Ano 36 • N. 141 - Janeiro/Junho - 2013 • ISSN 1676-2630 Publicação semestral de formação para catequistas e agentes de pastoral
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UNISAL CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO Unidade São Paulo - Campus PIO XI
REVISTA DE CATEQUESE Chanceler Edson Donizetti Castilho Reitor Ronaldo Zacharias Pró-Reitora Acadêmica Romane Fortes Santos Bernardo Diretora da Unidade São Paulo - Campus Pio XI Rosana Manzini Coordenador do Curso de Teologia Maurício Tadeu Miranda EQUIPE EDITORIAL Diretor Maurício Tadeu Miranda Editor Renato Tarcísio de Moraes Rocha Consultor Editorial Luiz Alves de Lima Jornalista Responsável Hilário Passero - MTb 025.676 Revisão Editorial Edson Cardoso Colman, Giovane de Souza, João Gabriel Galhoti Pinto, João Vitor Aparecido Ortiz, José Antenor Velho, Leandro Brum Pinheiro Tradução para o Inglês Margaret A. Guider Leandro Brum Pinheiro Capa Pedro André Pinto Júnior
Revista de Catequese / Publicação do Centro Universitário Salesiano de São Paulo – Unidade São Paulo – Campus Pio XI e Instituto Teológico Pio XI. – ano 1, nº 0, (1977) - . — São Paulo: UNISAL, 1977 – v. ; 23 cm Semestral ISBN 1676-2630 I Catequese II Educação Religiosa III Evangelização IV Educação de fé. V Pastoral VI Ensino Religioso Escolar. CDU 268 CDD 268 Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Miriam Ambrosio Silva – CRB 5750/8
Diagramação e Editoração Eletrônica Renata Lima - AN Gráfica CONSELHO EDITORIAL Elza Helena de Abreu UNISAL - São Paulo Emílio Alberich Universidade Pontifícia Salesiana - Espanha Enrique Garcia Ahumada Universidad Cat. Silva Enriques - Santiago do Chile
Redação, Administração e Permuta Unidade São Paulo - Campus Pio XI Rua Pio XI, 1.100 - Alto da Lapa 05060-001 - São Paulo - Brasil Fone: 0xx11 - 3649-0200 (biblioteca - à tarde) Contato: revistacatequese@pio.unisal.br Edição: catequese.editor@pio.unisal.br
Fernando Altemeyer Júnior PUC-SP/UNISAL-SP Israel José Nery Associação de Educadores Cristãos - São Paulo Luiz Eduardo Pinheiro Baronto São Judas - São Paulo Luiz Alves de Lima UNISAL - São Paulo Maurício Tadeu Miranda UNISAL - São Paulo
Impressão e Acabamento: AN GRÁFICA LTDA Rua Alamoique, 73 - Freg do Ó 02807-100 São Paulo - SP Fone: 0xx11 - 3975-9262 e-mail: angrafica@uol.com.br
Ronaldo Zacharias UNISAL - São Paulo Wolfgang Gruen Inspetoria Salesiana de Belo Horizonte
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Assinatura anual: R$ 60,00 • Assinatura para o exterior: US$ 55,00 Número avulso: R$ 30,00
ÍNDICE EDITORIAL Editorial - Ronaldo Zacharias............................................................................................................................
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PERSPECTIVAS O Sínodo dos Bispos de 2012, o Ano da Fé e a Catequese: a Nova Evangelização para a transmissão da Fé Cristã - Luiz Alves de Lima...................................................................................................................................
6 O ato de crer: adesão a Deus e acolhimento de sua Palavra no Espírito - Francisco Catão............................. 22 A Igreja e sua ação no mundo: uma retomada do Concílio Vaticano II no Ano da Fé Magno José Vilela................................................................................................................................................ 31 Ano da Fé: tempo de refletir sobre nossas esperanças. Uma resposta à interpelação de Bento XVI em tempos de Francisco - Ceci Baptista Mariani................................................................................................... 45
Temas catequético-pastorais debatidos no Sínodo de 2012 - Luiz Alves de Lima....................................... Apresentação
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Catequistas: sujeitos da transmissão da fé - Dom Sérgio Rocha................................................................................ Grupos e movimentos na nova evangelização - Dom Benedito Beni dos Santos........................................................ Aprender com os erros e acertos da primeira evangelização - Pe. Adolfo Nicolás Pachon......................................... Vinde e vede: a urgência de uma “cultura vocacional” na Igreja - Pe. Pascual Chávez Villanueva.............................. Os santos como grandes evangelizadores - Dom Odilo Pedro Scherer........................................................................ Os leigos e a nova evangelização: os jovens, evangelizadores de jovens - Dom Leonardo Ulrich Steiner.................... Nova Evangelização e liturgia - Dom Geraldo Lyrio Rocha........................................................................................... A evangelização e os novos meios e formas de comunicação - Ir. Maria Antonieta Bruscato....................................... Padres e jovens na Nova Evangelização - Tommaso Spinelli........................................................................................ A Catequese como meio de evangelização de toda a família - Pe. Ari Luís do Vale Ribeiro...........................................
O Papa Francisco e a Igreja do coração de Deus - Fernando Altemeyer Junior............................................. 67 A cultura juvenil urbana na atualidade - Antonio Ramos do Prado.................................................................. 73
EXPERIÊNCIAS A mistagogia como palavra e gestos na obra de Cirilo de Jerusalém: o ato de construir o imaginário religioso - João da Silva Mendonça Filho................................................................................................................. 79 Proposta de formação para Catequistas-Animadores de uma catequese com inspiração catecumenal Guillermo Daniel Micheletti..................................................................................................................................... 91 Catequese com adultos: experiência e proposta didático-pedagógica - Ivone Brandão de Oliveira................. 98 A pedagogia de Jesus a partir de Emaús - Douglas Aparecido Marques Rocha dos Santos.......................... 105 Youcat: o catecismo jovem da Igreja Católica - Renato Tarcísio de Moraes Rocha............................................ 113
DOCUMENTOS Revitalização da pastoral juvenil latino-americana e do Caribe: Encontro Continental sobre animação da Pastoral Juvenil em Ypacaraí (Paraguai)....................................................................................................... 119 Iniciação à Vida Cristã no 11º Plano de Pastoral da Arquidiocese de São Paulo: testemunhas de Jesus Cristo na cidade.................................................................................................................................................... 124 São Paulo, ano 36, n. 141, jan. / jun. 2013.
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AO MESTRE, NOSSA ETERNA GRATIDÃO Há décadas, a Revista de Catequese tem contribuído com a formação de tantos educadores da fé espalhados pelo Brasil e pelo mundo. São décadas de prestação de um serviço de qualidade, por meio de uma “leitura” atenta dos desafios e das urgências do processo de educação à fé e de uma “interpretação” de tais desafios e urgências no espírito de comunhão com a Igreja. A história da Revista de Catequese está intimamente ligada a alguém que se tornou referência para a Igreja do Brasil e da América Latina no campo da catequese: o P. Luiz Alves de Lima. Referência inquestionável quando se trata de competência, amor à Igreja e dedicação incansável à formação catequética, o P. Lima não apenas “gerou” a Revista de Catequese juntamente com o P. Ralfy Mendes de Oliveira, como cuidou dela com tanta competência e carinho que a fez chegar à maturidade conservando o frescor da sua juventude e produzindo muitos frutos para a vida de tantas comunidades. Hoje, em nome de todos os leitores da Revista de Catequese, agradeço ao P. Lima as décadas de doação a tudo aquilo que exige e implica a materialização de um instrumento de tal qualidade. A Revista de Catequese continua, pela sua singularidade e unicidade, sendo instrumento eficaz na formação de milhares de pessoas comprometidas com o processo de educação à fé. E isso devemos, em grande parte, a este homem que não apenas trabalhou para produzir 140 números de uma Revista, mas que se identificou com ela, a ponto de fazê-la a melhor expressão da sua competência e dedicação. A partir deste ano, o P. Lima deixa a edição e a redação da Revista de Catequese. E não o faz de forma inconsequente. Muito pelo contrário, ele soube preparar a transição para esta nova fase e, embora não sendo mais o editor e redator da Revista, continuará a ser um dos seus mais seletos e qualificados colaboradores. Ao P. Lima, a nossa mais profunda gratidão! À nova equipe de edição e redação, o nosso mais sincero apoio, para que, nas pegadas do mestre, continue fazendo com que a Revista de Catequese se consolide ainda mais não apenas como instrumento eficaz de formação, mas como resposta qualificada à missão da Igreja, serva da humanidade.
P. Ronaldo Zacharias - Reitor do UNISAL -
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS O SÍNODO DOS BISPOS DE 2012, O ANO DA FÉ E A CATEQUESE A Nova Evangelização para a transmissão da Fé Cristã THE 2012 SYNOD OF BISHOPS, THE YEAR OF FAITH AND CATECHESIS The New Evangelization for the transmission of the Christian Faith Luiz Alves de Lima*
RESUMO: O autor inicialmente informa sobre a origem do Sínodo dos Bispos de 2012, sua preparação, seus diversos participantes, sua dinâmica interna, sua organização e condução. Apresenta-o como acontecimento pastoral e também espiritual. Desenvolve o tema do significado e dos objetivos do Ano da Fé e sua relação com o tema do Sínodo: A Nova Evangelização para a transmissão da Fé Cristã. Em seguida se detém nos dois principais documentos do Sínodo: a Mensagem ao Povo de Deus e as 58 Proposições mostrando sua inspiração, estilo e estrutura. Em terceiro lugar relata os temas principais tratados durante o Sínodo sobre a Nova Evangelização, dando relevo à renovação e aprofundamento da fé dos cristãos como primeira forma de evangelizar e o retorno ao essencial da fé cristã (querigma) centralizada na figura de Jesus Cristo. A quarta e última parte é dedicada a ilustrar como a catequese e temas a ela relacionados foram tratados nas Proposições. Ao final, a conclusão refere-se à alegria e ao otimismo diante dos desafios da Nova Evangelização. Palavras-chave: Sínodo dos Bispos, Ano da Fé, catequese, Nova Evangelização, transmissão da fé. ABSTRACT: Initially, the author provides information about the 2012 Synod of Bishops, its origins, preparation, diverse participants, internal dynamics, organization and way of proceeding. It is described as a pastoral and spiritual event. He elaborates on the theme of the Year of Faith, along with its significance and objectives, and its relation to the theme of the Synod: The New Evangelization for the Transmission of Christian Faith. Next, two of the main documents of the Synod are examined in terms of their inspiration, style and structure. These include: the Message to the People of God and the 58 Propositions. Thirdly, he discusses the main themes addressed during the Synod on the New Evangelization, placing emphasis on the renewal and deepening of the faith of Christians as the initial way to evangelize and a return to the essence of Christian faith (kerygma) that is centered in Jesus Christ. The fourth part is devoted to illustrating how Catechesis and other related themes were dealt with in the Propositions. Finally, the conclusion describes the joy and optimism that is present in the light of the challenges posed by the New Evangelization. Keywords: Synod of Bishops, Year of Faith, Catechesis, New Evangelization, transmission of Faith. Com o título A Nova Evangelização para a transmissão da Fé no editorial do número anterior1, abordei sinteticamente esse tema sobre o Sínodo dos Bispos de 2012. Retorno agora ao mesmo assunto mais amplamente, unindo-o à celebração do Ano da
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Fé. Ambos os eventos estão intimamente conectados. No entanto, o foco deste artigo está voltado mais para o tema da catequese tratado durante o Sínodo, sem ser deixado de lado outros temas igualmente importantes.
Salesiano Sacerdote, doutor em Teologia Pastoral pela Universidade Pontifícia Salesiana (Roma). Professor do UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São Paulo – Campus Pio XI. Participou do Sínodo dos Bispos, como assessor, em outubro de 2012. Artigo submetido à avaliação em 26.03.2013 e aprovado para publicação em 02.04.2013. 1 Cf. ALVES DE LIMA, Luiz. A Nova Evangelização para a transmissão da Fé: o Sínodo dos Bispos de 2012. Revista de Catequese 140 (2012) 4-5.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS 1 ASPECTOS GERAIS DA XIII ASSEMBLEIA GERAL DO SÍNODO DOS BISPOS 1.1 INTRODUÇÃO Participar de um Sínodo dos Bispos é uma experiência única, incomparável. Por sua natureza e pelo número de pessoas envolvidas, pode-se dizer que se trata do maior evento da Igreja, depois da celebração de um Concílio Ecumênico. Participar dele é estar no coração da Igreja e em sintonia com os problemas atuais, sobretudo de natureza pastoral. Sínodo significa caminho feito juntos, reunião; é uma instituição antiga na Igreja, realizada em vários níveis (diocesano, regional, nacional etc.). O moderno Sínodo dos Bispos foi instituído em 15 de setembro de 1965, durante a última Sessão do Vaticano II (cujo cinquentenário de abertura estamos celebrando), com o Motu Proprio de Paulo VI Apostolica sollicitudo, em resposta ao desejo de manter vivo o espírito de colegialidade episcopal experimentada durante o Concílio e o próprio espírito do Vaticano II. Tendo sido renovado em 1969 e em 1971, o Papa Bento XVI publicou esse Motu Proprio com o título de Ordo Synodi Episcoporum 2 em 29 de Setembro de 2006, adaptando-o ao Código de Direito Canônico de 1983 e ao Código dos Cânones das Igrejas Orientais de 1991. Para o Sínodo de 2012 a Secretaria Geral do Sínodo elaborou o Vademecum Synodis 3, uma espécie de regulamento ou regimento interno com normas e diretivas para sua realização. Inicialmente, as Assembleias Sinodais foram realizadas num ritmo de 3 em 3 ou 4 em 4 anos, conforme as necessidades. Em outubro de 2012 realizou-se a XIII Assembleia Geral Ordinária. Ao lado dos Sínodos Ordinários, como o realizado em 2012, há também os sínodos especiais (como o de 1985 que fez um balanço dos 20 anos do Vaticano II) e os sínodos continentais; em 1995 houve o Sínodo das Américas, cujos frutos estão condensados na Exortação Apostólica Ecclesia in America. Para cada um dos outros 4 continentes houve também um sínodo continental com a respectiva Exortação Apostólica. Recentemente fez-se um segundo
Sínodo da África (2009) e também um especial sobre o Oriente Médio (2010). Conforme a eclesiologia do próprio Vaticano II, o Bispo, como sucessor dos apóstolos, é o responsável principal por sua Diocese (Christus Dominus - CD 11), mas em sua vocação está implicado também o zelo por todas as Igrejas (CD 6). O Sínodo é justamente a expressão da responsabilidade episcopal pela Igreja inteira, pelos problemas pastorais que surgem em escala mundial. Por outro lado, é um modo também de descentralizar um pouco o excesso de responsabilidade e de poder que se concentra na pessoa do Papa (CD 5). O Sínodo dos Bispos é a convocação de uma representação de todo o episcopado para que, junto com o Papa, e sob sua direção, seja tratado um tema especial comum a toda a Igreja.
1.2 UM ACONTECIMENTO DE NATUREZA PASTORAL MARCADO PELO ESPÍRITO Participar de um Sínodo, como o que acaba de se realizar, é estar bem no centro das grandes preocupações da Igreja no atual momento, em contato com pessoas das mais diversas procedências, com suas diferenças e riquezas, mas ao mesmo tempo com um objetivo único de servir ao Evangelho e à Igreja de Jesus Cristo. É um acontecimento de natureza pastoral, no sentido que se buscam diretrizes e orientações como resposta a um determinado problema vivido hoje, mas é também um acontecimento espiritual. Através dos contínuos momentos de oração e de eventos programados durante o Sínodo, se fez sentir que não se tratava de uma obra meramente humana ou de elaborar planos e estratégias para multiplicar o número de fiéis, mas uma obra divina e de grande alcance espiritual. Esse Sínodo, por exemplo, foi marcado pela celebração dos 50 anos do Vaticano II, pelos 20 anos do Catecismo da Igreja Católica, pela abertura do Ano da Fé e pela canonização de 7 santos de diversas épocas e culturas diferentes, exemplos de profunda vivência de fé. Esses acontecimentos estão intimamente ligados ao seu tema central. Muitos eventos na cidade de Roma, durante o Sínodo, refletiam essa dimensão espiritual ou tratavam de um determinado modo de evangelização no mundo moderno. Ficou bastante
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ORDO SYNODI EPISCOPORUM. Texto latino – italiano. Romae: Typis Vaticanis, MMVII. Nesse texto há também a Carta Apostólica Motu Proprio Apostolica Solicitudo de Paulo VI (05.09.1965). 3 SYNODUS EPISCOPORUM. XIII COETUS GENERALIS ORDINARIUS. Nova Evangelizatio ad Christianam Fidem Tradendam. Vademecum Synodi Episcoporum. Editiones latina – italica – hispanica. Romae: E Civitate Vaticana, 2012. São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 6 - 21, jan. / jun. 2013.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS evidente que a evangelização se faz mais pelo testemunho e vivência da fé, do que por palavras e ações, por mais necessárias que elas também sejam. Esse foi um dos sentidos do Ano da Fé proclamado por Bento XVI.
1.3 UMA LONGA PREPARAÇÃO A realização de um Sínodo supõe longa preparação. Uma comissão, constituída no Sínodo anterior, se reúne, faz a escolha do tema, após consultas de natureza variada, e inicia o processo de preparação. Ela elabora um minucioso questionário sobre o tema, questionário que é enviado aos bispos do mundo inteiro, assim como a universidades católicas e outros centros de estudo. A comissão, com base nas respostas provenientes da ampla consulta, elabora uma síntese num documento chamado Lineamenta (linhas gerais); ao final de cada capítulo é apresentado novo questionário, agora sobre temas bem específicos. De novo é feita uma consulta mundial a todo episcopado e com as respostas se elabora o Instrumento de Trabalho. Ambos os documentos foram publicados, amplamente divulgados e colocados à disposição. O Instrumento de Trabalho foi o documento principal de referências das discussões durante o Sínodo; ele mesmo já aponta, com base nas respostas dos questionários, temas que devem ser aprofundados ou merecem maior atenção. E, embora ele já tenha cumprido sua missão, continua sendo um instrumento válido para analisar e buscar soluções para os graves problemas atualmente enfrentados pela transmissão da fé cristã aos nossos contemporâneos.
1.4 PARTICIPANTES DO SÍNODO A Secretaria Geral do Sínodo, que comandou toda a preparação e condução dos trabalhos sinodais, fez 4
também a convocação dos participantes, sempre com a aprovação do Papa. Essa XIII Assembleia do Sínodo sobre a Nova Evangelização (NE) para a transmissão da Fé teve a participação de 261 “padres sinodais”, ou seja, pessoas com direito a voz e voto em todos os momentos. Foi o Sínodo que teve o número mais elevado de participantes de toda a história dessas assembleias episcopais até hoje. Esses 261 padres sinodais estavam assim distribuídos: constituíam a maioria os bispos eleitos pelas Conferências Episcopais da Igreja Católica Romana, ou seja, 167 entre arcebispos e bispos4; 18 eram delegados das Igrejas Católicas Orientais; 10 religiosos foram eleitos pela União dos Superiores Gerais; da Cúria Romana participaram, ex officio, os 26 encarregados pelas diversas repartições, chamados Prefeitos, e outros importantes dicastérios. Por fim, 40 participantes foram pessoalmente convocados pelo Papa: 15 cardeais; 13 Arcebispos e 8 Bispos, entre eles o Presidente e Secretário do CELAM, o Prelado do Opus Dei, Dom Enrico Dal Covolo, sdb, reitor da Universidade Lateranense, Dom Benedito Beni, bispo de Lorena (SP) e Dom Filipe Santoro, atualmente na Itália, tendo já trabalhado no Brasil; foram convocados ainda 2 representantes de grandes movimentos (Schoenstadt, Communione e Liberazione) e 2 Superiores Gerais (Camilianos e Irmãos Carmelitas). Eram, pois, 261 os que tinham voz e voto na Assembleia Sinodal. A presença média na sala sinodal era de 255. Foram escolhidas ainda pessoas que não são padres sinodais (não votavam): 45 assessores5 e 40 ouvintes.6 Como convidados muito especiais estiveram presentes no Sínodo também Sua Beatitude Bartolomeu, Arcebispo de Constantinopla e Patriarca Ecumênico da
Assim distribuídos: África 44, Américas 45, Ásia 25, Europa 48, Oceania 05. Os 4 bispos delegados da CNBB foram: Dom Sérgio da Rocha, Arcebispo de Brasília (DF), Dom Geraldo Lyrio Rocha, Arcebispo de Mariana (MG), Dom Odilo Pedro Scherer, Cardeal Arcebispo de São Paulo e Dom Leonardo Ulrich Steiner, ofm, Bispo Auxiliar de Brasília e Secretário Geral da CNBB. A eles somavam-se o cardeal Dom João Braz de Avis, prefeito da Congregação para os Institutos de vida consagrada e Sociedades de vida apostólica (cúria romana) e Dom Dionísio Lachovicz, paranaense, Visitador Apostólico para os fiéis da Ucrânia de Rito Bizantino residentes na Itália e Espanha (Igreja Católica Oriental). Assim como Dom Raymundo Damasceno, presidente da CNBB, também o cardeal primaz da Argentina, Dom Jorge Mário Bergoglio, eleito recentemente como Papa Francisco, não foi eleito para o Sínodo pela própria Conferência Episcopal. 5 Tive a graça de ser convocado como assessor ou consultor. Estavam, entre outros, o conhecido Ir. Enzo Bianchi, prior da comunidade monástica de Bose (Itália), o Ir. Enzo Biemmi, fsf, presidente da Equipe Europeia de Catequese, Pe. Luca Bressan, da Arquidiocese de Milão, Pe. Pierangelo Sequeri, da Comissão Internacional de Teologia, Ir. Enrica Rosanna, fma, que trabalhara na Congregação para os Institutos de Vida Consagrada etc. Dos assessores éramos 6 leigos, 8 religiosas, 3 religiosos e 28 sacerdotes. 6 Entre esses 40 auditores/as havia superioras ou superiores gerais de algumas congregações, como, a Irmã Ivonne Beungoat, superiora geral das Irmãs Salesianas, o Ir. Álvaro Antonio Rodríguez Echeverria, fsc, superior geral dos irmãos Lassalistas, a Irmã Maria Antonieta Bruscato, superiora geral das Irmãs Paulinas, brasileira, a Sra. Maria Voce, presidente do Movimento Focolari; e ainda representantes de alguns Movimentos, como o sr. Kiko de Arguellos (José Gómez Wirtz), fundador do
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS Turquia, e Sua Graça Dr. Rowan Douglas Williams, Arcebispo de Canterbury, primaz da Inglaterra e da Comunhão Anglicana. Além dos convidados especiais, como o Ir. Alois, Prior da Comunidade Ecumênica de Taizé, e dois cientistas7; havia também vários convidados representando 14 igrejas cristãs não católicas 8 , chamados delegados fraternos. Acrescentando os inúmeros auxiliares de secretaria, o pessoal técnico e outros serviços, estavam no Sínodo cerca de 430 pessoas.
1.5 PRESIDÊNCIA DO SÍNODO E PROCEDIMENTOS O Sínodo é sempre presidido pelo Papa. Bento XVI, atual Papa Emérito, participou quase que integralmente, ouvindo, intervindo algumas vezes, apesar da saúde muito precária e com um visível declínio físico. Mas sempre atento e presente de mente e espírito; manifestou-se muito arguto e ponderado com relação aos problemas que a evangelização levanta no mundo de hoje. Suas homilias ou outras intervenções foram sempre brilhantes, transparecendo não só uma fé e piedade edificantes, mas também uma doutrina sólida e uma teologia profunda, transmitidas sempre com uma linguagem sintética e, ao mesmo tempo, cheia de conteúdo e sabedoria. Parece ter sido o último grande evento eclesial de que o Papa Ratzinger participou. Mas, para presidir, organizar e conduzir de fato o Sínodo, Bento XVI elegeu um Secretário Geral, Dom Nikola Eterovic (croata, poliglota) e três moderadores ou presidentes delegados que dirigiram as sessões plenárias por turno, falando sempre em latim. Eram eles: Card. John Tong Hon (Hong Kong), Card. Francisco Robles Ortega (Guadalajara – México) e Card. Laurent Monsengwo Pasinya (Kinshassa – Congo). Cargos importantes também foram o de Relator Geral, Card. Donald William Wuerl (Washington, EUA) e Secretário Especial, Dom Pierre Marie Carré (Montpellier – França). As orações, os cantos, os comandos principais e os documentos oficiais eram feitos em latim; os
discursos e discussões eram realizados nas cinco línguas oficiais (com tradução simultânea): o italiano, inglês, espanhol, francês e alemão. A língua comum de quase todos era o italiano, uma espécie de koiné. O latim usado, pelo menos nos documentos desse Sínodo, não foi um latim eclesiástico ou tradicional, mas um latim clássico, muito difícil, escrito por profundos conhecedores desse idioma o que, ao final, dificultou um pouco sua compreensão. Dois importantes documentos, como uma espécie de Regimento interno, regulavam todos os atos do Sínodo. O primeiro é o Ordo Synodi Episcoporum (fornecido em latim e italiano) e o outro Vademecum Synodi Episcoporum (latim, italiano e castelhano). Esses dois documentos, assim como as grandes relações ou relatórios do Secretário Geral, as relações antes e depois das discussões do Relator Geral, o texto da Mensagem ao Povo de Deus, o Elenco dos Participantes, o Instrumento de Trabalho, foram entregues sempre impressos, nas cinco línguas oficiais, menos o elenco das Proposições; esse último foi entregue apenas em latim e assim mesmo unicamente em sua primeira redação (sub secreto); da sua versão final foi permitida apenas uma tradução não oficial em inglês.
1.6 O ANO DA FÉ: UMA PEREGRINAÇÃO NO DESERTO DO MUNDO ATUAL Um dos pontos altos do Sínodo de 2012 foram três significativas comemorações: os 50 anos da abertura do Concílio Vaticano II, os 20 Anos da publicação do Catecismo da Igreja Católica e a abertura do Ano da Fé. As três efemérides estão intimamente relacionadas com o Sínodo. Ele quis ser, em primeiro lugar, uma expressão da fidelidade às orientações do Concílio Vaticano II, quase que uma continuação de sua realização. Conforme João XXIII, o Vaticano II quis “transmitir pura e íntegra a doutrina, sem atenuações nem subterfúgios”, empenhando-se para que “esta doutrina certa e imutável, que deve ser fielmente respeitada, seja aprofundada e
Neocatecumenato, o sr. José Flores Prado, fundador das Escolas de Santo André (México), o casal Marc e Florence de Leyritz, do Movimento Alfa (França), o sr. Salvatore Martinez, presidente da Renovação no Espírito (Itália), o Pe. Ari Luis do Vale Ribeiro, da Diocese de Santo Amaro (SP), o sr. Gusmán Carriquiry, secretário da Pontifícia Comissão para a América Latina, o jovem Tommaso Spinelli, coordenador da catequese crismal de Roma etc. 7 Eram eles, Werner Arber, professor de microbiologia em Basileia (Suíça), presidente da Pontifícia Academia de Ciências e Lamar Vest, presidente da Sociedade Bíblica Americana (Estados Unidos). 8 São elas: Patriarcado Ecumênico da Finlândia, Patriarcado de Moscou, Patriarcado Ortodoxo da Sérvia, Patriarcado Ortodoxo da Romênia, Igreja Apostólica Armênia (2), Comunhão Anglicana, Federação Mundial Luterana, Comunhão Mundial das Igrejas Reformadas, Conselho Mundial Metodista, Aliança Mundial Evangélica, Conselho Ecumênico das Igrejas (Romênia) e Conferência Europeia das Igrejas. São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 6 - 21, jan. / jun. 2013.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS exposta de forma a responder às exigências do nosso tempo”.9 O Catecismo da Igreja Católica, verdadeiro fruto do Vaticano II, é um dos instrumentos privilegiados para fortificar e aprofundar a fé dos cristãos. É a palavra mais autorizada da Igreja hoje para apresentar e expor as verdades ou os conteúdos da fé (fides quae) em vista de uma verdadeira profissão de fé, de uma maior vivência e adesão à Palavra de Deus, ao Verbo da Vida (fides qua). Quanto ao Ano da Fé, foi promulgado por Bento XVI10 para, na ocorrência dessas duas comemorações, juntamente com a realização do Sínodo, ser um forte apelo sobre o fundamento e origem de qualquer ato evangelizador: testemunhar e proclamar com profunda convicção a nossa fé em Jesus Cristo e no seu Evangelho, como indivíduos, mas, sobretudo, como Igreja. Durante todo o Sínodo esse princípio foi continuamente lembrado, reafirmado, refletido e rezado. O objetivo do Ano da Fé é contribuir para uma conversão sempre mais profunda ao Senhor Jesus e à redescoberta e confissão da fé. Com isso, a Igreja pretende que todos os seus membros sejam testemunhas credíveis e alegres do Senhor ressuscitado no mundo de hoje. Deste modo se tornarão capazes de indicar a porta da fé a tantas pessoas que a buscam. Esta porta abre o olhar das pessoas para Jesus Cristo, presente no nosso meio. Ele nos mostra como “a arte de viver” se aprende “numa relação profunda com Ele”.11 Na solene liturgia de inauguração do Ano da Fé, em 11 de outubro de 2012, já em plena realização do Sínodo sobre a Nova Evangelização, Bento XVI recordou esse mesmo Ano promulgado em 1967 por Paulo VI e por João Paulo II em 2000, por ocasião do Grande Jubileu; ambos os papas colocaram profunda e plenamente Jesus Cristo como centro do cosmos e da história, centro da fé cristã, manifestando o anseio de anunciá-lo ao mundo. Jesus não é somente o objeto da fé, mas, como afirma a carta aos Hebreus, “é Ele quem vai à frente de nossa fé e a leva à perfeição” (Hb 12, 2). E o mesmo Papa Emérito dá o seu testemunho: 9
Eu mesmo experimentei que durante o Concílio havia uma emocionante tensão com relação à tarefa comum de fazer resplandecer a verdade e a beleza da fé em nosso tempo, sem sacrificá-la às exigências do momento presente nem encarná-la no passado: na fé ressoa o presente eterno de eus que transcende o tempo e que, contudo, pode ser acolhido por nós somente no hoje irrepetível. Por isso, considero que o mais importante hoje é reavivar em toda a Igreja aquela tensão positiva, aquele desejo de voltar a anunciar Cristo ao homem de hoje.12
Conforme Paulo VI, afirma Bento XVI, se não houve nenhum documento conciliar especificamente sobre a fé, ela contudo está presente em cada página, reconhecendo seu caráter vital e sobrenatural. Todos os documentos do concílio, pois, transmitem a integridade da fé e constroem sobre ela seus ensinamentos. Para João XXIII a tarefa principal do Concílio não era a discussão desta ou daquela doutrina, mas o modo como o verdadeiro e imutável depósito da fé deve ser respeitado fielmente, aprofundado e expresso segundo as exigências atuais. Se hoje a Igreja propõe um novo Ano da Fé e a NE (Nova Evangelização), não é simplesmente para comemorar essas efemérides, mas porque hoje há maior necessidade de proclamar a fé do que há 50 anos. A iniciativa de criar um Conselho Pontifício destinado à promoção da NE, ao qual está subordinada também a catequese, coloca-se nessa perspectiva. Há muitos anos páginas trágicas da história demonstravam o que significa uma vida, um mundo sem Deus; o mesmo constatamos hoje a cada dia ao nosso redor. É um vazio, um deserto que aumenta continuamente. Nosso Papa Emérito nos convida, nessa desertificação do mundo, a voltar-nos para a alegria de crer, para a importância da fé, para o sentido último da vida, para aquilo que é essencial a fim de saciar a fome de Deus que em muitos lugares já vem se manifestando. A Igreja hoje necessita de pessoas de fé que, com a própria vida, indiquem o caminho para a Vida e mantenham viva a esperança. Evangelizar significa hoje dar testemunho de uma vida nova, transformada por Deus.
JOÃO XXIII. Discurso de solene abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II (11.10.1962). In: CONCÍLIO VATICANO II. 1962-1965. Vaticano II: mensagens, discursos, documentos. São Paulo: Paulinas, 2007. 10 Para o Ano da Fé o Papa emérito Bento XVI promulgou um Motu Proprio intitulado Porta Fidei (a Porta da Fé) em 11.10.2011 e a Congregação para a Doutrina da Fé, posteriormente, publicou também algumas Indicações para sua celebração. CF CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Indicações para o Ano da Fé. Revista de Catequese 138 (2012) 69-75. 11 BENTO XVI. Discurso aos participantes do Encontro promovido pelo Pontifício Conselho da Nova Evangelização (out. 2011) n. 15. Cf. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Indicações para o Ano da Fé. Revista de Catequese 138 (2012) 69-75. 12 BENTO XVI. Homilía de abertura del Año de la Fe (11.10.2012). Disponível em: https://sites.google.com/site/sanmigueltaxco/ ano-de-la-fe. Acesso em: 20 mar. 2013.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS Multiplicam-se hoje as peregrinações, a busca de percorrer caminhos: nisso os peregrinos encontram ou intuem o sentido de nosso estar no mundo. Assim, conclui Bento XVI, podemos representar esse Ano da Fé: como uma peregrinação no deserto do mundo contemporâneo, levando consigo somente o que é essencial: não alforje, pão, dinheiro, duas túnicas etc., mas o Evangelho e a fé da Igreja, tão bem expressos no Vaticano II e no Catecismo da Igreja Católica.13
2 OS DOIS DOCUMENTOS MAIS IMPORTANTES DO SÍNODO 2.1 OS GRANDES DOCUMENTOS: A MENSAGEM AO POVO DE DEUS E AS 58 PROPOSIÇÕES Dois são os principais documentos do Sínodo: a Mensagem ao Povo de Deus e as 58 Proposições. A Mensagem resume imediatamente as mais importantes intuições do Sínodo, com linguagem direta, incisiva, propositiva, encorajadora, exortativa. Usa o ícone (a imagem) de Jesus sentado junto ao poço de Sicar, saciando a sede e a fome da samaritana com o cântaro vazio, símbolo da humanidade que busca valores e sentido para a vida. Essa Mensagem foi largamente difundida em tradução oficial nas cinco línguas adotadas no Sínodo.14 As 58 Proposições15, ao contrário da Mensagem, são expressas numa linguagem mais objetiva, teológica, técnico-pastoral e, consequentemente, sem a vitalidade e o fervor da Mensagem. É o documento mais importante, pois aborda, em profundidade, todos os assuntos referentes ao tema central sobre a nova evangelização. Elas são reservadas ao Papa para que, a partir dela e demais documentos do Sínodo, redija, com seus assessores, a Exortação Apostólica referente a esse Sínodo. Se a Mensagem foi amplamente divulgada, as Proposições ficaram com menos acesso ao grande público. Sua versão oficial latina não foi divulgada, mas somente uma versão não autorizada em inglês16, pois o
Relator Geral, o cardeal norte americano Donald Wuerl, é de língua inglesa.
2.2 O CONTEÚDO DA MENSAGEM AO POVO DE DEUS A Mensagem, intitulada O Evangelho no Mundo, consta de 14 parágrafos, cujo conteúdo pode ser assim apresentado esquematicamente: a) Os 6 primeiros são consagrados aos princípios que comandam a NE. São de natureza mais teológicopastoral; sua finalidade, conforme se diz no início, é “para apoiar e orientar o serviço ao Evangelho nos diversos contextos no qual nos encontramos hoje e para dar testemunho hoje desse mesmo Evangelho” (introdução). Os títulos desses seis primeiros parágrafos são: • Como a samaritana no poço; • Uma Nova Evangelização; • O encontro pessoal com Jesus Cristo na Igreja; • As ocasiões do encontro com Jesus e a escuta das Escrituras; • Evangelizar-nos a nós mesmos e predispormo-nos à conversão; • Colher no mundo de hoje novas oportunidades de evangelização. b) Os 7 parágrafos seguintes aplicam esses princípios a situações particulares de maior ou menor importância: • Evangelização, família e vida consagrada (7); • As comunidades eclesiais e os muitos operários da evangelização (8); • Para que os jovens possam encontrar-se com Cristo (9); • O Evangelho em diálogo com a cultura, com a experiência humana e com as religiões (10); • O Ano da Fé, a memória do Vaticano II [50 anos] e a referência ao Catecismo da Igreja Católica [20 anos] (11); • Contemplando o mistério (vida contemplativa) e próximo aos pobres (12) e, finalmente, • Uma palavra às diversas regiões do mundo [aos 5 continentes nomeadamente] (13).
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Esses três últimos parágrafos inspiram-se, resumidamente, na última parte da homilia de BENTO XVI acima citada. Cf. XIII ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS – 2012. Mensagem ao Povo de Deus. Revista de Catequese 140 (2012) 49-58. Texto publicado integralmente. 15 Cf. SÍNODO SOBE A NOVA EVANGELIZAÇÃO PARA A TRANSMISSÃO DA FÉ. Proposições. Revista de Catequese 140 (2012) 59-75. Texto publicado integralmente. 16 Foi em base a essa versão não oficial em inglês que foram feitas as traduções em todas as outras línguas. Infelizmente, tal versão contém também imprecisões. 14
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS c) O último parágrafo (14) fala de Maria, Mãe de Jesus, estrela da Nova Evangelização: A figura de Maria orienta-nos no caminho. Este caminho, como nos disse Bento XVI, poderá abrir-nos um itinerário no deserto; sabemos que temos de percorrê-lo levando conosco o essencial: o dom do Espírito, a companhia de Jesus, a verdade da sua palavra, o pão eucarístico que nos alimenta, a fraternidade da comunhão eclesial, o impulso da caridade. É a água do poço que faz florescer o deserto.
2.3 AS 58 PROPOSIÇÕES Se a Mensagem tinha sido feita por uma comissão eleita especialmente para isso e aprovada (após discussões) em Assembleia, as Proposições, ao contrário, são o fruto de um longo e árduo trabalho dos grupos linguísticos menores (circoli minores), da Assembleia Geral e votadas uma a uma solenemente em plenário. As 58 Proposições, com uma introdução e conclusão, estão subdivididas em 4 capítulos, por traz dos quais podemos ver uma variação de nosso método pastoral ver – iluminar – agir. São essas as suas partes: Ø Introdução: a documentação atual e anterior; a presença das Igrejas Orientais (1 – 3): 1 A natureza da Nova Evangelização (4 – 12); 2 O contexto da Ação Evangelizadora da Igreja Hoje (13 – 25); 3 As respostas pastorais às circunstâncias dos nossos dias (26 – 40); 4 Os agentes e participantes da Nova Evangelização (41 – 56); Ø Conclusão: A transmissão da fé cristã (57) e Maria, estrela da Nova Evangelização (58). Como principal resultado do Sínodo, as 58 Proposições foram entregues ao Papa, juntamente com os Lineamenta, o Instrumento de Trabalho, a Mensagem, os quatro grandes Relatórios e os 429 discursos pronunciados ao longo do Sínodo, para serem a base de uma futura Exortação Apostólica. Esperávamos que até outubro de 2013 tal exortação estivesse já redigida e publicada. Mas, com a surpreendente renúncia de Bento XVI à Sé de Pedro e consequente inesperada e abençoada eleição do Papa Francisco, devido às inevitáveis mudanças na máquina da Sé Apostólica, tal exortação irá certamente demorar um pouco mais do que o previsto. 12
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3 VISÃO GERAL DOS PRINCIPAIS TEMAS DO SÍNODO Muitos foram os temas tratados durante as três semanas do Sínodo. Alguns críticos os julgaram por demais genéricos, sem tocar os grandes problemas da Evangelização. Houve até quem citasse o velho ditado latino: “parturiunt montes, nascetur riduculus mus” (engravidam-se as montanhas e nasce um ridículo ratinho) referindo-se às 58 Proposições. Nada de novo se disse a respeito de temas polêmicos, por exemplo, sobre casais de segunda união e muito menos sobre uma possível abertura para a admissão de homens casados ao sacerdócio, ou mesmo para as mulheres etc. Embora houvesse plena liberdade de se inscrever para fazer qualquer pronunciamento, não houve momentos significativos para um verdadeiro debate entre os padres sinodais. Por outro lado, o valor apenas consultivo do Sínodo parece também limitar bastante a força de suas conclusões. Entretanto, o fato de Bento XVI ter multiplicado as Assembleias Sinodais, sem duvida já é um fato positivo. Isso favorece a troca de ideias e experiências pastorais, proporcionando um intercâmbio que, de outra forma, se tornaria quase impossível para um organismo tão grande como a Igreja. Se as reuniões plenárias e dos grupos linguísticos eram limitadas, a proximidade e convivência favoreceram muito o relacionamento e intercâmbio dos participantes. Podemos afirmar que essa realidade complexa, que foi o Sínodo, favoreceu um bom conhecimento de problemas pouco conhecidos, sobretudo da Ásia, da África e do Oriente Médio; foram apresentadas interessantes iniciativas, particularmente por parte de movimentos laicais em favor de uma NE. Sem dúvida, o conjunto de todo o Sínodo proporcionou reflexões sobre os fundamentos, o significado e as dimensões de uma NE. Apresento a seguir, algumas dessas reflexões que, a meu ver, mostram a contribuição desse Sínodo para o anúncio do Evangelho no mundo de hoje.
3.1 T EMA DO S ÍNODO DE 2012: A N OVA EVANGELIZAÇÃO PARA A TRANSMISSÃO DA FÉ Esse foi o tema escolhido para o Sínodo de 2012. Desde o Vaticano II a evangelização do mundo contemporâneo tem preocupado a Igreja. Conforme disse Paulo VI, na exortação apostólica Evangelii Nuntiandi, fruto de um primeiro Sínodo sobre a
PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS Evangelização (1974), “a Igreja existe para evangelizar: essa é sua graça e vocação” (EN 14). Durante seus mais de 20 séculos de vida, entre perseguições e grandes sucessos, os discípulos de Jesus conseguiram fazer ressoar a Palavra de Deus pelos quatro cantos da terra. De modo particular, o Ocidente assumiu o cristianismo e viveu longos séculos de hegemonia cristã (cristandade); nos outros continentes, em forma missionária, a mensagem evangélica foi também levada e imensas populações tornaram-se cristãs. As grandes transformações socioculturais dos últimos decênios colocaram em cheque a força evangelizadora que a Igreja sempre teve. O fenômeno do secularismo, entre outros, fez com que enormes extratos das populações do Ocidente, chamado cristão, abandonassem a fé, ou instaurassem um estilo de vida em que não há mais espaço para o religioso, ou, quando ele existe, é relegado à esfera meramente particular. Não só, mas por todo lado se reclama de um clima latente de oposição à Igreja, de resistência à sua presença, de contraposição a seus ensinamentos, de desvirtuamento de seus grandes ícones ou celebrações17, como é o caso do sentido do Natal, da Páscoa, o uso do crucifixo etc. Ao mesmo tempo, ressurgiram antigas e novas formas de paganismo no mundo moderno. É claro que o problema da evangelização é vasto e, na verdade, engloba toda a atividade da Igreja, pois tudo o que ela faz é, ou deveria ser, para levar aos homens a luz do Evangelho. Isso explica como, durante o Sínodo, principalmente em sua primeira parte, tenha havido certa dispersão nos assuntos tratados. Passamos dias e dias ouvindo todos os que desejavam falar de algum problema pastoral, quase sempre a partir do Instrumento de Trabalho. Os pronunciamentos foram ricos de testemunhos, relatos de novas formas de evangelização vindos das mais diferentes partes do mundo onde está presente a Igreja. Muitos deles enveredavam-se por reflexões buscando clarear melhor o problema, ampliar, ou melhor, compreender o sentido da Nova Evangelização ou
mesmo já indicando caminhos e soluções para as novas situações.
3.2 SITUAÇÃO DA FÉ NOS VÁRIOS CONTINENTES Durante o Sínodo ficou claro que a secularização é um fenômeno tipicamente Europeu e em parte de países do continente americano. A descristianização da Europa e a tendência a uma forma de vida muito marcada pelo materialismo agnóstico ou ateu é um fenômeno assustador, que está chegando também em outros países. O Relator Geral, Card. Donald William Wuerl, chegou a falar em tsunami do secularismo! O que a Igreja deve fazer para que a luz do Evangelho volte a iluminar os povos que no passado já foram cristãos e hoje se afastaram de Deus, da Igreja, das práticas religiosas? Esse é o primeiro sentido da expressão Nova Evangelização: reevangelizar pessoas, povos, nações já evangelizadas no passado e hoje afastadas do Evangelho. É o caso, sobretudo, da Europa! A América do Norte também segue pelo mesmo caminho. Já na América Latina, sentimos sim bater à porta essa descristianização, esse secularismo e seus desafios à fé cristã. As seitas, com seu proselitismo e leitura da Bíblia avessa à Tradição, também incomoda. Entretanto, esses e outros problemas, em parte, foram enfrentados há 6 anos na V Conferência Geral do CELAM em Aparecida, sendo buscadas soluções dentro de nossas tradições religiosas e culturais. Tal não é também o problema de populações cristãs minoritárias da Ásia. Lá, o convívio com grandes tradições religiosas, muitas vezes mais antigas que o próprio cristianismo, leva os cristãos a uma série de problemas e de dificuldades para viver a fé. Em parte na Ásia, sobretudo no Oriente Médio e em muitos países da África, o problema é o confronto com a emergência cada vez mais visível e forte do islamismo. São cristãos que sofrem perseguição, não têm liberdade de professar a própria fé ou, se a tem, esta é constantemente ameaçada. E em não poucos casos é um confronto que leva ao martírio, como bem sabemos.
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Tal latente oposição à Igreja ficou muito claro principalmente durante o pontificado de Bento XVI; os casos de pedofilia e outros escândalos sexuais e financeiros, em que pese sua real existência, foram tão trombeteados pelos quatro cantos do mundo por uma mídia com sede insaciável de sensacionalismo, que se chegou a pensar numa verdadeira orquestração planejada contra a Igreja Católica. Surpreendentemente, com o fato, mais único do que raro, da renúncia de Bento XVI, num gesto de profunda humildade e grandeza moral do Papa Ratzinger, a consequente movimentação em torno do futuro conclave e a fantástica eleição de um jesuíta latino-americano que assumiu o fenomenal nome de Francisco, trouxe de novo a polarização maciça da mídia internacional em torno da Igreja, manifestando um inaudito interesse difícil de explicar, dados os fatos anteriores. São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 6 - 21, jan. / jun. 2013.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS Na Oceania, em parte, há também o problema de antigas populações cristãs que abandonam a fé, como também populações autóctones que necessitam ainda do primeiro anúncio do Evangelho.
3.3 RETORNAR AO ESSENCIAL DA FÉ: PREGAÇÃO E CATEQUESE QUERIGMÁTICAS
Diante desse quadro, uma coisa ficou clara durante o Sínodo: em tempos de crise e de busca de novos caminhos para anunciar o mistério de Jesus e seu Evangelho, o importante é retornar ao essencial da fé. Para países que já foram cristãos ou que tiveram uma longa ou breve e recente cristianização, como é o caso do Brasil (com relação à Europa), uma NE deverá voltar-se para o centro da fé, para a confissão da fé mais consciente e profunda. Isso significa reavivar o dom da fé, aprofundar suas raízes na adesão íntima e pessoal a Jesus, cuja vida, pregação, paixão, morte e glorificação constituem o fundamento do ser cristão. É ter a certeza de que Cristo Jesus é o único enviado de Deus para revelar-nos sua face e saciar nossa fome de infinito. A essa confissão de fé, deve corresponder o testemunho de vida, como Jesus, totalmente voltada para o Pai e totalmente voltada para o irmão, sobretudo o que sofre; isso, não só em escala pessoal ou assistencial, mas também e, sobretudo, na dimensão social. Não é sem razão que a Mensagem do Sínodo, documento que resume imediatamente as grandes intuições do Sínodo, usa o ícone de Jesus sentado junto ao poço, saciando a sede e a fome da pobre samaritana com o cântaro vazio. Logo no terceiro parágrafo, afirma enfaticamente: Antes de falar sobre formas que assume a NE, sentimos a necessidade de dizer, com profunda convicção, que a fé se decide inteiramente no relacionamento com a pessoa de Jesus, que vem ao nosso encontro em primeiro lugar. A obra da NE consiste em repropor ao coração e à mente, muitas vezes distraídos e confusos dos homens e mulheres de nosso tempo, e antes de tudo a nós mesmos, a beleza e a novidade perene do encontro com Cristo. Convidamos a todos a contemplar o rosto do Senhor Jesus Cristo, a entrar no mistério da sua existência, dada por nós até à Cruz, reconfirmada como dom do Pai na sua ressurreição dos mortos e comunicada a nós mediante o Espírito. Na pessoa de Jesus, revela-se o mistério do amor de Deus Pai por toda a família humana, que ele não quis deixar à deriva da própria autonomia impossível, mas reuniu em si num renovado pacto de amor.
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Nesse texto, como na sua sequência (é um texto longo), vemos relevada a importância, na Evangelização, do encontro pessoal com Jesus Cristo, da experiência de fé particular, individual. É a afirmação cristalina de um cristocentrismo radical, que, infelizmente, ficou às vezes em segundo plano, diante da riqueza do patrimônio espiritual e religioso recebido de longos séculos de cristandade. Nossa longa tradição cristã católica por vezes deu mais importância a outros aspectos, igualmente importantes da fé, do que a seu núcleo central, que é o Querigma. Em tempos de cristandade, quando tal núcleo fundamental já estava garantido pelo clima cristão que se respirava dentro da própria civilização, chamada cristã, não se sentia a necessidade de “anunciar Jesus e seu Evangelho”, bem como a decisão íntima e pessoal por Ele. Então, a evangelização em geral, a pregação e, sobretudo, a catequese, “se davam ao luxo” de enveredar pelas consequências morais e outras exigências da fé. Consequentemente, esse alicerce do edifício da fé, muitas vezes ficou descoberto, dando-se mais importância ao devocionismo, moralismo ou dimensões religiosas não tão essenciais. Desaparecendo o clima de cristandade, é inevitável o retorno ao núcleo central da fé, ou seja, à pessoa de Jesus Cristo em seu mistério Pascal. Elemento essencial nessa profissão de fé é sua natureza eclesial. Ou seja: o encontro com Jesus Cristo no seu mistério pascal (cf. Rm 4, 25) e adesão pessoal a Ele se faz na Igreja. Não se trata de um ato apenas íntimo, ou intimista, isolado, mas em comunhão com todos os que professam a mesma fé no Senhor Jesus, isto é, numa comunhão eclesial. O tema da revitalização da fé dos cristãos é a primeira e fundamental ação que se pode fazer em vista de uma evangelização mais profunda. Ao lado disso está também o tema da alegria. Bento XVI tem insistido muito nessa tecla: devemos dar ao mundo um testemunho de que vale a pena viver o Evangelho de Jesus, um testemunho alegre e de pessoas realizadas. Aliás, a ultimíssima mensagem, enviada por Twitter, por ocasião de sua renúncia, assim dizia: “Obrigado pelo vosso amor e o vosso apoio! Possais viver sempre na alegria que se experimenta quando se põe Cristo no centro da vida”. Somente assim, através de nossos atos, de nossas atitudes vividas alegremente, tornaremos a nossa fé credível. Só por esse fato, nossa vida cristã se tornará atrativa e uma verdadeira Palavra de Deus para aqueles que não creem ou se afastaram da fé (cf. também o tema de uma Igreja missionária, abaixo n. 3.5).
PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS 3.4 A AÇÃO DE DEUS E NOSSA RESPOSTA
3.5 UMA IGREJA MISSIONÁRIA
NO ATO DE FÉ
O despertar da Igreja para a NE foi também manifestado através da expressão “estado permanente de missão”, que é tipicamente latinoamericana e que o Documento de Aparecida chamou também de Missão Continental. Embora a missio ad gentes (pregar o evangelho para povos que desconhecem a fé) continue essencial, cada vez mais a Igreja toma consciência de que nossos territórios, cidades, nossas Igrejas, comunidades que no passado estiveram tão marcadas pela presença do Evangelho, hoje também se tornam “terra de missão”. Precisamos testemunhar Jesus Cristo em meio, muitas vezes, de um mundo secularizado, afastado de Deus, verdadeiramente necessitados de primeiro anúncio (Proposições 8 e 9). A necessidade de novo anúncio e o “estado permanente de missão” leva a uma maior valorização da Palavra de Deus, particularmente através das Sagradas Escrituras e da sua leitura orante, muito valorizadas pelo Sínodo e que foi o tema principal do Sínodo anterior de 2008 e de sua Exortação Apostólica Verbum Domini. Diante de tantas pessoas que já passaram pela Igreja e se afastaram, mas já receberam os três Sacramentos da Iniciação (Batismo, Confirmação e Eucaristia: cf. abaixo 4.4), o sacramento que hoje marca o seu retorno para a vida cristã nas nossas comunidades é o Sacramento da Reconciliação ou Penitência, chamada popularmente de confissão, embora teologicamente não seja um nome muito exato. O Sínodo urgiu para que as paróquias e dioceses, os sacerdotes em geral, voltem a se dedicar, com maior zelo e frequência, ao exercício desse sacramento, um tanto marginalizado nesses últimos tempos (Proposição 33: veja abaixo nn. 4.3 e 4.4).
O Sínodo reconhece igualmente o primado da graça divina na NE, cuja fonte é a Santíssima Trindade, de cuja vida, pelo batismo, participamos. Os planos e ações pastorais que fazemos serão sempre decorrência dessa vida espiritual e profunda vivência do Mistério de Cristo. Insistiu-se muito no primeiro anúncio, no querigma (núcleo central da fé). Tal fundamento primeiro da fé é afirmado numa das 58 Proposições, principal documento do Sínodo: “o Evangelho de Jesus Cristo é a proclamação de sua vida, do mistério pascal, de sua paixão e morte, ressurreição e glorificação” (Proposição 6). De maneira nenhuma se ignora a nossa responsabilidade, como pessoas e como Igreja, nosso esforço humano e criatividade na evangelização. O princípio da encarnação, ou seja, do Cristo Jesus que entra em nossa história, assume plenamente as realidades humanas, e através dela nos revela o Evangelho da Salvação, continua sendo também um princípio fundamental da NE. A Proposição 5 fala da necessidade da “inculturação da fé”, de conhecer o modo e a maneira de viver das pessoas que evangelizamos, das culturas, dos sinais dos tempos. A Proposição 25 insiste na necessidade de conhecer os “novos cenários urbanos” e neles se inculturar; é reconhecer aquilo que a Arquidiocese de São Paulo, um dos maiores conglomerados urbanos da América Latina, tanto insiste: “Deus habita essa cidade” (cf. Sl 132, 13-14; 68, 17), ama os grandes centros urbanos e quer que aí o Evangelho seja pregado e vivido. Muitos se afastaram da Igreja, talvez porque não soubemos falar a linguagem do homem de hoje. Reaparece, então, como uma das grandes preocupações pastorais não só a linguagem e os meios de comunicação, mas também a nova cultura midiática e o novo modo de ser e de se relacionar provocados pela mídia contemporânea, em suas múltiplas expressões. A inculturação consiste também em valorizar tudo aquilo que de bom existe na cultura de hoje, como ponto de partida para do anúncio do Evangelho. A Igreja não pode somente denunciar, demonizar o mundo moderno, também porque fazemos parte dele, a história da salvação se realiza em nossos dias, no meio desse mundo secularizado que vivemos. Claro que o mistério do Mal, sempre presente, deve ser combatido, proclamando-se e testemunhando-se a vitória do Bem, na pessoa de Jesus Cristo, da Igreja e em nossas vidas.
3.6 OUTROS TEMAS NAS PROPOSIÇÕES
TRATADOS NA
MENSAGEM
E
Muitos outros temas foram tratados, como a necessidade de diálogo entre o Evangelho e o mundo da cultura, da ciência e das universidades; a missão importantíssima dos leigos cristãos; o valor e o testemunho da vida religiosa e contemplativa no nosso mundo secularizado; a NE e os direitos humanos; a liberdade religiosa; o direito e dever de proclamar o evangelho; a promoção humana; a opção pelos pobres; o cuidado com os idosos e doentes; migrações e valor e atualidade da doutrina social da Igreja. São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 6 - 21, jan. / jun. 2013.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS Com relação à vida interna da Igreja foram debatidos temas como: a urgente necessidade de conversão da própria Igreja (pastores e fiéis), a santidade dos evangelizadores, a iniciação cristã (veja abaixo nn. 4.3 e 4.4), a catequese (sobretudo com adultos) e o valor do Catecismo da Igreja Católica (cf. abaixo n. 4.2), a recuperação do sentido sagrado do domingo, as peregrinações, a urgência da educação e a via da beleza (no Evangelho brilha a beleza suprema que tanto buscamos). A última parte das Proposições aborda o tema dos “agentes e participantes da NE”: a diocese e pastoral orgânica, a paróquia como um dos eixos da NE, o importante papel dos fiéis leigos (especial relevo às mulheres), a família cristã com suas crises e desafios, os jovens, o diálogo ecumênico e inter-religioso, diálogo entre fé e ciência, o átrio dos gentios (espaço de diálogo com os não crentes), o cuidado com o meio ambiente etc.
4 A CATEQUESE AO LONGO DAS PROPOSIÇÕES Relevo a seguir algumas Proposições nas quais se trata explicitamente do tema da catequese, ou ainda, temas relativos às pessoas e estruturas que têm muito a ver com a evangelização e a catequese.
4.1 A NOVA EVANGELIZAÇÃO, O PRIMEIRO ANÚNCIO E A CATEQUESE A Proposição 9, logo no início, estabelece a íntima relação entre essas três realidades. Acentua a importância e absoluta prioridade do primeiro anúncio de cunho bastante querigmático, o qual deve ser “proclamado com toda força espiritual”. Se ele já leva a uma primeira conversão, compete à consequente catequese realizar “a instrução sobre o depósito da fé”. Aí está, pois, já uma definição daquilo que é o objeto da catequese: ser instrução na fé. Mas, suposta a primeira evangelização, como também toda a dimensão catecumenal de que se deve revestir essa instrução, de maneira nenhuma aqui se está pedindo um retorno à catequese meramente doutrinal. Pelo contrário, a Proposição 9 reafirma a íntima união entre o primeiro anúncio (querigma ou evangelização em sentido estrito), a instrução na fé (catequese) e a dimensão catecumenal de todo o processo da iniciação cristã que será reafirmada mais na frente. 16
São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 6 - 21, jan. / jun. 2013.
A prioridade do primeiro anúncio, com relação à posterior catequese, é tão importante que, se não houver o primeiro anúncio, ou seja, esse primeiro encantamento pela pessoa e o mistério de Jesus, a catequese então, antes de ser instrução (dimensão doutrinal da fé), deverá se transformar em catequese querigmática ou evangelizadora, para depois se enveredar por temas estritamente catequéticos, doutrinais, litúrgicos, morais etc. Deve-se notar também como a Proposição 9 pede que seja publicado, por parte da Sé Apostólica, um verdadeiro Diretório Pastoral de Primeiro Anúncio. De fato, nossa bimilenar tradição católica possui muitíssimos meios, recursos, métodos de pastoral e catequese concebidos dentro de um clima de cristandade, mas fazer o primeiro anúncio ou proclamar Jesus Cristo numa sociedade já quase pós-cristã é tarefa para a qual nem sempre estamos preparados. Daí a importância dessas linhas de orientação e de conteúdo em vista de uma primeira evangelização, primeiro anúncio ou pregação querigmática. Eis o texto completo: A base de toda proclamação, a dimensão querigmática, a Boa Nova, coloca em evidência o anúncio explícito da salvação. «Eu vos transmiti, antes de tudo, o que eu mesmo tinha recebido, a saber: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, foi sepultado e, ao terceiro dia foi ressuscitado, segundo as Escrituras, e apareceu a Cefas e, depois aos Doze» (1Cor 15, 3-5). No «primeiro anúncio», a mensagem do mistério pascal de Jesus Cristo, o querigma, proclamado com toda força espiritual deve levar ao arrependimento do pecado, à conversão do coração e à decisão de crer. Verifica-se então uma continuidade entre a primeira proclamação e a catequese, em que se faz a instrução sobre o depósito da fé. Consideramos necessário que haja um Diretório Pastoral de Primeiro Anúncio que leve ao encontro vivo com Jesus Cristo. Tal documento pastoral deveria fornecer os primeiros elementos de um processo catequético, permitindo a sua inserção na vida das comunidades paroquiais. E que contenha igualmente os elementos do processo catequético, indicando como se inserem na vida das comunidades paroquiais. Os padres sinodais propõem que se estabeleçam por escrito as linhas mestras da proclamação inicial do querigma. Neste compêndio se incluam: a) o ensino sistemático do querigma na Escritura e na Tradição da Igreja Católica; b) os ensinamentos e escritos dos santos missionários e mártires de nossa história católica e que nos ajudariam nos desafios pastorais de nossos dias; c) características e orientações para a formação dos evangelizadores católicos nos dias de hoje.
PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS 4.2 PROPOSIÇÕES EXPLÍCITAS SOBRE A CATEQUESE O Sínodo dedica duas Proposições nas quais se fala explicitamente da Catequese. A primeira, tendo em consideração um conceito multissecular de catequese concebida quase que exclusivamente em seu caráter infantil, endereçada à preparação para receber os sacramentos, o Sínodo releva a importância da catequese com adultos, apontando imediatamente para o catecumenato. Assim, pois, afirma a Proposição 28 intitulada Catequese de Adultos: Não se pode falar de NE se a catequese de adultos for inexistente, fragmentada, fraca ou descuidada. Quando tais defeitos se fazem presentes, a atividade pastoral se torna um sério desafio. Os tempos, etapas e graus do catecumenato da Igreja mostram como, através da dimensão bíblica, catequética, espiritual e litúrgica, a vida de uma pessoa e sua caminhada de fé podem ser entendidas como uma vocação através da relação com Deus (cf. EN 18; Instrumento de Trabalho, n. 92). Nisso, o caráter público da decisão pela fé que o catecúmeno faz, crescendo passo a passo na comunidade e na diocese, tem um impacto positivo em todos os fiéis.
A segunda Proposição, de número 29, intitulada A Catequese, os Catequistas e o Catecismo, de novo reafirma a importância da catequese na NE, para logo em seguida se deter na pessoa do catequista e do Catecismo da Igreja Católica. O texto, que inicialmente tinha apenas o título de O Catecismo da Igreja Católica, felizmente foi depois modificado e ampliado18, referindose à catequese em primeiro lugar, para depois considerar os catequistas e, finalmente, o Catecismo. Eis o texto:
A catequese renovada é fundamental para a NE. O Sínodo chama a atenção sobre o serviço indispensável que os catequistas prestam às comunidades eclesiais, e expressa sua profunda gratidão por sua dedicação. Todos os catequistas, que, por sua vez, são evangelizadores, têm que estar bem preparados. Deve-se fazer todo esforço, dentro das possibilidades da situação local, para proporcionar uma formação de catequistas com um forte caráter eclesial, e que seja igualmente espiritual, doutrinal, bíblica e pedagógica. O testemunho pessoal de fé é, em si mesmo, uma poderosa forma de catequese. O Catecismo da Igreja Católica e seu Compêndio são, antes de tudo, um recurso para o ensino da fé e apoio aos adultos na Igreja em sua missão evangelizadora e de catequese. De acordo com a Carta Apostólica Ministeria Quaedam [1972] do Papa Paulo VI, as Conferências Episcopais, têm a possibilidade de pedir à Santa Sé a instituição do ministério do catequista.
4.3 A INICIAÇÃO CRISTÃ E A NOVA EVANGELIZAÇÃO É esse o título da Proposição 38. Num primeiro parágrafo estabelece a importância da Iniciação Cristã dentro da NE (é um seu elemento crucial), pedindo que ela adquira uma inspiração catecumenal e, consequentemente, uma permanente mistagogia. Num segundo parágrafo, timidamente, pede que se dê atenção a uma proposta de Bento XVI em vista da mudança na sequência da recepção dos três sacramentos da iniciação. Eis o texto: O Sínodo declara que a iniciação cristã é um elemento crucial na NE e é o meio pelo qual a Igreja, como mãe, dá à luz seus filhos e se regenera. Portanto, propomos que o
18 Tal modificação foi realizada no grupo luso-hispânico A, do qual eu participava. Fiz a proposta para que em primeiro lugar se falasse da importância da catequese e dos catequistas, para só depois referir-se ao Catecismo. Inicialmente a proposta foi rejeitada, pois se dizia que o Sínodo queria mesmo valorizar o Catecismo da Igreja Católica na NE. Retornei ao assunto num segundo momento, já na revisão final, agora usando dos bons ofícios do Cardeal Dom Odilo Scherer, que também fazia parte desse grupo. Vindo de tão autorizada personalidade a proposta foi aceita. Foi-me solicitado que entregasse ao secretário do grupo a formulação que eu havia redigido. Acontece que na formulação de minha proposta estava contemplada não somente a pessoa do catequista, mas também a importância do ministério do catequista reconhecido oficialmente, como sugere, aliás, o nosso Diretório Nacional de Catequese (cf. n. 245). Dom Ricardo Blásquez Pérez, Arcebispo de Valladolid, secretário do grupo interpretou que esse último item (ministério do catequista) tinha sido também aprovado pelo grupo e passou-o para a Comissão Central. Deve-se dizer que outros grupos tinham insistido, para além do Catecismo, também na importância do catequista. Aliás, Dom Sérgio Rocha, Arcebispo de Brasília, havia feito uma autorizada e oportuna intervenção em Plenário sobre a relevância do catequista no processo evangelizador (seu pronunciamento está publicado nessa edição da Revista de Catequese, p. 53.). Tudo isso fez com que esse n. 29 tomasse a forma atual que, apesar da brevidade, é bastante completo. É curioso que tal Propositio 29, dentre 250 padres sinodais votantes, recebeu 229 votos positivos, 17 negativos e 4 abstenções. No conjunto, os 17 votos negativos foram numerosos, talvez por causa do ministério do catequista, que para alguns é ainda uma questão muito polêmica (das 58 Proposições somente quatro receberam entre 18 e 20 votos negativos).
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS tradicional processo de iniciação cristã, que tem se tornado frequentemente em simples preparação próxima aos Sacramentos, seja considerada em todos os lugares com uma inspiração catecumenal, dando maior relevância à permanente mistagogia e, deste modo, tornando-se verdadeira iniciação à vida cristã através dos Sacramentos (cf. Diretório Geral para a Catequese, n. 91). Nesta perspectiva, a situação atual no que diz respeito aos três Sacramentos da iniciação cristã, não deixa de ter consequências: apesar da sua unidade teológica, são pastoralmente diversos. Nas comunidades eclesiais essas diferenças não são de caráter doutrinal, mas de critério pastoral. Contudo, o Sínodo pede que se torne um estímulo para as Dioceses e Conferências Episcopais aquilo que o Santo Padre afirmou na Sacramentum Caritatis, n. 18, para que sejam revistas as próprias práticas sobre a iniciação cristã: “Em concreto, é necessário verificar qual seja a prática que melhor pode, efetivamente, ajudar os fiéis a colocarem no centro o Sacramento da Eucaristia, como realidade para qual tende toda a iniciação” (Sacramentum Caritatis, n. 18).
4.4 O SACRAMENTO DA CONFIRMAÇÃO NA NOVA EVANGELIZAÇÃO É o tema da Proposição 37. Como se percebe, foi indevidamente colocada antes de se tratar da Iniciação Cristã. A primeira afirmação vincula esse sacramento ao Batismo, pois ambos brotam de Pentecostes e geram a missão de evangelizar. Já a segunda, se refere ao efeito próprio da Confirmação: receber a plenitude do Espírito Santo e o poder de dar testemunho. Em seguida esta doutrina é aprofundada e se exorta para que haja uma adequada catequese a fim de bem prepará-la. Assim o texto foi redigido e aprovado: A todos os fiéis cristãos, em força dos Sacramentos do Batismo e da Confirmação, se confia a missão de evangelizar. Neles, os fiéis são marcados pela unção do Espírito Santo e são chamados a participar do mistério de Pentecostes. Através da Confirmação, todos os batizados recebem a plenitude do Espírito Santo, seus carismas e o poder de dar testemunho do Evangelho aberta e corajosamente. É importante que a catequese mistagógica acompanhe a graça da adoção filial recebida no Batismo, sublinhando a importância do dom do Espírito Santo que possibilita o fiel à plena participação no testemunho eucarístico da Igreja e sua influência em todas as esferas da vida e da atividade humana. Por isso, é de importância primeira primordial uma catequese adequada e sistemática que preceda a recepção destes Sacramentos.
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4.5 PAPEL DAS PARÓQUIAS NA NOVA EVANGELIZAÇÃO A Paróquia é considerada o centro da NE, como, aliás, no Documento de Aparecida que já lhe dera grande importância dentro de uma Igreja que quer ser missionária. Temos também duas Proposições que tratam explicitamente sobre a Paróquia. A primeira, a Proposição 26, intitulada: as Paróquias e outras realidades eclesiais afirma, entre outras coisas, que a Paróquia é o lugar, o instrumento para uma catequese orgânica. Assim se expressa: Os bispos reunidos no sínodo afirmam que a paróquia continua sendo a principal presença da Igreja no território, o lugar e o instrumento da vida cristã, que é capaz de oferecer oportunidades para o diálogo entre os homens, para escutar e anunciar a Palavra de Deus, para a catequese orgânica, a formação na caridade, a oração, a adoração e festivas celebrações eucarísticas. Além disso, os Padres Sinodais querem estimular as paróquias para que encontrem maneiras de viver com mais ênfase a dimensão evangelizadora, que poderia incluir missões paroquiais, programas paroquiais de renovação e retiros paroquiais. A presença e a ação evangelizadora de associações, movimentos, grupos e outras realidades eclesiais são estímulos úteis para a realização dessa conversão pastoral. As paróquias, assim como as tradicionais e novas realidades eclesiais, são chamadas a tornar visível, em seu conjunto, a comunhão da Igreja particular, unida ao redor do Bispo. Com o fim de levar a todos a Boa Notícia de Jesus, tal como exige a NE, todas as paróquias e pequenas comunidades devem ser células vivas, lugares para promover o encontro pessoal e comunitário com Cristo, experimentar a riqueza da liturgia e proporcionar formação cristã inicial e permanente, e para educar todos os fieis na fraternidade e caridade especialmente para com os pobres.
E num outro lugar, a Proposição 44 se intitula: A Nova Evangelização na Paróquia. Acentua mais o papel do testemunho cristão de vida como grande meio de evangelização e estimula a um trabalho missionário em todos os seus ambientes. Esse é o texto: A paróquia, em todas as suas atividades e através delas, deve animar seus membros a se tornarem agentes da NE, dando testemunho tanto através de suas palavras como de suas vidas. Por esta razão, é importante lembrar que a paróquia permanece sendo o ambiente habitual da vida espiritual dos paroquianos. Por isso, o Sínodo encoraja as visitas paroquiais às famílias como meio de renovação paroquial. Às vezes acontece que a paróquia
PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS é vista apenas como um lugar para eventos importantes ou mesmo como um centro turístico. Na mesma linha, os agentes de pastoral em hospitais, centros juvenis, fábricas, prisões etc. devem ter em mente que nesses ambientes deve-se realizar a NE. A Igreja deve, de fato, estar presente em tais lugares, uma vez que Cristo mostrou sua preferência para as pessoas que aí se encontram. Por aquilo que estiver a seu alcance as Igrejas são, pois, exortadas a abrirem-se a este trabalho missionário, onde quer que estejam.
4.6 O SACRAMENTO DA RECONCILIAÇÃO PENITÊNCIA
OU
Especial relevo foi dado ao Sacramento da Reconciliação, a ponto de ser chamado, com certo exagero, de Sacramento da Nova Evangelização. Apesar de ele figurar, por vezes na nossa prática, entre os sacramentos de iniciação, pois quem se prepara para receber a primeira comunhão Eucarística e a Crisma é em geral orientado a celebrar antes esse sacramento do perdão, entretanto, estritamente falando, ele não deve ser considerado sacramento da iniciação à vida cristã. Mas, para aqueles que já receberam os três sacramentos da iniciação e, posteriormente, se afastaram da Igreja, às vezes por longos anos, o sacramento que marcará seu retorno à Igreja será justamente o Sacramento da Reconciliação ou Penitência. Daí se entender porque o Sínodo, voltado particularmente para a evangelização ou reevangelização dos afastados, deu tanta importância a esse sacramento. A Proposição 33, intitulada o Sacramento da Penitência e a NE, assim se exprime: O Sacramento da Penitência e Reconciliação é o lugar privilegiado para receber a misericórdia e o perdão de Deus. É o lugar para a cura tanto pessoal, quanto comunitária. Neste Sacramento, todos os batizados tem um encontro novo e pessoal com Jesus Cristo, bem como um novo encontro com a Igreja, facilitando a reconciliação plena através do perdão dos pecados. Aí o penitente encontra Jesus e, ao mesmo tempo, experimenta um apreço mais profundo de si mesmo. Os Padres Sinodais pedem que este Sacramento seja posto novamente no centro da atividade pastoral da Igreja. Em cada diocese, ao menos um lugar deve ser especialmente dedicado, de maneira permanente, à celebração deste Sacramento, onde os padres estejam sempre presentes, para permitir que a misericórdia de Deus seja experimentada por todos os fiéis. O
Sacramento deve estar especialmente disponível, mesmo diariamente, nos lugares de peregrinação e igrejas especialmente designadas para este fim. A fidelidade às normas específicas que regulamentam a administração deste Sacramento é necessária. Cada padre deve considerar o Sacramento da Penitência como parte essencial de seu ministério e da NE e, em cada paróquia, deve-se dispor de um tempo apropriado para atender as confissões.
4.7 O MINISTÉRIO ORDENADO E A NOVA EVANGELIZAÇÃO Por sua vez, a Proposição 49 traz longo texto sobre a Dimensão Pastoral do Ministério Ordenado. Em primeiro lugar, insiste na necessidade de um “testemunho autêntico crível” por parte dos ministros ordenados; sublinha a importância da formação continuada do clero e a necessidade de um plano de animação do trabalho pastoral do presbiterado, chamado de “centro decisivo da NE”. O Sínodo lamenta os escândalos de uma minoria, agradece e encoraja o fiel serviço de tantos sacerdotes e solicita das dioceses um “plano pastoral presbiteral”, orgânico e sistemático para uma genuína renovação da vida e do ministério dos sacerdotes e diáconos. Eis o longo texto: Os padres sinodais encorajam os bispos e padres a conhecerem de maneira ainda mais pessoal a vida daqueles que eles servem. As pessoas procuram por testemunhas autênticas e credíveis em seus bispos e padres que vivem e apresentam-lhes a fé e a NE. O bispo é um evangelizador que conduz pelo exemplo e partilha com todos os batizados as bênçãos de ser chamado à evangelização. Formação continuada do clero, na perspectiva da NE, e métodos para a evangelização na diocese e na paróquia são necessários para compreender as maneiras de mobilizar os leigos a se empenharem na NE. Nós convidamos os bispos, primeiros responsáveis por todo o trabalho pastoral na Igreja, a desenvolverem um plano que anime e acompanhe de maneira direta e pessoal o trabalho pastoral do presbiterato, o centro decisivo da liderança na NE. Diante dos escândalos que afetam a vida e o ministério presbiteral, que profundamente lamentamos, propomos, contudo, que se agradeça e se encoraje o fiel serviço de tantos sacerdotes e que sejam dadas orientações pastorais às Igrejas particulares sobre um plano pastoral presbiteral que seja sistemático e orgânico, e que auxilie numa genuína renovação da vida e do ministério dos sacerdotes, que são os agentes primeiros da NE (cf. Pastores Dabo Vobis, n. 2).
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS Para que os padres sejam adequadamente preparados para o trabalho da NE, o Sínodo deseja que na sua formação, tome-se cuidado para formálos numa profunda espiritualidade, sólida doutrina, capacidade de comunicar-se na catequese e consciência dos fenômenos culturais modernos. Os seminários devem ter seu foco na NE para que ela se torne um tema recorrente e unificador em programas de formação humana, espiritual, intelectual e pastoral, na ars celebrandi, na homilética e na celebração do Sacramento da Reconciliação, partes importantíssimas da NE. O Sínodo reconhece e encoraja o trabalho dos diáconos cujo ministério presta um grande serviço à Igreja. Os programas de formação continuada na diocese devem estar também disponíveis para os diáconos.
4.8 A TRANSMISSÃO DA FÉ CRISTÃ Relevemos uma última Proposição, uma espécie de síntese de todas elas. Trata-se da Proposição 57 sobre a transmissão da fé, acentuando uma das ideias centrais do Sínodo: pode evangelizar somente quem vive alegremente conforme o Evangelho. Esse é o breve texto: “Sereis minhas testemunhas” (At 1, 8). Desde o princípio, a Igreja entendeu sua responsabilidade de transmitir a Boa Nova. A tarefa da nova evangelização, segundo a tradição apostólica, é a transmissão da fé. O Concílio Vaticano II nos recorda que essa tarefa é um processo complexo que implica a fé e a vida de todo o cristão. Essa fé não pode ser transmitida numa vida que não é modelada conforme o Evangelho ou numa vida que não encontre o seu significado, verdade e futuro no Evangelho. Por isso, a Nova Evangelização para a transmissão da fé cristã convoca todos os crentes para renovar sua fé e seu encontro pessoal com Jesus na Igreja, para aprofundar a compreensão da verdade da fé e da alegria de partilhá-la com os irmãos.
4.9 A CATEQUESE EM OUTRAS PROPOSIÇÕES: Além das Proposições acima citadas, nas quais se fala explicitamente da catequese ou de temas relacionados a ela, podemos ainda colher as seguintes afirmações em outras Proposições (ao final de cada afirmação está o número da Proposição): A Escritura deve permear as homilias, a catequese e tudo que se faz em vista da transmissão da fé (11). 19
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A fim de promover uma nova evangelização na sociedade, deve ser dada uma maior atenção à doutrina social da Igreja, entendendo que se trata de um anúncio e testemunho de fé, um meio insubstituível de educação à fé (cf. Caritas in Veritate, n. 15). A Doutrina Social da Igreja deve estar presente no conteúdo da catequese, da educação cristã, na formação dos seminaristas e religiosos [...] (24). [A Paróquia], lugar e o instrumento da vida cristã, é capaz de oferecer oportunidades para o diálogo entre os homens, para escutar e anunciar a Palavra de Deus, para a catequese orgânica, a formação na caridade, a oração [...] (26). Imitando Cristo, toda a Igreja deve dedicar-se a ajudar as famílias na catequese das crianças e dos jovens (48). Tome-se cuidado para formar [os presbíteros] numa profunda espiritualidade, sólida doutrina, capacidade de comunicar-se na catequese e consciência dos fenômenos culturais modernos (49). Como a mídia influencia grandemente no bem-estar físico, emocional, mental e espiritual dos jovens, a Igreja, através da catequese e da Pastoral da Juventude, esforça-se em possibilitar-lhes e preparálos para o discernimento do bem e do mal, para escolher os valores do Evangelho e não os valores mundanos, e para formar neles convicções firmes de fé (51).
CONCLUSÃO: OTIMISMO NO ANÚNCIO DO EVANGELHO Os textos da Mensagem do Sínodo e das 58 Proposições insistem, como já citamos, no otimismo que deve tomar conta dos discípulos de Jesus e não o desânimo ou derrotismo diante da desertificação espiritual que se vive atualmente e das grandes dificuldades de evangelizar o mundo de hoje. Em sua homilia na abertura do Ano da Fé, dizia o Papa Emérito Bento XVI: “a partir desta experiência de deserto, deste vazio, podemos novamente descobrir a alegria de crer, a sua importância vital para nós, homens e mulheres. No deserto se descobre o valor daquilo que é essencial para viver”. 19
PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS As dificuldades que hoje encontramos ao evangelizar devem ser transformadas em novas oportunidades de anúncio do Evangelho. É interessante, por exemplo, o texto da Mensagem a respeito da visão que a Igreja tem dos jovens: Estamos preocupados, sim, com os jovens, mas não pessimistas; preocupados porque justamente sobre eles recaem as invectivas mais agressivas de nosso tempo, mas não pessimistas, antes de tudo porque brotam em nossos jovens as aspirações mais profundas de autenticidade, verdade, liberdade, generosidade das
quais estamos convencidos de que só Cristo pode ser a resposta capaz de saciá-los (n. 9).
Usando a mesma imagem da “desertificação espiritual”, o Sínodo afirma que no deserto, as estrelas brilham mais na noite escura; assim também deve brilhar mais o Evangelho no deserto espiritual do mundo de hoje, para que todos sejam por ele iluminados. Nesse sentido, é invocada a proteção de Maria, estrela da Evangelização e modelo supremo de discípulo de Jesus.
REFERÊNCIAS ALVES DE LIMA, Luiz. A Nova Evangelização para a transmissão da Fé: o Sínodo dos Bispos de 2012. Revista de Catequese 140 (2012) 4-5. XIII ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS – 2012. Mensagem ao Povo de Deus. Revista de Catequese 140 (2012) 49-58. BENTO XVI. Homilía de abertura del Año de la Fe (11.10.2012). Disponível em: https://sites.google.com/site/sanmigueltaxco/ ano-de-la-fe. Acesso em 20 mar. 2013. ______. Porta Fidei. Carta apostólica com a qual se proclama o ano da fé. São Paulo: Paulus, 2011. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Indicações para o Ano da Fé. Revista de Catequese 138 (2012) 69-75.
JOÃO XXIII. Discurso de solene abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II (11.10.1962). In: CONCÍLIO VATICANO II. 1962-1965. Vaticano II: mensagens, discursos, documentos. São Paulo: Paulinas, 2007. ORDO SYNODI EPISCOPORUM. Texto latino – italiano. Romae: Typis Vaticanis, MMVII. Nesse texto há também a Carta Apostólica Motu Proprio Apostolica Solicitudo de Paulo VI (05.09.1965). SÍNODO SOBE A NOVA EVANGELIZAÇÃO PARA A TRANSMISSÃO DA FÉ. Proposições. Revista de Catequese 140 (2012) 59-75. SYNODUS EPISCOPORUM. XIII COETUS GENERALIS ORDINARIUS. Nova Evangelizatio ad Christianam Fidem Tradendam. Vademecum Synodi Episcoporum. Editiones latina – italica – hispanica. Romae: E Civitate Vaticana, 2012.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS O ATO DE CRER Adesão a Deus e acolhimento de sua Palavra no Espírito THE ACT OF BELIEVING Adherence to God and reception of his Word in Spirit Francisco Catão*
RESUMO: O autor enfatiza no artigo algo essencial para a vida de fé e para a celebração do Ano da Fé: a distinção entre o ato de crer e o conteúdo da fé. Uma leitura atenta da Carta Apostólica Porta Fidei deixa transparecer essa distinção, nem sempre levada em consideração, por estarmos habituados a nos concentrar principalmente nos conteúdos da fé. Não se trata de separar o ato de crer da compreensão de seus conteúdos, mas de uni-los e compreender a reciprocidade existente entre eles. Para tanto, o autor trabalha com textos importantes do Concílio Vaticano II, visando o resgate da teologia da Revelação oriunda desse grande acontecimento da Igreja do século XX. Mostra como essa teologia está presente na elaboração do Catecismo da Igreja Católica, bem como nas duas últimas Assembleias Ordinárias do Sínodo dos Bispos. Palavras-chave: ato de crer, Concílio Vaticano II, Catecismo da Igreja Católica, Ano da Fé, Sínodo dos Bispos. ABSTRACT: In this article, the author focuses on the distinction between the act of believing and the content of the faith, a distinction that is essential to understanding the life of faith and the celebration the Year of Faith. In doing a careful analysis of the Apostolic Letter Porta Fidei, the author elucidates this distinction because frequently it is not taken into consideration given the fact that our primary focus is usually on the content of the faith. The objective is not to separate the act of believing from that of comprehending the content of faith, but rather to hold them together and to understand the reciprocity that exists between them. For this reason, the author examines important texts of the Second Vatican Council so as to recover the Theology of Revelation that sprang forth from this great event in the Church of the twentieth century. He also shows how this theology is present in the development of the Catechism of Catholic Church as well as in the two most recent Ordinary Assemblies of the Synod of Bishops. Keywords: act of believing, II Vatican Council, Catechism of Catholic Church, Year of Faith, Synod of Bishops.
INTRODUÇÃO** Com o tema proposto pretende-se refletir e fazer uma análise sobre o que há de mais fundamental na nossa vida: o ato de crer. O Catecismo da Igreja Católica1 apresenta o ato de crer como a resposta pessoal à comunicação da vida divina feita ao homem pelo Pai, Filho e Espírito Santo. *
Tal abordagem sublinha a prevalência do ato de crer sobre o conteúdo da revelação. Decorre da teologia da Revelação elaborada em continuidade com a Constituição Dei Verbum do Vaticano II, desenvolvida pela 12ª Assembleia do Sínodo dos Bispos, sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja.2 Essa mesma teologia se encontra no cerne da 13ª Assembleia do Sínodo dos Bispos sobre a nova evangelização e a
Doutor em Teologia pela Université de Strasbourg – Faculté de Théologie de Théologie Catholique (França). Professor emérito do UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São Paulo – Campus Pio XI e do Mosteiro São Bento (São Paulo). É conferencista, articulista e autor de diversas obras. Artigo submetido à avaliação em 15.02.2013 e aprovado para publicação em 18.03.2013. ** Palestra pronunciada na Semana Teológica no UNISAL – Campus Pio XI (São Paulo), em 25.09.2012. 1 Cf. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. 9. ed. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Loyola; Paulinas; Ave-Maria; Paulus, 1999. Atenção seja dada à 1ª seção da 1ª parte do Catecismo, nn. 26-175, a qual será analisada posteriormente. 2 Cf. BENTO XVI. Verbum Domini. Exortação apostólica pós-sinodal sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja (30.09.2010). São Paulo: Paulinas, 2010.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS transmissão da fé cristã, ocorrida em outubro de 2012, e é chamada a presidir o Ano da Fé, de acordo com a Carta Apostólica Porta Fidei.3 Documentos do Magistério, de peso diverso, é verdade, mas capazes de conferir ao ato de crer, no mínimo, um valor de lugar teológico4 a ser mais bem explorado no cinquentenário da abertura do Vaticano II e durante o Ano da Fé.
1 EM CONTINUIDADE COM O VATICANO II Há cinquenta anos o Vaticano II era considerado como um concílio eminentemente eclesiológico. Conservava certa continuidade temática com o Vaticano I, interrompido acidentalmente em 1870; visava a renovação da Igreja, embora de forma bastante original, diferente de toda simples reforma; atendia, pelo menos na mente de Paulo VI, a uma solicitação latente até mesmo dos meios conservadores, que ameaçavam frustrá-lo. Era preciso encontrar uma motivação que tornasse impossível argumentar contra a urgência de se concluir o Concílio e todos concordariam facilmente em terminar a obra de aggiornamento começada por João XXIII.
1.1 A RENOVAÇÃO DA IGREJA A renovação, porém, foi mais longe do que se esperava. Levou a uma verdadeira reformulação da Igreja, encarando-a, em prioridade, como Povo de Deus, isso em relação à sociedade hierarquizada e perfeita, como se entendia até então, e definindo-a espiritualmente, como sacramento ou expressão histórica da união com Deus e da unidade de todo o
gênero humano5, como sinal vivo da universalidade da salvação. Essa novidade conciliar deu origem a uma série de recolocações importantes, modificando não apenas a vida interna das comunidades cristãs e da Igreja nas suas expressões concretas: liturgia, ministério episcopal, formação e ministério presbiteral, vida religiosa, educação cristã e apostolado leigo. Reformulava também a relação dos cristãos e da Igreja com as outras tradições cristãs, com as religiões em geral, a começar do judaísmo, e com o mundo contemporâneo, relações múltiplas e complexas, confiadas agora à corresponsabilidade de todos os batizados.6 Mais do que isso, a renovação da Igreja não podia se limitar às suas práticas, instituições e posicionamento na história. Considerando-se como Corpo de Cristo, Templo do Espírito Santo e antecipação do Reino, a Igreja está no mundo, mas não é do mundo, e tinha de se voltar necessariamente para sua fonte, que é Deus. Na Igreja, professamos todos crer em Deus, Pai, Filho e Espírito Santo; por sua natureza espiritual profunda, a Igreja nasce de Deus e para Ele caminha, não se renovando, portanto, senão a partir de Deus, na perspectiva do Reino. Essa visão do Mistério de Deus, radicada nas teologias neotestamentárias de Paulo e de João, claramente referida na maioria dos Padres, a começar de santo Irineu de Lião († 208), foi se tornando menos patente na prática cristã à medida que o cristianismo foi se desenvolvendo como religião, primeiro reconhecida, depois oficial, no Império Romano. Mais tarde, as dificuldades crescentes que foram surgindo na articulação entre a experiência religiosa cristã e as instituições eclesiásticas, constituídas em
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Cf. BENTO XVI. Porta Fidei. Carta apostólica com a qual se proclama o ano da fé (11.10.2011). São Paulo: Paulus. A expressão técnica “lugar teológico”, baseada na obra mestra de Melquior Cano (†1560), presidiu o desenvolvimento da dogmática, justificativa das verdades ensinadas pela Igreja. A teologia tanto hermenêutica como sistemática nos permitem alargá-la, vendo na experiência religiosa, no ato de crer, uma fonte indispensável para a elaboração do discurso cristão na atualidade. Desde o Vaticano II se assiste ao alargamento da expressão. João XXIII, por exemplo, considerou a História como um lugar teológico, ao falar dos “sinais dos tempos”. 5 Cf. CONSTITUIÇÃO Lumen Gentium sobre a Igreja. In: CONCÍLIO VATICANO II. 1962-1965. Vaticano II: mensagens, discursos, documentos. São Paulo: 2007. Nota-se esse entendimento ou definição da Igreja desde o capítulo 1º, pela anteposição do capítulo 2º, sobre o Povo de Deus, em relação o 3º, sobre a Hierarquia e em particular pelo primado reconhecido à vocação universal à santidade, no capítulo 5. 6 Não se pode esquecer a importância do reconhecimento, pelo Vaticano II, da corresponsabilidade de todos os cristãos na vida da Igreja e na sua missão, como ensina o Decreto sobre a atividade missionária da Igreja Ad Gentes, como ainda relembrava recentemente Bento XVI na sua mensagem ao Fórum VI Fórum Internacional da Ação Católica, em 22.08.2012. 4
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS continuidade com as estruturas públicas/monárquicas, chegaram a um ponto crítico nas origens da modernidade. Há cinco séculos viveu-se, na cristandade, um choque profundo entre a autenticidade espiritual da experiência de fé e a observância das prescrições institucionais, que se multiplicavam de maneira inaudita, como no caso das indulgências. Assistimos a uma série de rupturas que até hoje perduram e que levaram os católicos a superestimar os aspectos societários da fidelidade ao mandato de Jesus, em detrimento das exigências do seu seguimento, ou da imitação de Cristo, como se dizia. Os teólogos passaram então, desde o século XVII, a entender a Igreja como um reino ou Estado, fundada na instituição histórica de Jesus e enriquecida com as verdades reveladas. Sem que se negasse a importância da “leitura espiritual da Escritura” 7 , entendia-se que o depósito das verdades reveladas fora confiado à autoridade hierárquica da Igreja, investindo o sucessor de Pedro da função de exprimir, em última instância, o que se é obrigado a crer ou praticar como cristão.
1.2 REVELAÇÃO: A COMUNICAÇÃO DA VIDA DE DEUS O choque entre experiência e instituição, porém, não é um fenômeno próprio da história cristã. Verifica-se universalmente em todas as tradições religiosas e tem suas raízes na própria antropologia, pois as expressões de que nos servimos para traduzir a vida voltada para a transcendência, com a mudança dos tempos e das culturas, tendem a se tornar obsoletas, provocando um movimento constante de renovação. Renovação que não se percebe à primeira vista, mas não tarda a se impor, levando, quando bem identificada, a uma compreensão mais ampla e mais profunda de suas exigências. Num primeiro momento, a renovação da Igreja parecia se realizar inteiramente na revisão de suas práticas institucionais e de suas relações com o mundo. O cristianismo se renovaria, na medida em que se inserisse no meio em que vicejava. Inculturação se tornou a palavra de ordem.
A teologia e a pastoral deveriam antes de tudo responder aos problemas colocados pela sociedade, as injustiças sociais, pensar e se realizar em continuidade com a cultura dominante de cada região do globo, de cada povo e de cada tradição. Nas décadas que se sucederam imediatamente ao encerramento do Concílio, multiplicaram-se as teologias e as orientações pastorais em sintonia com as exigências cristãs na ordem social e com a diversidade das culturas. Foi assim que tivemos a nossa pastoral dita libertadora, entendida, social e politicamente, como opção pelos pobres e os esforços para uma evangelização inculturada na América Latina.8 No início dessa explosão da diversidade, logo depois de encerrado o Concílio, contemporaneamente à 2ª Conferência do CELAM em Medellín (1968), Paulo VI (1963-1978) convocou um ano da fé, encerrado pela elaboração de um “Credo do Povo de Deus”, a fim de salvaguardar a unidade na confissão das verdades cristãs fundamentais. No entanto, tal iniciativa não alcançou o resultado esperado. O beato João Paulo II (1978-2005), no sétimo ano de seu pontificado (1985), convocou uma assembleia extraordinária do Sínodo dos Bispos, a qual decidiu elaborar muito mais do que um Credo, um Catecismo que retomasse o ensinamento de base do Catecismo Católico de Trento (1566), levando em conta, porém, as formulações a que se havia chegado no Vaticano II. A elaboração do que se veio a denominar o Catecismo da Igreja Católica foi confiada ao Prefeito da Congregação da Doutrina, Cardeal Ratzinger, que colocou à testa da comissão de redação Dom Christoph Schönborn, atual arcebispo de Viena, na Áustria. Os redatores se deram logo conta da dificuldade que deveriam enfrentar. O papa insistia na continuidade com o catecismo tridentino, que se elaborara na perspectiva da dogmática, como uma orientação para os párocos defenderem o ensinamento católico, ameaçado pela modernidade reformadora, quando o objetivo do catecismo era agora apresentar a doutrina cristã em diálogo com a modernidade. Identificada essa dificuldade, os redatores encontraram uma solução providencial: antes de cada uma das quatro partes do catecismo, fariam uma exposição da nova perspectiva em que se devia ler a doutrina cristã segundo o que fora promulgado no Vaticano II.
7 É a expressão adotada pela Constituição Dei Verbum (n. 25) que evitou empregar o termo clássico “lectio divina”, tal como vai aparecer 50 anos mais tarde na 12ª Assembleia do Sínodo sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja, como se pode ler os dois alentados parágrafos da Exortação Apostólica Verbum Domini (nn. 86-87). 8 Basta lembrar aqui as sucessivas conferências do CELAM, de Medellín (1968), Puebla (1978) e Santo Domingo (1992).
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS Foi a partir desse trabalho que se tomou plena consciência na Igreja de que a novidade conquistada no Vaticano II a duras penas, sobretudo na difícil gestação da Constituição sobre a Revelação, constituía a verdadeira fonte da renovação da Igreja. Mudada a perspectiva em que se lê a Palavra, renova-se toda a Igreja. Na diversidade dos contextos culturais, sociais, econômicos ou políticos, a Revelação, entendida mais como comunicação da vida de Deus do que como revelação de verdades, faz novas todas as coisas (cf. Ap 21,5), a começar da própria Igreja.9 Redigiu-se então o que poderíamos chamar de carta magna da perene renovação da Igreja, que é a primeira seção da primeira parte do Catecismo da Igreja Católica (CaIC), intitulada Creio – Cremos. Trata do ato de crer de cada uma das pessoas que acolhem a Deus no íntimo de seu coração – a denominada “obediência da fé”10 – e que, comunicando-se umas às outras essa mesma fé, formam a grande corrente dos crentes 11, a Igreja, presente na história, a caminho para a eternidade.
colocado ênfase no papel do Espírito Santo na Igreja e, consequentemente, na experiência cristã. Valorizou o contato vital com as Escrituras, através da liturgia e do estímulo aos estudos bíblicos, entendendo finalmente, de maneira explícita, a revelação como comunicação da vida de Deus e, por conseguinte, marcando a prevalência do ato pessoal de adesão a Deus e de acolhimento de sua Palavra no Espírito. Não é possível analisar aqui esse texto maior – a doutrina do Catecismo sobre a fé – apesar de considerarmos essa análise fundamental para formação teológica de todo ministro da palavra ou agente de pastoral. Uma das grandes carências de nosso currículo teológico é de não contemplar a fé como um dos tratados a ser estudado por si mesmo, abordando-a quase que exclusivamente na Teologia Fundamental, na Antropologia Teológica II e na Teologia da Liturgia e dos Sacramentos. Contentemo-nos, porém, com a leitura de algumas passagens fundamentais. Começamos pelo texto de abertura:
2 O CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA
Quando professamos a nossa fé, começamos por dizer: «Creio», ou «Cremos». Portanto, antes de expor a fé da Igreja, tal como é confessada no Credo, celebrada na liturgia, vivida na prática dos mandamentos e na oração, perguntemos a nós mesmos o que significa «crer» (grifo nosso).14
Bento XVI tem insistido na celebração conjunta do cinquentenário do Vaticano II e do vigésimo aniversário da publicação do Catecismo da Igreja Católica em 1992, inserindo o Catecismo na história dos passos dados pelo Magistério, em continuidade com os quais se deve entender a proclamação do Ano da Fé.12 Não se trata, como se poderia superficialmente pensar, de uma simples coincidência histórica. O papa, como bom teólogo, protagonista na edição do Catecismo, demonstrou ter consciência de que a 1ª seção da 1ª parte, o Creio – Cremos, é o texto básico do Magistério Ordinário, que inaugura a assim denominada segunda fase da recepção do Concílio.13 A partir dos estudos e discussões que se deram em torno da elaboração desse texto, tomou-se consciência, na Igreja, que Vaticano II de um modo geral, na abordagem dos temas eclesiológicos, havia
Na base da confissão, da celebração e da vida da fé, está o crer. Que significa? É um ato cuja significação se entende no contexto das relações interpessoais: atitude de resposta a alguém que se nos apresenta: “A fé é a resposta do homem a Deus, que a ele Se revela. Dá-Se. Oferece, ao mesmo tempo, resposta que traz uma luz superabundante ao homem que busca o sentido último da sua vida”.15 O ato de crer é então o “responder” do homem a Deus que fala de si mesmo e se nos dá a conhecer, iluminando-nos assim a respeito do sentido último de nossa vida e de nossa realização como ser humano, chamados que somos à luz e ao amor, nossa felicidade.
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Cf. CONSTITUIÇÃO Dei Verbum sobre a revelação divina. In: CONCÍLIO VATICANO II. 1962-1965. Vaticano II: mensagens, discursos, documentos. São Paulo: 2007, nn. 2-6. 10 Cf. CAIC, n. 144. 11 Ibid., n. 166. 12 Cf. BENTO XVI. Porta Fidei, n. 4. 13 Cf. THÉOBALD, Christoph. La réception de Vatican II. Paris: Cerf, 2009, passim. 14 CAIC, n. 26. 15 Ibid. São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 22 - 30, jan. / jun. 2013.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS O discurso sobre a fé na luz do Vaticano II deve ser entendido em continuidade com o que diz a Dei Verbum a propósito da revelação16, elaborado, pois, dentro do contexto da relação interpessoal com Deus e com Jesus. Na modernidade, porém, centrada sobre o ser humano, que procura saber como alcançar os seus objetivos de vida, o Catecismo parte do ser humano, mais precisamente, do desejo de Deus inscrito no mais íntimo do ser humano como criatura de Deus, distinguindo assim os três capítulos que compõem essa primeira seção da primeira parte. “Comecemos por considerar esta busca do homem (capítulo primeiro): depois, a Revelação divina pela qual Deus vem ao encontro do homem (capítulo segundo); finalmente, a resposta da fé (capítulo terceiro)”.17 Situado no contexto das relações interpessoais, o discurso do Catecismo sobre a fé comporta, portanto, três características principais: • O ponto de partida antropológico, da realidade efetivamente vivida pelos seres humanos; • O reconhecimento da inteira gratuidade de Deus que Se dá, ou seja, a prioridade absoluta do dom de Deus, em relação a qualquer ato humano, de conhecimento ou de afeto, que são sempre frutos do dom, a começar pelo ato de crer; • Finalmente, em terceiro lugar, a adesão pessoal Àquele que se dá, Dom Incriado, o Espírito, a que se apropria o dom criado em nós, a graça, trazendo a luz para a inteligência e fazendo arder o coração. Não cabe comentar aqui os dois primeiros capítulos dessa 1ª seção da 1ª parte. Passamos diretamente ao terceiro capítulo, a “resposta de fé” – a que Paulo (Rm 1, 5; 16, 26) denomina “obediência da fé”.18 Não se trata, por enquanto, de verdades reveladas, mas de laços pessoais que Deus estabelece com duas pessoas, um homem e, sobretudo, uma mulher considerados padrão do ato de crer: “Abraão, pai de todos os crentes”19 e “Maria, Aquela que acreditou”.20 16
Dei Verbum, nn. 2-6. CAIC, n. 26. 18 Ibid., nn. 142-144. 19 Ibid., nn. 145-147. 20 Ibid., nn. 148-149. 21 Ibid., n. 26. 22 Ibid., n. 150. 23 Ibid., n. 151. 24 Ibid., n. 152. 25 Ibid., n. 153. 26 Ibid., nn. 154-160. 27 Ibid., n. 161. 28 Ibid., nn. 162-165.
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A questão colocada no início21 encontra finalmente sua resposta: na luz da célebre passagem paulina, “Sei em quem acreditei” (2Tm 1,12), crer significa aderir pessoalmente a Deus e acolher a Palavra no Espírito. Antes de mais, a fé é uma adesão pessoal do homem a Deus. Ao mesmo tempo, e inseparavelmente, é o assentimento livre a toda a verdade revelada por Deus.22 Para o cristão, crer em Deus é crer inseparavelmente n’Aquele que Deus enviou – «no seu Filho muito amado» em quem Ele pôs todas as suas complacências.23 Não é possível acreditar em Jesus Cristo sem ter parte no seu Espírito. É o Espírito Santo que revela aos homens quem é Jesus [...]. Ninguém conhece o que há em Deus senão o Espírito de Deus. Só Deus conhece inteiramente Deus.24
O ato de crer está no princípio da fé. Crer é conhecer, não por experiência direta ou, muito menos, por evidência. Deus habita uma luz inacessível. Dá-Se a conhecer. Crer, o ato livre de crer, é o dom de Deus que está na origem da fé, ato que contém toda a virtualidade que se desdobra na fé: dom 25 que desperta os atos humanos de conhecimento e de amor de Deus na liberdade, os quais passam a comandar toda atividade de conhecimento e a animar a vida dedicada ao Senhor.26 Na condição de existência em que nos encontramos todos, homens e mulheres, o ato de crer é uma necessidade, pois “sem fé é impossível agradar a Deus”.27 Precisamos crer até o fim dessa vida, para desembocar na vida eterna.28 Ato pessoal e livre, o ato de crer desponta no seio da comunidade humana, agrega-nos à comunidade dos crentes, fazendo-nos assim, contribuir para mantê-la viva e presente na história, transmitindo o crer a outros. É o que diz um dos mais belos textos do Catecismo:
PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS A fé é um ato pessoal, uma resposta livre do homem à proposta de Deus que Se revela. Mas não é um ato isolado. Ninguém pode acreditar sozinho, tal como ninguém pode viver só. Ninguém se deu a fé a si mesmo, como ninguém a si mesmo se deu a vida. Foi de outrem que o crente recebeu a fé; a outrem a deve transmitir. O nosso amor a Jesus e aos homens impele-nos a falar aos outros da nossa fé. Cada crente é, assim, um elo na grande cadeia dos crentes. Não posso crer sem ser amparado pela fé dos outros, e pela minha fé contribuo também para amparar os outros na fé.29
O texto prossegue, frisando dois aspectos fundamentais da comunidade de fé: a linguagem da fé que, apesar de sua homogeneidade com a cultura em que é formulada, atinge a própria realidade do Mistério de Deus30 e a unidade da mesma fé, correspondendo à união de todos os crentes em Deus, apesar da diversidade das pessoas, dos tempos e da cultura.31 Não nos é possível segui-lo em todos os seus ensinamentos. Retenhamos apenas que a prevalência do ato de crer se manifesta sempre que se trata de fé no Catecismo, pois nada há de mais importante para o ser humano que atuar pessoalmente na liberdade, individualmente ou em comunidade. Somos, pessoalmente, todos nós, homens e mulheres, interlocutores de Deus e é a Deus que seremos chamados a prestar conta de nossos atos.
3 A PREVALÊNCIA DA PALAVRA NA VIDA E NA MISSÃO DA IGREJA Apesar da ênfase que lhe atribui o Catecismo, parece que essa interpretação da fé, que reconhece a prioridade do ato de crer, ensinada pelo Vaticano II, não foi ainda profundamente assimilada na Igreja, pelo menos entre
nós. Estamos ainda presos a uma visão da Igreja que privilegia o construto religioso cristão e, por via de consequência, suas relações com a realidade política. Não desconhecemos a responsabilidade social dos cristãos, mas devemos privilegiar o primado do espiritual na Igreja, que o Vaticano II acentuou com tanta força, em continuidade com toda a tradição cristã, reconhecendo o primado do ato de crer em toda a vida cristã. O magistério de Bento XVI, interpretando o Concílio, em continuidade com essa tradição, rompendo com a diversidade dos destaques que a particularizaram em épocas ou culturas diversas, nos indica que o Vaticano II é o caminho da edificação da Igreja, fundado na fidelidade pessoal e comunitária à Palavra de Deus encarnada, vivenciando o Espírito de Jesus nas condições e nos misteres próprios dos nossos dias.32 A nossa resposta aos desafios do tempo, com os instrumentos de que dispomos, será animada por esse espírito. Ao anunciar o tema da 12ª Assembleia do Sínodo, primeira do seu ministério petrino, como gosta de dizer, convocada para outubro de 2008, Bento XVI ratificou sua preocupação maior, como teólogo, de fundamentar a renovação e a missão da Igreja, na sua fonte: o acolhimento da Palavra, o ato de crer. Dava assim continuidade ao Concílio, confirmado pelo Catecismo, que entendera a revelação como comunicação da vida de Deus, mais do que como manifestação de verdades sobrenaturais. O dom da Palavra, inseparável do dom do Espírito, fonte de santidade para todos os humanos, constitui a Igreja, reconhecida como “participação na vida mesma do Pai, do Filho e do Espírito Santo”33, comunidade que vive da Palavra no Espírito e é chamada a testemunhá-lo até os confins dos tempos. Em consequência, como vimos, o Catecismo sugeriu que as verdades contidas no Credo fossem lidas na perspectiva do ato pessoal de crer, não só, portanto,
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CAIC, n. 166. Observe-se o recurso ao princípio tomasiano: “o ato de crer não se baseia no enunciado, na linguagem, mas na própria realidade em que se crê” (Suma Teológica II-II.1,2,2m) citado no CaIC, n. 170 31 CAIC, nn. 167-175. 32 Sintetizamos aqui uma problemática que não podemos tratar por si mesma, mas que é de especial relevância para nós no Brasil e, mesmo, na América Latina. O Vaticano II foi interpretado no subcontinente como estimulando uma pastoral fundada na análise da sociedade na perspectiva dos valores cristãos, a começar pela justiça, de tal sorte, porém, que até hoje, entre nós, a ação da Igreja, apesar de alguns corretivos introduzidos em diversos momentos, como nas conferências do CELAM, parece meio resistente e pouco receptiva da problemática da evangelização, tal como está sendo desenvolvida pela Igreja. Não discutimos as questões suscitadas, embora tenhamos consciência de que, para ser completa, nossa análise do ato de crer teria que enfrentá-las de algum modo. 33 Cf. Lumen Gentium, n. 4. 30
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS como dogmas em que se deve crer, mas como respostas, brotando do mais íntimo de nosso coração, em busca de Deus, que está no centro da vida de todos nós, homens e mulheres, quaisquer que sejam o tempo e a cultura em que vivamos. Colocação ousada e renovadora da vida e da missão da Igreja, que repercute diretamente na maneira de entender a vida cristã e a ação dos cristãos na própria comunidade e no mundo. O centro de gravidade da Igreja, de sua vida e missão, é a Palavra de Deus, que vem a nós no Espírito e preside o acolhimento de Deus no coração. A Palavra de Deus, que é o Cristo Jesus, é a luz interior de nossa vida, oferece-se como o Amado que inspira todo nosso agir como pessoas humanas. Ele mesmo, Jesus, movido em tudo pelo Espírito, nos convida a refazer cotidianamente nossa fidelidade pessoal a Deus, purificando nosso coração pela fé, a fim de irradiá-la, cumprindo a vocação missionária inscrita no que é essencial à nossa condição cristã.
3.1 A NOVA EVANGELIZAÇÃO O tema proposto por Bento XVI para a 13ª Assembleia do Sínodo, ocorrida em outubro de 2012, deve ser entendido em continuidade com a prevalência do ato de crer no acolhimento da Palavra na vida e na missão da Igreja. A tese estabelecida na primeira seção do Catecismo, conjugada com o primado da Palavra, estabelecido no sínodo de 2008, deve repercutir na catequese, ou seja, na transmissão da fé cristã. Justificase assim o sentido técnico que assume um termo genericamente presente na Igreja, desde que o Vaticano II a colocou numa perspectiva renovadora, mas que foi especificamente, de maneira profética, cunhado por João Paulo II, desde o início de seu pontificado, em 1978. Empregou-o na sua primeira visita como papa à Polônia e em 1983 em Porto Príncipe, no Haiti, por ocasião da 19ª reunião do CELAM, quando falou de uma “nova evangelização”, nova no ardor, nas suas expressões e nos seus métodos. Genericamente o termo se presta, pois, a diversas interpretações. João Paulo II indicara como nova, uma 34
evangelização nova no ardor, nas experiências e nos métodos. A preparação da Assembleia do Sínodo sobre a nova evangelização para a transmissão da fé cristã entende o termo como significando uma evangelização que se faz a partir da experiência, animada por um novo ardor, que é uma qualidade subjetiva do evangelizador ou da comunidade evangelizadora e que, por isso, segue um procedimento novo, baseado, como já temos interpretado no Catecismo e na assembleia sinodal de 2008, não tanto no conteúdo da fé, mas no ato de crer. Nossa tese34, com base no Documento de Trabalho do Sínodo de 2012, é de que o adjetivo “nova”, empregado por João Paulo II e agora entendido por Bento XVI, tem a força da “novidade” cristã. Esse é o sentido que nos leva a falar do “novo” testamento, da “nova” aliança, ou ainda, como Paulo da “nova” criatura (cf. 2Co 5, 17) ou, como a tradição cristã, da “nova” lei, que difere da antiga por ser inscrita por Deus no íntimo do coração, de acordo com as profecias (Jr 31, 33).35 Assim sendo, compreendemos que não se trata de um novo conteúdo a ser evangelizado, nem mesmo de uma nova forma de apresentá-lo, seja ela bíblica, catecumenal, dogmática ou ecumênica, mas de uma ação do evangelizador que parte de seu ardor pessoal e de sua experiência de fé, e busca suscitar nos evangelizados um ato de crer mais ardoroso e vital, que está na base de toda a comunicação da vida de Deus. Tal interpretação nos autoriza a antecipar que o Sínodo, depois de ter ouvido toda Igreja, através do Documento de Consulta, propõe, para a transmissão da fé cristã, uma catequese do ato de crer: catequese que brota da experiência de fé e se destina a suscitar no catequizando antes de tudo, uma análoga experiência de fé,36 mais do que um aprendizado sobre as verdades da fé.
3.2 O ANO DA FÉ A grande lição que podemos finalmente tirar de todas essas considerações é de que no cinquentenário do Vaticano II, a 13ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, tem a ousadia de reformular as bases da missão evangelizadora da Igreja, completando o aggiornamento visado por João XXIII.
Desenvolvida no V Congresso de Catequese da Arquidiocese de Curitiba, em 02.09.2012. Cf. também: CATÃO, Francisco. A nova evangelização. Curitiba: Editora Universitária Champagnat, 2012. 35 É a razão a que recorre Tomás de Aquino quando aborda o tema na Suma Teológica (I-II,106-108), ensinando que a lei nova é caracterizada principalmente pela “graça do Espírito Santo” que antes de tudo nos santifica interiormente e se exprime no Evangelho, resumido no Sermão da Montanha. 36 É notável que a palavra experiência, durante mais de quatro séculos, é suspeita na tradição católica, como o mostrou Jean MOUROUX, há apenas 70 anos, em seu livro L’expérience chrétienne: introduction à une théologie (Paris: Aubier, 1954). Se ela aparece senão uma meia dúzia de vezes no Catecismo, no Documento de Trabalho do Sínodo de 2012 figura 70 vezes.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS Renovar a Igreja num novo pentecostes é renovar não apenas a vida da Igreja, mas também a sua missão evangelizadora. Somos todos chamados a ser discípulos e missionários renovados, tendo consciência de que o convite de Jesus e o dom do Espírito têm como objetivo nos transmitir a vida de Deus, através da amizade com Jesus no Espírito, levando-nos a viver da Palavra numa entrega total de nós mesmos a Deus, expressa no ato de crer. Bento XVI já declarara, ao promulgar o Sínodo sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja: “Não existe prioridade maior do que esta: reabrir ao homem atual o acesso a Deus, a Deus que fala e nos comunica o seu amor para que tenhamos vida em abundância (cf. Jo 10, 10)”.37 Com esse objetivo, chamado a reorientar todas as diretrizes pastorais, Bento XVI proclamou o Ano da Fé. “Sucede não poucas vezes que os cristãos sintam maior preocupação com as consequências sociais, culturais e políticas da fé do que com a própria fé, considerando esta como um pressuposto óbvio da sua vida diária”.38 Continua então: Não podemos aceitar que o sal se torne insípido e a luz fique escondida (cf. Mt 5, 13-16). Também o homem contemporâneo pode sentir de novo a necessidade de ir como a samaritana ao poço, para ouvir Jesus que convida a crer n’Ele e a beber na sua fonte, donde jorra água viva (cf. Jo 4, 14). Devemos readquirir o gosto de nos alimentarmos da Palavra de Deus, transmitida fielmente pela Igreja, e do Pão da vida, oferecidos como sustento de quantos são seus discípulos (cf. Jo 6, 51). De fato, em nossos dias ressoa ainda, com a mesma força (o) ensinamento de Jesus, [...] a questão, então posta por aqueles que O escutavam, é a mesma que colocamos nós também hoje: «Que havemos nós de fazer para realizar as obras de Deus?» (Jo 6, 28). Conhecemos a resposta de Jesus: «A obra de Deus é esta: crer n’Aquele que Ele enviou» (Jo 6, 29). Por isso, crer em Jesus Cristo é o caminho para se poder chegar definitivamente à salvação.39
No percurso que delineia a celebração do Ano da Fé, Bento XVI ressalta o papel do Catecismo,
destacando que o desejo de Deus inscrito no coração de todos os humanos confere um valor de “preâmbulo da fé” a todas as tradições religiosas40, afasta a ideia de qualquer proselitismo, que tenda a misturar o conteúdo transcendente do depósito da fé com qualquer de suas múltiplas expressões culturais. Sublinha a importância do ato de crer, de acordo com o que disse no início da Carta Apostólica. Não que dê menor importância ao conteúdo da fé. Pelo contrário, coloca as verdades da fé no seu autêntico patamar. Embora a razão possa se dar conta de sua significação e de sua beleza, só a fé nos lhes dá acesso como verdades que se impõem à inteligência graças à autoridade da Palavra de Deus. Daí a importância de nos guiarmos pela fé na transmissão da fé e a razão pela qual o Catecismo é “subsídio precioso e indispensável”: Para chegar a um conhecimento sistemático da fé, todos podem encontrar um subsídio precioso e indispensável no Catecismo da Igreja Católica. Este constitui um dos frutos mais importantes do Concílio Vaticano II. Na Constituição apostólica Fidei depositum – não sem razão assinada na passagem do trigésimo aniversário da abertura do Concílio Vaticano II – o Beato João Paulo II escrevia: «Este catecismo dará um contributo muito importante à obra de renovação de toda a vida eclesial (...). Declaro-o norma segura para o ensino da fé e, por isso, instrumento válido e legítimo a serviço da comunhão eclesial».41
A Porta Fidei demonstra a visão madura que Bento XVI requer da catequese, primariamente orientada para o despertar do ato de crer, enraizado e constantemente alimentado por um conhecimento certo e direto do conteúdo da fé cristã. O Catecismo, que estimula a seu modo uma leitura voltada para o aprofundamento do ato de crer42, garante a iniciação e o crescimento na fé, pelo aprofundamento seguro, progressivo e contínuo do conteúdo da fé. Embora se tenha de distinguir o ato de crer dos conteúdos da fé, não se pode separá-los. Seria ou entender a fé como simples ardor religioso, ou então,
37
Verbum Domini, n. 2. BENTO XVI, Porta Fidei, n. 2. 39 Ibid., n. 3. 40 Ibid., n. 10. 41 Ibid., n. 11. 42 Tivemos ocasião de mostrá-lo em nossa contribuição ao V Congresso de Catequese da Arquidiocese de Curitiba, A catequese do ato de crer, em 02.09.2012.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS no extremo oposto, entendê-la como pura doutrina capaz de se sustentar por si mesma e fundar uma filosofia religiosa de vida. Baseada na adesão pessoal a Deus e no acolhimento de sua Palavra, a fé, que começa pelo ato de crer, nos torna progressivamente permeáveis à verdade de Deus no Espírito. Bento XVI exprime bem essa união indissolúvel, na fé cristã, do ato de crer com os conteúdos da fé, unindo-os numa unidade superior, que é justamente o que nos propõe no Ano da Fé: Queria agora delinear um percurso que ajude a compreender de maneira mais profunda os conteúdos da fé e, juntamente com eles, também o ato pelo qual decidimos, com plena liberdade, entregar-nos totalmente a Deus. De fato, existe uma unidade profunda entre o ato com que se crê e os conteúdos a que damos o nosso assentimento.43
O Ano da Fé tem por objetivo nada menos do que nos levar a uma nova perspectiva de vida eclesial, a “descobrir novamente os conteúdos da fé professada, celebrada, vivida e rezada e refletir sobre o próprio ato com que se crê, é um compromisso que cada crente deve assumir, sobretudo neste Ano”.44 O grande desafio que nos é lançado é de retomarmos os conteúdos da fé, compendiados no Catecismo, para demonstrar o ardor com que vivemos nossa adesão pessoal a Deus, que vem a nós através de sua Palavra e na comunicação de seu Espírito, para que sejamos, antes de tudo, fiéis, focos de irradiação da fé, atraindo nossos contemporâneos, tão ávidos e carentes de Deus. Seria essa a perspectiva em que deveriam ser pensadas as iniciativas pastorais para a celebração do Ano da Fé.
REFERÊNCIAS BENTO XVI. Porta Fidei. Carta apostólica com a qual se proclama o ano da fé (11.10.2011). São Paulo: Paulus, 2011.
CONSTITUIÇÃO Dei Verbum sobre a revelação divina. In: CONCÍLIO VATICANO II. 1962-1965. Vaticano II: mensagens, discursos, documentos. São Paulo: 2007.
______. Verbum Domini. Exortação apostólica póssinodal sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja (30.09.2010). São Paulo: Paulinas, 2010.
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BENTO XVI,
Porta Fidei, n. 10. Ibid., n. 9.
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São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 22 - 30, jan. / jun. 2013.
PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS A IGREJA E SUA AÇÃO NO MUNDO Uma retomada do Concílio Vaticano II no Ano da Fé CHURCH AND ITS ACTION IN THE WORLD A reclaiming of the Second Vatican Council during the Year of Faith Magno José Vilela*
RESUMO: O autor, desenvolvendo o tema proposto, retoma efetivamente textos importantes do Concílio Vaticano II, como as constituições Lumen Gentium e Gaudium et Spes. Não menos significativo é o pertinente resgate de diversas contribuições relativas à vasta produção teológica constituída ao longo do tempo. Dessa forma, o autor trabalha textos de Tertuliano, Agostinho, Tomás de Aquino, H. Küng, Ratzinger (ainda jovem teólogo), bem como com as recentes contribuições de Bento XVI, dentre elas a Carta Apostólica Porta Fidei, com a qual se proclamou o Ano da Fé. Ela, propositalmente, coincide com o cinquentenário do Concílio Vaticano II e com os vinte anos de publicação do Catecismo da Igreja Católica. A perspectiva do autor é refletir sobre a Igreja e o seu papel no mundo, sob a luz do Concílio Vaticano II, tendo em vista a atualidade do Ano da Fé. Palavras-chave: Igreja, missão, Vaticano II, Ano da Fé, eclesiologia. ABSTRACT: In developing the current theme, the author effectively reexamines important texts of the Second Vatican Council such as the Dogmatic Constitution Lumen Gentium and the Pastoral Constitution Gaudium et Spes. Of no less significance is the pertinent recovery of diverse contributions related to the vast production of theology that has taken place over time. In this regard, the author takes into consideration the writings of Tertullian, Augustine, Thomas Aquinas, Hans Küng, Joseph Ratzinger (as a young theologian) as well as the recent contributions of Benedict XVI, among which is included the Apostolic Letter Porta Fidei used to announce the Year of Faith. Intentionally, this document coincides with the 50th anniversary of the Second Vatican Council and the 20th anniversary of the publication of the Catechism of Catholic Church. The intention of the author is to reflect upon the Church and its role in the world in the light of the Second Vatican Council, mindful of the current Year of Faith. Keywords: Church, mission, II Vatican Council, Year of Faith, ecclesiology.
INTRODUÇÃO** O que aqui se propõe, sob o tema “A Igreja e sua ação no mundo”, é uma reflexão sobre o mistério da Igreja inserida no mistério do mundo, na esteira do
Concílio Vaticano II, tal como evocado pela Constituição Dogmática Lumen Gentium e pela Constituição Pastoral Gaudium et Spes1, em vista de uma vivência frutuosa do Ano da Fé. O objetivo é propiciar um melhor conhecimento dos textos do Concílio Vaticano II,
*
Mestre em Teologia pelas Facultés Le Saulchoir (Paris). Professor de História do Cristianismo e de Patrística no UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São Paulo – Campus Pio XI. Artigo submetido à avaliação em 19.02.2013 e aprovado para publicação em 18.03.2013. ** O texto a seguir, primeiramente apresentado sob a forma de palestra no “Simpósio sobre o Ano da Fé” na paróquia São Judas Tadeu em Itu, estado de São Paulo, foi adaptado para esta publicação com anuência do autor. 1 Para todas as citações do Concílio Vaticano II, ver: CONCÍLIO VATICANO II. 1962-1965. Vaticano II: mensagens, discursos, documentos. Tradução de Francisco Catão. São Paulo: Paulinas, 1998; ou também disponível em: http://www.vatican.va/archive/ hist_councils/ii_vatican_council/index_fr.htm. Acesso em: 28 set. 2012. São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 31 - 44, jan. / jun. 2013.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS reconhecendo e valorizando o seu espírito renovador na continuidade da Tradição cristã. Um antigo axioma, relembrado por Paulo VI (Audiência geral de 7 de maio de 1969 2 ), nos assegura que “Ecclesia semper reformanda”: a Igreja deve estar em processo de reforma contínua. Bento XVI, na Carta apostólica Porta Fidei n. 5, é mais explícito ainda a respeito: “Quero aqui repetir com veemência as palavras que disse a propósito do Concílio poucos meses depois da minha eleição para Sucessor de Pedro: «Se o lermos e recebermos guiados por uma justa hermenêutica, o Concílio pode ser e tornarse cada vez mais uma grande força para a renovação sempre necessária da Igreja»”.3 É nessa perspectiva que o tema será desenvolvido no presente artigo. A história dos grandes Concílios cristãos, principalmente daqueles ditos “ecumênicos”, é instigante e desafiadora. Todos, praticamente, foram convocados e se desenvolveram em momentos de crises e conflitos (por vezes violentos) no mundo e no seio da comunidade eclesial. Por tradição, cabe-lhes tratar essencialmente das verdades da fé (“dogmas”), dos costumes cristãos, ou prática cristã, e também da organização eclesiástica, tudo isso na perspectiva da unidade da Igreja. No entanto, nem sempre tais concílios conseguiram resolver plenamente os problemas tratados, mesmo se a cada vez conseguiram equacioná-los na retidão teologal da fé. De Niceia em 325 até o Vaticano II concluído em 1965, por mais de um milênio e meio, nem sempre a unidade eclesial pôde ser alcançada, digamos, a contento! Mas não seria isso, misteriosamente, um dos sinais dos tempos? É como se o Espírito de Deus, Espírito de Verdade, que santifica, vivifica, assiste e conduz a Igreja, nos estivesse a dizer, a nós, humanos, em nossas humanas fragilidades, que ainda temos muito chão pela frente, que talvez ainda não tenhamos percebido as incontáveis riquezas do tesouro da fé, ou, quem sabe, apesar da ação do Espírito, ainda não deixamos o Cristo habitar em nossos corações pela fé e, por isso, não estamos plenamente enraizados e bem firmados no amor, nem bem capacitados a entender, com todos os santos, qual a largura, o comprimento, a altura, a profundidade do desígnio amoroso do Deus de Jesus (cf. Ef 3, 16-19). É o Espírito em sua ação permanente “que conserva e faz progredir na unidade da fé todo o rebanho de 2
Cristo”, como nos ensina a Lumen Gentium (n. 25). Conservação e progressão, dimensões substantivas da vida cristã e da ação da Igreja no mundo, a não confundir necessariamente, ou abusivamente, e tantas vezes injustamente, com simples adjetivações tais como “conservadorismo” e “progressismo”. Nossa atual herança humana de divisões eclesiais e intraeclesiais requer, justamente, que procuremos todos voltar o nosso olhar e os nossos corações para as grandes exigências da fé e da unidade da fé. A Igreja Católica nos convida de modo especial a caminhar para o Ano da Fé. Que se abra, pois, para nós a “porta da fé”, porque a fé é o primeiro dom do Espírito. Por ocasião da 13ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, sobre “A nova evangelização para a transmissão da fé católica”, o Papa Bento XVI quis estabelecer um vínculo entre essa assembleia, os cinquenta anos da abertura do Vaticano II e os vinte anos do lançamento do Catecismo da Igreja Católica, promulgando o Ano da Fé. Com isso, ele manifesta a centralidade da fé, que já havia sido considerada na 12ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo (sobre “A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja”), focalizando agora, em particular, a transmissão da fé cristã. Podemos então considerar a atual conjuntura da Igreja como um momento decisivo, não só para a teologia da evangelização, mas também para uma nova perspectiva catequética, resultando, obviamente, na profunda revisão, e renovação, da vida na Igreja e de sua ação no mundo. Desenvolveremos o tema deste artigo conforme o seguinte plano: 1 A noção cristã de mistério. 2 O mistério da fé, porta de entrada na Igreja. 3 O mistério da Igreja. 4 O mistério da história humana. 5 O mistério insondável da santidade, ou a renovação sempre necessária. 6 Conclusão: somos testemunhas do mistério.
1 A NOÇÃO CRISTÃ DE MISTÉRIO Esta repetição de “mistérios” é aqui deliberada. E as expressões utilizadas são, todas elas, tiradas de
Cf. http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/audiences/1969/documents/hf_p-vi_aud_19690507_fr.html. Acesso em: 28 set. 2012. 3 Texto integral disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/motu_proprio/documents/hf_ben-xvi_motuproprio_20111011_porta-fidei_po.html. Acesso em: 02 set. 2012.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS documentos do Magistério eclesial, ou seja, da Lumen Gentium (LG), da Gaudium et Spes (GS) e da Carta Apostólica Porta Fidei, esta de Bento XVI. Na vida de fé, na vida da fé cristã, tudo começa e termina em mistério, mas isso costuma incomodar nossos pensamentos e sentimentos. Como se preferíssemos algo de bem tangível, bem visível, ao alcance de nossas mãos e de nossos desejos. Mas parece que não é bem assim! Detenhamo-nos um instante no admirável capítulo 11 da Carta aos Hebreus: “Pela fé, Abraão obedeceu à ordem de partir para uma terra que devia receber como herança, e partiu, sem saber para onde iria [...]” (v. 8); “pela fé, Moisés deixou o Egito, sem temer a ira do rei; permaneceu firme, como se visse o invisível [...]” (v. 27); “outros foram torturados ou recusaram ser resgatados; outros ainda sofreram a provação dos escárnios, experimentaram o açoite, as cadeias, as prisões, foram apedrejados, serrados ou passados ao fio da espada, levaram vida errante, vestidos com pele de carneiro ou pelos de cabra, oprimidos, atribulados, sofrendo privações. No entanto, todos eles, se bem que pela fé tenham recebido um bom testemunho, não alcançaram a realização da promessa. É que Deus estava prevendo algo melhor para nós [...]” (vv. 35-40). Mas porque essa “tamanha nuvem de testemunhas” atravessou tudo isso pela fé? Porque para eles, assim como deve ser para nós, a fé é a substância das coisas que esperamos, uma maneira de conhecer (e designar) as realidades que não se veem.4 Assim deveria ser também para nós, mas nem sempre o é. Temos, em geral, a tentação constante, sem perceber, de esvaziar o sentido profundo do mistério de Deus, do qual decorrem todos os outros mistérios marcantes da vida cristã, seja repetindo automaticamente fórmulas (por exemplo, na liturgia e em nossas devoções), seja substituindo-o por concepções ou expressões humanas muito mais próximas de uma espécie de naturalismo religioso, que imagina tudo compreender das coisas de Deus. Perdese, assim, a verdadeira dimensão do mistério. É como se estivéssemos, e talvez estejamos, na situação daqueles de quem o Evangelho de Lucas (8, 10) diz, pela boca de Jesus, “que olhando, não enxergam, e ouvindo, não entendem!”. A GS (n. 7) nos faz, a respeito, uma severa observação. Evocando as grandes
mudanças e transformações de nosso mundo contemporâneo e o desafio que elas impõem à vida de fé, a GS insiste na necessidade de purificá-la “de uma concepção mágica do mundo e de certas sobrevivências supersticiosas”, sem o que não poderemos chegar “a um mais vivo sentido de Deus”. E Deus sabe – ó se sabe! – quantas e quantas vezes aplicamos, embora sem querer, aos conteúdos da fé certas concepções mágicas, e às práticas devocionais, comportamentos supersticiosos. A palavra mistério nos vem do grego “mysterion”; sua raiz é “myo”, o que significa mais ou menos “ficar de boca fechada” ante o que parece ultrapassar os limites da visibilidade. Essa palavra designava primitivamente, nas eras pré-bíblicas, o culto ou o saber das antigas religiões iniciáticas, isto é, reservados a poucos. Já na tradição judaica, mistério, num sentido amplo, designa as coisas que permanecem na obscuridade, no segredo: no livro de Daniel (2, 28; 4, 6) e na Sabedoria (2, 22; 6, 22; 12, 5) os segredos divinos se referem ao desígnio eterno da salvação, sublinhando-se ali não o seu aspecto impenetrável à razão humana, mas o aspecto de revelação. No Novo Testamento, o termo mistério referese igualmente à revelação, mas acentuando também a ideia de anúncio, afastando qualquer conotação com os cultos mistéricos das antigas religiões. Dentre os vários sentidos que recebe nas Escrituras cristãs, destaco aqui apenas um, mas fundamental: os mistérios referem-se às grandes realizações de Deus, às suas intervenções em vista do estabelecimento de seu Reino, à sua sabedoria, oculta, mas revelada em Jesus Cristo, que é o mistério por excelência, como diz, por exemplo, Paulo em Rm 16, 25: “Glória seja dada àquele que tem o poder de vos confirmar na fidelidade ao meu evangelho e à pregação de Jesus Cristo, de acordo com a revelação do mistério mantido em sigilo desde sempre”. Para São Paulo, o mistério engloba toda a história da salvação e tudo o que ela contém, e que culmina em Cristo: “Deus nos fez conhecer o mistério de sua vontade, segundo o desígnio benevolente que formou desde sempre em Cristo, para realizá-lo na plenitude dos tempos: recapitular tudo em Cristo, tudo o que existe no céu e na terra” (Ef 1, 9-10). Mais tarde, na Igreja do século III, Orígenes, nosso “grande mestre na fé” (Bento XVI, Audiência de 25.04.2007), vai dizer que cada página
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Adoto e adapto aqui a tradução da TEB para Hebreus 1,1, mais próxima tanto do original grego como da versão latina da Vulgata; certas traduções correntes, que falam de “certeza” e “demonstração” arriscam-se a induzir o leitor a uma interpretação “positivista” da fé, desviando-se da retidão teologal. Cf. TIS : “óôéí är ðwóôéò ëðéæïìsíùí Qðyóôáóéò, ðñáãìqôùí —ëåã÷ïò ïP VULG : est autem fides sperandarum substantia rerum argumentum non apparentium. São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 31 - 44, jan. / jun. 2013.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS da Bíblia está imersa “no vasto oceano dos mistérios” e que “os mistérios são como joias preciosas”. O mesmo se pode dizer de toda vida cristã. Para Orígenes e os Padres gregos em geral, o “mysterion” passa a significar por um lado os sacramentos do batismo e da eucaristia, e por outro, o sentido espiritual que se encontra como que escondido nas letras do texto bíblico. Desde cedo também, o cristianismo de língua latina vai traduzir o “mysterion” grego por “sacramentum”. No latim précristão, esta palavra significava “penhor de boa fé” e também juramento, mais particularmente juramento militar. Sem de todo romper com o sentido original, no latim cristão ela se tornou o que hoje chamamos de sacramento, que é, portanto, sinônimo de mistério; sacramento, ou mistério, ao qual o cristão promete e compromete a sua boa fé. Foi Tertuliano, outro grande mestre na fé (cf. Bento XVI, Audiência de 30.05.2007), quem trouxe e traduziu para o vocabulário cristão essa grande ideia; ele fala, por exemplo, do batismo como o “sacramento – entenda-se: mistério – da água” (De Baptismo I, 1)5, fala dos “sacramentos – ou mistérios – da Igreja” (Adversus Marcionem III, 22) e da caridade como “o supremo sacramento de nossa fé e tesouro do nome cristão” (De Patientia XII,8).6
2 A FÉ, PORTA DE ENTRADA NA IGREJA Se assim podemos dizer, o primeiro mistério é o da fé, e a fé, o primeiro dom do Espírito, como nos relembra o Catecismo da Igreja Católica (CaIC 684): “O Espírito Santo, pela sua graça, é o primeiro no despertar da nossa fé e na vida nova que consiste em conhecer o Pai e Aquele que Ele enviou, Jesus Cristo”.7 Atentemos bem para esta frase aparentemente banal: ao dom da fé deve corresponder uma vida nova; fé = vida nova. Melhor dizendo: não pode haver dissociação entre a fé e a vida. Mas o que significa isso? Haveria muitas maneiras de tratar este assunto, mas vou limitar-me a evocar dois riscos a serem evitados. O primeiro consiste em insistir 5
exclusivamente sobre os conteúdos da fé, sem vinculálos à interioridade, à vivência, à experiência do mistério da fé. O segundo risco surge quando desvinculamos nossas práticas litúrgicas, devocionais etc., da necessária reflexão sobre o dom da fé, o ato de fé, os conteúdos da fé. Ou seja, quando não se aplica na vida prática a fé que se deve crer, que na linguagem cristã é o que se chama de profissão de fé. Esse importante alerta já havia sido feito 50 anos atrás, pelo menos! A LG 35, na parte em que se dirige especialmente aos leigos, ensina que eles [vocês, nós!] só se “tornam valorosos arautos da fé naquelas realidades que esperamos (cf. Hb 11, 1), se juntarem sem hesitação, a uma vida de fé, a profissão da mesma fé”. Por sua vez, a GS 43 adverte severamente: Mas não menos erram os que, pelo contrário, opinam poder entregar-se às ocupações terrenas, como se estas fossem inteiramente alheias à vida religiosa, a qual pensam consistir apenas no cumprimento dos atos de culto e de certos deveres morais. Este divórcio entre a fé que professam e o comportamento quotidiano de muitos deve ser contado entre os mais graves erros do nosso tempo. Já no Antigo Testamento os profetas denunciam este escândalo; no Novo, Cristo ameaçouo ainda mais veementemente com graves castigos. Não se oponham, pois, infundadamente, as atividades profissionais e sociais, por um lado, e a vida religiosa, por outro. O cristão que descuida os seus deveres temporais, falta aos seus deveres para com o próximo e até para com o próprio Deus, e põe em risco a sua salvação eterna.
Uma das maneiras de evitar esse divórcio entre a fé professada e a vida consiste em estudar, refletir, meditar, individual e comunitariamente, sobre o que é o ato de fé propriamente dito. Mas esta expressão – ato de fé – está envolvida por tantas coisas, e algumas coisinhas, que fica difícil tratar do assunto. Para falar claramente, há muita confusão em torno da fé e do ato de crer, e o eixo dessa confusão é justamente a dissociação ou divórcio da fé com a vida. Para a mentalidade moderna, inclusive para muitos cristãos mesmo praticantes, é
TERTULIANO. O sacramento do batismo: teologia pastoral do batismo segundo Tertuliano. Tradução de Urbano Zilles. Petrópolis, Vozes, 1981. 6 Estas e as outras obras de Tertuliano, não traduzidas em português, podem ser consultadas no site: www.tertullian.org. Acesso em: 28 set. 2012. Para as edições impressas, ver Corpus Christianorum Series Latina 1 e 2 (CCSL), ou Patrologia Latina 1 (PL). 7 CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Loyola; Paulinas; Ave-Maria; Paulus, 1997 [ed. revisada de acordo com o texto oficial em latim]. Disponível também em: http://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/prima-paginacic_po.html. Acesso em: 28 set. 2012.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS como se a fé fosse apenas um modo de ser meio peculiar, para não dizer excêntrico, aceitável para uns, descartável ou desprezível para outros, pois se trataria de um modo de ser alheio à razão, imbuído de crendices injustificáveis, atestando uma espécie de minoridade mental e psicológica, quando não mera dependência doentia da parte de pessoas incapazes de liberdade e autonomia. É bem verdade que não faltam exemplos, maus exemplos, de comportamentos ambíguos e equívocos em nossas práticas religiosas. Aliás, a GS 19, tratando do ateísmo contemporâneo já nos advertia, 50 anos atrás, acerca de alguns desses maus exemplos: [...] os crentes [i.e. fiéis cristãos] podem ter tido parte não pequena na gênese do ateísmo, na medida em que, pela negligência na educação da sua fé, ou por exposições falaciosas da doutrina, ou ainda pelas deficiências da sua vida religiosa, moral e social, se pode dizer que antes esconderam do que revelaram o autêntico rosto de Deus e da religião.
Como todos notaram, o texto que acabo de citar associa naturalmente crença/fé/vida religiosa/religião. Cada uma dessas noções mereceria uma análise mais aprofundada, distinguindo-as para no final uni-las. Como isso nos levaria muito longe, vou restringir o enfoque à fé, palavra e coisa. A palavra fé, que não foi inventada pelo cristianismo, vem do grego “pistis”, que os romanos antigos traduziram por “fides”. Ambas significam deixarse persuadir, ter confiança; persuadir pelo raciocínio, pelas preces, obedecer às autoridades etc. No sentido global, pistis/fides corresponde a dar sua confiança a alguém ou a alguma coisa. É a confiança, ou fidelidade, ou credibilidade, inspirada a outros, é a confiança, ou fidelidade, ou credibilidade que os outros inspiram. A fé tem, portanto, a ver com lealdade, credibilidade, sinceridade, confiança; tem a ver com o que é fiável porque é de boa fé. No seu belo livro intitulado “A utilidade de crer”8, santo Agostinho dará como exemplos da fides o amor materno, a relação com o médico etc. porque em princípio são, ou deveriam ser, relações de confiança absoluta. Diz ele que é pela confiança na autoridade da palavra da mãe que o filho sabe quem é seu pai (12, 26); sem a mútua aceitação da fides “não é possível haver amizade” e, tampouco, boa convivência entre mestres e discípulos (10, 23-24). A fides não é contrária
nem à inteligência nem à liberdade. Assim sendo, continua Agostinho, o ser humano pode, com toda razoabilidade, pôr sua fé em Deus (cf. De libero arbitrio I, 49). Afinal, diz ele numa genial definição do que é crer, “quem não sabe que o cogitar precede o crer? Crer nada mais é do que cogitar dando assentimento” (De praedestinatione sanctorum 2, 510). Em outras palavras, a fé é um ato autenticamente humano, é uma legítima expressão da vida humana, em que pesem eventuais distorções! Ter confiança – sinônimo de fé – pressupõe razoabilidade; não se pode confiar de qualquer maneira; não se deve confiar em qualquer coisa ou em qualquer um... Tudo deve passar e repassar pelo crivo da consciência reta, como, mais uma vez o Concílio, 50 anos atrás, já ensinava: O homem ouve e reconhece os ditames da lei divina por meio da consciência, que ele deve seguir fielmente em toda a sua atividade, para chegar ao seu fim, que é Deus. Não deve, portanto, ser forçado a agir contra a própria consciência. (...). Com efeito, o exercício da religião, pela natureza desta, consiste primeiro que tudo em atos internos voluntários e livres, pelos quais o homem se ordena diretamente para Deus; e tais atos não podem ser nem impostos nem impedidos por qualquer autoridade meramente humana (Dignitatis Humanae 3; cf. GS 16).
Assim sendo, a fé é um ato que não é contrário à inteligência nem à liberdade. Para são Tomás de Aquino, o ser humano pode confiar “no que chamamos Deus” e dar sua adesão às verdades reveladas por Deus. A rigor, só racionalmente é que se pode postular a ideia de uma “revelação”! E o ser humano pode fazer isso sem abdicar de sua dignidade, de sua liberdade, de sua inteligência. É praticamente o que se dá nas relações humanas, quando acreditamos (damos crédito, cremos) no que as pessoas nos dizem de si mesmas, de suas intenções, quando acreditamos em suas promessas e em seus testemunhos. O Novo Testamento vai adotar todos esses sentidos, mas orientando-os para designar um fato único: a resposta dada pelo homem ao Deus que veio até ele no Cristo. Na clássica e concisa definição do ato de fé por são Tomás de Aquino, retomada e enfatizada no CaIC 155, “crer é o ato da inteligência que dá o seu livre assentimento à verdade divina a mando da vontade
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Texto integral disponível em: http://www.augustinus.it/latino/utilita_credere/index.htm. Acesso em: 28 set. 2012. AGOSTINHO (Santo). O livre-arbitrio. Tradução Nair de Assis Oliveira. São Paulo: Paulus, 1995. 10 AGOSTINHO, (Santo). A graça: a graça e a liberdade; A correção e a graça; A predestinação dos santos; O dom da perseverança. Tradução Agustinho Belmonte. São Paulo: Paulus, 1999.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS movida por Deus através da graça”.11 A fé é, pois, inseparavelmente adesão pessoal do homem a Deus e assentimento livre e o mais íntimo possível a toda a verdade revelada por Ele. A teologia católica tradicional recorreu à distinção importante entre a fides quae, isto é, a fé confessada ou professada (por exemplo, no Credo e nos conteúdos doutrinais), e a fides qua, isto é, o ato de fé propriamente dito. Essa distinção é feita não para separar as duas dimensões, mas para uni-las, para articulá-las indissoluvelmente. A fé teologal (diferente da fé natural) enquanto assentimento dado ao Deus que se revela não pode ser desligada da adesão aos artigos de fé. O desafio, hoje, é o de refazer essa ligação ali onde precisa e deve ser (re)feita. Este é o convite, esta a proposta que nos é feita, este o caminho apontado pela Carta Apostólica Porta fidei, que institui o Ano da Fé: acentuar o ato pessoal de crer. Os cristãos são assim chamados a revigorar a sua fé, o seu ato de crer, como fundamento de sua vida de cristãos. Como fazer isso? Diz-nos Bento XVI na Porta Fidei (n. 7): [...] hoje é necessário um empenho eclesial mais convicto a favor duma nova evangelização, para descobrir de novo a alegria de crer e reencontrar o entusiasmo de comunicar a fé. Na descoberta diária do amor de Cristo, ganha força e vigor o compromisso missionário dos crentes, que jamais pode faltar. Com efeito, a fé cresce quando é vivida como experiência de um amor recebido e é comunicada como experiência de graça e de alegria.
O teólogo e professor Francisco Catão nota, em texto recente, que no Documento de Trabalho da 13ª Assembleia Geral do Sínodo (sobre “A nova evangelização para a transmissão da fé católica”), a palavra “experiência” aparece cerca de 70 vezes, com diversos significados, mas todos eles girando em torno deste aspecto fundamental: “a experiência da fé cristã é o encontro com Jesus Cristo, graças ao dom do Espírito Santo, numa vida nova, da qual fazemos já experiência no presente”. 12 Em suma, somos chamados a rever e a aprofundar experiencialmente nossa amizade com Jesus. É o primado do coração, que amando conhece, e conhecendo ama a Deus, em Jesus, no Espírito. Este
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é o caminho, como nos dizem as três primeiras frases da Carta Apostólica Porta Fidei: A PORTA DA FÉ (cf. At 14, 27), que introduz na vida de comunhão com Deus e permite a entrada na sua Igreja, está sempre aberta para nós. É possível cruzar este limiar, quando a Palavra de Deus é anunciada e o coração se deixa plasmar pela graça que transforma. Atravessar esta porta implica embrenhar-se num caminho que dura a vida inteira.
Embrenhemo-nos então um pouco nesse caminho misterioso.
3 O MISTÉRIO DA IGREJA Se ocorrer de querermos as coisas da fé bem visíveis e tangíveis como se pudéssemos nos apropriar da graça divina, ou expropriar Deus de Sua graça, não seria também o caso de fazer a mesma coisa com a Igreja? Este é um problema bem mais comum do que se imagina. A Igreja é ao mesmo tempo – como nos ensina a fé – misteriosamente visível e invisível, uma instituição social, mas também e, sobretudo, uma comunidade espiritual através do tempo e do espaço; ela é comunhão e comunicação dos santos na eternidade de Deus. Mas quando falamos dela, nossa Mãe, e tantas vezes para falar apenas das mazelas que seus filhos lhe impõem, parece que só a percebemos, que só a sentimos na sua aparência, nas aparências dos pecados de seus filhos, e não na sua essência propriamente divina, e por isso mesmo misteriosa. Quem não supera essa postura corre seriamente o risco de desesperar dela, de renegá-la, pois não lhe faltam problemas por causa de atitudes e de comportamentos de seus filhos. Ora, quem de nós aceitaria, conscientemente, que nossas mães carnais fossem acusadas e, o que é ainda pior, condenadas não por eventuais faltas suas, mas pelas nossas? Torno-me, por motivos que em última instância só a Deus cabe julgar, um criminoso, e minha mãe carnal deve pagar por isso diante dos tribunais humanos? Já não sofre ela o bastante, e bem mais que o bastante, vendo e vivendo o comportamento desviante de um
TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica II-II, q. 2, a. 9. Tradução e coordenação geral de Carlos-Josaphat Pinto de Oliveira, OP et al. São Paulo: Loyola, 2003. 12 CATÃO, Francisco. A nova evangelização. Curitiba: Editora Universitária Champagnat, 2013, pp. 64-68.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS filho a quem nunca, nunca, ela indicou o caminho do pecado e do mal, antes pelo contrário? A Igreja, nossa Mãe, só pode ser compreendida como tal em seu mistério, no âmago do mistério de Deus. E não se trata de um pequeno mistério qualquer. Segundo as palavras do apóstolo Paulo em Efésios 5, 32, “este mistério é grande – eu digo isto com referência a Cristo e à Igreja”. Como então falar da Igreja? A dificuldade não é de hoje. Num sermão pregado por volta do ano 418 ao povo simples de Hipona, santo Agostinho parecia debater-se com o mesmo problema. Ouçamo-lo; é como se ele estivesse procurando as palavras para evocar esse mistério e, pelo menos, torná-lo perceptível aos seus ouvintes: O Apóstolo exprime-se muito claramente: Vós sois o corpo de Cristo e seus membros. Todos juntos somos membros e corpo de Cristo: não apenas nós que aqui nos encontramos, mas todos sobre toda a terra. E não apenas nós que vivemos neste tempo, mas sim - como dizer? - desde o justo Abel até o fim do mundo, enquanto os seres humanos gerarem e forem gerados, todo e qualquer justo que faça a sua passagem por esta vida, toda a humanidade atual e não apenas a de agora e deste lugar, mas toda a humanidade, pois todos formam o único corpo de Cristo; cada um de nós, por sua parte, é membro do Cristo. Se, pois, todos formam o corpo, cada um, por sua parte, é membro; é assim para a cabeça desse corpo. Ele [Cristo] é, como foi dito, a cabeça do corpo que é a Igreja, o primogênito, aquele que tem o primado sobre todas as coisas. Visto que dele se diz ainda que é a cabeça de todo principado e de toda potestade, esta Igreja, que agora peregrina, unir-se-á à Igreja celeste e ali, como os anjos, seremos cidadãos; considerarmo-nos iguais aos anjos, no futuro, após a ressurreição dos corpos, seria até indecoroso se a própria Verdade não nos houvesse assegurado: Seremos semelhantes aos anjos de Deus. E então haverá uma só Igreja, a cidade do Grande Rei.13
O Concílio Vaticano II, na LG 2, referiu-se a esse mesmo sermão para tratar da misteriosa fonte da qual jorra também a Igreja. Penso eu que o melhor é ler o texto na íntegra, pois assim, poder-se-á receber, não os comentários ou a interpretação do articulista, mas o ensinamento da Igreja sobre si mesma: O Eterno Pai, pelo libérrimo e insondável desígnio da Sua sabedoria e bondade, criou o universo, decidiu
elevar os homens à participação da vida divina e não os abandonou, uma vez caídos em Adão, antes, em atenção a Cristo Redentor «que é a imagem de Deus invisível, primogênito de toda a criação» (Cl 1, 15) sempre lhes concedeu os auxílios para se salvarem. Aos eleitos, o Pai, antes de todos os séculos os «discerniu e predestinou para reproduzirem a imagem de Seu Filho, a fim de que Ele seja o primogênito de uma multidão de irmãos» (Rm 8, 29). E, aos que creem em Cristo, decidiu chamá-los à santa Igreja, a qual, prefigurada já desde o princípio do mundo e admiràvelmente preparada na história do povo de Israel e na Antiga Aliança, foi constituída no fim dos tempos e manifestada pela efusão do Espírito, e será gloriosamente consumada no fim dos séculos. Então, como se lê nos Santos Padres, todos os justos depois de Adão, «desde o justo Abel até ao último eleito», se reunirão em Igreja universal junto do Pai.
Esta é uma afirmação forte, pela força de sua verdade: o Concílio, na continuidade da grande Tradição cristã, nos ensina que a Igreja em seu mistério, que é mistério de Deus, congrega todos os justos, desde Adão e seu filho Abel, e, como nos disse Agostinho, “todo e qualquer justo que faça sua passagem por esta terra, toda a humanidade”, até o último dos justos. Segundo o desígnio benevolente de Deus, portanto, a sua Igreja é, misteriosamente, sem fronteiras! E, no entanto, nós seus filhos, ouvimos compungidamente o ensinamento que ela nos dispensa sobre si mesma, mas não paramos de mexer no mapa desenhado e definido de uma vez por todas pelo próprio Deus (!), instalando divisas, barreiras, bordas, cercaduras, tapumes, marcos, muros, margens e limites! Abel, nosso primeiro irmão na fé da Igreja! E não é só Agostinho, nem só o santo Concílio que nos dizem isso. É também a Escritura divinamente inspirada, como Hebreus 11, 4: “Pela fé, Abel ofereceu a Deus um sacrifício melhor que o de Caim; graças à fé, recebeu o testemunho de ser justo, pois Deus atestou o valor de suas oferendas; e graças à fé, mesmo depois de morto, Abel ainda fala!” Salve, irmão Abel! Continue entre nós. A LG 9 o mantém presente, ele e todos os outros justos, entre nós: “Em todos os tempos e em todas as nações é acolhido por Deus aquele que O teme e age com justiça [como justo]” (cf. At 10, 35). Obviamente, não podemos ficar apenas nesta visão sublime da realidade da Igreja. Tentemos avançar. Um teólogo contemporâneo nos diz que “a Igreja é uma
13 AGOSTINHO (Santo). Sermão 341, 9, 11 (inédito em português). Texto original disponível em: http://www.augustinus.it/latino/ discorsi/index2.htm. Acesso em: 28 set. 2012.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS essência sob forma histórica”, que “há uma essência da Igreja, não em imobilidade metafísica, mas sim e apenas dentro de uma forma histórica”, e o mesmo teólogo continua dizendo que uma boa eclesiologia “deve procurar ver a Igreja tal como ela é na realidade: uma essência unida à sua forma histórica”.14 Se bem entendi, trata-se da íntima união entre a substância espiritual (e misteriosa) e a visibilidade terrena da Igreja. Outro teólogo contemporâneo nos diz que como a “fé se relaciona com a Igreja, por sua natureza, a Igreja pertence necessariamente à essência dessa fé”.15 Ora, a fé se desdobra na história, mas ela é sempre mais do que a história; assim também é a Igreja, misteriosamente incorporada no desígnio amoroso de Deus e no serviço da humanidade; esta é a sua natureza íntima, esta é a sua forma exata. Ou melhor, esta é a sua “realidade complexa”, como ensina a LG 8: Cristo, mediador único, estabelece e continuamente sustenta sobre a terra, como um todo visível, a Sua santa Igreja, comunidade de fé, esperança e amor, por meio da qual difunde em todos a verdade e a graça. Porém, a sociedade organizada hierarquicamente, e o Corpo místico de Cristo, o agrupamento visível e a comunidade espiritual, a Igreja terrestre e a Igreja ornada com os dons celestes não se devem considerar como duas entidades, mas como uma única realidade complexa, formada pelo duplo elemento humano e divino. Apresenta por esta razão uma grande analogia com o mistério do Verbo encarnado. Pois, assim como a natureza assumida serve ao Verbo divino de instrumento vivo de salvação, a Ele indissoluvelmente unido, de modo semelhante a estrutura social da Igreja serve ao Espírito de Cristo, que a vivifica, para o crescimento do corpo (cf. Ef. 4, 16).
4 O MISTÉRIO DA HISTÓRIA HUMANA Na profundidade de seu mistério, e, portanto além de nossa visão e de nossas percepções sensoriais, além de todas as divisões tão visíveis, a Igreja – como bem indica o singular que lhe deve ser sempre aplicado - a Igreja é una, única, “pelo poder do Cristo” (LG 26) que é o seu “pontífice supremo” (“Pontifex summus”, n. 21). E é assim que ela deve apresentar-se aos homens, nas palavras de são Cipriano de Cartago, retomadas em nota 14
na mesma Lumen Gentium: «Una Ecclesia per totum mundum in multa membra divisa», ou seja, “uma só Igreja em todo o mundo, composta de muitos membros”.16 Esta Igreja, “formada pelo duplo elemento humano e divino”, nos conduz e nos mergulha no “mistério do homem” e no “mistério da história humana”; ambas as expressões se encontram, articuladamente, na GS (n.n 10, 22 e 40). Como compreender então “o elemento humano” na sua formação? Já que ela existe também na visibilidade histórica, como se teria dado sua “fundação”? Quem a fundou? Em assunto tão delicado, sujeito a tantas confusões, recorramos mais uma vez ao ensinamento da Mãe Igreja. A LG evoca diretamente o assunto seis vezes. Ouçamo-la atentamente, como filhos obedientes na fé: Cristo, a fim de cumprir a vontade do Pai, deu começo na terra ao Reino dos Céus e revelou-nos o seu mistério, realizando, com a própria obediência, a redenção. A Igreja, ou seja, o Reino de Cristo já presente em mistério, cresce visivelmente no mundo pelo poder de Deus (n. 3) O mistério da santa Igreja manifesta-se na sua fundação. O Senhor Jesus deu início à Sua Igreja pregando a boa nova do advento do Reino de Deus prometido desde há séculos nas Escrituras [...] (n. 5). Por isso a Igreja, enriquecida com os dons do seu fundador [Jesus, Senhor e Cristo] e guardando fielmente os seus preceitos de caridade, de humildade e de abnegação, recebe a missão de anunciar e instaurar o Reino de Cristo e de Deus em todos os povos e constitui o germe e o princípio deste mesmo Reino na terra (n. 5). [...] a Igreja abraça com amor todos os afligidos pela enfermidade humana; mais ainda, reconhece nos pobres e nos que sofrem a imagem do seu fundador pobre e sofredor, procura aliviar as suas necessidades, e intenta servir neles a Cristo (n. 8). [...] a Igreja católica fundada por Deus, por meio de Jesus Cristo, como necessária [...] (n. 14). E os Apóstolos, pregando por toda a parte o Evangelho (cf. Mc 16, 20), recebido pelos ouvintes graças à ação do Espírito Santo, reúnem a Igreja universal que o Senhor fundou sobre os Apóstolos [...] (n. 19).
Como se pode notar nestas passagens, a Igreja é mencionada em relação – melhor dizendo, em relação de dependência – com o Reino de Deus e do Cristo.
KÜNG, Hans. A Igreja Católica. São Paulo: Objetiva, 2002, pp. 13-15; 48. RATZINGER, Joseph. Introdução ao cristianismo. São Paulo: Herder, São Paulo, 1970, p. 61. 16 Lumen Gentium n. 23, citando Cipriano de Cartago, Epist. 55, 24 e 36, 4.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS Deus, “por meio de Jesus Cristo”, é dito fundador uma vez; nas cinco outras vezes é Jesus Cristo o seu fundador, sendo que na última vez é dito que Ele a “fundou sobre os Apóstolos”. Mestre Tertuliano pode, aqui também, nos dar uma grande e fraternal ajuda, como a deu aos Padres Conciliares que o citam em nota cinco vezes na LG (duas na GS, uma no Ad Gentes e uma na Presbyterorum Ordinis). E ainda há quem o tenha por herege! Defendendo com veemência a apostolicidade da Igreja como inamovível critério da fé (Tertuliano é o primeiro formulador da doutrina da sucessão apostólica na Igreja latina), dizia ele com maravilhosa concisão: “ecclesia ab apostolis, apostoli a Christo, Christus a Deo”, isto é, “a Igreja vem dos apóstolos, os apóstolos do Cristo e o Cristo de Deus”.17 Em suma, já que não é o caso agora de discutir detalhadamente cada uma dessas ricas apresentações conciliares, digamos que, como a fé nos ensina, Cristo está vivo e presente na sua Igreja, que é o seu Corpo, Igreja na qual o Espírito Santo age em permanência. Mas que história é essa de dependência da Igreja ante o Reino de Deus? Uma das técnicas consagradas da exegese bíblica cristã consiste em buscar em cada página das Escrituras o aparecimento de tal palavra, relacionando-a cada vez com o contexto preciso em que aparece; é o que os especialistas chamam de concordância. Como isso vem sendo feito há alguns séculos, hoje é bem fácil para cada um de nós fazer pesquisas sobre todas as palavras que compõem a Bíblia. Obviamente, isso foi feito, e muito bem feito, para a palavra “ekklesia”, Igreja, que na linguagem bíblica passará a significar “a convocação santa do povo de Deus” (Ex 12, 16; Lv 23, 3; 1Cor 11, 18; Atos, em diversas passagens). O resultado da busca mostra o seguinte: a palavra Igreja aparece apenas 2 vezes nos Evangelhos, em Mt 16, 17-19, e 18, 17; nos outros livros do Novo Testamento, em sentidos diversos, ela aparece cerca de 103 vezes. Ao se procurar, porém, a expressão “reino de Deus”, em grego “basiléia tou theou”, ver-se-á que, só nos Evangelhos sinóticos, ela aparece cerca de 100 vezes, e em geral na boca de Jesus! Conclusão: segundo os Evangelhos, Jesus veio para anunciar e implantar na terra o Reino de Deus, por isso se diz que a Igreja existe em dependência do Reino. No início do século XX, na França, um exegeta muito competente e padre secular, para refutar certas teses
de um teólogo protestante de grande sucesso, escreveu um pequeno livro justamente sobre “O Evangelho e a Igreja”, no qual havia uma frase que iria lhe custar (e à Igreja) muito caro. A frase é a seguinte: “Jesus anunciou o Reino, mas o que veio foi a Igreja!”.18 Nas suas raízes, esta problemática ainda não foi de todo superada. Ouçamos então sobre isso as palavras de um jovem teólogo19, escrevendo mais perto de nós, em 1965, e que poderá nos orientar a respeito: Isto poderá ser mais bem compreendido, se partirmos da essência da Igreja. Como nos ensina o Novo Testamento, a mensagem de Jesus é antes de tudo uma mensagem escatológica, com vistas ao reino de Deus, não com vistas à Igreja. O fato de existir a Igreja não se opõe a esta mensagem, mas há, na marcha gradativa das revelações de Cristo, uma segunda possibilidade. Assim, a atividade dos Doze depois de Pentecostes aponta, não para a Igreja, mas para o reino de Deus. Informam-nos os Atos dos Apóstolos que os Doze não se ocuparam primordialmente em missionar os povos. Esforçaram-se, antes, muito mais em converter Israel, criando, deste modo, as condições prévias para a implantação do reino. De início, uma série de obstáculos históricos, entre os quais deveríamos citar, antes de tudo, o martírio de Estevão, o suplício de Tiago e, por fim, o fato decisivo da prisão e da libertação de Pedro. Tais fatos levaram a comunidade primitiva a reconhecer como definitivo o malogro do esforço de converter Israel. E, consequentemente, forçaram os Apóstolos a partir em busca dos gentios e a cuidar assim da Igreja, e não do reino. Eles o fazem, segundo se depreende das passagens referidas e principalmente dos esclarecimentos do capítulo 15 dos Atos dos Apóstolos, como uma nova opção feita sob a ação do Espírito Santo. Com isso, iniciou-se uma nova interpretação da mensagem de Cristo, sobre a qual a Igreja essencialmente repousa.
Mistério da Igreja no mistério da história humana: é, pois, a própria fé que nos ensina que sem o testemunho inspirado dos Apóstolos sobre o que ouviram da boca de Jesus (“Buscai antes o reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo” Lc 12, 31; “Pai, venha a nós o vosso reino” - Mt 6, 10), não estaríamos aqui como Igreja e com a Igreja, “que é a Igreja de Deus vivo, coluna e fundamento da verdade” (1Tm 3, 15). É assim, portanto, que a Igreja deve, com humildade, apresentar-se ao mundo e caminhar no mundo:
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TERTULIANO. De praescriptione haereticorum XXI, 4 e XXXVII, 1. LOISY, Alfred. L´Évangile et l´Église. Paris: Picard, 1902. 19 RATZINGER, Joseph. Apud Revelação e Tradição. São Paulo: Herder, 1968, pp. 31-32. 18
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS “revesti-vos de humildade; porque Deus resiste aos soberbos, mas dá a sua graça aos humildes” (1Pd 5, 5). Não me esqueci de que nosso tema é “a Igreja e a sua ação no mundo”. Enquanto planejava e preparava este artigo, ia me perguntando se a forma e o caminho que estava a escolher seriam, ou não, os mais adequados, e à altura do esperado, para não decepcionar muito. Acabei fazendo minha escolha baseada numa certeza, a de que o artigo se destina a cristãos adultos, que não buscam um simples receituário sobre as formas de ação da Igreja no mundo, mas uma reflexão sobre o seu sentido mais profundo, particularmente neste Ano especial da Fé. Por trás de minha escolha, esteve sempre presente uma profunda e íntima convicção: não faltam discursos, artigos, livros etc., atualizados por vezes até em demasia, sobre o tema, mas nem sempre se sente, ouvindo-os e lendoos, uma preocupação mais serena, humilde, de voltar-se com maior atenção para os alicerces dessa coluna e fundamento da verdade, que é a Igreja. Embrenhamonos, às vezes, em discursos sobre a Igreja partindo nas mais diversas direções, certamente não sem utilidade, mas que nem sempre levam em conta os princípios, os critérios, as regras de interpretação teológica, que são indispensáveis para uma correta interpretação das coisas da fé. O cuidado com as palavras deve ser, a meu ver, uma preocupação constante, pois, como nos diz são Paulo, “se eu ignorar o significado das palavras, serei como um estrangeiro para aquele que fala, e aquele que fala será como um estrangeiro para mim” (1Cor 14, 11). Afinal, estamos emprestando nossas palavras humanas à Palavra divina. Procuremos, então, mais uma vez, seguir o conselho de Paulo: “não somos como tantos outros que mercadejam a palavra de Deus. Nós falamos com sinceridade, da parte de Deus e na presença de Deus, em Cristo” (1Cor 2, 17). A Igreja é, pois, no mundo, coluna e fundamento da verdade, e “seu arquiteto e construtor é Deus”, segundo Hebreus 11, 10. Construiria Deus sua morada entre os homens sobre a areia, ou sobre a rocha? (cf. Lc 6, 4849). Isto é, a partir de planos e plantas desenhados apenas por nós? Mas como poderia ele construí-la na terra sem o concurso humano? Numa passagem célebre de sua grande obra intitulada “Cidade de Deus”, santo Agostinho escreveu: Dois amores construíram duas cidades; o amor de si mesmo construiu a cidade terrena até o descaso por 20
Deus, e o amor a Deus construiu a cidade celeste até o descaso por si mesmo. Uma se glorifica a si mesma, a outra se glorifica no Senhor, uma busca a glória humana, a outra só quer por glória o testemunho de sua consciência.20
Duas cidades interligadas, bem mais do que interligadas, bem mais do que nossa razão pode compreender. Recorro ao Concílio Vaticano II, que na GS nos ensina, em seu capítulo IV (n. 40), justamente sobre a função, ou ação da Igreja no mundo atual: Esta compenetração da cidade terrena com a celeste só pela fé se pode perceber; mais, ela permanece o mistério da história humana, sempre perturbada pelo pecado, enquanto não chega a plena manifestação da glória dos filhos de Deus. Procurando o seu fim salvífico, a Igreja não se limita a comunicar ao homem a vida divina; espalha sobre todo o mundo os reflexos da sua luz, sobretudo enquanto cura e eleva a dignidade da pessoa humana, consolida a coesão da sociedade e dá um sentido mais profundo à quotidiana atividade dos homens. A Igreja pensa, assim, que por meio de cada um dos seus membros e por toda a sua comunidade, muito pode ajudar para tornar mais humana a família dos homens e a sua história.
São estes os fundamentos das relações da Igreja com o mundo, ou, como diz a mesma GS 40: [...] da Igreja enquanto existe neste mundo e com ele vive e atua, Igreja composta de homens que são membros da cidade terrena, mas chamados desde já na história humana [...], caminhando juntamente com toda a humanidade e participando da mesma sorte terrena do mundo, enquanto aguarda a plena manifestação da glória dos filhos de Deus [...].
Perdoem-me a repetição, mas destaco neste trecho as seguintes expressões, pois é através delas que a GS define a ação da Igreja – nossa ação – no mundo: comunicar ao homem a vida divina; espalhar os reflexos de sua luz; cuidar e ressaltar a dignidade da pessoa humana; consolidar a coesão da sociedade; dar um sentido mais profundo à vida quotidiana. É ainda a GS, agora em seu n. 41, que, evitando qualquer receituário, prefere indicar “alguns princípios gerais para promover convenientemente o intercâmbio e a ajuda recíproca entre a Igreja e o mundo”, à luz de
AGOSTINHO (Santo). A cidade de Deus, livro XIV, 28. Tradução brasileira: AGOSTINHO (Santo). A cidade de Deus: contra os pagãos. vv. 1 e 2. Petrópolis: Vozes, 2001.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS sua missão fundamental que é manifestar “o mistério de Deus, último fim do homem”. Eu os retomo aqui, oferecendo-os à reflexão dos leitores: revelar aos homens o sentido de sua existência e a verdade profunda acerca de si mesmos; tudo fazer para salvaguardar a dignidade pessoal e a liberdade do homem; rejeitar toda espécie de servidão; respeitar escrupulosamente a dignidade da consciência e a sua livre decisão; recordar que os talentos humanos devem redundar em serviço de Deus e bem de todos os homens; a todos, enfim, recomendar a caridade, isto é, que amem o seu próximo como a si mesmos (Mt 22, 39). Pode parecer pouco, mas não é não! Se alguém, um não cristão, nos pedisse para resumir em poucas palavras o papel da Igreja e o que ela pensa e espera de quem a ela não aderiu pela fé, será que teríamos a ousadia (evangélica, como a dos Padres conciliares) de “apenas” repetir esses mesmos princípios gerais? Se atentarmos bem, como é de nosso dever, para este ensinamento do Vaticano II, veremos que o que se encontra por trás de cada um destes princípios, o que qualquer ser humano honesto pode encontrar, é uma declaração de profundo respeito pela liberdade e pela consciência de todos os seres humanos, e de cada ser humano em particular. Que melhor homenagem a Igreja e nós poderíamos prestar a Deus, cuja imagem está, como proclama de modo irrecusável a Revelação cristã, em cada ser humano? Estamos aqui diante de um daqueles momentos fortíssimos em que o Concílio Vaticano II, na mais estrita fidelidade à Escritura e à Tradição, demonstrou a sua “parresia”. Parresia é uma palavra grega que aparece cerca de 40 vezes no Novo Testamento, e que significa intrepidez, destemor, franqueza, confiança, segurança, coragem da verdade, a altivez da esperança (cf. 2Cor 3, 12, por exemplo). Sabedores do risco de interpretações desencontradas, os próprios Padres conciliares, nessa mesma passagem da GS, nos entregaram a chave da sua correta interpretação. Tais princípios, escrevem eles: [...] correspondem à lei fundamental da economia cristã. Porque, embora seja o mesmo Deus o Criador e o Salvador, o Senhor da história humana e da história da salvação, todavia, segundo a ordenação divina, a justa autonomia das criaturas e, sobretudo do homem, não só não é delimitada, mas antes é restituída à sua dignidade e nela confirmada (GS 41).
A rigor, esse sempre foi o ensinamento da fé, mas ele andava e, em alguns lugares, ainda anda muito
obscurecido por causa de nossas fragilidades na fé, na esperança e no amor, por causa de nossos temores, e da pequenez de nossa “parresia”. Aproveito para relembrar, antes de passar para a próxima e última parte, as palavras de Bento XVI na Porta Fidei (n. 5), já citadas na introdução do artigo: “Se o lermos e recebermos guiados por uma justa hermenêutica, o Concílio pode ser e tornar-se cada vez mais uma grande força para a renovação sempre necessária da Igreja”.
5 O “MISTÉRIO DA SANTIDADE” OU A RENOVAÇÃO SEMPRE NECESSÁRIA Lemos há pouco na GS que Deus, o Evangelho do Senhor Jesus e a Igreja rejeitam “toda espécie de servidão, a qual tem sua última origem no pecado”. A Igreja em seu mistério e a história humana no seu mistério defrontam-se a cada instante “com as trevas do pecado e da morte” (Dei Verbum, 4). Pior ainda: “a Igreja contém pecadores em seu seio (...) que a ferem com seus pecados” (LG 8 e 11); e “a história humana em seu mistério está sempre perturbada pelo pecado [...], que fere a liberdade do homem” (GS 40 e 17). Mas do ponto de vista da fé, e neste Ano da Fé, perguntemo-nos: será o pecado tão presente e importante assim? E a fé, então, de que nos serve, com seu apelo e sua promessa de santificação? O que está mais presente entre nós: o pecado ou a santidade? Podemos e devemos dizer, e este é o ensinamento da fé, que o que está mais presente, sempre presente embora de formas e modos nem sempre visíveis, é a ação santificadora do Espírito, no mundo e na Igreja. Ofereço-lhes bem resumidamente algumas observações que se pode tirar a respeito. A Dei Verbum (DV), que trata da Revelação divina, fala uma vez apenas “das trevas do pecado” e mais de 30 da ação do Espírito que santifica. A LG, constituição dogmática sobre a Igreja, fala cerca de 17 vezes de pecado e pecadores, mas 39 vezes de santidade e cerca de 50 vezes da graça que santifica. A GS fala 28 vezes de pecado, cerca de 40 vezes de santidade e do Espírito Santo e da graça que santifica. Convém lembrar que a GS é uma constituição pastoral, através da qual a “Igreja quer dirigir a sua palavra, não apenas aos filhos da Igreja e a quantos invocam o nome de Cristo, mas a todos os homens” (n. 2), e por isso mesmo ela é muito cuidadosa no uso da linguagem propriamente cristã. Em todos esses documentos conciliares, o ponto fundamental é claro e inequívoco: o ser humano, cristão São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 31 - 44, jan. / jun. 2013.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS ou não, foi “estabelecido por Deus num estado de santidade” (GS 13), e se o pecado introduziu a morte, “o Filho de Deus, com sua morte e ressurreição, remiu o homem, transformando-o em nova criatura” (LG 7; cf. Gl 6, 15 e 2Cor 5, 17), revelando plenamente o Amor que salva e chama os homens à conversão de vida por meio da remissão dos pecados (cf. Porta Fidei 6; cf. At 5, 31). Os cristãos e todos os homens são chamados por Deus “a vencer em si mesmos o reino do pecado” (LG 36), e isso é o mais importante. Por isso a fé pode falar com firme segurança do “mistério da santidade”. É o que faz Bento XVI na Porta Fidei (n. 13), lançando-nos ao mesmo tempo uma exigente proposta. Saberemos nós responder a ela? Ei-la: Será decisivo repassar, durante este Ano, a história da nossa fé, que faz ver o mistério insondável da santidade entrelaçada com o pecado. Enquanto a primeira [a santidade] põe em evidência a grande contribuição que homens e mulheres prestaram para o crescimento e o progresso da comunidade com o testemunho da sua vida, o segundo [o pecado] deve provocar em todos uma sincera e contínua obra de conversão para experimentar a misericórdia do Pai, que vem ao encontro de todos.
Mas que santidade é essa? Em suas linhas gerais, mas fundamentais, esse mistério é assim apresentado pela LG 39: A nossa fé crê que a Igreja, cujo mistério o sagrado Concílio expõe, é indefectivelmente santa. Com efeito, Cristo, Filho de Deus, que é com o Pai e o Espírito «o único Santo», amou a Igreja como esposa, entregou-Se por ela, para santificá-la (cf. Ef 5, 25-26) e uniu-a a Si como Seu corpo, cumulando-a com o dom do Espírito Santo, para glória de Deus. Por isso, todos na Igreja, quer pertençam à Hierarquia quer por ela sejam pastoreados, são chamados à santidade, segundo a palavra do Apóstolo: «esta é a vontade de Deus, a vossa santificação» (1Ts 4, 3; cf. Ef 1, 4). Esta santidade da Igreja incessantemente se manifesta, e deve manifestarse, nos frutos da graça que o Espírito Santo produz nos fiéis; exprime-se de muitas maneiras em cada um daqueles que, no seu estado de vida, tendem à perfeição da caridade, com edificação do próximo; aparece dum modo especial na prática dos conselhos chamados evangélicos, [que] leva e deve levar ao mundo um admirável testemunho e exemplo desta santidade.
Mas esta nossa Igreja una e católica em seu mistério, por conter pecadores em seu seio é, nos diz a mesma LG 8, “simultaneamente santa e sempre necessitada de 42
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purificação, [razão pela qual deve] exercitar continuamente a penitência e a renovação”. Igreja santa e pecadora! Será possível compreender isso? Apoio-me e detenho-me aqui no comentário de um teólogo, que os convido a ouvir com especial atenção: Se formos sinceros, seremos tentados a dizer que a Igreja não é nem santa, nem católica: o próprio Concílio Vaticano II venceu a relutância, falando não apenas da Igreja santa, mas também da Igreja pecadora; e se algo existe a censurar [ao Concílio], será, no máximo, o fato de ter-se conservado hesitante demais em suas declarações, tão forte é a impressão da pecaminosidade da Igreja na consciência de todos. [...] Os séculos da história da Igreja estão tão repletos de humano fracasso, que podemos compreender a horrível visão de Dante, ao descrever a prostituta babilônica sentada na carruagem da Igreja, parecendo-nos também plausíveis as terríveis palavras do bispo de Paris, Guillaume d’Auvergne (século XIII) o qual acreditava que qualquer pessoa que visse o embrutecimento da Igreja, deveria ficar tomado de horror: “Não é mais esposa, mas um monstro de medonho aspecto e selvageria [...].
Ufa! O mesmo teólogo continua: Como a santidade, também a catolicidade da Igreja parece problemática. A túnica inconsútil do Senhor está dividida entre partidos litigantes, a Igreja única fracionada em muitas igrejas, das quais cada uma tem a pretensão, mais ou menos extremada, de ser a única a ter razão. Por isto a Igreja para muitos se tornou um real impedimento para a fé. Eles são capazes apenas de ver as aspirações humanas pelo poder, o espetáculo mesquinho daqueles membros seus que, afirmando serem os administradores do cristianismo oficial, parecem constituir o empecilho máximo ao verdadeiro espírito cristão. Não existe teoria capaz de rebater convincentemente tais objeções, como, naturalmente, elas, por sua vez, não nascem apenas da razão, mas de corações amargurados, desiludidos quiçá em sua grande expectativa, que, presa de um amor magoado e ferido, apenas sentem a destruição de sua esperança. Portanto, que resposta podemos dar-lhes? Em última análise, só podemos fazer uma profissão de fé, explicando por que, apesar de tudo, estamos em condições de amar esta Igreja, pela fé; por que ousamos, ainda e sempre, reconhecer, através do rosto desfigurado, a face da santa Igreja. [...] A Igreja é chamada de “santa”, não porque todos os seus membros sejam santos, isentos de pecado [...]; a santidade da Igreja consiste naquela força de santificação que Deus exerce nela, apesar da pecaminosidade humana [...], a Igreja é continuamente santificada por ele, sendo o lugar onde a santidade do
PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS Senhor está presente entre os homens. [...] Trata-se de santidade que, como santidade de Cristo, se irradia sem cessar no meio do pecado da Igreja. O excitante entrelaçamento de fidelidade de Deus e de humana infidelidade, que caracteriza a estrutura da Igreja, é como que a dramática figura da graça, mediante a qual a realidade desta graça [...] se torna presente de modo claro na história. Partindo daí, podemos dizer que a Igreja é a figura da graça neste mundo, precisamente em sua estrutura paradoxal de santidade e pecaminosidade.
O teólogo autor dessas passagens é Joseph Ratzinger, em sua obra já citada “Introdução ao cristianismo”.21
CONCLUSÃO: TESTEMUNHAS DO MISTÉRIO Que nos resta dizer, já que estou chegando ao último ponto? Caminhamos entre santidade e pecaminosidade, e não devemos nos iludir quanto a isso. Mas é na fé e pela fé que caminhamos, procurando enxergar o Invisível. E a fé nos ensina, para fazermos nosso o seu ensinamento: Cristo fez de nós um povo novo, e pela regeneração e pela unção do Espírito Santo, consagrou-nos, a nós os batizados, para sermos casa espiritual, sacerdócio santo [...]. Por isso, todos os discípulos de Cristo, perseverando na oração e louvando a Deus, têm, temos, a obrigação de dar testemunho de Cristo em toda parte [...]; todos os fiéis concorrem para a oblação da Eucaristia em virtude do seu sacerdócio real, que exercem na recepção dos sacramentos, na oração e ação de graças, no testemunho da santidade de vida [...].
Estas palavras não são minhas, mas da Lumen Gentium (n. 10). Testemunho da santidade de vida: eis a única maneira de sermos Igreja em meio às trevas do pecado e da morte. Somos testemunhas do mistério no mundo e nenhuma prática cristã, nenhuma militância cristã, nenhuma pastoral cristã, nenhuma devoção, terão sentido se não estiverem firmemente ancoradas no mistério, e se nós não o acolhermos primeiramente com o mais lúcido fervor. Não estamos sozinhos nessa empreitada; assim é desde as origens da fé, e assim
será pelos tempos afora, conforme a divina promessa, como está escrito na Carta aos Hebreus: “Desse modo, cercados como estamos de uma tal nuvem de testemunhas, desvencilhemo-nos das cadeias do pecado. Corramos com perseverança ao combate proposto, com o olhar fixo no autor e consumador de nossa fé, Jesus” (12, 1). Na Carta Apostólica Porta Fidei a palavra testemunho aparece com destaque não menos de 14 vezes. Sugiro que ela seja lida e relida ao longo deste Ano da Fé que já estamos vivendo. Vocês notarão que seu autor se dirige aos cristãos em geral, aos que creem, aos que acolheram ou querem acolher a palavra de Jesus, desta vez sem nenhuma distinção ou classificação por funções ou serviços, ministeriais ou não, a todos convidando a buscar “a amizade com o Filho de Deus” (n. 2). Fortalecidos nessa amizade, cabe aos que creem empenhar-se, escreve ele, na necessária “renovação da Igreja [porque ela] realiza-se também através do testemunho prestado pela vida dos que creem: de fato, os cristãos são chamados a fazer brilhar, com a sua própria vida no mundo, a Palavra de verdade que o Senhor Jesus nos deixou” (n. 6). E Bento XVI, esperando “que o testemunho de vida dos cristãos cresça em credibilidade” (n. 9), anuncia então o programa a ser seguido neste Ano da Fé: “Descobrir novamente os conteúdos da fé professada, celebrada, vivida e rezada, e refletir sobre o próprio ato com que se crê, é um compromisso que cada crente deve assumir, sobretudo neste Ano” (n. 9). Eu não poderia terminar o artigo sem trazer ao conhecimento de todos uma Mensagem recente de Bento XVI, que talvez tenha passado despercebida. Como ele mesmo a articula explicitamente com o sentido esperançoso do Ano da Fé e com a “renovação sempre necessária da Igreja” guiada pela justa hermenêutica de Vaticano II, creio que essa mensagem é a conclusão oportuna da nossa reflexão. Vou apenas encadear algumas citações, incitandoos a que leiam depois o texto integral, disponível no site do Vaticano.22 Dirigindo-se à VI Assembleia Ordinária do Foro internacional da Ação católica, realizada na Romênia em 10 de agosto de 2012, cujo tema era a “corresponsabilidade eclesial e social”, ele escreve: A corresponsabilidade exige uma mudança de mentalidade relativa, em particular, ao papel dos leigos na Igreja, que devem ser considerados não
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RATZINGER, 1970, pp. 292-295. Disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/messages/pont-essages/2012/documents/hf_benxvi_mes_20120810_fiac_po.html. Acesso em: 28 set. 2012.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS como «colaboradores» do clero, mas como pessoas realmente «corresponsáveis» do ser e do agir da Igreja. Por conseguinte, é importante que se consolide um laicato maduro e comprometido, capaz de oferecer a sua contribuição específica para a missão eclesial, no respeito pelos ministérios e pelas tarefas que cada um desempenha na vida da Igreja e sempre em comunhão cordial com os Bispos. Nesta fase da história, à luz do Magistério social da Igreja, trabalhai inclusive para serdes cada vez mais um laboratório de «globalização da solidariedade e da caridade», para crescerdes na corresponsabilidade com toda a Igreja e oferecerdes um futuro de esperança à humanidade, tendo também a coragem de formular propostas exigentes.
E, enfim, termina Bento XVI:
[...] hoje sois chamados a renovar o compromisso de percorrer o caminho da santidade, mantendo uma vida intensa de oração, favorecendo e respeitando percursos pessoais de fé e valorizando as riquezas de cada um, com o acompanhamento dos sacerdotes assistentes e de responsáveis capazes de educar para a corresponsabilidade eclesial e social. A vossa vida seja «transparente», guiada pelo Evangelho e iluminada pelo encontro com Cristo, amado e seguido sem temor.
Que cada um de nós busque sempre, onde quer que esteja, essa transparência evangélica para irradiá-la no mundo. Como nos recomenda a Carta aos Hebreus, caminhemos, partamos, mesmo sem saber para onde vamos, mas “com a esperança fixa na cidade assentada sobre os fundamentos, cujo arquiteto e construtor é Deus” (Hb 11, 10).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGOSTINHO (Santo). A cidade de Deus, livro XIV, 28. Tradução brasileira: AGOSTINHO (Santo). A cidade de Deus: contra os pagãos. vv. 1 e 2. Petrópolis: Vozes, 2001. ______. A graça: a graça e a liberdade; A correção e a graça; A predestinação dos santos; O dom da perseverança. Tradução Agustinho Belmonte. São Paulo: Paulus, 1999. ______. O livre-arbitrio. Tradução Nair de Assis Oliveira. São Paulo: Paulus, 1995. CATÃO, Francisco. A nova evangelização. Curitiba: Editora Universitária Champagnat, 2013. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Loyola; Paulinas; Ave-Maria; Paulus, 1997 [ed. revisada de acordo com o texto oficial em latim].
CONCÍLIO VATICANO II. 1962-1965. Vaticano II: mensagens, discursos, documentos. Tradução de Francisco Catão. São Paulo: Paulinas, 1998. KÜNG, Hans. A Igreja Católica. São Paulo: Objetiva, 2002. LOISY, Alfred. L´Évangile et l´Église. Paris: Picard, 1902. RATZINGER, Joseph. Introdução ao cristianismo. São Paulo: Herder, São Paulo, 1970. ______. Apud Revelação e Tradição. São Paulo: Herder, 1968. TERTULIANO. O sacramento do batismo: teologia pastoral do batismo segundo Tertuliano. Tradução de Urbano Zilles. Petrópolis, Vozes, 1981. TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica II-II, q. 2, a. 9. Tradução e coordenação geral de Carlos-Josaphat Pinto de Oliveira, OP et al. São Paulo: Loyola, 2003.
REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS AGOSTINHO (Santo). De utilitate credendi liber unus. Disponível em: http://www.augustinus.it/latino/ utilita_credere/index.htm. Acesso em: 28 set. 2012. AGOSTINHO (Santo). Sermão 341, 9, 11 (inédito em português). Texto original disponível em: http:// www.augustinus.it/latino/discorsi/index2.htm. Acesso em: 28 set. 2012. BENTO XVI. Mensagem à VI assembleia ordinária do fórum internacional da ação católica. Disponível em: http:// www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/messages/pontessages/2012/documents/hf_benxvi_mes_20120810_fiac_po.html. Acesso em: 28 set. 2012. ______. Porta Fidei. Carta apostólica com a qual se proclama o ano da fé. Disponível em: http:// www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/motu_proprio/ 44
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS ANO DA FÉ: TEMPO DE REFLETIR SOBRE NOSSAS ESPERANÇAS Uma resposta à interpelação de Bento XVI em tempos de Francisco THE YEAR OF FAITH: A TIME TO THINK OVER OUR HOPES A response to the interpellation of Benedict XVI in the time of Francis Ceci Baptista Mariani*
RESUMO: O presente artigo pretende ser uma contribuição para pensar a esperança cristã diante do desafio da desesperança pós-moderna no momento eclesial de passagem do pontificado de Bento XVI ao do novo papa Francisco. Em resposta à interpelação do papa emérito Bento XVI, em sua carta apostólica sob forma de motu proprio Porta Fidei, esquematizamos nossa reflexão em três pontos: em primeiro lugar, trabalhamos a relação entre fé e amor a partir do exposto por Bento XVI em sua carta apostólica; em segundo lugar, consideramos uma análise da desesperança pós-moderna a partir da crítica de Gilles Lipovetsky e, finalmente, procuramos considerar a importância de no Ano da Fé estudar o catecismo, repassar a história da nossa fé, intensificar o testemunho da caridade como indica Bento XVI e, acrescentamos, retomar a mensagem evangélica do Reino de Deus, centro da pregação de Jesus, inspirados agora pelos pequenos gestos de despojamento do novo papa Francisco. Palavras-chave: Ano da Fé, crise de fé, esperança. ABSTRACT: This article seeks to make a contribution to thinking about Christian hope as it confronts the challenge of post-modern hopelessness during this ecclesial moment of transition from the papacy of Benedict XVI to that of the new Pope Francis. In response to the interpellation of Pope-Emeritus Benedict XVI, in his Apostolic Letter Porta Fidei, this reflection is organized in three parts: first, it deals with the relationship between faith and love, based on the explanation given by Benedict XVI in his Apostolic Letter; secondly, it considers an analysis of post-modern hopelessness based on the critical thinking of Gilles Lipovetsky; and finally, it considers the importance of studying the Catechism during the Year of the Faith, by reviewing the history of our faith and by intensifying the witness of charity as indicated by Benedict XVI. In addition, inspired at this moment in time by the small gestures of letting go of our new Pope Francis, it takes up the gospel message of the Reign of God, the center of Jesus’ preaching. Keywords: Year of Faith, crisis of faith, hope.
INTRODUÇÃO Gestos cotidianos - pagar a conta, andar de ônibus, telefonar pessoalmente a alguém - têm causado espanto, estranheza. O mundo, através dos meios de comunicação de massa se mostra surpreendido. Lê os pequenos gestos do novo papa Francisco, como sinais
de mudança. Revela sua expectativa em relação à Igreja: que ela sofra uma renovação e que sua renovação repercuta e se transforme em movimento abrangente de conversão! Apesar do enfraquecimento das grandes instituições religiosas afirmada pelos analistas, os pequenos gestos daquele que deve agora conduzir a Igreja Católica tem atraído grande atenção.
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Mestre em Teologia Dogmática pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção e doutora em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC (SP). É professora de teologia na Pontifícia Universidade Católica de Campinas e no Instituto São Paulo de Estudos Superiores. Artigo submetido à avaliação em 25.03.2013 e aprovado para publicação em 09.04.2013. São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 45 - 51, jan. / jun. 2013.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS Estamos no “ANO DA FÉ”, e estamos sendo convocados, pelos últimos acontecimentos a refletir sobre as nossas esperanças enquanto cidadãos do mundo e enquanto povo de Deus, membros dessa Igreja santa e pecadora. Marcada por uma história de grandes contradições, mas, ao mesmo tempo, portadora de sonhos de futuro melhor e de mensagens de esperança. O que o cristianismo teria a oferecer a esse mundo em que se esconde, por trás de uma aparente crise de fé, a frustração pelo fato de ter apostado tudo no poder do lucro? Essa é a pergunta que orienta essa reflexão, que quer responder aos apelos de Bento XVI que propõe à Igreja um aprofundamento sobre a fé, com uma reflexão sobre a esperança cristã. Reflexão que precisa levar em conta os desafios que têm se colocado para os cristãos agora, em tempos de Francisco.
1 ANO DA FÉ, CONVITE AO AMOR Na carta apostólica sob a forma de motu proprio Porta Fidei de Bento XVI, hoje papa emérito, sobre o ano da fé, ele afirma a necessidade de redescobrir o caminho da fé, num mundo que passa por grande crise. O Ano da Fé foi aberto, como sabemos, no dia 11 de outubro de 2012, data em que se comemorou o cinquentenário de abertura do Concílio Vaticano II, e deve terminar na Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo, dia 24 de novembro de 2013. Também em 11 de outubro de 2012 completou-se o vigésimo ano da publicação do Catecismo da Igreja Católica. Na ocasião da abertura do Ano da Fé, sabemos também, realizou-se a Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos que teve por tema A nova evangelização para a transmissão da fé cristã. O Ano da Fé, escreve Bento XVI, “é convite para uma autêntica e renovada conversão ao Senhor, único salvador do mundo” (Porta Fidei, n. 6), aquele que com sua morte e ressurreição revelou-nos o amor que salva. Espelhando-nos no amor de Jesus, o Cristo, com fé na salvação que vem do amor incondicional, seremos transformados. A fé implica transformação de si e transformação do mundo. O objeto de nossa fé é, portanto, o Amor de Cristo. Esse amor de entrega é o valor absoluto que deve dar sentido à nossa vida. Nesta convicção reside nossa compreensão de salvação: fora do amor não há salvação! Esse é um anúncio contundente num mundo onde o erotismo transformou-se num departamento da indústria da publicidade e num ramo do comércio, onde 46
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os poderes do dinheiro fizeram da liberdade de amar uma servidão. A fé cristã é fundamentalmente esse compromisso que assumimos com o amor incondicional, eucarístico, que se manifesta concretamente como amor apaixonado e fidelidade radical aos pobres, aos humilhados, aos excluídos. Amor que, como ensina Jesus em suas parábolas, não é uma abstração, mas implica um empenho prático. É o próprio Bento XVI que, refletindo sobre o amor eucarístico, em sua encíclica Deus caritas est, vai chamar a nossa atenção para as parábolas de Jesus que nos ajudam a entender o amor que deverá ser para nós a lei maior, o mandamento que nos conduzirá à realização de nossa vocação fundamental, a vocação de seres criados à imagem e semelhança de Deus, seres criados para, a exemplo do Pai, exercerem a tarefa de cuidadores da criação. Ali, ele cita a parábola do rico avarento e do pobre Lázaro (cf. Lc 16, 19-31) chamando a atenção para o fato de Jesus com essas palavras querer acautelar sobre o pecado do desprezo contra o pobre que passava necessidade. Faz referência também à parábola do bom samaritano (Lc 10, 25-37) e seu esclarecimento sobre o sentido do amor ao próximo, e à parábola do Juízo final (cf. Mt 25, 31-46) que coloca o amor como critério definitivo de salvação: O rico avarento (cf. Lc 16, 19-31) implora, do lugar do suplício, que os seus irmãos sejam informados sobre o que acontece a quem levianamente ignorou o pobre que passava necessidade. Jesus recolhe, por assim dizer, aquele grito de socorro e repete-o para nos acautelar e reconduzir ao bom caminho.A parábola do bom Samaritano (cf. Lc 10, 25-37) leva a dois esclarecimentos importantes. Enquanto o conceito de “próximo”, até então, se referia essencialmente aos concidadãos e aos estrangeiros que se tinham estabelecido na terra de Israel, ou seja, à comunidade solidária de um país e de um povo, agora este limite é abolido. Qualquer um que necessite de mim e eu possa ajudá-lo, é o meu próximo. O conceito de próximo fica universalizado, sem deixar todavia de ser concreto. Apesar da sua extensão a todos os homens, não se reduz à expressão de um amor genérico e abstrato, em si mesmo pouco comprometedor, mas requer o meu empenho prático aqui e agora. Continua a ser tarefa da Igreja interpretar sempre de novo esta ligação entre distante e próximo na vida prática dos seus membros. É preciso, enfim, recordar de modo particular a grande parábola do Juízo final (cf. Mt 25, 31-46), onde o amor se torna o critério para a decisão definitiva sobre o valor ou a inutilidade duma vida humana. Jesus identificaSe com os necessitados: famintos, sedentos, forasteiros, nus, enfermos, encarcerados. “Sempre que
PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes”. (Mt 25, 40) Amor a Deus e amor ao próximo fundem-se num todo: no mais pequenino, encontramos o próprio Jesus e, em Jesus, encontramos Deus. (Deus caritas est, n. 15).
Crescer na fé é abandonar-se no amor, “não há outra possibilidade de adquirir certeza sobre a própria vida, senão abandonar-se progressivamente nas mãos de um amor que se experimenta cada vez maior porque tem a sua origem em Deus” (Porta Fidei, n. 7). Para a fé cristã, o amor ao próximo é o caminho do amor a Deus. Deus invisível se torna visível na história de amor vivida pelo Filho e narrada na Bíblia e no anúncio, celebração e vivência desse amor pela Igreja. A história de amor do Filho que a Igreja celebra é a história de amor por aquele que não me agrada ou que não conheço, um mandamento que não se impõe de fora, mas nasce da fé no poder salvífico do amor de Deus. Só o serviço ao próximo, em comunhão com o amor do Filho, abre os olhos para aquilo que Deus faz por mim e para o modo como ele me ama. Essa experiência amorosa transforma o nosso corpo. Santo Agostinho fala de forma tocante sobre essa transformação em suas “Confissões”. A fé que o faz descobrir uma nova maneira de amar transforma sua sensibilidade; seu prazer não se encontra mais no “saborear delícias fúteis”, nas vantagens advindas do cultivo do orgulho, da exaltação de si mesmo: Quão suave se me tornou de repente carecer de delícias fúteis! Receava perdê-las, e agora já sentia prazer em abandoná-las! Vós, a verdadeira Suavidade, as afastáveis de mim. Vós as afastáveis, e em vez delas entráveis Vós, mais doce de todo o prazer – não para a carne e o sangue –, mais resplandecente que toda a luz, mas mais oculto que todo o segredo, mais sublime que toda honra, mas não para aqueles que se exaltam em si mesmos.1
Agostinho bendiz sua liberdade libertada dos torturantes cuidados que exigem a ambição, os ganhos e as paixões. Teve o coração dardejado pelas setas da caridade e sentia-se tão inflamado que o enfrentamento da contradição, ao invés de trazer desânimo, o incendiava ainda mais.2
A leitura dos Salmos de Davi fazia-o banir de si o espírito de soberba e provocavam um desejo ardente de recitá-los a toda a terra para rebater o orgulho do gênero humano: Quantas exclamações proferia na leitura desses Salmos e como me inflamava com eles, no Vosso amor, desejando ardentemente recitá-los a toda a terra, se me fosse possível, para rebater o orgulho do gênero humano! Com efeito são cantados em todo o universo, pois “não há ninguém que se subtraia ao Vosso calor”.3
Sofria pelos maniqueístas, escola filosófica com a qual tinha se identificado antes da conversão em sua peregrinação em busca da verdade, compadecido por não conhecerem os sacramentos, isto é, os sinais da presença amorosa de Deus no mundo (Santo Agostinho tem uma concepção abrangente de sacramento). Desejava que pudessem ver as transformações da conversão estampadas em sua face: Quereria que estivessem então, junto a mim, em qualquer parte, - sem eu saber que eles estavam presentes -, que contemplassem o meu rosto e ouvissem minhas exclamações ao ler naquelas férias, o salmo quarto. Oxalá vissem eles o que fez de mim, aquele salmo: “Quando Vos invoquei, ouviste-me, ó Deus da minha justiça. Dilatastes a minha alma na tribulação. Tende misericórdia de mim, Senhor, e ouvi minha súplica”.4
Seus olhos e sua voz irradiavam a sua grande descoberta, o amor misericordioso de Deus que o resgatou do abismo para o qual o amor a si mesmo, o egoísmo e o orgulho o tinham empurrado. O corpo, ele percebia, trazia em si, estampadas as marcas desse amor novo: Horrorizei-me com temor e aí mesmo me abrasei em esperança, alegrando-me “na vossa misericórdia”, ó Pai. Tudo isto saía pelos meus olhos e pela minha voz, quando o Vosso Espírito de bondade, chegando-se a nós nos dizia: “Filhos dos homens, até quando sereis duros de coração? Para que amais a vaidade e buscais a mentira?5
Isso, podemos interpretar, é conversão! Com o corpo transformado pelo amor somos impelidos a evangelizar,
1
AGOSTINHO (SANTO). Confissões. Porto: Livraria Apostolada da Imprensa, 1991, p. 210. Cf. Ibid., p. 211. 3 Ibid., p. 215. 4 Ibid., p. 215. 5 Ibid., pp. 215-216. 2
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS a compartilhar com o mundo a boa notícia, o bem que o amor incondicional é capaz de operar.
2 CRISE DE FÉ, FALTA DE ESPERANÇA Constatamos, no entanto, a existência no mundo, de uma grande “crise de fé”. Crise advinda de um processo de secularização sofrido na passagem de uma concepção de mundo teocêntrico para uma concepção antropocêntrica, mas aprofundada contemporaneamente pela frustração de se ter apostado tanto no poder do mercado, nas vantagens da tecnologia e nas delícias do consumo. Mundo que direcionou muito mal a sua fé, que acreditou com todas as suas forças no poder transformador do dinheiro e acabou esvaziando-se de esperança. Foi noticiado há alguns anos que a France Telecom, empresa estatal francesa esteve às voltas com o suicídio de vários de seus altos executivos que alegavam não aguentar mais trabalhar onde estavam, ou a perspectiva de serem transferidos para outro departamento. Intrigante notícia.6 Não se pode entender gesto tão radical cometido por pessoas que tiveram acesso ao que de “melhor” o sistema tem oferecido: altos salários, bom poder aquisitivo, boas condições materiais de vida. Esse caso é exemplar para o entendimento da crise que nos alcança em nossos tempos. Os grandes valores que se têm oferecido aos jovens não são suficientes para garantir um compromisso com a vida. O que se observa é a gênese de uma humanidade fragilizada pela falta de valores que lhes deem motivos para viver.7 A hipermodernidade que se anuncia desde os anos 80, final do século XX, caracterizada por uma economia globalizada marcada por competição liberal exacerbada, mercantilização proliferativa, desregulamentação econômica, ímpeto técnicocientífico, tem feito adoecer as pessoas: depressão, distúrbios alimentares (bulimia e anorexia), obesidade, compulsões etc. Neste contexto no qual o que conta é a demanda do consumo imediatista, o trabalho
transforma-se em uma obsessão doentia, perde-se o sentido da vida e a perspectiva de futuro. Nosso tempo acalenta a frustração de uma cultura que sacralizou a felicidade terrena, observa Lipovetski (2007): As maiores esperanças são depositadas nos progressos das ciências, cujo objetivo, segundo se pensa, não é mais estritamente especulativo, mas utilitário. A partir de Bacon e Descartes, o projeto prometeico dos Modernos está claramente delineado: o conhecimento valorizado é aquele que permite promover continuamente o bem-estar dos homens através de uma “infinidade de artifícios”. Poder da ciência: graças às suas aplicações técnicas, os homens poderão gozar confortavelmente dos “frutos da terra”, conservar a saúde, prolongar seu tempo de vida, vencer as misérias da existência.8
O avanço, no entanto, é seguido de uma grande crise. O século XX tem seu sonho de bem-estar transformado em medo, o grande progresso tecnológico vai trazer guerras mundiais, totalitarismo, extermínio em massa, perigo atômico, degradações dos ecossistemas, ameaças biotecnológicas. As maravilhas técnicas multiplicam-se, o planeta está em perigo. O mercado oferece cada vez mais meios de comunicação e cada vez mais distrações, a ansiedade, a solidão, a dúvida sobre si mesmo fazem estragos. Produzimos e consumimos sempre mais, não somos mais felizes por isso.9 O programa da modernidade individualista e mercantil que põem o indivíduo como valor primeiro e a felicidade imediata como ideal supremo traz como consequência uma grande insatisfação existencial: A partir do momento em que o indivíduo se desprendeu das coerções comunitárias, sua busca irresistível da felicidade não pode senão tornar problemática e insatisfatória sua existência. Esse é o destino do individuo socialmente independente que, sem apoio coletivo e religioso, enfrenta só e desamparado as provações da vida.10
6 Cf. MERLO, Álvaro Roberto Crespo (UFRGS). Suicídios na France Télécom: as consequências nefastas de um modelo de gestão sobre a saúde mental dos trabalhadores. Disponível em: http://www.ufrgs.br/progesp/progesp-1/setores/dima/arquivos/estagioprobatorio/dossier%20suicidio%20na%20France%20Telecon%20Prof%20Alvaro.pdf. Acesso em: 15 mar. 2013. 7 Cf. BINGEMER, Maria Clara Lucchetti. Sobre estresse, suicídios e finalidade da vida. Disponível em: http://alainet.org/active/ 34445&lang=es. Acesso em: 15 mar. 2013. 8 LIPOVETSKI, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 334. 9 Ibid., p. 336. 10 Ibid., p. 338.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS Este desamparo pós-moderno encontra, como podemos constatar, muitas válvulas de escape. Depois da secularização e do secularismo, observamos o retorno do religioso ou como prefere Lipovetski, o advento de uma espiritualidade consumista que para ele é uma reinterpretação global do cristianismo ajustado aos ideais de felicidade, de hedonismo, de desabrochamento dos indivíduos difundidos pelo capitalismo de consumo. Exemplos dessa espiritualidade new age são as “livrarias especializadas e os salões de exposição, toda uma oferta comercial feita de grupos de trabalho com gurus, centros de desenvolvimento pessoal e espiritual, estágios de zen e de ioga, grupos de trabalho sobre ‘chacras’, consultas de ‘medicina espiritual’, cursos de astrologia e de numerologia etc.”.11 Uma gama de ofertas, uma cesta de mercadorias fabricadas a partir do repertório de várias crenças. Gestos, palavras, símbolos destradicionalizados são servidos ao público como produtos em prateleiras de supermercados. Constatamos o enfraquecimento das capacidades organizadoras das instituições religiosas, uma relativização das crenças, afirma também Lipovetski, e o crescimento de uma maneira de crer e agir individualista e afetiva. A espiritualidade, continua ele, funciona em autosserviço, buscam-se canais de expressão de emoções e sentimentos, nota-se uma grande preocupação com o bem-estar pessoal: [...] a reafirmação contemporânea do religioso se acha marcada pelos próprios traços que definem o turboconsumidor experiencial: participação temporária, incorporação comunitária livre, comportamentos à la carte, primando do maior bem-estar subjetivo e da experiência emocional. Nesse plano, o Homo religiosus aparece mais como a continuação do Homo consumericus por outros meios que como sua negação. Não se trata, é evidente, de reabsorção do religioso no consumo: simplesmente, assistimos à extensão da fórmula do supermercado até os territórios do sentido, à penetração dos princípios do hiperconsumo no próprio interior da alma humana.12
A crise de fé, como nos informam os críticos dessa hipermodernidade, é bem complexa. O que vemos não é apenas a rejeição a um conjunto de doutrinas, mas é a perda da esperança e da motivação para o compromisso com a vida.
3 PROFESSAR A FÉ NO “DEUS DA VIDA”, ANUNCIAR O REINO DE DEUS Somos mais de um bilhão de católicos, o que podemos fazer? O que temos a oferecer a esse mundo que rouba o futuro aos jovens e desvaloriza a sabedoria dos velhos. Somos portadores de uma tradição que tem em seu horizonte, sonhos e visões de um mundo transformado. Cremos no “Deus da Vida”.13 Esperamos o Dia de Javé, o advento de um tempo em que velhos e velhas, com seus bastões, se sentarão nas praças que estarão cheias de meninos e meninas a brincar, como profetizou o profeta Zacarias (Zc 8,4) ou ainda como podemos ler no conhecido trecho do livro de Isaías: Já não haverá criancinhas que vivam apenas alguns dias, Nem velho que não complete a sua idade; Com efeito, o menino morrerá com cem anos; o pecador só será amaldiçoado aos cem anos. Os homens construirão casas e habitarão, plantarão videiras e comerão os seus frutos. Já não construirão para que outro habite a sua casa, não plantarão para que outro coma o fruto, pois a duração da vida do meu povo será como os dias de uma árvore, os meus eleitos consumirão eles mesmos o fruto do trabalho das suas mãos. Não se fatigarão inutilmente, nem gerarão filhos para a desgraça; porque constituirão a raça dos benditos de Iahweh, juntamente com os seus descendentes. Acontecerá então que antes de me invocarem, já eu lhes terei respondido; enquanto ainda estiverem falando, já eu os terei atendido. O lobo e o cordeiro pastarão juntos e o leão comerá feno como o boi. Quanto à serpente, o pó será seu alimento. Não se fará mal nem destruição em todo o meu monte santo, diz Iahweh (Is 65, 17-25).
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LIPOVETSKI, op. cit., p.132. Ibid., p.133. 13 Querendo aprofundar a reflexão sobre o Credo, vale revisitar Gutierrez (Cf. GUTIERREZ, Gustavo. O Deus da Vida. São Paulo: Loyola, 1992), um livro escrito sob o impacto da experiência espiritual que levou a Igreja latino-americana em Medellín a declarar sua opção pelos pobres e que marcou a sensibilidade teológica latino-americana. 12
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS No centro da pregação de Jesus está o anúncio do Reino de Deus. O símbolo do Reino foi, afirma o teólogo José Antonio Pagola,14 a expressão encontrada por Jesus para falar da presença misericordiosa e compassiva de Deus já entre nós, dentro do tempo e, ao mesmo tempo, a se realizar plenamente na eternidade. O símbolo do Reino ajuda a retomar a tensão escatológica que se afrouxou em nosso tempo imediatista, focado nas vantagens do presente. Jesus vai anunciar a presença do Reino já se manifestando na força libertadora, humilde, mas eficaz, que está aí, no meio da vida, ao alcance de todos os que a acolhem com fé, chamando-nos para uma mudança de vida rumo a uma realização plena, futuro em que toda a criação viverá definitivamente em comunhão com o Pai. Para Jesus este mundo não é algo perverso, submetido irremediavelmente ao poder do mal até que venha a intervenção final de Deus, como diziam os escritos apocalípticos. Junto à força destruidora e terrível do mal podemos captar agora mesmo a força salvadora de Deus, que já está conduzindo a vida à sua libertação definitiva. O anuncio de Jesus é fundamentalmente o anúncio da compaixão de Deus. Num ambiente apocalíptico em que os autores descreviam de maneira sombria a situação vivida em Israel, Jesus anuncia que Deus já começou a invadir o reino de Satanás e a destruir seu poder. Jesus vê que o mal começa a ser derrotado. [...] Chega para libertar a todos do poder último do mal. Esta batalha entre Deus e as forças do mal para controlar o mundo não é um combate mítico, mas um enfrentamento real e concreto que acontece constantemente na história humana. O reino de Deus abre caminho lá onde os enfermos são resgatados do sofrimento, os endemoninhados se veem libertados de seu tormento e os pobres recuperam a dignidade. Deus é o “antimal”: procura “destruir” tudo o que causa dano ao ser humano.15
Jesus não fala da “ira de Deus” como João, mas de Deus como pai de amor transbordante que se põe a favor dos que sofrem e contra o mal. Curar, libertar do mal, tirar do abatimento, sanear a religião, construir uma 14
sociedade mais amável, constituem caminhos para acolher e promover o Reino de Deus. Jesus não exclui ninguém. A todos anuncia a boa notícia de Deus para os que vivem explorados. Não podemos dizer que Jesus, em sua atividade missionária, tinha em mente uma estratégia concreta de caráter político ou religioso; no entanto, não se pode afirmar, por outro lado, que o Reino de Deus anunciado por Jesus era um assunto meramente religioso. Para ele, o importante é que todos reconheçam a Deus e “entrem” na dinâmica de seu reinado e, esse foco que tem seu anúncio, implica necessariamente um compromisso de profundas consequências de ordem política e social. A dinâmica do Reino de Deus é uma maneira de ser e agir no mundo. Jesus não apela a uma intervenção milagrosa de Deus, mas a uma mudança de comportamento que possa levar a todos a uma vida mais digna e segura. É preciso superar a “lei do talião”, é preciso conter a agressividade diante daquele que nos humilha batendo no rosto, é preciso dar com generosidade aos necessitados que vivem mendigando ajuda pelas aldeias, é preciso ter um coração grande para com os pobres.16 A preocupação de Jesus, reflete o teólogo Moingt, não é instaurar, nem restaurar uma religião, ele não tem um projeto institucional, o seu ensinamento implica um compromisso com a vida. Jesus não prega a fuga do mundo, mas convida cada um a permanecer em seu trabalho, dedicado ao serviço fraterno que é o meio mais seguro de entrar no Reino. Seus discípulos são chamados a buscar a Deus no cotidiano da vida e não somente nos atos religiosos.17 O Reino de Deus é uma realidade que emerge na relação com Deus, mas que se orienta para além do tempo, uma realidade que se movimenta em direção ao futuro. O Reino, na pregação de Jesus, é uma realidade que “já” está acontecendo entre nós, mas que “ainda não” está plenamente realizada. É uma ação continuada de Deus que pede uma acolhida responsável. Jesus ensina através de parábolas, que o Reino é como a semente (“uma sementinha de mostarda!”) que deve germinar e se transformar em arbusto acolhedor onde os pássaros podem encontrar abrigo (cf. Mt 13,
O Reino de Deus era um símbolo bem conhecido, mas a expressão literal “Reino de Deus” era recente e de uso pouco frequente. Foi Jesus que decidiu usá-la de forma regular e constante (Cf. PAGOLA, José Antonio. Jesus: aproximação histórica. Petrópolis: Vozes, 2010, p. 116). 15 PAGOLA, op. cit., p. 125. 16 Cf. Ibid., p. 136. 17 Cf. MOINGT, Joseph. Deus que vem ao homem: do luto à revelação de Deus. São Paulo: Loyola, 2010, pp. 286-287.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS 32), é uma discreta caridade que, como fermento vai tomando conta da massa e fazendo crescer o pão (cf. Mt 13, 33). A força salvadora de Deus está presente no mundo, mas somente poderá ser desfrutada por todos num futuro escatológico, no tempo final. É importante destacar que, à diferença dos autores apocalípticos, a pregação de Jesus não se apoiava no medo do que há de vir. Sua esperança no reino definitivo faz advertir que é preciso viver alerta, mas na alegria, pois o fim dos tempos é como um banquete, uma festa na qual Deus compartilhará sua mesa com os pobres e famintos, com pecadores e impuros, e até com pagãos estranhos a Israel.18 Enfim, retomanto a mensagem de Jesus, podemos dizer que o compromisso com o Reino que já está entre nós, mas que nos faz abertos ao horizonte definitivo, representa uma verdadeira conversão, pois não nos prende à culpa em relação ao comportamento passado, mas nos liberta para discernir o novo que nos vem do futuro.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS: PROFESSAR A FÉ, TESTEMUNHAR O AMOR, RESGATAR A ESPERANÇA Devemos professar publicamente a nossa fé, conclama Bento XVI. O Ano da Fé deve suscitar, ele
escreve, em cada crente, o anseio de confessar a fé plenamente e com renovada confiança e esperança. (Porta Fidei, n. 9) No Ano da Fé, vale estudar o catecismo, repassar a história da nossa fé, vale fundamentalmente, intensificar o testemunho da caridade como indica Bento XVI, e retomar a mensagem evangélica do Reino de Deus, centro da pregação de Jesus, como podemos acrescentar, inspirados pelos pequenos gestos de despojamento do novo papa Francisco. Pequenos gestos cotidianos, acolhidos e noticiados como sinais proféticos. Podemos e devemos como cristãos, entender, recolocar o questionamento sobre os sonhos de futuro numa sociedade que sofre de falta de esperança. Futuro que só se abrirá na medida da conversão a essa forma de amar descoberta por Agostinho, o amor gratuito, desinteressado, amor de pobre pelos pobres, caridade. “Bem-aventurados vós, ó pobres, porque vosso é o Reino de Deus”, são palavras de Jesus dirigidas para os seus discípulos que podemos ler no sermão da planície em Lucas (Lc 6, 20) ou “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus” como está no Evangelho de Mateus (Mt 5, 3). Concluímos essa reflexão, portanto, desejando que o Ano da Fé seja nesse momento de passagem de Bento a Francisco, tempo de aprofundamento da espiritualidade do seguimento de Jesus e da construção de uma Igreja simples e solidária.
REFERÊNCIAS BENTO XVI. Deus caritas est. Carta Encíclica sobre o amor (25.12.2005). São Paulo: Paulus; Loyola, 2006. ______. Porta Fidei. Carta apostólica com a qual se proclama o ano da fé. São Paulo: Paulus, 2011. BINGEMER, Maria Clara Lucchetti. Sobre estresse, suicídios e finalidade da vida. Disponível em: http://alainet.org/ active/34445&lang=es. Acesso em: 15 mar. 2013. GUTIERREZ, Gustavo. O Deus da Vida. São Paulo: Loyola, 1992. LIPOVETSKI, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. MERLO, Álvaro Roberto Crespo (UFRGS). Suicídios na 18
France Télécom: as consequências nefastas de um modelo de gestão sobre a saúde mental dos trabalhadores. Disponível em: http://www.ufrgs.br/ progesp/progesp-1/setores/dima/arquivos/estagioprobatorio/dosiier% 20suicidio%20na%France%20 Telecon%20Prof%20Alvaro.pdf Acesso em: 15 mar. 2013. MOINGT, Joseph. Deus que vem ao homem: do luto à revelação de Deus. São Paulo: Loyola, 2010. PAGOLA, José Antonio. Jesus: aproximação histórica. Petrópolis: Vozes, 2010. AGOSTINHO (SANTO). Confissões. Porto: Livraria Apostolada da Imprensa, 1991.
Cf. PAGOLA, op. cit., p. 140. São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 45 - 51, jan. / jun. 2013.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS TEMAS CATEQUÉTICO-PASTORAIS DEBATIDOS NO SÍNODO DE 2012 Luiz Alves de LIma
APRESENTAÇÃO Um dos momentos mais importantes na dinâmica de todo o Sínodo é a primeira semana dedicada quase exclusivamente às intervenções, pronunciamentos ou discursos durante as Assembleias Gerais. É tão importante que, como aconteceu nesse décimo terceiro Sínodo Ordinário dos Bispos, esse tempo se prolongou durante a segunda, e mesmo terceira semana. Se por um lado o cansaço e o enfado tomem conta dos padres sinodais e demais participantes (foram ouvidos mais de quatrocentos discursos), por outro esse período é chamado de “atenta escuta”. De fato, os que, pelo regimento interno, têm o direito de tomar a palavra (padres sinodais, ouvintes, delegados fraternos e convidados especiais) livremente inscrevem-se para falar e pronunciar-se sobre qualquer assunto referente ao tema central, no nosso caso, sobre a nova evangelização. Em geral, todos os oradores comentavam algum ponto do Instrumento de Trabalho que, como diz o nome, é o ponto de partida dos trabalhos sinodais. Referindo-se particularmente a esse momento dos pronunciamentos durante o Sínodo, o Bem aventurado João Paulo II, em 30 de outubro de 1987, afirmou que a experiência do Sínodo possui algo de sagrado; vive-se a realidade da Igreja, não só em sua dimensão religiosa e espiritual, mas também em sua realidade ética. É ouvida a Palavra de Deus disseminada e acolhida nos diferentes países, culturas e continentes; experiências locais, bastante diferentes, às vezes difíceis e dolorosas, mas, sobretudo as experiências positivas, inovadoras e promissoras podem ser como que apalpadas e sentidas no decorrer das intervenções sinodais. De tudo isso
surge uma visão de Igreja, não tanto no sentido descritivo, étnico-cultural, mas no sentido da Igreja mistério de Deus presente em todo o mundo.1 Reduzidos aos inexoráveis cinco minutos para os padres sinodais e quatro para os outros oradores, os discursos são bastante sintéticos e dificilmente caem em digressões ou divagações inúteis ou fora de lugar. O Secretário Geral (Card. Donald Willliam Wuerl), e seus auxiliares, no início da segunda semana fazem uma grande síntese de tudo o que foi dito na sala sinodal. A partir desse documento (Relatio post disceptationem ou Síntese após as discussões) prosseguem os trabalhos do Sínodo nos círculos menores ou linguísticos, até chegar, por um processo complexo, à redação das Proposições entregues ao Santo Padre para uma futura exortação apostólica. Diante da dificuldade de sintetizar e apresentar toda a grande riqueza do Sínodo, o Bem-aventurado João Paulo II afirmou: “sendo uma profunda experiência religiosa, é difícil transmitir sua riqueza para quem não participou dele; de certa maneira ela permanece dentro do Sínodo entre os que dele participaram”.2 No sentido de comunicar algo mais para além daquilo que são os Documentos Oficiais3, apresentamos aqui alguns desses pronunciamentos durante a primeira fase do Sínodo. Escolhemos os textos dos pronunciamentos feitos pelos brasileiros participantes desse Sínodo e de alguns outros mais significativos; eles se referem particularmente à catequese ou à evangelização em geral. Estão ordenados na sequência cronológica em que foram pronunciados, com uma breve introdução a cada um, referente, sobretudo, ao autor.4
1 Cf. Boletín Informativo n. 2 da Comissão para a informação da XIII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo (chamada Synodus Episcoporum), publicado pelo Escritório de Imprensa da Santa Sé em 05. 10. 2012. Disponível em: http://www.vatican.va/ news_services/press/sinodo/sinodo_index_sp.htm. Acesso em: 08 abr. 2012. 2 Ibid. 3 Os dois documentos principais (Mensagem ao Povo de Deus e Proposições) foram publicados no número anterior da Revista de Catequese 140 (2013) 49-75. 4 Além dessa apresentação, as introduções a cada pronunciamento e a tradução dos textos originais em italiano e inglês são de Pe. Luiz Alves de Lima, participante do Sínodo.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS 1 CATEQUISTAS: SUJEITOS DA TRANSMISSÃO DA FÉ Dom Sérgio Rocha
Durante a quinta Congregação Geral do Sínodo dos Bispos, em 10 de outubro de 2012, pela tarde, Dom Sérgio Rocha, Arcebispo de Brasília, fez um pronunciamento sobre a missão do catequista ressaltando a importância de seu ministério na Igreja. Dom Sérgio participou também da Comissão eleita pela Assembleia para a elaboração da Mensagem ao Povo de Deus desse Sínodo. A seguir, apresentamos o texto completo de seu pronunciamento5; ele se refere especialmente ao capítulo III, n. 108 do Instrumento de Trabalho6 que fala justamente dos catequistas. Os catequistas ocupam um lugar de particular importância na tarefa de transmitir a fé e educar para a vida cristã, de um modo todo especial no contexto da Nova Evangelização, encorajada por essa Assembleia Sinodal e pelo Ano da Fé. Em primeiro lugar, louvamos a Deus pelo precioso dom que os catequistas representam para a Igreja. Ao mesmo tempo, reconhecemos com o Instrumento de Trabalho (n. 108), a necessidade de refletir “com maior profundidade sobre essa tarefa, dando a eles maior estabilidade, visibilidade ministerial e formação”. Vários fatores que emergem do atual contexto sociocultural e eclesial nos levam a reconhecer e promover, com atenção particular, o valor da catequese e o serviço pastoral generosamente prestado pelos inumeráveis catequistas em toda a Igreja. São dignos de nota, entre outros, os seguintes: a) a necessidade de integrar, quando não substituir o papel dos pais, sobretudo nos contextos culturais nos quais a família se apresenta mais frágil; b) a necessidade de desenvolver com maior empenho a iniciação cristã como autêntico processo evangelizador; o Instrumento de Trabalho (131-137)7 sublinha fortemente tal necessidade;
c) a importância de um itinerário catequético continuado ao longo da vida para formar cristãos que estejam em condições de dar razões da própria fé, testemunhandoa na vida quotidiana. Dando seguimento, à reflexão desenvolvida nos últimos decênios, seria importante levar em consideração a oportunidade de “configurar para o catequista um ministério estável e instituído dentro da Igreja”, como sugeriu o mesmo Instrumento de Trabalho (n. 108). Entre os diversos textos do Magistério pós-conciliar que podem iluminar essa questão, sobressaem os seguintes: a Evangelii Nuntiandi, a Catechesi Tradendae e a Redemptoris Missio, além da recente contribuição que nos foi dada pela Verbum Domini. A Exortação Apostólica Catechesi Tradendae, de João Paulo II, refletindo sobre a “prioridade da catequese” enquanto “dever sagrado e direito imprescindível” (n. 14) da Igreja, convida a “consagrar à catequese os seus melhores recursos humanos e financeiros, sem poupar esforços, fadigas e meios materiais para melhor organizá-la e para formar catequistas qualificados” (n. 15). No âmbito missionário, a Encíclica Redemptoris Missio adota a expressão “ministério dos catequistas” (n. 73), valorizando sua presença em terras de missão e projetando a criação de “escolas para catequistas”. A Exortação Apostólica pós-sinodal Verbum Domini enfatiza a necessidade de formação dos catequistas (n. 75). O Diretório Geral para a Catequese, de 1997, de acordo com sua natureza, acena muitas vezes ao tema do “ministério da catequese” (n. 231) ou do “ministério catequético” (n. 233), que aparece, assim, “como um serviço eclesial fundamental na realização do mandato missionário de Jesus” (n. 59). Ao afirmar que, na Igreja particular, “o ministério da catequese ocupa um lugar de relevo”, o diretório sublinha o “caráter próprio” que o distinguiria dentre os vários ministérios e serviços eclesiais (n. 219). Com relação a isso, tem-se realizado hoje uma interessante reflexão no âmbito do “ministério da Palavra”, em suas múltiplas formas. A “catequese pré e pós-batismal” são consideradas como “formas importantes do ministério da Palavra” (n. 52).
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O texto original em italiano foi protocolado na Secretaria do Sínodo, em 09.10.2012, como Arquivo IN-048. O seu resumo foi publicado pelo Boletín Informativo n. 09 da Comissão para a informação da XIII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo (chamada Synodus Episcoporum) e publicado pelo Escritório de Imprensa da Santa Sé em 6 edições linguísticas (plurilíngue, italiana, inglesa, francesa, espanhola e alemã; a edição plurilíngue é a dos padres sinodais que pronunciaram suas intervenções em alguma língua que não as cinco oficiais). Esse Boletín Informativo n. 09 é de 10.10.2012. 6 A Nova Evangelização para a transmissão da fé cristã. Instrumentum Laboris (Instrumento de Trabalho - IT). Documentos da Igreja 12. São Paulo: Paulinas 2012. O n. 108 pertence ao título: “Os sujeitos da transmissão da fé” (nota do tradutor). 7 Os nn. 131-137 do IT estão sob o título: “A Iniciação Cristã, processo evangelizador” (nota do tradutor). São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 52 - 66, jan. / jun. 2013.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS Além dos argumentos apresentados, a difusão da expressão “ministério do catequista” e o seu uso nos pronunciamentos das Igrejas locais, sem a devida exatidão, torna ainda mais imperioso o dever de configurar claramente o “ministério do catequista” na Igreja, definindo suas funções próprias, os critérios para a admissão, sua duração, o modo de conferi-lo e outros aspectos. A esse propósito, o Código de Direito Canônico definiu suas tarefas, as qualidades e os requisitos para a atuação dos catequistas leigos no contexto da ação missionária da Igreja (cf. cân. 785, §1). Outros aspectos pastorais podem ser acrescentados para colocar em evidência a importância do “ministério do catequista”. Por meio dele, aparecerá mais clara a dimensão eclesial do serviço catequético, enquanto o catequista o exerce em nome da Igreja, favorecendo assim sua manutenção na comunidade. A estabilidade pressuposta pelo “ministério” contribuirá para evitar a excessiva rotatividade ou improvisação, na medida em que irá requerer uma sua melhor qualificação. Além disso, trata-se de uma importante forma de valorização do laicato, que em grande parte assume a catequese. Embora o ministério de catequista tenha uma peculiar importância dentro da Igreja, seu testemunho cristão se estenderá aos diversos âmbitos e situações da sociedade em que se encontram, como verdadeiros evangelizadores. O conferimento de tal ministério, além disso, não deverá comportar uma clericalização ou elitização dos fiéis leigos, conservando sempre o seu caráter de serviço eclesial. Muito menos deverá ser entendido como um ministério em substituição ou contraposição ao ministério ordenado, pois, sendo um autêntico serviço eclesial, ele deverá ser concebido e vivido em comunhão. Enfim, o reconhecimento e a configuração do “ministério de catequista” poderão representar um grande apoio e estímulo para aqueles que assumem com dedicação generosa o serviço da catequese; levará os fiéis a reconhecer melhor o seu serviço e exigirá um empenho renovado na formação integral de catequistas. Por todas essas razões, o tema em análise merece ser atentamente examinado pela Assembleia Sinodal, deve ser esclarecido e aprofundado com a finalidade de favorecer uma maior e mais eficaz contribuição da Catequese e dos Catequistas para a Nova Evangelização para a transmissão da fé cristã. 8
2 GRUPOS E MOVIMENTOS NA NOVA EVANGELIZAÇÃO Dom Benedito Beni dos Santos
Dentre os participantes do Sínodo com voz e voto, encontram-se aqueles que foram eleitos diretamente pelo Papa Bento XVI. Foram 40 bispos, de diversas procedências, até então não eleitos pelas conferências episcopais locais para participar do Sínodo. Para o XIII Sínodo Ordinário dos Bispos, o Papa nomeou também o brasileiro Dom Benedito Beni dos Santos, bispo diocesano de Lorena (SP), que já havia participado também do Sínodo anterior. Além de ter sido convidado para fazer uma pequena homilia após uma das orações da hora média realizada na sala sinodal, Dom Benedito Beni dos Santos, fez o seguinte pronunciamento8, referindose ao n. 115 do Instrumento de Trabalho9, sobre novos grupos e movimentos e a nova Evangelização, durante a quinta Congregação Geral em 10 de outubro de 2012 na parte da tarde. Agradeço ao Santo Padre a possibilidade que me deu de participar desta Assembleia Sinodal. Afirmou o Papa Paulo VI na carta pós-sinodal Evangelii Nuntiandi que evangelizar é anunciar o evento Jesus Cristo, Filho de Deus: sua vida, sua Palavra, o acontecimento do Reino, sua morte e ressurreição (n. 122). Esse é o conteúdo permanente da evangelização. O método varia de acordo com os desafios surgidos do contexto cultural e da mudança da realidade. A missão evangelizadora da Igreja sempre encontra obstáculos e enfrenta desafios. No tempo dos Apóstolos - os primeiros missionários - os obstáculos e desafios foram à idolatria, a magia, as longas distâncias e, sobretudo, a perseguição. Hoje, a cultura da mudança de época apresenta outros desafios: a dificuldade de aceitar Deus como Fundamento da reta conduta humana, portanto, como fundamento da justiça, da paz, da fraternidade; a dificuldade de conciliar vivência democrática e respeito aos valores morais. No substrato cultural dos povos da América Latina, no qual perduram valores positivos da evangelização, inclusive da primeira evangelização, se introduziram
O texto original em italiano foi protocolado na Secretaria do Sínodo, em 09.10.2012, como Arquivo IN-051. Resumo publicado pelo Boletín Informativo n. 9 de 10.10.2012. 9 O n. 115 do IT está sob o título: “Chamados a evangelizar” (nota do tradutor).
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS concepções enganadoras e inaceitáveis: racionalismo e subjetivismo que esvaziam a ética natural e justificam os piores atentados contra a dignidade e a vida da pessoa humana e pretendem fundar a ordem moral sobre o consenso social, sem referência à natureza da pessoa e de seus atos. Na base dessas posições, encontra-se o ofuscamento da dimensão transcendente do homem, isto é, a exclusão de Deus e da religião, que são aspectos do secularismo. Frente a esses desafios culturais, o Beato João Paulo II se referiu à Nova Evangelização como sinônimo de nova missionariedade, que não é tarefa de um círculo de especialistas, mas de todos os batizados. A Nova Evangelização vem sendo desenvolvida na América Latina pelos projetos de missão permanente. No caso do Brasil, pelos movimentos e novas comunidades como Canção Nova, Palavra Viva, Arautos do Evangelho. Nessa tarefa evangelizadora, os leigos exercem um protagonismo. Muitos deles consagram a sua vida à missão evangelizadora da Igreja. Além de usar os meios modernos de comunicação social, usam também o contato direto com as pessoas de diversas categorias, sobretudo jovens. Além da música, usam como método, a pregação querigmática e a visita às escolas e grupos de oração em família. Resta, a meu ver, que a evangelização da cultura seja assumida, de modo orgânico e intencional, pelos Centros Culturais Católicos, sobretudo, pelas Universidades.
3 APRENDER COM OS ERROS E ACERTOS DA PRIMEIRA EVANGELIZAÇÃO Pe. Adolfo Nicolás Pachon, S.I.
O Pe. Adolfo Nicolás Pachon é o Superior Geral da Companhia de Jesus (jesuítas) ; foi um dos 10 eleitos pela União dos Superiores Gerais para participar do Sínodo dos Bispos para a Nova Evangelização, com voz e voto. Numa entrevista, ele apontou como pontos de consenso dos padres sinodais sobre a Nova Evangelização: a) a
importância e necessidade da experiência religiosa (encontro com Cristo); b) a urgência de uma boa formação espiritual e intelectual dos novos evangelizadores; c) a centralidade da família (igreja doméstica) como lugar privilegiado para o crescimento na fé; d) a importância da paróquia e suas estruturas que necessitam ser renovadas e abrirse mais ainda para uma maior participação do laicato e seu ministério; e) a prioridade da evangelização mais do que a expressão sacramental, como São Paulo dizia de si mesmo: «enviado para evangelizar mais do que batizar»”.10 Seu pronunciamento11 na Sala Sinodal foi durante a quinta Congregação Geral em 10 de outubro de 2012, pela tarde. “É uma densa reflexão sobre os erros e as consequências de certa abordagem missionária e sobre a necessidade, para uma nova evangelização realmente eficaz, de voltar aos fundamentos do primeiro anúncio”.12 Procedendo de uma ordem missionária, sinto-me na obrigação de refletir sobre a nossa história passada. Não podemos pensar em uma Nova Evangelização a não ser que estejamos certos de que aprendemos alguma coisa com a Primeira Evangelização, tanto com as coisas bem feitas, como com os erros cometidos no desejo de comunicar o Evangelho. Venho de uma tradição na qual fomos estimulados e formados com o intuito de encontrar a Deus em todas as coisas, em todos os acontecimentos e situações. Santo Inácio buscou tal pensamento, sem dúvida, no Novo Testamento, onde São Paulo, no famoso discurso no Areópago, por exemplo, citando um poeta grego, disse: “N’Ele (isto é, em Deus) vivemos, nos movemos e somos” (At 17, 27-28). Deus está presente e vivo em cada comunidade humana, mesmo se nós não vemos imediatamente como Ele se manifesta e quão profunda é a sua presença. Infelizmente nós, missionários, não buscamos a Deus em todas as coisas com suficiente profundidade, e por isso não contribuímos com a vida da Igreja com tais descobertas. Não estou, de forma alguma, incriminando os missionários em geral; estou falando apenas a partir de minha própria tradição, de minha experiência e do meu próprio grupo missionário. Estou
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Disponível em: http://www.masdecerca.com/2012/10/p-adolfo-nicolas-sj-en-el-sinodo-la-voz-del-pueblo-de-dios-no-tieneocasion-de-expresarse/. Acesso em: 20 dez. 2012. 11 O texto original em inglês foi protocolado na Secretaria do Sínodo, em 08.10.2012, como Arquivo IN-044. Resumo publicado pelo Boletín Informativo n. 09 de 10.10.2012. 12 UNISINOS. O superior geral dos jesuítas e a nova evangelização. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/514740a-analise-do-superior-geral-dos-jesuitas-sobre-a-nova-evangelizacao. Acesso em: 20 out. 2012. São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 52 - 66, jan. / jun. 2013.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS certo de que muitos missionários, mesmo outros jesuítas, realizaram tudo isso muito melhor do que eu. Sem dúvida buscamos ser positivos em nossa visão a respeito de outras culturas e tradições. Mas creio que aquilo que vimos, infelizmente, na maior parte das vezes, foram sinais de Fé e Santidade ocidentais, europeus (o Instrumento de Trabalho, aliás, ao falar dos frutos da Fé nos nn. 122-128, aponta alguns sinais, muito bons em si mesmos e facilmente reconhecíveis pelas Igrejas Ocidentais). Não mergulhamos com a devida profundidade nas culturas em que o Evangelho foi anunciado para descobrir nelas aquela parte do Reino de Deus que já se encontrava lá, radicada e ativa nos corações e nas relações das pessoas. Não estivemos suficientemente abertos para encontrar o fator surpresa na obra do Espírito Santo, que faz a semente crescer ainda quando o semeador está dormindo, ou o missionário está ausente. Creio que isso possa ser aplicado à Missio ad Gentes, como também à Nova Evangelização no mundo de hoje. Conforme tenho aprendido, cada geração se queixa da seguinte e considera que algo da sabedoria do passado se perdeu. Entretanto, o Espírito de Deus não esteve inativo e ausente, mas sim agindo nos corações das pessoas e nas mentes dos sábios. Compete a nós escutar mais atenciosamente e com uma profunda humildade, a fim de reconhecer a voz de Deus onde não suspeitamos que ela possa ser ouvida. Quando ainda eu era seminarista, muito me impressionou um estudo sobre a Revelação no Concílio de Trento, publicado depois por Karl Rahner e Joseph Ratzinger, professores na época. Conforme eles, quando o Concílio de Trento falava de Escritura, ele se referia ao Velho Testamento; ao contrário, quando falava de Evangelho, julgava que o Evangelho estava presente em dois lugares: nos textos do Novo Testamento e – aqui estava a surpresa – nos corações dos fiéis. Não prestando suficiente atenção no modo como Deus estava presente e esteve agindo nos povos que encontramos, perdemos elementos, intuições e descobertas importantes. Por isso, agora é a ocasião de aprender com esse passado, de ver o quanto perdemos na Primeira Evangelização, e isso tem que ser antes de passar para a Nova. Muitas coisas boas aconteceram e nós queremos mantê-las, desenvolvêlas e aplaudi-las. Contudo, somos conscientes dos muitos erros cometidos, sobretudo quando as pessoas não foram ouvidas, quando julgamos com enorme superficialidade os aspectos positivos das culturas e 56
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tradições ricas e antigas, ao impor formas de culto que, no melhor das hipóteses, não expressavam as relações e a sensibilidade das pessoas quando se dirigiam a Deus na oração e no louvor. A grandeza de Cristo precisa da contribuição de todos os povos e todas as culturas. Há muitas lições que podemos aprender com o passado e que podem ser de muita utilidade para a Nova Evangelização. Permitam-me somente elencar, brevemente, algumas delas antes de terminar: 1 A importância dos caminhos de humildade para anunciar o Evangelho; 2 A necessidade de reconhecer a verdade de nossa limitada e imperfeita humanidade em tudo o que dizemos e proclamamos, sem traços de triunfalismo; 3 A simplicidade da mensagem que tentamos comunicar, sem complicações ou racionalizações excessivas que a tornem opaca e não compreensível; 4 Generosidade em reconhecer a obra de Deus na vida e na história dos povos, acompanhada de sincera admiração, alegria e esperança sempre quando encontramos nos outros bondade e dedicação; 5 A mensagem mais crível é a que procede da nossa vida, totalmente tomada e guiada pelo Evangelho de Jesus Cristo; 6 O Perdão e a Reconciliação são as melhores trilhas e veredas para se chegar ao coração do Evangelho; 7 A mensagem da Cruz é mais bem comunicada através da morte do missionário (de si mesmo e de seus objetivos limitados). Obrigado pela sua atenção.
4 VINDE E VEDE: A URGÊNCIA DE ATIVAR E FAVORECER UMA “CULTURA VOCACIONAL” NA IGREJA Pe. Pascual Chávez Villanueva, sdb Pe. Pascual Chávez Villanueva é o Reitor-Mor dos Salesianos (Superior Geral); durante seis anos (2007-2012) foi também Presidente da União de Superiores Gerais (USG). Tendo sido um dos eleitos pela mesma USG como um de seus 10 representantes para o Sínodo sobre a Nova Evangelização, ele fez seu pronunciamento durante
PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS a sétima Congregação Geral em 12 de outubro de 2012, pela manhã. A partir do carisma juvenil salesiano, Pe. Pascual desenvolve o tema da cultura vocacional na comunidade cristã tendo como base o testemunho de vida cristã, apontando, ao final, algumas orientações operativas.13 “É necessário promover uma cultura vocacional que saiba reconhecer e acolher a aspiração profunda do homem que o leva a descobrir que somente Cristo pode lhe falar toda a verdade sobre sua vida”.14 Refiro-me, por um lado, ao n. 83 do Instrumento de Trabalho, que, falando da falta de padres, convida “a ativar em toda a Igreja uma forte pastoral vocacional, que parta da oração, responsabilize todos os sacerdotes e consagrados, solicitando-lhes um estilo que saiba testemunhar o fascínio do chamamento recebido...”; por outro lado, refiro-me aos nn. 159-161, que focalizam a “centralidade das vocações” no projeto da Nova Evangelização.15 Evangelização e Vocação são dois elementos inseparáveis. Ou melhor, critério de autenticidade de uma boa evangelização é a sua capacidade de suscitar vocações, de amadurecer projetos de vida evangélica, de envolver inteiramente as pessoas dos que são evangelizados, a ponto de torná-los discípulos, testemunhas e apóstolos. Sentimos hoje, mais forte do que nunca, o desafio de fazer com que a pastoral eclesial se transforme realmente em pastoral vocacional, promovendo uma cultura vocacional, ou seja, um modo de conceber e afrontar a vida como um dom recebido gratuitamente por Deus para um projeto ou uma missão conforme o seu desígnio. Deus possui um sonho sobre cada um de nós e seu amor nos incentiva a realizá-lo. (“Antes que te formasse no seio de tua mãe eu te conheci, antes que tu viesses à luz eu te consagrei, te estabeleci profeta das nações” (Jr 1, 5; cf. Gl 1, 15). Viver essa cultura vocacional requer o esforço de desenvolver atitudes e valores particulares: a promoção e a defesa do valor sagrado da vida humana, a confiança em si e no próximo, a interioridade que permite descobrir em si e nos outros a presença e a ação de Deus, a disponibilidade para se sentir responsável e deixar-se
envolver pelo bem dos outros em atitude de serviço e de gratuidade, a coragem de sonhar e de aspirar coisas grandes, a solidariedade e a responsabilidade para com os outros, sobretudo os mais necessitados. A partir deste contexto ou cultura vocacional a pastoral em geral, e particularmente a pastoral juvenil, deve propor aos jovens os diversos caminhos vocacionais: matrimônio, vida religiosa ou consagrada, o serviço sacerdotal, a ação social e eclesial, e acompanhá-los em seu esforço de discernimento e de escolha. Esse Sínodo sobre a Nova Evangelização deve ajudar todos os pastores a serem para seus jovens verdadeiros guias espirituais, como João Batista que orienta seus discípulos para Jesus dizendo-lhes: “Eis o Cordeiro de Deus” (Jo 1, 36). Eles o seguirão de tal modo que Jesus, percebendo que alguns o seguem, se dirigirá diretamente a eles, com a pergunta: “O que buscais?”, e eles, dominados pelo desejo de conhecer em profundidade quem é esse Jesus, lhe perguntarão: “Mestre, onde moras?”. E Ele os convidará, como primeiros discípulos, a fazerem uma experiência de convivência com Ele: “Vinde e Vede”. Algo de imensamente lindo, que eles experimentarão desde o momento que “foram, viram onde ele morava e permaneceram aquele dia com Ele” (Jo 1, 39). Eis uma primeira característica da vocação cristã: um encontro, uma relação pessoal de amizade que enche o coração e transforma a vida. Esse encontro transformante é a fé que, animada pela caridade, torna os crentes e as comunidades cristãs propagadoras da Boa Nova do Evangelho de Jesus (cf. 1Ts 1, 7-8). A Nova Evangelização nos chama a renovar em nós esse dinamismo vocacional: comunicar e compartilhar o entusiasmo e a paixão com as quais estamos vivendo a nossa vocação, de tal modo que a nossa vida se transforme ela mesma numa proposta vocacional para os outros. Mais do que promover campanhas vocacionais, as famílias, as paróquias, todos os nossos centros educativos pastorais devem saber criar um microclima onde cresçam e maturam as vocações, formando uma autêntica cultura vocacional no qual a vida é concebida e vivida como dom, como vocação e missão, na diversidade das opções.
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O texto original em italiano foi protocolado na Secretaria do Sínodo, em 09.10.2012, como Arquivo IN-069. Resumo publicado pelo Boletín Informativo n. 12 de 12.10.2012. 14 JOÃO PAULO II. Mensagem para o XXX dia de oração pelas vocações (08.09.1992). 15 O n. 83 do IT está sob o título: “Transformação da Paróquia e a Nova Evangelização” e os nn. 159–161 sob o subtítulo: “A centralidade das vocações” (nota do tradutor). São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 52 - 66, jan. / jun. 2013.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS É verdade que vivemos num ambiente pouco favorável e, de algum modo, contrário ao desenvolvimento das vocações eclesiásticas, seja pelo problema demográfico das famílias em algumas partes do mundo, seja pelo bem-estar no qual vivem os jovens, seja pela cultura egocêntrica que não favorece esse tipo de escolha, seja também pelo enfraquecimento da Igreja e da perda de sua hegemonia social e de sua autoridade moral. Enquanto conhecemos claramente as causas da diminuição das vocações, por outro lado não são claras e decisivas as respostas que procuramos dar para afrontar eficazmente esse desafio. Toda a pastoral, e particularmente a pastoral juvenil, é radicalmente vocacional: a dimensão vocacional constitui o seu princípio inspirador e o seu desfecho natural. É preciso, pois, abandonar a concepção redutiva de pastoral vocacional, que se preocupa somente com a procura de candidatos para a vida religiosa ou sacerdotal. Pelo contrário, como dissemos acima, a pastoral vocacional deve criar as condições adequadas para que cada jovem possa descobrir, assumir e seguir responsavelmente a própria vocação. Os conteúdos de uma autêntica cultura vocacional compreendem três áreas: antropológica, educativa e pastoral. A primeira se refere ao modo de conceber e apresentar a pessoa humana como vocação; a segunda visa o favorecimento de uma proposta de valores conaturais à vocação; a terceira enfoca a relação entre vocação e cultura objetiva e de aí tira conclusões para o trabalho vocacional. Buscando dar uma contribuição para esse tema vital, ofereço uma proposta na linha do agir: 1 A primeira ação seria formar em todas as nossas estruturas um ambiente, ou, como diríamos hoje, uma cultura, na qual a proposta vocacional possa ser bem entendida, favoravelmente acolhida e chegar, assim, ao amadurecimento. Trata-se de um ambiente de alegria e de família, alimentado por uma forte experiência espiritual que favoreça o descobrimento por parte dos jovens de um Deus que os ama e tem para cada um deles um projeto de felicidade e de vida plena, numa relação pessoal de amizade com Jesus e com Maria, e a adequada experiência sacramental que sustenta e estimula o esforço de crescimento na vida quotidiana. Tudo isso permeado por uma forte paixão apostólica, que os leve a ser pessoas para os outros, prontos para o serviço e dedicados a ele. 16 17
2 Junto com o ambiente, deve-se oferecer aos jovens e aos adultos, que buscam uma orientação para sua vocação, um fiel acompanhamento espiritual na prática do acompanhamento, sobretudo no diálogo pessoal. Convém garantir a atenção sobre alguns pontos fundamentais para o crescimento humano e cristão do jovem e o discernimento dos sinais de vocação. Em particular, eis aqui os mais decisivos: • Educar para o conhecimento de si, para descobrir os valores e as qualidades que Deus deu a cada um, mas também os limites ou as ambiguidades no próprio modo de viver ou pensar. • Amadurecer o reconhecimento de Jesus como o Senhor Ressuscitado e como o sentido supremo da própria existência. As motivações vocacionais devem ser fundamentadas no reconhecimento da iniciativa de Deus que nos amou por primeiro.16 • Educar para ler a experiência da própria vida e os acontecimentos da história como dom de Deus e como chamado a se colocar à disposição da missão pelo Reino de Deus. Por isso, é necessário ajudar os jovens a iluminar a própria existência com Palavra de Deus, numa constante referência a Jesus Cristo, sentido como o Senhor da vida que propõe um projeto para cada um de nós.17 • Aprofundar a assimilação pessoal dos valores evangélicos como critérios permanentes que orientam nas escolhas que se fazem na vida quotidiana. Será mais fácil assim resistir à tentação de continuar fazendo de maneira rotineira aquilo que todos fazem. Um aspecto ao qual devemos dar uma especial atenção nesse campo será a educação para o amor e a afetividade. 3 O intensíssimo trabalho a favor das vocações deve ser sustentado por um intenso amor pela Igreja. É justamente esse amor pela Igreja que nos permite compreender a importância que se deve dar à atividade apostólica de promoção das vocações e a insistência para que todos trabalhem concordemente e se empenhem em buscar para a Igreja o grande tesouro que representam as vocações. 4 Educar para a oração pessoal é um elemento essencial e primário na orientação e na escolha da vocação, pois ela, dom de Deus oferecido livremente ao homem, pode ser descoberta e assumida somente com o auxílio da graça. Os jovens, hoje, vivem muitas vezes num ambiente muito pouco favorável à vida espiritual. Estão imersos numa cultura de consumismo e de lucro, dos prazeres
BENTO XVI. Encontro com os jovens de Roma e do Lácio em preparação para a Jornada Mundial da Juventude (24.03.2010). Ibid.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS pessoais e da satisfação imediata dos desejos. Por outro lado, encontramos em adolescentes e jovens uma procura de interioridade, um esforço para colher a própria identidade e também uma abertura e uma sincera busca de uma experiência da Transcendência. A educação à oração deve favorecer as condições que impulsionam a pessoa do jovem para assumir uma atitude de autenticidade. São eles: o silêncio, a reflexão, a capacidade de ler a própria vida, a disponibilidade para a escuta e contemplação, a gratuidade e a confiança. Tudo isso constitui uma condição favorável para oferecer aos jovens a possibilidade de iniciar um caminho de educação para a interioridade que vá conduzindo gradualmente na descoberta e gosto pela oração cristã, sobretudo naquilo que constitui a sua originalidade e a sua verdadeira riqueza: o encontro com a pessoa de Jesus que nos revela o amor de Deus, que nos convida e nos oferece a graça de uma relação pessoal com Ele.18
5 OS SANTOS COMO GRANDES EVANGELIZADORES Dom Odilo Pedro Scherer
Dom Odilo Pedro Scherer, Cardeal Arcebispo de São Paulo, foi um dos 4 bispos eleitos pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para representá-la no Sínodo dos Bispos. Durante o Sínodo ele foi eleito um dos 15 membros do Conselho Permanente da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos. Em 13 de outubro, pela manhã, durante a nona Congregação Geral do Sínodo, Dom Odilo Pedro Scherer fez o seguinte pronunciamento (resumo)19: A Nova Evangelização tem necessidade de “novos evangelizadores”. Mais que de novos métodos e de recursos técnicos, necessitamos de evangelizadores que tenham profunda experiência de fé, nutrida na comunhão com Deus. Os Santos, ao longo da história da Igreja, foram autênticos cristãos e os evangelizadores mais eficazes. Desde o tempo dos Apóstolos e dos primeiros mártires,
a Igreja pode contar com o testemunho dos Santos nos momentos mais difíceis da sua vida e da sua missão: Santos Mártires e Confessores, Santos Pastores e Doutores, Santos Missionários e Pregadores, Santos Místicos, Virgens consagradas, Santos da Caridade, Santos Fundadores... Eles foram sempre verdadeiros discípulos missionários de Jesus e suas testemunhas no mundo. Em cada país, os Santos locais, ou mesmo aqueles da Igreja Universal, sustentaram e sustentam ainda hoje a fé dos fiéis; são para eles exemplos de vida, além de serem irmãos intercessores, como Santo Agostinho, São Francisco de Assis, São João Bosco... Os lugares dos Santos (santuários) são lugares de fé e de consolação para a multidão dos crentes. Por isso, a Nova Evangelização pode encontrar na vida, no testemunho e na intercessão dos Santos um imenso recurso. A devoção aos Santos e a “comunhão” com os Santos consentem aos fieis experimentar a proximidade daquele “Mistério da Fé” no qual crê a Igreja e que é por ela proclamado ao mundo. Esse “Mistério da Fé”, que é o mesmo Deus-Trindade, que se fez um de nós por meio de Cristo Jesus, atraiu também homens e mulheres de nosso tempo. A vida, o testemunho e a intercessão dos Santos, é um grande tesouro da Igreja e pode ser de grande ajuda para a Nova Evangelização.
6 OS LEIGOS E A NOVA EVANGELIZAÇÃO: OS JOVENS, EVANGELIZADORES DE JOVENS, COMO NOVOS AREÓPAGOS DA IGREJA Dom Leonardo Ulrich Steiner
Um dos representantes do Episcopado Brasileiro no Sínodo de 2012 foi Dom Leonardo Ulrich Steiner, ofm, bispo auxiliar de Brasília e Secretário Geral na CNBB. Ele falou da importância dos leigos na nova evangelização, qualificou os jovens como “um novo areópago para a Igreja hoje”; relevou que uma sólida
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“Hoje os tempos exigem um retorno mais explícito à oração [...]. É uma oração que vibra em sintonia com o despertar da fé: ser crentes comprometidos, e não só fiéis cumpridores do próprio dever, comporta um diálogo mais explícito, mais intenso, mais frequente com o Senhor. Num clima de secularismo se sente uma necessidade premente de meditação e de aprofundamento na fé” [VIGANÓ, Egidio. A nossa oração pelas vocações. Atos do Conselho Geral 341 (1992), p. 27]. 19 O texto original em italiano, já em forma de resumo, foi protocolado na Secretaria do Sínodo, em 10.12.2012, como Arquivo IN-86. Publicado pelo Boletín Informativo n. 14 de 13.10.2012. São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 52 - 66, jan. / jun. 2013.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS formação catequética e a caminhada no seio da comunidade são fundamentais para criar “jovens que evangelizam jovens”, através das linguagens atuais: mídia, internet, redes sociais e arte. Seu pronunciamento20 foi durante a décima Congregação Geral em 13 de outubro de 2012, na parte da tarde. Santidade, expresso o nosso agradecimento pela convocação do presente Sínodo. Gostaria de referir-me aos sujeitos da transmissão da fé. A Constituição Dogmática sobre a Igreja Lumen Gentium afirma que “o caráter secular é próprio e peculiar dos leigos... por sua vocação é próprio dos leigos buscar o Reino de Deus tratando as coisas temporais e ordenandoas conforme Deus.Vivem no século, isto é, em todos e em cada um dos ofícios e trabalhos do mundo. Vivem nas condições ordinárias de vida familiar e social, pelas quais sua existência é como que tecida. Aí são chamados por Deus para que, exercendo seu próprio ofício, guiados pelo espírito evangélico, como fermento, contribuam a partir de dentro, para a santificação do mundo. Assim, manifestam Cristo nos outros, especialmente pelo testemunho de sua vida resplandecente em fé esperança e caridade” (LG 31). A Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi lembra que “é preciso não descurar ou não deixar no esquecimento outra dimensão: os leigos podem também sentir-se chamados ou vir a ser chamados para colaborar com os próprios Pastores no serviço da comunidade eclesial, para o crescimento e a vida da mesma, pelo exercício dos ministérios muito diversificados, segundo a graça e os carismas que o Senhor houver por bem depositar neles” (EN 73). Na Exortação Apostólica Christifideles laici é retomada a eclesiologia da Lumen Gentium. Essa Exortação Apostólica foi assumida pela Conferência do Episcopado Latino-Americano, em Santo Domingo, quando propõe: “Que todos os leigos sejam protagonistas da Nova Evangelização, da Promoção Humana e da Cultura Cristã. É necessária a cons-tante promoção do laicato, livre de todo clericalismo e sem redução ao intraeclesial. Que os batizados não evangelizados sejam os principais destina-tários da Nova Evangelização. Esta só será efetivamente levada a cabo se os leigos, conscientes de seu batismo, responderem ao chamado de Cristo a que se 20
convertam em protagonistas da Nova Evangelização” (n. 97). Sem esquecer a importância dos Ministros Ordenados e da Vida Consagrada, os leigos participam da missão da Igreja como verdadeiros discípulos missionários. A Nova Evangelização será o anúncio do Amor que não é amado (São Francisco de Assis) e será frutuosa com a participação de todos que foram revestidos de Cristo. A Nova Evangelização deveria levar em consideração como “novos agentes” de evangelização os JOVENS: jovens que evangelizam jovens. Devem ser preparados pela catequese, através da participação na vida da comunidade de fé e das experiências missionárias para poder agir na comunidade e na sociedade. Devem ser levar em consideração os novos areópagos dos mesmos jovens, assim como o mundo da instrução, da mídia, da internet, das redes sociais, da arte e outros. São espaços essenciais para a nova evangelização. Ao dar importância à vocação dos leigos, especialmente dos jovens, como agentes da Nova Evangelização, é preciso propor um diálogo entre fé e ciência. Mas ao mesmo tempo é urgente uma reflexão profunda a partir da ciência e da técnica e de suas implicações para o anúncio da Boa Nova: o Verbo se fez carne e habita no meio de nós.
7 NOVA EVANGELIZAÇÃO E LITURGIA Dom Geraldo Lyrio Rocha Um dos quatro eleitos pela CNBB para representála no Sínodo dos Bispos de 2012 foi Dom Geraldo Lyrio Rocha, Arcebispo de Mariana (MG). Ele já foi presidente da CNBB por um quadriênio e por várias vezes esteve à frente da Liturgia no Brasil como Presidente da Comissão para a Liturgia da mesma CNBB. Foi durante a décima terceira Congregação Geral do Sínodo, em 16 de outubro de 2012, pela manhã, que Dom Geraldo Lyrio fez seu pronunciamento21 a respeito da relação entre Nova Evangelização e Liturgia. Entre outras coisas ele destaca também a importância da Liturgia para a Catequese, como também da catequese que educa para a Liturgia, aprofundando a relação entre ambas. A seguir apresentamos o texto integral de seu pronunciamento.
O texto original em italiano foi protocolado na Secretaria do Sínodo, em 10.12.2012, como Arquivo IN-112. Resumo publicado pelo Boletín Informativo n. 15 de 13.10.2012. 21 O texto original em italiano foi protocolado na Secretaria do Sínodo, em 13.10.2012, como Arquivo IN-177. Resumo publicado pelo Boletín Informativo n. 18 de 16.10.2012.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS A Nova Evangelização deve levar as pessoas à experiência profunda do encontro com Jesus Cristo vivo. A Sagrada Liturgia é um dos lugares privilegiados desse encontro.22 Através do Espírito Santo, Jesus Cristo está presente na Igreja, sobretudo nas ações litúrgicas (cf. SC 7) e o encontro pessoal com o Senhor se dá especialmente na celebração da Eucaristia.23 O mistério de Cristo é comunicado aos fiéis na proclamação da Palavra e na Celebração Sacramental. Consequentemente as celebrações litúrgicas têm o sagrado dever de tornar possível escutar, experimentar e viver intensamente Jesus, Palavra do Pai, que pelo seu Espírito está no meio de nós (cf. SC 14). A Igreja crê da mesma maneira que reza: lex orandi lex credendi. - A Liturgia, através dos ritos e orações, nos dá e nos transmite o conteúdo da fé (SC 48). A Liturgia é fonte e lugar de Evangelização, pois nela Deus fala a seu povo e Cristo anuncia o seu Evangelho (cf. SC 33). Sendo a Liturgia o lugar especial da presença do Evangelho vivo e, portanto, o lugar privilegiado de educação da fé, ou ainda “a santa mistagogia permanente da Igreja”, isso deve aparecer na própria maneira como ela é celebrada. A beleza fascinante e contagiante do mistério escondido nos ritos e nos símbolos deve poder ser expressa com toda a sua força para que a Liturgia seja realmente evangelizadora. A nova evangelização depende, pois, em larga escala, da capacidade de fazer da Liturgia a fonte da vida espiritual. Provavelmente nossa tarefa mais exigente e o maior desafio sejam conseguir fazer com que nossas celebrações litúrgicas sejam sempre mais belas e transpareçam a beleza divina, momento forte de experiência de Deus, de um Deus vivo e verdadeiro, fonte de força nova e renovadora, que dê ao cristão alegria e esperança, para viver de Cristo e no amor de Deus. A consciência da sacramentalidade da Liturgia é, pois, extremamente importante na Nova Evangelização. Ela nos educa na fé precisamente “mediante os sinais sensíveis”. Daí a necessidade de tomar consciência da importância da ars celebrandi como a melhor forma de Evangelizar, como nos ensina Bento XVI na Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis (nn. 38-65). A Liturgia deve contribuir, mas a seu modo, por sua própria natureza, à tarefa da Nova Evangelização: “A Liturgia anuncia a Boa Nova celebrando-a” (cf. SC 33). 22 23
A proclamação da Palavra de Deus na Liturgia possui um imenso poder evangelizador, pois ela procede de tal maneira que a comunidade, ao ouvir a Palavra, viva uma profunda experiência do mistério de Deus. A mesma coisa vale, certamente, para a homilia como parte integrante da Liturgia. Por isso o Papa Bento XVI, na Exortação pós-sinodal Sacramentum Caritatis faz o seguinte apelo: “peço aos ministros procederem de tal modo que a homilia coloque a Palavra de Deus proclamada em estreita relação com a celebração sacramental e com a vida da comunidade, de tal modo que a Palavra de Deus seja realmente o sustento e a vida da Igreja. Tenha-se presente, portanto, a finalidade catequética e exortativa da homilia” (n. 46), Os gestos, os símbolos e as ações simbólicas na celebração litúrgica, quando realizados conscientemente, com autenticidade, de forma verdadeira, com amor, com espiritualidade e elegância, gozam de alto poder comunicativo do mistério celebrado e, justamente por isso, contribuem para uma viva experiência do mistério, evangelizam e educam na fé. O próprio espaço litúrgico, pela beleza da sua forma arquitetônica, pela harmonia da sua disposição interna e pela sua iconografia, goza de uma significativa força na transmissão da fé: o espaço educa para uma fé que se traduz em espiritualidade comunitária. O mesmo vale para o canto e a música, pois têm a capacidade especial de atingir os corações e, como o rito, grande eficácia pedagógica para levá-los a penetrar no mistério celebrado. Enfim, uma das mais significativas forças mistagógicas da ars celebrandi pode estar no exercício da presidência da Liturgia, sobretudo da Eucaristia. O Papa Bento XVI afirma categoricamente que: “a melhor catequese sobre a Eucaristia é a mesma Eucaristia bem celebrada”, e isso vale certamente também para os outros sacramentos e para toda a vida litúrgica. Se assim procedermos nas comunidades eclesiais, então a Liturgia contribuirá enormemente para a formação cristã e, consequentemente, para a Nova Evangelização e para a transmissão da fé cristã. A expressão da fé não é um ato meramente individual. Realiza-se através da comunidade eclesial, do Povo de Deus. A Liturgia é a porta de entrada para a experiência de fé. É através da Liturgia que as pessoas têm, normalmente, o primeiro contato com a Igreja. A celebração litúrgica leva a uma experiência ativa da fé.
Cf. Eclesia in America, n. 12. Cf. Instrumento de Trabalho, nn. 18-19. São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 52 - 66, jan. / jun. 2013.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS Cristo, fazendo-se presente nas ações litúrgicas e na assembleia celebrante, nos leva a aderir a Ele e ao seu projeto salvífico (cf. SC 33; IGMR 55). Assim, na transmissão da fé a Liturgia possui um papel de extraordinária relevância, não só na iniciação cristã, mas na educação da fé dos próprios batizados. Os sacramentos alimentam a fé. A Liturgia tem também a missão de levar os fiéis à plena maturidade da fé (SC 59). Daí a mútua relação entre Catequese e Liturgia: a Catequese faz parte de um processo que culmina e se ambienta na Liturgia; e a Liturgia, além de ter em si mesma uma dimensão catequética, é realização e presença do mistério da salvação anunciado na Catequese. A Liturgia é, pois, lugar da educação da fé, pois nela a fé se forma, se desenvolve, se estrutura e se alimenta. Ainda que ela possua uma eficácia didática, a finalidade da Liturgia não é diretamente e nem mesmo imediatamente a de ensinar. As celebrações não são e não podem ser reduzidas a um encontro ou sessão de Catequese. A sua finalidade própria é cultual, mistagógica, que torna atual o desígnio de salvação realizado em Cristo. Eis, pois, a urgente necessidade de agir de tal modo que se cultive na nossa Igreja uma formação litúrgica que não pare somente na exterioridade do rito (que também deve ser compreendido na sua linguagem própria), mas conduza, através “dos ritos e das orações”per ritus et preces, como afirmava a SC - a celebrar o Mistério Pascal para viver no Mistério do Senhor morto e ressuscitado. Para a Nova Evangelização emerge a exigência da inculturação da Liturgia. É evidente que a Liturgia, se quiser contribuir eficazmente no processo da Nova Evangelização deve necessariamente adaptar-se também às diversas culturas, deve ter um processo de inculturação. A inculturação da Liturgia é sim, podemos dizer, uma exigência da Igreja. O Papa João Paulo II, na sua Carta Apostólica Vicesimus quintus annus, assim se exprime: “tarefa importante para o futuro é a adaptação da Liturgia às diversas culturas (...). Permanece ainda um considerável esforço por realizar, em continuidade com aquilo que já se fez, para que lance as raízes em algumas culturas, acolhendo aquelas expressões que possam ser harmonizadas com os aspectos do verdadeiro e autêntico espírito da 24
Liturgia e respeitando a unidade substancial do Rito Romano, tão clara nos livros litúrgicos”. A Liturgia, com as suas multíplices e diversificadas celebrações, oferece preciosas possibilidades para que também hoje o nosso mundo receba alimento em sua busca de esperança e renovado vigor para prosseguir, na fé, pelas estradas da vida com a certeza de que o Senhor Ressuscitado o acompanha. Deste modo, pode alimentarse constantemente das fontes de uma sólida espiritualidade: a que a liturgia oferece abundante e quotidianamente.
8 A EVANGELIZAÇÃO E OS NOVOS MEIOS E FORMAS DE COMUNICAÇÃO Ir. Maria Antonieta Bruscato A Ir. Maria Antonieta Bruscato, brasileira, é Superiora Geral da Pia Companhia das Filhas de São Paulo (Paulinas). Ela foi convidada a participar do Sínodo sobre a Nova Evangelização como ouvinte. Durante a décima sexta Congregação Geral do Sínodo dos Bispos, em 17 de outubro de 2012, pela tarde, fez um pronunciamento 24 a respeito da evangelização e os novos meios e formas de comunicação, cujo texto está reproduzido a seguir. Sou profundamente agradecida a Deus e reconhecida à Sua Santidade Bento XVI pelo convite para participar dessa Assembleia Sinodal, concedendome também a possibilidade de intervir brevemente na qualidade de ouvinte. Pertenço às Filhas de São Paulo, uma congregação fundada pelo sacerdote Tiago Alberione, que João Paulo II proclamou bem-aventurado em 27 de abril de 2003. As Paulinas se dedicam desde sua fundação à evangelização com todos os meios e formas de comunicação. Nesse meu pronunciamento refiro-me aos nn. 50 e 62 do Instrumento de Trabalho25, que correspondem, a meu ver, ao desafio posto hoje à Igreja pela cultura midiática e digital, “lugar da vida pública e da experiência social” (IT 59) e espaço de uma evangelização, onde podemos difundir largamente a bela notícia do
O texto original em italiano foi protocolado na Secretaria do Sínodo, em 09.10.2012, como Arquivo IN-069. Resumo publicado pelo Boletín Informativo n. 21 de 17.10.2012. 25 O n. 50 do IT pertence ao título: “A pergunta sobre a nova evangelização”; o n. 62 está sob o título: “As novas fronteiras do cenário comunicativo” (nota do tradutor).
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS Evangelho e prestar a todos “a caridade da verdade”, como gostava de repetir o nosso Fundador. Louvo e bendigo a Deus pela crescente sensibilidade eclesial para com a comunicação reconhecida como nova civilização (Ecclesia in Africa 71), primeiro areópago dos tempos modernos (Redemptoris Missio 37), verdadeira e própria cultura, isto é: um modo de viver, de estar no mundo. Paulo VI estava muito consciente disso; na Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi assim afirmou: “A Igreja se sentiria culpada diante de seu Senhor se não usasse desses potentes meios, que a inteligência humana aperfeiçoa cada vez mais. Servindo-se deles a Igreja prega desde os telhados” (n. 45). Os iluminados pronunciamentos dos últimos Papas, sobretudo por ocasião das Jornadas mundiais da comunicação social, estimularam e sustentaram as igrejas locais e outras organizações eclesiais na utilização profissional dos diversos instrumentos de comunicação e, hoje, das new media para o anúncio da mensagem da salvação. Quando, pelo skype vejo aparecer, no ângulo esquerdo do monitor, o número de pessoas conectadas, fico sempre profundamente comovida pelas possibilidades que cada um de nós tem de entrar em comunicação com 10, 20, 40 milhões de pessoas... E o que dizer do número considerável de sites da internet existentes atualmente? Hoje em dia, todos (empresas, universidades, escolas, instituições diversas, dioceses, paróquias, pessoas privadas) possuem seu correio eletrônico, constroem os próprios sites, blogs, interagem nas redes sociais... Mas, nessa floresta podemos nos perder. Podem perder a orientação tanto os que nasceram nessa cultura (nativos digitais), como também a geração dos migrantes digitais, entre os quais estamos também nós. O Instrumento de Trabalho no n. 62 indica alguns riscos da cultura digital que, entretanto, não ofuscam as potencialidades positivas da nova comunicação, capaz de oferecer “maior possibilidade de conhecimento, permutas, formas novas de solidariedade, capacidade de promover uma cultura sempre mais de dimensões globais, transformando os valores e as melhores conquistas do pensamento e da atividade humana como patrimônio de todos”. Não faltam questões que interpelam com maior vigor os que, na Igreja, têm a audácia de “frequentar
esses novos areópagos”: como ser comunicadores eficientes do Mistério de Deus que é comunhão, como ser testemunhas do amor de Deus que é esperança? Como valorizar as oportunidades oferecidas pelas novas mídias em perspectiva de comunicação evangélica “para tornar audível também nesses lugares o patrimônio educativo e de sabedoria guardados pela tradição cristã?”. No longínquo 1926, o Bem-aventurado Tiago Alberione deu uma resposta utilizando os instrumentos e tecnologias de comunicação da época, com o desejo de “levar integralmente Jesus Cristo às pessoas e levá-las inteiramente a Deus por Cristo Jesus”, nas trilhas do Apóstolo Paulo que se fez “tudo para todos” (1Cor 9, 22). É esse o grande desafio ao qual devemos dar respostas também nós hoje.
9 PADRES E JOVENS NA NOVA EVANGELIZAÇÃO Tommaso Spinelli
Em 19 de outubro de 2012, pela manhã, durante a décima sétima Congregação Geral do Sínodo dos Bispos, o jovem Tommaso Spinelli fez um pronunciamento um tanto duro26, com ímpeto juvenil e deu seu recado. Tommaso falou 4 minutos e foi aplaudido durante quase um minuto pela sisuda Assembleia Sinodal. O jovem catequista, 23 anos, catequista de jovens crismandos do Vicariato de Roma, participou do Sínodo como ouvinte, sendo o mais jovem de todos os mais de 400 participantes. Santo Padre, Veneráveis padres sinodais, Tenho 23 anos e a minha reflexão quer ser simplesmente uma ajuda para entender a seguinte questão: “o que um jovem sinceramente sente e entende quando se fala em Nova Evangelização?”. A primeira resposta é: substância. Ou seja: queremos catequese com conteúdo; queremos que nos digam algo de sério para nossa vida, mas também e, sobretudo, precisamos de vidas densas de testemunho que mostrem, através dos fatos, a solidez daquilo que é ser cristão.
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O texto original em italiano foi protocolado na Secretaria do Sínodo, em 16.10.2012, como Arquivo UD-39. Resumo publicado pelo Boletín Informativo n. 23 publicado de 19.10.2012. São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 52 - 66, jan. / jun. 2013.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS Vocês, sacerdotes, falam muito bem do papel do leigo, e eu, que sou leigo, quero lhes falar do papel dos sacerdotes, daquilo que é fundamental. Nós, jovens, temos necessidade de guias fortes, audazes, solidificados na própria vocação e na própria identidade. De vocês, padres, é que nós aprendemos a ser cristãos, e hoje quando as famílias são sempre mais desunidas, o papel de vocês é mais importante ainda para nós jovens. Vocês dão testemunho de fidelidade a uma vocação, ensinam-nos a solidez na vida, e a possibilidade de escolher um modo de viver alternativo e mais belo, com relação àquilo que é proposto pela sociedade. A minha experiência atesta que onde há um padre apaixonado, a comunidade em pouco tempo refloresce. A fé, de fato, não perdeu a sua atração, mas nós precisamos de pessoas em condições de mostrá-la como uma opção séria, sensata, credível. O que me preocupa é que tais pessoas com um testemunho consistente estão diminuindo. O padre parece ter perdido a confiança na importância do próprio ministério. Vejo sacerdotes que ao se aproximar dos jovens, pensam que é preciso travestir-se de jovens ou, pior ainda, fazer próprias as incertezas e o estilo de vida dos jovens. O mesmo acontece nas liturgias com a tentativa de se tornarem originais... e se tornam ridículos. Peço-lhes que tenham a coragem de ser vocês mesmos. Não tenham medo de se mostrarem autênticos sacerdotes. Onde quer que vocês falarem sem medo sobre a verdade da fé, onde quer que não tiverem medo de nos ensinar a rezar... aí nós jovens os seguiremos. Faremos nossas as palavras de Pedro: “Senhor, a quem iremos? Só tu tens palavras de vida eterna!”. E temos uma fome infinita de alguma coisa de eterno e de verdadeiro. Traduzo tudo isso em três indicações muito práticas: 1 Aumentar a formação dos sacerdotes, não só espiritual, mas também cultural. Para nós jovens nunca será credível um padre que não saiba dar razão daquilo que diz. Frequentemente vemos hoje padres que perderam sua vocação de mestres da cultura, que os tornava importantes para toda a sociedade e não só para os fiéis. Se quisermos hoje ser credíveis e úteis, devemos voltar a ter bons instrumentos culturais, que devolvam de novo à nossa voz a autoridade nos campos da escola e da cultura. Os padres devem estudar. Afirmar a nossa identidade com a cultura é 64
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muito importante e irá ajudar os jovens a darem nova credibilidade à fé e à Igreja. 2 Redescobrir o Catecismo da Igreja Católica: isso unirá a Tradição da Igreja às reflexões elaboradas do Concílio Vaticano II. A conciliaridade do Catecismo é muito ignorada. Penso, antes de tudo, na primeira parte do Catecismo dedicada ao Creio. O Catecismo tem a sabedoria de antepor às explicações doutrinais uma secção inspirada na Dei Verbum, na qual está apresentada a visão personalista do Concílio a respeito da Revelação; de fato, a Deus aprouve revelar-Se, e à pessoa humana compete à obediência da fé. O mesmo se passa com as primeiras seções das outras partes: antes da exposição sobre os Sacramentos há uma apresentação de Cristo presente na Liturgia, própria da Sacrosanctum Concilium; e antes dos Mandamentos, apresenta-se o homem imagem de Deus, própria da Gaudium et Spes. A primeira secção de cada parte do Catecismo é fundamental para que hoje nós sintamos a fé como algo profundamente relacionado com nossa vida. De fato, a fé é capaz de dar resposta às nossas inquietudes mais profundas. Não se trata, assim, simplesmente de reafirmar a importância do Catecismo da Igreja Católica; é necessário mais ainda mostrar a beleza de suas perspectivas. 3 Enfim, a Liturgia: muitas vezes é descuidada e dessacralizada. Nós jovens não nos assustamos com uma liturgia séria; não queremos liturgias simplificadas ou aguadas, mas liturgias bem cuidadas, vividas, participativas... que recuperem sua dimensão também pública e nos deem a certeza de nossa identidade. Isso poderia também ajudar a relativizar a questão da ordem dos Sacramentos da Iniciação cristã: o que talvez seja decisivo não seria tanto colocar a Eucaristia ao término da Iniciação, mas, preferencialmente colocá-la no centro da educação da fé, descobrindo que a Liturgia forma os cristãos desde crianças, pois ela é fonte e não somente cume. Concluo com as palavras que marcaram o renascimento da Europa medieval: “Nós, de fato, vos recebemos, como se convém a membros da Igreja, devotos interiormente e exteriormente doutos. Desejamos que com uma vida honesta e com uma linguagem correta da vossa cultura, possais dar prova de santidade [...]. Assim sendo, qualquer um que de vós se aproxime [...] poderá ser ao mesmo tempo edificado pela vossa vida e instruído pela vossa sabedoria... e
PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS tereis uma grande alegria, rendendo graças a Deus Onipotente” (da carta Caroli Epistola de Litteris Colendis).27 Obrigado!
10 A CATEQUESE COMO MEIO DE EVANGELIZAÇÃO DE TODA A FAMÍLIA Pe. Ari Luís do Vale Ribeiro Pe. Ari Luis do Vale Ribeiro, tendo já participado do Sínodo de 2008 sobre a Palavra de Deus, foi convocado também para o Sínodo de 2012 como ouvinte. É presbítero da Diocese de Santo Amaro (SP), doutor em teologia dogmática, doutorando em História da Igreja, pároco e coordenador diocesano de catequese. Em 27 de outubro, pela manhã, durante a vigésima segunda Congregação Geral, já no final do Sínodo ele fez o seguinte pronunciamento28 a respeito da catequese familiar como grande meio de evangelização para toda a família. O Beato Papa João Paulo II dizia que o futuro da evangelização depende em grande parte da família – a igreja doméstica29, e que a Igreja é a “grande família formada por famílias cristãs” (FC 69). Eu venho da cidade de São Paulo (Brasil), onde sou paroco e coordenador da catequese diocesana. Em São Paulo se percebe, entre outras coisas, a diversidade cultural e religiosa, como em outras grandes cidades do Ocidente. Essa pluralidade, bem sabemos, reflete a cultura individualista de hoje. Em São Paulo, em algumas famílias, alguns membros são católicos, no entanto, são não-praticante, e em outras famílias há membros que pertencem a outras religiões.
A reflexão catequética da Igreja no Brasil se desenvolveu muito nos últimos anos. Hoje, no Brasil, vemos o esforço para que a catequese paroquial não seja ocasional, mas permanente, de acordo com um itinerário de inpiração catecumenal. Ao mesmo tempo, se mantém as espectativas das pessoas para participar da catequese apenas para a preparação dos sacramentos. A Igreja professa a vocação da família de ser “Igreja doméstica” 30 , de evangelizar os seus membros, especialmente os pais em relação aos filhos 31, e também evangelizar outras famílias.32 A Igreja, portanto, entende que a família tem um potencial para a evangelização, mas muitas vezes esse potencial não está em ato. Quando uma criança ou um jovem vai para a catequese paroquial, a paróquia tem a oportunidade de evangelizar não só a criança, ou o jovem, mas toda a família, porque a família cristã é “evangelizada e evangelizadora”.33 Desta forma, os membros da família que participam da catequese paroquial tem a oportunidade de evangelizar os outros membros de sua família.34 Em algumas paróquias de São Paulo, não de uma forma sistemática, existem iniciativas e esforços para atingir outros membros das famílias dos catequizandos, especialmente os pais. Falta, no entanto, uma clara reflexão deste desafio, e ao mesmo tempo, atividades pastorais dirigidas a todos os membros da família, especialmente os pais. Nao se trata de oferecer a catequese aos adultos, mas para oferecer a catequese para toda a família. O Papa João Paulo II sugeriu, por exemplo, que houvesse a catequese depois do casamento para os noivos35, e que a evangelização da família deve estar em comunhão íntima e harmoniosa com os serviços de
27 O autor refere-se ao mais célebre documento da política cultural de Carlos Magno, intitulada Sobre o estudo das letras, escrita certamente por Alcuino. É dirigida a Baugulfo, abade de Fulda (Alemanha), como a todos os monges que lá chegavam para evangelizar entre 780 e 800 e a todos bispos e abades do reino carolíngio. Possui características de uma carta circular ou encíclica, propondo normas a respeito do estudo, da instrução, do cultivo das letras, da correta linguagem que se deve usar na pregação (nota do tradutor). 28 O texto original em italiano foi protocolado na Secretaria do Sínodo em 12.10.2012 como Arquivo UD-09. Resumo publicado pelo Boletín Informativo n. 32 de 27.10.2012. 29 Cf. Familiaris consortio (FC) 52, 65. 30 Cf. LG 11; AA 11. 31 Cf. LG 11, 35; GS 52; AA 11, 30; GE 3; Catequese Tradendae 36; FC 53. 32 Cf. Evangelii Nuntiandi 71; Cf. FC 52. 33 Cf. FC 53. 34 Cf. FC 54. 35 Cf. FC 68-69.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS evangelização e de catequese da comunidade eclesial.36 O Diretório Nacional de Catequese exorta, como oportunidade de formação, que a vida familiar seja um caminho de fé e uma escola de vida cristã, que se empenhe em tornar-se uma Igreja doméstica.37 Assim, proponho que toda a família seja objeto de catequese, e não apenas os indivíduos que frequentam a catequese paroquial. Sugiro também que esta Magna Assembleia, em uma de suas proposições finais, insista na evangelização
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Cf. FC 53. Cf. CNBB. Diretório Nacional de Catequese, n. 239, d.
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de toda a família, especialmente através da catequese paroquial, isto é, a evangelização de todos os seus membros da família, através da pessoa que participa da catequese paroquial. Assim, a catequese, especialmente a catequese paroquial, será entendida não apenas como a evangelização de indivíduos, mas como evangelização das famílias, das células do tecido de nossas paróquias, do tecido de nossa sociedade, e isso através do trabalho catequético de nossas paróquias.
PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS O PAPA FRANCISCO E A IGREJA DO CORAÇÃO DE DEUS Fernando Altemeyer Junior*
INTRODUÇÃO O novo bispo de Roma ao assumir o nome Francisco já atualizou simbolicamente qual seria a sua missão na Igreja do limiar do século XXI. O bispo argentino e jesuíta lançou com este nome inédito um programa evangélico para todos os cristãos pregando a nova Evangelização com a marca da compaixão do pobrezinho de Assis. Ele se coloca firmemente a favor dos pobres no seguimento de Jesus como um servo sofredor e conhecedor do coração de Deus. Veio da Argentina, como primeiro papa do hemisfério sul e da América Latina. Clama por uma Igreja livre, alegre, comprometida com a ação pastoral em favor de toda a humanidade. Convocou toda a Igreja para agir em mutirão em favor da esperança e do perdão. Seus primeiros dias como papa Francisco, pastor universal, foram marcados por muitas surpresas e encanto. Ele fala ao nosso coração e nós o vemos como pai maternal. Passados cinquenta anos do início do Concílio Vaticano II tal escolha soou como o anúncio ansiosamente esperado de uma nova primavera eclesial e a percepção clara de que o suave sopro do Espírito Santo toca o rosto da humanidade peregrina. Cabe aqui lembrar, neste ano jubilar da fé, que a convocação conciliar feita pelo Beato João XXIII em 25 de janeiro de 1959 já assumira naquele momento cinco perspectivas que permanecem importantes até hoje. Os 2.460 padres conciliares reunidos entre 1962 e 1965 na cidade de Roma, colocaram-nas nos dezesseis documentos aprovados como chaves de leitura. Estas perspectivas são as marcas do grande evento pentecostal que mudaria a Igreja católica no século XX. São estas as cinco perspectivas que a eleição do papa Francisco revalorizaram:
1 O urgente aggiornamento (atualização da mensagem cristã para as pessoas de hoje); 2 O diálogo com o mundo; 3 A mudança do paradigma de compreensão da própria autoconsciência da Igreja como Povo de Deus e Corpo Místico de Cristo; 4 A dimensão pastoral e propositiva; 5 A opção evangélica pelos pobres. Este novo modo de ser e ver a Igreja aparece com clareza nas atitudes, na ação pastoral e nas palavras do papa Francisco. Saem de sua boca porque brotam de seu coração. Essas perspectivas prévias se consolidaram em quatro opções básicas para uma Igreja do futuro. Os professores e padres jesuítas da FAJE/ISI, de Belo Horizonte-MG, assim no-las recordaram em oportuno texto de maio de 2006, às vésperas do encontro da Assembleia latino-americana e caribenha de 2007, na cidade de Aparecida (SP): Nenhum evento eclesial do porte da Conferência de Aparecida tem direito de desconhecer as opções básicas do Concílio Vaticano II no sentido de linhas obrigatórias para a caminhada da Igreja no Continente. Sendo o Concílio uma mina fecunda e para não abraçar demais e assim enfraquecer a ação da Igreja, preferimos selecionar algumas poucas opções conciliares que julgamos importantes e obrigatórias. A Igreja só se entende a partir da atitude fundamental de Jesus. Movido pela paixão pelo Pai, Jesus anuncia e realiza, por meio de sua pessoa, pregações e ações, o Reino de Deus que consiste fundamentalmente no serviço ao mundo. “Pois o Filho do homem veio, não para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate pela multidão” (Mc 10, 45). A Igreja não existe
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Mestre em Teologia e Ciências da Religião pela Universidade Católica de Louvain-La-Neuve (Bélgica) e doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2006). É assistente doutor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Departamento de Ciências da Religião), professor no UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São Paulo – Campus Pio XI e nas Faculdades Claretianas Campus São Paulo. Artigo submetido à avaliação em 31.03.2013 e aprovado para publicação em 05.04.2013. São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 67 - 72, jan. / jun. 2013.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS para si, mas para servir o mundo. No espírito jesuano, situam-se as opções do Concílio Vaticano II. Estas são as quatro opções fundamentais: 1ª opção: Primado absoluto da Palavra de Deus; 2ª opção: Afirmação da base laical da Igreja: Igreja Povo de Deus; 3ª opção: Afirmação colegial da Igreja e, a 4ª opção: Nova relação da Igreja com o mundo.
1 FRANCISCO ASSUME O CONCÍLIO VATICANO II As palavras-chaves do Concílio começam a emergir na fala amiga do bispo de Roma: atualização, sinais dos tempos, diálogo, comunhão, participação, liberdade religiosa, liturgia, ecumenismo, Igreja Povo de Deus em marcha, retorno às fontes patrísticas, Igreja local, colegialidade episcopal, laicato adulto e missionário e, mistério pascal celebrado e vivido em comunidade. Os temas mais debatidos nas aulas conciliares, de acordo com o padre José Ferrari Marins, missionário das CEBs e perito conciliar, foram estes dez: 1 A relação entre Tradição e Escritura (os métodos de interpretação histórica e os gêneros literários podem ser aplicados aos textos sagrados). A Revelação como um amplo e continuo processo de amor de Deus pela humanidade. 2 Liberdade de consciência em matéria religiosa. 3 Relação dos bispos com o papa (a questão do primado petrino e o exercício da colegialidade e da sinodalidade). O sacramento da ordenação e a consagração episcopal. A redescoberta do ministério ordenado do diaconato de homens casados. 4 O modelo de autoridade e a questão do modelo monárquico feudal. Bispos pastores em Igrejas de comunhão diante do passado principesco e verticalizado. 5 A separação entre a Igreja e o Estado (debate sobre a autonomia da Igreja e a questão da sociedade civil laica e republicana). Superação do modelo da sociedade perfeita em favor da Igreja-comunhão, toda ela ministerial. 6 A evolução dos dogmas e sua compreensão na história. 7 Concílio e as condenações teológico-pastorais. O estilo dos documentos conciliares e a ênfase dialogal. 8 Relação fraterna com o judaísmo e as religiões não cristãs. 68
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9 Os novos caminhos ecumênicos da Igreja Católica, Igrejas Cristãs Reformadas, Igreja Ortodoxa, Igreja Anglicana e as múltiplas comunidades e tradições religiosas. 10 Centro e periferia na Igreja Católica. As congregações romanas, a Cúria, o Estado do Vaticano, o serviço dos bispos e o Sínodo de bispos. A questão das Igrejas locais.
2 FRANCISCO CONVIDA PARA A MISSÃO O Decreto sobre a atividade missionária Ad Gentes, promulgado em 07 dezembro de 1965, recebeu o voto positivo de 2.314 padres conciliares, com apenas cinco votos contrários. Esse documento conciliar propôs uma guinada na ação evangelizadora. Nascia ali uma nova evangelização, no método e no modo de vivê-la. De uma Igreja configurada ao Ocidente, passou-se para uma Igreja toda ela empenhada em difundir a Palavra de Deus. Cada cristão é, por direito e dever batismal, um missionário do Evangelho! Do conceito restrito de missão vista como algo jurídico, passamos à compreensão bíblica de Deus manifestando seus sinais. Na Semana Santa e logo depois de assumir a diocese de Roma, o papa Francisco tem insistido nesta maturidade de cada cristão. Houve um salto na visão pós-conciliar, como ensina o professor Francisco Catão, de uma simples função missionária, para a missão baseada no testemunho de vida de uma comunidade humana concreta. Passa-se da conversão a verdades abstratas, para a adesão pessoal ao Deus de Jesus Cristo, como fermento interior da transformação progressiva de todo o homem. Assim, as conversões individuais, fruto do trabalho de missionários individuais vindos de fora, agora necessitam serem vistas como uma tarefa comunitária assumida, coordenada e assumida na vida dos povos, vistos como sujeitos de sua história e não mais como meros objetos ou receptáculos passivos da missão. Isto faz emergir vocações missionárias de testemunhas do Cristo e faz nascer Igrejas evangelizadas gestando Igrejas evangelizadoras. O tempo novo inaugurado pelo papa Francisco exige novos missionários que proponham de forma livre e direta o Evangelho de Jesus como mensagem de esperança e alegria. Como um cântico novo das criaturas, louvando ao Criador e afirmando a fraternidade. De maneira colegial e em mutirão, juntos
PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS na companhia de Jesus. Esta Igreja mergulhada no mundo não irá mais propor verdades abstratas ou idealizadas, mas a adesão pessoal ao Deus de Jesus Cristo, que age como fermento interior na transformação progressiva de cada ser humano. Essa é a aposta efetiva do papa Francisco.
3 FRANCISCO ACREDITA NO AMOR O Ano da Fé convocado pelo papa Bento XVI, para ser vivido em 2013, propôs novos desafios para a vivência concreta da fé. A proclamação de Deus como fundamento único de quem se diz cristão, deve ter repercussões externas do ato de crer. Não basta o interior. Não basta o privado. Não basta a sacristia. Não basta dizer. É preciso confessar e professar. Deus deve ser dito, praticado e experimentado por aqueles que o professam e temem. Não faz mal crer em Deus. Faz muito bem amá-lo e proclamá-lo e isso melhora as pessoas e a vida societária. Esse tema recebeu forte empenho do Santo Padre Bento XVI em seus quase oito anos de pontificado. Frente ao ateísmo e ao pragmatismo secular, o Papa alemão propôs um anúncio ardoroso da fé. Não mais as tristes imposições e o verniz mal passado, mas a convicção alegre da fé interior. A fé vivida como experiência pessoal e como vivência eclesial, para que não haja dicotomia entre profissão de fé e confissão prática e pública da fé. Assim dizia Madre Teresa de Calcutá: as mãos que ajudam são mais sagradas do que os lábios que rezam. Uma sintonia fina entre o falar e o fazer deve expressar um dos tesouros da prática de Jesus que é a coerência. Essa é a primeira tarefa da fé. Pouco espetáculo e muita fidelidade aos irmãos. Ir ao encontro, tocar, amar, deixar-se amar, confiar, abraçar, chorar as dores dos empobrecidos e estar com eles na luta pela vida. O papa Francisco sempre se fez amigo e companheiro das pessoas, particularmente das periferias urbanas de Buenos Aires. Disse o papa Francisco em 26 de março de 2013: “Viver a Semana Santa seguindo a Jesus quer dizer aprender a sair de nós mesmos, ir ao encontro dos outros, ir à periferia, sermos os primeiros a nos movermos até nossos irmãos, principalmente àqueles que estão mais longe, que estão esquecidos, que necessitam de compreensão, consolo e ajuda”. As questões econômicas mundiais vêm desafiando a vida quotidiana dos povos e também da Igreja que quer ser samaritana. Em tempos de um neoliberalismo triunfante, muitos creem que a fé cristã deveria retirarse exclusivamente para o mundo das interioridades e
deixar o público com o deus-Mercado ou sob o controle das forças do Estado. Afinal, os grandes do mundo sabem o que dizem. Lemos nos jornais diários que o mundo está em conflito feroz no controle dos mercados e na submissão dos povos e da sociedade civil. A presença norteamericana em guerras por petróleo e venda de armas, a exploração da China de todas as matérias-primas da África, o uso do governo fantoche da Coreia do Norte para criar um clima de terror nuclear e o sofrimento dos empobrecidos da rica Europa, separada por novos muros e por governos de direita, demonstram claramente a existência de outra realidade que desafia os cristãos. Há grupo imenso de países e povos em aguda situação de miséria tais como o Haiti, Uganda e Sudão. E há países ricos em bancarrota fiscal e de empregos, como a Grécia, Chipre, Espanha, Portugal e Irlanda. Há um império naufragando, Estados Unidos da América, e um novo império surgindo, China. Querer suprimir o papel público do cristianismo é o novo rosto da ideologia. Chamam a isso de laicidade, mas é a ditadura dos grupos que controlam a mídia buscando suprimir as poucas vozes dissonantes. A fé é certamente uma experiência interna e pessoal, mas é legitimamente coletiva e comunitária; com cidadania plena quer discutir os pilares da política econômica, tendo como paradigma a pessoa humana e sua dignidade. Tornar a fé cristã um referencial público e fazê-lo em favor dos pobres e deserdados do planeta exige uma voz profética. Muitos creem que o papa Francisco como homem de paz pode exercê-la com serenidade. E sabemos que Francisco sempre foi pouco afeito ao poder, aos donos do poder e é crítico da idolatria da economia, pois “assim como o comunismo caiu por suas contradições internas, este liberalismo também vai cair por suas contradições internas”, disse o então arcebispo de Buenos Aires, o bispo Jorge. Ele advertia na Argentina que “não devemos nos resignar a aceitar passivamente a tirania do econômico. A tarefa não deve reduzir-se a que as contas fechem para tranquilizar os mercados”. Do ponto de vista político, surgem novas formas de ação democrática que estão construindo uma participação ativa dos cristãos na política e na sociedade civil. Mas as dores são muitas e as veias abertas sangram em todos os continentes. Há questões traumáticas que exigem paz imediata. O papa insistiu nesta primeira Páscoa (por ele celebrada em 2013) na urgência em orar e agir pela paz na Síria, na Palestina, no Iraque, no Afeganistão, na Colômbia, no norte da África e na Coréia. Podemos acrescentar as guerras São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 67 - 72, jan. / jun. 2013.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS silenciosas nas capitais das grandes metrópoles ocidentais, onde a violência se tornou epidêmica, pedindo a ação comunitária das Igrejas e de seus agentes religiosos. No passado recente a Igreja centrava toda a sua força nos partidos democrata-cristãos e na formação das elites ricas, mas hoje existe uma convicção de que não será pela ideologia partidária, exclusivamente, que faremos o nosso melhor, e sim pelo firme semear da cidadania ativa, apoiando-se novos sujeitos e grupos sociais alternativos que poderemos tecer uma rede de solidariedade que suplante visões deterministas ou ódios históricos. Não há mais espaço para as velhas cristandades ou viciadas manipulações da elite, que sempre se considerou a dona da Igreja, dos bispos e dos padres e que sempre queria comprá-los com dinheiro, prestígio ou benesses. Hoje a democracia questiona a fé e o modo de ser da própria Igreja para que esta seja sempre mais uma Igreja-comunhão e participação. E paradoxalmente a Igreja também questiona a democracia liberal e ocidental. Sabemos bem que a Igreja é sinodal e colegial e que o poder é serviço e autoridade em favor dos pequeninos. Isso exige uma opção profunda em favor de uma Igreja toda ela ministerial. Esta atitude da fé pode converter a Igreja ao Evangelho e reviver o modo de agir do próprio Jesus. Nenhum autoritarismo e muita diaconia. Ao abandonar muitos signos de poder e do luxo feudal, o santo Padre Francisco tem demonstrado seu firme empenho em ser bispo de um jeito novo, como pastor, amigo, confidente e exemplo evangélico. A cultura e o modo de viver foram radicalmente alterados pelas novas tecnologias e pelo mundo da informação computacional e das redes sociais. Isso afeta os jovens e as crianças em primeiro lugar, mas acaba mudando toda a maneira de ver o mundo. Existe hoje um novo ambiente virtual nem sempre belo ou ético, mas certamente conectado com o futuro das novas relações humanas. É a hora da ciber-tecnologia. Será tempo da ciber-fidelidade ou da ciber-fé? Criar novas palavras para tempos novos, anunciando o eterno amor de Deus pela humanidade, será o desafio comunicacional e catequético mais exigente do papa Francisco. Propor eternidade em tempo de fugacidades. Propor fidelidade e amor em tempos de liquefação das pessoas e das sociedades, como mostra a obra de Zigmunt Baumann. Parafraseando o Apóstolo Paulo, o papa Francisco precisará ser grego com os gregos, romano com os romanos, tuiteiro com os tuiteiros, artista com os artistas, irmão de todos, pobre junto dos pobres, 70
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cuidador da natureza com os ecologistas, coração jovem com a juventude. Tarefa hercúlea e humana. Viver uma fé adulta é exigente. A fé exige ações firmes e inéditas. Ser missionário é agir com realismo e prudência, sem exageros e com um discernimento exercitado na prática diária e na vida de oração. Ser missionário é cumprir o papel de evangelizador e anunciador de valores, esperanças e alegrias que carrega em seu próprio coração e que faz verdade pelas mãos. A fé o faz testemunhar aquilo que crê e cumprir a sua obrigação como um operário do diálogo. A fé cristã exercita-se na prática da sabedoria e do discernimento. Isso faz do cristão uma pessoa atenta às novas conquistas da ciência e do pensamento literário, mesmo daqueles que não tem fé ou que a negam. O verdadeiro cristão luta com todas suas forças contra o sofrimento e tenta aliviá-lo com os recursos da ciência e da tecnologia disponíveis sem ferir os preceitos éticos fundamentais. Quer ser humano plenamente e defender a vida e toda vida da concepção até a morte natural. Assim evita caminhos vazios e nocivos. Assume a missão inédita da fé que é falar de ressurreição repensando os conceitos e experimentando o milagre. Assumo a expressão do padre Adolphé Gesché: a fé hoje não é uma ilusão, como dizia Sigmund Freud, e sim uma alusão. Alusão a algo discreto que revelará o âmago de nós mesmos e neste íntimo de cada um de nós essa fé desvelará o Deus vivo e verdadeiro. Essa é a grande tarefa missionária para nosso tempo: viver a fé que desperte esse eco adormecido dentro da cada pessoa. Ouvir nosso ser profundo que fala de amor e quer ser amado. E dizer isso aos que sofrem e que tem negada a sua humanidade. Quem tem fé enxerga em cada pessoa uma revelação única do rosto de Cristo. Cada pessoa possui inscrita em seu coração o plano de Deus para ela e para os que a conhecem. Abrir estes livros pessoais e decifrá-los é hoje a imensa tarefa da Igreja, do papa Francisco e de cada cristão católico ou evangélico, para que possamos celebrar as alegrias e as tristezas, os sofrimentos e as esperanças na mesa da Eucaristia. Como bem quis o inesquecível Papa Paulo VI ao proclamar que a Igreja deve ser perita em humanidade!
4 FRANCISCO E AS ESTRUTURAS EM MUTAÇÃO O novo bispo de Roma deverá deslocar-se do centro para a margem, seguindo Jesus em seu múnus missionário. E convocar os que estão nas margens do
PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS mundo para que possam fazer convergir seus clamores para o centro romano, ao confirmar a fé de todas as Igrejas locais; ao valorizar a colegialidade episcopal e caminhar na esperança com um novo jeito de governar. O papa Francisco será um comunicador atento que leva a sério o novo cenário urbano, dialogando com os intelectuais e artistas de todo o planeta. Precisará assumir a África e seus povos como o continente da esperança e um ator privilegiado em seu pontificado. Terá que enfrentar algumas questões delicadas dentro de nossa Igreja: • O protagonismo da mulher e a emergência de novos ministérios instituídos em nossas comunidades; • As culturas autóctones de cada povo como expressões autênticas em um mundo globalizado e massificador, bem como a necessária unidade eclesial; • As crises éticas que desfiguram a política e as instituições civis e religiosas; • Os pecados mortais na Igreja com o escândalo da pedofilia de seus sacerdotes contra as crianças. • O uso do dinheiro em uma sociedade capitalista e consumista e os desvios financeiros nas Igrejas e comunidades religiosas. Todos esperam que o novo papa tenha ouvidos atentos e conforte os povos crucificados do mundo. Que seja um papa que atue em favor da justiça social e que a proclama com vigor. Um papa do jeito de Jesus de Nazaré, corajoso e peregrino. Um papa catequista, que valorize a catequese apropriada para a preparação aos sacramentos da iniciação e da penitência, como etapas de crescimento e não como aulas de religião; que relance a missão entre os povos novos e nos países de antiga tradição cristã, como testemunho de vida em Cristo; e que favoreça o diálogo, com novos métodos, novas pedagogias e novas linguagens adequadas aos diferentes públicos para tocar o coração e a mente das pessoas, com delicadeza e profundidade espiritual. Haverá necessidade de cambiar modos obsoletos de organizar a instituição eclesial, abrindo espaço para que os jovens participem plenamente; que os pobres digam palavras de utopia e sonho e saibam que a Igreja os ama com amor preferencial; que as mulheres possam agir em novos ministérios; que as nossas Igrejas e paróquias tornem-se Igrejas vivas e participativas, valorizando as pequenas comunidades eclesiais de base. Muitos esperam que o papa Francisco canonize de forma rápida o mártir da fé, Dom Oscar Arnulfo Romero, de El Salvador, morto em 24.03.1980. Eleve ao culto universal, inserindo-os na lista dos mártires
(Martirologium Romanun), estes cristãos exemplares de muitos continentes: Irmão jesuíta Eugene J. Herbert, morto em julho de 1990 no Sri Lanka; Josimo Moraes Tavares, 10.05.1986; Rodolfo Lunkenbein; João Bosco Penido Burnier; Ezequiel Ramin; Adelaide Molinari; Vicente Cañas; Enrique Angel Angelelli, Argentina, 04.08.1976; Carlos Mugica, Argentina, 11.05.1974; Pedro Duffau, Alfredo Kelly e Alfredo Leaden, padres palotinos, Argentina, 04.07.1976; Alexandre Vannucchi, 17.03.1973; Stephen Wong, Birmânia, maio de 1950; Silvio dal Maso, Uganda, 03.05.1979; Henri de Mapeau, Cssp, morto em 1932; Bernardo Calle González, Peru, 04.06.1904; Dom Alejandro Labaka, bispo morto no Equador junto com a irmã Inês Arango, capuchinha, em 22.07.1987; Dom Peter Paul Gojdic, República Checa em 17.07.1960; Mons. Balan, Romênia, 04.08.1963; Antonin Zgarbik, jesuíta, República Checa, 22.01.1965; Ferenc Vezér, Pál Bozsik, Endre Farkas e Gustav Gaspar, todos na Hungria, entre 1952 e 1958; Alice Doumon e Leonie Duquel, freiras francesas assassinadas na Argentina em 08.12.1977; Maria Ramirez Anay, catequista na Guatemala, 31.01.1980; Wenceslao Pedernera, Argentina, 21.07.1976; Dom Benjamin Jesus, OMI, morto nas Filipinas em 04.02.1997; Dorothy Stang, em 2005; padre Pino Puglisi, morto pela máfia em Palermo na Itália, em 15.09.1993; Dom Juan Gerardi Condera, bispo assassinado na Guatemala em 26.04.1998; Dom Jesús Emilio Jaramillo Monsalve, Colômbia, em 02.10.1989; Luis Espinal, Bolívia, 22.03.1980; Rutilio Grande, sj, El Salvador, 12.03.1977; Henrique Pereira Neto; Brasil, 26.05.1969; Sergio Berten, Guatemala, 19.01.1982; Marianela Garcia Villas, El Salvador, 14.03.1983; Juan Daniel Pugjane, Argentina, 15.08.1972; o catequista Vicente Menchu, Guatemala, 31.01.1980; Dora Clemencia Menchi, Guatemala, 10.01.1982 e Francisco Soares, Argentina, 15.02.1976. Que todos esses e tantos outros façam parte da lista litúrgica e memorial de nossa Igreja. Esses mártires foram assumidos como um tesouro eclesial e o seu sangue é a sementeira de novos cristãos e de Igrejas vivas. Poderão ser apresentados como um modelo exemplar para nossas Igrejas. A chancela do papa Francisco seria um bálsamo para tanta dor e um santo óleo que mantenha nossa esperança. Ele mesmo como padre já foi marcado pela memória viva do padre Carlos de Dios Murias, jovem frade franciscano torturado e assassinado pelos militares da província de La Rioja, em 1976, na Argentina. Pelos mártires, seus testemunhos e suas memórias certamente começarão as mudanças profundas na Igreja. São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 67 - 72, jan. / jun. 2013.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS 5 FRANCISCO É HOMEM DO DIÁLOGO ECUMÊNICO Francisco tem demonstrado ser um papa capaz de caminhar com judeus, islâmicos e gente de todas as fés. Um papa capaz de dizer aos ateus que são muito amados por que creem no humano que para nós é divino. Os novos rumos da Igreja estarão nas mãos e, sobretudo, no coração deste Francisco, amante dos pobres e pequenos, da vida e da ecologia; que ele tenha como bússola a fé vivida e experimentada. Seu alimento será sempre a Eucaristia e a Palavra viva de Deus. Ele teve excelentes precursores do diálogo nos santos bispos argentinos que foram Jaime Francisco de Nevares, Alberto Pascual Devoto, Eduardo Francisco Pirónio e Enrique Angel Angelelli. Realizar a mudança no centro da Igreja católica em favor de toda a Igreja Universal será uma tarefa árdua, que conta certamente com o empenho dos bispos do mundo inteiro. Mas isso
não bastará, pois o fundamento do cristianismo é a fé vivida e confessada por cada batizado. Será preciso que cada católico faça a sua parte e viva a sua fé na experiência pessoal com Cristo e na manifestação pública de sua esperança. Essa é a parte mais profunda e urgente neste processo de conversão. O papa Francisco surgiu na janela vaticana com um sorriso e propondo um sonho. Sonho que se sonha só é pura ilusão, sonho que se sonha juntos já é sinal de solução, canta a melodia composta pelo profeta nordestino dom Helder Câmara. É dele este pensamento sonhador: “Há gestos que valem como um programa de vida: erguer um candeeiro, afastar as trevas, difundir a luz, mostrar o caminho”. A hora de realizar esses gestos e sonhos já chegou. Coragem papa Francisco, mostre-nos o caminho! De esperança em esperança, sempre! Afaste as trevas, pois o nosso coração é só de Jesus, como nossa alegria é a Santa Cruz.
REFERÊNCIAS CATÃO, Francisco. A Igreja sem fronteiras. São Paulo: Duas Cidades, 1965. BERGOGLIO, Jorge Mario. El verdadero poder es el servicio. Buenos Aires: Editorial Claretiana, 2007. ______. RUBIN, Sergio; AMBROGETTI, Francesca. El jesuita: conversaciones con el cardenal Jorge Bergoglio, sj. Barcelona: Vergara, Grupo Zeta, 2010. DOM HELDER CÂMARA. O deserto é fértil. 6. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976.
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FERARI, J. Manuel (org.). Com os pobres aprendi a ser pastor: Dom Enrique Alvear. São Paulo: Loyola, 1986. LIGÓRIO, Afonso M. Soares; PASSOS, João Décio (orgs.). Papa Francisco: renasce a esperança. São Paulo: Paulinas, 2013. RICCARDI, Andrea. O Século do martírio. Lisboa: Quetzal Editores, 2002.
PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS A CULTURA JUVENIL URBANA NA ATUALIDADE Antonio Ramos do Prado*
INTRODUÇÃO Objetiva-se com o presente artigo apresentar e analisar as características mais significativas da cultura juvenil urbana. A juventude constitui-se como uma fase da vida do ser humano. Assim entendemos que a cultura juvenil muda de acordo com o tempo e o lugar onde a pessoa vive. Alguns autores como Feixa1 acreditam que a cultura juvenil consiste no modo como os jovens se manifestam no grupo, por meio da construção de vários etilos e formas de vida. Segundo Maffesoli 2, a urbanidade é o espaço apropriado para as organizações juvenis, da mesma forma que concorda Costa3 quando afirma que o mundo urbano é o espaço de sociabilidade das culturas, no qual se criam e recriam costumes e comportamentos. Cada tempo é reinventado permanentemente, e nele a experiência de pertencer a um dado grupo é cotidianamente vivida pelos jovens.
1 ASPECTO HISTÓRICO DA CULTURA JUVENIL O conceito ‘juventude’ constitui uma construção social que possui uma origem histórica e apresenta variações substantivas quanto à forma e quanto aos conteúdos, tanto com relação aos que foram chamados de “jovens” no passado e, certamente, aos que serão chamados assim no futuro. Neste sentido, a juventude, como hoje é entendida e reconhecida, é
uma forma de comportamento resultante de uma realidade histórica que se associa à formação da sociedade industrial moderna. Não se trata de afirmar, estritamente, que não houvesse juventude antes, mas sua construção obedecia a um modelo social diferente ao qual se associavam conteúdos também diferentes dos atuais.
1.1 CULTURA JUVENIL E ERA MODERNA Nos primórdios da era moderna, a fronteira entre a infância e a juventude ainda não era definida. Para a maioria da população, a escola ainda não se colocara em contraposição à vida de trabalho, como normalmente ocorre hoje; somente quando a frequência escolar tornouse obrigatória, no início do século XIX, passou-se a adotar como ‘corte’ a idade dos catorze anos, estabelecendo uma clara demarcação entre infância e juventude.4 Como em todas as épocas, os jovens modernos ardem em desejos, promovem encontros nos becos e nas vias públicas. Há até os que costumam frequentar e marcar encontros à noite em cemitérios. Em alguns contextos deste tipo, é compreensível a longa mão das autoridades, vigiando e reprimindo as atitudes dos jovens. 5 Um aspecto interessante da juventude masculina moderna consiste na atitude de dar sustos: assustar as pessoas, sobretudo mulheres e crianças, constitui uma atuação ritual que gira ao redor dos dois polos, de coragem e medo. Segundo Schindler, tal postura “confirma os papéis sexuais tradicionais e pode ser levada a cabo com êxito quando se está protegido pela escuridão”.6 É nesse contexto que se explica por
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Sacerdote Salesiano, mestre em Pastoral Juvenil pela Universidade Politécnica Salesiana do Equador. Assessor da CNBB para a Juventude. Artigo submetido à avaliação em 24.02.2013 e aprovado em 08.03.2013. 1 Cf. FEIXA, C. De jóvenes, bandas y tribus. Barcelona: Ariel, 1999. 2 Cf. MAFFESOLI, Michel. O Tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. 4. ed. Rio Janeiro: Forense Universitária, 2006. 3 Cf. COSTA, M. R. Os carecas do subúrbio: caminho de um nomadismo moderno. 2. ed. São Paulo: Musa, 2000. 4 Cf. SCHINDLER, Norbert. Os tutores da desordem: rituais da cultura juvenil nos primórdios da era moderna. In: LEVI, G.; SCHMIDT, J. (orgs.). História dos Jovens: da antiguidade à era moderna. v. 1. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 270. 5 Cf. Ibid., pp. 282-283. 6 Ibid., p. 285. São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 73 - 78, jan. / jun. 2013.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS que no carnaval tanta gente se mascarava de diabo ou então se envolvia em lençóis de linho a fim de assustar as pessoas. Poderíamos olhar para a nossa sociedade hodierna e pensar em quantos jovens usam cadernos e camisetas com caveiras, imagens de filmes de terror e outras manifestações semelhantes. Em outros momentos, jovens obstruíam passagens, colocando no meio do caminho e em becos escuros troncos para fazer tropeçar quem passasse de noite, utilizavam também rodas de carros para bloquear estradas ou até mesmo o decurso normal de água, sempre com a clara intenção de subverter a ordem estabelecida. Nessas molecagens e vagabundagens noturnas dos jovens, vigorava a lei não escrita, não oficial, de que lhes pertencia tudo o que estava pelas ruas, sem limites. Todos esses atos de vandalismo e excessos exibicionistas eram acompanhados de uma gritaria selvagem, feita de berros e fúrias, de bater e socar em caixas, perturbando a paz noturna e assustando velhinhos e enfermos. Normalmente, os adultos se limitavam a ficar de olho nas ações e inclinações dos próprios filhos no período em que eles estavam crescendo. Essas liberdades juvenis, essas correrias e brincadeiras inventadas e praticadas em grupos representavam um campo de experiência e de aventuras e até mesmo de integração social que se enfraqueceria lentamente, com a passagem para a fase adulta e a aquisição de funções diferenciadas e baseadas na propriedade e no status social.7 A juventude do início da era moderna permanecia inquieta, pois grande mudança estava acontecendo. Com o advento do século XX, o mundo do consumismo positivou o ideal de juventude, passando ela a ser o grande objeto de desejo. Neste contexto, a juventude passou não mais a ser definida pela condição biológica, mas, sobretudo, assumiu uma representação simbólica. Nesse sentido, as pessoas deixaram de ser jovens em decorrência não apenas da idade, mas por assumirem características próprias da juventude. Revela-se, então, pelo modelo da condição juvenil, um apelo mais geral: o direito de fazer retroceder o relógio da vida, tornando provisórias decisões tanto profissionais quanto existenciais, visando dispor de um tempo que não se
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pode medir somente em termos de objetivos concretos.8 O jovem perde seu espaço e sua identidade, enquanto outros a desejam e a adquirem, mesmo que parcialmente.
1.2 JUVENTUDE BRASILEIRA FRENTE AO REGIME MILITAR
Outra questão emergente é o perfil da juventude brasileira frente ao regime militar: uma juventude de muitos rostos, porém com o poder de unir os diversos movimentos, abalando as convicções e as certezas da década de 60, como constata Groppo: “ações estudantis, beatniks, hippies, culto às drogas, misticismos orientais e contracultura, guerrilheiros socialistas [...]. Tal juventude se expressa na valorização da coragem guerrilheira e da opção pela luta armada”.9 Podemos acrescentar, na diversidade destes grupos, os escritores, intelectuais, gente do teatro, da música e do cinema, todos eles perseguidos pela censura; uma geração que não hesitou em pegar em armas e fazer resistência à ditadura, buscando mudar, transformar a realidade social, compondo uma nova alternativa política, outra forma de viver a sexualidade, uma espiritualidade original, uma distinta relação com a família.10 Neste contexto, as principais capitais do país, principalmente o Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, em pouco tempo se tornaram praças de guerra onde estudantes e policiais se enfrentavam quase diariamente. O estopim foi a morte de um estudante, assassinado em uma operação policial de repressão a um protesto em frente ao restaurante universitário chamado ‘Calabouço’. Sobre este episódio Zuenir Ventura relata que “em 68, a morte de alguém, mesmo a de um jovem desconhecido, podia levar o país a uma crise e o povo à indignação, como levou naquela sextafeira, 29, em que 50 mil pessoas acompanharam o corpo de Edson Luís Lima Solto ao cemitério São João Batista”.11 Seguiu-se a esse, outro evento que revelou a força dos jovens, seu profundo desejo de mudança e o apoio de uma sociedade com medo – foi a passeata dos 100 mil, que, em protesto à morte de Edson Luís de Lima,
Cf. SCHINDLER, op. cit., p. 302. Cf. MELUCCI, Alberto. Juventude, tempo e movimentos sociais. Revista Brasileira de Educação 5-6 (1997), p. 13. 9 GROPPO, Luis A. Uma onda mundial de revoltas: movimentos estudantis de 1968. Piracicaba: Unimep, 2005, p. 15. 10 Cf. ABRAMO, Helena; FREITAS, Maria Virginia de; SPOSITO, Marilia Pontes (orgs.). Juventude em debate. São Paulo: Cortez, 2000, p. 42. 11 Cf. VENTURA, Zuenir. 1968: o ano que não terminou. 3. ed. São Paulo: Planeta do Brasil, 2008, p. 93.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS em plena ditadura militar, parou as ruas do Rio de Janeiro. É importante lembrar que no mundo inteiro, o ano de 1968 fora marcado por diversas manifestações. A juventude mundial sofria as disparidades dessa época e com os jovens brasileiros não foi diferente. No entanto, tais movimentos não esgotavam as juventudes brasileiras, nem mesmo contemplavam a maioria dos jovens: apenas uma pequena parcela de jovens conscientes e politizados estava à frente de tais movimentos; esses jovens, arrisco afirmar, eram o ‘fermento na massa’. Os jovens passavam por profundas mudanças de ordem pessoal e social. Muitos mudaram a maneira de se vestir, deixaram os cabelos crescer, aderiram ao jeans e alguns até andavam descalços, porém, o mais importante é que eles reavaliavam os valores sociais. Um fato interessante foi o 30o Congresso Nacional da UNE, realizado em um sítio em Ibiúna, interior de São Paulo. O Congresso terminou com a maioria dos jovens interrogados, presos, torturados e em muitos casos deportados do país. Em 13 de dezembro de 1968 acontece um golpe mortal para a juventude e para o Brasil como um todo: o Ato Institucional número 5. Tratava-se de uma ditadura sem disfarce, na qual o Congresso Nacional, a Assembleia Legislativa e algumas Câmaras Municipais foram postas em recesso. Muitos políticos foram cassados; prisões, desaparecimentos e torturas passaram a fazer parte da rotina do país. Após uma onda de inúmeros mortos e desaparecidos, a ditadura brasileira tem fim com as Diretas já, no ano de 1984.
2 ALGUNS CONCEITOS DE CULTURA JUVENIL A cultura juvenil é marcada por trajetórias. Segundo Schäffer12, a noção de cultura juvenil como parte de uma sociedade foi se desenvolvendo na medida em que a juventude passou a ser vista como uma categoria social e geracional específica e, pela
sua autonomia, foi sendo adquirida por esse grupo etário e seu estilo cultural de vida. O autor afirma que é preciso ficar atento aos estilos, pois estudos mais recentes associam a importância dos estilos culturais na adolescência às tendências de desinstitucionalização do indivíduo, de individualização de classes ou camadas sociais e de transformações estruturais da condição juvenil. Sobre isso, Schäffer explica que “os estilos culturais são interpretados como reação às mudanças que estão ocorrendo de uma forma global nas sociedades complexas”.13 Savage 14 aponta que, em 1944, nos Estados Unidos da América, o uso da categoria jovem para a idade entre 14 e 18 anos foi desde o início um termo de marketing usado por publicitários e fabricantes, que refletia o poder do consumo dos adolescentes naquela época. O fato é que pela primeira vez os jovens entraram no cenário das reflexões e se tornaram um público-alvo, ou seja, se transformaram num grupo etário específico com rituais, direitos e exigências próprias. Nesse ponto, a ideia de que a juventude poderia ser definida como uma fase distinta da vida estava engatinhando, ao mesmo tempo em que na mente da sociedade, tomava força a promessa de juventude, transitória ou eterna. Barbosa e Campbel15 ao tratarem dos temas da cultura, consumo e identidade classificam a cultura juvenil como uma combinação perfeita para o mundo contemporâneo. O jovem é o objeto de consumo cobiçado pelo mercado capitalista. Nessa relação de consumo cria-se uma cultura utilizando aquilo que os jovens gostam e fazem bem como a música, as roupas (moda), a estética e a linguagem, apenas para citar alguns exemplos. O termo cultura juvenil passa a ser aquilo que interessa ao mercado. A partir disso urge retomar o conceito utilizado por Tylor,16 que concebe a cultura como um conceito desenvolvido inicialmente para designar todo o complexo metabiológico criado pelo homem. Nesse ínterim, a cultura é constituída por práticas e ações sociais que seguem um padrão determinado no espaço e, no caso específico da juventude, este padrão de um determinado espaço é altamente influenciado pela mídia e pelo neoliberalismo.
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Cf. SCHÄFFER, R. Die Band: stil und asthertische praxis im jugendalter. Opladen: Budrich, 1996, p. 161. Ibid., p. 47. 14 Cf. SAVAGE, J. A Criação da Juventude: como o conceito teenager revolucionou o século XX. Rio Janeiro: Rocco, 2009. 15 Cf. CAMPBEL, C.; BARBOSA, L. Cultura, consumo e identidade. Rio Janeiro: FGV, 2006. 16 Cf. TYLOR, Edward Burnett. Primitive culture. London: Murray, 1871. 13
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS 3 CULTURA JUVENIL URBANA
4 A TRIBO URBANA
O Papa Paulo VI, em sua Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi17, convida a Igreja a voltar um olhar especial para a juventude, pois é uma população que cresce rapidamente na sociedade, principalmente nos centros urbanos, e, devido aos problemas que os cercam, o Evangelho deve ser apresentado com zelo e cuidado. A cultura juvenil sempre é aberta ao novo e à verdade. Em outro documento do mesmo pontífice, a Carta Apostólica Octogesima Adveniens18, evidencia-se uma preocupação com a cultura urbana do jovem no mundo industrial, questionando sobre o lugar dos jovens na mutação industrial e qual seria o seu papel na transformação social (OA 13). Percebe-se que a preocupação de Paulo VI era a dignidade da pessoa do jovem e a valorização da cultura juvenil, pois sabia que a juventude era portadora de aspirações, de renovação e também, de insegurança quanto ao futuro. Costa e Silva19 reúnem artigos, fruto de pesquisas sobre questões da juventude contemporânea, numa perspectiva em que o local e o global se articulam, recriando e produzindo novas formas de viver nas grandes cidades. Assim, Berlim e São Paulo aparecem como o cenário da pesquisa comparativa sobre feminismo e hip-hop; mais adiante, vemos os jovens de Lisboa através de trabalhos que discutem o corpo, a tatuagem e as bandas de rock. Há também a transformação do status do adolescente na família, observada na sociedade catalã. Juventude, globalização e modernidade, trabalho, lazer e violência são temas focalizados nessa obra que aborda a realidade juvenil, tendo como paisagem a metrópole paulistana. Na mesma linha da diversidade juvenil, Reguilho Cruz20 salienta que as culturas juvenis atuam como expressão que codifica através de símbolos e linguagens diversas e, da mesma forma, esperança e medo.
Despedindo-se da infância, o jovem passa para o momento de reforçar seu espaço na sociedade enquanto torna-se mais significativa a necessidade de encontrar modelos. Em tempos idos, eram os santos, hoje são os artistas, esportistas e os grupos musicais – figuras da pop music invadiram o imaginário juvenil.21 O jovem sofre com o dilema de morrer para a infância, ser inserido pelos colegas e pela sociedade em outro grupo etário ou prolongar a prazerosa ausência de responsabilidade infantil. Neste ponto a pesquisadora Silva explicita que “o jovem está mais sensível com as mudanças sociais e culturais do meio em que vive, porque é parte fundamental dessas mudanças, porque está se preparando para escolher uma profissão e se tornar, mais tarde, um adulto responsável com suas obrigações sociais”.22 No contato com o outro, o jovem se encontra, o grupo seduz e permite experimentar o que na família e na sociedade ainda não havia vivido. Em casa, é filho dependente, no grupo é alguém e, nessa perspectiva, é até compreensível que ele prefira passar mais tempo no grupo do que em sua casa. Assim, Melucci afirma que:
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Seus modos espetaculares de existir através da música, dança, vestuário, indicam que esses jovens paradoxalmente buscam a integração [...] esses espaços por onde o jovem vai construindo e/ou afirmando a sua identidade são importantes como potencialidades de gestar novas identidades coletivas.23
A identidade pessoal dentro do grupo cresce, a segurança e a preparação para estabelecer seu lugar na sociedade também. Dentre os diversos grupos, destacam-se as tribos juvenis, designadas pelo sociólogo Michel Maffesoli como grupos que se expressam e têm maior evidência nas grandes cidades. Devido à sua heterogeneidade e liberdade de
Cf. PAULO VI. Exortação apostólica sobre o mundo contemporâneo Evangelii Nuntiandi. 08.12.1975. Petrópolis: Vozes, 1987. Cf. PAULO VI. Carta apostólica por ocasião do 80º aniversário da encíclica Rerum Novarum (Octogesima adveniens). 14.05.1971. Petrópolis: Vozes, 1971. 19 Cf. COSTA, Márcia R.; SILVA, Elisabeth M. (orgs.). Sociabilidade juvenil e cultura urbana. São Paulo: PUCEduc, 2006. 20 Cf. REGUILHO CRUZ, R. Emergência de culturas juveniles, estratégias de desencanto. Buenos Aires: Norma, 2000, p. 3. 21 Cf. LIBÂNIO, João Batista. Jovens em tempo de pós-modernidade: considerações socioculturais e pastorais. São Paulo: Loyola, 2004, p. 25. 22 SILVA, Wilma R. Alves. Tribos urbanas, você e eu: conversas com a juventude. 2. ed. São Paulo, 2009, p. 30. 23 MELUCCI, op. cit., p. 13.
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS expressão, as tribos juvenis definem seus projetos e rumos em consonância com o momento cultural e histórico, revestidos de vocabulário, estética e atitudes. Este autor avalia que “o quotidiano e seus rituais, as emoções e paixões coletivas, simbolizadas [...] a importância do corpo em espetáculo e do gozo contemplativo, a revivescência do nomadismo contemporâneo, eis tudo o que acompanha o tribalismo pós-moderno”.24 Nessas tribos, esse reencantamento tem como liga principal a emoção ou a sensibilidade, continua Maffesoli. O tribalismo, de maneira mais profunda, é uma declaração de guerra ao esquema substancialista que marcou o Ocidente: o Ser, Deus, o Estado, as Instituições, o Indivíduo – a ideia de que somente o que dura é estável, consistente e merece atenção. O indivíduo é seu último avatar: ele é o Deus moderno, a identidade, o seu modo de expressão. Diante dessa realidade, para o jovem tribal, o fato de estar em grupo e participar de uma tribo se relaciona à realidade hodierna. Neste sentido, Costa verifica que “essas tribos ostentam um vitalismo rebelde, opõem-se ao individualismo moderno e almejam situar-se à margem das normas da sociedade”.25 Sobre esse vitalismo, podemos tomar o exemplo da música techno e das raves; há nelas som alto, luzes, cores, muita gente, o nativo, o bárbaro, o tribal: dizem e redizem a origem e, com isso, restituem vida ao que tinha tendência à esclerose, ao aburguesamento ou à institucionalização. O retorno ao arcaico expressa, na maior parte do tempo, forte carga de vitalidade. É ainda Maffesoli quem elucida que: Esse vitalismo nas efervescências musicais, mas podese igualmente, observá-lo na criatividade publicitária, na anomia sexual, no retorno à natureza, no ecologismo ambiente, na exacerbação do pelo, da pele, dos humores e dos odores, em suma, em tudo o que lembra o animal no humano. A vida se torna selvagem! Eis o paradoxo essencial da pós-modernidade, mostrando a origem, a fonte, o primitivo e o bárbaro.26
períodos que assistem à desestabilização de seus valores e de suas convicções”27 dentro do corpo social. Movimentos tribais, como os hippies, punks, rappers ou mesmo a juventude de 1968 diante do regime militar, foram grandes exemplos de vitalismo natural e social, respondendo às necessidades de suas respectivas épocas, com protestos culturais, sociais e até mesmo luta armada. O tema das culturas juvenis urbanas revelase fundamental para uma aproximação e intervenção qualificadas ao universo cultural do jovem. Desponta a dinâmica das tribos urbanas, ressaltando vários elementos próprios de suas histórias e, paralelamente dizem muito, sem quererem dizer, da própria sociedade em que se encontram, como retratos juvenis da cultura vigente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS O tema das culturas juvenis urbanas surge na atualidade como significativa aproximação e intervenção qualificadas ao universo cultural do jovem. Conhecer a dinâmica cultural que move os jovens configura-se como o ponto de partida para o estabelecimento de um diálogo fecundo e sincero, tendo como perspectiva a evangelização. As tribos juvenis urbanas carregam e guardam características específicas, que não podem ser reduzidas a uma mesma realidade. No entanto, de maneira geral, os jovens encontram nos grupos espaços de proteção, reconhecimento e afirmação de identidade: dimensões que muitas vezes lhes são negadas tanto pela sociedade como um todo quanto pela família em particular. A evangelização dos jovens configura-se como o grande desafio para a Igreja. O jovem não está fechado à verdade do Evangelho. Contudo, é preciso adequar a linguagem, contextualizar as ações e práticas pastorais, sempre em criativa fidelidade com os ensinamentos da Igreja. O desafio está posto. A cultura juvenil urbana é uma realidade e há um vasto campo a ser evangelizado.
Encontra-se, na análise do autor, a “efervescência no vitalismo social e natural, sobretudo em certos
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MAFFESOLI, op.cit., p. 3. COSTA, Márcia Regina. Tribos urbanas e identidades nas metrópoles. Eccos – UNINOVE 1 (2001), p. 46. 26 MAFFESOLI, op.cit., p. 08. 27 MAFFESOLI, op.cit., p. 125. 25
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PERSPECTIVAS PERSPECTIVAS REFERÊNCIAS ABRAMO, Helena; FREITAS, Maria Virginia de; SPOSITO, Marilia Pontes (orgs.). Juventude em debate. São Paulo: Cortez, 2000. CAMPBEL, C.; BARBOSA, L. Cultura, consumo e identidade. Rio Janeiro: FGV, 2006. COSTA, Márcia Regina. Os carecas do subúrbio: caminho de um nomadismo moderno. 2. ed. São Paulo: Musa, 2000. ______; SILVA, Elisabeth M. (orgs.). Sociabilidade juvenil e cultura urbana. São Paulo: PUCEduc, 2006. ______. Tribos urbanas e identidades nas metrópoles. Eccos – UNINOVE 1 (2001). FEIXA, C. De jóvenes, bandas y tribus. Barcelona: Ariel, 1999. GROPPO, Luis A. Uma onda mundial de devoltas: movimentos estudantis de 1968. Piracicaba: Unimep, 2005. L IBÂNIO , João Batista. Jovens em tempo de pósmodernidade: considerações socioculturais e pastorais. São Paulo: Loyola, 2004.
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS A MISTAGOGIA COMO PALAVRA E GESTOS NA OBRA DE CIRILO DE JERUSALÉM O ato de construir o imaginário religioso João da Silva Mendonça Filho*
1 VIDA E QUESTÕES TEOLÓGICAS DE CIRILO DE JERUSALÉM1 Cirilo de Jerusalém foi um cristão do IV século. Provavelmente nasceu em Jerusalém no ano 315. Sua vida pode ser definida em duas dimensões ao longo de 77 anos; faleceu em 387: o grande empenho pastoral como bispo-mistagogo2, e o envolvimento, mesmo contra a vontade, nas disputas teológicas que sacudiram a Igreja Católica no Oriente.3 A formação de Cirilo se concentrou no campo das Letras e da Bíblia. Os séculos IV e V foram marcados por grandes heresias ou disputas teológicas. Uma delas foi a questão Trinitária quando teólogos cristãos negaram a divindade de Jesus Cristo e também do Espírito Santo.4 Uma corrente forte do pensamento teológico floriu nesta época formando assim “o ciclo de ouro da patrística” entre o Concílio de Nicéia e Calcedônia (325-451) no qual o batismo de adultos e a formulação do Credo (Ato de Fé) foram fortemente defendidos.5 No ano de 345, Cirilo foi ordenado presbítero por Máximo II, com apoio dos eusebianos.6 Em 348, Acácio,
o grande metropolita de Cesárea da Palestina, ordenou Cirilo Bispo, contudo, logo depois devido a algumas intrigas doutrinas, o mesmo Acácio tornou-se inimigo de Cirilo, e o enfrentou com tremendas disputas jurisdicionais porque Cirilo reivindicava a autonomia de sua sede episcopal em relação a Acácio. Contudo, Acácio compactuava com Ario (260-325)7, nascido na Líbia e exerceu o ministério presbiteral na Igreja de Alexandria. Ario, por sua vez, negou a divindade de Jesus Cristo.8 Ensinava que Jesus era apenas uma criatura e não tinha a mesma essência de Deus porque o único não gerado, não criado, sem princípio é o Pai.9 Cirilo foi um grande opositor de Ario. As consequências destes conflitos foram, para Cirilo, três exílios no espaço de 20 anos: O primeiro em 357 por mandato do Sínodo de Jerusalém, sendo anistiado em seguida pelo Concílio de Selêucia em 358. O segundo exílio foi em 360 por obra de Acácio. O Imperador Constâncio o exilou e o manteve preso até 362, quando foi novamente anistiado por Juliano. O mais longo exílio foi o terceiro de 367 a 378, por iniciativa do Imperador Filoariano Valente. Após a morte de Filoariano, Cirilo retornou à sua sede. Alguns anos
* Sacerdote Salesiano, mestre em Educação com especialização em Pedagogia para a formação religiosa e presbiteral pela Universidade Pontifícia Salesiana (Roma). Artigo submetido à avaliação em 19.02.2013 e aprovado para publicação em 20.03.2013. 1 O presente artigo é um extrato da monografia apresentada pelo autor à PUC (SP) e SEPAC (SP), em 2010 (especialização no curso de Cultura e Meios de Comunicação). 2 A mistagogia é um método de instrução que introduz o ouvinte no mistério que se quer revelar. Mist, significa mistério e Gogia, quer dizer guiar, conduzir. O mistagogo é aquele que conduz o ouvinte para o mistério. Cf. CALOGERO, Riggi. Lo sfondo esegetico della catechesi palestinense in Epifanio di Salamina e in Cirillo di GerusalemmeI. In: FELICI, Sergio. Esegesi e catechesi nei padri (sec. II-IV). Biblioteca Religiose – 106. Roma: LAS, 1993, pp. 121-129. 3 Cf. BENTO XVI. São Cirilo de Jerusalém: audiência geral. L’osservatore Romano, Vaticano, p. 12, 30 jun. 2007. 4 Cf. MONDONI, Danilo. História da Igreja na Antiguidade. São Paulo: Loyola, 2001, p. 121. SIMONETTI, Maulio. La crisi Ariana nel IV secolo. Roma: Instituto Patristicum Augustinianum, 1975, p. 28. 5 Cf. ELORRIAGA, CARLOS. San Cirilo de Jerusalén: catequesis. Bilbao: Desclée de Brower, 1991, pp. 28-50. 6 Os eusebianos eram assim chamados por seguirem a doutrina do grande Eusébio de Cesareia, considerado como “pai da historia da Igreja”. Nasceu em 265 e faleceu em 339. A obra teológica de Eusébio é composta de escritos apologéticos, exegese bíblica e historia da Igreja. 7 Cf. HAMMAN, A. Os padres da Igreja. São Paulo: Paulinas, 1980, p. 180. 8 Cf. SIMONETTI, op. cit., p. 28. 9 Cf. Ibid., p. 47. MONDONI, op. cit., p. 122. São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 79 - 90, jan. / jun. 2013.
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS depois, em 381, totalmente restabelecido, Cirilo participou ativamente do 1o. Concílio de Constantinopla, no qual os Bispos reconheceram seus méritos e sua doutrina. Cirilo é considerado catequista e também teólogo.10 No entanto, sua obra não se equipara a de outros padres do século IV como Santo Atanásio, Santo Hilário e São Basílio e todos os demais padres Capadócios. Contudo, o testemunho de fé e de segura interpretação da Tradição antiga fez eco na vida de Cirilo e nas suas catequeses, sobretudo na convergente doutrina do 1o. Concílio de Nicéia de 325, convocado pelo Imperador Constantino, que discutiu a doutrina cristológica. 270 Bispos representantes do Egito, Palestina, Síria, Fenícia, Ásia Menor, Itália, Grécia e Espanha, se posicionaram contra a doutrina de Ario e criaram a fórmula “O Filho é gerado da ESSÊNCIA do Pai.11 Os padres de Niceia usaram o termo grego homoousía (consubstancial). A questão, contudo, não ficou resolvida apenas com o Concílio, pois o conflito durou de 318 a 381, quase toda a vida de Cirilo.
2 OBRAS DE CIRILO DE JERUSALÉM Por volta do ano 350 Cirilo, Bispo de Jerusalém, desenvolveu vinte e três catequeses que marcaram profundamente a história do cristianismo primitivo. As 18 primeiras tinham como objetivo preparar o catecúmeno para o batismo. Todas elas foram realizadas na Basílica do Santo Sepulcro. As primeiras (1-5) delineavam as disposições para ser batizado: conversão dos costumes pagãos, o sentido do batismo, as dez verdades contidas no Credo. As catequeses seguidas (6-18) eram contra a ideologia ariana. As cinco últimas (19-23) foram chamadas de “mistagógicas” porque se referiam ao sacramento do batismo recebido na noite de Páscoa e se realizam durante o tempo Pascal. Eram assim organizadas: as duas primeiras (19-20), são comentários sobre o batismo. As sucessivas se debruçam sobre os temas da crisma, sobre o Corpo e Sangue de Cristo, a liturgia Eucarística e o Pai Nosso.
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Trata-se, pois, de uma obra sinfônica entre o Antigo e o Novo Testamento. O conteúdo moral se unifica entre Doutrina e Mistagogia. Enquanto doutrina transforma a vida do catecúmeno a partir de dentro na vida nova em Cristo. A mistagogia era o mergulho no mistério celebrado na noite de Páscoa através dos ritos (imersão na água), com sinal de morte e gestos que iluminavam a vida do fiel na graça batismal. Existia um efeito visual e psicológico de grande força na mente dos neófitos a tal ponto que eles passavam a agir imbuídos de uma nova experiência de vida, agora em Jesus Cristo. Segundo Baronto 12, existe um eixo comum na metodologia de Cirilo: há uma experiência ritual que corresponde a um período propedêutico no qual o neófito passa a compreender com toda a simbologia presente nos ritos o significado do batismo. O passo seguinte é a catequese, pregação, que somada ao rito contribui para uma melhor compreensão da Vigília Celebrada à noite de Páscoa, na qual o fiel recebeu o batismo. O terceiro nível é a compreensão dos gestos e do rito depois de passar por todos eles. O neófito guarda na memória todos os ensinamentos recebidos e passa a agir movido pela realidade nova de vida. É obvio que dentro da leitura imagética temos aqui uma arte criativa de comunicação da mensagem que toca de fato a vida da pessoa em profundidade. Não apenas uma explicação, mas ritualidade; não mero rito, mas pregação; não uma pregação sem gestos, mas visibilidade e audição.
3 O CONTEÚDO DAS CATEQUESES É importante destacar os elementos essenciais das catequeses para compreendermos o conjunto das argumentações que serão desenvolvidas no segundo e terceiro capítulos. Cirilo desenvolvia, com os catecúmenos, elementos essenciais do Credo apostólico, a partir de sua sensibilidade. Não é possível afirmar ou negar que o texto transcrito em seguida é totalmente fiel aos ensinamentos de Cirilo, embora represente sua essencialidade.
Cf. ELORRIAGA, op. cit., p. 32. Cf. SIMONETTI, op. cit., pp. 78-88. 12 Cf. BARONTO, Eduardo Luiz. A metodologia litúgico-catequética do batismo nas catequeses mistagógicas de Cirilo de Jerusalém. Revista de Catequese 82 (1998) 53-55, p. 54. LELO, Francisco Antonio. Catequese com estilo catecumenal. São Paulo: Paulinas, 2008, pp. 24-26. 11
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS Cremos em um Deus, Pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra, De todas as coisas visíveis e invisíveis. E em um Salvador Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, gerado do Pai, Deus verdadeiro, Antes de todos os séculos, pelo qual foram feitas todas as coisas. Que veio na carne e se fez homem (da Virgem e do Espírito santo). Foi crucificado e sepultado. Ressuscitou ao terceiro dia. E subiu aos Céus e está sentado à direita do Pai. E virá na glória para julgar os vivos e os mortos, cujo reino não terá fim. E em um Espírito Santo, o Paráclito que falou nos profetas. E em um batismo de penitência para remissão dos pecados. E em uma santa católica Igreja. E na ressurreição da carne. E na vida eterna.13
Nas catequeses mistagógicas Cirilo não discute questões dogmáticas. Sua intenção é ajudar o fiel a experimentar o ato de fé e a compreendê-lo. Por isso, este Credo não é encontrado integralmente nas catequeses. Ele insistia com os catecúmenos que o valor estava em saber guardar os segredos recebidos, gravando-os na memória. Era na vida cotidiana que o fiel deveria manifestar o sentido das palavras. O texto na verdade é uma compilação feita por taquígrafos. É um resumo das palavras de Cirilo nas catequeses. Contudo, apesar de todas as limitações que uma transcrição pode ter, o texto nos remete aos elementos substanciais do Credo que ele ensinava. A partir do texto transcrito é possível reconhecer as fontes da fé que ele ensinava: a Sagrada Escritura, a Tradição cristã, o sentido da Trindade e sua unidade na consubstancialidade das três pessoas divinas, o sentido da Redenção, os Sacramentos, etc. Somente assim podemos perceber como ele combatia o arianismo e colocava em prática os ensinamentos do Concílio de Nicéia: Jesus é verdadeiramente Deus e o Espírito Santo, mesmo sendo distinto do Pai e do Filho, goza da mesma divindade. No entanto, Cirilo não apresenta um tratado sobre temas doutrinais, mas uma explicação do Símbolo apostólico. Nisto ele foi genial porque soube superar o espírito apologético – defesa da fé – e gerou um sistema mistagógico capaz de converter o catecúmeno e prepará-lo para o testemunho de uma fé coerente com a Tradição da Igreja. A compreensão que ele tem do batismo é clara e direta. No batismo o cristão assume uma nova realidade e é revestido de Cristo, “nós nos tornamos uma coisa só 13 14
com ele por uma morte semelhante à sua” (Rm 6,5), mas será na catequese sobre a Crisma que ele ensinará que a unção com o óleo, transforma o cristão num companheiro inseparável de Jesus Cristo que, por sua vez, alimenta a vida do fiel na Eucaristia. Inclusive ele usa o termo “consaguíneo com Cristo” para dizer que se trata de algo visível aos olhos que fortalece a alma. O cristão se torna o que recebe. Com toda esta lógica de ressignificação da vida as catequeses de Cirilo se transformaram também em Teologia porque traziam na sua raiz a Tradição cristã e as verdades da fé nas formas de imagem e comparações. Um método novo na época e de grande atualidade porque hoje somos muito mais movidos pela imagem da lógica tecnológica do que pela abstração. O estilo de Cirilo é popular. Ele não se preocupa com um princípio, meio e fim, como era costume na apologética. Sua preocupação era propedêutica, ou seja, preparava o ouvinte para um ensinamento mais completo. Por isso seguia a intuição do auditório que o ouvia para lhes falar ao coração. Era de fato um comunicador sensível que sabia fazer o jogo das palavras e das contradições a partir da capacidade de compreensão dos ouvintes. Na primeira catequese depois do batismo Cirilo usava com os neófitos as imagens contrastantes do ocidente verso o oriente, de Moisés e Jesus Cristo. O oriente simboliza o lugar do nascer do sol, ou seja, Jesus Cristo, enquanto o ocidente é o lugar das trevas e do pecado. Assim era a fórmula. Por essa razão, simbolicamente olhais para o Ocidente e renunciais a este príncipe tenebroso e sombrio. O que então cada um de vós, de pé, dizia? Renuncio a ti, satanás, a ti mau e crudelíssimo tirano: já não temo, dizias, a tua força. Cristo a destruiu, fazendo-me partícipe de seu sangue e de sua carne, a fim de abolir a morte pela morte e eu não estar eternamente sujeito à escravidão. Renuncio a ti, serpente astuta e capaz de todo o mal. Renuncio a ti, que armas insídias e, simulando amizade, praticaste toda sorte de iniqüidade e sugeriste a nossos primeiros pais a apostasia. Renuncio a ti, satanás, artífice e cúmplice de todo mal.14
Desta forma o cristão recebia o batismo voltado para o ocidente para renunciar às obras do demônio. A imagem, presença-ausência, é contundente. Existe um espaço que divide o que antes era mau e o que agora é
SÃO CIRILO DE JERUSALÉM. Catequeses mistagógicas. 2. ed. Tradução de Frederico Vier. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 19. Ibid., p. 27. São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 79 - 90, jan. / jun. 2013.
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS santo. Isto se apresenta mais claro na contradição entre as figuras de Moisés e Jesus. Passai agora comigo das coisas antigas às novas, da figura à realidade. Lá Moisés foi enviado por Deus ao Egito; aqui Cristo, do seio do Pai, foi enviado ao mundo. Aquele para tirar o povo do Egito; Cristo para livrar os que no mundo são acabrunhados pelo pecado. Lá o sangue do cordeiro afastou o anjo exterminador; aqui o sangue do cordeiro Imaculado, Jesus Cristo, constituiu um refugio contra os demônios. Aquele tirano perseguiu até o mar este povo antigo; e a ti, o demônio atrevido, impudente e príncipe do mal, te segue até as fontes mesmas da salvação. Aquele se afogou no mar; este desaparece na água da salvação.15
Trata-se, então, de uma figura de rompimento entre o que fora revelado no Antigo Testamento e o que agora o cristão vive a partir de Jesus Cristo. Interessante é que toda a simbologia antiga é recuperada em função da pessoa de Jesus que se torna na leitura Ciriliana a verdade constitutiva do ser e do agir cristão. Sem fazer alusão direta aos conflitos de Nicéia e Constantinopla, ele fundamenta as verdades defendidas nos Concílios, e coloca o cristão na linha do ensinamento da Igreja sem causar conflitos doutrinários; simplesmente faz uso de imagens para comunicar uma verdade. Sem forçar o texto de Cirilo é possível dizer que ele instaura uma nova racionalidade comunicacional da catequese. Isto é exatamente a novidade mistagógica que forma o imaginário religioso do neófito. Se, por um lado, a racionalidade patrística era apologética, em Cirilo ela se torna ritual-gesto e contraste. Ou seja, o cristão sente nos ritos e nos gestos o significado de Jesus Cristo como o salvador, pois nele tudo se torna presença, visível, mantendo, no entanto, o mistério. Ele concluiu esta catequese com a chamada vigilância, quer dizer, não retornar às tentações do ocidente. Fortalecido por estas palavras, vigiai. Pois nosso adversário o diabo, como foi lido, anda ao redor, buscando a quem devorar. Deveras, nos tempos anteriores a este, a morte devorava, poderosa. Depois do batismo sagrado da regeneração, Deus enxugou toda lagrima de todas as faces. Com efeito, já não 15
SÃO CIRILO DE JERUSALÉM, op. cit., p 26. Ibid., p. 30. 17 Ibid., p. 36. 18 Ibid., p. 37. 16
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choras por terdes te despido do velho homem, mas estás em festa porque te revestiste com a vestimenta da salvação, Jesus Cristo.16
Na segunda catequese as imagens usadas por Cirilo chamavam a atenção sobre os efeitos que o rito e os gestos do batismo causavam na vida do neófito: despojamento das vestes do velho homem – nudez; a unção – exorcismo; imersão na água – morte e sepultamento; a adoção de filhos pelo Pai. Somente depois de passar pelo rito é que o cristão toma consciência do que aconteceu consigo. Assim como Cristo passou pela morte real, o cristão também passa pela morte separando-se de todas as obras do ocidente. A base de argumentação doutrinária de Cirilo é a carta de São Paulo aos Romanos, contudo ele não se detém em citações, mas cria uma imagem do despojamento do velho homem, pois naquele tempo os neófitos eram revestidos com novas roupas para entrarem na piscina que simbolizava o túmulo, o sepultamento. A unção era exatamente diante do corpo adormecido para o pecado que ao ser ungido ressurgia para a vida nova. Todo este processo seguia um ato de nascer e morrer que aproximava o neófito das verdadeiras ações de Cristo. E Cirilo pedia insistentemente: “Retende tudo em vossa memória, rogo-vos, para que eu, ainda que indigno, possa dizervos: Amo-vos porque sempre vos lembrais de mim e conservais as tradições que vos transmiti”.17 Na terceira catequese Cirilo se remete à Crisma. Batizados em Cristo e dele revestidos, vos tornastes conformes ao Filho de Deus. Em verdade, Deus predestinando-nos à adoção de filhos, nos fez conformes ao corpo glorioso de Cristo. Feitos, pois, partícipes de Cristo, não sem razão, sois chamados cristos e é de vós que Deus disse: “Não toqueis os meus cristãos”. Ora, vós vos tornastes cristos, recebendo o sinal do Espírito Santo, e tudo se cumpriu em vós em imagem, pois sois imagem de Cristo.18
Os cristãos ungidos se tornam CRISTOS, quer dizer, a presença de Cristo ressuscitado. É uma imagem muito forte esta da mistagogia de Cirilo. Repete-se, no entanto o conceito de Edgar Morim de imagem presençaausência, pois mesmo sendo o cristão ungido, os Cristos,
EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS não deixa de ser uma pessoa imagem, representativa, in persona de Cristo. No entanto é uma presença inegável, pois a pessoa ungida está na sociedade e age diferentemente da mesma. Temos um testemunho sobre isto cuja data e autor não são consensuais até hoje, tratase da Carta a Diogneto. Não se distinguem os cristãos dos demais, nem pela região, nem pela língua, nem pelos costumes. Não habitam cidades à parte, não empregam idioma diverso dos outros, não levam gênero de vida extraordinário. Moram na própria pátria como peregrinos. Casam-se como todos os homens e como todos procriam, mas não rejeitam os filhos. Estão na carne, mas não vivem segundo a carne. Obedecem às leis estabelecidas, todavia, superam-nas pela vida. Amam a todos, e por todos são perseguidos. Pobres, enriquecem a muitos. Amaldiçoados, e bendizem.19
O texto de Diogneto afirma ainda que os cristãos são como que “a alma do mundo”. Aqui também é forte a ideia de uma presença que ao mesmo tempo se constitui numa ausência expressiva. A quarta catequese, por sua vez, se debruça sobre o significado do corpo e do sangue de Cristo. O mais impressionante é que Cirilo não fala da expressão Corpo e Sangue como algo meramente simbólico. Portanto, com toda certeza recebemo-los como corpo e sangue de Cristo. Em forma de pão te é dado o corpo, e em forma de vinho, o sangue, para que te tornes, tomando o corpo e o sangue de Cristo, concorpóreo e consanguíneo com Cristo. Assim nos tornamos portadores de Cristo (cristóforos), sendo nossos membros penetrados por seu corpo e sangue. Desse modo, como diz o bem-aventurado Pedro, “tornamonos partícipes da natureza divina” (2Pd 1, 4).20
O autor utiliza o argumento da mudança do pão em corpo e do vinho em sangue a partir da vida do cristão; nele se torna o Cristo alimento. O cristão, então, é na verdade a presença eucarística que se perpetua no tempo e fora do ambiente sagrado. Por isso, ele insistia tanto que não bastava passar pelo rito, mas tornar-se rito.
O que tudo isto tem a ver com a comunicação? Diria aquilo que Edgar Morin já defendia na sua teoria: o imaginário irrompe no real.21 Vivemos sempre no registro da duplicidade, neste caso: real - imaginário, subjulgados - libertos, temporais - atemporais, objetivos - subjetivos. Da concepção do que somos chegamos a criar a imagem. Então, o imaginário é salutar e é constitutivo do agir do ser humano. O que Cirilo fez no século IV foi exatamente se apropriar das categorias simbólicas da fé para nutrir a experiência vivida pelos neófitos na noite de páscoa, quando foram batizados. Com isto ele possibilitou que os mesmos tornassem o rito uma realidade sensível e não mero conceito. A quinta catequese aos neófitos é sobre o rito da Celebração Eucarística. Cirilo recorda o ritual eucarístico como um diálogo entre a assembléia e Deus. Ele fala da pureza como algo que aproxima do divino. Com o corpo sujo nem sequer teríamos entrado na igreja. Mas lavar as mãos é símbolo de que nos devemos purificar de todos os pecados e de todas as faltas. Já que as mãos são símbolos das obras, lavamolas, indicando evidentemente a pureza e a irrepreensibilidade das obras.22
A esta aproximação segue o símbolo da paz que une os cristãos entre si, é o gesto da reconciliação. Com estes dois gestos o coração do cristão se eleva a Deus e dá graças e louvores. Somente assim é pedido que o Espírito venha sobre o pão e o sangue para que se torne a presença real do Senhor. A partir desta presença o ritual recorda os vivos e os mortos que entram em comunhão na Ceia do Senhor. Daí em diante a assembléia se volta para o Pai na oração do Pai Nosso: Santificado seja o teu nome; Venha o teu reino; Seja feita a tua vontade, Nosso pão substancial dá-nos hoje; Perdoa-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos; não nos deixe cair em tentação. Na realidade Cirilo demonstra que a santificação de Deus proclamada pela assembléia é a santificação do humano. Não há mediação real entre Deus e os seres humanos a não ser pela santificação, que é uma dimensão futura. Quando pedimos o pão de cada dia,
19 A carta a Diogneto. Diogneto era um pagão que escreveu um pequeno livro narrando a vida cotidiana dos cristãos. O texto mostra a intrigante vida cristã imersa no contexto pagão, mas com uma mensagem nova não escrita em belas doutrinas e sim na vida. Talvez seja do II século. No entanto, existem controvérsias sobre a origem do texto e sua data, muito embora o conteúdo não perca sua essencialidade. Talvez Cirilo tenha conhecido o texto, porém, nada posso comprovar. 20 SÃO CIRILO DE JERUSALÉM, op. cit., p. 43. 21 Cf. SANTOS, Elísio Roberto. As teorias da comunicação, da fala à internet. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 95. 22 SÃO CIRILO DE JERUSALÉM, op. cit., p. 46.
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS não é tanto a matéria, mas o alimento que sacia a fome do ser humano de sentir a providência de Deus. O pão também transparece a bondade de Deus que perdoa os pecados de todos os que se alimentam dele. Na medida em que nos alimentamos do Pão do céu nos perdoamos e criamos uma ciranda de misericórdia. Quando recebe a comunhão, as mãos do cristão se tornam o altar de Deus. Ao te aproximares da comunhão, não vás com as palmas das mãos estendidas, Nem com os dedos separados; mas faze com a mão esquerda um trono para a Direita como quem deve receber um Rei e no côncavo da mão espalmada recebe O corpo de Cristo.23
Interessante que na atualidade a comunhão é feita exatamente assim, mesmo que haja liberdade para receber a comunhão de outras formas. Cirilo, mesmo antes do período jansenista24, trabalha a superação de qualquer distanciamento entre imagem e símbolo. Na verdade a prática da comunhão se imbui de uma realidade palpável, alimento, e não mera representação movida pelo medo e pelo pecado. O conteúdo, portanto, das cinco catequeses cirilianas nos introduzem assim para dentro de uma realidade imagética que não separa o símbolo dos ritos e gestos. Há uma simbiose que se instaura no agir do cristão para torná-lo presença - sacramento visível de Deus. Esta realidade instaura o imaginário religioso porque se baseia numa experiência religiosa vivida nos ritos e compreendida na prática ordinária e piedosa do fiel. Em seguida, vamos refletir sobre o valor da palavra nesta mistagogia, pois ela é o gancho para a explicação dos ritos e gestos, mas sempre figura que aponta para o passado, vivida na realidade presente em função da 23
construção futura – escatologia: “Todas as vezes que comemos deste pão e bebemos deste cálice, anunciamos, Senhor, a vossa morte enquanto esperamos a vossa vinda” (1 Cor 11, 26).
4 A QUESTÃO DA PALAVRA MISTAGÓGICA NAS CATEQUESES DE SÃO CIRILO A arte cênica, a cena, é muito importante no ato de comunicar. Eis uma constatação na obra de Cirilo. Genésio Severino, num pequeno livro sobre comunicação nos diz a respeito que “o cenário (o ground) tem muito mais força do que qualquer outra forma de comunicação”.25 Isto significa que todo o ambiente é importante para produzir o efeito que se quer no receptor. Neste sentido, Cirilo foi genial porque utilizou tanto o espaço sagrado das Igrejas como dos objetos religiosos para introduzir o ouvinte no Mistério. A palavra, por conseguinte, na obra de Cirilo, mais que verbalização é cênica. A forma como ele preparava o espaço e mostrava o sentido de cada ação conscientizava o neófito de sua nova vida em Jesus Cristo. Então, toda a simbologia presente na comunicação de Cirilo estabelecia relações com o mundo religioso, com a própria pessoa e com o transcendente.26 Desta simbologia nasceu uma linguagem capaz de expressar o pensamento da pessoa que “liga o homem ao outro homem no que de mais humano cada um possui”.27 Esta expressão simbólica oculta um sentido invisível que chamo de imaginário religioso, pois a linguagem vai além do que revela. Por isso, Cirilo usava genialmente
SÃO CIRILO DE JERUSALÉM, op. cit., p. 54. O jansenismo foi um movimento religioso, também de cunho político, desenvolvido na França e na Bélgica, nos séculos XVII e XVIII. O Bispo católico de Yprès, Jansênio, criou uma versão do Calvinismo, seguimento protestante, baseado na polêmica de santo Agostinho contra os pelagianos. Evidentemente uma leitura errônea da teologia agostiniana, pois Jansênio defendia como elemento central da sua doutrina uma visão pessimista do ser humano corrompido pelo pecado original, incapaz de qualquer obra boa, portanto, privado da graça de Deus. O ser humano já nascia predestinado ao céu ou ao inferno, não podia mudar tal destino. Deus seria um juiz cruel e justo, pois só concede a graça a quem ele quer; quem não recebe fica à mercê da condenação eterna. No fundo o jansenismo defendia que a pessoa não tinha livre arbítrio; estava destinada a cumprir seu destino traçado por Deus desde a criação. Os jansenistas eram contrários a comunhão freqüente porque exigiam a perfeição e aconselhavam a “comunhão espiritual” porque poucos tinham recebido o mérito de receber o corpo e o sangue de Jesus Cristo. Também atacam o papa e queriam a independência face à Igreja de Roma. 25 SILVA FILHO, Genésio Zeferino. Comunicação e pastoral: como melhorar a comunicação nas ações e eventos pastorais. São Paulo: Salesiana, 2001, p. 49. 26 Cf. NASSER, Maria de Queiroz Carrera. O que dizem os símbolos? São Paulo: Paulus, 2003, p. 7. 27 Ibid., p. 8. 24
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS os objetos religiosos como forma de linguagem para a compreensão do Mistério celebrado na noite da Vigília de Páscoa. Tendo presente esta realidade, precisamos conceituar a linguagem simbólica em duas vertentes: linguagem denotativa e conotativa. A linguagem denotativa, neste caso a Palavra, é sempre signo, contém um significado aceito pelo grupo e pela cultura, por exemplo: o fogo, a cruz, o altar. O neófito facilmente compreendia esta linguagem apenas ao ver os signos. A linguagem conotativa é aquela capaz de gerar associações, conceitos, emoções e ações, explica sempre algo indizível.28 Neste segundo capítulo, portanto, desejo trabalhar esta Palavra mistagógica que se revela em signo e conceitos, formando assim um quadro imaginário profundamente religioso cristão. Trata-se de uma cultura imagética que cria relações.29
imitação da Jerusalém celeste, e isto desde a antiguidade cristã; por outro lado, reproduz igualmente o Paraíso ou o mundo celeste. Mas a estrutura cosmológica do edifício sagrado persiste ainda na consciência da cristandade: é evidente, por exemplo, na igreja bizantina. “As quatro partes do interior da igreja simbolizam as quatro direções do mundo. O interior da igreja é o Universo. O altar é o paraíso. A porta imperial do altar denomina-se também porta do paraíso. O meio do edifício da igreja representa a Terra. As quatro partes do interior da igreja simbolizam as quatro direções do mundo”.31
A cultura Oriental de Cirilo é menos analítica e conceitual, trata-se de “uma cultura de informações paralelas, justapondo fatos, noticias particulares, fragmentos da realidade”.30 Evidentemente que na base desta forma de comunicação existe uma lógica que não reproduz o esquema mental em tempo real, mas na relação entre as imagens. Era, podemos dizer assim, uma construção imagética da palavra em pleno século IV. O que hoje constatamos como realidade na maneira como as novas gerações se relacionam, cultura da imagem, Cirilo soube efetivar no seu contexto para formar os neófitos na compreensão da nova identidade assumida à luz do ressuscitado: Jesus Cristo. O grande modelo desta forma de linguagem aparece na forma transcendental do Templo na cultura judaica e, conseqüentemente, cristã. Diz Mircea Eliade:
Esta forma simbólica de conceber o espaço sagrado não considera o Templo como um objeto para se habitar, mas o Universo. Toda construção sagrada significa um novo começo da criação.32 Esta constatação de um estudioso das religiões reafirma nossa tese de que ao escolher a igreja do Santo Sepulcro para suas catequeses, Cirilo, outra coisa não faz que colocar os neófitos dentro de um Universo, cujo centro unificador é o ressuscitado, alfa e ômega, princípio e fim, da história. Do ponto de vista da comunicação, esta linguagem Ciriliana tem uma atualidade enorme porque revela sua grande vivacidade e criatividade em construir com os signos a mensagem salvífica que deseja transmitir. Desta forma, a catequese ciriliana realizada dentro do Templo tinha a capacidade de envolver o ouvinte porque mexia, sobretudo com dois instintos: a visão e a audição. Pierre Babin define esta forma de comunicação como modulação, quer dizer, “um conjunto de vibrações dotadas de intensidades e de alturas diversas, de ritmos e de harmonia particulares”.33 Um meio de comunicação com muita força de modulação é o rádio. Ele envolve as pessoas, leva até a comunicação, faz emergir no imaginário a forma do fato. É possível, então, caracterizar a construção da palavra nas catequeses de Cirilo em três formas:
A basílica cristã, e mais tarde a catedral retoma e prolonga o simbolismo da Jerusalém celeste e do Paraíso. Por um lado, a igreja é concebida como
1 Capacidade de escuta: os neófitos permaneciam tão sintonizados com as imagens, os sons, as cores, os
4.1 A PALAVRA (CATECÚMENOS)
CONSTRUÍDA AOS ILUMINADOS
28
Cf. NASSER, op. cit., pp. 8-9. Por cultura imagética entendemos aquela que nasce justaposta uma ao lado da outra longe da construção verbal racional herança da filosofia grego-latina. O neófito, neste caso, não precisava de textos, mas das varias composições de imagens que se agrupavam no espaço das igrejas. A estruturação destas imagens com as catequeses de Cirilo formavam o conteúdo. É a lógica da geração das novas tecnologias. 30 SILVA FILHO, op. cit., p. 33. 31 ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001, pp. 57-58. 32 Cf. Ibid., p. 54. 33 BABIN, Pierre. A era da comunicação. São Paulo: Paulinas, 1989, p. 15. 29
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS objetos e as palavras que aprendiam a ouvir, mesmo sem a voz do catequista. 2 Estar juntos: o grupo de neófitos formava uma harmonia comunitária tão estreita e forte, que envolvia a todos na participação e construção coletiva da mensagem. Talvez por isso Cirilo não permitia que as catequeses fossem comunicadas verbalmente. O testemunho e a vida cristã era o texto vivo para compreender o significado das palavras. 3 Comunicar o essencial: nesta forma modular de comunicação o catequista Cirilo conseguia atingir o instinto do grupo, a visão de mundo e a moção do Espírito Santo em suas vidas. Neste processo dinâmico era construída a palavra nas catequeses de Cirilo dentro de um sistema modular, exatamente como hoje os interlocutores conseguem interagir com as mídias.
4.2 A
PALAVRA QUE CONSTRÓI O SIGNIFICADO IMAGINÁRIO DO DIVINO E DO HUMANO AOS NEÓFITOS
Como acabamos de analisar, as catequeses Cirilianas se constituíram em códigos através dos aspectos cênicos e da palavra. Do ponto de vista cênico, o grande palco era o templo, como um ícone simbólico da realidade almejada, ou seja, a experiência pascal de Jesus Cristo que se constituía na própria vida do neófito. Três eram os elementos que constituíam este espaço: o altar, a pia batismal e a cruz. O altar remetia à ideia de paraíso, mas também de sacrifício, portanto, ícone do Senhor morto que se torna oferta e oferente ao Pai. A pia batismal representava o lugar da morte pelo banho nas águas, da qual ressurgia o novo homem e mulher, transfigurados no ressuscitado. A cruz expressava a vitória da vida sobre o peso da morte. Todo este espaço simbólico, e o templo como um todo, criava a imagem da “casa” que acolhia o neófito no seio da Igreja. Na verdade, o aspecto cênico substituía a realidade invisível, exatamente como escreve São João: “O que era desde o principio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplamos e o que as nossas mãos apalparam da vida [...] tornou-se visível para nós” (1Jo 1, 1-2)”. Quando escrevia isto, o autor não se referia a algo que estava ali ao alcance dos seus interlocutores, mas que de fato existiu; no entanto, agora, se torna signo; então, a palavra construída é mediadora porque o signo 34 35
na sua realidade palpável, segundo João, é sempre interface porque abre possibilidades e ao mesmo tempo fecha. A interface é como nossa pele. Ela faz a mediação entre as articulações, gorduras, veias e ossos, mas esconde o que está por baixo. Por isso, considero as catequeses como comunicação cênica, pois a palavra se constrói num emaranhado de ritos que, ao mesmo tempo em que introduzem o neófito na nova realidade do mistério da fé, outrora visível, escondem a pessoa do ressuscitado. Então, a mistagogia na forma de comunicar de Cirilo só pode ser decodificada pelo neófito na sua inserção na sociedade. Daí o grande esforço do mistagogo em preservar seus escritos e suas catequeses da especulação porque a experiência do Senhor não se dá na matéria, mas na não-materialidade, preenchendo o vazio da nossa ritualidade que, sem decodificação permanece incompreensível e efêmera. Naquele contexto de disputas ideológicas religiosas do século IV, que mergulhou em conceitos filosóficos na tentativa de materializar o mistério, Cirilo manteve-se na “corda bamba” cênica, sem, contudo, perder uma lógica interpretativa do ato de fé, sempre no arco simbólico e gestual do mistério pascal que, mesmo sendo representado em seus ritos, permanece inesgotavelmente mistério.
4.3 OS GESTOS QUE TORNAM VISÍVEL O IMAGINÁRIO DAS PALAVRAS
Entramos aqui num discurso complexo. Há uma ciência que estuda a imagem, chama-se eicônica.34 Toda imagem, desde pinturas, estampas de selos, artificiais ou não, representa uma linguagem verbal ou mental. Isto para dizer que nas catequeses de Cirilo os gestos são imagens que formam um discurso eicônico que dão forma a um grande painel da vida cristã no cotidiano. Estes gestos: unções, bênçãos, mergulho na água, os ritos que marcavam a passagem de uma fase a outra das catequeses com a entrega do Pai Nosso, do creio, da cruz, eram signos plásticos35, porque se tornavam semelhantes mesmo sendo representativos de momentos específicos. Não tinha o mesmo significado receber, por exemplo, o Pai Nosso, uma oração – não material, e uma cruz – matéria; entretanto, eles eram imagens de uma única realidade: o Senhor ressuscitado, cuja expressão visível era o neófito.
Cf. SANTANELA, Lucia & NOTH, Winfried. Imagem: cognição, semiótica, mídia. 4. ed. São Paulo: Iluminaras Ltda, 2005, p. 33. O signo plástico tem expressão e conteúdo próprio que cada observador une à sua vivência (Cf. Ibid., p. 38).
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS Por conseguinte, os gestos que Cirilo sabiamente usava carregados de simbologia, formavam uma linguagem que revelavam o sentido da imagem construída no imaginário do neófito. Ao receber estes gestos, o neófito era revestido dos signos fundamentais da fé que davam novo sentido à vida, homem e mulher novos, portanto ressuscitados; no dizer de Jesus: “Se alguém não nascer do alto, não poderá ver o Reino de Deus” (Jo 3, 3). Neste sentido, o batismo, era muito mais expressivo desde a experiência da morte com o mergulho na água e unção, do que a simples purificação ou perdão dos pecados, como acontece em nossos dias. Assim se referia Cirilo a esta experiência: Logo que entrastes, despistes a túnica. E isto era imagem do despojamento do velho homem com suas obras (Cl 3, 9). Despidos, estáveis nus, imitando também nisso o Cristo nu sobre a cruz. Por sua nudez despojou os principados e as potestades e no lenho triunfou corajosamente sobre eles. As forças inimigas habitavam em vossos membros. Agora já não vos é permitido trazer aquela velha túnica, digo, não esta túnica visível, mas o homem velho corrompido pelas concupiscências falazes (Ef 4, 22). Em verdade éreis imagem do primeiro homem Adão, que no paraíso andava nu e não se envergonhava (Gn 2, 25).36
O fato do neófito depois do batismo ser introduzido no significado dos gestos que fez inaugura em Cirilo uma catequese memorativa, quer dizer, ele passa a falar do passado que se vive no hoje a partir da simbologia representada no batismo. O despojamento da velha túnica, quer dizer, das obras anteriores ao conhecimento de Jesus Cristo, para assumir a nova túnica, ou seja, o revestimento da pessoa do ressuscitado é uma linguagem não apenas racional, mas conotativa, pois une o símbolo ao gesto simultaneamente. O imaginário religioso, tema que virá em seguida, construído de forma eicônica na linguagem do século IV, causa grande estranheza e perplexidade porque os instrumentos que Cirilo dispunha eram palpáveis, porém, descodificavam uma realidade transcendental. Isto é muito interessante do ponto de vista do imaginário religioso. O nome já está dizendo: imaginário. Quer dizer, algo que não é perceptível pela
pura materialidade, mas pela palavra-imagem em toda sua modulação. É ilustrativo o que dizia Cirilo aos neófitos sobre o significado do mergulho na piscina: Imersos três vezes na água e em seguida emergidos, significando também com isto, simbolicamente, o sepultamento de três dias de Cristo, do mesmo modo vós, com a primeira imersão, imitastes o primeiro dia de Cristo na terra, e com a imersão, a noite. Como aquele que está no dia tudo enxerga na luz, assim vós na imersão, como na noite, nada enxergastes, mas na emersão, de novo vos encontrastes no dia. E no mesmo momento morrestes e nascestes. Esta água salutar tanto foi vosso sepulcro como vossa mãe.37
Certamente o neófito, ao ouvir estas palavras, compreendia não apenas o rito, mas o seu significado simbólico a partir de sua nova condição de ressurgido para a vida nova. Como veremos mais adiante a ritualidade da morte marca profundamente a experiência religiosa.
4.4 A
PASSAGEM DO RITO AO MISTÉRIO : O IMAGINÁRIO RELIGIOSO
Na vida de toda pessoa um ritual de passagem marca o fim de uma fase e o começo de outra totalmente distinta, mas em continuidade, por exemplo, da infância para a puberdade. No homem religioso isto é fundamental. 38 No caso dos ritos iniciáticos há uma “mudança do regime ontológico do neófito”.39 O rito marcava a morte desta vida profana para a nova em Cristo, sagrada. Era todo esforço para atingir um ideal de humanidade, como bem nos diz Mircea Eliade: O neófito morre para sua vida infantil, profana, nãoregenerada; renascendo para uma nova existência, santificada, ele renasce também para um modo de ser que torna possível o conhecimento, a ciência (grifo do autor). O iniciado não é apenas um “recém-nascido” ou um “ressuscitado”: é um homem que sabe, que conhece os mistérios, que teve revelações de ordem metafísica. Durante seu treinamento na selva, aprende os segredos sagrados.40
36
SÃO CIRILO DE JERUSALÉM, op. cit., pp. 32-33. Ibid., p. 34. 38 Cf. ELIADE, op. cit., p. 150. 39 Ibid., p. 152. 40 Ibid., p. 153. 37
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS Por conseguinte, nas catequeses Cirilianas, verdadeiras narrativas sagradas, formava-se a base de todo imaginário religioso.41 São, portanto, epocais, porque suas categorias são absorvidas em categorias míticas e utópicas. Por isso, o estudo do imaginário religioso é muito complexo porque entra no campo das imagens. Amauri e Yonne dizem a respeito: Torna-se complexo, para a maior parte dos estudiosos, investigar o imaginário como objeto de pesquisa, devido à constituição de elementos-imagens que organizam um dever-ser-para o sujeito. Quando se tematiza o imaginário quase sempre se projetam dimensões políticas, econômicas e sociais. A existência de imagens construídas pelo sujeito representa lugares de memória, tecendo uma historia de seu existir naquele momento. Em sua origem, o imaginário configura uma imagem ou realidade secundaria, torna-se semelhante ao que apreende, uma aparência constituída pela reflexão do homem. O imaginário é, nesse sentido, uma representação das coisas que existem no mundo.42
Como estamos dentro do campo da comunicação, este conceito nos ajuda a entender que o imaginário religioso que aos poucos se forma na identidade do neófito compreendia tanto os lugares de memória, pois as catequeses mistagógicas aconteciam no interior da igreja e na sua linguagem eicônica, como também nas formas narrativas sagradas que os símbolos ali presentes personificavam. Eram, na verdade, imagens reais, de uma experiência religiosa. Assim sendo, a linguagem comunicacional de Cirilo fazia referência, sem sombra de dúvida, às categorias míticas e utópicas. Enquanto mítica, a linguagem modular usada, descrevia a origem da religião cristã com seus fenômenos essenciais: a morte e a ressurreição de Jesus Cristo. Consequentemente conduzia o neófito aos aspectos utópicos da religião, concretamente, sua migração do paganismo ou judaísmo para o cristianismo, criando os aspectos subjetivos do ato de fé, porque expressavam o desejo na realidade transcendental do símbolo.43 Exatamente porque, no dizer de nossos 41
autores, “A utopia religiosa permite a compreensão da relação com o passado mítico e a esperança de uma vida futura”.44 Portanto, o estudo do imaginário religioso compreende o valor das imagens dentro do círculo religioso. Na passagem do rito, batismo na noite de páscoa, como narram as catequeses de Cirilo, para o imaginário religioso, constituíam para os neófitos em construção consciente dos elementos fundamentais da religião como seus dogmas e sua concepção de mundo.45 Este é, por conseguinte, o campo do mistério no cenário religioso. Entenda-se por mistério não aquilo que não se entende, mas o que transcende ao material. Ora, o neófito migrava de uma religião a outra, através desses valores míticos e utópicos, que constituíam seu novo horizonte imagético. Daí a metamorfose na sua identidade que legitimava uma nova pertença no seio da Igreja e a inserção no mundo.46 Um breve relato da catequese sobre a Eucaristia pode ilustrar esta nova realidade do cristão: Todavia agora, tendo despido as velhas vestes e revestido espiritualmente a veste branca, é necessário estar sempre vestido de branco. Não dizemos isso absolutamente porque é preciso estar trajado de branco, mas porque deves, na verdade, revestir a veste branca, brilhante e espiritual, a fim de dizeres com o bem-aventurado Isaías: “Com grande alegria me rejubilei no Senhor, porque me fez revestir a vestimenta da salvação e me cobriu com a túnica da alegria (Is 61, 10)”.47
A carga simbólica do rito é impressionante neste texto Ciriliano. Ele chama o neófito a ser eucarístico, ou seja, a ser uma hóstia, branca e brilhante, num mundo sem luz e de fome. Ser eucaristia no mundo é prolongar na história a mesa partilhada e o altar do sacrifício, no qual Jesus mesmo se faz oferente e oferta. O cristão é exatamente esta nova realidade. Então, o imaginário religioso, possibilitava o encontro saudável de culturas diferentes e fortalecia os laços de pertença à nova realidade eclesial. Consciente ou não,
Cf. FERREIRA, Amauri & GROSSI, Yonne de Souza. O imaginário religioso na construção de subjetividade nômades: o fenômeno da migração religiosa. Disponível em: www.abhr.otg.br/wp-content/uploads/2008/12/yonne-e-amauri.pdf. Acesso em: 10 fev. 2010. 42 Ibid., p. 3. 43 Cf. Ibid., pp. 3-4. 44 Ibid., p. 4. 45 Cf. Ibid., p. 4. 46 Cf. Ibid., p. 6. 47 SÃO CIRILO DE JERUSALÉM, op. cit., p. 45.
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS as catequeses Cirilianas, faziam o processo de inculturação do neófito no interior da Igreja neste trânsito subjetivo nômade das imagens, em suas categorias míticas e utópicas. Esta passagem produzia uma ruptura com o passado e gerava uma fundação do mundo.48 Na medida em que Cirilo introduzia os neófitos no interior da Igreja, ele abria um portal novo de comunicação com o sagrado, no qual, segundo Mircea Eliade, “o mundo profano é transcendido [...] O templo constitui, por assim dizer, uma “abertura” para o alto e assegura a comunicação com o mundo dos deuses”.49 Ora, nas catequeses de Cirilo, o Templo era o lugar privilegiado de comunicação com o sagrado. Todo espaço sagrado implica uma hierofania, uma irrupção do sagrado que tem como resultado destacar um território do meio cósmico que o envolve e o torna qualitativamente diferente. Quando, em Haran, Jacó viu em sonhos a escada que tocava os céus e pela qual os anjos subiam e desciam, e ouviu o Senhor, que dizia, no cimo: “Eu sou o Eterno, o Deus de Abraão!”, acordou tomado de temor e gritou: “Quão terrível é este lugar! Em verdade é aqui a casa de Deus: é aqui a Porta dos Céus” (Gn 28, 12-19)”.50
A imagem que transcende este espaço “Porta dos Céus” é a modulação do santuário entre o céu e a terra. Neste sentido, o imaginário religioso é o teofânico, porque manifesta algo desejado pelo neófito, ao mesmo tempo em que o insere na realidade civil e eclesial. Daí, a grande importância dada por Cirilo à vivência humana e espiritual do cristão como transformação e irrupção da vida nova em Cristo. O sagrado que passa pelo imaginário religioso tem força de vida e fecundidade51: O desejo do homem religioso de viver no sagrado equivale, de fato, ao seu desejo de se situar na realidade objetiva, de não se deixar paralisar pela relatividade sem fim das experiências puramente subjetivas, de viver num mundo real e diferente – e não numa ilusão.52
A construção do imaginário se dá no simbolismo da morte; aliás, todo rito de passagem se caracteriza pela relevância da morte como princípio de um novo começo. É a separação da condição profana, pagã, para a condição de cristão. O próprio batismo, com o mergulho na água significava entrar na sepultura, da qual se saia ressuscitado. O mistério da iniciação revela pouco a pouco ao neófito as verdadeiras dimensões da existência: ao introduzilo no sagrado, a iniciação o obriga a assumir a responsabilidade de homem. É importante ter este fato em mente: o acesso à espiritualidade traduz-se, em todas as sociedades arcaicas, por um simbolismo da Morte e de um novo nascimento.53
É nesta riqueza simbólica religiosa que o imaginário religioso se constitui como experiência de vida. O neófito ao continuar o processo iniciático após o batismo na Vigília de Páscoa entra numa nova dimensão de vida, revestido com os símbolos cristãos. Ele é outro Cristo. Evidentemente, não se esgota nele o mistério desejado, mas começa desde aí a transparecer no seu modo de viver no mundo. A palavra que Cirilo queria construir não era tanto um discurso gramaticalmente correto, mas um mártir do cotidiano que, vivificado em Cristo pelo batismo, crisma e eucaristia, se torna uma luz em meio às trevas. Pareceme que esta era a palavra construída por Cirilo no imaginário religioso cristão do século IV. Em resumo, podemos dizer que, a linguagem denotativa e conotativa aqui se entrelaçam. Enquanto o signo, linguagem denotativa, gera o imaginário religioso na migração do homem pagão para o religioso, com toda a exuberante expressão do Templo que liga o céu e a terra; a linguagem conotativa exerce uma força de conexão entre as palavras criando a experiência religiosa fundamentada nos ritos de passagem. O veículo que conduz todo o processo é a modulação, pois, na construção da palavra mistagógica, a audição e a visão exercem um papel fundamental para a ressignificação da comunicação.
48
Isto significa que o a redescoberta de um novo centro da existência gera o absoluto para o neófito. É um ponto fixo, “centro do mundo”, neste caso, a pessoa de Jesus Cristo (Cf. ELIADE, op. cit., p. 25). 49 SÃO CIRILO DE JERUSALÉM, op. cit., pp. 29-30. 50 Ibid., p. 30. 51 Ibid., p. 31. 52 Ibid., p. 32. 53 ELIADE, op. cit., p. 156. São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 79 - 90, jan. / jun. 2013.
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS PROPOSTA DE FORMAÇÃO PARA CATEQUISTAS-ANIMADORES DE UMA CATEQUESE COM INSPIRAÇÃO CATECUMENAL Guillermo Daniel Micheletti*
INTRODUÇÃO Aos catequistas interessados em renovar os “ultrapassados” processos aplicados à Catequese contemporânea, desejosos de se lançarem aos “desafiadores” caminhos da inspiração catecumenal1, ofereço esta reflexão sobre os requisitos que, a meu ver, deve possuir em todos os níveis o CatequistaAnimador 2 , peça fundamental nos itinerários catequéticos.
1 O PERFIL DO CATEQUISTAANIMADOR Exponho algumas características que devem qualificar o Catequista-Animador e estimulá-lo na aquisição e no crescimento progressivo dessas capacidades: • Um cristão apaixonado e convincente com sólida espiritualidade (que bebe nas fontes do cristianismo). • Uma testemunha capaz de transmitir esclarecidamente suas vivências de fé. • Uma pessoa com bons conhecimentos, sensibilidade eclesial, vida de comunhão e capacidade de relacionamento interpessoal. • Alguém com sólida competência bíblica, teológica, antropológica e pedagógica, portadora de uma longa e qualificada experiência de catequese paroquial, sem
improvisos. • Uma pessoa que conheça bem os processos de uma catequese de inspiração e pedagogia catecumenal e a experiência em itinerários e conteúdos de iniciação à vida cristã. • Uma pessoa bem aceita e querida dentro do grupo de catequistas, capaz de transmitir confiança, aberta a novas propostas metodológicas e, certamente, vontade de conhecê-las e aplicá-las. • Um guia seguro, capaz de comunicação, flexibilidade e criatividade. • Um catequista capaz de trabalhar em grupo, de pensar e de programar em equipe e com a equipe. • Um guia que não pretende substituir os catequistas, mas ajudá-los a trabalhar cada vez melhor com a devida liberdade e autonomia, ajudando-as a crescerem no ministério catequético. Dois textos bíblicos podem iluminar a figura e a missão do Catequista-Animador do grupo de catequistas. O primeiro deles é Ex 18, 1-27: Moisés acolhe a sugestão de Jetro de escolher pessoas de confiança para ajudálo a administrar a justiça para o povo. O Catequista-Animador dos catequistas não é chamado para “julgar/supervisionar” o trabalho de seus (suas) colegas, mas para colaborar com o pároco da comunidade (primeiro responsável da Catequese); deve preocupar-se com a formação e acompanhamento de todos os responsáveis das atividades catequéticas da paróquia. Outro texto interessante é Lc 10, 1-20. Jesus envia
*
Mestre em Ciências da Educação com especialização em pedagogia pela Faculdade Pontifícia Auxilium de Roma. Professor de pastoral catequética, de Deus e criação no Instituto de Teologia de Santo André. Artigo submetido à avaliação em 19.02.2013 e aprovado para publicação em 30.03.2013. 1 Cf. BOLLIN, Antonio. L’animatore del gruppo dei catechisti. Revista Dossier Catechista. (fev. 2010) 26-31; ______. L’animatore del gruppo dei catechisti: identità, formazione e missione. Revista Catechesi 78 (2008) pp. 73-80; TRIÑAQUE, Marco Antonio Gracia. Los desafios de la catequesis ante el cambio cultural. Buenos Aires: San Benito, 2008, pp. 83-104; KESTERING, Juventino. Itinerários de iniciação à vida cristã. Revista de Catequese 131 (2010) 60-68; BIEMMI, Enzo. La formación de catequistas en un contexto de nueva evangelización. Revista Sinite 158 (2012) 548-561; CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Iniciação à vida cristã. Brasília: CNBB, 2009. (Estudos 97). 2 Ao habitualmente denominado “Coordenador”, prefiro atribuir o título de “Catequista-Animador”. O termo “Coordenador” aplicase melhor ao bispo, ao presbítero/pároco e também ao presbítero nomeado Coordenador da Dimensão Catequética da Diocese, pelas específicas funções ministeriais exercidas que eles exercem. São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 91 - 97, jan. / jun. 2013.
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS 72 discípulos à missão. Não são enviados individualmente, mas em grupo, em nome da comunidade, para preparar a “chegada do Mestre”. Uma das tarefas primordiais do Catequista-Animador é a de trabalhar com simplicidade, sem nenhum sinal de poder, exibição ou imposição, para fortificar a coesão do grupo de catequistas, evitando que caiam no perigo (sempre possível) do “isolamento”; deve estar atento para reforçar as energias e dispor seus corações para anunciar o Evangelho.
2 ESCOLHA E FORMAÇÃO DO CATEQUISTA-ANIMADOR Para a escolha do Catequista-Animador, o pároco pode seguir a indicação dos catequistas da paróquia, da Comissão Paroquial de Catequese ou ainda a sugestão do Conselho Paroquial de Pastoral. Antes da escolha, porém, é necessário refletir sobre as aptidões da pessoa para tal serviço; ela deve estar envolvida nas atividades catequéticas, ser aceita pelos membros da comunidade (nos mais variados ministérios) e possuir as competências humanas necessárias para este tipo de trabalho. O Catequista-Animador é escolhido pelas qualidades nele percebidas; mesmo possuindo determinadas aptidões, sua missão exige uma sólida formação. Ele deve receber o encorajamento e apoio contínuo da comunidade, para manter-se sempre atualizado, participando de encontros sobre Bíblia, liturgia, teologia e pedagogia. Vamos ao centro de uma questão decisiva: que competências deverá adquirir o Catequista-Animador para enfrentar qualificadamente o serviço catequético? A resposta depende de múltiplos fatores; delineamos quatro elementos que, de modo geral, são essenciais para a missão catequética: • Conhecer adequadamente a doutrina cristã sintetizada no Catecismo da Igreja Católica, ter uma fé profunda, estar inserido no trabalho da comunidade e demonstrar profunda sensibilidade humana e social. • Saber conduzir sabiamente um grupo de adultos (catequistas, pais, catecúmenos adultos), a fim de ajudálos a fazer parte da comunhão eclesial. • Saber projetar itinerários catequéticos (adaptandoos segundo as circunstâncias e condições dos catequizandos), acompanhando os trabalhos e as inquietudes dos catequistas, avaliando com idoneidade o processo aplicado. Para isso, é 92
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imprescindível ao Catequista-Animador ter ideias claras da situação e dos desafios da catequese atual, possuir mentalidade catecumenal, abrir-se a novos e autênticos processos de inserção na vida cristã e eclesial dos catequizandos, e, enfim, conhecer os atuais problemas da pastoral paroquial, tendo em vista superar uma pastoral de mera “manutenção” ou - como gosto dizer - “pastoral de consumo”. • Saber avaliar e ponderar situações, materiais e subsídios, a fim de escolher, segundo a realidade, o mais apropriado para uso dos catequistas e do projeto catequético aplicado. Outra questão é sobre as “disponibilidades” que concretamente se pedem ao Catequista-Animador. Elencamos algumas: • A disponibilidade em seu serviço, que vai amadurecendo na experiência de vida e na experiência da catequese paroquial. • Saber responder às necessidades e às exigências dos catequistas nos mais variados momentos e situações: itinerários, celebrações, livros, preparação dos encontros etc. • Saber encorajar os catequistas nos momentos difíceis (cansaço, desilusão, críticas etc.).
2.1 FORMAÇÃO PERMANENTE A formação do Catequista-Animador é permanente, devendo potencializar e alicerçar, gradativamente, ao menos quatro dimensões: ser, saber, saber fazer e saber ensinar a fazer. 2.1.1 Ser: a formação humana e espiritual No percurso formativo, o Catequista-Animador deve desenvolver uma série de qualidades humanas para exercer com serenidade o serviço catequético. Ele não pode conformar-se com seus dons “naturais”, por assim dizer; deverá fazê-los crescer, multiplicar, desabrochar, tendo em vista tornar-se um ótimo instrumento nas mãos do Senhor. Por isso é fundamental o crescimento em todas as dimensões: em valores humanos, culturais, sociais, morais e religiosos. A respeito deste último, deverá ter um autêntico relacionamento com Deus, conhecer com seriedade a fé cristã, compreender os valores e limites das outras religiões, podendo, desse modo, ser capaz de um diálogo fecundo e valioso para o bem da humanidade. Ninguém pode dar o que não tem. O CatequistaAnimador deve conhecer e dominar os temas do projeto
EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS catequético paroquial e diocesano. A leitura frequente de livros atualizados, o estudo pessoal de matérias específicas, a participação nos encontros e cursos de aprofundamento são alguns dos meios para adquirir sólidos conhecimentos. Possuir “eterna curiosidade” e nunca pensar que “já sabe tudo”; neste sentido, as palavras do velho Sêneca são ainda vigentes: “muitas pessoas poderiam ter sido realmente sábias se não tivessem acreditado petulantemente e demasiado cedo que já o eram”.3 A formação humana deve completar-se com a espiritualidade: descobrir e vivenciar o amor a Jesus Cristo, que veio para servir e não para ser servido (Jo 10, 10; 15, 16). A espiritualidade se traduz em diversas atitudes como a simplicidade de coração, a doação na gratuidade, o amor humilde e serviçal para com os irmãos e irmãs - especialmente com os pequenos e vulneráveis -, uma vida de oração e a participação consciente e ativa na Celebração Eucarística. O Catequista-Animador tem a missão de incutir no coração dos catequistas a ideia de que eles “não são profissionais da igreja”, mas discípulos missionários de Jesus e verdadeiros membros da Igreja. Sem duvida, o centro nevrálgico da espiritualidade do CatequistaAnimador é e sempre será seguimento de Jesus Cristo; seguimento que implica amor, celebração. Os Bispos, em Aparecida, declararam com força apostólica e mistagógica: Conhecer a Jesus Cristo pela fé é nossa alegria; seguilo é uma graça, e transmitir este tesouro aos demais é uma tarefa que o Senhor nos confiou ao nos chamar e nos escolher. Com os olhos iluminados pela luz de Jesus Cristo ressuscitado, podemos e queremos contemplar o mundo, a história, os nossos povos da América Latina e do Caribe, e cada um de seus habitantes.4
2.1.2 Saber: formação bíblica, teológica, litúrgica e antropológica. Esperam-se do Catequista-Animador algumas competências fundamentais: estar habilitado para
falar sobre a fé de modo correto, preciso e coerente; possuir dinamicidade, clareza de expressão e simplicidade. É de se lamentar quando o catequista é superficial e impreciso! Ele não precisa ser “Doutor em teologia” ou “em Liturgia”, mas, certamente, ter certa bagagem de conhecimentos teológicos fundamentais, para distinguir o essencial da mensagem revelada e saber traduzir esta mensagem no cotidiano da vida cristã. A fé, nos dias de hoje, deve ser bem esclarecida, seja na vivência pessoal ou no diálogo com outras pessoas cujas convicções religiosas são diferentes da convicção cristã católica. De fato, não apenas o Catequista-Animador, mas todos os catequistas devem estar capacitados para o exercício da inteligência da fé, isto é, “pensar a fé assumida e vivenciada”. Consequentemente, o catequista responderá com clareza, precisão e convicção às questões colocadas pela sociedade. No aprofundamento da fé, é importante ler e interpretar com competência a Sagrada Escritura e conhecer a dinâmica da historia da Salvação, que atinge sua plenitude no mistério de Jesus Cristo - Filho Encarnado do Pai e Senhor Nosso - entregue pelos pecados da humanidade e ressuscitado para a nossa justificação. Tendo essa clareza, o catequista pode ligar a Palavra de Deus às afirmações essenciais da Fé, explicando de modo correto e completo, de maneira didática e significativa, e, ao mesmo tempo, com precisão e simplicidade, as afirmações fundamentais do Credo, particularmente o símbolo nicenoconstantinopolitano. A liturgia é fundamental para a vida e a formação do Catequista-Animador; conforme a Igreja nos ensina: “a liturgia é o ápice para o qual toda a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, a fonte de onde emana toda a sua força”.5 Desse modo, a Catequese - como educação da fé - e a liturgia - como celebração da fé - são duas funções da única missão evangelizadora e pastoral da Igreja. A liturgia, com seu conjunto de sinais, palavras, ritos, requer da catequese uma iniciação gradativa e perseverante para ser compreendida e vivenciada.6
3 Lucius Annaeus Seneca, filosofo pagão do primeiro século do cristianismo. Formado na escola estóica, levou uma vida de grandes renuncias aos bens terrenos. Uma de suas obras de maior influência para a cultura romana foi as Consolações, escrito que fazia parte de uma obra de maior abrangência que não concluiu antes de sua morte. 4 CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO (CELAM). Documento de Aparecida: texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe. Brasília: CNBB; São Paulo: Paulinas, 2007, n. 18. 5 CONSTITUIÇÃO Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia. In: CONCÍLIO VATICANO II. 1962-1965. Vaticano II: mensagens, discursos, documentos. São Paulo: Paulinas, 2007, n. 10. 6 Cf. Apud BUYST. Ione. O segredo dos ritos: ritualidade e sacramentalidade da liturgia cristã. São Paulo: Paulinas, 2012.
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS Ambas fazem parte da natureza e da razão de ser da Igreja. O Catequista-Animador deve ser consciente da tarefa fundamental da catequese: iniciar eficazmente os catequizandos (e os catecúmenos) nos sinais litúrgicos e, através deles, introduzi-los no mistério pascal. Muito bonitas e cheias de sabedoria são as palavras de Hélène Lubienska de Lenval a respeito da ação catequética e educativa da Igreja na ação litúrgica: “Em todos os tempos a Igreja foi sempre uma grande educadora cumprindo a missão encomendada por Cristo de direcionar as pessoas para Deus. Ela desenvolveu a expressão mais perfeita surgida de sua vontade educadora: a liturgia”. Ainda: “Não podemos conhecer a Liturgia apenas nos livros: não se pode participar nela só com palavras: é preciso que seja atuante e vivencial, pois a liturgia é fundamentalmente ação e vida”.7 2.1.3 Saber fazer: formação pastoral e metodológica É preciso que o Catequista-Animador esteja interiorizado com a formação dos catequistas na perspectiva da pedagogia catecumenal, ajudando-os a conhecer os modelos de inspiração catecumenal a serem aplicados. Deverá também conhecer a estrutura celebrativa do Ritual de Iniciação Cristã de Adultos (RICA) e assumir integralmente esta pedagogia nos processos de Iniciação cristã. 8 Assim fazendo, os catequizandos poderão, através do testemunho do catequista e da comunidade evangelizadora, penetrar o mistério de Deus por meio de um encontro vivo com Jesus Cristo. Para isso, serão importantes a leitura orante da Palavra de Deus, a experiência litúrgica e o aprofundamento da doutrina cristã (pessoal e social) e eclesial, superando uma catequese de mero ensino e transformando-a numa mistagogia que conduz à interiorização do mistério. Tentando delinear um quadro com propostas metodológicas na linha da iniciação à vida cristã, apontamos algumas características9: 7
• Toda organização catequética de inspiração catecumenal deve priorizar o adulto, pois uma considerável porção de adultos católicos foi catequizada com metodologias “simplórias” – hoje completamente superadas –, a partir de sintéticos catecismos de perguntas e respostas, desprovidos de fundamentação bíblica e de uma efetiva inserção na vida de fé da comunidade. Por causa disso, muitos deles ficaram no nível do “infantilismo” religioso, sem aprofundar as questões de fé, incapazes de responder satisfatoriamente aos complexos questionamentos da vida adulta. Assim, não poucos guardam uma vaga lembrança do que aprenderam, outros se decepcionam pelo caminho, muitos se perderam no meio dos apelos da cultura pós-moderna. De fato, grande parte dos adultos e muitas famílias cristãs olham para a catequese unicamente como preparação para a recepção dos Sacramentos, tendo pouca consciência do compromisso e sem coerência de vida. Esta incorreta forma de entender a Catequese provoca a superficialidade na vida cristã, o individualismo religioso e o afastamento da Igreja que nos gerou na fé.10 O Documento de Aparecida nos lembra com preocupação: São muitos os cristãos que não participam da Eucaristia dominical nem recebem com regularidade os sacramentos, nem se inserem ativamente na comunidade eclesial. [...] Além disso, temos alta porcentagem de católicos sem a consciência de sua missão de ser sal e fermento no mundo, com identidade cristã fraca e vulnerável.11
• Necessidade de preparar adequadamente o “kerigma”, ou primeiro anuncio. O primeiro anúncio tem justamente a finalidade de suscitar a fé em Cristo como resposta essencial às mais profundas fomes e às insaciáveis sedes do ser humano, dando sentido e rumo à sua existência, abrindo-lhe horizontes insuspeitáveis.
CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO (CELAM). A caminho de um novo paradigma para a catequese. Brasília: CNBB, 2008, nn. 80-84; MICHELETTI, Guillermo D. Vocês gostariam de ser catequistas? São Paulo: Ave-Maria, 2007, pp. 87-88; CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretório nacional de catequese. Texto aprovado pela 43ª Assembleia Geral. Brasília: Edições CNBB, 2006, nn. 120-121. 8 Cf. CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO (CELAM), 2008, nn. 71-73; ZUBILLAGA, José A. G. Rituais da iniciação cristã. In: Dicionário de Catequética. São Paulo: Paulus, 2004, pp. 967-969; LELO, Antonio F. A iniciação cristã: catecumenato, dinâmica sacramental e testemunho. São Paulo: Paulinas, 2005, pp. 27-47. 9 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2009, nn. 105-106; ALMEIDA, Antonio José. ABC da iniciação cristã. São Paulo: Paulinas, 2010, pp. 36-40. 10 Cf. CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO (CELAM), 2008, pp. 32-34. 11 CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO (CELAM), 2007, n. 286.
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS Evidentemente, o primeiro anúncio não é ação descontextualizada e isolada, mas supõe a presença de cristãos e cristãs na vida comum das pessoas, dos grupos, das comunidades e da sociedade. Não pode cair do céu como um “paraquedas” ou um meteoro. • Integralidade no processo de formação. A iniciação à vida cristã é um processo cujo ponto de partida é o encontro pessoal de alguém com Jesus Cristo e cujo ponto de chegada é a inserção - como discípulo missionário - numa comunidade cristã que vive o mistério pascal de Cristo. A iniciação cristã oferece uma formação integral, ou seja, o aprofundamento do encontro com o Cristo vivo, mediante a acolhida e o encontro com os irmãos e irmãs de fé, a meditação da Palavra, a celebração do mistério ao longo do Ano Litúrgico, ajudando o candidato a responder, pela graça, aos apelos à conversão permanente. O RICA proporciona, para isto, um caminho concreto de formação cristã integral. • Processualidade e progressividade. A iniciação cristã é um processo complexo, lento e progressivo. A totalidade do ser humano é interpelada nesse processo. Passo a passo, o candidato é introduzido na Igreja, povo de Deus, corpo de Cristo, templo do Espírito. A escuta da Palavra, calando no silêncio do coração, provoca mudança de costumes e solicita a prática de boas obras. Passa-se, com sabedoria materna, do leite ao alimento mais solido (cf. 1Cor 3, 2). • Caráter experiencial. O kerigma e o processo de iniciação visam suscitar e desenvolver uma experiência pessoal profunda de fé, com todas as consequências. A proposta cristã é uma experiência de amor, o encontro da totalidade do ser humano com Deus-Amor-Trindade, ou os Três Amores em UM. Esta experiência, em ultima analise, é intransferível. Por isso, sem a experiência pessoal e comunitária, a Revelação seria letra morta, a fé da Igreja seria mera aceitação de um sistema de verdades, a interpretação do magistério, um peso intolerável. • Dimensão comunitária. A iniciação à vida cristã envolve, ainda que diferenciadamente, (pela diversidade de ministérios e responsabilidades) toda a comunidade. Desde os primeiros tempos, a comunidade cristã colocava junto do candidato um padrinho/madrinha para acompanhá-lo durante todo
o processo iniciático. De fato, a experiência vem mostrando esse acompanhamento pessoal, próximo, presente, fraterno e amigo como o “grande segredo” de um bem sucedido processo de iniciação cristã. Além disso, todas as pessoas da comunidade, exercendo os mais variados ministérios (ordenados, instituídos e confiados), fazem parte desse processo. Os símbolos, os gestos, os ritos, as celebrações litúrgicas, realizados na comunidade eclesial, vão introduzindo o catecúmeno no mistério, na vida e na missão da Igreja. • Metodologia: o Catequista-Animador necessita de: ØiSuficiente conhecimento dos interlocutores, para haver sintonia com as suas necessidades, sentimentos, situações, cultura, valorizando as experiências que a pessoa (o catecúmeno) traz. Qualquer metodologia deve se inspirar no princípio da interação fé e vida. Ø Levar em conta as ações concretas da comunidade, a memorização - sobretudo de formulações de fé expressas na Bíblia - a criatividade dos catequizandos, a importância do grupo e a comunidade como lugar visível da fé e da vida.12 2.1.4 Saber ensinar fazer: capacitação pedagógica e didática. O Catequista-Animador deverá possuir conhecimentos básicos da ciência pedagógica para ajudar os catequistas a integrarem elementos de pedagogia (e psicopedagogia) na sua prática, fundamentando-a na pedagogia divina, com ênfase na pedagogia da encarnação. Nela se destacam: • O diálogo de salvação entre Deus e a pessoa, ressaltando a iniciativa divina, a motivação amorosa, a gratuidade, o respeito pela liberdade; • Uma Revelação progressiva, adaptada às situações, pessoas e culturas; • Valorização da experiência pessoal e comunitária da fé; • O Evangelho como proposta que nos coloca em relação com a vida; • As relações interpessoais; • O uso de sinais, nos quais se entrelaçam fatos e palavras, ensinamentos e experiência; • A pedagogia litúrgica; • A mistagogia do processo catecumenal.
12 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2006, nn. 159-160; 270-275. Sobre a memorização de textos bíblicos usados na catequese, cf. BENTO XVI. Verbum Domini. Exortação apostólica pós-sinodal sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja (30.09.2010). São Paulo: Paulinas, 2010, n. 74.
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS 3 A MISSÃO DO CATEQUISTAANIMADOR 3.1 O SERVIÇO DO CATEQUISTA-ANIMADOR. O termo “Animador” indica a qualidade do catequista; ele, mediante sua presença, seu entusiasmo e seu empenho fiel e generoso, dá novo vigor ao grupo que coordena; é chamado a dar continuidade e força ao projeto catequético e à proposta de anuncio do Evangelho da comunidade (paróquia, região pastoral, diocese). O animador encoraja e acompanha o percurso formativo e didático aplicado pelos catequistas, fazendose de ponte entre o grupo de catequistas e o pároco, entre os próprios catequistas e entre os animadores de outras comunidades e regiões.
3.2 AS TAREFAS DO CATEQUISTA-ANIMADOR Delineamos as diversas tarefas do CatequistaAnimador em quatro momentos significativos: 3.2.1 Organizar as atividades • Planificar todo o ano catequético e estabelecer um programa orgânico de atividades. • Celebrações específicas, experiências, reuniões etc. • Animar, organizar e apoiar os encontros com os responsáveis dos catequizandos, em especial os pais e familiares. 3.2.2 Articular o grupo • Criar um clima de colaboração fraterna com o grupo de catequistas, procurando a sua devida formação. Os percursos catequéticos devem ser bem entendidos e esclarecidos, sobretudo no concernente aos conteúdos catequéticos, teológicos e eclesiais. • Sugerir e agendar momentos de aprofundamento, meditação e estudo da Palavra, da liturgia, dos Documentos da Igreja e do Catecismo da Igreja Católica. 3.2.3 Acompanhar as pessoas • Encontrar os catequistas para preparar os encontros em datas e horários combinados. • Oferecer material de formação: subsídios, apostilas, CD, DVD etc. • Animar o serviço dos catequistas, apoiando o trabalho realizado por eles; acolhê-los e escutá-los quando necessitem conversar para esclarecer dúvidas e resolver problemas emergentes com as famílias dos catequizandos etc. 96
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3.2.4 Alargar os horizontes • Ligar fraternalmente a catequese com as outras pastorais e movimentos da paróquia, da região pastoral e da Diocese. • Criar um fecundo relacionamento com os grupos de catequistas de outras comunidades e paróquias, a fim de estabelecer um enriquecedor intercambio de experiências. O Catequista-Animador deve fortificar-se em alguns pontos para não recuar nas desafiadoras propostas da catequese atual: • Desenvolver a catequese em pequenos grupos; • Superar o método de perguntas e respostas, aplicando metodologias com raízes bíblicas e mistagógicas; • Promover uma catequese mais experiencial, na qual os catequizandos sejam conscientizados a fazer parte da Igreja paroquial como “casa da comunidade”. Criar um clima descontraído para que cada um exponha suas experiências; • Valorizar a atual tecnologia da comunicação; • Utilizar todos os recursos disponíveis para que o modelo catequético aplicado envolva integral, ativa e efetivamente a família dos catequizandos; • Organizar um programa de formação contínua e sistemática dos catequistas; • Aplicar percursos diferenciados, segundo as idades, situações e necessidade dos catequizandos; • Incentivar a experiência de vida dominical como exemplo de vida cristã: participação consciente, criativa e frutuosa da Eucaristia dominical como ação cume do encontro catequético. 3.2.5 Conhecer os processos de iniciação à vida cristã Sobre o tema da Iniciação à vida cristã, sabemos da importância deste tema. É decisivo e fundamental que tanto o pároco quanto o Catequista-Animador e todas as catequistas da paróquia estejam interiorizados da metodologia catecumenal, porque ela é um caminho eficaz para responder à urgente necessidade de uma reevangelização dos adultos, especialmente dos pais dos catequizandos. Sem aprofundarmos agora este tema, delineamos, de modo geral, três propostas e sugestões operativas: • Dispor os catequizandos em pequenos grupos e preparar atividades para que eles as desenvolvam em casa e conversem com os pais; depois, marcar encontros quinzenais na paróquia. • Podem preparar percursos catequéticos com a família,
EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS baseados no Ano Litúrgico e nas celebrações dominicais. Depois, organizar na paróquia encontros separados e adequados aos catequizandos e aos pais. • Trabalhar juntos - catequizandos e familiares - na espiritualidade da Leitura Orante da Bíblia; estabelecer
propostas e compromissos concretos com a Palavra meditada e valorizar a celebração Eucarística dominical: ela não é apenas obrigatória para os cristãos, mas é essencial à vida cristã.
REFERÊNCIAS ALMEIDA, Antonio José. ABC da iniciação cristã. São Paulo: Paulinas, 2010. BENTO XVI. Verbum Domini. Exortação apostólica póssinodal sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja (30.09.2010). São Paulo: Paulinas, 2010. BIEMMI, Enzo. La formación de catequistas en un contexto de nueva evangelización. Revista Sinite 158 (2012) 548561. BUYST . Ione. O segredo dos ritos: ritualidade e sacramentalidade da liturgia cristã. São Paulo: Paulinas, 2012. BOLLIN, Antonio. L’animatore del gruppo dei catechisti. Revista Dossier Catechista (fev. 2010) 26-31. ______. L’animatore del gruppo dei catechisti: identità, formazione e missione. Revista Catechesi 78 (2008) 73-80. CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO (CELAM). A caminho de um novo paradigma para a catequese. Brasília: CNBB, 2008. ______. Documento de Aparecida: texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe. Brasília: CNBB; São Paulo: Paulinas, 2007.
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretório nacional de catequese. Texto aprovado pela 43ª Assembleia Geral. Brasília: Edições CNBB, 2006. ______. Iniciação à vida cristã. Brasília: CNBB, 2009. (Estudos 97). CONSTITUIÇÃO Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia. In: CONCÍLIO VATICANO II. 1962-1965. Vaticano II: mensagens, discursos, documentos. São Paulo: Paulinas, 2007 KESTERING, Juventino. Itinerários de iniciação à vida cristã. Revista de Catequese 131 (2010) 60-68. LELO , Antonio F. A iniciação cristã: catecumenato, dinâmica sacramental e testemunho. São Paulo: Paulinas, 2005. M ICHELETTI , Guillermo D. Vocês gostariam de ser catequistas? São Paulo: Ave-Maria, 2007. TRIÑAQUE, Marco Antonio Gracia. Los desafios de la catequesis ante el cambio cultural. Buenos Aires: San Benito, 2008. ZUBILLAGA, José A. G. Rituais da iniciação cristã. In: Dicionário de Catequética. São Paulo: Paulus, 2004.
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS CATEQUESE COM ADULTOS Experiência e proposta didático-pedagógica Ivone Brandão de Oliveira*
INTRODUÇÃO Depois de longos anos de trabalho nas comunidades da Área Pastoral do Planalto, atual paróquia do Divino Espírito Santo, Setor Sapopemba, Região Episcopal Bélem, Arquidiocese de São Paulo, os agentes de pastoral perceberam que muitos adultos procuravam os sacramentos. Em contrapartida a formação oferecida era rápida e insuficiente. A partir dessa necessidade, Pe. Nicolau Velsinger, paróco da Área, propôs a elaboração de um subsídio para todos os adultos que tinham interesse em receber algum sacramento. Ele convocou alguns agentes de pastoral e as lideranças das comunidades para pensar no assunto. Surgiu, nesse momento, a proposta de elaboração de um subsídio que respondesse às necessidades formativas. O material deveria conter os fundamentos da fé cristã (entendida como adesão a Jesus Cristo), oferecendo uma visão geral da Bíblia, da caminhada das comunidades primitivas, da vida sacramental e da caminhada atual da Igreja no Brasil e na América Latina. O subsídio precisava também apresentar uma metodologia que envolvesse os participantes e possibilitasse um fácil manuseio por parte das lideranças das comunidades. A gestação do documento levou mais de seis meses, com reuniões frequentes das lideranças comunitárias e alguns agentes de pastoral que, na oferta de seu tempo e de sua disponibilidade, colaboraram na discussão das condições e critérios para a participação na Catequese com Adultos, na escolha dos temas, na elaboração dos encontros, na aplicação dos mesmos, na revisão depois de certo tempo de caminhada e na sugestão para responder a algumas solicitações das comunidades. Dentre essas *
pessoas destaca-se a participação de: Alberto Luiz da Silva, Ana Lúcia Garcia, Andréia Fonseca Falchi , Ana Maria Ramos Sanches, Anairdes Saraiva, Joseane dos Santos, Sonia Maria Marques, Jacira M. Pereira, Neusa da Fátima Silva, Lúcia Pereira dos Santos, Maria de Lourdes Martins, Nadir Marcoli dos Santos, Rosana M. M. Pereira, Sofia F. Oliveira, Vilma das Graças Souza e as Irmãs Edméa Battaglia e Maria José Santos. A coordenação dos trabalhos ficou sob a responsabilidade do Pe. Nikolaus Velsinger e sob a minha responsabilidade. O desafio era selecionar, organizar, de forma didática e sequencial, os fundamentos da fé, com textos bíblicos adequados, com dinâmicas envolventes e orações que ajudassem a sintetizar o conteúdo. A primeira versão foi apostilada em 2006 e depois passou por uma revisão feita pelos coordenadores da Catequese com Adultos e pelo Pe. Luiz Alves de Lima, sdb, especialista em Catequese, o qual apresentou observações e sugestões, propondo a publicação do material. Igualmente os catequistas que utilizaram o subsídio fizeram suas críticas e sugestões. As propostas foram acolhidas e, novamente em mutirão, o texto foi revisto, levando-se em conta todas as observações. A acolhida por parte dos leigos foi surpreendente. Integraram a formação não só os que pediam os sacramentos, mas leigos que queriam aprofundar sua fé. A participação era muito grande; nos primeiros anos foram crismadas mais de 100 pessoas, sem falar dos que receberam o Batismo, a Eucaristia e o Matrimônio. Dessas pessoas, muitas efetivamente assumiram o compromisso comunitário em diferentes pastorais. Na verdade, essas novas lideranças, com uma fé engajada, se dispuseram a servir a Igreja e o Reino de Deus, oferecendo sua colaboração pastoral na vida da comunidade.
Salesiana (Filhas de Maria Auxiliadora). Mestre em Ciência da Religião (área de história e literatura bíblica) pela Universidade Metodista de São Paulo e mestre em Teologia Dogmática (concentração em estudos bíblicos) pela Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção. É professora no UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São Paulo – Campus Pio XI. Artigo submetido à avaliação em 12.03.2013 e aprovado para publicação em 30.03.2013.
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS 1 ORGANIZAÇÃO METODOLÓGICA Os encontros foram planejados em torno de cinco eixos principais: 1 Acolhida para quebrar o gelo entre as pessoas; 2 Dinâmica para favorecer a participação de todos; 3 Leitura do texto bíblico para um contato com a Palavra de Deus; 4 Questões para reflexão, visando o aprofundamento da Palavra e a sua relação com a vida; 5 Momento celebrativo como forma de favorecer a relação com Deus. Nota-se que algumas celebrações foram inseridas no meio dos encontros para o aprofundamento da reflexão desenvolvida anteriormente. Três anexos foram inseridos no final do material compilado: As diferentes Bíblias, ficha de inscrição e critérios para a participação na Catequese com Adultos.
2 ORIENTAÇÃO PARA A COORDENAÇÃO DOS ENCONTROS Os encontros foram pensados (como recurso didático-pedagógico) com o objetivo de ajudar os catequistas no aprofundamento da fé de um grupo de iniciantes ou mesmo de pessoas que participam das comunidades e desejam atualizar e aprofundar sua vivência cristã. O subsídio é organizado com uma dinâmica simples, capaz de favorecer a participação de todos. Sugerimos alguns pontos que os catequistas devem considerar na preparação do encontro: • Ler o encontro com antecedência; • Preparar o material sugerido para aplicação das dinâmicas; • Verificar se o canto proposto é conhecido pelo grupo. Ele pode ser mudado, mas deve-se escolher sempre algum que esteja de acordo com o tema do dia; • Ler e aprofundar o texto bíblico; • Analisar as questões propostas para que elas estejam adequadas ao grupo, à realidade da comunidade e ao momento histórico; • Ajudar o grupo a ligar o texto bíblico com a realidade da vida;
• Criar um ambiente de tranquilidade para o momento celebrativo, a fim de que todos se sintam envolvidos e se disponham a rezar com a vida.
3 SUGESTÃO DE CONTEÚDO PROGRAMÁTICO 1º Encontro: Quem é Jesus? 2º Encontro: Jesus nos convida para trabalhar no seu Reino. 3º Encontro: Celebração da Páscoa do Senhor. 4º Encontro: Jesus entrega sua vida por todos nós. 5º Encontro: Jesus está no meio de nós. 6º Encontro: Pentecostes – a ação do Espírito Santo no mundo. 7º Encontro: Os dons do Espírito Santo. 8º Encontro: A Santíssima Trindade. 9º Encontro: Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe. 10º Encontro: Celebração da Bíblia. 11º Encontro: A bondade da Criação. 12º Encontro: História da Salvação. 13º Encontro: Moisés, o libertador de seu povo. 14º Encontro: Os Mandamentos da Lei de Deus. 15º Encontro: A Igreja Missionária. 16º Encontro: Oração e ação – fé e compromisso. 17º Encontro: Paróquia, comunidade, pastorais. 18º Encontro: A vocação cristã. 19º Encontro: O Reino de Deus. 20º Encontro: Sacramentos: sinais de nosso encontro com Deus. 21º Encontro: Sacramento do Batismo. 22º Encontro: Sacramento da Confirmação ou Crisma. 23º Encontro: Sacramento da Eucaristia. 24º Encontro: Sacramento da Penitência. 25º Encontro: Celebração Penitencial. 26º Encontro: Explicação da Missa. 27º Encontro: Tempo Litúrgico. 28º Encontro: Somos cidadãos com direitos a uma vida digna. 29º Encontro: Responsabilidade social. 30º Encontro: Fé e ação nas políticas sociais e partidárias. 31º Encontro: Celebração de envio. São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 98 - 104, jan. / jun. 2013.
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS 4 ESQUEMATIZAÇÃO DOS ENCONTROS
Ø O centurião, na hora em que Jesus morreu, disse: “Verdadeiramente este homem era filho de Deus” (Mc 15, 39).
Para exemplificar a elaboração dos encontros em torno dos cinco eixos anteriormente descritos, de todo o conteúdo programático proposto, a seguir, apresentase a estrutura metodológica dos três primeiros encontros, cuja orientação é eminentemente cristológica.
• No Evangelho encontramos algumas afirmações que Jesus faz de si mesmo. Vejamos algumas delas: Ø“Eu sou a luz do mundo”. “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 8, 12; 14, 6); Ø“Eu sou o Bom Pastor. O Bom Pastor dá a vida por suas ovelhas” (Jo 10, 1); Ø“Eu sou o pão da vida, quem vem a mim não terá mais fome” (Jo 6, 35).
4.1 PRIMEIRO ENCONTRO: QUEM É JESUS Acolhida • Neste encontro inicial é fundamental a acolhida das pessoas que chegam para a Catequese com Adultos. Cada uma deve se apresentar, dizendo o nome, algo da família, do trabalho e, sobretudo, uma qualidade que possui. Motivação • Conhecer alguém é importante para estabelecer relacionamento. Quanto maior o conhecimento, maior a possibilidade de relações verdadeiras, confiantes e amorosas. Ao iniciar a Catequese com Adultos, dispomonos a conhecer e aprofundar nossa fé. Jesus Cristo é o fundamento dela. Acreditamos todos em Jesus Cristo, mas nem sempre entendemos bem quem Ele é. Para uns, Ele é salvador, para outros, Ele incomoda. Para outros, ainda, Ele caminha conosco e está presente na luta pela vida, em especial dos pequenos e pobres. Canto inicial • Sugestão: Vós sois o caminho, a verdade e a vida. Dinâmica • Cada pessoa recebe uma folha de papel e escreve ou faz um desenho que expresse “quem é Jesus”. • Todos leem o que escreveram ou explicam o desenho. Texto bíblico: Mc 8, 27-33. Para refletir • O que o povo diz sobre Jesus com base no texto que acabamos de ouvir? • O que os discípulos dizem sobre Jesus? Conteúdo • No Evangelho encontramos o comentário que as pessoas faziam de Jesus. Vejamos uns exemplos: Ø“Esse é o profeta que deve vir ao mundo” (Jo 6, 1415) e queriam proclamá-lo rei; Ø Natanael dizia dele: “De Nazaré pode vir algo de bom?” (Jo 1, 46); ØEsse homem veio de Deus porque ele abre os olhos de cegos de nascença (Jo 9, 32); 100
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Relação com a Vida • Compare o que as pessoas falam de Jesus e aquilo que Jesus fala de si mesmo. • Qual dessas afirmações sobre Jesus significa mais para sua vida? Momento celebrativo • Preparar o ambiente, colocando sobre a mesa: a Bíblia, velas e um pão. • Dialogar com o grupo sobre a importância e o significado da mesa, do pão, da luz e da Bíblia. • Lembrar as Palavras de Jesus: Ø “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim, nunca mais terá fome” (Jo 6, 35); Ø“Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá para sempre” (Jo 6, 51); Ø“Esta é a vontade de meu Pai: quem vê o Filho e nele crê tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6, 40); Ø“Trabalhai, não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna” (Jo 6, 27). • Bênção do pão: bendito seja Deus do universo pelo pão nosso de cada dia, fruto da terra e do trabalho de homens e mulheres. Bendito seja Jesus Cristo que se deu a nós como pão vivo e que está presente na Eucaristia para nos alimentar, nos encorajar e nos unir no amor. Amém. • Partilhar o pão com todo o grupo. • Sugestão de canto para o momento da partilha: Vós sois o caminho, a verdade e a vida, o pão da alegria descido do céu. • Pai-nosso.
4.2 SEGUNDO ENCONTRO: JESUS NOS CONVIDA PARA TRABALHAR NO SEU REINO Acolhida • Hoje vamos refletir sobre a boa notícia do Reino de Deus. Cumprimente a pessoa que está ao seu lado
EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS perguntando o seu nome e conte uma coisa boa para ela. Canto inicial • Sugestão: Eu vim para que todos tenham vida ou Eisme aqui, Senhor! Motivação • Jesus ao ser batizado por João inicia seu ministério, anunciando a “Boa Nova do Reino de Deus”. Ele caminhou pela Galiléia fazendo o bem e curando toda sorte de doenças e enfermidades. Dinâmica • Teatro: O Jornaleiro. Entrar uma pessoa com um pacote de jornal na mão gritando: “Extra, extra, extra. Anuncio a vocês a Boa Nova que Jesus veio trazer!”. Entregar os jornais para cada pessoa com algumas mensagens escritas pelo (a) catequista. • Após a leitura da mensagem que as pessoas receberam, cantar um dos refrões propostos ou outro adequado: • Canto: O Evangelho é a Boa Nova que Jesus veio ao mundo anunciar ou Fazei ressoar a Palavra de Deus em todo lugar. Texto bíblico: Lc 4, 14-21. Para refletir • Qual a Boa Notícia que Jesus trouxe, segundo o texto que ouvimos? • Hoje, qual a maior Boa Notícia que precisamos? Conteúdo • Jesus, no início das suas atividades, convidou os doze apóstolos para ajudar na missão. Ele escolheu os seus apóstolos dentro da classe trabalhadora pobre de seu país. Preparou-os e enviou-os para espalhar a Boa Nova do Reino de Deus, dando-lhes poder para curar as doenças e expulsar os espíritos maus. Ao chegar a uma casa, deviam saudar: “Paz a esta casa!” (Lc 10, 6). Jesus dá o seu mandamento: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” e pede para que os discípulos organizem o povo para resolverem seus problemas (Mc 6, 33-44). Relação com a Vida • O nosso compromisso é colaborar na construção de um Reino de Justiça e de Paz, pois aprendemos com
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Jesus a defender a vida do próximo em qualquer circunstância. • O que podemos fazer hoje para viver o chamado de Jesus e trabalhar no seu Reino? • Em que pastoral ou atividade da comunidade posso me engajar? Momento celebrativo • Preparação do ambiente: colocar sobre a mesa um recipiente com sementes e um vaso com terra. Fazer um cartaz com as diferentes pastorais que existem na comunidade. Pedir para que todos observem o que está sobre a mesa. • Cada participante recebe algumas sementes. • Semente lembra germinação, planta, fruto, alimento e vida. Na vida de fé, a semente é símbolo da Palavra de Deus semeada na humanidade para que o Reino de Deus cresça e transforme este mundo. • Cada cristão foi ungido, recebeu o Espírito e se tornou discípulo de Jesus. Cada pessoa é responsável para que a semente da fé cresça e produza frutos de paz, justiça, amor e solidariedade. Agora, cada participante pode plantar sua semente no vaso, fazendo a Jesus uma oração de pedido ou compromisso para possibilitar o crescimento de sua fé. • Rezemos a oração que Jesus ensinou a seus discípulos: Pai-nosso. • Canto final.
4.3 TERCEIRO ENCONTRO: CELEBRAÇÃO PÁSCOA DE JESUS
DA
Acolhida Dirigente: Bem-vindos à Celebração da Páscoa de Jesus. Vamos fazer memória da última celebração que Jesus fez com seus discípulos. Nessa refeição Ele nos deixou o seu Testamento. Toda Páscoa judaica, como Jesus a celebrou, começa com o acender de duas velas acompanhado de uma bênção. Isso geralmente é feito pela mãe de família. Para nos prepararmos bem, vamos contemplar este gesto simbólico (acender as velas). Oremos: Adorado sejas tu, Senhor nosso Deus, Soberano do universo, que nos santificaste com teus mandamentos e nos mandaste acender as luzes desta festa de Páscoa. Nós rezamos para que a luminosidade destas luzes possa inspirar-nos, trazer-nos alegria espiritual e promessa para todos nós.1
KLENICKI, Leon. A nova ceia fraterna: a hagadá para os dias de hoje. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 22. São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 98 - 104, jan. / jun. 2013.
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS Todos: Adorado sejas tu, Senhor nosso Deus, Soberano do universo, que nos trouxeste vida, nos sustentaste e nos permitiste alcançar esta época de alegria. Canto: Ó Luz do Senhor, que vem sobre a terra. Inunda meu ser, permaneça em nós. Abertura Estes lábios meus, vinde abrir, Senhor (bis). Cante esta minha boca o vosso louvor! (bis). Venham adoremos a Nosso Senhor (bis). Pois sua santa Ceia Ele nos deixou! (bis). Venham, canto novo ao Senhor cantar (bis). O seu amor por nós, venham celebrar (bis). Eis que um santo dia para nós brilhou (bis). Nele o Senhor agiu, sem fim seu amor (bis). Para contemplar-vos eu aqui cheguei, (bis). Vosso poder e glória nesta casa achei! (bis). Glória ao Pai e ao Filho e ao Santo Espírito (bis). Glória à Trindade Santa, glória ao Deus bendito (bis). Aleluia irmãs, aleluia, irmãos (bis). Glória a Jesus Cristo, nossa Salvação (bis). Dirigente: A Páscoa de Jesus tem muitos símbolos. O primeiro é a mesa arrumada para acolher os discípulos para a refeição. Para o oriental, todo convívio à mesa é garantia de paz, de confiança ou de fraternidade. Este é o sentido da Celebração da Páscoa de Jesus: “Desejei ardentemente comer esta páscoa convosco antes de sofrer” (Lc 22, 15). Simbologia 1 Outro símbolo forte na Celebração de hoje é a BACIA, a ÁGUA e a TOALHA. “Eu não vim para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate de muitos” (Mc 10, 45). E “o servo não é maior do que o seu senhor, nem o enviado maior do que quem o enviou. Se compreenderdes isso e o praticardes, felizes sereis” (Jo 13, 16-17). Dirigente: Agora vamos fazer nosso momento penitencial, não lavando os pés uns dos outros, mas lavando nossas mãos, num gesto simbólico de pedido de perdão por não vivermos com radicalidade esse mandamento do serviço que o Senhor nos deixou. Enquanto fazemos este gesto, vamos cantar, ouvindo o que o Senhor nos pede através da letra.
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Caso o canto não seja conhecido, ele pode ser lido.
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Canto2 Jesus erguendo-se na Ceia, jarro e bacia tomou. Lavou os pés dos discípulos, este exemplo nos deixou. Aos pés de Pedro inclinou-se: - “Ó Mestre, não, por quem és!”. - “Não terás parte comigo, se não lavar os teus pés”. - “És o Senhor, tu és o mestre, os meus pés não lavarás”. - “O que ora faço não sabes, mas depois compreenderás. Se eu, vosso Mestre e Senhor, vossos pés hoje lavei, Lavai os pés uns dos outros, eis a lição que vos dei”. “Eis como irão reconhecer-vos, como discípulos meus. Se vos amais uns aos outros”. Disse Jesus para os seus: “Dou-vos novo mandamento, deixo ao partir nova lei: Que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei”. 2 O símbolo mais forte do dia de hoje é o PÃO e o VINHO. Neste momento, vamos trazer o Pão e sobre ele façamos memória da celebração que Jesus fez. O Pão, na Celebração da Páscoa Judaica, é sem fermento. Ele é chamado MATZÁ, “o pão da aflição”. É assim chamado porque foi ele que o povo de Israel comeu na terra do Egito. É um símbolo dos dias de escravidão e de dor vividos pelos povos durante séculos. É um símbolo também da escravidão e da dor de tantos no mundo de hoje. É o pão de uma pessoa pobre, difícil de digerir. Canto O povo de Deus também teve fome e Tu lhe mandaste o pão lá do céu. O povo de Deus cantando deu graças/ provou teu amor, amor que não passa. Também sou teu povo, Senhor e estou nesta estrada. Tu és alimento da longa jornada. Oremos: Bendito sejas tu, Senhor, Deus do Universo, pelo pão que recebemos de tuas mãos, resultado também do trabalho dos homens e mulheres. Que possamos abrir nossos corações a todos os famintos de pão e liberdade para compartilhar o pão e a liberdade desta celebração de Páscoa. Amém. 3 O VINHO simboliza o amor. Amor como dom do Espírito Santo que purifica e transforma a vida. O primeiro milagre de Jesus no Evangelho de João foi a transformação da água em Vinho. O que Jesus faz significa a relação de
EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS amor entre Deus e a humanidade que se estabelece na nova aliança, relação direta e pessoal, sem intermediários. A cena de Caná anuncia a cruz, “a sua hora”. É lá que Jesus manifestará até o extremo o amor de Deus por todos e oferecerá a todos o Espírito. Simbolizado aqui pelo vinho, significa a alegria que produz a experiência do amor, própria da nova aliança.
recebemos de ti. Que nossos passos sejam iluminados pelo teu Espírito, para que cresçamos na sensibilidade em relação a todos os sofredores. Que esta mesa consolide nosso compromisso com a Igreja e com a comunidade. Amém. Partilha do pão.
Canto Vinho de festa e alegria/ é vida no coração. Vinho bebido na luta/ se torna conduta de libertação. O sangue do meu Senhor é força viva de Paz (bis).
Canto e Benção final.
Oremos: Adorado seja, Senhor nosso Deus, pelo vinho da vida que plenifica o coração do homem e da mulher, concedendo-lhes força e coragem para vencer os obstáculos e encontrar a felicidade de viver.
5.1 AS DIFERENTES BÍBLIAS
Dirigente: A Páscoa judaica é celebrada na sinagoga e em casa. Nas sinagogas, o evento principal é a leitura do Cântico dos Cânticos. Trata-se de uma história de amor: “o Bem-Amado” significando Deus e a “Noiva”, o povo de Deus. Ouçamos a primeira leitura. Primeira leitura: Ct 2, 8-13. Salmo de meditação: Cântico de Moisés (Ex 15, 1-21). Aclamação do Evangelho Bendita, bendita, bendita a Palavra do Senhor. Bendito, bendito, bendito quem a vive com amor. A Palavra de Deus escutai, no Evangelho Jesus vai falar: A justiça do Reino do Pai procurai em primeiro lugar. Evangelho: Lc 22, 7-20. Partilha da Palavra: o que esse texto fala para nós, hoje? Orações espontâneas. Pai-nosso. Bênção do Pão (todos estendem a mão em direção ao pão): Deus, fonte da vida, nós te agradecemos por tua Palavra e pelo pão que agora partilharemos. Abençoa o pão, fruto da terra e do trabalho humano. Abençoa a nós que participamos dessa celebração. Que nossa fé seja fortificada pelo pão da Palavra e da Eucaristia. Que nossa esperança seja renovada pelo apoio recíproco. Que nosso amor seja semelhante ao amor que
5 APÊNDICES Os livros da Bíblia foram escritos por homens e mulheres num espaço de tempo bastante longo, com certeza num período de mais de mil anos. Na Bíblia encontramos ao mesmo tempo a Palavra de Deus e a palavra humana. Fé e vida se encontram em cada uma das páginas. A Bíblia é fruto de experiências humanas muito variadas. Isso se expressa até nas línguas que foram utilizadas para escrevê-la. A primeira parte da Bíblia teve a maioria de seus livros escrita na língua hebraica, a língua do povo judeu. Alguns trechos, contudo, foram escritos em aramaico, língua próxima ao hebraico. Alguns livros foram ainda escritos na língua grega, já que essa língua passou a ser a mais utilizada alguns séculos antes de Jesus. Dependendo da Igreja, ou da confissão cristã, pode haver edições diferentes da Bíblia. Quais são essas diferenças? 1 No Novo Testamento não há qualquer divergência entre católicos e evangélicos quanto aos textos que o compõem. 2 Os judeus que viviam na terra de Israel decidiram determinar a lista dos escritos que fariam parte de suas Escrituras: não sabemos exatamente quando é que isso foi feito. É essa relação de livros que forma a Bíblia dos judeus. 3 Os judeus que viviam em outras regiões, além de acolher os livros dos judeus que viviam em Israel, tinham também outros, escritos principalmente em grego, que foram utilizados por cristãos das primeiras comunidades. 4 Quando foi feita a Reforma Protestante e surgiram as Igreja evangélicas, estas traduziram a Bíblia Hebraica. A Igreja Católica assumiu a tradução da Bíblia Grega, também chamada dos Setenta, que continham livros que não estavam presentes na Hebraica. São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 98 - 104, jan. / jun. 2013.
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS 5 Livros que estão na Bíblia católica e não estão na Bíblia evangélica: Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiástico, Baruc e os dois livros dos Macabeus. Além disso, a Bíblia católica tem trechos a mais nos livros de Ester e de Daniel. Mesmo existindo essas diferenças, elas não devem ser motivo para conflitos, discussões e polêmicas entre
católicos e evangélicos. Não existe problema para que uma pessoa católica use uma Bíblia evangélica e viceversa. O crescente interesse pelo estudo e reflexão entre cristãos das diversas Igrejas permitiu a Tradução Ecumênica da Bíblia feita por católicos, evangélicos, ortodoxos e judeus.
5.2 FICHA DE INSCRIÇÃO PARA CATEQUESE COM ADULTOS Nome do Candidato (a): ______________________________________________________________ Sexo ____. Nascimento: ____.____.____. Cidade: ______________________________________ . UF: ________. Nome do Pai: _______________________________________________________________________________. Cidade de origem: ___________________________________________. UF: _______. Nome da Mãe: ________________________________________. Cidade de origem: __________. UF: _______. Endereço do (a) candidato (a) _________________________________________________________ . N. ____. Complemento ___________________________. Cidade _________________________________. UF: ______. Telefone _______________. Celular _______________. E-mal:_______________________________________. Estado Civil: Solteiro (a): ( ). Casado (a) no civil? Sim ( ). Onde? Cartório ______________________. Não ( ). Que sacramento já recebeu? • Batismo. Nome da Igreja e da cidade: __________________________________________________________. • Primeira Eucaristia. Nome da Igreja e da cidade: _________________________________________________. • Crisma. Nome da Igreja e da cidade: ---------------_________________________________________________. • Casamento na Igreja. Nome da Igreja e da cidade: _______________________________________________. Por que quer participar da Catequese com Adultos? ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Observações ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
5.3 CRITÉRIOS PARA A CATEQUESE COM ADULTOS A equipe que pensou e trabalhou na formulação dos subsídios da Catequese com Adultos decidiu estabelecer alguns critérios que devem ser considerados nas comunidades em relação a essa específica catequese. 1 Motivar os adultos a participarem da Catequese com Adultos, principalmente aqueles que gostariam de receber algum sacramento da iniciação cristã. 2 Preencher a ficha de inscrição segundo o modelo proposto e conversar com o pároco sobre os participantes nos casos especiais.
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3 Idade dos catequizandos: acima de 20 anos. 4 Tempo de catequese: de 06 a 08 meses, sendo feito discernimento adequado quando a pessoa já participa da comunidade. 5 Quanto aos Catequistas: • Devem participar da comunidade e serem escolhidos por ela; • Tenham recebido os sacramentos da iniciação cristã; • Devem ter certa idade e experiência de vida; • Possivelmente, haja mais de um catequista na comunidade.
EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS A PEDAGOGIA DE JESUS A PARTIR DE EMAÚS Douglas Aparecido Marques Rocha dos Santos*
Quando não houver saída Quando não houver mais solução Ainda há de haver saída Nenhuma idéia vale uma vida Quando não houver esperança Quando não restar nem ilusão Ainda há de haver esperança Em cada um de nós Algo de uma criança Enquanto houver sol, enquanto houver sol, Ainda haverá Enquanto houver sol, enquanto houver sol, Quando não houver caminho Mesmo sem amor, sem direção. A sós ninguém está sozinho É caminhando que se faz o caminho Quando não houver desejo Quando não restar nem mesmo dor Ainda há de haver desejo Em cada um de nós Aonde Deus colocou (Sérgio Brito – Titãs)
INTRODUÇÃO A catequese com adultos se apresenta como um grande desafio à vivência cristã nos tempos de hoje. Cada vez mais parece que os batizados têm deixado de viver sua fé conforme espera a Igreja ou que esses mesmos fiéis a têm vivido ao seu modo. Este fato tem levado a muitos a refletirem e buscarem um caminho que possa vir ao encontro desse problema. Muitos, ou a maioria dos adultos que receberam o batismo não foram iniciados na fé. A catequese infantil nem sempre dá os
resultados esperados. Em muitos lugares ela se tornou uma repetição de alguns modelos escolares conservadores que, ao fim de um período, confere ao catequizando um certificado ou passaporte para sair da Igreja. Frente às dificuldades pelas quais vem passando a Igreja Católica em relação ao contínuo descompromisso com a fé, surge a necessidade de um jeito novo de ser Igreja e fazer catequese, só que desta vez enfatizando não a criança, mas o adulto. Uma catequese com adultos, adulta, capaz de conduzir a pessoa não somente
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Mestrando em Teologia Pastoral pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, integrante da Coordenação Arquidiocesana de Pastoral e administrador paroquial da Paróquia de Senador José Bento, Arquidiocese de Pouso Alegre (MG). Artigo submetido à avaliação em 15.02.2013 e aprovado para publicação em 28.03.2013. São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 105 - 112, jan. / jun. 2013.
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS à vida eclesial, mas, acima de tudo, a uma vivência e a um conhecimento maior de sua fé e maturidade da mesma. Numa palavra, levar os adultos a serem reiniciados na fé. A catequese com adulto surge como um sopro de vitalidade. Todavia, esta catequese também encontra seus desafios, por isso, para maior segurança nesta empreitada, é melhor ir direto à fonte e se inspirar no pedagogo por excelência: Jesus de Nazaré. A partir da caminhada de volta a Emaús (cf. Lc 24, 13-35), temos um itinerário catequético modelo para a catequese com adultos de hoje.
1 A PEDAGOGIA DIVINA Deus, em seu infinito amor, revelou-se ao ser humano e mostrou-lhe o caminho da salvação. A pedagogia usada para tal é percebida na história humana. As Escrituras mostram as várias imagens de Deus: misericordioso, amoroso, justo, juiz etc. Não somente isso, mas mostra também que Deus assume a pessoa humana no modo como ela se encontra e, sobremaneira, no pobre, livrando todos do mal. Esta é a pedagogia de Deus: atrai amorosamente e conduz a um progressivo amadurecimento da fé. A partir do devir histórico humano, Deus vai ensinando seu povo pelos fatos da vida e pelas diversas situações (DGC 139). Deus, em sua pedagogia, dá ao ser humano palavras para instruir sua vida. A catequese pouco a pouco vai sendo formulada e passada o mais fielmente possível, de geração em geração. A fidelidade do homem a esta catequese era necessária, uma vez que era a única forma de narrar as maravilhas de Deus na história (DGC 139). Entrementes, esta catequese não é de informação apenas, mas, sobretudo, de formação, tanto que Deus adverte com prêmios e castigos, além de formar a partir dos sofrimentos e provas, segundo a concepção do Antigo Testamento. O cume da pedagogia de Deus é Jesus Cristo. Jesus é a plenitude da revelação e a continuação da pedagogia de Deus. A vida histórica de Jesus atesta esta pedagogia. Suas palavras, ações e sinais contidos nos evangelhos mostram sua ação pedagógica, que teve os discípulos como primeiras testemunhas. Jesus institui um grupo de seguidores que, ao fim, tornaram-se amigos e apóstolos; mostra-lhes que a pedagogia de Deus leva a 1
pessoa a uma relevante mudança. Jesus ensina através da acolhida - de modo especial do mais fragilizado - do anúncio da proximidade e construção do Reino, da promoção humana, do amor aos irmãos. A pedagogia de Jesus não passou pelo formalismo e ritualismo judaico que primava pela lei sobre todas as coisas (DGC 140). Grande novidade apresenta Jesus em seu itinerário pedagógico. Ele não só oferece um instrumental para o seguimento, um conjunto de verdades, mas Ele mesmo se coloca como caminho, verdade e vida (cf. Jo 8, 32; 12, 50; 14, 6). O mestre de Nazaré é aquilo que Ele mesmo anuncia e realiza. É o pão da vida, o vinho novo, a luz do mundo, a ressurreição. Sua fala possuía autoridade de mestre e simplicidade capaz de mesmo os humildes a apreenderem.1 Jesus prima por fazer seus seguidores perceberem as manifestações de Deus e descobrirem sua vontade. Ele leva a entender que elas são momentos de adesão e conversão. No seu caminhar histórico narrado pelos evangelistas, Jesus sempre ensina a partir da realidade, da vida como ela se apresenta. Não uniformiza sua pedagogia; pelo contrário, Ele sabe perceber o grau da caminhada de cada um, respeitando o processo [os mais diversos] que cada pessoa fazia e, com isso, apresenta o projeto do Pai. Numa palavra, Jesus forma cada um conforme sua história, seu jeito de ser, seus limites na compreensão e assimilação. Ele também questiona de modo profundo todos os interpelados, levando-os a tomarem consciência de si mesmos. Jesus olha a pessoa, não lhes tira o protagonismo. Em vez disso educa pela e para a ação. Tira as pessoas da passividade, da resignação.2 A pedagogia de Jesus é libertadora. Quer levar a pessoa a perceber os sinais de Deus na história e a assumir o protagonismo da própria vida, capacitando-a a perceber a preeminência do Reino de Deus. Sua pedagogia é a do convite, mas, sobretudo, do seguimento, como atesta o evangelista Marcos (8,3435): “Chamando a multidão, juntamente com seus discípulos, disse-lhes: ‘Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois aquele que quiser salvar a sua vida a perderá; mas o que perder sua vida por causa de mim e do evangelho, a salvará’”. O convite feito por Jesus exige renúncia, mas Ele oferece o Espírito Santo, que dá aos discípulos e à Igreja
Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Catequistas para catequese com adultos: processo formativo. São Paulo: Paulus, 2007 (Série Estudos da CNBB, n. 94), p. 108. 2 Cf. Ibid., pp. 110-112.
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS a possibilidade de acolher sua Palavra. Graças ao Espírito Santo, o discípulo alcança a sua progressão na fé e, como diz o documento conciliar Gravissimum Educationis, é capaz de atingir ou desenvolver a educação divina que recebeu da catequese e também da experiência (DGC 140). A conclusão da pedagogia divina chega a seu término quando o “discípulo atinge o estado de homem perfeito, à medida da estatura da plenitude de Cristo (Ef 4,13)” (DGC 142). Assim, a catequese inspira-se nesta pedagogia entre o divino e o humano. Este encontro conduz o homem à salvação. Leva-o a perceber a progressão da Revelação e a centralidade de Jesus Cristo. No mais, leva o mesmo homem a fazer a experiência da fé vivida na comunidade e no mundo. É uma catequese que interage com as mais diversas situações com a Palavra. Leva o sujeito à comunhão com Deus, fazendo-o perceber como ele tem agido na história (DV 2). A catequese torna-se, assim, uma continuação do evangelho de Jesus, impulsionada pelo Consolador, que quer conduzir ao Pai o homem maduro em sua fé (DGC 142). A catequese, deste modo, será percebida como comunicação da revelação de Deus e colocada a serviço da fé, com a reta intenção de transmitir e também educar (CT 58).
2 JESUS NOS CAMINHOS DA HUMANIDADE O trecho do evangelho escrito por Lucas narra o caminho para Emaús e serve como itinerário. É preciso olhar atentamente para ele para perceber como a Catequese com Adultos deve acontecer: Eis que dois deles viajavam nesse mesmo dia para um povoado chamado Emaús, a sessenta estádios de Jerusalém; e conversavam sobre todos esses acontecimentos. Ora, enquanto conversavam e discutiam entre si, o próprio Jesus aproximou-se e pôsse a caminhar com eles; seus olhos, porém, estavam impedidos de reconhecê-lo. E ele lhes disse: ‘Que palavras são essas que trocais enquanto ides caminhando?’ E eles pararam, com o rosto sombrio. Um deles, chamado Cléofas, perguntou-lhe: ‘Tu és o único forasteiro em Jerusalém que ignora os fatos que nela aconteceram nestes dias?’ ‘Quais?’, disse-lhes ele. Responderam: ‘O que aconteceu a Jesus, o nazareno, que foi profeta poderoso em obras e palavras diante 3
de Deus e do povo: como nossos sumos sacerdotes e nossos chefes o entregaram para ser condenado à morte e o crucificaram. Nós esperávamos que fosse ele quem redimiria Israel, mas, contudo isso faz três dias que todas essas coisas aconteceram! É verdade que algumas, mulheres, que são dos nossos, nos assustaram. Tendo ido muito cedo ao túmulo e não tendo encontrado o corpo, voltaram dizendo que haviam tido uma visão de anjos a declararem que ele está vivo. Alguns dos nossos foram ao túmulo e encontraram as coisas tais como as mulheres haviam dito; mas não o viram!’ Ele, então, lhes disse: ‘Insensatos e lentos de coração para crer tudo o que os profetas anunciaram! Não era preciso que o Cristo sofresse tudo isso e entrasse em sua glória?’ E começando por Moisés e percorrendo todos os profetas, interpretou-lhes em todas as escrituras o que a ele dizia respeito. Aproximando-se do povoado para onde iam, Jesus simulou que ia mais adiante. Eles, porém, insistiram, dizendo: ‘permanece conosco, pois cai à tarde e o dia já declina’. Entrou então para ficar com eles. E, uma vez à mesa com eles, tomou o pão, abençoou-o, depois partiu-o e deu-o a eles. Então seus olhos se abriram e o reconheceram; ele, porém, ficou invisível diante deles. E disseram um ao outro: ‘Não ardia o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho quando nos explicava as Escrituras?’ Naquela mesma hora, levantaram-se e voltaram para Jerusalém. Acharam aí reunidos os Onze e seus companheiros, que disseram: ‘É verdade! O Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!’ E eles narraram os acontecimentos do caminho e como haviam reconhecido na fração do pão. (Lc 24, 13-35).3
Diante do enorme influxo de informações que o adulto recebe numa catequese que não o trata como tal, nem parte de seus problemas, está fadada ao fracasso. A catequese precisa olhar para o caminho de Emaús e buscar nele sua inspiração. O sentimento que perpassa o coração dos discípulos é de desânimo e frustração devido à morte de Jesus. Mas se passa em seus corações um sentimento anterior, pois em Jesus estava a esperança de uma radical mudança na vida das pessoas. O contexto vivido é de espera messiânica e apocalíptica, uma vez que este povo tem uma longa e sofrida história de dominação. Uma vida cheia de opressão e escravidão suscitou no coração das pessoas o desejo de um salvador. Como relata Mt 9, 36, as multidões estavam cansadas e abatidas. Na caminhada para Emaús a tristeza impera, pois a esperança daqueles discípulos não se cumprira. Estão, além de desanimados, confusos, visto o comentário de
BÍBLIA. A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002. São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 105 - 112, jan. / jun. 2013.
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS algumas mulheres terem encontrado o sepulcro vazio. Encontram-se como que lentos de coração porque, empedernidos pelo sofrimento e história de opressão, sentem a frustração diante da perda do mestre no qual haviam colocado toda esperança. Diante disso, o caminho a se fazer é o da volta para casa. Jesus deles se aproxima e, lenta e respeitosamente, vai entrando em sua conversa, em suas vidas. Ele se coloca na mesma posição que os discípulos e demonstra interesse por suas vidas, suas histórias, por isso faz perguntas. A caminhada de Emaús possibilita a catarse nos discípulos, ou seja, leva seus amigos a expressarem aquilo que se passa em seus corações, suas angústias, medos, desesperanças.4 Importante lembrar que Jesus faz o mesmo caminho que seus amigos, no entanto, eles não percebem sua presença. E não a percebem porque necessitam de um sinal, como ocorreu em muitos outros casos onde a presença e o poder de Jesus só era percebido ou crido mediante algum sinal.5 Ao buscar saber o que se passa, os discípulos fazem o primeiro anúncio, que é o evento da crucifixão. Eles apresentam Jesus como um poderoso profeta, um enviado de Deus. Apresentam aqui duas imagens de Jesus. O advento de um messias gerava variadas imagens: messias rei, messias santo ou sacerdote, messias subversivo, doutor, juiz.6 Quando contam a vida de Jesus, resumem-na em quatro pontos fundamentais: sua vida de ação, suas palavras, sua presença diante de Deus e diante do povo. Seguem a narrativa expressando a indignação com o desfecho, pois depois da morte já haviam se passado três dias. Na concepção judaica daquela época pensava-se que ao atingir o terceiro dia o cadáver começava a se decompor. Desta maneira, não havia mais nenhuma esperança. Jesus se coloca no caminho dos homens, mas eles ainda são incapazes de perceber. Jesus lhes favorece, ao longo da caminhada, a possibilidade de outra leitura dos fatos que se sucederam à leitura verdadeira. Lança luzes sobre tudo o que havia ocorrido, tira-lhes a visão negativista. Sua pedagogia visa ajudar a descobrir, “desocultar” e reinterpretar a realidade. Mostra que aquele fracasso é apenas 4
aparente. O mestre de Nazaré abre os horizontes daqueles homens sofridos, cegados pelo desânimo. Ele alimenta a utopia, traz de volta a esperança, resgata a dignidade humana ao reavivar a esperança militante e a aposta na vida, também propicia o despertar da consciência ética e do colocar-se a serviço da dinâmica da vida.7 O pedagogo da humanidade quer levar seus seguidores/amigos a acreditarem em si e no poder da vida, capaz de transcender a realidade. Quer mostrar com sua ressurreição que nenhum império dura para sempre e muito menos vence o poder da vida, o plano de Deus, o próprio Jesus. Há uma grande conscientização.
3 O CATEQUISTA COM ADULTOS CAMINHA JUNTO A responsabilidade primeira da Catequese com Adultos é da comunidade cristã. Cabe a ela prover pessoas e instrumentos necessários para que a catequese aconteça.8 O olhar deve, entretanto, voltarse também aos catequistas e, de modo especial, os de adulto. Por mais e melhores que sejam os catecismos, o catequista tem valor essencial e primário. O catequista com adultos é chamado a mirar-se no exemplo de Jesus e de sua pedagogia para levar a bom termo sua vocação e ministério na catequese. É preciso perceber as ações de Jesus no trato com os adultos para também ele, o catequista, reproduzir sua ação. Jesus vai ao encontro do adulto, quer dele uma atitude de seguimento e compromisso. O nazareno despertava no coração das pessoas o desejo de que o Reino de Deus se realizasse. Assim precisa ser o catequista com adultos: despertar no coração do adulto a vontade de lutar para que a justiça do Reino aconteça. Jesus vai ao encontro das pessoas onde elas se encontram: no mar da Galileia para chamar Pedro e André (Mt 4, 18-19); vai ao encontro de Levi na coletoria de impostos (Mc 3, 13-14); vai à casa de Zaqueu. Ele encara a todos, interpelando-os quanto ao seguimento. Não diferente deve ser a postura da pessoa que se
Cf. MÉIER, Celito. A educação à luz da pedagogia de Jesus de Nazaré. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 68. Cf. STORNIOLO, Ivo. Como ler o Evangelho de Lucas. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 212. 6 Cf. Ibid., pp. 212-213. 7 Cf. MÉIER, op. cit., p. 69. 8 Cf. ALBERICH, Emílio. Catequese evangelizadora: manual de catequética fundamental. São Paulo: Salesiana, 2004, p. 219. 5
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS sente chamada a exercer o ministério de catequista com adultos.9 Outros fatos ilustram bem a pedagogia de Jesus com os adultos. Em Jo 1, 35-41, quando interpela dois dos discípulos de João, Jesus propõe que observem e encontrem aquilo que procuram; num outro episódio temos a cura de um cego (Jo 9, 1-41). Aqui a figura do cego representa aqueles e aquelas que têm suas vidas modificadas a partir do encontro com o Salvador. Este fato desperta tamanha confusão que é pedida a presença dos pais daquele cego. Os pais, aos serem questionados, indicam que o filho já é adulto e, por isso, capaz de assumir as responsabilidades de sua vida, e fazem isso para isentarem-se da marginalidade resultante do fato de reconhecerem a ação de Jesus.10 A chave é mesmo tratar o adulto como adulto e deixar que ele o seja, pois a tentação é querer direcioná-lo, manipulá-lo, reproduzindo modelos de catequese infantil que, em muitos casos, acaba por infantilizar e descaracterizar o adulto. Muitos exemplos ainda podem ser dados sobre a catequese feita por Jesus. O catequista com adulto se encaixa aqui. Ele é também chamado a ir ao encontro do adulto, com suas angústias e esperanças. Nesse encontro são fundamentais a escuta, a sensibilidade e a compreensão, para daí estimular a ânsia de conhecer Jesus. Quando o adulto enxerga o mundo na ótica de Jesus, ele não mais aceita as injustiças cometidas, sobretudo com os menores do Reino. Assim como o mestre de Nazaré, o catequista com adulto não impõe doutrina, mas favorece ou possibilita que os adultos tomem suas próprias decisões. Como os discípulos de João, os adultos sentem a necessidade de eles mesmos descobrirem o que procuram. O adulto vai buscar fazer a experiência do evangelho vivo. Só precisam ser motivados para isso. Mais ainda. O adulto é o diretor de sua vida. Desta feita, a catequese não pode se fiar na mera repetição ou instrução. A catequese deve ser seara da conversão, iniciação e formação, onde o adulto manifesta o que pensa e espera. É preciso dar espaço para que sua voz ecoe e ressoe na vida da comunidade.
O catequista com adulto precisa manter sua espiritualidade equilibrada, cuja fonte é, sem dúvida, a Palavra. Todavia, não basta apenas conhecer, mas refleti-la na realidade onde está, pois sua espiritualidade não pode estar desencarnada, alienada do meio em que vive.11 Esse catequista precisa ver o adulto como parceiro na caminhada catequética. Ao modo de Jesus, também o catequista deve estar atento à inquietação existencial profunda que cada um traz consigo, pois a catequese não será autêntica se estiver à margem do desejo e da inquietude do adulto. Para educar na fé é necessário o diálogo, a interação, o conhecimento da realidade12, pois daí, o catequista perceberá em que o catequizando adulto, como acontece muitas vezes, está desacreditado de si e da realidade que o cerca. Ele perceberá a situação que se encontra e que urge romper com todas as forças que o aprisionam. O catequista, então, suscita-o a querer sempre mais, a superar a mediocridade e a despertar a consciência; ele o leva a uma mudança de vida, de rumo, a assumir todas as potencialidades humanas para aquilo que ele clama.13 O catequista age como um articulador nesse processo de reiniciação, que está pronto para colher o outro e levá-lo a fazer a experiência da grande família. Daí a compreensão frente ao caminhar do adulto, ora mais lento, ora mais dinâmico. Conduz o adulto a assumir sua história, suas responsabilidades, a elaborar ou dar novo sentido ao projeto de vida iluminado pela Boa Notícia trazida por Jesus e, acima de tudo, o catequista terá sensibilidade para saber compreender os limites de modo a extrair deles o crescimento da pessoa.14 Méier, ao falar do catequista, vai assim se expressar: [Ele, o catequista] é [...] marcado pela esperança na possibilidade de um novo espírito humano. Esta é sua causa fundamental: investir o melhor de seu tempo e energia na formação de um novo ser, construtor de uma sociedade marcada pela inclusão e pelas relações intersubjetivas, balizadas pelos valores da ética universal.15
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Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Com adultos catequese adulta. São Paulo: Paulus, 2001 (Série Estudos da CNBB, n. 80). 10 Cf. BORTOLINI, José. Como ler o Evangelho de João: o caminho da vida. São Paulo: Paulus, 2004, pp. 98-99. 11 Cf. CNBB, 2007, p. 125. 12 Cf. MÉIER, op. cit., p. 59. 13 Cf. Ibid., p. 39. 14 Cf. CNBB, 2007, p. 114. 15 MÉIER, op. cit., pp. 38-39. São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 105 - 112, jan. / jun. 2013.
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS Fará isso na maior humildade, pois quem está na dianteira é o catequizando e não o catequista. Aqui não se visa a autopromoção, mas a nova pessoa que está sendo iniciada, porque o que se faz necessário para que o adulto possa mesmo ser iniciado ou reiniciado é a certeza de que alguém não só nele acredita, mas investe nele para que tome este espírito novo.
4 CONHECER JESUS PELA PALAVRA Continuando o itinerário de Emaús, é perceptível que, quando não se nota a presença do Filho do Homem nos caminhos da humanidade, outra possibilidade é conhecê-lo pelas Escrituras, conforme diz o texto: “Insensatos e lentos de coração para crer tudo o que os profetas anunciaram! Não era preciso que o Cristo sofresse tudo isso e entrasse em sua glória?” E começando por Moisés e percorrendo todos os profetas, interpretou-lhes em todas as escrituras o que a ele dizia respeito (Lc 24, 25-27). O pedagogo de Emaús aponta as Escrituras como meio de entender sua vida e missão. Nela está contido o percurso histórico do Messias. A bíblia explicita o projeto de Deus para o homem, realizado pelo Filho do Carpinteiro e seu fim trágico. Vai além. Por meio da bíblia, Jesus mostra aos discípulos de Emaús tudo o que a Ele se referia. Deste fato, tem-se a comprovação de tudo aquilo que as Escrituras anunciaram.16 Mostra ainda que as comunidades primevas descobriram o sentido da existência de Jesus em sua leitura. Desse costume também surge a liturgia da palavra em nossas celebrações hoje. A bíblia é o segundo lugar por excelência onde podemos perceber a presença do ressuscitado. A leitura comunitária da Palavra de Deus favorece o encontro com Jesus e dá sentido à vida.
5 A PALAVRA DE DEUS ILUMINA A VIDA E A REALIDADE A catequese com adultos, como toda catequese, tem como texto fundamental a bíblia. Mas não basta a sua 16
leitura. O catequista com adulto, além de buscar conhecer a Sagrada Escritura, deve favorecer que o adulto também faça uma leitura adulta da mesma. É na bíblia que a catequese com adultos encontra luzes para caminhar. Sabe-se hoje que as Escrituras passam por diversos tipos de leitura, as mais variadas. Sendo assim, o zelo é fundamental. Foi escrita para adultos e por adultos.17 Mais e mais hoje se nota um resgate da Palavra de Deus, tanto que ela está presente nos círculos bíblicos, nos grupos de reflexão, Campanha da Fraternidade, novenas etc. Ela conduz o ser humano ao descobrimento dos sinais de Deus nas situações históricas. Muitos a vêem de forma mágica ou mitológica. Seu processo de confecção brota da vida humana, não isento de lutas e sofrimentos, vitórias, esperanças, frustrações e certezas. Foi redigida a partir das experiências de Deus feitas na história e que o povo foi sendo capaz de perceber, seguindo as orientações dos profetas.18 Ela é destinada aos adultos, visto serem eles capazes de ler os sinais de Deus e instruir as crianças através dos momentos em que a Palavra era celebrada. Também era missão dos adultos garantir a transmissão de geração em geração. Não apenas transmitir, mas mantê-la viva. Respeitados os limites impostos pela cultura e pela época, a bíblia interpela os adultos, provocando-os a uma reflexão mais consistente a respeito dos problemas de hoje; chama-os a assumir suas responsabilidades e a uma posição frente às situações socioculturais vigentes.19 O documento de Puebla, em seu n. 997 diz: “a catequese deve iluminar com a Palavra de Deus as situações humanas e os acontecimentos da vida, para neles fazer descobrir a presença ou ausência de Deus”20, ou seja, está ligada estritamente à vida do ser humano. No contexto brasileiro, onde se tem notícias de situações de pobreza, injustiças, má distribuição de renda, aniquilamento da vida, parece ser mais interessante que o adulto faça uma leitura na perspectiva do pobre. É claro que existem outros modos de lê-la, a saber: leitura espiritualista, intimista, fetichista e outros. Todavia, se se compara o tempo de hoje com o tempo de Jesus, percebendo a orientação dos profetas, a perspectiva mais adequada é a dos pobres.21
Cf. STORNIOLO, op. cit., pp. 213-214. Cf. CNBB, 2001, p. 33. 18 Cf. Ibid., p. 34. 19 Cf. Ibid., pp. 14-16. 20 CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Segunda semana brasileira de catequese. São Paulo: Paulus, 2002, p. 458. 21 Cf. Ibid., p. 460. 17
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS O adulto, quando entra em contato com a Palavra e faz uma experiência cristã de Deus, não se conformará em ver as injustiças que impedem a progressão do Reino e ele mesmo denunciará tudo aquilo que fere a dignidade humana. O catequista com adulto leva o catequizando a ampliar sua compreensão da Sagrada Escritura, pois este percebe que o convite contido na bíblia é o de agir não apenas na comunidade eclesial, como muitos pensam, mas, sobretudo, florescer no mundo, ou seja, o Reino de Deus principia a paz e a justiça, a fraternidade e a igualdade. O Reino também não é a Igreja; ele é bem maior, não se sujeitando às estruturas. Assim, a bíblia torna-se fonte de conscientização que leva ao compromisso de transformação do mundo.22 Esta leitura conduz o adulto à responsabilidade de cocriador e mantenedor da obra de Deus, participando “na” e “da” história da salvação.
6 FAZER A EXPERIÊNCIA DA PARTILHA E DA IGREJA Seguindo a caminhada da Emaús23, há agora duas imagens fundamentais: a da partilha e a da Igreja reunida. Segue o texto: Aproximando-se do povoado para onde iam, Jesus simulou que ia mais adiante. Eles, porém, insistiram, dizendo: ‘Permanece conosco, pois cai à tarde e o dia já declina’. Entrou então para ficar com eles. E, uma vez à mesa com eles, tomou o pão, abençoou-o, depois partiu-o e deu-o a eles. Então seus olhos se abriram e o reconheceram; ele, porém, ficou invisível diante deles. E disseram um ao outro: ‘Não ardia o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho quando nos explicava as Escrituras?’ Naquela mesma hora, levantaram-se e voltaram para Jerusalém. Acharam aí reunidos os onze e seus companheiros, que disseram: ‘é verdade! O Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!’ E eles narraram os acontecimentos do caminho e como haviam reconhecido na fração do pão (Lc 24, 28-35).
Jesus caminha com os discípulos e os conduz à mesa onde será abençoado e partilhado o pão. Neste encontro temos de modo simplificado, a celebração da
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eucaristia. Entrementes, para que Jesus seja reconhecido na caminhada, o discípulo precisará caminhar com Ele e aceitar sua proposta de salvação. Os discípulos caminharam com Jesus, mas parece não ter bastado, pois o mestre ainda não é reconhecido. Na verdade, o que faz os discípulos o reconhecerem é a partilha, a doação, a entrega. A partilha constitui a alma de toda obra redentora do Cristo. Jesus partilhou o que era (livre) e tinha (vida) para que todos tivessem liberdade e vida. Com isso, a Eucaristia torna-se sinal do mundo novo, mundo onde as relações que imperam são a fraternidade e a partilha igualitária. A partilha faz brotar o novo mundo e a nova história, acabando com aquele sistema opressor que no começo do caminho de Emaús afligia os discípulos. Com a partilha, a esperança se renova e a vida ganha novo sentido, pois é sinal de justiça em meio aos homens. Motivados por esta experiência maravilhosa, os discípulos agora voltam para testemunhar Jesus ressuscitado. Tal testemunho vem clarear a certeza: o mestre, o messias salvador ressuscitou realmente. Tanto catequista quanto catequizando, quando fazem uma experiência de Jesus, sentem a necessidade de se reunir com a Igreja, pois ela tem a missão de anunciar a Boa Nova. Todavia, é importante perceber que na pedagogia de Emaús, Jesus não apresenta a Igreja; apenas vai caminhando. A resposta dada pelos discípulos é fruto de um processo maduro, respeitador e livre. Participar da Igreja não pode ser condição prévia para que a catequese aconteça. O catequizando precisa sentir vontade de participar da vida eclesial e ele mesmo dará, a seu tempo, sua resposta. O catequista precisa compreender a história do catequizando; não ditar seus passos, mas caminhar com ele, a exemplo de Jesus.
7 A IGREJA COMO TRANSMISSORA DA REVELAÇÃO Os discípulos de Emaús partem para junto de seus amigos não só para anunciar o ressuscitado, mas também para fazer parte daquela comunidade que, ao longo do tempo, tornou-se Igreja. Movida pelo
Cf. CNBB, 2002, pp. 461-462. Neste pequeno tópico usaremos mais de perto a seguinte referência: STORNIOLO, op. cit., pp. 213-215 e CNBB, 2001, pp. 38-41. São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 105 - 112, jan. / jun. 2013.
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS aprendizado com o mestre e o compromisso do seguimento, a Igreja passou a ser, também ela, transmissora da Revelação amorosa e salvadora de Deus. Assim diz o documento conciliar Dei Verbum sobre a Igreja como sendo a transmissora da revelação: Deus dispôs com suma benignidade que aquelas coisas que revelara para a salvação de todos os povos permanecessem sempre íntegras e fossem transmitidas a todas as gerações. Por isto o Cristo Senhor, em quem se consuma toda revelação do sumo Deus (2Cor 1, 10; 3, 16-4, 6), ordenou aos apóstolos que o evangelho prometido antes pelos profetas, completado por eles e por sua própria boca promulgado, fosse por eles pregado a todos os homens como fonte de toda verdade salvífica e de toda disciplina de costumes, comunicando-lhes dons divinos.24
Jesus é a plenitude desta revelação. O mesmo que rumou a Emaús, que almoçou em casa de Zaqueu, que chamou Levi. Esta revelação é destinada a todas as pessoas, pois “Deus quer que todos os
homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2, 4). Assim, para favorecer tal conhecimento da revelação, Jesus instituiu a Igreja fundamentando-a nos apóstolos. Jesus vai mais longe. Envia sobre seus apóstolos o Espírito Santo para animá-los na nova missão, encorajando-os e os impulsionando frente aos muitos desafios que certamente iriam encontrar (DGC 140). Ora, esta tradição apostólica é perpetuada na e pela Igreja. É sabido que falar de Igreja é falar de todos os seus membros e não pura e simplesmente da Igreja como instituição, mas com seus fiéis e pastores. Todos são chamados a zelar por esta transmissão. O Paráclito fecunda a Igreja, propiciando a ela maior compreensão do evangelho para que, cada vez mais, anuncie esta Boa Nova ao mundo. O Espírito Santo assume ainda a função de sustentar o magistério da Igreja a fim de que possa ter uma compreensão o mais fiel possível dos escritos sagrados. A Igreja torna-se, assim, sacramento universal de salvação, uma vez que sua missão essencial é o anúncio da revelação através da evangelização (DGC 142).
REFERÊNCIAS BÍBLIA. A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002. ALBERICH, Emílio. Catequese evangelizadora: manual de catequética fundamental. São Paulo: Salesiana, 2004. BORTOLINI, José. Como ler o evangelho de João: o caminho da vida. São Paulo: Paulus, 2004. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Catequistas para catequese com adultos: processo formativo. São Paulo: Paulus, 2007 (Série Estudos da CNBB, n. 94). ______. Com adultos, catequese adulta. São Paulo: Paulus, 2001 (Série Estudos da CNBB, n. 80). ______. Segunda Semana Brasileira de Catequese. São Paulo: Paulus, 2002. (Série Estudos da CNBB, n. 84).
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C ONGREGAÇÃO PARA O C LERO. Diretório Geral para a Catequese. São Paulo: Paulinas, 1998. CONSTITUIÇÃO Dei Verbum sobre a revelação divina. In: C O N C Í L I O V AT I C A N O II. 1962-1965. Vaticano II: mensagens, discursos, documentos. São Paulo: 2007. MÉIER, Celito. A educação à luz da pedagogia de Jesus de Nazaré. São Paulo: Paulinas, 2006. STORNIOLO, Ivo. Como ler o Evangelho de Lucas. São Paulo: Paulinas, 2004.
CONSTITUIÇÃO Dei Verbum sobre a revelação divina. In: CONCÍLIO VATICANO II. 1962-1965. Vaticano II: mensagens, discursos, documentos. São Paulo: 2007, n. 7.
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS YOUCAT: O CATECISMO JOVEM DA IGREJA CATÓLICA Renato Tarcísio de Moraes Rocha*
INTRODUÇÃO O nome YOUCAT deriva da fusão de duas palavras inglesas: youth (jovem) e catechism (catecismo); portanto, catecismo dos jovens, direcionado aos jovens. Embora divulgado desde 2010, o catecismo da Igreja Católica na versão juvenil está em íntima sintonia com as motivações expressas na Carta Apostólica Porta Fidei (a Porta da Fé), na qual o Papa Bento XVI proclama o Ano da Fé, com início em 11 de outubro de 2012 e término em 24 de novembro de 2013, quando se celebra a Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo. A data de abertura do Ano da Fé corresponde à data do discurso de abertura do Concílio Vaticano II, Gaudet Mater Ecclesia (a Mãe Igreja se alegra), realizado pelo Papa João XXIII no ano de 1962. Além do cinquentenário conciliar, nessa data também se comemora os vinte anos da publicação do Catecismo da Igreja Católica. Segundo Bento XVI, “o Ano da Fé deverá exprimir um esforço generalizado em prol da redescoberta e do estudo dos conteúdos fundamentais da fé, que têm no Catecismo da Igreja Católica a sua síntese sistemática e orgânica”.1 Objetiva-se com o presente artigo uma breve reflexão sobre a importância do YOUCAT não somente no contexto do Ano da Fé, mas para o processo de educação da fé, ou ainda, para a catequese entendida como um tempo específico no quadro da iniciação à fé cristã. Para tanto, o artigo se divide basicamente quatro partes: as origens do YOUCAT, a sua função, a sua estrutura e a sua linguagem específica.
1 AS ORIGENS DO YOUCAT Todo o YOUCAT é baseado no Catecismo da Igreja Católica, cuja ordem de publicação é de 11 de outubro de 1992, por meio da Constituição Apostólica Fidei depositum (O depósito da Fé) de João Paulo II. Nessa constituição, disposta nas primeiras páginas do Catecismo da Igreja Católica, além da introdução e breve conclusão, o papa trata do itinerário e do espírito da redação, da distribuição da matéria e do valor doutrinal do texto. Para uma correta compreensão do Catecismo, é importante situá-lo no contexto de renovação teológica e pastoral do Concílio Vaticano II, o qual, fiel à tradicional guarda do depósito da fé, colocou em evidência a missão apostólica e pastoral da Igreja, buscando conduzir todos os homens à procura e ao acolhimento do amor de Cristo, amor excedente a toda a ciência. O Papa João XXIII havia confiado ao Concílio não somente a tarefa de guardar o depósito da doutrina cristã, mas de apresentá-lo melhor aos fiéis e a todos os homens de boa vontade. O objetivo não era mais anatematizar os erros da época, mas mostrar, de maneira serena, a força e a beleza da doutrina da fé, especialmente em diálogo com o mundo. Por ocasião do vigésimo aniversário do encerramento do concílio, o papa João Paulo II convocou, em 25 de janeiro de 1985, uma Assembleia Extraordinária do Sínodo dos Bispos, com o objetivo de “celebrar as graças e os frutos espirituais do Concílio Vaticano II, aprofundar o seu ensinamento para aderir melhor a ele e promover o conhecimento e a aplicação do mesmo”.2
* Salesiano, bacharelando em teologia no UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São Paulo – Campus Pio XI, licenciado em Pedagogia pelo UNISAL (Campus Lorena) e em Filosofia pela Universidade Sagrado Coração (USC). Artigo submetido à revisão em 01.02.13 e aprovado em 15.02.2013. 1 BENTO XVI. Porta Fidei. Carta apostólica com a qual se proclama o ano da fé. São Paulo: Paulus, 2011, n. 11. 2 JOÃO PAULO II. Constituição Apostólica “Fidei depositum”. In: CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. 6. ed. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Loyola; Paulinas; Ave-Maria; Paulus; 1993, p. 8.
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS Durante a Assembleia, os padres sinodais manifestaram o desejo de composição de um Catecismo ou compêndio de toda a doutrina católica, tanto em matéria de fé quanto de moral. Ensejava-se uma apresentação bíblica e litúrgica da doutrina, uma doutrina sã e adaptada à vida atual dos cristãos. O futuro Catecismo é entendido como uma contribuição importante para o processo de renovação da vida eclesial desejada pelo Concílio Vaticano II. A elaboração do Catecismo ocorreu em seis anos, marcados por intenso trabalho, num clima de abertura e apaixonado ardor. O projeto para o Catecismo, requerido pelos Padres do Sínodo, foi confiado pelo papa, em 1986, à comissão de doze cardeais e bispos. A comissão principal, presidida pelo Cardeal Joseph Ratzinger, foi auxiliada por uma comissão de redação formada por sete bispos diocesanos e peritos em teologia e catequese. O Catecismo é resultado da colaboração de todo o Episcopado da Igreja Católica, pois foram consultados todos os bispos, as Conferências Episcopais ou Sínodos, bem como os institutos de teologia e de catequética. O Catecismo reflete a natureza colegial do Episcopado, ou ainda, a sua realização foi sinal da catolicidade da Igreja, uma sinfonia da fé formada por várias vozes, como exprime João Paulo II: “o concurso de tantas vozes exprime verdadeiramente aquela que se pode chamar a ‘sinfonia’ da fé. A realização deste Catecismo reflete, deste modo, a natureza colegial do Episcopado: testemunha a catolicidade da Igreja”.3 Quanto ao valor doutrinal do texto, o Catecismo da Igreja Católica é concebido como um válido e legítimo instrumento a serviço da comunhão eclesial, bem como norma segura para o ensinamento da fé. Segundo João Paulo II, o Catecismo “é uma exposição da fé da Igreja e da doutrina católica, testemunhadas ou iluminadas pela Sagrada Escritura, pela Tradição apostólica e pelo Magistério da Igreja”.4 Tanto a aprovação quanto a publicação estão a serviço da sustentação e da confirmação da fé de todos os discípulos do Senhor Jesus. O Catecismo está a serviço da unidade, ou melhor, do reforço dos laços de unidade em torno da mesma fé, a herdada dos apóstolos. Resguardada a
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unidade da fé e a fidelidade doutrinal, o texto do Catecismo é sugerido pelo papa como referência para a redação de catecismos locais, voltados à diversidade de situações e culturas.
2 O PAPAEL DO YOUCAT NA CATEQUESE Assim como o texto do Catecismo da Igreja Católica possui um valor doutrinal, também o YOUCAT, enquanto texto derivativo, o tem. Não obstante o incentivo à retomada e à valorização do Catecismo, na Carta Apostólica Porta Fidei há uma forte acentuação no valor subjetivo da fé, na experiência da fé propriamente dita. Assim afirma Bento XVI: “Sucede não poucas vezes que os cristãos sintam maior preocupação com as consequências sociais, culturais e políticas da fé do que com a própria fé, considerandoa como um pressuposto óbvio da sua vida diária”.5 Acentua-se, desse modo, num primeiro momento a fides qua, ou seja, a fé-experiência ou fiducial; num segundo momento vem a fides quae, a fé-palavra ou dogmática.6 A redescoberta do caminho da fé faz brilhar a alegria e o entusiasmo sempre renovado do encontro com a pessoa de Cristo. Na realidade, deve-se entender o papel do YOUCAT não apenas na catequese em sentido estrito, mas no quadro mais abrangente da iniciação à vida cristã ou do catecumenato pré-batismal, composto por tempos e etapas específicas.7 A catequese inspirada pelo processo catecumenal, existente desde o início da Igreja e na época dos Santos Padres, é uma ação gradual a se realizar em quatro tempos: o précatecumenato (momento do primeiro anúncio, da explicitação do querigma, da conversão e dos primeiros contatos com a comunidade cristã), o catecumenato propriamente dito (momento da catequese integral com reflexão, ensino e aprofundamento -, da entrega dos Evangelhos, da prática da vida cristã, das celebrações e do testemunho da fé), o tempo da purificação e iluminação (momento de preparação
JOÃO PAULO II, op. cit., p. 9. Ibid., p. 10. 5 BENTO XVI. op. cit., p. 4. 6 Cf. BOFF, Clodovis. Teoria do método teológico. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 30. 7 Cf. ALVES DE LIMA. Luiz. Palavra de Deus e catequese. Revista de Catequese 135 (2011) 6-21, p. 21. 4
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS próxima para os Sacramentos, de escrutínios e da entrega do Símbolo da Fé e da Oração do Senhor) e o tempo da mistagogia (momento de aprofundamento e mergulho no mistério cristão, no mistério pascal, na vida nova e na vivência comunitária).8 Nota-se claramente o fato da catequese pertencer a um segundo momento: o de aprofundamento da fé, com sentido densamente doutrinal, correspondente à fides quae. Antecede o momento ou o tempo da catequese propriamente dito o pré-catecumenato ou primeiro anúncio, o querigma. Mas o que é o querigma? O catequeta Alves de Lima explica o chamado querigma apostólico da seguinte maneira: A palavra quer designar em primeiro lugar o ato de proclamar, de anunciar um grande acontecimento: o advento, a chegada entre nós da salvação realizada em Jesus Cristo. Significa também o conteúdo ou objeto desta pregação, o centro ou núcleo da alegre mensagem cristã: o mistério da morte e ressurreição de Jesus, gesto reconhecido e professado como reconciliação do gênero humano com Deus, como redenção da humanidade e, como consequência, único caminho para se obter a salvação.9
O anúncio querigmático da morte e ressurreição de Cristo é o tema central dos primeiros escritos do Novo Testamento, considerando que os feitos e as palavras de Jesus foram escritos posteriormente. Outro ponto central do querigma neotestamentário é o anúncio da chegada do Reino de Deus como acontecimento, como efetivação da soberania real de Deus na história (em Cristo Jesus), em contraposição à soberania terrena. A característica principal do Reino é a realização da justiça, principalmente em favor dos pobres e marginalizados. Ao anúncio querigmático pertence o apelo à conversão, à mudança de mentalidade expressa no termo metanoia, utilizado nos escritos neotestamentários. Não se trata unicamente duma adesão intelectual ou da adesão da razão a uma verdade, mas duma conversão determinante do sentimento e da vontade que atinge em profundidade o coração, a dimensão afetiva da existência.
Considerada a sua etimologia, a palavra catequese significa fazer ressoar. No entanto, para a existência da ressonância é necessário um som, uma voz anterior ou um conteúdo prévio a ser ecoado. O grande problema surge quando a catequese, com característica doutrinal e magisterial, objetiva aprofundar algo inexistente previamente. Presume-se a existência do primeiro anúncio realizado pela família ou pelo ambiente sociocultural cristão. “A catequese, na prática, se transforma no ‘eco’ de um som que não foi emitido, de uma ‘voz’ que não foi pronunciada”.10 A catequese não é um simples verniz ou cursinho de admissão à Igreja, mas um itinerário exigente e prolongado de preparação, compreensão e acolhimento dos mistérios da fé e da vida nova em Cristo, vida celebrada na liturgia.11 Quanto à natureza específica da catequese, tomando por base o Catecismo da Igreja Católica e o Diretório Geral de Catequese, afirma o Diretório Nacional de Catequese (DNC): A finalidade da catequese é aprofundar o primeiro anúncio do Evangelho: levar o catequizando a conhecer, acolher, celebrar e vivenciar o mistério de Deus, manifestado em Jesus Cristo, que nos revela o Pai e nos envia o Espírito Santo. Conduz à entrega do coração a Deus, à comunhão com a Igreja, corpo de Cristo e à participação em sua missão.12
Como foi afirmado anteriormente, o YOUCAT, baseado no Catecismo da Igreja Católica, possui um valor doutrinal adequado, como instrumento, ao segundo tempo da iniciação à vida cristã. Em outras palavras, ele se presta ao momento de aprofundamento da fé após a recepção do primeiro anúncio, do encontro pessoal com o Cristo. A guisa de encerramento da reflexão sobre o papel do YOUCAT na catequese é pertinente a citação das poéticas palavras de Santo Agostinho logo na primeira página das suas Confissões: “Que eu te busque, Senhor, invocando-te; e que eu te invoque, crendo em ti: tu nos foste anunciado. Invoca-te, Senhor, a minha fé, que me deste, que me inspiraste pela humanidade de teu Filho, pelo ministério de teu pregador”.13
8 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretório nacional de catequese. Texto aprovado pela 43ª Assembleia Geral. Brasília: Edições CNBB, 2006, n. 46. 9 ALVES DE LIMA, Luiz. O que é o querigma? Revista de Catequese 109 (2005) 6-19, p. 9. 10 Ibid., p. 8. 11 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, op. cit., n. 37. 12 Ibid., n. 43. 13 SANTO AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Paulus, 1984, p. 15.
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS 3 A ESTRUTURA DO YOUCAT Dado o valor doutrinal do YOUCAT, a sua organização é destinada ao aprofundamento da fé, ao entendimento das razões da fé. Na carta prefacial do papa Bento XVI há a indicação clara dessa intencionalidade: “Tendes de saber em que credes. [...] Sim, tendes de estar enraizados na fé ainda mais profundamente que a geração dos vossos pais, para enfrentar os desafios e as tentações deste tempo com força e determinação”.14 O conteúdo da obra é articulado em quatro partes, semelhantemente ao Catecismo da Igreja Católica: em que cremos, como celebramos os mistérios cristãos, a vida em Cristo e como devemos orar. A fé possui três componentes principais: a experiência, a inteligência e a prática. Possui, portanto, algo de afetivo, de cognitivo e normativo. Na tradição teológica esses três componentes recebem a seguinte terminologia: fides qua (a fé-experiência, a fé fiducial), fides quae (a fé-palavra, a fé dogmática ou doutrinal) e fides informata (a fé-prática, a fé encarnada).15 Embora todo o texto do YOUCAT esteja destinado ao aprofundamento da fé, metodologicamente é possível identificar a primeira parte, o Credo (em que cremos), com à inteligência, com o aspecto cognitivo da fé (fides quae). A segunda parte, a Sagrada Liturgia (como celebramos os mistérios cristãos), e a quarta, a Oração Cristã (como devemos orar), relacionam-se à experiência, ao aspecto afetivo da fé (fides qua). A terceira parte, o agir cristão (a vida em Cristo com base nas bem-aventuranças e nos mandamentos), refere-se à prática, ao aspecto normativo da fé (fides informata). As quatro partes, embora distintas entre si, estão intrinsecamente unidas, pois o mistério cristão, enquanto objeto da fé (primeira parte), é celebrado e comunicado nos atos litúrgicos, principalmente na celebração dos sacramentos (segunda parte). O mesmo mistério deve iluminar o agir dos filhos de Deus (terceira parte), constituindo-se também como objeto de súplica, louvor e intercessão (quarta parte). Tanto no Catecismo quanto no YOUCAT é apresentada organicamente a unidade do mistério de Deus, o seu desígnio de salvação e, por conseguinte, a centralidade de Jesus Cristo, o Salvador enviado pelo Pai, o Salvador feito homem no seio da 14
YOUCAT. São Paulo: Paulus, 2011, p. 10. Cf. BOFF, op. cit., pp. 29-30. 16 Cf. YOUCAT, op. cit., p. 4. 17 Ibid., p. 288. 15
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Virgem Maria pela ação do Espírito Santo. A divisão do conteúdo no Catecismo e, por extensão, no YOUCAT implica a possibilidade da fé cristã ser compreendida (refletiva), celebrada, vivida e rezada. Toda a fé católica é apresentada no YOUCAT, como ocorre no Catecismo da Igreja Católica. Contudo, a apresentação é mais concisa, não ambicionando a profundidade observada no Catecismo. O conteúdo está disposto em 527 perguntas e respostas, sendo indicado no final das respostas, para aprofundamento do tema, o número ou os números correspondentes ao Catecismo. Os comentários após as respostas (em negrito) representam um auxílio suplementar para a compreensão das questões anteriormente levantadas. Todas as páginas possuem uma coluna lateral onde se encontram alguns elementos complementares, tais como citações da Sagrada Escritura, de santos, místicos, teólogos, filósofos, cientistas e escritores, citações de textos conciliares, gravuras e definições sintéticas. Nessas colunas são abundantes as referências a Bento XVI, o papa teólogo. Para facilitar a pesquisa de dados há, no final da obra, um índice de temas e nomes.16
4 A LINGUAGEM DO YOUCAT Inicialmente é interessante ressaltar as palavras, constantes no posfácio, do bispo Salesiano Dom Eduardo Pinheiro da Silva (presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Juventude, CNBB) sobre o direcionamento da obra aos jovens: “Quem ama é criativo e, sendo assim, o Papa que ama os jovens apresenta a eles a redação do Catecismo com linguagem mais comunicativa, visual mais atraente, permeado de fotos e figuras da realidade do povo e do mundo juvenil”. 17 Ele entende a obra como um verdadeiro presente aos jovens no ano dedicado à Fé, principalmente para os jovens brasileiros, haja vista o acontecimento da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) no Brasil (Rio de Janeiro) em 2013. Do encontro com os jovens de todo o mundo nas últimas Jornadas Mundiais da Juventude (Roma, Toronto, Colônia e Sidney) e a partir da observação do desejo de crer, da procura de Deus, do amor a Cristo e da vontade dum caminho de comunhão, surgiu, de
EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS acordo com as palavras de Bento XVI, um pensamento: “não deveríamos procurar traduzir o Catecismo da Igreja Católica na linguagem dos jovens, introduzindo as suas grandes afirmações no mundo dos jovens?”.18 Com base nesse contexto motivador e com a consciência da pluralidade juvenil, sob a orientação do arcebispo de Viena, Christoph Schönborn, surgiu um Catecismo Jovem, o YOUCAT. No intento duma linguagem acessível aos jovens, várias explicações em forma de analogia podem ser encontradas no YOUCAT. Já no prefácio, o papa utiliza duas analogias para falar da importância da compreensão das verdades de fé professadas: “Tendes de conhecer a vossa fé como um especialista em tecnologia domina o sistema funcional de um computador. Tendes de a compreender como um bom músico entende uma partitura”. 19 Na explicação complementar da primeira questão, sobre a razão de se estar no mundo (origem e destinação humana), há uma linguagem muito simples, direta e próxima da realidade juvenil: “Nós vimos de mais longe que dos nossos pais. Nós vimos de Deus, do qual provém toda a felicidade do Céu e da Terra, e somos esperados na Sua eterna e ilimitada bemaventurança”.20 Outro exemplo concerne à vigésima primeira questão, sobre a definição de fé. Além da explicitação da fé como conhecimento e esperança, no comentário suplementar, uma interessante comparação é estabelecida para clarificar os dois sentidos distintos do ato de crer: Se um paraquedista, no aeroporto, pergunta ao empregado: “O paraquedas está corretamente condicionado?”, e este casualmente responder: “Hum, creio que sim...”, isso então não lhe bastará; ele quer mesmo saber. Se, todavia, ele tiver pedido a um amigo para acondicionar o paraquedas, e este lhe responder à mesma pergunta: “Sim, eu pessoalmente encarregueime de o fazer. Podes confiar em mim!”, o paraquedista responder-lhe-á então: “Está bem, acredito em ti”. Esta fé é muito mais que “conhecimento”, ela significa “certeza”.21
Com relação à definição do sacramento da Confirmação e de seu efeito na vida do confirmado, é apresentada na exposição complementar uma comparação sensível ao meio juvenil: “Quando um treinador manda um jogador de futebol para o campo, põe-lhe a mão sobre o ombro e dá-lhe as últimas instruções. Assim também se pode compreender a Confirmação. É-nos posta a mão, entramos no campo da vida. Pelo Espírito Santo, sabemos o que temos a fazer [...]”.22 No tocante à frequência da participação do cristão católico na celebração eucarística, afirma-se na explicação complementar: “Na verdade, ‘obrigação de ir à Missa’ é para um cristão autêntico uma expressão tão inadequada como ‘obrigação de dar um beijo’ para quem está realmente apaixonado. Ninguém consegue ter uma relação viva com Cristo se não vai onde Ele espera por nós”.23 Muitos outros exemplos poderiam ser apontados para demonstrar o legítimo esforço de adequação das verdades da fé católica à linguagem juvenil. Em grande medida esse escopo é alcançado, porém, a continuidade do percurso, com vistas ao aperfeiçoamento constante, faz-se necessária. Muitos termos poderiam ser mais claros, algo possível com a adoção dum sinônimo substituto ou dum sinônimo mencionado logo em seguida, de forma a explicar o termo anterior. A análise de alguns termos corrobora essa ideia: viragem (n. 17), coevo (n. 39), onipotência (n. 40), lei ôntica (n. 45), néscio (n. 69), invulgar (n. 84), rizoma (n. 135), plenipotenciário (n. 137), côngrua (n. 211), zênite (n. 214), atempadamente (n. 393) e burla (n. 425). Não se trata de subestimar a inteligência ou capacidade dos jovens nem de nivelar a cultura por baixo, mas evitar o desinteresse pela dificuldade gerada na utilização desses termos. Não obstante a constante referência ao Catecismo da Igreja Católica para aprofundamento e as definições sintéticas nas colunas marginais, alguns temas teológicos poderiam ser mais bem explicados. Um bom exemplo é a questão sobre a consciência errônea, comentada no texto complementar da seguinte forma: “Deus não nos culpa pela desgraça que trazemos ao mundo se a nossa consciência estiver invencivelmente
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YOUCAT, op. cit., p. 9. Ibid., p. 10. 20 Ibid., op. cit., n. 1. 21 Ibid., n. 21. 22 Ibid., n. 203. 23 Ibid., n. 219. 19
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EXPERIÊNCIAS EXPERIÊNCIAS errônea”. 24 A questão da consciência é um tema complexo e caro à teologia moral, merecendo uma atenção nem sempre possível de ser dada brevemente. No entanto, de chofre, o que significa consciência errônea para um jovem ainda em processo de iniciação à vida de fé? Também a tradução merece uma revisão, pois algumas construções frasais seguem o estilo do português de Portugal, dificultando a leitura. Exemplo disso pode ser encontrado na questão sobre como Deus retira os homens da sucção do mal: “Deus não fica a assistir à forma sucessiva como o ser humano se destrói a si mesmo e ao seu ambiente, através da reação em cadeia do pecado”.25 Alguns termos gramaticais estão fora de lugar ou acentuados de maneira indevida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Nos limites próprios dum artigo não é tarefa simples apontar toda a riqueza e as fragilidades duma obra como o YOUCAT. Contudo, é possível elencar algumas considerações sintetizadas: • Há uma íntima relação entre o YOUCAT, o Catecismo da Igreja Católica e as renovações teológico-pastorais provenientes do Concílio Vaticano II. O Ano da Fé, proclamado pelo papa Bento XVI na Carta Apostólica Porta Fidei, indica essa intrincada relação. • O valor textual do YOUCAT é eminentemente doutrinal, assim como ocorre com o Catecismo da Igreja Católica, a sua fonte. A sua utilização não substitui o momento primeiro do querigma nem a experiência subjetiva da fé, ou ainda, a experiência pessoal com o Jesus Cristo anunciado (fides qua). A obra tem uma função instrumental, adequada à segunda fase do processo de
iniciação à vida de fé (fides quae). A reflexão sobre o papel e a importância do YOUCAT representa uma oportunidade para o repensamento da catequese a partir da sua genuína inspiração catecumenal. • Acentua-se no valor doutrinal, o valor pedagógicodidático do texto, surgido do desejo de diálogo com o plural mundo juvenil. A iniciativa da Igreja é muito louvável, representando um passo importante num percurso permanente e desafiador. • A atual edição brasileira do YOUCAT requer uma adequada revisão gramatical e de tradução. Se, por um lado, é admirável a utilização de diversas comparações, por outro, faz-se necessária, para evitar o desinteresse pela leitura, a revisão de alguns termos complicados. A indicação de sinônimos representaria um importante auxílio didático. • A consideração do papa Bento XVI na carta prefacial sobre a elaboração do Catecismo da Igreja Católica é pertinente ao YOUCAT, principalmente quando se apontam alguns limites e se releva o multifacetado mundo juvenil: “Numa tal obra, pode-se naturalmente criticar algo ou até muito: tudo o que o ser humano faz é insuficiente e pode ser melhorado. Não obstante, é um grande livro: um testemunho da unidade na diversidade”.26 • Com vistas ao aprofundamento das dimensões da fé pelos jovens (cognitiva, celebrativa, vivencial e oracional), o YOUCAT deve ser indicado, manuseado, lido e conhecido. O apelo do papa Bento XVI é digno de consideração e propagação: “Assim vos convido: estudai o catecismo! Este é o desejo do meu coração. Este catecismo não fala ao vosso gosto, nem vai pelo facilitismo. Na verdade, ele exige de vós uma vida nova. Ele apresenta-vos a mensagem do Evangelho como uma ‘pérola preciosa’ (Mt 13, 46), pela qual se tem de dar tudo”.27
REFERÊNCIAS ALVES DE LIMA, Luiz. O que é o querigma? Revista de Catequese 109 (2005) 6-19. ______. Palavra de Deus e catequese. Revista de Catequese 135 (2011) 6-21. BENTO XVI. Porta Fidei. Carta apostólica com a qual se proclama o ano da fé. São Paulo: Paulus, 2011. BOFF, Clodovis. Teoria do método teológico. Petrópolis: Vozes, 1998. 24
YOUCAT, op. cit., n. 298. Ibid., n. 70. 26 Ibid., p. 8. 27 Ibid., p. 9. 25
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CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretório nacional de catequese. Texto aprovado pela 43ª Assembleia Geral. Brasília: Edições CNBB, 2006. JOÃO PAULO II. Constituição Apostólica “Fidei depositum”. In: CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. 6. ed. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Loyola; Paulinas; Ave-Maria; Paulus; 1993. YOUCAT. São Paulo: Paulus, 2011. SANTO AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Paulus, 1984.
DOCUMENTOS DOCUMENTOS REVITALIZAÇÃO DA PASTORAL JUVENIL LATINO-AMERICANA E DO CARIBE Encontro Continental sobre animação da Pastoral Juvenil em Ypacaraí (Paraguai)*
De 21 a 27 de outubro de 2012 reuniram-se na Casa da Família Salesiana (Cafasa), grande centro de encontros de Ypacaraí (Paraguai), os responsáveis da Pastoral Juvenil (PJ) de mais de 20 países da América Latina e Caribe, assim como Bispos e representantes do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM) encarregados dessa área pastoral. Tratava-se da 17ª edição desse encontro, cujo tema foi: “O que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos” (cf. 1Jo 1, 3). O objetivo foi refletir sobre a missão com os jovens no Continente e propor iniciativas que permitam a revitalização da Pastoral Juvenil nas diversas realidades da Igreja Latino-Americana e do Caribe.
1 A CAMINHADA RECENTE DA PASTORAL JUVENIL NA AMÉRICA LATINA 1.1 P ERCURSO HISTÓRICO DO DOCUMENTO CIVILIZAÇÃO DO AMOR - PROJETO E MISSÃO Um dos marcos importantes da atual caminhada da pastoral juvenil latino-americana é o documento Civilização do Amor - Projeto e missão de outubro de 2012. Ele é fruto de um trabalho de mais de quatro anos de jovens, assessores, sacerdotes, bispos, estudiosos para dar vida e mais dinamismo ao cuidado pastoral com os jovens. Apresentamos a seguir os momentos principais do itinerário de sua redação.1 Tendo à frente a Seção de Juventude do CELAM, durante o 15º Encontro Latino-Americano dos Responsáveis pela Pastoral Juvenil, realizado em fevereiro de 2007, na cidade do Panamá, às vésperas da V Conferência do Episcopado Latino-Americano de Aparecida, os delegados solicitaram uma revisão do documento “Civilização do Amor: tarefa e esperança” que havia sido publicado em 1995. Tal solicitude foi assumida e levada à frente pela Equipe latino-americana
de Pastoral Juvenil do CELAM, sobretudo do período 2007-2010. Tal trabalho de revisão iniciou-se em agosto de 2008 em Bogotá; dessa equipe participou Cármen Lúcia Teixeira, representante do Brasil, coordenadora do núcleo de formação da Casa da Juventude, em Goiânia. O processo de revitalização foi então constituído por quatro etapas concatenadas: encantar, escutar, discernir e converter. O processo foi construído de maneira participativa através de ampla consulta de todos os principais envolvidos na Pastoral Juvenil e, em geral, consultas às bases. A partir desse momento vai-se configurando o Projeto de Revitalização da Pastoral Juvenil. Em janeiro de 2009, com a ampla socialização desse Projeto de Revitalização, aprofunda-se a primeira etapa: encantarescutar. Tudo converge para o 16º Encontro Latinoamericano dos Responsáveis pela Pastoral Juvenil, realizado em Cochabamba, Bolívia, em outubro de 2009. Os delegados da Pastoral Juvenil dos países participantes apresentaram uma síntese do momento da escuta, realizado em cada país, o que permitiu uma visão de conjunto da realidade juvenil latino-americana. Nesse mesmo encontro de Cochabamba inicia-se o processo de discernir, cujo momento culminante foi o III Congresso Latino-Americano de Jovens, realizado em
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Contextualização do documento elaborada por Luis Alves de Lima Outros elementos interessantes, como os nomes dos integrantes das diversas equipes que tomaram parte na redação desse documento, podem ser encontrados em: PARRA, Mariano. Camino histórico de “civilización del amor, proyecto y misión” (25.10. 2012). Disponível em: <http://prezi.com/wf-rw3w0nix5/camino-historico-de-civilizacion-del-amor-proyecto-y-mision/>. Acesso em: 08 abr. 2013. 1
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DOCUMENTOS DOCUMENTOS Los Teques (Venezuela), em setembro de 2010. Iniciase então a etapa do converter. Integrou então a equipe de redação, o Pe. Hilário Dick, do Brasil. Une-se a essa equipe, a nova Equipe Latino-Americana eleita durante e depois do III Congresso Latino-Americano de jovens. Já ao final da redação definitiva, para garantir uma linguagem acessível mais juvenil, foi convocado um grupo de jovens, para colaborarem no toque final do documento; do Brasil participou Luís Duarte Vieira. Igualmente, para garantir a profundidade pedagógica e doutrinal, o documento foi enviado a outros assessores e a alguns Institutos de Pastoral Juvenil Latinoamericanos, entre eles os da Argentina e do Paraguai. Finalmente, o documento foi enviado às Comissões Nacionais de Pastoral Juvenil das Conferências Episcopais da América Latina, que, por sua vez, enriqueceram-no com importantes aportes. Uma posterior contribuição veio dos Bispos do Departamento de Família, Vida e Juventude, entre eles, Dom Antonio Augusto Diaz, do Brasil. O documento foi publicado em castelhano, pelo CELAM, com o título Civilização do Amor – Projeto e Missão, e lançado, em castelhano, justamente durante o 17º Encontro dos Responsáveis Nacionais da Pastoral Juvenil em Ypacaraí (Paraguai) no dia 25 de outubro de 2012.
1.2 APRESENTAÇÃO DO DOCUMENTO CIVILIZAÇÃO DO AMOR - PROJETO E MISSÃO Como se vê, este documento é fruto de um trabalho feito em mutirão, com milhares de mãos, procurando ser coerente com a história da Pastoral Juvenil pósconciliar, do que ela assumiu e viveu nesses últimos tempos. Reúne e sintetiza os passos da evangelização da juventude em direção da utopia do Evangelho, no seguimento do Caminho de Jesus, animada pelo Espírito Santo, tendo em vista a construção da Civilização do Amor em nosso Continente. Fazendo sua recensão, assim afirma Luís Duarte Vieira, um de seus redatores: “A Pastoral da Juventude no Continente, impulsionada pelo espírito missionário, vive, nos últimos anos, o Projeto de Revitalização de si mesma. É um Projeto que, tendo a vida da juventude como caminho de discipulado e missão e seguindo Jesus até Jerusalém, passando por alguns lugares bíblicos marcantes na vida do Jovem de Nazaré, quer revitalizar a ação da Igreja Jovem com os/as jovens 2
em seus lugares vitais. A publicação de Civilização do Amor – Projeto e Missão é parte desse processo de revitalização e deseja contribuir no fortalecimento da ação eclesial com a juventude para que a vida da juventude seja garantida e mais jovens sejam mais felizes e se comprometam na construção da Civilização do Amor”.2 O documento é composto de cinco marcos: marco da realidade juvenil, marco histórico, marco doutrinal, marco operacional e marco celebrativo, tendo sempre a vida de cada jovem como centro das reflexões e dos textos. Por outro lado, Civilização do Amor - Projeto e Missão deve ser lido, entendido, aceito e vivido a partir de sete eixos que, unidos entre si, marcam a Pastoral Juvenil no seguimento do caminho em direção ao Horizonte do Reino. Estes sete eixos são: a) O seguimento de Jesus. A PJ tem como ideal ser fiel aos passos de Jesus de Nazaré propondo para os jovens um caminho pessoal e comunitário de seu seguimento na utopia da construção de uma Civilização do Amor. Esse é o Horizonte perseguido pela PJ procurando fazer sua a opção de Jesus pelos pobres. b) A centralidade da vida do Jovem. A PJ está convencida de que sua ação deve se concentrar na vida dos jovens e em sua defesa; ou ela realiza isso ou não estará sendo fiel ao seguimento de Jesus. Tem também consciência de que seu trabalho com os jovens está direcionado para a vida. Isso implica estar perto, caminhar junto com os jovens. c) Considerar a juventude como uma realidade teológica. Isso significa escutar a Deus que fala também através da juventude, de seus anseios, ideais, lutas e conquistas. Por isso é necessário estar atentos, assumir, acolher, respeitar e escutar a manifestação da presença divina entre nossos jovens, ou “as sementes do Verbo” já presente neles. d) Rumo à Civilização do Amor. Seguir a Jesus, ter a vida do jovem como centro da ação evangelizadora e reconhecer nela “as sementes do Verbo”, conduz à utopia da construção de uma civilização do amor, núcleo central do Evangelho. Pedagogicamente, os jovens não devem ser considerados apenas beneficiários da construção dessa nova civilização, mas eles mesmos precisam ser considerados construtores ativos e responsáveis.
VIEIRA, Luís Duarte; RIVERA, Deyanira. Apresentação do livro Civilização do Amor – Projeto e Missão. Disponível em: <http:// www.casadajuventude.org.br/index.php?option=content&task=view&id=3550&Itemid=0>. Acesso em: 08 abr. 2013.
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DOCUMENTOS DOCUMENTOS e) Construindo um Projeto de vida. O ideal de seguir Jesus Cristo na construção da Civilização do Amor, não pode permanecer apenas numa proposta teórica e utópica, mas a ação evangelizadora da PJ almeja levar o próprio jovem a construir um projeto concreto de vida, incluindo os três níveis: sua conversão pessoal, que entusiasme também a trabalhar pela conversão comunitária e social, em vista do Reino de Deus. f) A opção pelos pobres. Na dimensão comunitária e social, prevalece como opção da PJ, sempre no seguimento de Jesus e na construção da civilização do amor, a mesma opção preferencial da Igreja Latinoamericana desde Medellín e reafirmada por Aparecida. E, dentro dessa opção pelos pobres, a PJ faz uma opção preferencial pelos jovens mais pobres. g) O protagonismo juvenil. Na lenta e esperançosa construção de uma nova civilização do amor, a PJ considera os jovens não só como destinatários estáticos e receptivos, mas verdadeiros protagonistas e interlocutores, quase que como uma via de mão dupla: do Evangelho para o jovem e do jovem para o Evangelho. Assim, a ação evangelizadora da PJ tem como finalidade formar jovens livres, sujeitos da própria história e felizes. Concluindo: girando ao redor desses sete eixos, a PJ poderá de fato considerar a construção de uma nova Civilização do Amor, como seu grande Projeto e a sua utópica Missão evangélica.
2. O XVII ENCONTRO DOS RESPONSÁVEIS PELA PASTORAL JUVENIL NA AMÉRICA LATINA E CARIBE 2.1 UM GRANDE EVENTO E SEUS MOMENTOS IMPORTANTES
Esse encontro continental na Casa Salesiana de Ypacaraí (Paraguai) reuniu mais de 100 pessoas das mais diversas procedências e com variadas missões dentro da comunidade eclesial. Predominavam os jovens delegados de seus países, mas também religiosas, religiosos, seminaristas, sacerdotes, diáconos e bispos seriamente comprometidos com a evangelização dos jovens em nosso Continente. A missa de abertura às 18h15 do dia 21 de outubro de 2012 foi presidida pelo Cardeal Theodore Edgar McCarrick e concelebrada por vários bispos e sacerdotes
representantes do CELAM, participantes do encontro. O Cardeal McCarrick é Arcebispo emérito de Washington (EUA); permaneceu em Assunção até dia 24, também com outros compromissos na Universidade Católica local. Ele é reconhecido pelo sua grande luta pelos direitos humanos em nível internacional. Estava acompanhado do Núncio Apostólico do Paraguai, Dom Eliseo Antonio Ariotti. Com grande espontaneidade e simpatia, o cardeal McCarrick impregnou o ambiente de cordialidade e jovialidade. Afirmou que Deus oferece para os participantes do encontro uma oportunidade de traçar caminhos eficazes para dar sentido à vida de tantos jovens do nosso continente: “o Senhor está nos preparando, chamando nossa atenção, querendo falar conosco. Está querendo colocar fogo em nossas almas, em todo o nosso ser, para que possamos fazer coisas extraordinárias”, afirmou. Noutro momento acrescentou que Deus dá aos jovens um especial talento, e que a característica principal da juventude é a utopia e decisão: [...] o jovem não duvida de sua capacidade, está disposto a tocar as nuvens, a ir aos céus; Deus os trata com carinho, pois quer que os jovens dEle se aproximem. Muitas vezes nossa oração é pequena e fraca. Vocês, jovens, devem pedir muito mais, devem pedir a presença de Deus no mundo. Vocês, nós, todos somos o grande tesouro do Senhor... Ele quer que vivamos um entusiasmo sem limites!
Concluiu exortando que o encontro prepare um excelente documento, para uma grande missão. Nos dias seguintes, o encontro teve como tema principal, a revitalização da pastoral juvenil no continente. A palestra central intitulou-se: “A Civilização do Amor e o projeto da Pastoral Juvenil Latino-americana”. Ela foi feita por Dom Mariano José Parra, Bispo da Cidade de Guyana (Venezuela) e Responsável pela secção de juventude do CELAM. O palestrante esclareceu como essa expressão “civilização do amor” foi proposta e bastante utilizada pelo Papa Paulo VI em 1975 e imediatamente incorporada à linguagem eclesial, sobretudo durante o magistério do Bem-aventurado João Paulo II e do então Papa Bento XVI. Explicou que, através de tal expressão, a Igreja quer propor um conjunto de ações de âmbito moral cristão, civil e econômico, em vista de ajudar a melhor as condições de vida de nossas populações. Recordou que o primeiro documento da Pastoral Juvenil voltado para esse tema da Construção da Civilização do Amor foi discutido e aprovado no V Encontro LatinoSão Paulo, ano 36, n. 141, pp. 119 - 123, jan. / jun. 2013.
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DOCUMENTOS DOCUMENTOS Americano de Responsáveis Nacionais, realizado em Bogotá (Colômbia), em 1987. Dom Mariano José insistiu ainda que a proposta dos papas ao falarem de “civilização do amor” de maneira nenhuma era apresentar uma “nova ideologia; simplesmente quiseram aprofundar a vivência do Evangelho” e traduzi-lo em prática, insistindo na natureza intrínseca de Deus, que é Amor. Concretamente essa “civilização do amor” pode traduzir-se em três amores: amor a Deus, amor à Igreja e amor aos Pobres. O bispo responsável pela seção de pastoral juvenil do CELAM mostrou que há uma crise estrutural na sociedade que não podemos ignorar ou querer acudir com “panos quentes”, pois está em jogo a perda de muitos valores. Denunciou a existência de uma antropologia reducionista, baseada no utilitarismo, no relativismo e consumismo. A esse cenário deve-se opor, disse Dom Mariano, uma antropologia personalista, que reconhece Deus como amor e o ser humano como quem ama e é amado, como também a existência do corpo e do espírito integrados, sem dualismos. Outros elementos apontados pelo palestrante: a proposta da construção de uma civilização do Amor soa como uma proposta total: é um projeto de vida que implica todos os âmbitos da existência. Exige compromisso, principalmente esforço decidido e organizado. Aponta para a utopia e para a realidade: é uma ideia que se concretiza nas pequenas e grandes ações, e, portanto, é uma tarefa diária. Supõe um tempo de esperança permanente, como também um projeto de missão permanente, como indica o documento de Aparecida. Trata-se, enfim, de dizer um sim à vida, à liberdade, à verdade e ao diálogo, como também implica um esforço permanente pela paz, o respeito às diferentes tradições dos povos e ao meio ambiente. Outro tema abordado, em palestra pronunciada logo a seguir foi o da “Conversão Pastoral dos agentes da Pastoral Juvenil para a Vida plena e a Comunhão missionária”. O palestrante, Dom Rubén González, Bispo de Caguas (Porto Rico) e responsável pela Pastoral Juvenil da região do Caribe, revisitou o grande Documento de Aparecida (2007), aplicando seus conceitos de conversão pastoral à realidade da Pastoral Juvenil. Com a iluminação (julgar) dessas duas grandes palestras, os participantes puderam aprofundar o tema nos dias seguintes, como também encaminhar (agir) as 3
propostas operativas. Além da consideração dos três primeiros marcos acima citados (marco da realidade juvenil, marco histórico e marco doutrinal), mereceu especial cuidado e aprofundamento os dois últimos, ou seja: o marco operacional e o marco celebrativo, esforçando-se sempre para colocar, no centro de tudo, a vida dos jovens em vista da construção de uma civilização do amor. Diferentemente de outros tempos, sem deixar de refletir bastante a realidade vivida pela juventude latinoamericana, a linguagem dos participantes, mais do que militante, combativa e de tons politizados, manifestou um caráter mais testemunhal e interior, voltada para a vivência mística do evangelho em sua dimensão pessoal, comunitária e social. Tome-se como exemplo, essa avaliação feita pelos delegados participantes provenientes do Peru, da Prelazia de Ayayos, que, por sua vez, reflete pensamentos da Mensagem, apresentada logo abaixo (n. 3): Manifestamos nossa alegria de ser cristãos, testemunhas da Fé e portadores da esperança na e por dentro da vida quotidiana dos jovens. Somos conscientes de que em nossas mãos está o compromisso de atualizar sempre os processos de educação na fé que contribuam para uma nova sociedade. Somos convocados por Deus para continuar sendo construtores da civilização do amor. Como membros dessa família, somos convidados a colocar nossos dons, carismas e talentos dados por Deus a serviço de todos; devemos somar para tornar realidade a evangelização de nossas juventudes, promover seu protagonismo e com eles experimentar a vida plena e abrir-nos para a comunhão missionária. Esses dias de encontro foram de convivência fraterna, oração e reflexão; eles reavivaram em nós o encontro pessoal e comunitário com Cristo Jesus.3
2.2 MENSAGEM DOS PARTICIPANTES No final do 17º Encontro Latino-Americano de Responsáveis Nacionais de Pastoral Juvenil, foi aprovada a mensagem de seus participantes a ser dirigida para toda a Igreja latino-americana. Sem falar em revitalização da PJ em nosso continente, mas reconhecendo e valorizando aqueles que, ao longo do caminho, entregaram sua vida por essa grande paixão no seguimento de Jesus Cristo, a mensagem reconhece que hoje “um novo sol se levanta
COMISIÓN DE JUVENTUD DE LA PRELATURA DE YAUYOS. XVII Encuentro Latinoamericano de Responsables Nacionales de Pastoral Juvenil. Disponível em: <http://juventudyauyos.blogspot.com.br/>. Acesso em: 08 abr. 2013.
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DOCUMENTOS DOCUMENTOS no espírito dos jovens de nossa América Latina e do Caribe” e que “a nós cabe ser os protagonista desta história; somos conscientes de que em nossas mãos está o compromisso de construir uma nova sociedade impregnada com os valores do Reino”.4
3 MENSAGEM AOS JOVENS DA AMÉRICA LATINA E DO CARIBE Com alegria um novo sol se levanta no espírito dos jovens de nossa América Latina e do Caribe. Na cidade de Ypacaraí – Paraguai, nos reunimos de 20 a 27 de outubro de 2012 os Responsáveis Nacionais de Pastoral Juvenil de 23 países: Antilhas, Argentina, Aruba, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Curaçao, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Porto Rico, República Dominicana, Uruguai e Venezuela, como convidados especiais: membros do Secretariado de Bispos dos EUA para América Latina, delegados da Pastoral Hispânica nos EUA, membros da Rede de Institutos da Pastoral Juvenil Latino-americana e organizadores da JMJ Rio 2013, para retomar e reassumir com novas forças as Orientações da Pastoral Juvenil Latino-americana e do Caribe, na construção da Civilização do Amor. Durante esses dias de encontro e comunhão, partilhamos a vida e o caminhar pastoral, iluminados pela vontade de Deus através do discernimento. Também conhecemos e refletimos a sistematização do Processo de Revitalização através da socialização do documento “Civilização do Amor - Projeto e Missão”.
Durante anos, a Pastoral Juvenil Latino-americana foi fazendo história. Reconhecemos e valorizamos todos aqueles que, ao longo do caminho, entregaram sua vida por essa grande paixão no seguimento de Jesus Cristo. Vivemos em uma hora de graça, este é nosso momento. Com a força de nossa vocação cristã, hoje nos cabe ser os protagonista desta história, pois somos conscientes de que em nossas mãos estar o compromisso de construir uma nova sociedade impregnada com os valores do Reino. Por isso, manifestamos nossa alegria de ser cristãos, testemunhas da fé e portadores de esperança em entre a vida cotidiana dos jovens. Temos vivido uma experiência de conversão pessoal e pastoral, agradecidos com nosso Pai Deus e fascinados com sua proposta, regressamos a nossos países com muita alegria e entusiasmo para anunciar o que vimos e ouvimos. Nosso profundo agradecimento à Equipe Latinoamericana de Pastoral Juvenil do Departamento de Família, Vida e Juventude e ao Conselho Episcopal Latino-americana (CELAM) a esse lindo país, Paraguai, e a todas as pessoas maravilhosas que tornaram possível este encontro. Pedimos à Virgem de Caacupé, padroeira destas terras guaranis, que nos cubra com seu Santo Manto e acompanhe sempre o caminhar de nossos povos, especialmente neste tempo de preparação para a Jornada Mundial da Juventude Rio 2013. “Isso que vimos e ouvimos, nós os anunciamos” (1Jo 1, 3). Ypacaraí – Paraguai, 26 de outubro de 2012.
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A tradução do texto em castelhano é da CNBB, publicado no Boletim da CNBB de 29.10.2012. Disponível em: <http:// www.cnbb.org.br/site/imprensa/internacional/10690-mensagem-dos-participantes-do-encontro-de-responsaveis-da-pastoraljuvenil-da-america-latina-e-do-caribe>. Acesso em: 08 abr. 2013. São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 119 - 123, jan. / jun. 2013.
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DOCUMENTOS DOCUMENTOS INICIAÇÃO À VIDA CRISTÃ NO 11º PLANO DE PASTORAL DA ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO Testemunhas de Jesus Cristo na Cidade
APRESENTAÇÃO Elaborar Planos de Pastoral é uma prática recente na Igreja. Tendo iniciado em meados do século passado, o planejamento pastoral teve grande impulso pelo Vaticano II. Célebre foi o Plano de Emergência da CNBB (1962) ao qual se seguiram os Planos de Pastoral de Conjunto (1966); eles propriamente continuam até hoje na forma das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (2011-2015). Tal estratégia de planificação perpassou também quase todos os segmentos da Igreja, sobretudo as dioceses. A Arquidiocese de São Paulo chega, em 2013, ao 11º Plano de Pastoral.1 Ele se posiciona diante dos desafios suscitados pelas situações que o mundo apresenta e a Igreja vive atualmente, tanto do ponto de vista religioso, pastoral, social e político, quanto cultural. Segundo Dom Odilo Pedro Scherer, cardeal arcebispo de São Paulo, é necessário que a ação da Igreja seja de forma precisa, atenta, rica e “empenhativa”. Dom Milton Kenan Júnior, bispo auxiliar da região Brasilândia, e o Pe. Marcelo Maróstica Quadros, coordenador geral do secretariado arquidiocesano de pastoral, coordenaram o trabalho de redação do texto que contou também com a colaboração dos párocos, coordenadores de pastoral, religiosos, leigos e muitos agentes de pastoral. Dom Milton, em Assembleia Arquidiocesana para elaborar o plano de implantação do 11º Plano em 16 de março de 2013, lembrou que “o planejamento é essencial para não cair na rotina e para sermos mais criativos. Isso exige sensibilidade, capacidade de ver e escutar as realidades que nos circundam, trabalho de conjunto, avaliação constante e uma mística que impulsione”.2
O 11º Plano de Pastoral não está alheio aos anseios da Igreja na atualidade nem mesmo aos grandes eventos desse período: Jornada Mundial da Juventude – Rio 2013, o 50º Aniversário do Concílio Ecumênico Vaticano II, o Ano da Fé e o 20º aniversário de publicação do Catecismo da Igreja Católica. Estruturalmente falando, ele reflete as últimas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora no Brasil (2012-2015), contendo metodologicamente seis “Urgências” para a imensa metrópole. São elas3: 1 Diante da necessidade de promover a nova evangelização, que a Igreja em São Paulo se coloque “em estado permanente de missão”. 2 Em vista da necessidade de proporcionar melhor formação aos fiéis, para darem expressão à vida cristã, que a Igreja em São Paulo seja uma acolhedora “casa de iniciação à vida cristã”. 3 Diante da necessidade de ouvir e praticar a Palavra de Deus, visando a existência de verdadeiros discípulos missionários, toda a vida e ação da Igreja precisa ser “animada pela a Palavra de Deus”. 4 Levando a sério o mandamento do amor fraterno e da comunhão entre todos os batizados, que a Igreja em São Paulo se organize sempre mais como uma rica e variada “Comunidade de comunidades” cristãs. 5 Assumindo a sua missão “para que todos tenham vida”, que a Igreja em São Paulo se coloque generosamente a serviço da vida plena para todos. 6 Voltando-se para os jovens, com amor e profundo interesse, que a Igreja em São Paulo una seus esforços para evangelizar a juventude. De fato, a Jornada Mundial da Juventude – Rio2013 - é uma “hora de Deus” para a evangelização da juventude.
1 ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Testemunhas de Jesus Cristo na Cidade: 11º Plano de Pastoral 2013-2016. São Paulo: Gráfica Ave Maria 2013. Disponível em: http://www.arquidiocesedesaopaulo.org.br/pastoral/plano. Acesso em: 15 abr. 2013. 2 Cf. Disponível em: http://arquidiocesedesaopaulo.org.br/noticias/caminhos-para-implanta%C3%A7%C3%A3o-do-11%C2%BAplano-de-pastoral. Acesso em: 19 abr. 2013. 3 Cf. Ibid., p. 8.
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DOCUMENTOS DOCUMENTOS Apresentamos, a seguir, o desenvolvimento da segunda urgência que se refere, especificamente, à Iniciação à Vida Cristã.4
A IGREJA: CASA DA INICIAÇÃO À VIDA CRISTÃ (nn. 80 - 85) 1 “A fé é dom de Deus! “Não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande ideia, mas pelo encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva” (Bento XVI, DCE, n.1). Por sua vez, este encontro é mediado pela ação da Igreja, ação que se concretiza em cada tempo e lugar, de acordo com o jeito de ser de cada povo, de cada cultura” (DGAE 2011-2015, N.37). 2 A adesão a Jesus Cristo implica sempre o anúncio, a apresentação, o testemunho, a proclamação da Palavra de Deus. Cada época tem exigências próprias para que o anúncio de Jesus Cristo se torne eficaz. Se no passado o primeiro contato das pessoas com a Pessoa e a mensagem de Jesus Cristo se dava na família, ou mesmo na sociedade que se confessava “cristã”, hoje não se pode mais dar a fé por pressuposta. Tal pressuposto, não só deixou de existir, mas frequentemente acaba até negado. Enquanto, no passado, era possível reconhecer um tecido cultural unitário, amplamente compartilhado no seu apelo aos conteúdos da fé e aos valores por ela inspirados, hoje parece que já não é assim em grandes setores da sociedade, devido a uma profunda crise de fé, que atingiu muitas pessoas (Porta Fidei, n. 2).
3 Por isso, é necessário “desenvolver, em nossas comunidades, um processo de iniciação à vida cristã que conduza a um encontro pessoal cada vez mais profundo com Jesus Cristo” (n. 40). 4 A iniciação cristã não se realiza numa única vez na vida de cada pessoa, nem se esgota na preparação para os Sacramentos da Iniciação Cristã; ela deve ser
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ratificada e fortalecida inúmeras vezes, tantas quantas o dia a dia exigir. Assim, as comunidades devem tornarse mistagógicas por excelência, ou seja, preparadas para ajudar que o encontro com Jesus Cristo se faça e refaça permanentemente (cf. n.41). 5 Tornar a iniciação cristã uma característica da ação evangelizadora e, consequentemente, das comunidades eclesiais, implica rever atitudes, horários, estruturas e, até mesmo, o perfil do agente evangelizador, que deverá servir como “ponte” entre o “candidato” à fé e a comunidade que o acolhe e acompanha. 6 Indicações pastorais: a) Em todas as paróquias e comunidades haja uma pastoral catequética vigorosa, com catequistas bem formados e em número suficiente; que haja suficientes espaços para a catequese; que nenhuma criança e adolescente de família católica fique sem a catequese para os Sacramentos de iniciação à vida cristã. b) Pregação assídua e sistemática sobre os temas da fé e da moral, de maneira que a doutrina da fé católica e os mistérios da fé cristã sejam anunciados a todos, conhecidos e amados. c) Atendimento personalizado das pessoas, através da acolhida, diálogo interpessoal, reflexão sobre a experiência de vida, no respeito à liberdade de cada pessoa. d) Destaque para o encontro com Jesus Cristo, a conversão, o discipulado, a comunhão e a missão. Sendo a comunidade eclesial o lugar da educação na fé, o processo formativo não pode se reduzir a cursos, pois exige a participação na vida da comunidade. e) Atenção especial para a formação dos leigos, para favorecer o interesse e a participação de um maior número de pessoas na vida e missão da Igreja, servindose, para isso, dos recursos dos meios de comunicação, das possibilidades oferecidas pelas mídias sociais e pelas novas formas de educação. f) Celebração intensa do ANO DA FÉ proclamado pelo Papa Bento XVI para o período de 11.10.2012 a 24.11.2013, a partir da Nota com indicações pastorais da Congregação para a Doutrina da Fé, de 5 de janeiro de 2012, e da Carta Pastoral do Arcebispo de São Paulo
Cf. Ibid., pp. 29-31. São Paulo, ano 36, n. 141, pp. 124 - 126, jan. / jun. 2013.
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DOCUMENTOS DOCUMENTOS sobre o Ano da Fé. Estudo mais aprofundado do Catecismo da Igreja Católica (ou do seu Compêndio) e do YouCat (Catecismo Jovem), pois o conhecimento doutrinal é essencial para a vida de fé: sem saber o que se crê, não dá para saber o que viver, o que testemunhar e o que celebrar. g) Formação e acompanhamento na fé do cristão adulto, com o aprofundamento e a comunicação constante da fé integral, seja no interior das paróquias e comunidades, como também nas próprias famílias e nas instituições católicas. Também intensificar a educação e a formação na fé das crianças, adolescentes e jovens (Escolas Católicas, Universidades etc.), de modo que os católicos bem formados sejam capazes de “dar as razões de sua esperança”, conhecendo e amando a sua fé. Valorizar a participação na Liturgia, na Missa dominical e nos Sacramentos, a fonte e o ápice da vida cristã. h) Estímulo e acompanhamento dos jovens em seu processo de educação na fé e na elaboração de um projeto de vida.
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i) Formação bíblico-teológica: as Regiões Episcopais, Setores e as Faculdades de Teologia ofereçam cursos de formação bíblica e teológica para pessoas que estão à frente de trabalhos pastorais e movimentos, e para as pessoas que queiram aprofundar seus conhecimentos bíblicos e teológicos para o serviço pastoral das comunidades. j) Programa de Catequese Familiar, no qual os pais, orientados por catequistas devidamente preparados, ajudam no preparo dos seus filhos para a primeira Eucaristia e, assim, revivem sua fé ao recordar ou viver a experiência do kerigma. l) Formação de catequistas atentos à realidade, a partir da Doutrina Social da Igreja, para que contribuam para cultivar a fé encarnada, a relação fé e vida, favorecendo a vivência comunitária da fé, de modo que os católicos estejam preparados para testemunhar Jesus Cristo na cidade.
ORIENTAÇÕES PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA DE CATEQUESE 1 Para apresentação de artigo devem ser observadas as seguintes normas técnicas: fonte Times New Roman 12; espaço entre linhas simples; total de 14 a 16 páginas. Margens: superior 2 cm, inferior 2 cm, esquerda 2,5 cm e direita 2 cm. 2 As citações diretas no texto, com até três linhas, devem estar contidas entre “aspas”. As citações diretas no texto, com mais de três linhas, devem ser destacadas com recuo de 4 cm da margem esquerda, com fonte 11 (sem aspas). 3 As referências bibliográficas deverão ser colocadas em notas de rodapé (fonte 10), com dados bibliográficos completos das obras citadas (inclusive com numeração das páginas), isso em cada nova obra. 3.1 Citação de livros: CODA, Piero. O evento pascal: Trindade e história. São Paulo: Cidade Nova, 1987, p. 10. 3.2 Citação de periódicos (revistas, jornais etc.): NERY, José Israel. Formação de catequistas: uma urgência no Brasil. Revista de Catequese 121 (2008) 6-18 [121 é o número da revista], p. 2. 3.3 Citação de partes de monografia, livro e afins: CALIMAN, Cleto. A eclesiologia do Concílio Vaticano II e a Igreja no Brasil. In: GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise (org.). Concílio Vaticano II: análise e prospectivas. São Paulo: Paulinas, 2004, pp. 229-248. 4 A numeração das seções segue o sistema decimal, em algarismos arábicos (como na descrição dessas normas). 5 O artigo é precedido de resumo em português e abstract (inglês) ou resumen (espanhol), contendo de 100 a 150 palavras. No final do resumo, sejam indicadas de 3 a 5 palavras-chave (keywords ou palabras clave). 6 Sejam enviados os seguintes dados do autor: a última titulação (com indicação da instituição), bem como, atualmente, em qual área atua e onde (instituição ou organização). 7 As ideias e conceitos dos artigos assinados são de responsabilidade dos autores. Isso deverá ser formalizado através de uma declaração, contendo os seguintes termos: “Declaro que o texto intitulado <título do texto aqui> é de minha autoria e assumo a responsabilidade autoral pelo mesmo”. Obs.: depois de datada e assinada, essa declaração deverá ser encaminhada à redação da Revista de Catequese (endereço abaixo). 8 Os autores serão avisados por e-mail da decisão dos membros do conselho editorial sobre a publicação do texto proposto. 9 O artigo deve ser enviado ao seguinte endereço:
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