Comunidades e - uma Igreja a serviço da vida plena para todos. O terceiro capítulo das Diretrizes debruça-se, sobre essas cinco urgências aprofundando os principais aspectos de cada uma. No quarto capítulo o episcopado brasileiro aponta linhas gerais e perspectivas de ação a partir de cada uma das cinco urgências da ação evangelizadora. Essas linhas/perspectivas de ação desejam contribuir com uma Igreja de Comunhão e Participação e com uma Pastoral orgânica e de conjunto mais eficaz na perspectiva do Vaticano II. Na introdução das linhas/ perspectivas de ação, os Bispos do Brasil lembram a celebração dos 50 anos do Vaticano II que acontecerá de 2012 a 2015, com inúmeras atividades. Apresentamos, por isso, uma síntese das principais propostas de ação, para as Igrejas particulares e paróquias, dentro de cada uma das urgências da ação evangelizadora. Igreja em permanente estado de missão - significa: comunidade que anuncie e testemunhe a Cristo; prioridade no trabalho evangelizador aos grupos humanos sociais que merecem mais atenção; missões populares; pastoral da visitação; evangelização inculturada; atenção especial aos/às jovens; ecumenismo; diálogo interreligioso e missão ad gentes. Igreja: casa de iniciação à vida cristã - significa: catequese catecumenal; processo permanente de iniciação à vida cristã; valorização e purificação, se preciso, das manifestações de piedade popular; atenção especial às pessoas; pedagogia evangélica; formação dos discípulos/as que articule fé e vida e integre os cinco aspectos fundamentais desse processo: encontro com Jesus, conversão, discipulado, comunhão e missão; formação dos/as leigos/ as como prioridade. Igreja: lugar de animação bíblica da vida e da pastoral - significa: toda a ação evangelizadora iluminada e guiada pela Palavra de Deus; formação dos/a católicos/as; todos/as devem possuir a Bíblia; formação para a leitura e interpretação da Bíblia; animação bíblica de toda pastoral; retiros, cursos e formações para leitura individual, familiar e em pequenos grupos da Palavra de Deus; círculos bíblicos e pequenas comunidades; escolas bíblicas; Leitura Orante da Bíblia; formação continuada dos ministros/as da Palavra; atenção especial à homilia. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 93-108, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS Igreja: Comunidade de Comunidades - significa: diálogo na vida da comunidade; variedade de vocações e serviços na comunidade; vivência da unidade na diversidade; paróquia como Comunidade de comunidades vivas e dinâmicas de discípulos missionários de Jesus; setorização das paróquias em unidades territoriais menores; investimento na descentralização; fomento e articulação das Comunidades Eclesiais de Base; garantia da efetiva participação de todos/as nos destinos da comunidade; empenho no trabalho à diversidade ministerial, ao carisma da vida consagrada em sua dimensão apostólica e contemplativa, e formação e funcionamento pleno das comissões, assembleias pastorais e conselhos; pastoral orgânica e projeto Paróquias-Irmãs. Igreja a serviço da vida plena para todos - significa: Pastoral Social orgânica e integral; defesa e promoção da vida; respeito à dignidade humana; atenção especial à família, crianças, adolescentes e jovens; pastoral da juventude e pastoral infanto-juvenil; acompanhamento dos/das trabalhadores/as; pastoral familiar; atenção especial aos migrantes, indígenas e afrodescendentes; combate a todo tipo de preconceito e discriminação; defesa dos direitos humanos; preservação da natureza e cuidado com a ecologia humana; participação social e política dos/as cristãos/ãs; políticas públicas que efetivem os direitos fundamentais das pessoas e do povo; formação de pensadores e pessoas que estejam nos níveis de decisão; pastoral universitária; pastoral da comunicação; pastoral junto aos empresários; pastoral da cultura; aproximação entre fé e razão; conhecimento e aplicação da Doutrina Social da Igreja. Já o quinto e último capítulo das DGAEs retoma o primado do planejamento para uma efetiva ação evangelizadora e, por isso, traz indicações de operacionalização. Nesse sentido afirma-se que o planejamento deve ser um processo e traz sete passos metodológicos, a saber: onde estamos; onde precisamos estar; nossas urgências pastorais; o que queremos alcançar; como vamos agir; o que vamos fazer e a renovação de estruturas. Encerrando, os Bispos retomam a postura de que as DGAEs apontam o compromisso evangelizador da Igreja no Brasil, à luz da vivência radical das orientações do Concílio Vaticano II e da Conferência Episcopal de Aparecida. Esperam, ainda, que as DGAEs suscitem o fascínio por Jesus e o compromisso com seu Reino. Reafirmam igualmente que as DGAEs representam forte apelo à unidade e confirmam o desejo de que a Igreja, no Brasil, seja a expressão da encarnação do Reino “no hoje” da nossa história. Enfim, suplicam que a Mãe nossa e de Deus, Nossa Senhora Aparecida, acompanhe a Igreja Povo de Deus para que pratiquemos tudo o que seu Filho nos disser.
2 A JUVENTUDE NAS DIRETRIZES Partindo da convicção de que todo o conjunto das Diretrizes afirma e deve falar à Igreja do Brasil e seus membros, assim como aos/às jovens e para a ação evangelizadora com eles/as, queremos debruçar-nos sobre cada parágrafo que trata especificamente da/com a/ 96
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ARTIGOS ARTIGOS para a juventude e da/com a/para a ação evangelizadora com a juventude. Entram em questão, de modo direto, onze parágrafos do documento que desejamos analisar, mas são cinco as preocupações que aparecem, de modo especial: a realidade da juventude, a importância do “tema” juventude, a perspectiva da missionaridade, a valorização da Palavra de Deus e a preocupação com a iniciação cristã e a educação na fé dos jovens.
2.1 A REALIDADE JUVENIL NAS MARCAS DE NOSSO TEMPO Dentro do conjunto dessas “Marcas”, o episcopado brasileiro também trata da juventude. Os bispos afirmam: Nº 21. Os critérios que regem as leis do mercado, do lucro e dos bens materiais regulam também as relações humanas, familiares e sociais, incluindo certas atitudes religiosas. Crescem as propostas de felicidade, realização e sucesso pessoal, em detrimento do bem comum e da solidariedade. Não raras vezes o individualismo desconsidera as atitudes altruístas, solidárias e fraternas. Por vezes, os pobres são considerados supérfluos e descartáveis. 2 Desta forma, se compromete o equilíbrio entre os povos e nações, a preservação da natureza, o acesso à terra para trabalho e renda, entre outros fatores. É preciso pensar na função do Estado, na redescoberta de valores éticos, para a superação da corrupção, da violência, do narcotráfico, que envolve pessoas e armamentos. A consciência de concidadania está comprometida. Em situação de contradições e perplexidades, o discípulo missionário reage, segundo o espírito das bem-aventuranças (Mt 5, 1ss), em defesa e promoção da vida, negada ou ameaçada por várias formas de banalização e desrespeito. Como não reagir diante da manipulação de embriões, homicídios, prática do aborto provocado, ausência de condições mínimas para uma vida digna com educação, saúde, trabalho, moradia, enfim, da ausência de efetiva proteção à vida e à família, às crianças e idosos, com jovens despreparados sem oportunidade para ocupação profissional? (Cap. 2) As Diretrizes, ao registrarem as grandes marcas de nosso tempo, e de modo especial ao refletirem sobre o impacto do sistema econômico-político-social na vida das pessoas e, diretamente, na vida dos/das jovens, indagam, portanto, como é possível os/as seguidores/ as de Jesus aceitarem que o sistema, a educação, entre outros deixem os/as jovens despreparados e sem oportunidade para a ocupação profissional. Preocupa-nos o fato de, no capítulo que analisa as marcas de nosso tempo, só termos referência à juventude no que tange à formação (generalizando e deixando entender que a juventude é despreparada) e no que tange ao emprego (afirmando que os/as jovens não têm oportunidade de trabalho). Falar apenas da realidade de formação e trabalho dos/as jovens é dizer muito pouco de juventude; é estabelecer um “olhar muito pequeno” sobre a realidade 2
DGAE 2008-2010, n.º 25; DAp n.º 65 e 402. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 93-108, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS juvenil. É hora de todos, também as pastorais, alargarem o olhar sobre a realidade juvenil. As generalizações são armadilhas nas quais não podemos cair, principalmente no trabalho com os/as jovens. Esse olhar que as Diretrizes estabelecem está em sintonia, contudo, com a pesquisa do Instituto Ibero Latino-Americano sobre as reivindicações juvenis no campo das Políticas Públicas de Juventude, uma vez que, segundo essa pesquisa, as políticas públicas ligadas ao emprego estão entre as três maiores reivindicações juvenis da América Latina. Está em sintonia, igualmente, com as reflexões realizadas no 3.º Congresso Latino-Americano de Jovens3 que também debateu essa realidade e a destacou em sua mensagem final. Uma questão que surge ao analisarmos esse item que aborda a juventude é sobre a concepção de juventude que está por trás da redação deste parágrafo.
2.2 IMPORTÂNCIA DO TEMA “JUVENTUDE” As “Diretrizes” afirmam: 81. Atenção especial merecem os nossos jovens. A beleza da juventude e os inúmeros desafios para a plenitude de sua vida nos exigem urgentes iniciativas pastorais nas diversas instâncias de nossa ação evangelizadora. O Documento 85 da CNBB motiva e norteia nossos projetos em vista disso. A crescente participação do Brasil nas Jornadas Mundiais da Juventude nos convida, também, à organização de um caminho que garanta o crescimento da animação dos jovens em vista de sua identidade de discípulos missionários de Jesus Cristo. O combate à apologia e ao uso de drogas, a todo tipo de violência e extermínio de jovens, uma atraente proposta vocacional e a oferta de um itinerário para a organização de seu projeto pessoal de vida contribuirão com a vida plena desta parcela tão significativa de nossa Igreja e da sociedade (Cap. 4.1). É o único parágrafo, de todo o conjunto das Diretrizes, que fala somente dos, das/com os, com as/para os/as jovens e para a ação da Igreja com eles/as. É o mais rico de todo o conjunto das Diretrizes no que diz respeito específico à juventude e à evangelização juvenil. Vejamos o parágrafo pausadamente. 1. Atenção especial merecem nossos jovens. É a afirmação, a confirmação e a renovação, para o próximo quadriênio, da opção preferencial pelos jovens firmada em Puebla4, confirmada pelas demais Conferências do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM) e pelo Documento 85 – Evangelização da Juventude – Desafios e Perspectivas Pastorais, da CNBB. 2. A beleza da juventude e os inúmeros desafios para a plenitude de sua vida nos exigem urgentes iniciativas pastorais nas diversas instâncias de nossa ação evangelizadora. A 3
Realizado em Los Teques, Venezuela, em setembro de 2010.
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Conferência Episcopal Latino-Americana, realizada em Puebla.
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ARTIGOS ARTIGOS juventude não pode ser prioridade apenas no papel; essa prioridade e essa opção preferencial devem ser traduzidas em ações processuais com os/as jovens em seus lugares vitais. É missão de toda a Igreja, em todas as suas estruturas e instâncias organizativas. 3. O Documento 85 da CNBB motiva e norteia nossos projetos em vista disso. É salutar que as Diretrizes tenham retomado o Documento 85 – “Evangelização da Juventude” como rumo da ação eclesial com os/as jovens. Isso convoca todos/as: bispos, padres, leigos/as, religiosos/as, líderes de comunidades, agentes de pastoral e todos/as que trabalham com a juventude para que conheçam, estudem, assumam e tornem o Documento 85, com suas linhas de ação, uma realidade na ação evangelizadora juvenil. De forma muito especial, destacamos que as Pastorais da Juventude têm vivido, estudado, aplicado e difundido, de inúmeras formas, o documento 85, por meio da elaboração de materiais, aprofundamentos em atividades nacionais e regionais, desde o seu lançamento, favorecendo a comunhão da juventude com as orientações do episcopado brasileiro. Isso é e deve ser missão de toda a Igreja, de todas as pastorais, congregações, movimentos e demais organizações eclesiais que trabalham com o público juvenil. As DGAEs reafirmam, portanto, as linhas de ação que o Documento 85 define: - formação integral do/a discípulo/a; - espiritualidade; - pedagogia da formação; - discípulos e discípulas para a missão; - estruturas de acompanhamento; - o Ministério da Assessoria; - o diálogo Fé e Razão; - o direito à vida. 4. A crescente participação do Brasil nas Jornadas Mundiais da Juventude nos convida, também, à organização de um caminho que garanta o crescimento da animação dos jovens em vista de sua identidade de discípulos missionários de Jesus Cristo. Aparecem, nessa afirmação, algumas preocupações importantes. É preciso que: I. a JMJ, que o Brasil irá receber em 2013, não seja apenas um evento de massa, mas esteja dentro de um processo de evangelização que garanta os/as jovens como discípulos missionários e onde a juventude seja sujeito; II. a ação pastoral e eclesial com os/as jovens provoque o encontro pessoal e comunitário com Jesus e a adesão à Sua pessoa e Seu projeto: a Civilização do Amor; III. a ação eclesial com os/as jovens não seja pautada em eventos, mas em processo; São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 93-108, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS IV. a Jornada Mundial da Juventude seja um momento de reafirmar nossa opção pelos jovens, em especial pelos jovens pobres, fazendo com que esses sujeitos, muitas vezes esquecidos, também possam participar do processo evangelizador. V. O combate à apologia e ao uso de drogas, a todo tipo de violência e extermínio de jovens, uma atraente proposta vocacional e a oferta de um itinerário para a organização de seu projeto pessoal de vida contribuirão com a vida plena dessa parcela tão significativa de nossa Igreja e da sociedade. O episcopado brasileiro ressalta grandes e importantes destaques e convocações para toda a Igreja: I. Combate à violência e ao extermínio de jovens - é alarmante a violência e o extermínio contra os/as jovens. Como seguidores/as de Jesus não podemos aceitar que a morte tenha a palavra final e que sejam ceifadas milhares de vida e sonhos. É preciso defender, ousadamente, a vida dos/as jovens e lutar contra todo tipo de violência, exclusão, opressão e discriminação. As DGAEs apresentam, portanto, uma sintonia do episcopado brasileiro com a Campanha Nacional Contra a Violência e o Extermínio de Jovens, lançada pelas Pastorais da Juventude e outras organizações juvenis. II. Atraente proposta vocacional - na ação com os/as jovens não podemos deixar de possibilitar que os/as jovens reflitam, pensem, rezem e assumam sua vocação. Primeiro, temos de provocar que os/as jovens assumam sua vocação de filhos/as de Deus e pessoa humana; segundo, como batizados/as, assumam a vocação de seguidores/as de Jesus e, finalmente, reflitam sobre a vocação/serviço que devem assumir em suas vidas para o bem do povo de Deus e para a construção do Reino: leigo/a casado/a, leigo/a consagrado/a, leigo/a, religioso/a ou sacerdote. III. Projeto de Vida - a ação com os/as jovens deve provocar e acompanhar que eles/as assumam a vida em suas mãos, sendo protagonistas de sua história e escrevam, elaborem e revisem seus Projetos de Vida. Mais para o final das Diretrizes, a importância do tema volta, tratando de modo especial da Pastoral da Juventude e do Protagonismo. 109. As crianças, adolescentes e jovens, que constituem uma parcela importante da população brasileira, precisam de maior atenção por parte de nossas comunidades eclesiais, pois são os mais expostos ao drama do abandono e ao perigo das drogas, da violência, da venda de armas, abuso sexual, bem como a falta de oportunidades e perspectivas de futuro. Além da pastoral da juventude e em sintonia com ela, é urgente uma pastoral infantojuvenil mais consistente e efetiva em nossas Igrejas (Cap. 4.5). Destacamos três aspectos nesse parágrafo: I. os/as jovens merecem atenção especial das nossas comunidades. Pode-se dizer que os bispos do Brasil, a Igreja do Brasil assumem afetiva e efetivamente a opção preferencial 100
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ARTIGOS ARTIGOS pelos jovens explicitada em Puebla. A partir disso, é dever dos/as batizados/as cobrar para que essa afirmação se desdobre em ações reais e com impacto na vida dos/as jovens. Essa atenção especial aos/às jovens é pela sua vida e importância na sociedade, e não porque se deseja ver a Igreja cheia; II. o parágrafo nomeia uma série de elementos duros da realidade juvenil que não podem ser desconsiderados na ação evangelizadora com os/as jovens. Ao trazer esses itens, que poderiam e deveriam ser ampliados e analisados mais profundamente em outros espaços, a Igreja afirma que, se somos seguidores/as de Jesus, não podemos aceitar essa realidade que fere o Reino; III. a Igreja no Brasil convoca todos a fortalecerem a Pastoral da Juventude e, com ela, organizar e potencializar a pastoral infanto-juvenil. Trata-se de fortalecer, potencializar e revitalizar a Pastoral da Juventude que seja consistente e efetiva. Apresentando indicações para a operacionalização das Diretrizes o Documento referese ao lugar do protagonismo no planejamento: 124. Todo processo precisa ser preparado. Uma ação que não tiver um antes, não terá um depois. Para desencadear um processo de planejamento pastoral, sua preparação começa por uma sensibilização dos membros da comunidade eclesial sobre a importância da participação de todos, resposta à exigência de uma Igreja “comunhão e participação”5, com o “protagonismo dos leigos”6, em especial “das mulheres”7 e dos jovens. Na sequência, está a necessidade da constituição dos organismos de discernimento e tomada de decisões nos diversos âmbitos eclesiais, como as assembleias de pastoral, os conselhos, as comissões e equipes de coordenação dos diferentes serviços (Cap. 5.1). Estamos no capítulo das indicações para a operacionalização das Diretrizes. No parágrafo que apontamos, com relação à juventude, podemos destacar três elementos: I. Primado da ação evangelizadora pensada e organizada dentro de um processo de planejamento pastoral. Toda a ação com os/as jovens deve ter um processo de planejamento. Caso contrário, virá uma ação sem resultados efetivos na vida dos/as jovens. Não podemos fazer eventos ou uma simples ação que não esteja pensada dentro de um processo de planejamento. Dentre as pastorais e movimentos de nossa Igreja, que trabalham com os jovens, ressalta-se o trabalho desenvolvido pela Pastoral da Juventude pela rica e profunda experiência acumulada nesse sentido; II. Todos devem participar do processo de planejamento da ação, mas de modo especial os/as jovens e as mulheres. Mais que nunca, os/as jovens são chamados/as a serem 5
Idem, n.º 213.
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SD 97.
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ARTIGOS ARTIGOS protagonistas da ação evangelizadora da Igreja no Brasil, das Igrejas particulares e das comunidades; III.Construção Coletiva. A Igreja no Brasil convoca ao planejamento processual e participativo. Ao dizer da necessidade de se terem organismos e espaços de tomadas de decisão e de discernimento, está afirmando o primado da construção coletiva da ação evangelizadora para que a ação seja mais eficaz e o Reino de fato seja uma realidade. Essa prioridade da construção coletiva deve nortear a ação com os/as jovens.
2.3 MISSIONARIDADE: IGREJA EM PERMANENTE ESTADO DE MISSÃO Outro aspecto, relacionado com a juventude, refere-se ao espírito missionário a ser desenvolvido. Diz o Documento: 78. Cabe a cada comunidade eclesial perguntar quais são os grupos humanos ou as categorias sociais que merecem atenção especial e lhes dar prioridade no trabalho de evangelização. Entre esses grupos estão os que têm pouco vínculo com a Igreja. Às vezes são jovens; outras vezes, pessoas vivendo na periferia de nossas cidades, intelectuais, artistas, políticos, formadores de opinião, trabalhadores com grande mobilidade, nômades etc. Importa ir ao encontro deles, não apenas nas famílias e nas residências, mas também em todos os ambientes. As missões populares, indo ao encontro do apelo da Missão Continental, têm se mostrado um caminho eficaz. As visitas sistemáticas nos locais de trabalho, nas moradias de estudantes, nas favelas e nos cortiços, nos alojamentos de trabalhadores, nas instituições de saúde, nos assentamentos, nas prisões, nos albergues e junto aos moradores de rua8, entre outros, são testemunho de uma Igreja samaritana. A pastoral da visitação pode dar maior organicidade e eficácia a este serviço (Cap. 4.1). Destacamos três pontos fundamentais neste parágrafo: I. a chamada para a comunidade perceber quais grupos humanos merecem mais atenção em suas realidades e dar atenção a esses grupos. Entre eles, dizem as Diretrizes, pode estar a juventude. Sobre esse primeiro ponto fundamental há algumas perguntas que devemos fazer-nos pessoal e comunitariamente: Temos olhado a realidade dos/as jovens em nossas localidades? Qual a percepção que temos feito dessa realidade juvenil? Qual interpelação essa realidade me/nos provoca? Qual tem sido minha ação ante essa realidade? Temos dado atenção aos/às jovens e à realidade juvenil que nos cerca? O extermínio da juventude é um fato percebido e considerado?; II. afirma-se a pedagogia de Jesus quando os bispos falam da importância de ir ao encontro dos/as grupos humanos que merecem atenção, entre eles, a juventude. Importante, por isso, perguntar-nos: Temos ido ao encontro dos/as jovens em seus lugares vitais? Conseguimos perceber quais seriam esses lugares? Temos esperado os/as jovens dentro de nossas Igrejas 8
DAp., n.º 407.
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ARTIGOS ARTIGOS ou temos ido até eles/as? Temos assumido a pedagogia de Jesus no trabalho evangelizador com os/as jovens?; III. afirma-se que a ação eclesial deve ser testemunha da Igreja Samaritana. Perguntarnos, por isso, se temos sido Igreja Samaritana com os/as jovens é fundamental. Mais ainda: O que é ser Igreja Samaritana junto à juventude? Copa do Mundo e Olimpíadas No espírito do cultivo do êxodo da juventude, superando o ensimesmamento, o episcopado refere-se a dois eventos particulares: 80. Contradiz profundamente a dinâmica do Reino de Deus e de uma Igreja em estado permanente de missão, a existência de comunidades cristãs fechadas em torno de si mesmas, sem relacionamento com a sociedade em geral, com as culturas, com os demais irmãos que também creem em Jesus Cristo e com as outras religiões. Inclusive eventos esportivos, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas que o Brasil vai sediar nos próximos anos, podem ser momentos de evangelização, especialmente da juventude (Cap. 4.1). Uma forte afirmação é a de que eventos esportivos, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, podem ser momentos de evangelização, de modo especial da juventude. Mesmo que isso não valha só para os/as jovens, é preciso que consigamos, na ação com os/as jovens, trabalhar esses eventos esportivos. Eles podem ser espaços de evangelização, pois são parte importante e alegre da vida dos/as jovens. É papel de cada liderança favorecer momentos comunitários de reflexão sobre os impactos de tais atividades em nossa região e em nosso país. De que forma a evangelização pode ser potencializada e favorecida nesse período de grandes eventos? Como a evangelização juvenil pode acontecer de forma mais eficaz, em especial na proposição junto aos poderes públicos, para a criação de Políticas Públicas para a Juventude voltadas ao esporte? Além disso, o parágrafo traz afirmações importantíssimas para a ação evangelizadora com os/as jovens e para a Igreja. Dizem os Pastores que, na ação evangelizadora com os/as jovens, é fundamental não sermos fechados em nós mesmos; sairmos ao encontro dos/as jovens onde eles/as estão; dialogar com as culturas e realizarmos uma evangelização que seja inculturada; dialogarmos com a sociedade e com os demais irmãos/as de outras religiões tendo como centro a defesa da vida da juventude e a construção do Reino, com os/as jovens sendo sujeitos dessa construção.
2.4 VALORIZAÇÃO DA BÍBLIA No trabalho com os jovens, assim como em toda a comunidade, a Palavra de Deus é fundamental. Com relação à juventude, os bispos afirmam: 47. É, pois, no contato eclesial com a Palavra de Deus que o discípulo missionário, permanecendo fiel, vai encontrar forças para atravessar um período histórico de pluralismo e São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 93-108, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS grandes incertezas. Bombardeado a todo o momento por questões que lhe desafiam a fé, a ética e a esperança, o discípulo missionário precisa estar de tal modo familiarizado com a Palavra de Deus e com o Deus da Palavra, que, mesmo abalado pelas pressões, continue solidamente firmado em Cristo Jesus e, por seu testemunho, converta os corações que o questionam (At 16,16-34). Não há, pois, discípulo missionário sem efetivo contato com a Palavra de Deus, um contato que atinge toda a vida e que é transmitido aos irmãos e irmãs. Esse encontro gera solidariedade, justiça, reconciliação, paz e defesa de toda a criação. Dirige-se às crianças, aos jovens, aos adultos, idosos, migrantes, doentes, pobres e pecadores9 (Cap. 3.3). O destaque é o primado e a certeza de que a juventude e Deus, na Palavra e no Deus da Palavra, devem encontrar-se diariamente alimentando e guiando a vida e a caminhada dos/ as jovens em todos os âmbitos: pessoal, comunitário, social, profissional, intelectual etc. Possibilitar esse encontro é tarefa de toda a Igreja, comunidade dos/as seguidores/as de Jesus. 48. Nosso tempo traz em si uma ambiguidade. De um lado, estamos num tempo de muitas falas, muitos ruídos, muito barulho. De outro, é um tempo de incertezas e crise de referências. O mundo fala, mas tem sede da palavra que guia, tranquiliza, impulsiona, envolve, ajuda a discernir. O mundo tem sede, portanto, da Palavra de Deus. Nosso tempo carece de conhecer verdadeiramente a Palavra, deixar-se apaixonar por ela e, com ela, caminhar pelas sendas do Reino. O mundo informatizado tem contribuído com o enriquecimento dos conhecimentos e conscientização da realidade. Tem igualmente sobrecarregado a vida das pessoas de informações, muitas delas contraditórias, distorcidas e não éticas. Este é um dos graves ruídos que tem atingido a todos, principalmente os jovens. O atual excesso de informações não contempla uma formação adequada que os auxilie na síntese, no discernimento, nas escolhas. “O desafio para o jovem – assim como para todos os que aceitam Jesus como caminho – é escutar a voz de Cristo em meio a tantas outras vozes”10 (Cap. 3.2). Esse parágrafo das DGAEs traz uma série de elementos ao referir-se à temática juvenil. O primeiro é a afirmação que todos/as, e estão aí os/as jovens, têm sede da Palavra de Deus que é voz e fala, que guia, tranquiliza, impulsiona e provoca discernimento, mesmo em meio a tantas outras falas e ruídos. O segundo é a necessidade de, sempre e cada vez mais, nos apaixonarmos e deixar-nos ser guiados pela Palavra. O terceiro é que, ao reconhecer os benefícios do avanço da informática, as Diretrizes lancem um simples e rápido olhar sobre o impacto desses avanços no mundo informatizado na vida das pessoas e dos/as jovens. O principal impacto disso seria o excesso de informações, distorcidas e não éticas, que não tem contribuído para o processo de escolhas e discernimento dos/as jovens. É claro que há muitos outros impactos desse mundo informatizado na vida dos/as 9
VD, n.º 99-108.
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Documento 85 da CNBB, n.º 60.
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São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 93-108, jan./jun. 2014.
ARTIGOS ARTIGOS jovens, um tema a ser mais aprofundado. O quarto elemento que aparece um pouco escondido, mas não deixa de ser contemplado, é o projeto de vida que, segundo os bispos (novamente de modo implícito), deve ser guiado e impulsionado pela Palavra de Deus. O quinto elemento do item é uma retomada do Documento 85 que afirma o desafio de que para o jovem – assim como para todos os que aceitam Jesus como caminho – é escutar a voz de Cristo em meio a tantas outras vozes. Um sexto elemento que aparece, mesmo às escondidas, é que ajudar os/as jovens, como todos/as os seguidores/as de Jesus, a escutarem a voz de Cristo e se deixarem guiar por ela e pela Palavra, é missão de toda a comunidade dos/as que aderem a Jesus e O seguem.
2.5 INICIAÇÃO CRISTÃ E EDUCAÇÃO NA FÉ Dizem os bispos que a iniciação cristã não termina e que há necessidade de comunidades que saibam falar dos mistérios de Deus. 41. A Conferência de Aparecida, além de elevar a iniciação à vida cristã à categoria de urgência, lembra que ela deve acontecer não apenas uma única vez na vida de cada pessoa. A iniciação cristã não se esgota na preparação aos sacramentos do batismo, crisma e eucaristia. Ela se refere à adesão a Jesus Cristo. Esta adesão deve ser feita uma primeira vez, mas refeita, fortalecida e ratificada tantas vezes quantas o cotidiano exigir11. Ela acontece, por exemplo, quando chegam os filhos, quando o adolescente busca a sua identidade, quando o jovem prepara suas escolhas futuras, no noivado e no matrimônio, nas experiências de dor e fragilidade. Nossas comunidades precisam ser comunidades diuturnamente mistagógicas, preparadas para permitir que o encontro com Jesus Cristo 12 se faça e se refaça permanentemente (Cap. 3.2). O destaque desse item nas DGAEs é a ligação feita entre o projeto de vida que os/as jovens são convidados/as a elaborarem e a adesão a Jesus. Na ação com a juventude não podemos furtar-nos de provocar que os/as jovens sejam autônomos e sujeitos de sua vida, construindo seu Projeto de Vida com base na adesão a Jesus e ao seu projeto. Note-se que as DGAEs devolvem às Comunidades a missão de serem espaços mistagógicos e provocadores do encontro com Jesus para que a adesão a Ele e a Seu projeto seja refeita diversas vezes na vida. No caso da juventude, as comunidades devem ser um espaço para que esse encontro e adesão aconteçam no caminho da elaboração do Projeto de Vida para que os/as jovens, no seguimento a Jesus, tenham vida abundante e sejam sujeitos na construção do Reino. As DGAEs afirmam, de modo implícito, que as comunidades devem acompanhar os/as jovens nesse processo. No capítulo 4, os Bispos falam de uma catequese que seja integral:
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DAp, n.º 288.
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Idem, n.º 246-257, 278. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 93-108, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS 85. Nos dias atuais, a catequese de inspiração catecumenal13, que equivale ao processo de iniciação cristã, adquire grande importância, não limitada a crianças. Trata-se de uma catequese não-ocasional (apenas na ocasião de preparar-se para receber algum sacramento), permanente. Isso implica melhor formação dos responsáveis14e um itinerário catequético permanente, assumido pela Igreja Particular, com a ajuda da Conferência Episcopal15, que não se limite a uma formação doutrinal, mas integral, à vida cristã. A inspiração bíblica, catequética e litúrgica é condição fundamental para a iniciação cristã de crianças, bem como de adolescentes, jovens e adultos que não foram suficientemente orientados na fé e nas obras inspiradas pela fé (Cap. 4.2). Há, nesse parágrafo, uma preocupação com a iniciação à vida cristã e seu processo na vida de quem o vive e na vida da comunidade. Essa iniciação deve ser bíblica, catequética e litúrgica. Há, igualmente, uma preocupação, com o processo de educação da fé dos/as jovens e com o encontro e adesão a Jesus que deve ser feito e refeito muitas vezes em toda a vida. Verifica-se que há uma convocação para que a ação evangelizadora com os/as jovens provoque um encontro pessoal e comunitário com Jesus e, consequentemente, provoque a adesão à sua pessoa e a seu projeto. É, aliás, uma preocupação que se repete, de diferentes modos, nos parágrafos que falam da/com a/para a juventude. A articulação de fé e vida, isto é, a integralidade torna-se uma insistência. Dizem os bispos: 91. A comunidade eclesial é o lugar de educação na fé 16 para as crianças, adolescentes e jovens batizados, em um processo que as leve a completar sua iniciação cristã. A formação dos discípulos missionários, precisa articular fé e vida e integrar cinco aspectos fundamentais: o encontro com Jesus Cristo, a conversão, o discipulado, a comunhão e a missão17. O processo formativo se constitui no alimento da vida cristã e precisa estar voltado para a missão, que se concretiza em vida plena, em Jesus Cristo, para todos, em especial para os pobres. A formação não se reduz a cursos, pois integra a vivência comunitária, a participação nas celebrações e encontros, a interação com os meios de comunicação, assim como a inserção nas diferentes atividades pastorais e espaços de capacitação, movimentos e associações. A formação dos leigos e leigas precisa ser uma das prioridades da Igreja Particular, dado que é “um direito e dever para todos”18. Torna-se mais efetiva e frutuosa quando integrada em um “projeto orgânico de formação”19, que contemple a formação básica de todos os membros da comunidade e a formação específica e 13
DAp, n.º 294; CNBB. Doc. Catequese Renovada. São Paulo, Paulinas. 1983.
14
DAp, n.º 296.
15
Idem, n.º 298.
16
Idem, n.º 276.
17
Idem, n.º 278.
18
ChL 57.
19
DAp, n.º 281.
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ARTIGOS ARTIGOS especializada, sobretudo para aqueles que atuam na sociedade, onde apresenta-se o desafio de dar “testemunho de Cristo e dos valores do Reino”20 (Cap. 4.2). Mesmo que alguns aspectos já tenham aparecido, direta ou indiretamente, alguns pontos podem ser acentuados: I. a comunidade é o lugar da educação da fé dos/as jovens. É importante dar-nos conta do primado da comunidade e do grupo de jovens como lugar de vivência do processo de educação da fé. Como a comunidade é esse espaço da educação da fé dos/as jovens, ela deve acompanhar esses/as jovens nesse processo, que é recíproco; II. a formação dos discípulos missionários de Jesus deve articular fé e vida. Uma ação evangelizadora junto aos/às jovens, coerente com os ensinamentos de Jesus, não pode furtar-se de relacionar fé e vida. Esta ação vai amadurecer se dialogar e tiver sentido na vida concreta deles/as; III. a formação e o processo de educação na fé devem integrar cinco aspectos fundamentais, como orienta o Documento de Aparecida: o encontro com Jesus Cristo, a conversão, o discipulado, a comunhão e a missão. Esses aspectos são vitais, mas a Pastoral da Juventude, quando fala de “formação integral”, acrescenta outros elementos fundamentais e muito importantes; IV. o processo formativo deve estar voltado para a missão. Não podemos conceber uma ação com os/as jovens que não provoque missão, seja no ir ao encontro de outros/as jovens, seja no lutar pela vida da juventude, seja no assumir a juventude como missão no seguimento a Jesus; V. a formação não se reduz a cursos e a ação com os/as jovens não se pode reduzir a eventos de massa. A ação evangelizadora com os/as jovens deve ser um processo de educação na fé que integre todas as dimensões da pessoa humana; VI. a formação e a comunidade devem favorecer que a adesão a Jesus e a Seu projeto seja vivida e revivida constantemente, e que isso provoque que todos/as sejam, nos espaços onde atuam, testemunhas do Reino assim como Jesus.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Depois de olharmos o conjunto das Diretrizes e nos termos debruçado sobre os parágrafos que falam da/com a/para a juventude e da/com a/para a ação evangelizadora e pastoral com os/as jovens, somos convocados/as a vivermos uma conversão para uma ação sempre mais efetiva com eles. 20
Idem, n.º 216. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 93-108, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS Como Igreja Jovem no Brasil, Igreja que é discípula, missionária e profética, também somos impulsionados/as por muitas formas: pelo caminho histórico da evangelização da juventude nessas terras; pela Missão Continental; pelo Documento 85 da CNBB; pelas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil; pelo Projeto de Revitalização da Pastoral Juvenil na América Latina; pelas orientações pastorais os/as jovens na América Latina que o documento Civilização do Amor – Projeto e Missão trará e pelos Projetos Nacionais da Pastoral da Juventude.21 Neste tempo de mudança de época, somos convidados/as para o seguimento coerente de Jesus, para uma opção pela juventude empobrecida e para um compromisso radical com a vida, revitalizando nossa ação pastoral e cuidadora com os/as jovens. Desejamos, por fim, que esta breve reflexão não se esgote em si, mas que fomente ainda mais o estudo e aprofundamento das DGAEs nos mais diversos espaços eclesiais, em especial nas comunidades e grupos de jovens.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CNBB. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil – 2011-2015 – Documentos da CNBB, n. 94. São Paulo: Paulinas, 2011. _______. Evangelização da juventude: desafios e perspectivas pastorais. Documento 85. Brasília: Edições CNBB, 2007.
21
Conheça mais em: http://www.pj.org.br/projetos_nacionais.php.
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ARTIGOS ARTIGOS ECOS Y DESAFÍOS DEL CONGRESO INTERNACIONAL DE CATEQUESIS ECHOES AND CHALLENGES OF THE INTERNATIONAL CONGRESS OF CATECSIS José Luis Quijano RESUMEN: Entre los días 26 y 28 de septiembre de 2013, en el contexto del Año de la Fe, se ha ralizado en Roma el Congreso Internacional de Catequesis, bajo el lema “El catequista, testigo de la fe”. El presente artículo tiene por objetivo hacer un análisis sobre ese congreso, particularmente presentar la relevancia y las acciones de este evento para la catequesis como: la naturaleza, los desafíos y el nuevo contexto de la catequesis, la formación para el catequista y la nueva evangelización. Fundamentalmente este ensayo intenta explicitar y analizar el nuevo ambiente de la catequesis, a partir de las discusiones más emergentes de la Iglesia. Palabras clave: Catequesis. Congreso. Conversión. Formación. Nueva Evangelización. ABSTRACT: Between September 26th and 28th 2013, in the context of the Year of Faith, it took place in Rome the International Congress of Catechesis, whose motto was “the catechist as a witness of faith”. This paper has the aim of making an analysis of this congress to particularly present the relevance and the actions of this event to the catechesis, such as: the nature, the challenges and the new context of the catechesis, the training of the catechists and the new evangelization. Basically, this text tries to detail and study the new environment of the catechesis from the most emerging discussions of Church on. Keywords: Catechesis. Congress. Convertion. Training. New Evangelization.
INTRODUÇÃO “Fueron a buscar al Papa hasta el fin del mundo” - bromeó Francisco ante la multitud reunida en la Plaza de San Pedro, aquel 16 de marzo de 2013, una vez finalizado el cónclave. Desde el lejano sur, desde allí donde parece terminar el mundo, la delegación argentina llegó al Congreso Internacional de Catequesis. Junto a más de una decena de catequistas de nuestro país, integraron esta delegación1 Mons. Nicolás Baisi, Obispo Auxiliar de La Plata y miembro de la Comisión Episcopal de Catequesis y Pastoral Bíblica; el Pbro. Carlos Osvaldo Paravizzini, Vicedirector de la Junta Nacional de Catequesis; el Pbro. José Luis María Rey, Director de la Junta Arquidiocesana de Catequesis de Buenos Aires; Silvina Cambría de Grimaldi, Directora Diocesana de Catequesis de Río Cuarto; Raquel Pastrana, responsable del área de Catequesis Familiar de la Arquidiócesis de Salta; y yo, José Luis Quijano en representación del Instituto Superior de Catequesis Argentino. 1
Patricia López, Mónica Bearzot de Torino, Mónica Gomez , Cristina Cavoti, Hna. Norma Beatriz Andrada, Santiago Álvarez, P.Gabriel Marronetti, P. Eugenio Uda, Laura Martínez, María Ayelen Díaz Lapergola, Cristina Pieroni de Gigena, Graciela Pagliaricci de Holmberg y Evangelina Casero. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 109-123, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS Nos sentimos verdaderos peregrinos. “No es lo mismo ser un deambulante que un peregrino. El que deambula, camina sin sentido. El peregrino, en cambio, avanza firmemente hacia el encuentro con sus anhelos más profundos y hace de su vida una respuesta leal y generosa a la amistad que Dios le ofrece.”2 Buscábamos vivir una honda experiencia eclesial que nos hiciera “tocar” la amistad de Dios y, al mismo, tiempo, queríamos escuchar, aprender, reflexionar, desentrañar los desafíos de una Catequesis renovada y cargar nuestras mochilas y voluntades con nuevos proyectos. Nos sentimos convocados, sobre todo, por una de las finalidades del Año de la Fe, finalidad que hizo suya el Congreso Internacional de Catequesis: “recuperar ‘la unidad profunda entre el acto con el que se cree y los contenidos a los que prestamos nuestro asentimiento’ (PF 10) porque la fe es, ante todo, un don de Dios y una acción de la gracia que transforma el corazón del creyente. Además, ‘el conocimiento de los contenidos que se han de creer no es suficiente si después el corazón, auténtico sagrario de la persona, no está abierto por la gracia que permite tener ojos para mirar en profundidad y comprender que lo que se ha anunciado es la Palabra de Dios.’ (PF 10) En esta descripción se encierran tanto la persona como el rol del catequista. En una época del fraccionamiento del saber y de la experiencia, es urgente, sostener, promover y formar catequistas capaces de captar los desafíos del tiempo presente, para ofrecer un testimonio capaz de hacer posible la propuesta del Dios de Jesucristo a nuestros contemporáneos.”3 El contexto plural (con delegaciones provenientes de los diversos continentes) nos invitó a abrirnos a la diversidad de planteos, situaciones y propuestas y, al mismo tiempo, a adentrarnos en nuestra propia identidad latinoamericana. Desde allí, desde la profundidad de lo auténticamente nuestro, pudimos imaginar, pensar, comparar y observar desde lo propio. Distintos y coexistentes escenarios latinoamericanos se nos hicieron presentes, como animándonos en la búsqueda de una tierra prometida más humana y más justa en la que la fe se elige y se encarna como algo propio, absolutamente vital e irrenunciable.4
1 UN NUEVO LUGAR PARA LA CATEQUESIS Comenzamos a partir de esta constatación: el hombre y la mujer de hoy se acercan a la Iglesia, en no pocas ocasiones, con una solicitud puntual. Regresan, a veces, después de mucho tiempo y se encuentran con un dispositivo pastoral que consiste en un proceso diseñado para los que tienen fe y que, muchas veces, no tiene en cuenta la falta de continuidad. Se produce, entonces, una dicotomía entre la solicitud de los destinatarios y lo que la Iglesia se 2
Cfr. Quijano, José Luis, “Misionar el tiempo y la cultura” en “Iglesia misionera hoy”, Buenos Aires, 2008.
3
Cfr. “Orientaciones y destinatarios del Congreso Internacional de Catequesis”, Roma, 2013, http://www.isca.org.ar/congreso/ destinatarios.php 4
Cfr. Quijano, José Luis, “Una mirada latinoamericana en un encuentro europeo”, ISCA, Buenos Aires, 2008.
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ARTIGOS ARTIGOS dispone a darles. Sus propósitos son diferentes: la Iglesia ofrece el crecimiento en la fe y la inserción en Cristo y en la comunidad y los destinatarios piden, sobre todo, “ritos de paso”, generalmente, de orden social. Este escenario nos lleva a seguir pensando, no sólo en la concepción de Catequesis en términos de un nuevo paradigma catequético, como ya venimos haciendo desde hace años, sino también en el lugar que ella ocupa en el proceso evangelizador. Esta reflexión a la cual nos sentimos interpelados, desde hace tiempo, se inserta hoy en el cambio de lugar que se le ha asignado a la Catequesis en el conjunto de oficinas y organismos que integran la curia romana. En la rica sinfonía del Magisterio petrino5 correspondiente al Año de la Fe, que culminó el domingo 24 de noviembre, Solemnidad de Cristo Rey, se realizaron, también, algunas acciones que permiten visualizar un horizonte pastoral de renovación: la realización del Sínodo sobre la Nueva Evangelización para la Transmisión de la Fe Cristiana y el traslado de la Catequesis de la Congregación para el Clero al Pontificio Consejo para la Promoción de la Nueva Evangelización Este cambio de lugar no es aleatorio y está cargado de sentido. “Hacer más orgánica la relación entre la Catequesis y la Nueva Evangelización permite, ante todo, consolidar el camino que el concilio Vaticano II ha querido expresar en modo innovador para las diversas etapas de la misión de la Iglesia en su tarea de evangelizar. Al mismo tiempo, ofrece al proyecto de la Nueva Evangelización un instrumento altamente calificado para aclarar mayormente el camino que ella está llamada a recorrer.”6 Como instrumento privilegiado de la Nueva Evangelización, la Catequesis se interroga hoy a sí misma acerca de la conversión que ha de experimentar en el actual contexto eclesial y cultural. Estar situada en el ámbito de la Congregación para el Clero implicaba un paradigma en el cual se la concebía prioritariamente vinculada a los sacramentos. Suponía una continuidad en un camino jalonado de “etapas” adecuadas a las distintas edades, en el que los sacramentos se insertaban como “momentos” fuertes en el seno de una continuidad sin interrupciones. La Catequesis se asumía, casi exclusivamente, como instrumento de preparación para la recepción de esos sacramentos. 5
Como trasfondo y guía, nos acompañó, a lo largo del Año de la Fe, la Palabra de la Iglesia a través del Magisterio de Benedicto XVI y de Francisco. La Carta Apostólica Porta fidei nos invitó a “redescubrir el camino de la fe para iluminar de manera cada vez más clara la alegría y el entusiasmo renovado del encuentro con Cristo” (Cfr. Benedicto XVI, Porta fidei Nº 2, 11 de octubre de 2011) y la Encíclica Lumen fidei nos convocó a vivir disponibles a esa gracia que viene de Dios. “La característica propia de la luz de la fe es la capacidad de iluminar toda la existencia del hombre. Porque una luz tan potente no puede provenir de nosotros mismos; ha de venir de una fuente más primordial, tiene que venir, en definitiva, de Dios” (Cfr. Francisco, Lumen fidei Nº 4, 29 de junio de 2013). 6
S.E.R. Mons. Rino Fisichella, Artículo para la promulgación de Fides per doctrinam de Benedicto XVI, 16 de enero de 2013. Se han transferido al Pontificio Consejo para la Nueva Evangelización las competencias que, en materia de Catequesis, la Constitución Apostólica Pastor bonus, del 28 de junio de 1988, había encomendado a la Congregación para el Clero. Según el artículo 2 de Fides per doctrinam se transfirió, también, al Consejo Pontificio para la Promoción de la Nueva Evangelización el Consejo Internacional para la Catequesis, creado por Pablo VI el 7 de junio de 1973. De tal Consejo asume la presidencia el presidente del Pontificio Consejo para la Nueva Evangelización. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 109-123, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS La ubicación de la Catequesis en el ámbito del Pontificio Consejo para la Promoción de la Nueva Evangelización supone un paradigma catequético diferente. Nos lleva a pensar en una Catequesis evangelizadora en la cual la dimensión misionera constituye un subrayado particular: se trata de una Catequesis que sale a buscarnos en las diversas “edades de nuestra fe” y en nuestros distintos lugares de encuentro teológico con Dios, para proponernos a Jesús y su Evangelio. La relación que induce a unir ‘Nueva Evangelización’ y ‘Catequesis’ conlleva, inevitablemente, la exigencia de una renovada interpretación del proceso catequético leído a la luz de la Nueva Evangelización; esto supone, por lo tanto, interpretarla como herramienta de la comunidad cristiana para ir al encuentro de los creyentes y de todos los que están buscando el sentido de la vida. Los primeros no deberán desestimar la exigencia de una Catequesis expresada y desarrollada en clave misionera para recuperar la fuerza del anuncio en todos los que tienen un papel activo en la comunidad cristiana. Para los otros, la Catequesis puede convertirse en anuncio – a veces, en un primer anuncio - , para entender gradualmente la novedad de la fe y su importancia en la vida.7
2 VOCES Y ACONTECIMIENTOS DEL CONGRESO INTERNACIONAL DE CATEQUESIS El Congreso se inició el jueves 26 de septiembre, por la tarde, con el saludo de bienvenida del Secretario del Pontificio Consejo para la Promoción de la Nueva Evangelización, Mons. Octavio Ruiz Arenas. El “Preludio” del Congreso estuvo a cargo de Mons. Rino Fisichella, Presidente del Pontificio Consejo para la Promoción de la Nueva Evangelización, quien afirmó categóricamente que “pensar que la Iglesia realice un camino de Nueva Evangelización y que la Catequesis permanezca con los mismos rasgos del pasado - aún reciente – es un riesgo que es necesario evitar…Una de las tareas de la Nueva Evangelización consta, en primer lugar, en consolidar la fe de los cristianos más cercanos a la comunidad. En efecto, con frecuencia parece convertirse en las brasas del fuego ardiente, que ya no es llama viva capaz de dar apoyo a la existencia. Por diversas razones se ha convertido en una fe débil, para muchos también insignificante para su vida, y que necesita, sin embargo, de un renovado aliciente…” Luego, la Prof. Bruna Costacurta, Directora del Departamento de Teología Bíblica en la Pontificia Universidad Gregoriana de Roma, contribuyó a colocar el ícono del encuentro del Resucitado con los discípulos de Emaús, como paradigma de nuestra historia de creyentes. Lo hizo a través de la Lectio Divina que unió a todos los participantes en un significativo momento de oración.
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Cfr. Mons. Rino Fisichella, “Preludio”, Congreso Internacional de Catequesis, 26 de septiembre de 2013.
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ARTIGOS ARTIGOS Finalmente, dos relaciones para la primera jornada del Congreso: una, a cargo del Dr. Petroc Willey, Director Adjunto del Instituto del Instituto Maryvale de Birmingham, Reino Unido, (Dios busca al hombre y se revela). “Dios nos busca a nosotros, los hombres, para revelarse a sí mismo. Su revelación es comunicación, la comunicación de sí mismo a nosotros. La Catequesis es, pues, la obra preciosa de la Iglesia, que consiste en transmitir esta Revelación. La otra, a cargo del Rvdo. Manuel José Jiménez Rodríguez, Capellán de la Universidad Nacional de Colombia y Director del Departamento de Catequesis de la Conferencia Episcopal de Colombia, (La Iglesia, primer sujeto de la fe). “Es urgente demostrar que la fe no es sólo una opción individual que ocurre en la interioridad del creyente (…), que no es vínculo aislado entre el yo del fiel y el Tú divino, entre el sujeto autónomo y Dios (…), que no puede ser una mera confesión que nace del singular (LF 39). La fe cristiana no es un hecho privado, una concepción individualista, una opinión subjetiva.” (LF 22). La fe es don de Dios y respuesta libre, pero no es un acto aislado. La fe es un acto eclesial. La Iglesia es la primera en creer. La Iglesia es la primera que profesa al Señor en todos lados, y con ella y en ella somos impulsados y llevados a profesar también nosotros: creo, creemos…” La segunda jornada del Congreso se inició con la oración comunitaria e, inmediatamente a continuación, tuvo lugar la tercera relación en la cual el Prof. Mons. Pierangelo Sequeri, Decano de la Facultad de Teología del Norte de Italia (Milano), se refirió al dinamismo del acto de fe: memoria, evento, profecía. “Los escritos evangélicos son un verdadero dispositivo metodológico de la correlación entre historia de Jesús y acceso a la fe. La memoria fidei nos enseña a reconocer con qué fuerza el evento del Señor sostiene nuestra fe, en la misma historia de la Iglesia. Es preciso mencionar aquí el carácter problemático de la ausencia de una historia eclesiástica de la evangelización. Por decirlo directamente, es como si la catequesis cotidiana hubiese reencontrado los Evangelios, pero no hubiera entonces llegado a los Hechos de los Apóstoles… La transmisión de la fe y la purificación de la religión deben volver transparente –en signos y parábolas adaptadas– el vínculo profundo de Dios con el origen y el destino del hombre. No podemos utilizar una lengua que es comprendida sólo por nosotros: debemos encontrar palabras de vida eterna, no una jerga de supervivencia. Y no podemos perder la memoria de la fe apostólica, sin la cual seríamos simplemente una provincia ideológica del imperio secular.” La cuarta relación del Congreso fue titulada “Traditio et redditio Symboli. Nuestro ‘sí’ a Dios” y estuvo a cargo del P. Robert Dodaro, O.S.A., Decano del Institutum Patristicum Augustinianum de la Pontificia Universidad Lateranense (Roma). Esta ponencia acercó a los participantes a esta cuestión: ¿cómo puede lograrse un adecuado equilibrio entre el respeto por la Tradición de la Iglesia y un método y un lenguaje adaptados a los tiempos y a las culturas? A través de algunos ejemplos se responde a esta pregunta: San Hilario de Poitiers y San Agustín cuidaron el justo equilibrio entre los términos bíblicos tradicionales y las reformulaciones y adaptaciones de este lenguaje para ser empleado con las poblaciones que habían sido recientemente evangelizadas y catequizadas (inculturación teológica). Otro ejemplo São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 109-123, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS emblemático es el discurso del beato Juan XXIII, con el cual dio apertura al Concilio Vaticano II, Gaudet mater ecclesia (11 de octubre de 1962). Se observa en él la lingüística apropiada en la puesta al día del modo en el que son presentadas las doctrinas antiguas y modernas de la Iglesia a los hombres y las mujeres de nuestro tiempo. 8 Por la tarde se realizaron las siguientes comunicaciones, que fueron coronadas por la Catequesis del Papa Francisco, con la cual se puso fin a la segunda Jornada del Congreso: 1. Credibilidad de la fe, la relación entre fe y razón en la transmisión de la fe, a cargo del Rvdo. Krzysztof Kaucha, docente de Teología fundamental en la Universidad Católica de Lublin (Polonia). “Fe y razón tienen necesidad una de la otra y se sostienen una a la otra. La fe no es irracional, no omite la razón ni la destruye. La fe cristiana no es un producto natural de la razón humana, pero siempre estimula la razón a abrirse y considerar mucho más que aquello que la razón, sólo por sí misma, puede ver.” 2. Para una pedagogía del acto de fe, por el Dr. Jem Sullivan, Docente de Catequética en la Pontificia Facultad de la Inmaculada Concepción de la Dominican House of Studies (Washington, DC, USA). “La Revelación de Dios inspira no sólo el contenido de la Catequesis, ella guía también la aplicación de los principios educativos en contextos catequísticos diferentes. Las teorías de la educación sirven al acto de la fe en la medida en que ellas animan la fiel transmisión del entero contenido de la Revelación y nutren la continua conversión a Dios.” A la luz de la “original pedagogía de la fe”, esta presentación propone tres principios pedagógicos para el acto de fe: una pedagogía teocéntrica, una pedagogía cristocéntrica y una pedagogía eclesial. La presentación cierra, finalmente, poniendo el acento en el rol indispensable del testimonio personal, fiel, alegre y humilde del catequista que enriquece en forma profundamente humana la concreta aplicación de las teorías y de los métodos educativos en la Catequesis. 3. En el río de la “Traditio Verbi”: la armonía entre Escritura, Tradición y Magisterio, a cargo del Rvdo. Alberto Franzini, Párroco (Cremona, Italia). “Según la DV, la Revelación consiste sobre todo en la relación dialogal, que Dios ha puesto en marcha con el hombre, con el fin de comunicarse a sí mismo a aquél y de dar sentido pleno a la vida humana. La Revelación no apareció sólo ‘verbis’ (comunicación de verdad), sino también ‘gestis’ (eventos), profundamente entrecruzados entre ellos…. La Tradición y la Escritura no son tan sólo dos fuentes documentales de la Revelación, sino que son dos testimonios que, insertos vitalmente en el organismo eclesial, resuelven la tarea de notificar y de actualizar 8
Los encomillados correspondientes a las relaciones del Dr. Petroc Willey, del Rvdo. Manuel José Jiménez Rodríguez, del Prof. Mons. Pierangelo Sequeri y del P. Robert Dodaro fueron publicados en el Face – book de la Junta Catequística de la Arquidiócesis de Buenos Aires. También han sido publicadas las síntesis de las comunicaciones del Rvdo. Krzysztof Kaucha, del Dr. Jem Sullivan, del Rvdo. Alberto Franzini y del Prof. Joël Molinario y la última relación del Congreso, a cargo de Mons. Javier Salinas Viñals (Miembro del Consejo Internacional para la Catequesis). https://www.dropbox.com/s/ zxyl2iihpn8qo4s/Congreso%20Internacional%20de%20Catequesis%20-%20Resumen.pdf. La síntesis de todas las relaciones y comunicaciones pueden encontrarse, a continuación del “Preludio” de Mons. Fischella, en el sitio del ISCA. http://www.isca.org.ar/congreso/expositores.php
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ARTIGOS ARTIGOS la historia de la Revelación de Dios. Si la Escritura es palabra de Dios en cuanto es puesta por escrito bajo la inspiración del Espíritu Santo, la Tradición transmite integralmente la Palabra de Dios” (DV 9). 4. Recepción del Catecismo de la Iglesia Católica en la Catequesis. Experiencias y criterios para una plena recepción, por el Prof. Joël Molinario, Teólogo y Director adjunto del Instituto Superior de Pastoral Catequética (París, Francia). “Benedicto XVI en Porta fidei escribe: ‘Existe una profunda unidad entre el acto con el cual se cree y los contenidos a los cuales damos nuestro asentimiento’. La fe es apertura del corazón al don de Dios y fidelidad a las palabras de Dios a través de la confesión de los labios. El conocimiento de las enseñanzas es pues insuficiente, precisa Benedicto XVI, sin la apertura del corazón que convierte a la persona (cf. Porta fidei 10). La fe de la cual habla el CEC no es un don abstracto en sí mismo. El conocimiento del cual se habla en el CEC es una estructura que armoniza la fe profesada, la fe celebrada, la fe practicada y la oración: estas cuatro partes del CEC vehiculizan el encuentro con Cristo. El lenguaje dogmático no se opone al lenguaje de la experiencia creyente.” El sábado 28 de septiembre, después de la celebración de la Misa solemne y de la Professio fidei en la Básilica de San Pedro, en el Altar de la Cátedra, se realizó la oración de la mañana y tuvo lugar la última relación del Congreso: La diaconía de la verdad como expresión de la comunidad eclesial, por S.E.R. Mons. Javier Salinas Viñals, Obispo de Mallorca y Miembro del Consejo Internacional para la Catequesis (España). En una sociedad signada por el relativismo, el pluralismo, el subjetivismo, la incertidumbre y la duda, persiste una sed siempre viva de verdad. La Iglesia está convocada a ser servidora de la verdad. Esta diaconía se fundamenta en Cristo, plenitud y revelador de la Verdad; en la fe como aceptación de la Verdad y en la Tradición como transmisión de la Verdad revelada. A continuación, S.E. Mons. Octavio, Ruiz Arenas, Secretario del Pontificio Consejo para la Promoción de la Nueva Evangelización, a través de una espléndida síntesis, presentó las conclusiones del Congreso. 9 Luego, la celebración del Sacramento de la Reconciliación y la Adoración Eucarística. Finalmente, el domingo 29 de septiembre se realizó la Jornada de los Catequistas. El Santo Padre presidió, en la Plaza de San Pedro, la celebración de la Santa Misa a la que asistieron los congresistas y los miles de catequistas que viajaron a Roma para esta Jornada de cierre, acontecimiento multitudinario con el cual se puso fin a este gran encuentro del Papa Francisco con los catequistas de todo el mundo, en el significativo contexto del Año de la Fe.
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http://www.isca.org.ar/congreso/frutos-congreso.php São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 109-123, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS 3 LA PALABRA DEL PAPA EN EL CONGRESO El Santo Padre se dirigió en dos oportunidades a los catequistas reunidos en Roma con motivo del Congreso. Lo hizo el 27 de septiembre en el aula Pablo VI, dirigiéndose a todos los que participaban en dicho Congreso y dos días más tarde, durante la homilía de la Misa celebrada con una muchedumbre reunida en la Plaza San Pedro. En ambas oportunidades, focalizó su enseñanza en la identidad del catequista. Como cuando era el Arzobispo de Buenos Aires, en estas dos oportunidades, durante el Congreso, Francisco se dirigió a “sus catequistas”. Los argentinos reconocimos bien su estilo y temáticas predilectas. Sin hacer teorizaciones sobre modelos catequéticos, no se detuvo en la filigrana de una teología reservada sólo a unos pocos, no cayó en reiteradas quejas sobre los males de este tiempo ni se entretuvo en vericuetos metodológicos. Sencillamente, les habló a sus catequistas a quienes, con exigencia educativa de pastor les dijo: _ “Ser catequistas es mucho más que trabajar de catequista”. En la Catequesis del viernes 27 perfiló la identidad del catequista a partir de actitudes que manifiestan un don invalorable: el amor de Cristo, amor que nos hace capaces del testimonio. Se trata, según manifestó el Santo Padre de “recomenzar desde Cristo” y, para ello, precisó tres actitudes que forjan la identidad del catequista: • La familiaridad con Jesús: sólo unidos a Él los catequistas podremos dar fruto. Sentirnos en la presencia del Señor y dejarnos mirar por Él. Esto constituye un modo de rezar y nos deja tener acceso al fuego de la amistad de Cristo. Nos hace sentir que Él verdaderamente nos mira, está cerca de nosotros y nos ama. • Imitar a Jesús en el salir de uno mismo para ir al encuentro del otro: _”porque ¡quién pone en el centro de la propia vida a Cristo se descentra! Más nos unimos a Jesús y Él se convierte más en el centro de nuestra vida, más nos hace salir de nosotros mismos, nos descentra y nos abre a los otros.” El catequista es un hombre o una mujer que, a partir de Cristo, optan por vivir una verdadera cultura del encuentro. • No tener miedo de ir con Jesús a las periferias: ahora en las palabras del Obispo de Roma, y antes en las del Arzobispo de Buenos Aires, descubrimos el mismo impulso misionero que invita a salir al encuentro de los que no creen, de quienes se alejaron y aprendieron a vivir sin fe, a pesar de su humano e inefable anhelo de trascendencia. Y, en este reiterado llamado del Santo Padre, una vez más, su invitación a acercarnos a las periferias, sobre todo a las periferias existenciales de los que sufren y de los que tiene el corazón desgarrado por el sinsentido. Reiterando aquella contundente opción expresada en sus primeros meses de pontificado, Francisco volvió a decir que “prefiere una Iglesia accidentada que una Iglesia enferma”, una Iglesia inquieta, que sale, se mueve, se cuestiona y se arriesga. Si salimos a llevar el Evangelio de Cristo con amor, Él camina con nosotros y llega antes porque, en realidad, Él ya está en aquellas periferias a las que nosotros nos dirigimos impulsados por su llamado. 116
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ARTIGOS ARTIGOS Días más tarde, el domingo 29 de septiembre, en la Plaza de San Pedro, durante la Misa, resonaban las palabras del Profeta Amós: y “¡Ay de los que se fían de Sión,... acostados en lechos de marfil!” Y el Santo Padre agregaba: “Comen, beben, cantan, se divierten no se preocupan por los problemas de los demás”. En términos similares Francisco se refirió, también, a aquel hombre rico del Evangelio, incapaz de compartir de verdad la riqueza de su banquete con el pobre que aguardaba, en la puerta, un poco de humana solidaridad. La indiferencia y la falta de compasión nos deshumanizan. Como constatación de esta tragedia, el Papa se detiene en este hecho que puede pasar inadvertido: ese hombre rico no tiene nombre. Esto es como no tener rostro. Podríamos decir que las “ventanas” de su identidad están herméticamente cerradas. A nosotros puede pasarnos lo mismo: podemos pretender ser aquello mismo que poseemos, podemos encerrarnos en la pequeñez de nuestros propios límites y olvidarnos de dónde venimos y hacia dónde vamos. Podemos perder la memoria de Dios. “Si falta la memoria de Dios, todo queda rebajado, todo queda en el yo, en nuestro bienestar. La vida, el mundo, los demás, pierden la consistencia, ya no cuentan nada, todo se reduce a una sola dimensión: el tener. Si perdemos la memoria de Dios, también nosotros perdemos la consistencia, también nosotros nos vaciamos, perdemos nuestro rostro como el rico del Evangelio.” El catequista de verdad no el que simplemente trabaja de catequista, es el que cuida y alimenta la memoria de Dios, la cuida en sí mismo y sabe despertarla en los otros, sus interlocutores. La fe contiene la memoria de la historia de Dios con nosotros, la memoria del encuentro con Dios, que es el primero en moverse, que crea y salva, que nos transforma; la fe es memoria de su Palabra que inflama el corazón, de sus obras de salvación con las que nos da la vida, nos purifica, nos cura, nos alimenta. El catequista es precisamente un cristiano que pone esta memoria al servicio del anuncio; no para exhibirse, no para hablar de sí mismo, sino para hablar de Dios, de su amor y su fidelidad. Hablar y transmitir todo lo que Dios ha revelado, es decir, la doctrina en su totalidad, sin quitar ni añadir nada.
4 EL DESAFÍO DE LA CONVERSIÓN Así como Pablo VI quiso celebrar el Año de la Fe en 1967 y concluirlo con el bello Credo del Pueblo de Dios, como bálsamo y clarificación ante una época de crisis posconciliar, Benedicto XVI nos convocó a un segundo Año de la Fe, iniciado el 11 de octubre de 2012, “con la intención de ilustrar a todos los fieles la fuerza y belleza de la fe”.10 ¿Cómo no realizar un Congreso Internacional de Catequesis en Roma, en este contexto? En el Primer Anuncio la persona da su adhesión al Señor. Comienza a descubrir la fuerza y la belleza de la fe en su 10
Cfr. PF 4. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 109-123, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS asentimiento al Kerigma que afecta su vida entera. En la Catequesis de Iniciación el creyente realiza su unidad con el Señor, en el seguimiento que lo hace discípulo misionero y en la Catequesis Permanente profundiza su comunión con Jesucristo, ahondando en las verdades de la fe. La Catequesis es, siempre, “posibilidad de participación en el mismo Evento de la fe, en el mismo Evento – Cristo”. 11 El Motu proprio Fides per doctrinam (…), subraya que la fe necesita ser sostenida por medio de una doctrina capaz de iluminar la mente y el corazón de los creyentes. Para tal fin la Catequesis es una etapa que la Iglesia ha desarrollado, desde los primeros tiempos, para transmitir el contenido de la verdad que Dios ha querido comunicarnos, y ha buscado siempre la manera de expresarse con un lenguaje que no sólo sea apto para los tiempos, sino que llegue al corazón de la gente para que pueda conocer el misterio revelado por Jesús.12 Entre las finalidades del Año de la Fe, se encuentra indicada la necesidad de recuperar la unidad profunda entre el acto con el que se cree y los contenidos a los que prestamos nuestro asentimiento (Pf, 10) porque la fe es, ante todo, un don de Dios y una acción de la gracia que transforma el corazón del creyente. Además, el conocimiento de los contenidos que se han de creer no es suficiente si después el corazón, auténtico sagrario de la persona, no está abierto por la gracia que permite tener ojos para mirar en profundidad y comprender que lo que se ha anunciado es la Palabra de Dios” (Pf, 10).13 Este Congreso nos ayudó a reflexionar en la formación de catequistas “que sean conscientes del gran don de la fe y, al mismo tiempo, propongan el mensaje evangélico con un lenguaje que llegue al corazón del hombre y de la mujer de hoy, para que puedan convertirse en auténticos discípulos misioneros de Cristo14.
En estas afirmaciones quedan implicados la Catequesis, los catequistas y la comunidad cristiana, como verdadera catequista. La Iglesia toda posee la función profética y la ha delegado en algunas personas que han sido, especialmente, llamadas a anunciar la Buena Noticia de Jesús. Toda delegación supone una simple entrega de la tarea en sí misma, pero nunca es una entrega de la responsabilidad contenida en esa tarea. Si la comunidad eclesial se despreocupara de su función profética, se desnaturalizaría. No sería quien está llamada a ser. La Catequesis no es, por lo tanto, un ámbito cerrado y reservado a unos pocos “especialistas” del anuncio. Esta dimensión comunitaria de la Catequesis no es, ciertamente, un rasgo nuevo. De todos modos, es preciso explicitarla con una fuerza nueva ante el hambre de comunión que se manifiesta en una sociedad del éxito, el consumo y la soledad en medio de la masificación. Uno de los dramas del hombre de hoy es su falta de ligazón a la realidad. No tiene dónde apoyarse. Sólo el caos y el abismo parecen abrazarlo. En esta situación de soledad y falta de consistencia, necesita desesperadamente situarse, asirse, reencontrarse, trascender de él mismo para ir al encuentro de los otros. Sólo esas relaciones profundas, estables, sólidas y 11
Cfr. La homilía pronunciada por el Card. Mauro Piacenza durante el XII Congreso Europeo de Catequesis, 8 de mayo de 2012.
12
Cfr. Conclusiones del Congreso Internacional de Catequesis 2013.
13
Cfr. Orientaciones previas al Congreso Internacional de Catequesis 2013.
14
Cfr. Conclusiones del Congreso Internacional de Catequesis 2013. http://www.isca.org.ar/congreso/frutos-congreso.php
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ARTIGOS ARTIGOS confiables pueden llegar a producir procesos personales de identificación como los que se realizan en el encuentro con personas concretas que tratan de llevar, sinceramente, el cristianismo a su vida y están dispuestos a hablar de ello con los demás y a darles testimonio. Todo esto configura un sentido llamado a renovar la Catequesis, la Iglesia y a los catequistas, a través de un humilde y pascual proceso de conversión que lleve a todos a gestar, animar y fortalecer una cultura y una pastoral del encuentro. El fenómeno que algunos han denominado “modernidad psicológica”15, que pone la realización personal y la propia libertad como valores absolutos a los cuales deben subordinarse otros valores; y el fenómeno de la globalización, con sus evidentes resultados de pluralidad, ponen a la persona en situación de hacer su opción religiosa en un escenario en el cual las diversas propuestas se ofrecen en un nivel de igualdad en el que todo vale. El hombre y la mujer de hoy quedan, de este modo, en un amplísimo ámbito de libertad sin referencias y librado a tener que elegir sin que los valores más genuinos y más connaturales a la humanidad se le hayan mostrado, para que puedan atraerlo por su misma y real valiosidad. Aquí la Catequesis tradicional se halla casi impedida para transmitir la fe, puesto que pretende abordar un camino que supone una fe inicial inexistente, débil u olvidada. La multiplicidad de propuestas y la ausencia o debilidad de referencias confunden las búsquedas religiosas. Se requiere, en estas condiciones, un anuncio kerigmático que, muchas veces, se da falsamente como supuesto. Ante este escenario se nos plantea, también, una conversión que acentúe el carácter misionero de la Iglesia y sus agentes, en un contexto de Nueva Evangelización. A un Primer Anuncio pudo haber seguido una Catequesis que no ha provocado eco en el corazón de las personas por diversas razones. Este Primer Anuncio pudo haberse realizado, muchas veces, sin haber logrado algún efecto significativo. Los itinerarios de los creyentes en la post – modernidad resultan a veces caóticos y sinuosos, a pesar de haber comenzado con un buen Primer Anuncio. A veces, a un buen Primer Anuncio puede seguir una buena Catequesis en los itinerarios de los que recomienzan su vida de fe. Todo esto lleva a afirmar que la fe de la Iglesia no puede ser el resultado ni de una Catequesis deficiente ni de la ausencia de un Primer Anuncio verdadero y eficaz. La Iglesia es el sujeto primario de la evangelización, que se preocupa por anunciar el Evangelio tanto a los no creyentes, como también a los bautizados que viven en una indiferencia religiosa… Anuncia el Evangelio, invita a la conversión y al seguimiento de Cristo y acompaña no sólo a los catecúmenos, sino que forma y acompaña a aquellos que sirven en la Iglesia como catequistas… Hoy más que nunca es necesario resaltar la dimensión misionera de la Catequesis, lo cual comporta una seria formación de los catequistas. Una formación que logre conjugar el conocimiento de los contenidos de la fe y el testimonio de vida16 15
Por ejemplo, Juan Martín Velasco en “La transmisión de la fe en la sociedad contemporánea”.
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Conclusiones del Ingreso Internacional de Catequesis Nº 1. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 109-123, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS Esperamos un kairós en el cual el olvido de Dios, que hoy empuja a la humanidad hacia periferias de mucho dolor e incertidumbre, se transforme en ocasión de “anuncio misionero. La vida cotidiana nos mostrará dónde localizar esos patios de los gentiles, dentro de los cuales nuestras palabras se hacen no sólo audibles, sino también significativas y curativas para la humanidad. La tarea de la Nueva Evangelización es conducir, tanto a los cristianos practicantes, como a los que se preguntan acerca de Dios, a percibir su llamada personal en la propia conciencia.”17 A partir de estas conversiones a las que nos vemos interpelados, nos planteamos la irrenunciable prioridad de repensar la formación de los catequistas. Justificamos esta afirmación a través de dos postulados: - En la Nueva Evangelización la formación no es un objetivo, sino una condición.18 - Una Nueva Evangelización supone una nueva Catequesis19y, por lo tanto, nuevos catequistas. Catequistas testigos de su fe, para que el mundo crea. Respondiendo a esta prioridad, durante el Congreso, Mons. Octavio Ruiz Arenas nos convocó a algunos sacerdotes de Chile, Argentina y de otros países latinoamericanos. Convenimos realizar, en el CELAM (Colombia), en abril de 2014, un encuentro de rectores de institutos superiores de Catequética de los países de la región, para pensar la formación de catequistas en la Nueva Evangelización.
5 LA FORMACIÓN DE CATEQUISTAS EN LA NUEVA EVANGELIZACIÓN Este Congreso de Catequesis ha pretendido ayudarnos a comprender la urgencia de sostener, promover y formar catequistas capaces de afrontar los desafíos del tiempo presente, que sean conscientes del gran don de la fe y, al mismo tiempo, propongan el mensaje evangélico con un lenguaje que llegue al corazón del hombre y de la mujer de hoy, para que puedan convertirse en auténticos discípulos misioneros de Cristo. La Iglesia, por lo tanto, tiene necesidad de proponer itinerarios de iniciación cristiana, que a partir del anuncio del kerigma conduzcan a una verdadera conversión del corazón.20
En una línea de reciprocidad, afirmamos que “el catequista en formación, sólo si vive y hace la nueva Iglesia logrará modelarse como un nuevo creyente, atravesado por un renovado ardor misionero que ame y contagie al mundo de hoy, transmitiendo el don de la fe. Será, al 17
Cfr. Sínodo de los Obispos, XIII Asamblea General Ordinaria, “La Nueva Evangelización para la transmisión de la fe cristiana”, Lineamenta, Roma, 2011 18
Cfr. Mons. Octavio Ruiz Arenas, “La importancia de la formación permanente para los nuevos evangelizadores” en las 48º Jornadas de Cuestiones Pastorales “Confesar la fe es un reto”, 2012. 19
Cfr. Mons. Rino Fisichella, “Preludio” en el Congreso Internacional de Catequesis, Roma, 2013.
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Cfr. Conclusiones del Congreso Internacional de Catequesis 2013.
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ARTIGOS ARTIGOS mismo tiempo anfitrión y comensal invitado, al banquete del Señor Jesús que celebra la fiesta de la Salvación. De esta manera podrá suscitar y desplegar, en cada varón y mujer de su tiempo, el deseo y la apropiación de la Buena Noticia de Jesús.”21 Estamos convocados a una catequesis del “insieme”22, donde todos podemos recorrer itinerarios que nos lleven a la conversión, incluso después de la conversión primera. La Iglesia evangeliza y es evangelizada. En el Congreso se señaló que la relación “Nueva Evangelización – Catequesis” nos lleva a realizar una nueva interpretación del proceso catequístico, en términos de Catequesis misionera. Ella es la Catequesis cuyos interlocutores son quienes han recibido el Primer Anuncio sin que éste calara hondo en sus vidas. Un anunció que no suscitó la fe, que no contribuyó a una primera conversión, que fue débil e ineficaz. Según se manifestó en el mismo Congreso, la Catequesis misionera es, también, aquella cuyos interlocutores están comprometidos con Cristo y con su Iglesia. Un anuncio en clave misionera contribuye a que nos percatemos una y otra vez de la novedad del Evangelio, de su vigencia y de su renovada propuesta ante distintas situaciones vitales a lo largo de nuestra existencia. Se trata de un don que no obliga, hace superar el acostumbramiento y ayuda a crecer en la fe, desde la interioridad más profunda de la persona, que da y reitera una y otra vez su “sí” a Dios. El gran riesgo del mundo actual, con su múltiple y abrumadora oferta de consumo, es una tristeza individualista que brota del corazón cómodo y avaro, de la búsqueda enfermiza de placeres superficiales, de la conciencia aislada. Cuando la vida interior se clausura en los propios intereses, ya no hay espacio para los demás, ya no entran los pobres, ya no se escucha la voz de Dios, ya no se goza la dulce alegría de su amor, ya no palpita el entusiasmo por hacer el bien. Los creyentes también corren ese riesgo, cierto y permanente. Muchos caen en él y se convierten en seres resentidos, quejosos, sin vida. Ésa no es la opción de una vida digna y plena, ése no es el deseo de Dios para nosotros, ésa no es la vida en el Espíritu que brota del corazón de Cristo resucitado.23
En sintonía con todo esto, señalamos dos perspectivas complementarias en la formación de catequistas en la Nueva Evangelización: contribuir a promover identidades cristianas adultas y desarrollar una competencia específica al servicio de la comunicación de la fe. Esto implica, al mismo tiempo, la formación en la fe adulta del catequista y la formación para la comunicación de la fe. Un catequista que crece en la fe adulta hace y renueva permanentemente la opción por el Señor Jesús, tiene un sentido de pertenencia responsable a la Iglesia y puede captar el significado de la fe para los problemas del hombre y de la sociedad. La competencia comunicativa, por su parte, abarca la capacidad de acceso correcto a las fuentes de la Catequesis con una asimilación personal y progresiva de sus contenidos fundamentales; y la capacidad de integrar juntamente los distintos elementos (contenidos, situación de los destinatarios, contexto eclesial, instrumentos didácticos, lenguaje, interacción), con vistas a favorecer el camino de fe de los catequizandos. Para definir la perspectiva de la 21
Cfr. el Documento de Apertura de las IV Jornadas Nacionales de Catequética, ISCA, 2008.
22
Esta expresión que significa “todos juntos” ha sido empleada en el número 81 del texto del I SENAC.
23
Cfr. EG Nº 2. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 109-123, jan./jun. 2014.
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ARTIGOS ARTIGOS promoción de identidades cristianas adultas utilizamos esta expresión: “la Catequesis del catequista”. En una reflexión que escribimos en 2012, con ocasión del día del catequista, decíamos al respecto: Para ser entrañablemente él mismo, el catequista necesita hacerse destinatario de la Catequesis. Destinatario de itinerarios formativos diseñados para él, en los cuales la educación en la fe sea intencional y sistemáticamente favorecida. En el integral entramado de dimensiones diversas asumidas por la formación de los catequistas, tendrá un lugar privilegiado la educación de la fe, que ha de ser sostenida, fortalecida, animada, informada y testimoniada a lo largo de toda la vida.24 Una formación del catequista sólo funcional o didáctica no tiene sentido, es estéril estrategia. Al mismo tiempo, la sola maduración de fe del catequista, sin hacerlo capaz de su tarea específica, es decir, la dinámica comunicativa como espacio del nacer, crecer y llegar a la madurez de la fe, deja desguarnecido el aspecto principal de su ministerio y puede quedarse en una formación espiritual ineficaz.25
En el Documento de Aparecida logramos vislumbrar estas dos perspectivas a través de la unidad interna de la dinámica discípulo misionero, que atraviesa todo el documento. El discípulo se hace misionero porque él mismo ha encarnado en su vida los valores del Maestro y su vida digna, plena y feliz en Cristo atrae a otros que encuentran en Jesús el sentido de sus vidas. “El discípulo, a medida que conoce y ama a su Señor, experimenta la necesidad de compartir con otros su alegría de ser enviado, de ir al mundo a anunciar a Jesucristo, muerto y resucitado, a hacer realidad el amor y el servicio en la persona de los más necesitados, en una palabra, a construir el Reino de Dios. La misión es inseparable del discipulado, por lo cual no debe entenderse como una etapa posterior a la formación, aunque se la realice de diversas maneras de acuerdo a la propia vocación y al momento de la maduración humana y cristiana en que se encuentre la persona.”26 Otras dos perspectivas complementarias27 pueden contribuir hoy a la configuración de itinerarios para la formación de catequistas en la Nueva Evangelización: la propuesta de la fe (el catequista evangelizador que propone la siempre atrayente novedad del Evangelio) y el cuidado de la fe (el catequista pedagogo que enseña y acompaña en el camino de crecimiento y profundización de la fe). En palabras de Aparecida, podríamos expresar esto mismo diciendo “el encuentro con Cristo” y “el discipulado”28. En la mayoría de nuestras comunidades la Catequesis está pensada y organizada en el horizonte del “cuidado de la fe”. Muchos interlocutores del Mensaje no han tenido todavía el encuentro con Cristo que transforma su 24
Cfr. Quijano, José Luis en http://www.isca.org.ar/images/mail/carta-catequistas/index.htm
25
Así se expresaba el Hno. Enzo Biemmi en la Asociación Española de Catequetas (AECA), diciembre de 2011.
26
Cfr. D.A. Nº 278.
27
A partir de la presentación del Hno. Enzo Biemmi en la AECA en 2011, estas perspectivas fueron resignificadas para un contexto latinoamericano, por el Padre Quijano en el Encuentro de Comisiones Episcopales de Catequesis del Cono Sur, organizado por el Departamento de Misión y Espiritualidad del CELAM y realizado en Buenos Aires en 2013. 28
Cfr. DA. Nº 278
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São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 109-123, jan./jun. 2014.
ARTIGOS ARTIGOS vida y, paradójicamente, los procesos catequísticos que se les propone buscan cuidar una fe inexistente, abandonada u olvidada. Estos interlocutores, en reiteradas ocasiones, se han acostumbrado a vivir sin fe pero, al mismo tiempo y casi sin saberlo, están en una inquieta y persistente búsqueda religiosa. En la mayoría de los casos, la formación de los catequistas se ha concentrado en su capacidad de educar en la fe a personas ya creyentes, pensada y organizada según la lógica de la educación de una fe ya presente. Aquí está el desfasaje profundo entre la realidad y una formación catequística eficaz. Es éste el motivo fundamental de las dificultades de muchos catequistas y de su sensación de incapacidad. Muchas personas siguen pidiendo los sacramentos y manifiestan una parcial pertenencia a la comunidad eclesial y, a la vez, su vida está orientada según criterios muy secularizados. Nuestros interlocutores reclaman dos atenciones: el segundo primer anuncio29, como propuesta que suscita reiteradamente la fe y la profundización de la fe en un camino de discipulado. Teniendo esto en cuenta, creemos que la formación de los catequistas no debe ser pensada como un paso absoluto y excluyente del catequista pedagogo de la fe al catequista evangelizador, sino que las dos dimensiones deben complementarse en la formación.
29
Biemmi, Enzo, “Il secondo annuncio. La grazia di ricominciare”, Bologna, EDB, Bologna, 2011. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 109-123, jan./jun. 2014.
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VIVÊNCIAS VIVÊNCIAS CATEQUESE, PROTAGONISMO INDÍGENA E INCULTURAÇÃO III Seminário Nacional de Catequese Indígena – Manaus, 25 a 28 de abril de 2013 Justino Sarmento Rezende*
INTRODUÇÃO O III Seminário Nacional de Catequese Indígena deu continuidade aos dois já realizados na caminhada recente da catequese no Brasil. O primeiro ocorreu em Manaus (AM), de 25 a 28 de outubro de 2007. O segundo foi em Ananindeua (PA), de 08 a 10 de abril de 2011. O terceiro voltou a ser realizado em Manaus. Ele se colocou dentro da celebração dos 30 anos do documento Catequese Renovada (1983) e dos 40 anos de história de compromisso com os povos indígenas do Conselho Indigenista Missionário (CIMI, 1973). O contexto histórico analisado desafia a “desembarcar das naves dos invasores para embarcarmos nas canoas dos índios”. É preciso entender as culturas dos pequenos. Os povos indígenas são pequenos, mas possuem sabedorias, são portadores do Amor de Deus para as pessoas. P.e Eleazar, vindo do México, contou que as flores de Guadalupe que Juan Diego ofereceu à Igreja simbolizam as culturas indígenas. Como Juan Diogo, com simplicidade, as culturas indígenas podem contribuir também com a Igreja hoje. Apresentamos, a seguir, uma exposição sobre esse III Seminário Nacional feita pelo P.e Justino Sarmento Rezende, três poemas por ele escritos durante o Seminário ou depois dele, com sua sensibilidade indígena e, finalmente, as conclusões do Seminário.
1 O III SEMINÁRIO NACIONAL DE CATEQUESE INDÍGENA
1.1 INICIANDO A CONVERSA: DADOS SOBRE O SEMINÁRIO A cidade de Manaus, capital do estado do Amazonas, região norte do Brasil acolheu de coração aberto os noventa participantes do III Seminário Nacional de Catequese Indígena, de 25 a 28 de abril de 2013, no Centro Diocesano de Formação (Maromba). O Seminário Nacional foi organizado pela Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética, pela Comissão Episcopal para a Amazônia, pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), pela Comissão Missionária e Pastoral Indigenista da Arquidiocese de Manaus. *
Indígena do povo Tuyuka, é salesiano (1984), sacerdote (1994). Tempo de trabalho com os povos indígenas em Iauareté: 1994-1996; 2004; 2007-2008, e com o povo Yanomami, do rio Marauiá (AM): 2010-2013. Possui mestrado em Missiologia e Mestrado em Educação Indígena pela Universidade Católica Dom Bosco - MS.
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VIVÊNCIAS VIVÊNCIAS Catequese, Protagonismo Indígena e Inculturação foi o tema deste III Seminário Nacional de Catequese Indígena. Estavam presentes indígenas procedentes de vinte e um povos: Boé Bororo, Maku Hyump, Wapixana, Baré, Piratapuia, Baniwa, Kokama, Mura, Bará, Munduruku, Zapoteca, Arapaso, Macuxi, Tukano, Tuyuka, Sateré-Maué, Kambeba, Guajajara, Tariano, Desana, Mayuruna. Além deles fizeram-se presentes alguns bispos, sacerdotes, religiosos das diferentes congregações. Destacamos a presença de padres e religiosas indígenas. Nós, indígenas, entendemos o quanto significamos para os nossos parentes indígenas e para a Igreja: uma nova força nos processos de construção de inculturação da evangelização e catequese. O III Seminário Nacional consistiu de uma série de palestras, proferidas por especialistas, e Oficinas com a participação de todos os presentes. As cinco palestras proferidas durante o Seminário foram a seguintes: I. Cenários catequéticos da história da Missão (P.e Raimundo Possidônio da Mata); II. Finalidade da Catequese no contexto histórico-social dos povos indígenas hoje – um foco indigenista (P.e Paulo Suess); III. Catequese indígena, Iniciação à Vida Cristã e Inculturação (P.e Luiz Alves de Lima, sdb); IV. Diálogo interreligioso e intercultural: a Teologia Índia (P.e Eleazar López Hernández – indígena Zapoteca, México); V. Inculturação: perspectivas e desafios (P.e Paulo Suess e P.e Eleazar L. Hernández). As Oficinas desenvolveram os seguintes temas (entre parênteses, o nome dos animadores das várias oficinas): I. Bíblia da Catequese Indígena (Ir. Téa Frigério); II. Ritos e Mitos Indígenas na Catequese (P.e Bartolomeu Giaccaria, sdb); III. Inculturação na Catequese Indígena (P.e Justino Sarmento Rezende, sdb); IV. Espiritualidade e Catequese Indígena (Ir. Rebeca Spires); V. Catequese e Protagonismo Indígena (P.e Nello Ruffaldi); VI. Evangelização e Catequese entre os povos indígenas da cidade (P.e Roberto de Valicourt, omi). Apresento aqui as reflexões desenvolvidas na Oficina Inculturação na Catequese Indígena com as considerações, partilha de vida e conclusões dos diversos participantes. 1.2 LIDANDO COM OS CONCEITOS Alguns conceitos usados durante o Seminário são bastante conhecidos: O conceito Inculturação traz consigo o mistério da Encarnação do Verbo, Cristo Jesus: “E a Palavra se fez Carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). Este é um acontecimento histórico São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 124-134, jan./jun. 2014.
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VIVÊNCIAS VIVÊNCIAS divino-humano que aconteceu há mais dois mil anos. A nossa indianidade, nosso ser indígenacristão estão ligados à divindade. A Inculturação é o processo de construção histórica do Projeto de Deus no cotidiano da nossa vida humana. Ela é descoberta, vivenciada, mergulhada, abraçada, acolhida, assumida, transformada, construída no cotidiano, em diversos tempos e espaços. Por outra parte, o que vem com a marca de inculturação é rejeitada, principalmente entre alguns povos indígenas. A evangelização com a marca colonizadora não reconheceu nem valorizou os elementos religiosos das culturas indígenas, nem seus Mitos e Ritos, danças, cerimônias. Considerou isso como coisas más, do diabo. De repente, a evangelização inculturada surge em meio aos povos indígenas com a bandeira da defesa das culturas indígenas, símbolos, ritos etc. Daí surgirem confusões mentais nos povos indígenas: o que a Igreja está querendo? Catequese é um conceito que está bem próximo de nós, mas também não é de fácil compreensão. Nós encontramos pessoas que lidam bem com as teorias sobre a catequese, mas não lidam com a prática; outras lidam bem com as práticas da catequese, mas não lidam tão bem com os conceitos e, por último, encontramos algumas pessoas que lidam bem com a teoria e a prática. O conceito de Indígena é universalizante e engloba todos os povos indígenas indistintamente. Mas é importante entendermos que existem diversidades culturais e de povos dentro deste imenso Brasil. Entre os vários indígenas há diferenças, semelhanças e especificidades; possuem suas culturas, línguas, tradições, costumes, riquezas, valores, problemas. Nós, que estamos aqui neste Seminário Nacional, pertencemos a vários povos indígenas.
2 QUEM VAI AJUDAR-NOS A ENTENDER TAIS CONCEITOS? Quem melhor pode nos mostrar-nos como se faz e como se vive a Inculturação é próprio Jesus, Verbo Encarnado que nasceu, viveu, conviveu, partilhou sua vida, anunciou a Boa Nova aos povos de sua época. Ele estava situado dentro de contextos sociais, políticos e religiosos de seus tempos e seus espaços. Ali criou método próprio para transmitir a mensagem da Boa Nova do Reino. A Inculturação/Encarnação nesses contextos históricos levou Jesus ao sofrimento, morte e ressurreição. Para entendermos o que seja a enculturação, façamos algumas perguntas: se Jesus estivesse aqui, como Ele trataria os povos indígenas? Como Ele se encarnaria nas culturas indígenas? Como seria o seu relacionamento com os diferentes povos indígenas? Como Jesus aproveitaria os valores dos povos indígenas no processo de anúncio da Boa Nova? Como os povos indígenas se relacionariam com Jesus? 126
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VIVÊNCIAS VIVÊNCIAS A oficina intitulada Inculturação na Catequese Indígena pode ser pensada com base em perguntas como essas e outras. Para Jesus, a Inculturação/Encarnação era a capacidade de viver intensamente as culturas de sua época, conviver com as pessoas, ter vontade louca para fazer o bem, defender os pobres, marginalizados, curar os doentes, pecadores. Para Ele inculturar-se significava alegrar-se com as vitórias e a superação das pessoas. Jesus era um profundo conhecedor das culturas; não saiu endeusando toda a cultura, como fazem algumas pessoas que atuam entre os povos indígenas, mas combateu os males presentes e muitos males estavam institucionalizados nas sociedades civis e religiosas. Jesus não compactuou com as injustiças de sua época. Na oficina sobre a Inculturação na Catequese Indígena, nós, indígenas precisamos expressar como Deus age em nossas vidas e nas nossas culturas. Nós devemos acreditar que Jesus nos iluminará para que possamos entender bem as nossas culturas, nossos valores, nossos desafios atuais, nossas lutas, nossas superações, nossos sofrimentos, nossos males, nossas angústias, os desejos não alcançados que nos fazem sofrer, nossos projetos de vida. E quem não é indígena também deve acreditar em Deus e, com os povos indígenas, ouvir as vozes de Deus para que, juntos, construamos ações a favor da vida. Nós viemos de muitos lugares da grande Amazônia. Sabemos muito bem que as práticas de catequese acontecem no dia a dia, ali onde está um missionário, uma missionária ou leigos incansavelmente comprometidos com o bem da comunidade. Entre os povos indígenas, a catequese é assumida pelos próprios indígenas. Os missionários e as missionárias mergulhados nas culturas indígenas já são capazes de dizer o que os povos indígenas querem saber da Igreja, dos padres, dos religiosos e dos leigos que atuam no meio deles. Estar no meio dos povos indígenas, nas aldeias, exige mudança radical de vida, de estilos de vida, de crenças, de novas atitudes.
3 DESCRIÇÃO DA INCULTURAÇÃO NA CATEQUESE INDÍGENA A nossa referência, quando falamos da Inculturação, é o próprio Jesus, Verbo encarnado numa cultura. Jesus mostra-nos que, para existir o verdadeiro e profundo processo de inculturação, nós temos de nascer, viver, conviver, partilhar a vida com os povos de nossas culturas. Nós, indígenas, temos de conhecer e pisar no chão das culturas indígenas, pois aqui estão plantadas as sementes do amor, paz, alegria, acolhida, partilha. Elas foram cultivadas e dão frutos continuamente com os trabalhos de cada povo indígena. Jesus conhecia muito bem a cultura na qual nasceu, cresceu, foi educado; conhecia os valores, as limitações, os erros presentes nas pessoas daquela cultura. Jesus foi um profundo conhecedor da política de seu país. Conhecia muito bem como era vivida a religião, as São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 124-134, jan./jun. 2014.
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VIVÊNCIAS VIVÊNCIAS tradições, os costumes, os rituais, cerimônias, símbolos, as linguagens religiosas etc. A partir disso é que Ele anunciou a sua Boa Nova aos povos de sua época. Nós, indígenas participantes do III Seminário Nacional de Catequese Indígena, vamos perguntar: “Se Jesus estivesse aqui, como Ele trataria nossos povos indígenas? Como Ele se encarnaria nas culturas indígenas? Como Jesus aproveitaria os valores dos povos indígenas no processo de anúncio da Boa Nova?” A inculturação significa um longo caminho: vamos descobrindo e redescobrindo muitas coisas bonitas de nossas vidas e histórias indígenas. A Inculturação na Catequese Indígena desafia-nos a acreditar sempre na vida das pessoas: crianças, adolescentes, jovens e adultos. Jesus é modelo também nessas práticas simples: visitar as pessoas, visitar as famílias. Nós, indígenas, temos de aproveitar na nossa catequese os nossos valores que o próprio Deus já colocou no coração de nossas culturas: amar as nossas comunidades, amar as pessoas, amar nossos parentes, amar nossas práticas cultuais (os benzimentos, por exemplo) que são as defesas das vidas humanas. A Inculturação na Catequese Indígena dá-nos a certeza de que Jesus conhece nossas comunidades, conhece a prática do amor entre os membros das comunidades indígenas. Devemos continuar partilhando os bens materiais e conhecimentos com os nossos parentes e com as pessoas que convivem conosco. Para nós isso é Inculturação. A Inculturação na Catequese Indígena significa aprender a respeitar os outros, respeitar nossos velhos/velhas que são fontes de sabedoria, respeitar as crianças, adolescentes, jovens e adultos; significa valorizar as nossas culturas, nossas línguas, valorizar a Palavra de Deus. Quando conseguimos fazer isso, o amor de Deus ressoa nos corações das pessoas e espalhase pelos diversos ambientes. A Inculturação na Catequese Indígena aponta-nos para os valores importantes na nossa vida humano-cristã: estar juntos, com os nossos irmãos, ajudar nos trabalhos comunitários. Esses valores são nossas histórias bonitas cultivadas de geração em geração. A Inculturação na Catequese Indígena exige rezar com os irmãos da comunidade, participar das refeições comunitárias, oferecer o que temos. Assim nós criamos ambientes bons para viver, superamos nossos medos, nossos receios, os preconceitos. Assim nós, leigos, religiosos (as) e padres indígenas fortalecemos a nossa caminhada religiosa. Quando entrarmos nessa dinâmica, preparamos bem nossas orações e rezamos bem as nossas orações, preparamos bem e com criatividade os lugares/espaços de oração. Fazendo assim, acreditamos que Jesus é nosso irmão, companheiro, presente em cada de nós. A Inculturação na Catequese Indígena faz-nos entender que Deus plantou o seu amor em nossos corações indígenas, no coração de nossas culturas. Assim, também nós iremos plantar e replantar o amor de Deus como um processo contínuo. Vejamos: nós somos indígenas, trabalhamos nas roças, cultivamos mandiocas, batatas, bananeiras, macaxeiras etc. As mulheres cuidam diariamente das roças, limpam o terreno. 128
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VIVÊNCIAS VIVÊNCIAS Na hora da colheita, colhem o necessário e replantam no lugar de onde tiraram os frutos. Assim a roça continua dando alimentos. Os corações indígenas receberam muitas sementes boas de suas próprias culturas e com a vida cristã recebem outras novas sementes. O nosso trabalho é cuidar para que o amor não acabe em nossas vidas e comunidades. A Inculturação na Catequese Indígena promove a vida e o amor dentro das comunidades indígenas e com os grupos que vivem nas cidades. Em todos os lugares, a Catequese Indígena deve ser feita com amor para ficar bonita e dar frutos que esperamos. Quando amamos as pessoas, sempre queremos conhecê-las mais. Jesus era muito humano, cultivava o hábito de ver as pessoas, estava atento às suas necessidades, conversava com elas. Nós também devemos cultivar esses valores tão necessários nos tempos atuais. A Inculturação na Catequese Indígena consiste também em sentirmo-nos chamados por Deus para viver, rezar, conviver com o povo: escutar suas histórias, contar nossas histórias, rir à vontade, chorar com os que choram; animar os desanimados, ter calma com os estressados, criar confiança nos outros, abrir o nosso coração quando sentimos dificuldades; devemos saber silenciar, meditar e entender os mistérios de outras culturas, os mistérios de Deus sobre os nossos projetos de vida. A Inculturação na Catequese Indígena consiste, ainda, em entrar num processo de ter paciência com nós mesmos, indígenas, e com os outros povos, nossos irmãos. As nossas culturas indígenas hoje apresentam muitos desafios. Precisamos de sabedoria para ter paciência com as histórias e as vidas de nossos irmãos. Ter paciência com a nossa vida quando não estamos bem, quando queremos desanimar, desistir de viver. A Inculturação na Catequese Indígena na grande cidade apresenta muitos desafios. Um deles é: como conseguir realizar esse trabalho com indígenas que negam suas identidades e rejeitam muitas coisas do ser indígena? Como vamos trabalhar com lideranças indígenas e jovens que estão encaminhando-se para o mundo das drogas e se autodestruindo? Catequese inculturada aqui significa lutar a favor da vida, sermos solidários com o sofrimento dos indígenas que perdem suas línguas-mãe e negam suas identidades. Devemos criar ações para o resgate dos valores das vidas dos povos indígenas: escolas indígenas, associações de defesa da vida etc. A Inculturação na Catequese Indígena consiste em acreditar que Jesus está nas nossas culturas indígenas, está em nossa natureza, nas florestas, nos rios, cachoeiras... O nosso trabalho deve se interagir bem com o cosmo, os rios, as florestas, os seres vivos e os espíritos que dão vida ao mundo e às pessoas.
4 FECHANDO A CONVERSA A experiência do encontro mostrou que coisas boas estão acontecendo: as práticas da Iniciação à Vida Cristã estão sendo redescobertas por nossas comunidades. O diálogo, São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 124-134, jan./jun. 2014.
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VIVÊNCIAS VIVÊNCIAS exigência da inculturação, também está avançando. É fundamental dialogar com os diferentes. Nós, povos indígenas, temos muito para dar, partilhar e oferecer para a Igreja. Queremos, porém, aprender também com os outros povos, pois as histórias são construções humanas. Podemos construir novas histórias, mas precisamos aprender a fazer escolhas. Com nossos mitos e ritos mostramos que a vida deve ser vivida com generosidade, com alegria e profundidade. Sabemos valorizar a natureza, as pessoas, os seres viventes, as forças imateriais presentes no mundo. Neste III Seminário Nacional, demos alguns passos para frente. Estamos caminhando. Não temos soluções mágicas, mas continuamos buscando caminhos para superar as dificuldades, criar outras práticas e acertar juntos. As diversas questões referentes aos temas da catequese indígena, inculturação e protagonismo continuam abertas para os nossos estudos, reflexões e experiências. Convidamos todas as pessoas de boa vontade para que se interessem pelas vidas dos nossos povos. Fazemos apelo aos bispos para que estejam atentos às realidades indígenas de suas dioceses. Os povos indígenas não podem ser invisíveis a seus olhos, pois estão presentes em muitas dioceses e paróquias. Somado a esse compromisso, fazemos apelo para que as dioceses e as paróquias saibam disponibilizar recursos materiais para tornarem viável nossa participação. Para todos os participantes do III Seminário Nacional, esse foi um momento de Kairós: momento da criação e recriação da vida. Deus nos criou para com Ele criar um mundo novo! Ele aposta nos povos indígenas! Realizamos um bonito trabalho. Elaboramos, por meio de um processo bem participativo, propostas para o futuro de nossa caminhada, as quais expomos abaixo.
5 POEMAS A seguir apresentamos algumas composições do P.e Justino Sarmento Rezende, que expressa, com sua experiência e visão indígena, alguns temas tratados durante o III Seminário Nacional de Catequese Indígena. Assim ele se expressa: “Depois dos meus cinquenta anos de vida eu acreditei que deveria escrever alguma coisa sobre as diversas realidades que me envolvem e estão dentro de mim... São escritos feitos com muita emoção, alegria, esperança... com o desejo de valorizar a vida indígena sua natureza, seus animais, com sua cultura, seus valores humanos...”
5.1 SER MISSIONÁRIO1 Quem nunca ouviu falar de missionário? O missionário saiu do coração de Deus. 1
Aldeia São Pedro - Mato Grosso, 16.05.2012.
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VIVÊNCIAS VIVÊNCIAS Mensageiro de Deus é o missionário. Mensageiro de paz, alegria, amor. Ser missionário entre o povo Xavante: É amar os Xavantes como Deus os ama. Ser missionário entre os bororos: É dar a vida aos Bororos como Jesus. Ser missionário aqui é encarnar-se nas culturas. Tornar-se Xavante e Bororo. Tornar-se amigo e companheiro. Incansavelmente tornar-se um Dom para estes povos. Ser missionário é entregar-se sem medida. Ser missionário é olhar com os olhos divinos para cada pessoa. É ouvir com os ouvidos de Deus a voz das crianças, jovens, adultos. É sorrir e achar graça das maravilhas de Deus. Ser missionário aqui é ser esperança. É defender as pessoas, a vida... Ser missionário é amar infinitamente Aos povos indígenas de cada aldeia. Ser missionário é entrar nas estradas, com caminhonete e outro carro, Entrar nos cerrados, sem medo de errar. Se errar o caminho, voltar a acertar o caminho certo, Que leva à aldeia certa e ficar muito alegre! Ser missionário é estar mais perto de Deus. Estar mais próximo dos indígenas. É estar com Jesus e levar o seu amor aos irmãos. Ser missionário é ser muito especial no mundo. SEJA FELIZ, MISSIONÁRIO!
5.2 MISSIONÁRIO NO AMAZONAS2 Belas florestas marcam a nossa linda Amazônia. Grandes rios cortam essas lindas florestas, Linhas retas e curvas foram traçadas pelo Artista-Criador. Para marcar e demarcar as belezas da natureza. Na nossa Amazônia habitamos muitos povos. Somos envolvidos pela rica biodiversidade. As águas da Amazônia são transparentes, brancas, azuis, verdes, São vermelhas como nosso sangue, São barrentas, são amarelas... As árvores dão diversos sabores, 2
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VIVÊNCIAS VIVÊNCIAS Para alimentos de inúmeros seres vivos. Os nossos rios, igarapés, paranás apresentam bonitas e perigosas cachoeiras. Lindos pássaros cantam e sobrevoam nos ares da nossa Amazônia. Belos nascentes de sol e irrepetíveis pores-do-sol fecham nossos dias. Na época de rios secos, belas e grandes praias espalham-se. Bonitas pedras embelezam as beiradas dos rios. Nessas terras espalham-se muitas comunidades. Pessoas de longas tradições culturais. Aqui, há muitos séculos chegaram muitos homens brancos, E com eles chegaram os missionários para trazer a mensagem de Jesus. Andaram de um lugar para outro construindo as comunidades, Comunidades seguidoras do Projeto de Vida de Jesus. Andaram de canoas sendo guiados pelos braços fortes dos indígenas. Superaram inúmeros contratempos geográficos e culturais. Uns aprenderam as riquezas culturais dos povos amazônidas, Outros aprenderam as línguas indígenas. No mundo de hoje já temos missionários amazônidas, Conhecem as culturas da Amazônia. Junto com eles trabalham missionários estrangeiros, Bem comprometidos com nossos povos. É a riqueza da vida missionária! Ser missionário hoje é missão de todos os batizados. Hoje as crianças, adolescentes, jovens são missionários. Os solteiros, os casais, os de terceira-melhor-idade são missionários. Hoje os missionários andam com carros, Fazem as missões em longas distâncias, Voam com potentes motores de popa Uns viajam com motores rabetas, Uns ainda viajam de canoas e remos. Ser missionário hoje é estar nas pequenas comunidades, É estar nos grandes templos-catedrais. É estar nas missas campais, nas emissoras das rádios, É estar nos canais de televisão, veicular mensagens nos sites da internet. É a riqueza da Missão na Amazônia!
5.3 A DANÇA3 Danças, danças, danças! Inúmeras danças do universo! Os movimentos do universo seguem diversos ritmos de danças. 3
Agosto de 2012.
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VIVÊNCIAS VIVÊNCIAS Os diferentes sons da natureza e dos seres vivos produzem diversas melodias e ritmos. A criação toda participa da grande dança das vidas! Dança é a essência da vida. Dança é a essência da existência, das histórias. Dança é a essência dos seres viventes. Onde estariam as fontes das danças? Certamente no Criador dos seres vivos e das vidas. Desde os minúsculos até os gigantes animais movimentam-se no ritmo de danças da vida. As formigas dançam enfileiradas nos caminhos, nas pedras, nas florestas, nas árvores. Os peixes dançam correndo em grupos pelos rios, lagos, praias, cachoeiras. Fazem suas piracemas, suas festas rituais. Os pássaros de diversas espécies gritam, voam, fazem zigue-zagues nos ares, em cima dos rios, lagos, entre as árvores. Os diversos animais correm nas florestas e nas árvores, gritando, cantando. Os sapos pulam de um lado para outro dançando suas danças e suas músicas. Todos os seres vivos dançam; não sabemos ao certo os motivos de suas danças. Todos os seres vivos tiram de dentro de seus corações diversos ritmos, melodias e músicas. Dentro do universo os seres humanos são produtores de músicas, ritmos, melodias e danças. Expressam seus sentimentos de alegria, paz, dores, decepções, frustrações, realizações, medos, esperanças, desejos, pedidos, súplicas. Os seus corpos movimentam-se de acordo com os ritmos que o próprio ser humano cria. Os seres humanos são construtores de ritmos. Com os diversos instrumentos musicais construídos ao longo de suas histórias, os homens e as mulheres criam centenas e milhões de ritmos. Os ritmos mexem os homens e as mulheres por dentro e por fora. Quando os homens e as mulheres dançam, suam, cansam e realizam-se. Os povos indígenas dançam, tocam instrumentos e acompanham seus pares. Muitos povos indígenas em suas cantorias e danças gritam e pisam forte no chão da vida. Expressam prá valer suas alegrias, tristezas, pedidos, emoções... Envolvem a natureza que os sustenta em suas danças. As danças corporais deixam ligado o homem e a mulher com a vida. Dançam pelos acontecimentos da natureza, acontecimentos da vida, da história, da morte... As danças marcam as festas, as comemorações, as conquistas... As danças nos deixam cansados e realizados. As danças nos deixam extasiados, transformados, alegres, satisfeitos, leves. As danças simbolizam o entusiasmo pela vida. Existem centenas, milhões de ritmos de danças no mundo. Existem milhões e bilhões de seres vivos e seres humanos que gostam de dançar. As danças são mistérios, são forças que nos envolvem e mostram outros sentidos da vida. Somente quem já dançou pode dizer o que significa dançar. Nem todas as pessoas gostam de dançar. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 124-134, jan./jun. 2014.
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VIVÊNCIAS VIVÊNCIAS Nem todas gostam de pessoas que dançam O nosso mundo oferece espaços vitais para todos. As músicas e danças existem antes que nós existíssemos. Continuarão existindo sempre. Quem se aventura a dançar faz sua própria experiência. Faz a sua própria escolha. Em algumas culturas não se escolhe para dançar, somos obrigados pelas tradições culturais. Muitas pessoas já carregam dentro de si a força da dança. A dança, os ritmos e as melodias já nascem em suas veias. Muitas pessoas lançam-se no mundo da dança naturalmente. Essas pessoas gostam, adoram, amam dançar! Músicas, ritmos, melodias, dançadores interagem harmoniosamente. Para alegrar o mundo, a natureza, o Criador!
CONCLUSÕES DO III SEMINÁRIO NACIONAL DE CATEQUESE INDÍGENA Reconhecendo que os catequistas indígenas são a base para o surgimento de uma igreja autóctone, chegamos às seguintes conclusões: I. Sentimos a necessidade de uma formação permanente, específica de catequistas indígenas em vista de uma Igreja indígena, ministerial, missionária, incorporando a lógica, o conteúdo, a metodologia e as instâncias próprias dos povos e culturas indígenas. Essa proposta de formação poderá ser realizada em centro de formação permanente, ou nas aldeias, ou numa combinação criativa. Os elementos de formação inculturada devem ser incorporados também aos programas de formação do clero, religiosos e religiosas indígenas; II. Para os não indígenas que atuam junto aos povos indígenas é necessária uma preparação específica, em vista de uma catequese inculturada com protagonismo indígena; III. Queremos continuar o processo de reflexão com intercâmbio de experiências, conteúdos, metodologias, subsídios. Ao longo de quatro anos serão realizados encontros regionais e diocesanos, por temas específicos (indígenas na cidade), para a partilha de experiências e aprofundamento. Esse processo culmina com a realização do IV Seminário Nacional de Catequese Indígena, previsto para 2017.
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RESENHAS RESENHAS VATICANO II, MEMÓRIA E ESPERANÇA PARA OS TEMPOS ATUAIS
Ney de Souza*
Chegam-nos aos ouvidos insinuações de almas, ardorosas sem dúvida no zelo, mas não dotadas de grande sentido de discrição e moderação. Nos tempos atuais, não veem senão prevaricações e ruínas [...]. Mas a nós parece-nos que devemos discordar desses profetas de desgraças, que anunciam acontecimentos sempre infaustos, como se estivesse iminente o fim do mundo. Na ordem presente das coisas, a misericordiosa Providência está nos levando para uma ordem de relações humanas que, por obra dos homens e a maior parte das vezes para além do que eles esperam, se encaminham para o cumprimento dos seus desígnios superiores e inesperados, e tudo, mesmo as adversidades humanas, converge para o bem da Igreja. João XXIII, Discurso de abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II, in AAS 54 (1962) 789.
Na atualidade vivemos no pluralismo em que o indivíduo pensa por si, permitindo a si mesmo o convívio com uma oferta múltipla de visões da realidade e dos padrões de comportamento. A expressão política do pluralismo é a democracia: os diferentes grupos têm as mesmas oportunidades e liberdade de expressão garantida. Aborda-se a verdade de um jeito novo e os meios de comunicação são usados para tanto. A tolerância não implica neutralidade de pensamento. Ser democrata demais é abrir caminho para a própria destruição da democracia. Há situações que jamais podem ser permitidas (racismo, fundamentalismo...). Pessoas e instituições que reclamam pelo monopólio da verdade, querendo mais segurança do que a busca corajosa da verdade, passam por sérias dificuldades. O pluralismo na Igreja católica é um serviço prestado à unidade: os vários enfoques da unidade na diversidade. O legitimo pluralismo não é uma ameaça, mas condição indispensável para a catolicidade. Os mistérios da fé são muitos e profundos para serem expressos por uma única filosofia ou teologia. O Concílio Vaticano II foi uma experiência de pluralismo, pois mostrou, além das diversas culturas diferentes, teologias dentro de uma mesma fé. A *
Doutor em História Eclesiástica pela Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma. Professor titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC SP) e do Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL. São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 135-139, jan./jun. 2014.
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RESENHAS RESENHAS Igreja católica só será católica se der mais ênfase a sua catolicidade e se não permitir que sua romanidade diminua a igualdade de culturas. O pluralismo não é uma consequência do pecado, mas um dom do espírito que favorece a unidade da Igreja. Ele é sempre importante sinal dos tempos. Pluralismo requer liberdade e honestidade na busca da verdade. Pluralismo requer respeito pelo outro. Muito mais que tolerância, é necessário caminhar pelo conceito da alteridade. Essa é a finalidade desta publicação, feita com base no Simpósio de Teologia realizado no Centro Universitário Salesiano de São Paulo (campus Pio XI). O Instituto de Teologia Pio XI realizou esse evento acadêmico com o título “A 50 anos do Concílio Vaticano II, memória e esperança”. Para ajudar a refletir sobre a temática, foram convidados especialistas e uma testemunha participante do Vaticano II. A esses colaboradores, a serem apresentados a seguir, juntaram-se outros articulistas que, num segundo momento, prepararam reflexões que apresentamos neste 4.º volume da coleção Teologia, interdisciplinaridade e sociedade. A presente obra, Vaticano II, memória e esperança para os tempos atuais, está organizada em três seções. A primeira delas, “Vaticano II, texto e testemunho” apresenta as conferências realizadas no Simpósio Teológico do Instituto Pio XI. A segunda seção, “Vaticano II, história, tradição e renovação”, foi formulada na intenção de oferecer, em primeiro lugar, os antecedentes do Concílio por meio de suas Comissões preparatórias; em seguida, uma visão de conjunto das atividades dos papas João XXIII e Paulo VI, protagonistas do Vaticano II. Além disso, na seção, afirma-se que o legado do Vaticano II só poderá tornar-se realidade se compreendido, estudado e assumido por todos. A terceira seção, “Vaticano II, liturgia e teologia em tempos líquidos”, traz três textos diretamente ligados ao estudo da liturgia conciliar e pós-conciliar e, em seguida, uma reflexão para o estudo da teologia nestes tempos em que tudo é rapidamente descartável. O artigo de D. José Maria Pires, arcebispo emérito da Paraíba, intitulado “Concílio Vaticano II memória e desafios no mundo pós-moderno. Testemunho e ponderação crítica”, abre a primeira parte da obra. No texto-testemunho, o autor afirma que a aula conciliar não era o único ambiente de encontro e de discussões conciliares. Dentro do Vaticano e anexo à aula, havia locais onde se podia tomar um ar, um chá ou um café e até trocar ideias. Estes locais foram apelidados de Bar Jonas e de Bar Abbas de acordo com sua localização, mais próxima aos assentos dos Padres Conciliares ou dos Superiores Maiores, peritos, assessores e convidados. Nesses dois bares estabeleciamse muitos contatos com pessoas de outras nacionalidades e de outras tendências religiosas. O texto é enriquecedor não só pelo seu conteúdo, mas também devido ao autor ter sido padre conciliar e, portanto, testemunha ocular desse momento de grande relevância para a história da Igreja Católica. A seguir, temos o texto de Geraldo Lopes: “Lumen Gentium e a nova consciência da Igreja. Perspectivas e esperanças”. O autor estuda o Documento Lumen Gentium na 136
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RESENHAS RESENHAS totalidade, embora detalhado por três temas precisos – luz, serviço e salvação – podemos afirmar: a Igreja, sinal elevado em meio às nações, é sacramento de Cristo. Ainda hoje, como outrora os gregos a Filipe, as pessoas ainda pedem às cristãs e aos cristãos: queremos ver o Cristo. Esclarecendo sua missão de luz-serviço-salvação, a Igreja tem maiores condições de anunciar Jesus Cristo em plenitude. Eis alguns dados que jamais poderão ser esquecidos. Pode-se afirmar, ao ler o artigo, que a Lumen Gentium, como documento-síntese do Vaticano II, representa a janela aberta para o mundo, pronta para deixar entrar o “ar fresco”, conforme a expressão de João XXIII a um jornalista que lhe perguntava o que esperava do Concílio Vaticano II. Em seguida, D. Júlio Endi Akamine, bispo auxiliar da arquidiocese de São Paulo (Região Episcopal Lapa), com seu artigo “Concílio Vaticano II memória e esperança” apresenta o Concílio Vaticano II como um esforço e uma operação de reforma de grande amplitude na história da Igreja. Essa amplitude pode ser constatada pelos temas que foram tratados. O bispo afirma “Se abrirmos o Compêndio do Vaticano II e folhearmos o seu índice, veremos que os documentos tratam de temas importantes e muito amplos: a revelação, a Igreja (sua natureza, sua constituição, seus membros, a sua atividade missionária e pastoral), a liturgia e os sacramentos, a formação sacerdotal, as Igrejas Orientais, o ministério e a sacramentalidade da Ordem episcopal e presbiteral, a vida consagrada, o apostolado dos leigos, a reforma dos estudos Eclesiásticos, o ecumenismo e as outras religiões, a relação fé e cultura, a educação católica, os meios de comunicação social”. O seu estudo concentra-se na relação entre a originalidade única do Concílio Vaticano II, com sua ampla e rica memória e a amplidão da necessária reforma, apenas iniciada. A segunda seção, “Vaticano II: história, tradição e renovação”, tem início com o artigo do professor Ney de Souza, intitulado “Vaticano II, preparação e discussões antes da abertura do Concílio”. O autor realiza um estudo sobre as comissões preparatórias e traça um perfil teológico do que se pretendia para a Assembleia conciliar. Em um ano e meio, dez comissões e dois secretariados prepararam setenta e cinco projetos, de valor desigual, sem perspectivas de futuro: as transformações culturais da sociedade ocidental, os graves problemas sociais da América Latina e as consequências produzidas pela descolonização sobre a Igreja asiática e africana eram praticamente ignorados, enquanto predominava a preocupação de salvaguardar o centralismo romano e de reagir contra tudo o que pudesse lembrar um renascimento do modernismo. O estudo apresenta uma visão sintética da preparação ao Concílio Vaticano II: a consulta preliminar, as comissões preparatórias. Esses eventos são de grande importância para se compreenderem as discussões durante os quatro períodos do Concílio (1962-1965) e os desdobramentos no pós-Concílio. Em “Os papas do Concílio: João XXIII e Paulo VI”, Edgar da Silva Gomes apresenta uma análise histórica desses dois grandes e importantes papas. Para contribuir com as São Paulo, ano 37, n. 143, pp. 135-139, jan./jun. 2014.
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RESENHAS RESENHAS reflexões sobre esse importante evento na vida da Igreja, quase cinquenta anos após a finalização dos trabalhos conciliares, que deram início ao sonhado aggiornamento proposto pelo papa João XXIII e levado adiante pelo seu sucessor, Paulo VI, o autor propõe no texto um breve caminhar pela história de vida desses papas que souberam fazer uma leitura precisa do contexto histórico para propor a tão necessária atualização da Igreja Católica. No último artigo desta seção,”Concílio Vaticano II: tradição e renovação. Exigência de uma hermenêutica conciliar”, elaborado pela professora Elza Helena Abreu, a autora afirma que o pensar e fazer teológico não pode prescindir da realidade. A teologia projeta uma luz original sobre ela ao estabelecer com ela uma relação dialógica, uma das fecundas conquistas do Vaticano II. A professora é convicta de que o legado do Vaticano II só poderá tornar-se realidade se compreendido, estudado e assumido por todos. Disso decorre a importância do seu aprofundamento com claras chaves hermenêuticas. Mesmo após 50 anos do Concílio, a questão da hermenêutica conciliar abre um profundo debate entre teólogos, historiadores e pastoralistas. Situar-se e adentrar-se na reflexão sobre a questão hermenêutica, apesar da sua complexidade, não deixa de ser um desafio para o cristão contemporâneo, condição para um protagonismo corresponsável na(s) Igreja(s) e no peregrinar da humanidade. Em síntese, no seu artigo apresenta seus interlocutores prioritários; aborda a questão da consciência sobre a gênese do Vaticano II; estuda a Tradição, uma categoria teológica pouco conhecida, e a Renovação, condição necessária para a evangelização; por fim, considera a questão da hermenêutica conciliar. A terceira e última seção desta obra, “Vaticano II: liturgia e teologia em tempos líquidos” é aberta por um artigo de Gregório Lutz, intitulado “A palavra de Deus em documentos do Vaticano II e pós-conciliares”. A exposição desenrola-se na seguinte ordem. Na primeira parte, sobre os documentos do Vaticano II, contemplam-se as constituições Dei Verbum sobre a revelação divina e Sacrosanctum Conciliumsobre a sagrada liturgia. Na segunda parte, o autor detém-se nas afirmações mais importantes da Exortação Apostólica Verbum Domini, publicada em 2010, com a qual o papa Bento XVI quis “dar a conhecer a todo o povo de Deus a riqueza surgida naquela reunião vaticana (a XII assembleia geral do Sínodo dos Bispos de 5 a 26 de outubro de 2008) e as indicações emanadas do trabalho comum” (VD 1). Na terceira parte, as afirmações importantes que a CNBB apresenta em seu documento 97, com o título “Discípulos e servidores da Palavra de Deus na missão da Igreja”. No segundo artigo desta seção, intitulado “A Sacrosanctum Concilium: elementos para a história da gênese do texto”, Gabriel Frade realiza um percurso iniciado com o Concílio de Trento (1545-1563), passando pelo movimento litúrgico até chegar às discussões conciliares e à promulgação da Constituição. O autor, no decorrer de seu texto, afirma que nos quatrocentos anos seguintes ao Concílio de Trento, notou-se paulatinamente que o imobilismo no campo da liturgia imperava por toda a Igreja, gerando 138
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RESENHAS RESENHAS dificuldades tanto no âmbito do diálogo interno, quanto no diálogo com a sociedade, dadas as novas exigências aportadas com as transformações em curso no mundo moderno/contemporâneo. Encerra o artigo constatando que, embora o texto tenha suscitado múltiplas incompreensões e inúmeros ataques internos e externos, a Constituição conciliar sobre a liturgia continua um grande sopro do Espírito que ainda tem muito a dizer à nossa geração e, com certeza, ainda às gerações mais jovens. Em seguida, o artigo de Ione Buyst, “Liturgia no coração do mundo de hoje: novo jeito de ser Igreja, novo jeito de celebrar a partir da Gaudium et Spes”, estuda, num primeiro momento, a Constituição Gaudium et Spes e destaca alguns artigos dessa constituição que são fundamentais para a temática que apresentará em seu texto. Num segundo momento, expõe sumariamente como a chamada “recepção criativa” do Concílio Vaticano II em Medellín (1968) influenciou a maneira de ser Igreja, de celebrar e de compreender a liturgia na América Latina e mais especificamente no Brasil. A autora continua apresentando elementos teológico-litúrgicos e indicações práticas para uma liturgia que seja, de fato, cume e fonte da vida da Igreja. Encerrando este livro está o texto de Maria Clara Bingemer “Uma Teologia sólida para tempos líquidos?”. Tendo presentes as grandes mudanças atuais na sociedade e na Igreja, a autora busca refletir sobre o impacto que um dos elementos dessa mudança de época traz: as novas tecnologias que causam impacto decisivo sobre a humanidade e a concepção mesma do ser humano que a preside. Em seguida, examina como o Cristianismo é convocado e desafiado com esse novo estado de coisas - as novas preocupações quando ainda não se terminou de resolver as primordiais. Outro aspecto tratado nesse texto é a nova configuração do mapa das crenças religiosas de hoje. O estudo apresenta como se situa a proposta cristã nestes movediços tempos pósmodernos. Por último, procura entender como a teologia, um pensar articulado e organizado sobre Deus, pode autocompreender-se nesse novo cenário e compreender sua missão, que é a de ser “inteligência da fé”. Esse conjunto de estudos sobre o Concílio Vaticano II revela um esforço posto em comum, partilhado, que dá visibilidade de uma comunidade cientifica viva e atuante em teologia. Os textos oferecem um instrumental não só para os estudantes, mas também para todos os que têm interesse em iniciar um aprofundamento na teologia e história desse grandioso evento da Igreja católica no século XX: o Vaticano II.
ABREU, Elza Helena de; SOUZA, Ney de. Concílio Vaticano II: memória e esperança para os tempos atuais. São Paulo: Paulinas e UNISAL, 2014.
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