Cerâmica

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Maria Regina Rodrigues

Universidade Federal do Espírito Santo Secretaria de Ensino a Distância

Artes Visuais Licenciatura


Universidade Federal do Espírito Santo Secretaria de Ensino a Distância

Maria Regina Rodrigues

Vitória 2019


Presidente da República Michel Temer Ministro da Educação José Mendonça Bezerra Filho Diretoria de Educação a Distância DED/CAPES/MEC Carlos Cezar Modernel Lenuzza UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO Reitor Reinaldo Centoducatte Secretária de Ensino a Distância – SEAD Maria José Campos Rodrigues Diretor Acadêmico – SEAD Júlio Francelino Ferreira Filho Coordenadora UAB da UFES Maria José Campos Rodrigues Coordenador Adjunto UAB da UFES Júlio Francelino Ferreira Filho

Design Gráfico Laboratório de Design Instrucional – SEAD sead Av. Fernando Ferrari, nº 514 CEP 29075-910, Goiabeiras Vitória – ES (27) 4009-2208 Laboratório de Design Instrucional (LDI) Gerência Coordenação: Letícia Pedruzzi Fonseca Equipe: Giulliano Kenzo Costa Pereira Nina Ferrari Fabrício Diagramação Coordenação: Letícia Pedruzzi Fonseca Equipe: Ana Clara Balarini Thaís André Imbroisi

Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

C411

Cerâmica [recurso eletrônico] / organizadora Maria Regina Rodrigues. Dados eletrônicos. - Vitória, ES : Universidade Federal do Espírito Santo, Secretaria de Ensino a Distância, 2019. 90 p. : il. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-7772-455-0 Modo de acesso: <Disponível no ambiente virtual de aprendizagem – Plataforma Moodle> 1. Cerâmica. 2. Arte moderna. 3. Modelagem. I. Rodrigues, Maria Regina. CDU: 738

Esta licença permite que outros remixem, adaptem e criem a partir deste trabalho para fins não comerciais, desde que atribuam ao autor o devido crédito e que licenciem as novas criações sob termos idênticos. A reprodução de imagens nesta obra tem caráter pedagógico e científico, amparada pelos limites do direito de autor, de acordo com a lei nº 9.610/1998, art. 46, III (citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra). Toda reprodução foi realizada com amparo legal do regime geral de direito de autor no Brasil.

Diretor do Centro de Artes (CAr) Paulo Sérgio de Paula Vargas Coordenadora do Curso de Graduação Licenciatura em Artes Visuais – EAD/UFES Maria Gorete Dadalto Gonçalves Revisora de Conteúdo Juliana Almonfrey Revisora de Linguagem Andreá Grijó

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5 Cerâm ca na Arte Conteporânea 7 Matér a-Pr ma, espaço 20 de produção e ferramentas Modelagem 32 O processo de cr ação 48 na Cerâm ca Apresentação

Fornos e Que mas Constru ndo uma dent dade na arte popular Cons derações F na  s

Referênc as Sobre as autoras

59 73 82 83 87


Apresentação O livro Cerâmica é uma breve introdução à argila, suas possibilida-

O primeiro capítulo – A cerâmica na arte contemporânea –

des de construção e de transformação em objeto cerâmico. Este ma-

apresenta como atualmente a cerâmica artística expande-se, sendo

terial pretende ser uma orientação para que o aluno possa ampliar

mais um dos materiais utilizados nas artes plásticas como lingua-

suas pesquisas conceituais nas artes e investigar as principais técni-

gem, abrindo numerosas rupturas para várias gerações de artistas

cas cerâmicas, a partir desta breve introdução.

e ceramistas continuarem seus experimentos, uma contribuição de

É importante lembrar que somente a leitura do livro não será su-

Cida Ramaldes.

ficiente para aprofundar seus conhecimentos. Além da pesquisa, de-

No capítulo dois tratamos das Matérias-primas, espaço e ferra-

ve-se praticar sem pressa e ter o acaso como parte do processo, pois

mentas, cujo foco é a argila, sua preparação e manipulação, já que

assim poderão ser obtidos resultados jamais imaginados. A arte da

esse é um material abundante que, em geral, adquire, quando umide-

cerâmica é, em grande medida, uma experiência direta e contínua

cido com a água, maleabilidade, o que permite manusear e modelar

de descobrimento de novas possibilidade plásticas.

a forma que se deseja. Deve-se lembrar que esse é um dos aspectos

O ceramista tem que buscar, explorar, investigar, conhecer o pro-

mais importantes na relação com esse material. Nesse mesmo capí-

cesso, a história e os materiais que são próprios de seu meio. A bus-

tulo, há uma reflexão sobre como o artista/professor pode estabele-

ca dessa materialidade que descobrimos na cerâmica supõe esforço,

cer uma relação com diversos espaços de produção, pois a cerâmica

dedicação e trabalho físico humano, uma tarefa de fazer nascer e

demanda procedimentos, equipamentos, materiais e matéria-primas

florescer as formas, como um processo de vivência. A cerâmica é a

específicas. Além do espaço de produção, será apresentada também

expressão de uma relação íntima com os materias e o processo.

a importância dos utensílios e ferramentas como extensão da mão.

A palavra cerâmica vem do grego – “Keramiké” – derivada da “Ke-

No terceiro capítulo – Técnicas de modelagem – abordamos os

ramikós” (vaso de argila) (PILEGGI, 1958, p. 3). Ao falar de cerâmica,

quatro processos básicos de produção manual, considerados os mais

estamos nos referindo tanto à modificação ocorrida na matéria – o

importantes para que o aluno entre no mundo da cerâmica. Realiza-

barro – quanto a um processo contínuo de sua transformação pela

se uma introdução quanto ao uso do torno, apresentando-o passo a

própria natureza e pela ação do homem, num constante fazer: desde

passo por meio de ilustrações que foram realizadas pelas ceramistas

a busca do material, as misturas, a manipulação e a concretização

Tatiana Campagnaro e Teresa Drago, do Tacto Atelier de Cerâmica.

das formas, até a transmutação da matéria pelo agente fogo, tudo isso num permanente ritual. Cerâmica

No quarto capítulo tratamos do Processo de criação na cerâmica, em especial dos artistas brasileiros, por meio da discussão de Apresentação |

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como acontece o projeto poético da cerâmica enquanto linguagem,

Gostaria de agradecer aos artistas e ceramistas que contribuiram

apresentando as cinco atitudes da mente criadora, ao longo do pro-

para a construção deste trabalho: Cida Ramaldes, Julio Tigre, Penha

cesso de elaboração e produção das obras, uma pesquisa feita tanto

Schirmer, Tatiana Campagnaro e Tereza Drago, pelos incansáveis

com os artistas ceramistas brasileiros, quanto com alunos do curso

encontros e discussões para melhor apresentar, neste livro, a cerâ-

presencial da UFES.

mica e suas possibilidades.

No capítulo cinco, Fornos e queimas, são discutidos: a evolução dos processos de cozimento, assim como a manipulação de alguns

Dra. Maria Regina Rodrigues,

fornos, em especial, daqueles de construção alternativa, descritos

Profª. de Cerâmica da Universidade Federal do Espírito Santo.

pela ceramista Penha Schirmer, por meio de suas experiências tanto do fazer, como no olhar da construção de um outro ceramista. Para finalizar, no capítulo seis, há o Relato de experiência: construindo uma identidade na arte popular, um texto da experiência desenvolvida por mim em parceria com o professor Julio Cesar da Silva (Julio Tigre), na comunidade Jardim Carapina, tendo como referência a cerâmica indígena e focando o desenho como método para se pensar a cerâmica.

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Apresentação |

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Capítulo 1

Cerâm ca na Arte Conteporânea Cida Ramaldes Como aconteceu com a Pintura, as artes erroneamente ditas menores, sofreram a mesma transformação das ditas artes maiores: o verismo deixando espaço ao abstracionismo e todas as suas consequências e tendências. Pietro Maria Bardi

O texto em epígrafe traz à tona uma querela antiga no campo da arte, o rótulo equivocado de ‘arte menor’ que algumas linguagens artísticas receberam, entre essas, a cerâmica. Apesar disso, verifica-se que estas linguagens, assim como o seu processo produtivo, vêm se estabelecendo com novos contornos e têm se mantido presente na produção de artistas contemporâneos. Longe de permanecer neste debate, a intenção desta reflexão concentra-se em apontar os novos caminhos da cerâmica, para verificar como esta é utilizada por artistas atuantes, na arte contemporânea. Porém, ao abordar o tema título deste texto, faz-se necessário esclarecer alguns conceitos, já que o termo ‘contemporâneo’ traz em si algumas controvérsias. A palavra ‘contemporâneo’ está ligada à temporalidade, ou seja, um tempo específico que é a atualidade, àquilo que acontece agora, que faz parte Cerâmica

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do presente (tempo atual). Também o termo pode ser usado quan-

de objeto cerâmico feito na atualidade, desde as peças utilitárias e

do fazemos referência a algo ou alguém que viveu/existiu (passado)

decorativas de design industrial até os artesanatos que não se in-

em uma mesma época que outro. Como no exemplo retirado do di-

cluem, necessariamente, no campo da arte. Enquanto, “cerâmica na

cionário Houaiss: “[...] Balzac e Machado de Assis foram escritores

arte contemporânea” compreende as proposições de artistas con-

contemporâneos.” (2007, p. 817). Esses são significados usuais para a

temporâneos que utilizam ou citam a linguagem cerâmica. São des-

palavra ‘contemporâneo’.

sas propostas artísticas que trataremos neste material.

Mas, tratando-se do conceito de “arte contemporânea”, estamos

Conforme afirma Rolando Carmona, o movimento cerâmico na

distantes dessas definições temporais, acima colocadas. Segun-

atualidade se deslocou do campo da produção artística com a argila,

do Anne Cauquelin, a arte contemporânea1 “[...] não dispõe de um

passando pelos procedimentos tradicionais, até o emprego de diálo-

tempo de constituição, de uma formulação estabilizada [...]” (2005,

gos mais abertos. Segundo esse autor, assim como aconteceu com as

p. 11), ao contrário, é um sistema de arte específico que diferencia

artes tidas como ‘maiores’, também na cerâmica “[...] o virtuosismo

dos demais por não se constituir num tempo linear e contínuo, ou

do ofício [...]” perdeu “[...] relevância, em prol de realizar o expandir

seja, seus acontecimentos artísticos não têm um encadeamento cro-

das capacidades que tem a arte [...]”2 (2006, p. 7). Deste modo, no per-

nológico, como o tempo histórico tradicional. Apesar de alguns te-

curso próprio da arte contemporânea, também a linguagem da ce-

óricos estabelecerem a Pop Art (1960) como ponto inicial, sabemos

râmica pôde extrapolar seus significados preestabelecidos, gerando

que Marcel Duchamp, em 1917, já preconizava os parâmetros da arte

novas imagens, discursos, reflexões e interpretações. Com foco nes-

contemporânea, que se desdobram até nossos dias.

sa premissa, apresentamos a seguir tanto propostas de artistas que

Além disso, esclarecemos aqui que “cerâmica na arte contempo-

têm a cerâmica como principal linguagem, quanto os que a utilizam

rânea” e “cerâmica contemporânea” são conceitos distintos. Expli-

eventualmente em suas poéticas. Esses últimos por vezes incluem

cando melhor, o termo ‘cerâmica contemporânea’ abarca todo tipo

apenas materiais, procedimentos ou mesmo peças de cerâmicas industriais em seus projetos. Em geral, quando isso acontece significa

1 Ainda segundo Cauquelin, a arte moderna se inseria no sistema do consumo, enquanto a arte contemporânea se insere no sistema da comunicação e, para ela, “[...] não é na progressão linear do regime de consumo que vão se encadear as características da arte contemporânea. ” (2005, p. 55). Apesar dos mecanismos do regime de consumo ter continuado aumentando, este deixou de dar conta de explicar os fenômenos da sociedade contemporânea. Assim, induzido pelo primeiro, passamos do regime do consumo para o regime da comunicação e, a partir dele, da arte moderna, para arte contemporânea. Para maiores esclarecimentos indicamos CAUQUELIN, Anne. Frequentar os incorporais: contribuição a uma teoria da Arte Contemporânea. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

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que o artista está incorporando ao seu discurso, conceitos e referenciais pertinentes ao universo cerâmico. Assim, ao criar situações plásticas usando material cerâmico, tanto no processo tradicional, quanto no discurso livre, o artista fatalmente inclui os valores próprios desse universo em sua obra. 2 Tradução da autora.

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Por exemplo, ele pode escolher a argila por se interessar em deixar o

romperam os limites dessa linguagem, aliando-a a outras áreas do

registro corporal no seu trabalho, pois essa matéria orgânica ao ser

conhecimento com propostas transdisciplinares. Ainda há os ar-

modelada evidencia e registra os gestos corporais. Do mesmo modo,

tistas que não se dedicam exclusivamente à linguagem da cerâmi-

o uso do barro em dinâmicas performáticas pode estabelecer uma

ca, transitando por diferentes meios de expressão. Na sequência,

ação íntima entre o artista e a matéria, enfatizando formas naturais

apresentamos artistas e obras que exemplificam os percursos da

ou ritualísticas. Também outras relações próprias do universo da ce-

cerâmica na arte contemporânea.

râmica, como as ligadas a gênero e à temporalidade, são incluídas

Destacamos o trabalho precursor da brasileira, Celeida Tostes,

nos discursos plásticos daqueles que a incorporam. Pode-se obser-

cujo interesse pela linguagem da cerâmica e pela matéria argila

var que desde o primórdio da humanidade o fazer cerâmico é tido

teve início quando estudava esmaltação em metal, nos Estados

como tarefa feminina, por isso, mesmo quando produzida por ho-

Unidos. Para as pesquisas que desenvolvia na época, a artista

mens, os aspectos do feminino se mantêm presentes no trabalho.

coletava materiais, tais como areia, terra e óxidos, para depois

Do mesmo modo, toda obra em cerâmica faz referência à lentidão

reciclá-los. A partir dessa experiência com as partículas, Tostes

de seu processo de produção. Um tempo longo e de espera para cada

interessou-se pelo ciclo da terra, próprio da argila (RODRIGUES,

etapa. A cerâmica também remete ao tempo histórico ou mitológico

1998, p. 13). Elegendo o universo feminino como tema principal e

da origem do homem, pois o barro está presente tanto nos artefa-

o barro como elemento central de sua pesquisa poética, a artista

tos dos sítios arqueológicos, como no mito bíblico da criação. Des-

afirmou não haver material mais ou menos nobre. Para ela, todas

se modo, a força universal dos valores inerente à matéria argila se

as matérias são importantes no processo criativo. Com esta pos-

manifesta na construção física e simbólica das obras que perpassam

tura, Celeida Tostes buscou desmistificar o histórico debate sobre

pela linguagem da cerâmica (GUEVARA, 2006, p. 112-113).

a matéria argila.

Artistas atuantes no universo cerâmico, mas também afinados

Ainda em 1979, iniciou uma pesquisa sobre a interação do corpo

com as propostas da arte contemporânea, buscaram transcender

com a matéria e com o tema nascimento. No mesmo ano, Toste apre-

os limites dessa linguagem tradicional. Alguns se interessaram

sentou uma instalação na Funarte-RJ, como resultado da investiga-

em expandir suas obras para espaços externos, além do cubo bran-

ção. Como aponta Rodrigues, na ocasião, alguns críticos considera-

co , desenvolvendo trabalhos ambientais ou de Land Art. Outros

ram seu trabalho como o ponto de ruptura da ‘cerâmica de atelier’.

3

Desde então, Tostes abandonou o fazer tradicional da cerâmica e suas proposições passaram a ser performáticas, como a obra Passagem (Fi3 O termo ‘cubo branco’ deriva do título do livro, No interior do cubo branco, do crítico de arte, Brian O’Doherty. O autor usa essa expressão ao se referir aos museus e galerias que, geralmente, têm paredes brancas que formam espaços internos quadrados como um cubo.

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gura 01). Nesta performance ritualística, Tostes se desnuda, se banha em argila líquida, entra e é fechada em uma grande urna de argila Capítulo 1 |

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Segundo Rodrigues (2011, p. 20-21), no caso de artistas brasileiros envolvidos, exclusivamente, com a cerâmica, a produção parece se estabelecer sobre duas tendências. A primeira se volta para as práticas culturais, enquanto a segunda se centra nos procedimentos técnicos construtivos. Rodrigues ainda afirma que a tendência voltada aos aspectos culturais internacionais teve ênfase no Brasil devido à confluência cultural advinda Figura 01

Celeida Tostes, Passagem, 1979. Disponível em: http://arteonline.arq.br/ museu/interviews/celeida.htm.

dos processos de imigração. Sobre essa última, podemos citar a

Figura 02  Celeida Tostes, Muro, 1982. Disponível em: http://livros01.livrosgratis.com.br/ cp072735.pdf.

influência da cerâmica japonesa, (RODRIGUES, 1998, p. 21). Como em um ritual, a artista, literalmente,

principalmente no estado de São Paulo. Quanto à segunda tendên-

entra em contato profundo com a terra, para em seguida renascer.

cia, centrada nos procedimentos técnico-construtivos, Rodrigues

Outras proposições de Celeida Tostes tinham o caráter de arte colaborativa e intervenção pública, em que dividia as tarefas constru-

afirma que os artistas enfatizam a forma, o volume e também a organização espacial.

tivas com pessoas comuns. É o caso da obra, Muro (Figura 02), para

A artista nipo-brasileira, Kimi Nii, em certa medida, congrega as

a qual a artista organizou um mutirão, convocando a comunidade,

duas tendências. A artista nasceu em Hiroshima e veio para o Bra-

por meio de panfletagem. O muro de tijolos de adobe foi construído

sil aos nove anos, onde recebeu educação formal. Desse modo, teve

no pátio da Escola do Parque Lage. Essa ação com conotação políti-

influência tanto da cultura e educação familiar oriental, quanto da

ca e social, também abordava questões de memória e esquecimento,

cultura brasileira. Sua produção se concentra em peças de cerâmica

aproximação e separação, gerada por um muro construído com o ou-

escultóricas em que o rigor oriental transparece nas formas impecá-

tro e não, contra o outro.

veis. Por outro lado, nota-se que suas obras dialogam com arquitetura

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moderna brasileira, no que se refere à geometria precisa e limpa que se tornou marca registrada da artista. As duas instalações (Figuras 03 e 04) a seguir, fizeram parte da exposição Kimi Nii - nas nuvens, apresentadas no espaço Caixa Cultura, em São Paulo, em 2015. Para conhecer a artista e ouvir seu relato sobre seu processo criativo, acesse o link: http://arte1.band.uol.com.br/a-belezada-imperfeicao/.

Figura 04

Kimi Nii, Colunas, 2015, cerâmica. Disponível em: http://arte1.band.uol.com.br/tag/kimi-nii-nas-nuvens.

colocadas em leitos de rios modificando a paisagem. Nessas interferências, as duas obras propõem a releitura do referencial paisagístico, além de remeterem ao conceito de transitoriedade. Trabalhando por anos com a forma de casulo, Mary Di Iorio propõe instalações, tanto em espaços fechados de galerias, como em ambiente natural (Figura 05). Segundo a artista “(...) O espaço é elemento vital para o convívio da forma (...)” (1991, p. 07) que em suas dimensões variadas, em grupo Figura 03

Kimi Nii, Nuvens e ilhas, 2015, cerâmica. Disponível em: http://www.femptec.org.br/exposicao-kimi-nii-nas-nuvens/.

ou não, refletem sobre a correlação espaço/forma. Para Di Iorio, ao integrar as formas à natureza é possível dialogar com conceitos como transparência e leveza.

O trabalho da artista contemporânea brasileira, Mary Di Iorio,

Por sua vez, a proposta de intervenção ambiental de María Elisa

apresenta algumas discussões em comum à obra da artista venezue-

Quiaro remete ao processo de produção de cerâmica como metalin-

lana radicada na Alemanha, María Elisa Quiaro. As intervenções am-

guagem (Figuras 06 e 07). Inicialmente, Quiaro retirou elementos

bientais das duas artistas estão ligadas à natureza e suas peças foram

como madeira e pedras de duas minas de argila, uma na Suíça e outra

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Figura 05  Mary Di Iorio, Instalação, 1991. Disponível em: http://www.infoceramica.com/galerias-desocios/galeria-de-mary-di-lorio/#prettyPhoto/12/.

Figuras 06 e 07  María Elisa Quiaro, Claypit e Paloarcilla, 2002, resgistro fotográfico de intervenção em mina de argila. Disponível em: Catálogo Autonomía y Desplazamiento, p. 084.

na Holanda. O material recolhido serviu de matrizes para moldes,

agrega resíduos laboratoriais sobre a cerâmica que se transforma em

com os quais a artista reproduziu suas formas em argila. Algumas

substrato. Para essa intervenção o artista criou nove bactérias de ce-

das peças foram queimadas e outras não, desse modo, ao dispô-las

râmica ampliadas e as impregnou com Ágar-Ágar, que é um meio de

nos leitos dos rios a intenção da artista era devolver à natureza um

cultura da Microbiologia. As ‘bactérias gigantes’ foram dispostas em

pouco do material recolhido, para além de modificar a paisagem. As

um ambiente natural, cujo ecossistema é propício para o cultivo dos

peças de argila crua foram se dissolvendo e se reintegrando à natu-

microrganismos endêmicos que utilizou. Interessa ao artista recriar a

reza, seguindo o fluxo dos rios (2006, p. 84).

forma de vida própria do habitat dessas bactérias. Essa instalação foi

Para Marco Polo Braga (1980-) é um artista multimídia que transita pela escultura, a fotografia e a cerâmica. Entre suas propostas transdisciplinares, encontram-se as instalações em ambientes naturais. Desde 2001, Braga alia a arte a sua experiência nas áreas de Histologia e Patologia Clínica. Nessa linha de investigação plástica, o artista questiona a influência dos microrganismos na evolução humana.

Para ver imagens e compreender melhor o trabalho do artista, sugiro que acesse seu site. Clique no link abaixo, em seguida na aba ‘Obras’ e veja sua série, Instalações Endêmicas: http://www.marcopolobraga.com.br/?page_ id=2996.

Na instalação, Bactérias Rupestres (2010), de forma sustentável, Braga Cerâmica

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montada em um ecossistema chamado campos rupestres, próprio de

Figura 08  Anna Maria Maiolinino, Aqui e lá, Documenta Kassel, 2012. Disponível em: http:// artecapital.net/exposicao367-anna-maria-maiolino -aqui-e-la.

grande altitude, cuja vegetação é formada por arbustos e ervas. Outra artista contemporânea, Anna Maria Maiolino, em sua trajetória experimenta diversos meios para se expressar. Apesar da linguagem da cerâmica não se incluir entre as que Maiolino elege, a argila comparece como elemento discursivo na série, Instalações de terra modelada (1995-2006) apresentada a seguir (Figuras 08 e 09). Em sua pesquisa plástica, a artista investiga os aspectos ancestral e atual, buscando reviver “[...] compromissos primitivos, arcaicos,

Figura 09  Anna Maria Maiolinino, Aqui e lá, Documenta Kassel, 2012. Disponível em: http:// artecapital.net/exposicao367-anna-maria-maiolino -aqui-e-la.

atávicos [...]” dentro das experiências do mundo e da vida contemporânea (VENÂNCIO, 2005, p. 13). Numa certa medida, esse trabalho de Maiolino dialoga com o de Celeida Tostes, pois ambas se interessam pelo ciclo da vida. Desse modo, ao usarem a argila para se expressarem, fatalmente trazem para seus discursos a transitoriedade própria desse elemento que se dissolve e retorna ao pó. Maiolino aponta para a memória do corpo, instaurada na gestualidade de suas peças de argila, e também para a memória coletiva, que atravessa o tempo. A artista não se intimida com a matéria argila, “[...] tão desconside-

European Keracmi Work Centre, na Holanda. Naquela oportunida-

rada [...] a qual Anna concedeu um ingresso único à arte contempo-

de, estudou cerâmica, aprimorando e expandindo seus trabalhos, já

rânea [...]”, como afirma Venâncio (2005, p. 28).

com tendências ao tridimensional. Usando a técnica de molde, o ar-

Apontamos outras características recorrentes nas instalações contemporâneas. Entre essas, a força volumétrica na ocupação do

tista cria e reproduz formas volumétricas, por vezes hiper-realistas, para compor suas instalações.

espaço e a busca pela tridimensionalidade. Presentes nas proposi-

Em sua produção em cerâmica, Laerte se posiciona como um ce-

ções em cerâmica do artista Laerte Ramos, esses conceitos criam

ramista no sentido tradicional do termo, pois cuida pessoalmente de

novas relações discursivas. Interessado pela reprodutibilidade

todo o processo construtivo de suas peças. Desde o preparo do barro

de imagens, esse artista iniciou sua carreira como gravador dedi-

e da modelagem, passando pela queima e esmaltação das obras. Con-

cando-se à xilogravura e à serigrafia. Laerte fez várias residências

forme o próprio artista afirma, o fazer cerâmico é um trabalho árduo,

artísticas, uma delas no renomado Centro de Cerâmica - EKWC/

que exige resistência física. Na sua produção, os temas bélicos são

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recorrentes, provavelmente, esse interesse vem da sua educação na Escola Waldorf Rudolf Steiner, de pedagogia germânica “pós guerra”, em que teve professores suíços e alemães, alguns refugiados no Brasil. A seguir temos três instalações de Laerte, as duas primeiras têm temática bélica, Casamata (Figura 10), cujo título faz referência aos abrigos bélicos, a segunda, Lastlândia (Figura 11), remete aos brinquedos de plástico vendidos em sacolas, que povoaram o universo dos meninos de várias gerações. Enquanto a terceira instalação, 50%off: dobras, vincos & desgastes (Figura 12), é composta pelo conjunto de 304 peças hiper-realistas em forma de tênis de diferentes marcas, sendo todos de pés esquerdos.

Figura 11  Lastlândia, 2013, cerâmica. Disponível em: http://bamboonet.com.br/agenda/laerte-ramos-lastlandia.

Acesse o link e veja o processo produtivo do artista Laerte Ramos: http://www.laerteramos.com.br/#!sobre/c10fk.

Figura 10  Laerte Ramos, Casamata, 2014, cerâmica. Disponível em: http://designdeinteriores.blogspot.com.br/2014/06/.

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Figura 12  Laerte Ramos, 50% off, 2015, cerâmica. Disponível em: http://www.evandroprado.com. br/2015/04/laerte-ramos-50-off-na-funarte-sp.html.

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Ana Maria Asan é uma artista visual e sonora, natural da Bélgica,

O trabalho com peças de porcelana da artista contemporânea britâ-

que tem a argila como matéria principal em seu processo criativo e

nica, Jessica Harrison (1982-) destaca-se por abordar temas femininos,

que se interessa pelo potencial sonoro da cerâmica, incluindo-o em

com humor e inteligência. Em uma de suas séries, Harrison se apropria

sua investigação plástica. Sua obra, Intrusion (Figura 13), foi finalista

de delicados bibelôs para, em seguida, desconstruir alguns conceitos.

no 33º Concurso Internacional de Cerâmica de L’Alcora, em 2013, na

Retrabalhando as imagens das frágeis damas de porcelana, a artista

Espanha. Na instalação visual e sonora, Cozinha voluntária (2014), a

as coloca em situações inusitadas e até mesmo macabras, rompendo

artista reproduziu objetos utilitários comuns ao universo domésti-

com a imagem tradicional que sustenta, socialmente, a mulher como

co, esvaziando-os de sua função. Ao agregar sons próprios da cerâ-

o sexo frágil. Por vezes suas damas aparecem rasgando a própria pele e

mica, Ana Maria Asan surpreende o espectador ao conduzi-lo, poeti-

retirando suas vísceras. Em outras, surgem segurando a própria cabeça

camente, a novos sentidos.

decepada (Figura 14) ou o coração arrancado do peito. Aliando outros materiais em suas peças, tais como resina epóxi, Harrison propõe no-

Acessando o link, pode-se ver e ouvir sua instalação que associa a audição à cerâmica, além do tato e da visão. www. youtube.com/watch?v=QDmt_sqVR8Y.

vas definições para os papéis romantizados da mulher. Em entrevista, a artista revela que se sentiu atraída pelos bibelôs que retratam a mulher com pele perfeita. E como forma de combater a imagem do corpo feminino carregada de tabu, munida de martelo e cinzel, Harrison foi quebrando as peças, criando ocos e revelando seu interior. Mantendo seu olhar crítico e bem-humorado, em outra série desses bibelôs com indumentária típica da Era Vitoriana, a ar-

Figura 13

Ana Maria Asan, Intrusion, 2013, porcelana. Disponível em: http://www.museulalcora. es/76003_en/2013/.

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tista tatua a pele das mocinhas (Figura 15). Dessa forma, fazendo

Figura 14  Jessica Harrison, s/título, s/d, porcelana. http://www.pessegadoro.com/2013/12/a-macabra-arte-em-porcelana-de-jessica. html.

referência ao reinado britânico Capítulo 1 |

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da Rainha Vitória e à Belle Époque, a artista aborda aspectos culturais de nossa época, como a tatuagem.

Vale conferir um pouco mais do trabalho desta artista, acessando o link: https://www.youtube.com/ watch?v=5D9gBJn2Qc8 Já a artista mineira Regina Rodrigues (1959-) sempre teve a cerâmica como principal meio de expressão, concentrando sua pesquisa plástica na produção de objetos escultóricos. Interessada nas cores e na qualidade plástica das argilas do Espírito Santo, paralelamente à docência, a artista desenvolve pesquisa nessa área, coleta e testa

Figura 15  Jessica Harrison, s/título, s/d, porcelana. http://www.pessegadoro.com/2013/12/a-macabra-arte-em-porcelana-de-jessica. html.

terras de regiões deste estado, onde viveu e foi docente por cerca de vinte anos. A lida com as matérias influenciou sua investigação plástica. Seus trabalhos da década de 1990 revelam seu interesse pela gestualidade, pelas cores e texturas próprias da cerâmica. Outra vertente da produção da artista é a incorporação de materiais alheios ao universo cerâmico na construção de suas peças escultóricas. Em seus trabalhos mais recentes, Rodrigues inseriu a tecelagem em fio de cobre (Figura 16) e o vidro soprado. Essas inserções incorporam outros atributos e valores ao pensamento plástico da artista. No primeiro caso, por exemplo, Regina tece tramas em finíssimos fios de cobre. O uso do cobre e o ato de tecer, em certa medida, remetem ao fazer cerâmico, tanto porque o elemento cobre integra a composição da terra. Quanto à tecelagem, pois o ato de tecer um fio rígido é tão árduo, quanto a manipulação da argila e am-

Figura 16  Regina Rodrigues, série Opacidade/transparência, cerâmica e vidro. Acervo: Luciano Feijão.

bos remetem à construção de um tempo como devir. Além disso, ao Cerâmica

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tecer, a artista incorpora valores culturais próprios da região onde

do artista Barrão que se arrisca a incorporar novas referências con-

nasceu, Uberlândia-MG. Nos trabalhos da série Opacidade e Trans-

ceituais ao seu discurso. Ao fragmentar louças para incorporá-las

parência (Figura 17), ao associar o vidro à cerâmica, Rodrigues apro-

em uma nova construção, as obras (Figuras 18 e 19) do artista apon-

funda suas pesquisas no universo das ‘artes do fogo’, além de agre-

tam sua postura crítica à sociedade de consumo, além de suscita-

gar novos valores, como alguns conceitos dicotômicos – opacidade/

rem memórias do passado.

transparência, peso/leveza - ao potencial simbólico da cerâmica. Indicamos o vídeo abaixo, em que Barrão mostra o seu atelier e fala do seu processo criativo: https://vimeo. com/51613616.

Figura 17  Regina Rodrigues, s/título, 2015, cerâmica e fio de cobre.Acervo: Tatiana Campagnaro.

Como apresentado anteriormente, alguns artistas contemporâneos não se dedicam exclusivamente à linguagem da cerâmica. Porém, apropriam-se de peças de louças industrializadas, utilitárias ou decorativas, para algumas proposições e nesse caso, o artista rompe com o discurso utilitarista que a cerâmica carrega desde sua

Figura 18  Barrão, Teresinha, 2006.Disponível em: http://automatica.art.br/livros/artebra_ barrao.pdf.

Figura 19  Barrão, Casulo Ram, 2012. Disponível em: http://textoacao.blogspot.com.br/.

origem. Nessa linha de construção poética apresentamos o trabalho Cerâmica

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piso com uma grossa camada de sementes de girassol produzidas Para finalizar apresentamos o trabalho: Sementes de girassol

artesanalmente em cerâmica. Esse tapete continha 100 milhões de

(2010), do artista chinês, Ai Weiwei, um artista conceitual, crítico

sementes pesando, em sua totalidade, 150 toneladas e envolveu 1.600

social e político, que atua em rede. Multimídia, Weiwei é arquiteto,

pessoas em sua produção, inclusive o artista contratou vilas de pro-

escultor, fotógrafo, blogueiro, tuiteiro e crítico cultural. A partir de

dutores de cerâmica para a produção das sementes de cerâmica.

suas observações sensíveis sobre questões sociais atuais, o artista

Esses números altos nos permitem compreender a complexidade

cria redes entrelaçando arte e vida. (2013, p. 16). Mesmo que ‘Semente

da obra de Ai Weiwei, para muito além da exposição de suas semen-

de girassol‘ (Figura 20), inicialmente, tenha sido concebida para ser

tes de porcelana. Criticando o sistema capitalista “made in China”

uma exposição na Tate Modern de Londres, acreditamos ser redu-

que invadiu o mundo, o artista interfere na tradição chinesa, a par-

cionismo chamá-la de instalação. Nessa galeria, Weiwei cobriu o

tir do sistema de produção artesanal de porcelanas pintadas à mão. Outros sistemas em rede, como de comunicação e de transporte, integram esta obra. Acesse o link abaixo, assim você poderá ver todas as conexões entre redes que foram feitas para a realização da obra. O próprio artista ao visitar a vila produtora de porcelana que contratou, apresenta todo o processo de produção artesanal, desde a retirada porcelana em uma mina. O vídeo prossegue mostrando as redes conectadas até a exposição na Tate Modern. https://www.youtube.com/ watch?v=y5si1iiJHHk&feature=youtu.be Dentre tantas ideias abordadas por Ai Weiwei nessa obra, podemos apontar a crítica à Revolução Cultural, na qual o líder Mao Tsé Tung foi representado pelo sol e as pessoas, que lhe deveriam prestar

Figura 20

Ai Weiwei, Sementes de girassol, 2010. Tate Modern, Londres. Disponível em: https://anoldtrip.wordpress.com/2013/12/10/sementes-de-girassol-de-ai-weiwei-ganham-site/.

obediência, foram simbolizadas pelo girassol. O próprio pai do artista sofreu retaliações à época desse regime socialista autoritário. Nessa obra, observa-se também a crítica ao sistema econômico consumista atual, do qual grande parte da produção industrial mundial

Cerâmica

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se concentra na China, sem que se atenham à qualidade do produto

remete à produção em série, assim como a esmaltação das peças

e à exploração dos trabalhadores. Ai Weiwei, para entrelaçar arte e

que encobre a materialidade natural da cerâmica, tornando-as se-

vida, toma partido de uma tradição milenar de seu país - a porcelana

melhantes às industrializadas. Também a decisão pelo fazer manual

chinesa artesanal - para criticar a industrialização e o consumo de-

arraigado à tradição da manufatura, demonstra uma postura crítica

senfreado e insustentável do mundo atual.

e de resistência à produção industrial insustentável. Ao abordarem

É importante observar que proposições mais recentes dos ar-

temas atuais como os que acabamos de apontar, esses artistas nos

tistas apresentados também provocam o debate sobre o consumis-

convidam a refletir sobre questões política, sociais e econômicas

mo. Como o trabalho de Laerte Ramos, Jessica Harrison, Barrão e Ai

que fazem parte de nossa realidade. E o que nos apontam os artistas

Weiwei. Nessa discussão em comum, por meio da apropriação ou

contemporâneos quando escolhem uma matéria como a cerâmica,

criação das peças, as obras desses artistas fazem alusão ao universo

que exige lentidão e espera em seu fazer? Estariam nos alertando

do consumo. Ramos, por exemplo, mesmo modelando artesanal-

sobre a necessidade de desacelerar neste tempo veloz, em que vive-

mente suas obras em ateliê, reproduz com fidelidade as caracterís-

mos? Deixamos aqui esta reflexão, pois a arte sempre é um convite

ticas de produtos industrializados que encharcam nosso cotidiano

para pensarmos o mundo em que vivemos.

ou nosso imaginário. A técnica de molde, usada por ele também,

Cerâmica

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Capítulo 2

Matér a-Pr ma, espaço de produção e ferramentas Regina Rodrigues e Tatiana Campagnaro Durante toda a história, em todas as civilizações, o homem se rendeu aos fascínios de tomar uma porção da argila em suas mãos e moldá-la. Desde os povos primitivos até os mais famosos escultores utilizaram o barro para modelar, a partir de suas necessidades e seus desejos. O barro bruto é um material natural, terroso, de granulação fina, aparentemente inflexível e uniforme. No que consiste essa matéria -prima? O barro possui uma história, uma dignidade de que talvez nenhum outro material possa se vangloriar. É fruto de uma ação milenar da natureza e resulta da decomposição de rochas e da quebra de pedras, que se dissolveram na água e novamente se cristalizaram em partículas. O solo tem um período de vida de milhões de anos. A nossa vida média é de 70 ou 80 anos. Não podemos perceber o que está acontecendo com o solo, pela mesma razão pela qual não poderíamos ouvir a melodia de um disco tocado à velocidade de uma Cerâmica

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rotação por séculos. E o solo, por seu lado, nem sequer percebe a nossa existência, pois nós vivemos apenas por um breve instante de sua vida. Para ele, não passamos de clarões na escuridão (FONTES, L.E.F.; FONTES, M.P.F., 1982, p. 1).

chamadas de secundárias, possuem grãos mais finos, moídos pela ação das águas que separou os grãos mais grossos, que se depositam no solo ficando para trás. Nessa movimentação, diferentes minerais se agrupam, formando infinitas combinações que vão determinar as características de cada argila. A propriedade mais importante da argila é a plasticidade, ou seja,

Por existir uma grande quantidade diferente de rochas, podemos

a capacidade de ser modelada sob a ação de uma força e de se man-

concluir, então, que existem infinitos tipos de terra por toda a super-

ter com a forma que lhe foi dada. A maior ou menor plasticidade

fície da crosta terrestre, que, em contato com a água, formarão dife-

de uma argila depende da sua composição, do tamanho e formato

rentes tipos de barro. O solo umidecido pelas águas da chuva vira

de seus grãos, das impurezas e da quantidade de material orgâni-

barro ou lama, dependendo da quantidade de água. Então, barro é

co existente. O tamanho e formato dos grãos (que são microscópi-

terra mais água.

cos 0,002 mm de diâmetro) vão definir a capacidade de absorção de

Cada barro tem uma composição mineral diferente, apresentan-

água ao redor de cada grão e a tração entre eles. A água funciona

do, assim, características diferentes. Em geral, as pessoas usam o

como um lubrificante que permite a movimentação entre os grãos.

termo barro sem diferenciá-lo de argila, mas barro é qualquer terra

Quanto mais regular for o grão, mais uniforme é a distribuição da

misturada com água, enquanto a argila possui a capacidade de ser

água ao seu redor e maior a facilidade de movimentação das partí-

modelável, em maior ou menor grau.

culas. Na linguagem popular, costuma-se usar as expressões barro

Tomado pelo homem no seu instante de vida, o barro se torna matéria da produção de instrumentos, mas, para isso, deve-se tornar

gordo para designar argilas mais plásticas e barro magro para aquelas que contêm pouca plasticidade.

argila, e argila nada mais é que um barro com minúsculas partícu-

Quanto mais plástica é uma argila, mais água absorverá, aumen-

las, que o tornam maleável. A argila é um material abundante e, em

tando, assim, de volume. Ao secar, a água evapora e as partículas se

geral, adquire, quando umedecida com água, certa plasticidade ou

aproximam, fazendo com que a peça diminua de tamanho. Assim, a

maleabilidade, permitindo tomar as formas que se queira dar.

plasticidade é proporcional ao encolhimento da massa, quanto mais

As argilas podem ser encontradas na natureza a céu aberto, em

plástica, mais encolhe.

barrancos, na beira de rios ou em camadas subterrâneas. A argila

As peças, depois de secas à temperatura ambiente, perdem a água

que se mantém no local de origem de sua rocha mãe é chamada de

física, mas ainda conservam certo grau de umidade, chamado de

argila primária, geralmente é pura, possui os grãos grossos e é pouco

água química, que evaporará mediante aquecimento, a uma tempe-

plástica. Já as argilas que se deslocaram para longe da rocha mãe, são

ratura de 100ºC. Assim, a argila continua encolhendo durante todo o

Cerâmica

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21


processo de aquecimento que a transformará em cerâmica. Aprofun-

Como preparar e testar uma arg la

daremos esse assunto no capítulo Fornos e Queimas. Podemos dizer que a argila está constantemente trocando água

Se você deseja preparar e testar uma terra argilosa encontrada na na-

com o meio onde se encontra. Se colocarmos água em uma argila

tureza, deve retirar uma pequena quantidade para teste. Se a amos-

seca ela absorverá a água e aumentará de tamanho, se a deixarmos

tra estiver úmida, deve-se secá-la e triturá-la e, após isso, deve ser

ao ar livre, perderá a água e encolherá novamente. Entender esse

colocada de molho na água para que ela se dissolva por completo

processo é fundamental para a ação seguinte, a modelagem.

até obter uma “lama” homogênea. Caso restem pequenos grumos, o

A composição química dos minerais que fazem parte da argila e

ceramista deve desmanchá-los com as mãos.

as matérias orgânicas determinarão a coloração das argilas in natura,

Coloque a argila líquida sobre uma superfície absorvente, pode

podendo variar nas tonalidades brancos, amarelos, vermelhos, mar-

ser uma pilha de jornal, uma telha de cerâmica ou uma placa de

rons, roxos, cinzas e preto. Mas a coloração de uma argila crua não

gesso e deixe-a no local até obter uma consistência em que possa

determina sua cor após a queima, que será definida pelos os óxidos

ser amassada, sem colar nos dedos. Se a quantidade de água ainda

minerais (ox. ferro, ox. cromo, ox. cobre, ox. manganês...) presentes

estiver excessiva a argila estará mole e pegajosa, devido à perda de

na composição da massa, que irão sofrer reações químicas, mediante

aderência entre as partículas, necessitando perder um pouco mais

o calor, variando de tonalidade de acordo com a temperatura alcan-

de sua umidade antes de ser utilizada.

çada. Dessa forma, uma argila preta ao ser queimada pode resultar

Após retirar a argila da superfície, deixe-a em repouso, durante

numa cerâmica branca e uma marrom pode se transformar em uma

um tempo em ambiente adequado, para melhorar a plasticidade (lu-

peça alaranjada (Figura 21).

gar fresco e protegido do sol e do vento, de preferência acondicionada

É muito importante para o ceramista saber como preparar uma

em sacos plásticos para manter a umidade). Para testar a plasticida-

argila para modelar sua própria massa, mesmo que, depois, ele faça

de, amasse-a e faça um rolinho, curvando-o lentamente até formar

opção por adquiri-las prontas para modelar.

um biscoito ou um arco (Figura 22).

Figuras 21  Testes de retração e coloração da argila - crua, queimada a 950º e 1240º.

Cerâmica

Figura 22  Teste de plasticidade.

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Se durante esse processo a argila apresentar rachaduras ou abrir fissuras, é sinal de pouca plasticidade, o que dificulta o trabalho de

Às vezes, são adicionados à argila outros elementos para se obter um material de maior plasticidade, coesão e melhor cozimento.

modelagem. Podemos, então, misturá-la com outra argila mais plás-

As argilas muito plásticas, por encolherem bastante, tendem a

tica ou acrescentar bentonita, argila vulcânica que aumenta a capaci-

apresentar rachaduras na secagem e na queima, podem ser acresci-

dade de absorção de água da massa, podendo ser usada na proporção

das de chamote. O chamote pode ser obtido triturando a cerâmica ou

de até 3% do peso da argila seca. Outra possibilidade é utilizá-la para

queimando argila em pó, e podem variar de granulometria de acordo

fazer engobe ou terra sigilata, os quais trataremos com mais deta-

com a necessidade. Por já ter sido queimado, não encolhe mais, as-

lhes, posteriormente; por enquanto, daremos continuidade à prepa-

sim, ao ser adicionado a uma massa, reduz seu índice de retração e

ração da argila, transformando-a em massa cerâmica.

aumenta sua resistência.

Quando a argila apresenta características apropriadas para a

Nas obras de Mary Di Iorio, realizadas na década de 80, podemos

modelagem, devemos guardá-la embalada em saco plástico bem fe-

conferir a preparação da massa cerâmica para dimensões amplas.

chado, para manter a umidade da massa. A água evapora e vai de

Na composição da massa, entraram: elementos plásticos (argila para

encontro ao plástico, voltando novamente para a argila, matendo-a

baixa temperatura, adquirida na região de Monte Carmelo; uma ma-

úmida. Se necessário, podemos envolvê-la com pano molhado, dei-

téria-prima de fácil acesso e de boa qualidade, contendo muito óxido

xando por um tempo até que aumente sua umidade.

de ferro) e o elemento antiplástico (o chamote grosso - argila calci-

Podemos, então, dizer, no que se refere à cerâmica, que essa fase de

nada). Nesse caso, a massa com chamote promove maior resistência

preparação demanda calma, desde a escolha ponderada da argila e dos

à peça, evitando certas deformações durante o processo de trans-

elementos de liga, até um paciente manejo. Sabemos que existem vá-

formação da pasta em cerâmica. A escolha do chamote grosso teve

rias qualidades de argila, portanto, o ceramista precisa conhecer a ma-

como objetivo deixar a textura aparente (Figura 23).

téria com a qual se propõe a trabalhar, para compreender como ela age e se suas propriedades atendem às suas necessidades, podendo fazer possíveis adaptações para superar os limites que lhe impôs a matéria.

Preparação da massa cerâm ca A plasticidade, maleabilidade e flexibilidade da argila fazem desse material um convite a sua manipulação, despertando as potenciali-

Figura 23  Mary Di Iorio. Preparação da massa com chamote.

dades criadoras do ser humano. Cerâmica

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As experiências de manuseio da argila foram numerosas em di-

utilizar materiais que possam contribuir para absorção da água na

ferentes grupos sociais. Essa variação é determinada a partir das

massa: folhas de jornal ou placas de gesso.

incorporações de outros elementos à matéria para obtenção de um

Há várias formas de amassar o barro com as mãos, apresentare-

material mais apropriado, determinando diversos saberes e fazeres.

mos aqui dois deles: usando as duas mãos agarradas na massa num

Pode-se definir uma massa cerâmica como uma mistura de argi-

contínuo movimento, como massa de pão ou com uma mão enrolan-

las e outras substâncias minerais, as quais são balanceadas, dando

do a massa em forma de caracol, como fazem os japoneses.

origem as mais diversas classificações, para vários fins, numa com-

Como massa de pão: corte uma parte da argila com as mãos ou

plexa nomenclatura: terracota, faiança, porcelana, refratários etc.,

usando fio de náilon. Sobre uma superfície lisa e seca (madeira, for-

dependendo da massa cerâmica preparada.

mica, granito) pressione com as palmas das mãos de cima para baixo

Após a preparação da massa, o próximo passo é escolher sua con-

e de fora para dentro, rolando ligeiramente para frente, fazendo uma

sistência para atuar sobre essa, devendo-se optar entre macio ou

força igual com ambas as mãos. Com os dedos, puxe a massa para

mole, dependendo de como se vai direcionar o trabalho: para mode-

trás e repita o procedimento. A argila deve manter a forma cilíndri-

lagem ou para moldagem.

ca, evitando buracos, para não formar novas bolhas (Figuras 24).

Ao optar pela modelagem, o ideal é a massa firme. O barro é amassado pacientemente, até obter uma massa uniforme, pastosa e macia. O amassamento do barro visa dar-lhe mais uniformidade, assim como expulsar possíveis bolhas de ar no seu interior. Durante esse processo, a massa precisa de mãos firmes e experientes para que se torne coesa. Nessa ação, a matéria nos revela as nossas forças, sugerindo nosso empenho. De fato, a mão que trabalha imprime à matéria uma dinâmica, pois, nesse momento, há uma intimidade do sujeito com o material, um lento trabalho de amassa-

Figuras 24  Amassando em forma de pão.

dura, numa troca de energia. Mas nem sempre encontramos uma massa homogênea para tra-

Método oriental: consiste em amassar a argila em forma de espiral.

balhar, podemos nos deparar com uma matéria um pouco dura. Nes-

Coloque a mão dominante sobre a massa e a mão oposta em sua late-

se caso, o ideal é amassá-la num pano úmido; e quando estiver mole,

ral. Com a mão dominante faça uma leve pressão de cima para baixo

com dificuldade no manuseio (grudando na mão), é necessário

e para frente, com a outra mão gire a massa em direção ao seu corpo,

Cerâmica

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formando um cone. Esse método é mais difícil para os principiantes, mas pode ser dominado com um pouco de prática (Figuras 25).

Após amassar o barro, levando em conta o estado da argila, em geral amorfa, o trabalho do ceramista consiste em dar forma à matéria, iniciando-se a construção do objeto. Podemos definir três grupos técnicos para a construção de um objeto cerâmico: modelagem, moldagem e torneamento. Esses procedimentos podem ser conjugados, mas algumas técnicas carecem de matérias exatas que respondem às necessidades de seus procedimentos, como a moldagem.

P gmentos natura s As argilas que não são apropriadas para a modelagem não precisam ser descartadas de imediato. Elas podem ser usadas como pigmento Figuras 25  Amassando em forma de cone.

natural, como terra sigillata ou engobe para pintar uma peça crua. A Em algumas situações, mais

Figura 26  Amassando com os pés.

forma de aplicação é a mesma em ambos os casos.

precisamente como das pane-

A terra sigillata foi utilizada pelos gregos para decorar os clássicos

leiras de Goiabeiras do Espí-

vasos com figuras-negras e figuras-vermelhas (Figuras 27 a e 27 b).

rito Santo, o processo sofreu

Trata-se de uma pintura feita com a parte mais fina da argila, obtida

alteração. Antes amassado em

por meio da separação das partículas, por um processo de suspensão

pequena quantidade nas mãos,

e decantação que, aplicado sobre a peça crua, após a queima, apresen-

de forma lenta, pelas mulheres,

ta um fino revestimento muito liso e quase impermeável.

aos poucos, as misturas das ar-

Hoje em dia, podemos improvisar a sua preparação. Para tanto,

gilas passaram a ser feitas pelos

basta colocar a terra em uma garrafa pet com água, na proporção de

homens com os pés nus, possi-

um terço de terra e dois terços de água. Essa mistura deve ser agitada

bilitando a preparação de uma

e depois deixada em repouso para que os diferentes materiais pos-

grande quantidade de massa em

sam decantar. Depois de aproximadamente dois dias, será possível

pouco tempo e de forma homo-

perceber, através do plástico, duas camadas de argila separadas pela

gênea (Figura 26).

espessura dos grãos, ficando os mais pesados por baixo, os mais finos por cima e no topo uma porção de água separada. Com o auxílio

Cerâmica

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de um estilete, faça um furo na garrafa no limite da água com a argila

cor que se deseja obter, variando de óxido para óxido. Ao acrescen-

mais fina, de forma que a água escoe, podendo ser descartada. Depois

tarmos óxido de ferro a uma argila clara, obteremos tons averme-

que a água escoar completamente, repita a operação no limite da ar-

lhados; com o manganês tons de marrom; o engobe com óxido de

Figura 27 a

Ânfora com pintura em figura-negra.

Figura 27 b  Prato com pintura em figura-vermelha.

Cerâmica

gila mais fina com a argila mais

cobalto resultam em uma em azul; enquan-

grossa, de forma que essa cama-

to o óxido de cromo ou de cobre resultam

da mais fina escorra pelo orifício

em uma variada gama de verdes. Podemos

e seja recolhida em algum reci-

também combinar mais de um óxido no

piente. Essa argila recolhida é a

mesmo engobe para produzir outras tonali-

terra sigillata.

dades. É importante ressaltar que o esque-

Engobes são argilas líquidas

ma de cores que aprendemos com o disco

usadas para pintar a superfície

de Newton não funciona na cerâmica, pois

de outra argila crua, resultando

não estamos misturando pigmentos, e sim

após a queima em cores opacas.

minerais que irão se relacionar por meio de

Essa técnica é muito antiga e

reações químicas, por intermédio do calor,

consiste basicamente na aplica-

durante a queima. São três os processos

ção de uma camada de argila lí-

de aplicação do engobe: com o pincel, por

quida colorida, cobrindo parcial

imersão ou por banho. No entanto, o mais

ou totalmente a cor da argila da

indicado para os iniciantes é o pincel. O

base. Os engobes podem ter a

engobe deve ter uma consistência fluida,

cor natural da própria argila ou

como um iogurte de beber (Figura 28 a), e

podem ser preparados, acres-

deve ser aplicado em duas ou três camadas

centando óxidos minerais ou

com pincel macio, alternando a direção

corantes a uma argila preferen-

das pinceladas, esperando-se secar entre

cialmente de cor clara, devido à

as aplicações. Como a argila absorve rapi-

interferência dos óxidos nela já

damente a água do engobe, tenha cuidado

existentes. A quantidade de óxi-

para não molhar demais a peça, pois essa

do que se acrescenta a uma mis-

poderá aumentar rapidamente de volume e

tura depende da intensidade da

rachar (Figura 28 b).

Figura 28 a  Consistência do engobe.

Figura 28 b  Aplicação do engobe com pincel.

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A utilização do engobe é como se fosse um casamento entre duas

Espaço de produção

argilas: a argila líquida do engobe e a argila da base. Para que esse relacionamento dê certo é fundamental que as duas argilas encolham

A cerâmica demanda procedimentos, equipamentos, materiais e ma-

de forma semelhante. Caso uma encolha mais do que a outra, elas

térias-primas específicos. Por haver certos rigores e etapas na produ-

podem se desprender na hora da secagem ou da queima, por isso se

ção, requer um espaço de trabalho determinado. Quando falamos de

faz necessária a realização de testes, antes da aplicação nos trabalhos.

ateliê, estamos propondo ir além do lugar de produção, procurando

Durante a aplicação, podem-se utilizar máscaras feitas de papel: um

pensar em como se dá a relação do ceramista com o espaço, desde o

processo de isolar determinadas áreas com papel e depois aplicar o

momento em que pensa a obra, até a construção dos trabalhos.

engobe nas partes desejadas (Figura 29).

Dependendo do que se deseja produzir, a montagem do ateliê

Após a aplicação do engobe, pode-se optar pela técnica do sgra-

pode ser simples ou envolver um número maior de equipamentos.

fitto, que consiste em raspar o engobe. Dessa forma aparecerá nas

Em geral, quando se fala de um ateliê coletivo, o espaço deve ser

linhas que formam os desenhos, a cor original da peça (Figura 30).

amplo e arejado, de preferência com janelas e portas largas que permitam uma boa ventilação. Se a ideia inicial for apenas fazer modelagem à mão, são necessários: mesas, banquinhos e prateleiras; mas se incluir o uso do torno, a produção cresce, com isso, será preciso um número maior de prateleiras para secagem das peças. O espaço do forno vai depender daquele escolhido, mas, em geral, requer-se um lugar adequado, separado do ambiente de produção, pois esse emana calor e, às vezes, gases tóxicos, o que pode ser prejudicial à saúde dos participantes. A água corrente é fundamental para o trabalho, por isso, o espaço deve conter tanques ou pias com caixa sifonada, para evitar que a argila impregne os encanamentos, o que pode entupi-los. No

Figura 29  Aplicacão de engobe com máscara.

Figura 30

Técnica do sgrafitto.

livro “Cerâmica”, editado pelo Senac, as autoras PENIDO e COSTA, propõem uma maneira simples de evitar o problema, caso já haja a instalação no espaço:

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[...] deixar um balde dentro do tanque, embaixo da torneira. Perto da borda do balde, abre-se um buraco e nele coloca-se um tubo de PVC de cerca de 15 centímetro, para escoar a água, como se fosse uma bica. Todo o material deve ser lavado sobre esse balde. A argila fica depositada no fundo e, periodicamente, é jogada fora (1999, p. 99).

Acreditamos que ter um espaço adequado para o trabalho de artes dentro das escolas, com equipamentos adequados, em especial o forno, é um estimulo para o professor tanto na pesquisa pessoal, quanto na introdução dessa linguagem na sala de aula. A cerâmica, uma das primeiras experiências do homem, muito presente no

Figura 31  Sala de cerâmica do Centro de Artes da UFES.

cotidiano, é pouco trabalhada na escola em grupo de quaisquer

É importante esclarecer que alguns equipamentos devem ser ins-

faixas etárias. Quando perguntamos o porquê de não desenvolve-

talados definitivamente. Por essa razão, o ambiente deve ser pensa-

rem atividades com argila, os professores, em geral, justificam-se

do de forma a não interferir na circulação, dos sujeitos, de modo a

pela não existência de um espaço adequado para desenvolver as

contemplar também os cuidados com segurança. Os móveis, como

atividades artísticas. Com isso, muitos alunos deixam de exercitar

mesas, prateleiras e outros materiais de fácil locomoção, permitem

atividades ligadas ao tridimensional, sendo o desenho o principal

ser deslocados de lugar, criando um novo ambiente e circulação mais

meio de expressão plástica. Mas acreditamos que a mudança deve

adequados. Assim concebida, a sala de cerâmica poderá ser um espaço

partir de nós, professores, pois se propusermos a transformar o

onde alunos possam vivenciar o ambiente de forma mais prazerosa.

espaço da sala em um ambiente para atuar com o básico, a ma-

Os materiais para se trabalhar com cerâmica, principalmente fer-

téria, permitiremos ampliar tanto nossas experiências artísticas

ramentas e matérias-primas utilizados na sala de artes, devem estar

quanto a dos alunos, ao mesmo tempo, que plantaremos a semen-

em lugares visíveis, para criar um diálogo do meio com o grupo no

te da mudança na escola.

momento da produção e, ao mesmo tempo, contribuir com a organi-

Nas imagens abaixo, pode-se observar como está organizada a

zação da sala, no final de cada atividade.

sala de cerâmica do Centro de Artes da UFES, como exemplo de distri-

Além da sala de aula, podemos pensar em espaços alternativos

buição e organização de um espaço de ateliê de cerâmica (Figura 31).

para o desenvolvimento das atividades, como o pátio e os corredores.

Cerâmica

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Enfim, a sala de artes pode estar em outros espaços ditos não convencionais, cabe a nós professores sermos criativos e olharmos para o interior da escola e descobrir outros ambientes pouco utilizados e que podem ser aproveitados pelos ceramistas. Podemos concluir que é possível dialogar com diferentes espaços, na concepção da obra, enquanto artistas, montando o próprio ateliê ou adaptando-o em casa, ou, outras vezes, compartilhando o espaço em que se atua como professor; uma prática muito comum dos professores das universidades. Como foi o caso de Mary Di Iorio que, enquanto professora, conviveu com dois diferentes espaços de produção (no seu ateliê/escritório montado em um dos cômodos de seu

Figura 32  Espaço da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

apartamento e na Universidade Federal de Uberlândia - UFU, onde foi professora), espaço estruturado de forma ampla para futuras gerações, resultado de sua preocupação (Figura 32). Diferentemente de Di Iorio, Tostes foi mais longe, além de atuar como professora na Universidade Fedral do Rio de Janeiro - UFRJ, conquistando um amplo espaço para os alunos, desenvolveu projetos no Parque Lage e nas comunidades (Figura 33 a); espaços que aos poucos foram incorporados pela artista, como possíveis para pesquisa e para produção plástica (Figura 33 b). Esse último exemplo nos mostra que a escolha do material não está condicionada ao lugar, mas ao prazer de se trabalhar com a matéria. Ter nosso próprio espaço de experimentações, permite-nos vivenciar as etapas da cerâmica, um olhar para além da sala de aula, possibilitando uma constante vivência como aprendiz daquilo que

Figura 33 a

Figura 33 b

Comunidade da Mangueira.

Construção da obra Gesto Arcaico.

se propôs trabalhar, como um permanente pesquisador ou observador da matéria, num diálogo constante entre o fazer e a percepção.

Cerâmica

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Ferramentas

seguida, alterar o poder da própria ferramenta, com a criação de máquinas que agilizam o seu fazer.

Antes de apresentar o processo de modelagem, devemos apontar a

São muitas as ferramentas usadas pelos ceramistas, mas a esco-

importância das ferramentas utilizadas durante a construção da peça

lha deve ser feita de acordo com a experiência e a necessidade. As

cerâmica, pois, em alguns casos, essas passam a funcionar como uma

ferramentas para cerâmica podem ser adquiridas em lojas especiali-

extensão do corpo, inteirando os efeitos técnicos da mão humana.

zadas ou criadas pelo próprio ceramista de acordo com suas neces-

Para mostrarmos como a ferramenta é extensão da mão, tomare-

sidades, e podem ser elaboradas a partir dos modelos encontrados

mos emprestadas as palavras de Fischer (1983, p. 21-22), cujo propósi-

em livros (Figura 34 a). É possível utilizar vários utensílios prontos,

to é a utilização para o trabalho.

como aqueles encontrados na cozinha: facas, garfos, colheres e rolo de macarrão etc. Espátulas podem ser feitas com madeiras macias e

O homem tornou-se homem através da utilização

esculpidas com estilete ou faca.

de ferramentas. Ele se fez, se produziu a si mesmo,

A serrinha de ferro pode ser di-

fazendo e produzindo ferramentas. A indagação

vidida em duas partes e, com do

quanto ao que teria existido antes, se o homem ou a

esmeril, podem ser feitas duas

ferramenta, é, portanto, puramente acadêmica. Não

boas faquinhas.

há ferramenta sem o homem, nem homem sem a fer-

Outra ferramenta muito usa-

ramenta: os dois passaram a existir simultaneamente

da pelos ceramistas é o desbas-

e sempre se acharam indissoluvelmente ligados um

tador (Figura 34 b), encontrado

ao outro. Um organismo vivo com objetivos naturais

no mercado em diversas formas,

e, por terem sido utilizados pelo trabalho humano,

e que pode ser confeccionado

estes objetivos naturais tornaram-se ferramentas.

com o corpo de uma caneta es-

Figura 34 a Ferramentas.

ferográfica sem carga ou manNo livro “O homem e a matéria”, Leroi - Gourhan (1984, p. 18),

gueiras plásticas e um arame

admite a incerteza de uma cronologia das ferramentas pré-históri-

flexível, fixados, mediante o

cas de acordo com a sua constituição. Segundo ele, “[...] é a matéria

aquecimento do plástico e pres-

que condiciona todas as técnicas”. Devemos lembrar que o homem

são do metal com um alicate, ou

foi elaborando as ferramentas para dinamizar o seu trabalho, pri-

com massa durepox.

Figura 34 b­ Desbastadores.

meiro entre ele e a matéria, como prolongamento da mão, para, em Cerâmica

Capítulo 2 |

30


Um pedaço de fio de náilon amarrado a duas tampinhas plásticas

Vamos primeiramente focar

funciona como cortador. Uma ponta seca pode ser feita com agulha

nossos estudos nas técnicas de

de crochê sem a ponta ou com agulha de bordar. Um cartão de cré-

modelagem para, em seguida,

dito vencido pode ser usado para substituir as placas metálicas, com

apresentar as etapas do processo

a função de alisar superfícies das peças. Além dessas ferramentas, é

de torneamento, que acreditamos

necessário ter sempre em mãos, jornal, pano velho e esponja macia.

ser úteis para a introdução da ce-

Em geral, o ceramista organiza um espaço para guardar as fer-

râmica no ensino-aprendizagem.

ramentas como potes de cerâmica ou garrafas pet cortadas ao meio e suspensas na parede, próximos as mesas de trabalho, de forma a deixar as ferramentas disponíveis para o trabalho. Para abrir placas pode adquirir um rolo de abrir macarrão ou como substituto o cabo de vassoura. É importante providenciar pares de ripas de madeira com espessuras variadas, pote de manteiga ou similar, seixo rolado,

Figura 35  Torno elétrico.

entre outros materiais que se fizerem necessários. Outro instrumento muito utilizado pelo ceramista é o torno, que surgiu com a invenção da roda. Esse uniu ritmo e movimento, tornando ágil a execução das peças e dando aprimoramento à forma. Com esse instrumento, ganha-se tempo, agora determinado não mais pela interação permanentemente do corpo humano, mas o corpo aliado à velocidade da máquina, permitindo maior rapidez no processo de execução da peça, além de obter um acabamento uniforme durante sua construção (Figura 35). Para Bardi (1980, p. 14), “O momento mais notável da manufatura dar-se-á quando se passará e se dedicará sobre um dos primeiríssimos modos maquinísticos: fazer a peça para, com as mãos, modelá-la de forma homogênea e mais lisa”. Trataremos desse instrumento, com mais detalhes, posteriormente, quando apresentarmos a técnica do torno. Cerâmica

Capítulo 2 |

31


Capítulo 3

Modelagem Tatiana Campagnaro e Teresa Drago Em geral, a experiência plástica supõe o desenvolvimento de técnicas. Em cerâmica, isso é muito importante, pois amplia as nossas possibilidades de expressão, além de facilitar a concretização da obra, de acordo com as necessidades do projeto poético em curso. Qualquer falha técnica poderá acarretar em perdas de todo o trabalho proposto antes mesmo de sua finalização. Os processos de modelagem para a realização das peças de cerâmica são relativamente simples, mas é necessário vivenciar cada um para dominar as técnicas, por meio do trabalho ou da prática constante. Em geral, encontramos as técnicas em livros de cerâmica, que mostram o passo a passo, porém, com a convivência com a matéria, exercitando as técnicas básicas, podemos observar que há meios de criar novos procedimentos. Os procedimentos técnicos podem também ser passados de geração para geração, onde o aprendizado se dá pela observação de pessoas mais experientes na construção de suas peças. Um bom exemplo é o processo das paneleiras de Goiabeiras, no qual as mais jovens têm sua iniciação com o polimento, e, durante essa prática, vão observando a forma de fazer das mais velhas. Aos poucos, começam a modelar pequenas panelas, e, quando se dão conta, estão atuando Cerâmica

Capítulo 3 |

32


como paneleiras. É comum ouvir dessas mulheres: “eu aprendi com

Materiais:

minha mãe que aprendeu com a mãe dela”. Essa frase está direta-

◊◊ 1 base de madeira para apoiar a peça

mente relacionada com a convivência familiar e o olhar, como formas de aprendizado. Outro ponto importante é experimentar a matéria para ver suas potencialidades, o que nos permite atuar sobre o material sem o conhecimento prévio de técnicas. Nesse caso, devemos utilizar pequenas quantidades de massa para ter maior domínio sobre ela. As

(pode-se usar o torno manual); ◊◊ argila; ◊◊ vasilhame para água; ◊◊ pedra de rio. Procedimentos técnicos:

crianças, por exemplo, ao utilizarem pequenas porções de barro, manipulam-nas experimentalmente, construindo de maneira intui-

Para ter um domínio maior sobre o processo

tiva bolinhas, rolinhos, placas, com as mãos como ferramentas.

de construção, devemos inicialmente, traba-

A modelagem não se resume a uma única técnica. Na verdade,

lhar com uma quantidade de matéria-prima

existem alguns processos básicos que podem ser associados, pro-

que caiba entre as mãos. A maioria das peças

porcionando assim uma gama infinita de resultados e nesse mo-

realizadas com esta técnica é circular. É mui-

mento devem ser consideradas as diferentes consistências da argila.

to possível que depois de observar as marcas

As técnicas manuais que vamos descrever a seguir são processos

dos pés deixadas no barro, tenha sido essa a

simples e na maioria das vezes requerem ferramentas como suporte

forma mais simples do homem dominar o

para a construção. São elas que dão aos iniciantes suporte para de-

barro para guardar seus alimentos.

senvolver suas atividades. Apresentaremos as quatro técnicas básicas de modelagem e a técnica do torno.

Figura 36  Paneleiras de Goiabeiras, 2010.

Apesar de ser um método primitivo, encontramos artistas que utilizam essa técnica para desenvolver seus trabalhos. No livro “Terra, fogo, homem”, Nakano (1989, p. 38), fala como trabalha com essa técnica:

Pote de aperto

Descobri também uma maneira própria de traba-

O pote de aperto é um dos métodos mais antigos para fazer panelas

lhar, em que partindo de um bloco de argila, faço

utilizando como principal ferramenta as mãos. É uma técnica que

uma perfuração central e vou abrindo a massa em

continua sendo usada por alguns artesãos, mesmo que tenham o tor-

vários sentidos até alcançar uma forma. Conservan-

no como ferramenta. Como exemplo, podemos citar as paneleiras de

do a textura que naturalmente vai se formando no

Goiabeiras, que mantêm a tradição dos seus antepassados (Figura 36).

exterior, trabalho somente no interior da peça.

Cerâmica

Capítulo 3 |

33


Este método nada mais é do que o barro apertado e manipulado entre os dedos. Para iniciar o processo, faça uma bola de argila que

um encontro com a matéria, tendo como objetivo o nascimento da obra (Figuras 37 a, 37 b e 37 c).

caiba confortavelmente entre as mãos. Nesse momento, é importante que elas trabalhem juntas. Cada mão desempenha uma função, uma como apoio em forma de concha, a outra como ferramenta. O dedo polegar perfura o centro da bola de argila, deixando uma espessura no fundo, que pode variar de acordo com a quantidade de argila e, consequentemente, do tamanho da peça. Aos poucos, os dedos da mão dominante vão pressionando no interior contra a

Figura 37 a

Figura 37 b

Figura 37 c

outra mão que está apoiada na parte externa, girando a peça. Esse movimento abrirá o diâmetro da forma. O próximo movimento deve ser: puxar a massa do fundo para a

Rol nho

borda, aumentando a altura da parede. Esse movimento pode ser re-

Apresentaremos a seguir outra técnica milenar, chamada de rolinho

alizado várias vezes, até chegar à espessura uniforme. Quanto mais

ou cordões, atualmente muito utilizada por artesãos para fazerem

fina a parede, mais delicada ficará a peça.

suas vasilhas de barro. Esse procedimento consiste na sobreposição

Em cerâmica, temos que trabalhar dentro de uma limitação de

de rolinhos até que se forme a peça desejada. Essa técnica, de influ-

tempo, pois a argila em contato com as mãos pode ressecar pela

ência indígena brasileira, é muito utilizada na fabricação da cerâ-

troca de calor do corpo com a peça, resultando em trincas. Para ul-

mica pelas mulheres do Vale do Jequitinhonha, que a denominam

trapassar essa limitação, devemos lavar as mãos e secá-las, quantas

de processo de acordelado. Com esse modo de fazer, as mulheres do

vezes forem necessárias, paralisando a troca de calor e mantendo a

Jequitinhonha constroem peças utilitárias, tais como potes, utensí-

umidade da matéria enquanto atuamos.

lios domésticos e também esculturas de grande porte, construídas

O acabamento fica a critério de cada ceramista, desde texturas

já ocas. (Figura 38) Dalglish apresenta o procedimento dessas arte-

até o alisamento da peça. Nesse último caso devemos umedecer o

sãs: “... consiste na sobreposição de cordões de argila espiral, unidos

dedo no pano molhado ou esponja e, em seguida, passar na peça,

um ao outro com o auxílio dos dedos, e alisados com um sabugo de

até que o brilho da água desapareça. Nesse momento, devemos to-

milho ou pedaço de cuia para dar o acabamento final” (2006, p. 38).

mar cuidado com o excesso de água, pois a peça pode absorvê-la,

A técnica foi bastante difundida, e ainda hoje é encontrada, com

perdendo a forma. A partir da descrição desse procedimento, pro-

frequência, entre ceramistas que a utilizam para construir suas pe-

pomos uma reflexão sobre o fazer como experiência estética, como

ças, como a artista plástica Nakano, que escolheu a cerâmica como

Cerâmica

Capítulo 3 |

34


meio de expressão, utilizando os processos técnicos adquiridos pela

Materiais:

pesquisa e contato com outros ceramistas:

◊◊ argila; ◊◊ 1 base de madeira para apoiar a peça (pode usar o torno manual);

Na maioria dos meus trabalhos, utilizo a técnica das

◊◊ 1 tecido;

cobrinhas, a mais antiga e rudimentar, sem a inter-

◊◊ 1 faquinha;

venção de ferramentas, utilizando apenas as mãos.

◊◊ vasilhame para água;

Esse processo milenar, utilizado em todas as cerâmi-

◊◊ sacos plásticos;

cas primitivas desde a pré-história é ainda a mais

◊◊ jornais;

conhecida. É a mais trabalhosa e demorada, pois são

◊◊ vidro, contendo barbotina da argila a ser utilizada;

rolinhos que vão se superpondo de acordo com a

◊◊ instrumentos para texturas.

forma a ser dada, “costurados” (emendados e alisados), na sua parte interna e externa. Mas é essa a técnica que, segundo minha experiência, oferece as

Procedimentos técnicos:

mais amplas possibilidades e a que mais coloca o

Pegue uma pequena quantidade de argila e aperte-a com as mãos,

homem em interação com a argila (1989, p. 37-38).

como se segurasse uma corda, formando um rolo disforme. Em seguida coloque-o sobre uma superfície lisa, pressione-o levemente, rolando-o para frente e para trás usando as palmas das mãos até as pontas dos dedos. Deslize também as mãos, lateralmente, do centro do rolinho para as extremidades. A pressão exercida sobre a argila deve ser constante e homogênea em ambas as mãos, caso contrário o rolinho tende a ficar achatado. Se isso acontecer, basta bater levemente na parte mais larga para que ele volte ao formato desejado (Figura 39). Os rolinhos

Figura 38  Vale do Jequitinhonha.

Cerâmica

podem ser feitos enquanto se

Figura 39  Fazendo o rolinho.

Capítulo 3 |

35


constrói a peça, ou pode-se fazer vários, guardá-los no plástico para em seguida montar a peça.

Cole uma das pontas do rolinho com barbotina e com o auxílio da faquinha costure5 unindo as duas partes.

A espessura dos rolinhos dependerá do tamanho da peça. O diâmetro do rolo é proporcional ao tamanho da peça que se propõe fazer. Quanto maior e mais alta for a peça, maior a espessura da base e dos rolinhos. O projeto pode definir a forma e guiar a construção da peça. Os estudos de papel são muito eficientes nessa técnica, dessa maneira, você saberá o tamanho da peça e poderá dimensionar a espessura do rolinho. A base da peça pode ser feita usando rolinhos em forma de espi-

Figura 40

Figura 41

Preparando a base com rolinho.

Construção da base.

ral, unidos com uma faquinha ou uma esteca de madeira. Em seguida, faça o mesmo processo do lado oposto, deixando as duas superfícies planas e uniformes. Essa base também pode ser feita com a técnica da placa (que será apresentada a seguir), (Figura 40). Com a base da peça definida, o próximo passo é subir a parede da peça. Com a ponta de uma faca, faça pequenas ranhuras no contorno da base e do rolinho que será usado (Figura 41). Com um

Figura 42 a

Figura 42 b

Figura 42 c

pincel, passe barbotina4 sobre as ranhuras e coloque o rolinho so-

Para subir a parede, basta colocar um rolinho sobre o outro, usan-

bre a base, exercendo uma pequena, mas constante, pressão (Fi-

do barbotina entre eles. Repita a operação até obter o tamanho de-

guras 42 a, 42 b e 42 c).

sejado. Se os rolinhos forem colocados gradativamente uns sobre os outros, a peça crescerá, mantendo o mesmo formato. Se pretende realizar peças grandes, deve-se aumentar a espessura do rolinho e

4  Barbotina é uma argila líquida utilizada como cola, que serve para unir duas ou mais partes de argilas ainda molhadas. Para prepará-la, basta diluir um pouco de argila em água (como se fosse iogurte). É mais fácil deixar a argila secar e acrescentar um pouco de água até obter uma consistência pastosa. Caso não dê para esperar a argila secar, pegue um pouco de argila mesmo que esteja molhada e acrescente um pouco de água e, com a ajuda de um pincel, dilua-a até que tenha a consistência desejada.

Cerâmica

subi-la aos poucos, deixando a parte inferior ganhar resistência para

5 A expressão “costurar”, na cerâmica, significa utilizar a face da faca para puxar pequenas quantidades de argila de uma parte unindo-a a outra parte. É comum os iniciantes usarem o corte da faca, riscando a argila, em vez de deslocá-la.

Capítulo 3 |

36


não desmoronar. Para modificar a forma, basta mover o rolinho um

nica, o ceramista pode construir formas das mais diversas, desde as

pouco para fora (abrindo a forma), ou para dentro (fechando a peça).

formas quadrangulares, cilíndricas, planares, ou mesmo formas or-

Para dar o acabamento, unificando a superfície, trabalhe com ambas

gânicas, resultando em peças com espessuras uniformes e com um

as mãos, uma costurando com a faquinha e a outra dando suporte no

bom acabamento.

lado oposto da peça para que ela não se deforme (Figura 43). Pode-se alisar toda a superfície interna e externa ou deixar uma ou até mesmo ambas com o rolinho aparente. Essa é uma escolha individual. O rolinho pode ser utilizado também para fazer relevos na superfície da peça ainda úmida, colocado na vertical, inclinado ou em espiral (Figura 44).

Materiais: ◊◊ argila; ◊◊ 2 pares de ripas de madeira (pode adquirir pares de diferentes espessuras); ◊◊ faquinha; ◊◊ vidro contendo barbotina da argila a ser utilizada; ◊◊ pincel de cerda dura; ◊◊ rolo de macarrão; ◊◊ pano; ◊◊ jornais; ◊◊ sacos plásticos; ◊◊ lixa de madeira nº 100; ◊◊ esponja macia; ◊◊ vasilha para colocar água. Procedimentos técnicos:

Figura 43  Acabamento da peça.

Figura 44  Possibilidades de montagens.

Placa

A técnica consiste em abrir uma placa de argila e em seguida fazer várias intervenções, como se fosse uma folha de papel: cortá-la, dobrá-la, enrolá-la e colá-la, guardadas as devidas proporções da espessura.

Outra possibilidade de se trabalhar com o barro, agora esticado, de

É sempre bom ter um projeto para nos guiar. Os protótipos de

espessuras uniformes, recebe o nome de placa. Por meio dessa téc-

papel são muito úteis nessa técnica, dessa maneira, você saberá

Cerâmica

Capítulo 3 |

37


o tamanho da placa e poderá dimensionar também sua espessura (Figura 45).

Figura 45  Fernanda de Abreu Passos. Projeto feito de papel. 2010/2.

Para constatar a existência de bolhas de ar na massa, deve-se passar sobre ela uma espátula umedecida. Caso se verifique a existência

Sobre uma superfície plana, estique um

de bolhas, elimine-as usando uma ponta seca ou mesmo a ponta de

pano ou jornal ou ainda um plástico (de

uma faca, abrindo-as e, em seguida, alise novamente o local, obser-

acordo com a consistência da argila) e, em

vando se a bolha desapareceu. Caso a bolha de ar permaneça, repita

seguida, coloque a argila previamente amas-

a operação. É importante alisar as duas faces da placa e para isso,

sada e aplane um pouco com a mão. Se lhe

utilize uma base de madeira forrada de jornal sobre o lado já alisado,

for possível, use um par de ripas de madeira

introduza uma das mãos sob a placa, fazendo uma alavanca e giran-

como guias para determinar a espessura da

do-a sobre a madeira.

placa (se a peça for pequena, use ripas mais

Com a placa aberta e livre de

finas; se for grande, use ripas mais espessas),

bolhas, inicie a execução da peça.

coloque entre elas a argila e com um rolo de

O primeiro trabalho a ser feito são

macarrão (ou cabo de vassoura) abra a massa, sempre começando

os cortes na placa de argila, a par-

pelo meio da placa e vá nivelando-a aos poucos. Pode-se controlar

tir do modelo determinado (mol-

a forma da placa girando-a, mas sempre obedecendo à direção das

des de papel). Para cortar deve-se

ripas para manter a sua espessura, fazendo-a crescer de acordo com

molhar a faca com água para a

suas necessidades. É importante que de vez em quando libere-se a

ferramenta não grudar na massa.

argila do material de apoio (suporte), levantando a superfície (jornal,

Se a parte a ser cortada for reta,

pano ou plástico) para facilitar sua expansão (Figuras 46).

pode-se utilizar uma régua para

Figura 47  Modo de cortar as partes.

facilitar o trabalho (Figura 47). Antes da montagem todas as partes que compõem a peça, a base, e/ou a (as) paredes devem ser cortadas, de acordo com o projeto determinado. Não se esqueça da espessura da placa, que deve ser calculada antes dos corFiguras 46  Abrindo a placa.

Cerâmica

tes (Figura 48).

Figura 48  Guias para espessuras de placas.

Capítulo 3 |

38


Para a montagem, deve-se selecionar o suporte (madeira ou azu-

Após a secagem, pode-se melhorar o acabamento da peça, utilizan-

lejo), revestido de jornal (isso facilitará mover a peça), que servirá

do, para isso, uma faca para raspar e quando estiver seca, usa-se lixa

como apoio para montagem da peça. Apoie a base da peça sobre a

de madeira nº 100 e, em seguida, tira-lhe o pó com pincel ou esponja.

base escolhida, faça ranhuras nas partes que serão coladas e pince-

A placa pode ser usada sobre diferentes superfícies como molde,

le barbotina. Coloque a parede sobre a base, com movimentos leves

até que a massa fique firme ou dura, como: pratos, cumbucas, cascas

para evitar que amasse a placa e a pressione-a ligeiramente. Em al-

de árvores etc. É importante pensar na sua retração durante a seca-

guns casos, deve-se usar um rolinho na junção interna das placas

gem para que esse molde não impeça o seu encolhimento. Lembre-

para reforçar sua união, costurando interna e externamente. Repita

se de que nem todos os objetos servem como molde.

a operação com todas as partes a serem coladas (Figuras 49).

Durante a construção das placas, podem ser usadas texturas de diferentes materiais como: folhas, madeira, ferragens etc., mas em geral deve-se retirá-los após a pressão, pois nem todos os materiais retraem durante a secagem da argila e podem ocorrer rachaduras.

Bloco Figuras 49  União das partes formando a peça.

Os alunos iniciantes em cerâmica, muitas vezes, já manipularam a argila como experimentos de modelagem. É importante lembrar aqui que existem modos diferentes de se trabalhar com a argila e isso vai depender do objetivo do artista. Ele pode, por exemplo, ter a escultura como fim e utilizar a modelagem como um meio, mode-

Ao término da construção, observe a grande extensão das pare-

lando a peça escultórica para depois fundi-la em outro material. Ou-

des. Se forem longas, coloque apoio, como placas de madeira ou de

tra possibilidade é a escultura cerâmica, na qual a finalidade da ação

azulejos, forradas de jornal, apoiadas por tijolos, permitindo manter

sobre a matéria será exclusivamente para ir ao fogo. Nesse último

as paredes uniformes durante a secagem.

caso, as peças devem ser ocadas e em seguida deve-se deixar uma

A peça deve ser submetida a uma secagem cuidadosa, à sombra, com uma cobertura plástica para que seque lentamente. Esse processo deve ser acompanhado, pois, dependendo da extensão da peça, essa pode sofrer alterações como empeno ou rachadura. Cerâmica

abertura para a passagem do ar contido no interior. Caso contrário a peça pode estourar durante a queima. Com a técnica do bloco, você poderá criar esculturas diversas, como as de anatomia humana, animal, forma abstrata e etc. Capítulo 3 |

39


Materiais: ◊◊ argila; ◊◊ torno de mesa; ◊◊ 1 base de madeira para apoiar a peça; ◊◊ estecas ou desbastadores; ◊◊ espátulas; ◊◊ faquinha; ◊◊ 1 saco plástico;

Para se evitar rachaduras durante a secagem devem ser tomados alguns cuidados durante a modelagem para que as partes mais finas, – e consequentemente, que perdem mais rapidamente a umidade – não sequem antes do restante da peça, evitando rachaduras. Deve-se então usar pano umedecido ou plástico para protegê-las enquanto as demais partes são modeladas. Ao término da modelagem, a peça deve ser ocada, ou seja, devese retirar toda a argila do seu interior. Cada peça necessitará de uma

◊◊ fio de náilon.

forma de ocar diferente, por isso é importante estudar cada caso

Etapas de construção:

é a forma mais simples. Basta virar a peça cuidadosamente de cabe-

previamente. Em alguns casos, pode-se ocar a peça pela base, que ça para baixo, ou apoiá-la lateralmente sobre uma superfície macia

Pegue uma quantidade de argila, amasse-a bem para eliminar a bo-

(esponjas), retirando a argila do seu interior com um desbastador6.

lhas de ar (como já foi descrito anteriormente). Com os dedos, co-

Dependendo da complexidade da peça ou do tamanho, é necessário

mece a pressionar a argila, dando-lhe a forma que deseja. Durante

seccionar a parte da peça para que seja feita a ocagem de forma ho-

esse processo, umedeça os dedos, mas nunca deixe que se forme

mogênea por toda a sua extensão.

lama na superfície da peça (a água serve como lubrificante, mas se

A secção de uma peça deve ser feita com a argila firme para não a

usada em demasia pode amolecê-la, dificultando a modelagem ou

deformar, mas não tão dura, para que possa ser cortada e colada. Em

causar rachaduras).

geral, a secção deve ser feita com um fio de náilon. Antes de fazer o

Algumas peças para serem modeladas, por vezes, necessitam de

corte, é importante estudar onde devem ser feitos e de que forma po-

uma estrutura interna (madeira, metal, isopor etc.), que deverá ser

dem ser interligados, procurando fazer o mínimo de secções e per-

retirada do interior da peça, antes que ela seque, pois são materiais

mitindo que o ar transite no interior da peça e tenha comunicação

que não sofrem retração, podendo causar trincas, durante a secagem

com o exterior. (Figuras 50 a e 50 b).

ou durante a queima. Em alguns casos, pode ser usada uma estrutura de jornal, a qual

Com o auxílio de um desbastador, retire aos poucos a argila do interior de cada parte da peça, mantendo uma das mãos na parte externa

não necessita ser retirada, pois permite que a peça encolha sem causar trincas. Nesse caso, no processo de queima, o jornal se transformará em cinza. Cerâmica

6  Ferramenta constituída por um cabo de madeira ou plástico com um aro de ferro utilizado para retirar o excesso de argila do interior ou exterior das peças.

Capítulo 3 |

40


Ao longo de toda a peça, a parede deverá ter espessura uniforme de acordo com o seu tamanho. Nas peças pequenas, as paredes deverão ser mais finas (aproximadamente 1 cm) e em peças maiores as paredes deverão ser grossas (acima de 1 cm) Figura 50 a  Cortando a peça com o fio de náilon.

Figura 50 b  Peça cortada.

Figura 51  Ocando a peça.

(Figuras 51 e 52). Após a retirada do excesso da argila do interior de cada parte, observa-se que o espaço vazio do interior é muito grande. Antes de Figura 55  Peça pronta.

fechar, é necessário preencher o espaço com jornal para em se-

guida remontar a peça, colando as partes que foram seccionadas, cada uma em seu devido lugar. O processo de colagem é semelhante ao das outras técnicas: fazer ranhuras nas partes que irão se tocar, passar a barbotina e pressionar levemente, costurando com cauteFigura 52

Figura 53

Figura 54

Peça ocada paredes uniformes.

Juntando as partes.

Costurando a junção.

la para não deformar a peça. Se na emenda surgir uma depressão, coloque um rolinho para que a peça volte a ter o aspecto inicial. A colagem deve ser realizada com cuidado, achando o ponto exato de

com apoio, ao mesmo tempo perceba o quanto está sendo retirado,

encaixe, pressionando sem amassar e costurando muito bem para

evitando, assim, que se fure a peça. Se ocorrer perfuração, passe bar-

que não se solte durante a secagem ou a queima (Figuras 53, 54 e 55).

botina no local e coloque a argila, fazendo pressão com os dedos e, se

Após esse processo, deve-se observar se a peça contém abertura

for preciso, costure com a faquinha. Enquanto uma parte está sendo

de passagem do ar. Se estiver completamente fechada, deve-se fazer

ocada, o restante da peça deve estar protegida com um pano úmido

um orifício na base ou onde se julgar mais conveniente, permitindo

ou mesmo um plástico para que não seque demasiadamente.

a saída do ar durante a secagem e a queima.

Cerâmica

Capítulo 3 |

41


Torno

O torno elétrico é a versão mais moderna da antiga roda de oleiro. Trata-se de um motor movido à eletricidade que faz girar o disco no

As peças de cerâmica foram feitas completamente à mão por sécu-

qual a argila é torneada.

los, até que por volta de 3000 a.C. o progresso das civilizações gerou

Por seu movimento circular, rotação, o torno é uma ferramenta

a necessidade de se fabricar um grande número de recipientes para

que possibilita a construção apenas de peças circulares, que podem

o armazenamento de líquidos e alimentos, o que propiciou, então, o

ser alteradas pelo ceramista depois de prontas, recortando-as, amas-

surgimento e a evolução da roda de oleiro, uma das primeiras ferra-

sando-as ou colando nelas novas partes.

mentas mecânicas desenvolvidas pelo homem.

Não há uma única maneira de se trabalhar com o torno. Cada

Hoje, já existem diferentes tipos de torno, que variam de acordo

ceramista desenvolve a sua própria forma de tornear, adaptando as

com o mecanismo impulsionador da roda e a posição do oleiro no

posições das mãos, mas seguindo um princípio lógico: tudo gira em

momento do trabalho. Os tornos mais antigos e mais simples são

torno de um eixo central. Alguns tornos giram para os dois lados, o

acionados à mão, e o impulso é dado através de um bastão que se

mais indicado é que os destros usem o torno no sentido anti-horário

encaixa em um orifício na roda, fazendo-a girar (Figura 56).

e os canhotos no sentido horário.

Temos também o torno movido com um dos pés, que consiste em

Vamos descrever aqui os procedimentos para a utilização de um

uma mesa circular diretamente conectada por um eixo a uma roda,

torno que gira no sentido anti-horário, assim, os canhotos devem

que o ceramista move diretamente com o pé (Figura 57).

inverter as indicações das mãos. A melhor forma de aprender a tornear, para além de se praticar, é observar as pessoas que já tenham um avançado domínio da técnica, para isso, podemos recorrer a sítios eletrônicos de vários ceramistas que apresentam sua experiência. Vamos traçar algumas diretrizes básicas das etapas a serem seguidas, pois somente a prática leva ao domínio da técnica. É importante ressaltar que as etapas são sequenciais e pré-requisitos para a etapa seguinte. São elas: colar a argila na base do torno, centralizar a massa, furar e em seguida abrir a massa, subir a parede e, por fim, dar a forma da peça, retirando-a em seguida do torno. Todo processo encontrase registrado em um vídeo para compreensão sequencial em movi-

Figura 56  Torno de mão.

Cerâmica

Figura 57  Torno a pedal.

mento, das etapas apresentadas aqui. Capítulo 3 |

42


Materiais:

consiste em pressionar a massa descendo-a contra a base e em se-

◊◊ argila;

guida subi-la, formando um cone. Para isso, pressione a mão direita

◊◊ torno; ◊◊ banco; ◊◊ 1 vasilha com água; ◊◊ 1 esponja macia; ◊◊ 1 ponta seca;

sobre a massa, fazendo um movimento vertical, empurrando a massa de cima para baixo, simultaneamente. Com a mão esquerda, empurre para o centro, fazendo um movimento horizontal para frente. A força de cima para baixo deve ser maior que a força para frente, permitindo, assim, que a argila desça (Figuras 58).

◊◊ 1 fio de náilon; ◊◊ 1 espátula de metal ou de madeira (que pode ser substituída por um cartão de banco vencido). Etapas de construção: Para começar a tornear, prepare uma bola de argila, bem amassada. O ideal para o iniciante é que ela esteja macia e que a quantidade caiba confortavelmente entre suas mãos. À medida que for ganhando prática, pode-se ir aumentando ou diminuindo a quantidade de argila.

Figuras 58  Centralizando a argila, subindo.

Para subir, deslize a mão direita para o lado oposto ao da mão

Com o torno desligado, bata com ambas as mãos na bola de argila,

esquerda e pressione uma contra a outra (usando as palmas das

com força, o mais próximo possível do centro do torno. Ligue o mo-

mãos), fazendo um movimento com ambas as palmas de baixo para

tor e acelere para girar o disco. Ainda com as mãos secas, use o dedo

cima, puxando a argila e formando um cone. Repita essa operação

indicador da mão direita para pressionar levemente a base da argila,

no mínimo três vezes, ou até conseguir centralizar a argila, de for-

colando-a no disco do torno, impedindo que a água deslize para en-

ma que, ao apoiar as mãos levemente sobre ela, essa não se movi-

tre a argila e o disco.

mente (Figuras 59).

Molhe as mãos. A partir de agora todos os movimentos devem

Diminua a pressão das mãos, depois, desloque-as lentamente e

ser realizados com as mãos molhadas, pois a água servirá de lubri-

mergulhe-as na água todas as vezes que sentir que elas ressecam,

ficante, impedindo que a argila cole em suas mãos. Vamos repetir

ou seja, não deixe as mãos secarem. Todos os movimentos deverão

diversas vezes uma sequência de movimentos, que tem como objeti-

ser suaves, tanto ao colocar como ao retirar as mãos da massa. Use a

vo centralizar a argila e organizar suas partículas. Esse movimento

espoja para enxugar o disco todas as vezes que molhar as mãos.

Cerâmica

Capítulo 3 |

43


Figura 59 a  Centralizando a argila, descendo.

Figura 59 b  Centralizando a argila, descendo.

Figura 59 c  Centralizando a argila, descendo.

Figura 60 a  Furando o centro da argila.

Figura 60 b  Furando o centro da argila.

Figura 61  Abrindo o diâmetro interno da peça.

Com a argila centralizada, vamos agora furar a peça no centro.

parte interna da peça, utilizando o dedo médio ou o indicador para

Uma das formas de se furar é apoiar os polegares sobre a massa, dei-

empurrar a massa de forma ascendente, enquanto a mão direita se

xando as mãos abraçarem levemente a peça. Lentamente, vá pres-

posiciona na parte externa, acompanhando a esquerda, gerando um

sionando os polegares para baixo, abrindo um orifício central, até

movimento ascendente da base da peça para o alto. Os dedos de-

deixar uma espessura suficiente para o fundo da peça.

vem estar sempre alinhados. Para facilitar esse processo, tente tocar

Outra forma de furá-la é com a mão esquerda em volta da argila.

uma mão na outra com os polegares para que a pressão exercida

Formando um “C” apoie a mão direita sobre a mão esquerda, desca-

torne-se constante e o movimento de subida tenha uma velocidade

sando o dedo médio sobre a massa até encontrar o centro. Pressione

também constante. Procure travar os braços no corpo ou nas pernas

levemente o dedo para baixo, perfurando o centro da argila e desça até

para evitar que as mãos se desloquem para frente, acompanhando o

deixar uma espessura que será o fundo da peça (Figuras 60 a e 60 b).

movimento da roda (Figuras 62 a e 62 b).

Para abrir, mantenha a posição das mãos e puxe-as em direção

Para dar forma à peça, deve-se trabalhar alternando-se a pressão

ao seu corpo, até atingir o diâmetro desejado. A ponta do dedo indi-

dos dedos. Se o objetivo é abrir a peça, o dedo interno empurra leve-

cador deve fazer um movimento paralelo ao disco, sem levantar ou

mente sua parede dela e o externo o acompanha. Para fechá-la, fa-

afundar. Com o auxílio da esponja, enxugue o interior da argila para

zemos o inverso: o dedo externo que está localizado no lado de fora

que ela não amoleça (Figura 61).

empurra a peça e o dedo localizado no lado interno diminui a pres-

O próximo passo é levantar as paredes da peça. Para isso, as

são. Os dedos também podem ser deslocados ligeiramente para cima

mãos trabalham em cooperação: a mão esquerda posiciona-se na

e para baixo, levando em conta que o dedo que está abaixo empurra

Cerâmica

Capítulo 3 |

44


a peça, forçando a massa para o

a peça pela base, levantando-a e apoiando-a sobre uma base com jor-

lado oposto. Nesse momento, o

nal já preparado para receber a peça (Figuras 65).

uso de espátulas pode ser conveniente para auxiliar na forma. A velocidade de rotação do disco pode diminuir a cada etapa, chegando ao fim, bem lentamente, Figura 62 a

Subindo a parede da peça.

para facilitar a modelagem da forma e o acabamento da borda (Figura 63). Se em alguma das etapas anteriores for encontrada uma bo-

Figuras 64  Acabamento da peça no torno.

lha de ar, pare a rotação do torno, fure a bolha com uma ponta seca, pressione a massa levemente com a ponta do dedo e volte a tornear. Figura 62 b  Subindo a parede da peça.

Antes de desligar o torno, use a espátula para raspar a junção entre a base da peça e a do disco, melhorando o acabamento. Seque a peça com a esponja e desligue o torno (Figuras 64). Segure cada ponta do náilon e apoie-o

Figura 63  Definição da forma.

Cerâmica

Figuras 65  Retirando a peça do torno.

Acabamento

no disco esticando-o, em segui-

Independente das técnicas usadas, os trabalhos realizados com argi-

da deslize-o sob o prato para a

la podem ter texturas das mais diversas, o acabamento não precisa

retirada da peça pronta. Com as

ser necessariamente uma superfície lisa. Explore os materiais que

mãos secas pegue delicadamente

estiver a sua volta, a argila é um excelente corpo para imprimirmos Capítulo 3 |

45


objetos como rendas, sementes, cascas, folhas, palitos, cabo de pin-

das as fases do processo cerâmico. Acelerar, retardar ou pular uma

cel e tudo mais que estiver ao seu alcance. Uma simples textura pode

etapa é uma questão delicada que poderá comprometer o trabalho.

contribuir para valorizar e personalizar uma obra.

Vale lembrar que para mantermos uma peça úmida devemos en-

Existe também a possibilidade de polir a superfície de uma peça,

volvê-la em uma embalagem plástica da mesma forma como acon-

fechando os poros para ganhar um leve brilho após a queima, como

dicionamos a argila. Se a peça inacabada estiver um pouco seca, di-

fazem as ceramistas do Vale do Jequitinhonha e as paneleiras de

ficultando a modelagem, coloque sobre ela um pano umedecido e

Goiabeiras. Para isso, podemos usar um seixo rolado, colher de me-

mantenha-a em um plástico, para que absorva a parte da água contida

tal ou mesmo plástico, polindo a peça quando essa se encontra em

no pano e volte a ser maleável (tenha cuidado para não exagerar com

ponto de couro7. Ao se friccionar a ferramenta sobre a superfície da

a água). Dessa forma, é possível trabalhar uma peça por vários dias ou

peça, adquire-se certo brilho, tornando-se impermeável, pois as par-

até por meses. É importante lembrar que o plástico para embalagem

tículas da argila se juntam de maneira a vedar os poros, impedindo,

de peças que ainda não foram terminadas e das massas cerâmicas

assim, a passagem de líquidos.

(argilas) devem ser de boa qualidade e não podem ter furos. As saco-

Outra maneira de dar acabamento a uma peça já seca é lixar a

las de supermercado contêm na sua composição uma certa quanti-

sua superfície. Nesse caso, use lixa para madeira, as mais finas dei-

dade de papel, logo, são porosas e deixam a umidade passar, por isso

xam as peças mais lisas; as mais grossas deixam as peças um pouco

não são recomendadas para embalagem de peças e argilas, porém,

mais ásperas.

são úteis para proteger peças que necessitam secar lentamente. A secagem é um momento delicado e não deve ser acelerado, pela

Tempo de secagem

exposição das peças ao sol, nem a correntes fortes de ar. Reforçan-

A modelagem pode ser realizada em alguns segundos ou levar dias

lentamente à sombra; e se tiverem partes com espessuras variadas

para ser concluída. Por isso, o ceramista deve contar com o fator

recomenda-se cobri-las levemente com plástico para que as partes

tempo que precisa ser respeitado, para isso deve-se acompanhar to-

mais finas não sequem muito mais rápido que as demais, evitando-

do o que já foi dito anteriormente, o ideal é que as peças sequem

se, assim, rachaduras. Apresentamos aqui as diferentes possibilidades de se trabalhar com a argila ou massa cerâmica. É importante testar e ver com que 7  Momento em que a argila está firme demais para ser modelada, mas ainda contém umidade. Uma forma de saber se a argila está em ponto de couro é friccionar levemente o dorso da unha sobre a peça, se produzir brilho é porque está em ponto de couro, se arranhar é porque já passou. O ponto de couro é o momento ideal para polir as peças.

Cerâmica

técnicas você mais se identificou ou qual dessas melhor se adaptará ao projeto desejado. Nesse momento, o diálogo com pessoas experientes pode contribuir para este próximo passo. Não existe Capítulo 3 |

46


uma regra, muitas vezes, o projeto necessita de associações para facilitar a sua execução, ou seja, uma técnica pode ser associada a outra ou até mesmo a outras. Podemos começar um determinado objeto com a técnica do pote de aperto e continuar com rolinho e/ou terminar com a placa. Podemos começar com a placa e terminar com rolinho, ou mesmo começar com o bloco e terminar com rolinho, até mesmo peças feitas no torno podem ser associadas às demais técnicas.

Cerâmica

Capítulo 3 |

47


Capítulo 4

O processo de cr ação na Cerâm ca Regina Rodrigues A partir de observações, pesquisas e contatos com alguns ceramistas, verificamos que há diferentes atitudes diante do processo de criação nessa linguagem, pois cada artista escolhe um método de trabalho: alguns fazem opção por trabalhar diretamente com a matéria, sem um desenho prévio; enquanto para outros o desenho é o meio de construir seu pensamento plástico; há também aqueles que estão sempre atentos a outras possibilidades, como os restos, ou outros materiais para pensar um novo trabalho. Considerando essas observações, podemos apresentar seis atitudes ou movimentos da mente criadora ao longo do percurso de elaboração e produção das obras. O barro: estudo e obra, que evidencia decisões tomadas durante o manuseio direto da matéria e obra; o resíduo como possibilidade de obra, que busca compreender como restos de um fazer podem se tornar uma nova possibilidade de construção ou um novo elemento da obra; o desenho como modo de construção do pensamento, que engloba fazeres que são antecedidos por projetos que norteiam a construção da obra; as interações de diferentes sujeitos ou linguagens, definindo um diálogo com outros Cerâmica

Capítulo 4 |

48


sujeitos e linguagens; a utilização de outros materiais como estudo

é, o artista parte da própria matéria até chegar à obra, num diálogo

de processo e por fim, o olhar como método de aprendizado. Aponta-

íntimo com o barro. Ele parte do seu conhecimento e das experiên-

mos essas seis atitudes, mas isso não descarta outros processos que,

cias plásticas já realizadas e, ao introduzir o novo, conta com o im-

no momento, não foram identificados. Destacamos, também, que

previsível; mas, aos poucos, vai buscando soluções para as questões

um mesmo artista, ao longo do processo de uma obra, ou de um con-

que vão aparecendo. Nesse caso, o conhecimento técnico é muito

junto, pode manifestar interações desses movimentos, pois o fazer

importante, pois, em geral, o volume vai surgindo das mãos expe-

da mente criadora é híbrido e, por que não dizer, mestiço? Ou ainda

rientes de cada artista. Podemos aqui destacar, como exemplos, An-

podemos tomar as palavras de Bastide (apud PINHEIRO, 2004, p. 18):

tônio Poteiro, Adel Souki, Shoko Suzuki e Máximo Soalheiro. No caso de Antônio Poteiro, a sua profissão de fazer potes lhe

Seria necessário, em lugar de conceitos rígi-

proporcionou a internalização de certos princípios básicos da cons-

dos, descobrir noções de certo modo líquidas,

trução do objeto artístico. Nesse processo de trabalho, aprendeu a

capazes de descrever fenômenos de fusão, de

dominar os materiais e a transformá-los. Isso envolve o conheci-

ebulição, de interpenetração; noções que se

mento que o artista precisa ter para dele servir-se.

modelariam conforme uma realidade viva, em

Em geral, os conhecimentos desses artistas foram adquiridos

perpétua transformação.

de maneira vivencial. Tanto o manuseio do barro como o contato constante com as técnicas de construção das peças foram impor-

Barro: estudo e obra

tantes e decisivos para a elaboração de seus trabalhos plásticos. Re-

Para alguns artistas que trabalham com o barro, esse material pode

dessa artista:

sende (1996), ao introduzir o catálogo de Souki, comenta o processo

ser mais que a matéria-prima escolhida para construir suas obras,

Tudo tem início no corpo-a-corpo do toque de mão

pode fazer parte do processo de criação e mesmo suprimir os dese-

sobre o barro inerte quando mutuamente a impri-

nhos preparatórios. A partir da construção de cada obra, o artista, ao

mem, dando forma à matéria bruta e informe. Dessa

se deparar com questões, vai tentando resolvê-las ao longo do pro-

intimidade de gestos nascem idéias, revelam-se so-

cesso, ou ele pode exercitar-se utilizando a própria matéria, fazendo

nhos e descortinam-se possibilidades.

pequenas maquetes, o que lhe permite observar a forma, o volume, a cor e a textura ou novas possibilidades.

Já a segunda atitude com a matéria, podemos dizer que, em geral,

Aqui, podemos destacar, ainda, duas atitudes com a matéria: na

são experiências ou estudos em que a matéria é vivenciada ou ma-

primeira, a utilização da argila se dá em um processo contínuo, isto

nipulada para determinado fim, mas, durante o processo, o artista

Cerâmica

Capítulo 4 |

49


Figura 66

Mariana Canepa. Objeto, 2000.

pode perceber novas possibilidades plásti-

Por sua vez, Celeida Tostes também tinha necessidade de experi-

cas. Para essa situação, vamos apresentar

mentar o material ou construir maquetes, antes mesmo de executar

experiências de Mariana Canepa, Celeida

as peças de grande porte. A artista estava sempre atenta aos procedi-

Tostes e Katsuko Nakano.

mentos, permitindo novos caminhos. Por exemplo, durante a cons-

Nas obras de Canepa, realizadas em 2000,

trução do protótipo da obra Muro, desenvolveu os estudos das mas-

podemos notar que a artista trabalhou gran-

sas, utilizando pequenas placas com marcas, lembrando selos. Dessa

des esculturas, utilizando finas camadas de

experiência surgiu a obra: Selos (Figura 67). A artista comenta: “Pode-

argila de diferentes colorações, fruto de uma

mos ter uma intuição ou projeto inicial, mas durante a realização

pesquisa realizada para trabalhos menores.

dele vamos chegando a outras questões que nos direcionam e promo-

A Figura 66 permite-nos observar como a

vem o aparecimento de novas estruturas que não havíamos imagina-

artista foi além das misturas das argilas,

do antes” (TOSTES, apud PINTO, 1992, p. 140). Podemos pensar, aqui,

pois nota-se no objeto uma relação imagética com a própria maté-

na importância e no papel do acaso no projeto poético de Tostes.

ria: solo, veios, troncos petrificados. Numa entrevista para a revista Neuva Cerámica (2001, p. 28), Canepa fala de seus experimentos: Los trabajos pequeños me sirven como laboratorio para comezar a planificar las piezas mayores. Fue precisamente haciendo piezas de bisuteria que fui investigando mezclas de arcillas y las posibilidades técnicas de cada pasta, rasgo distintivo de mi traba-

Figura 67  Celeida Tostes. Série: Selos, s/d.

jo hoy en dia.8

Katsuko Nakano, em seu livro: “Terra, fogo, homem” relata como desenvolve seus trabalhos num constante diálogo com a matéria: Meus trabalhos não partem de projetos definidos 8  “Pequenos trabalhos me servem como um laboratório para começar a planejar as peças maiores. Foi precisamente a fazer peças de joias que estava investigando misturas de argilas e possibilidades técnicas de cada pasta, característica distintiva do meu trabalho hoje”. (Tradução livre da autora).

Cerâmica

anteriormente. Tenho o barro, uma técnica e às vezes uma idéia do tipo de coisa que quero fazer. Ela vai se definindo através do fazer durante o processo. Capítulo 4 |

50


Ou seja, vou fazer um trabalho com placas. Abro a massa, vejo-a, vou traçando, cortando, emendando, até que surja ou não surja alguma coisa. Da tensão entre as possibilidades e as limitações vamos descobrindo pequenas técnicas auxiliares: como colar, como secar, como fazer para não deformar... Assim, para mim, a forma é quase que um pretexto para

estudos preliminares, uma atitude muito comum dos escultores e pintores (Figuras 68 a, 68 b, 68 c e 68 d). No Brasil, foco do nosso interesse, podemos apontar, como exemplos: Francisco Brennand, Norma Grinberg, Hélio Siqueira e Mary Di Iorio, dentre outros. Para esses artistas, o desenho funciona como uma ferramenta para seus estudos, desde a forma, passando pela

o fazer. Utilizei as diversas técnicas de modelagem, como diversos modos de me expressar através do barro. A minha expectativa é que dentro dessa diversidade haja algo que os una: minha própria expressão (1989, 99-101).

O desenho como modo de construção do pensamento Podemos considerar que, entre os artistas, no caso de alguns ceramistas, o processo de criação é acompanhado pelo registro de sua

Figura 68 a  Pablo Picasso. Quatro estudos de cerâmica.

Figura 68 b  Pablo Picasso. Cerâmica, 1947/8.

Figura 68 c  Miró. Desenhos preparatórios.

Figura 68 d  Miró. Personagem. Cerâmica, 1945.

reflexão, o que pode ser feito em diários, folhas avulsas ou cadernos, contendo desenhos e/ou anotações etc. Esses materiais servem de base para seu processo criador. São registros do modo como apreendem o mundo e fazem suas seleções, o que, de alguma forma, pode ser coletado e levado para sua criação. Em geral, esse é o procedimento de artistas plásticos que iniciaram sua formação no desenho e que, ao escolherem a cerâmica como um meio de expressão, tomaram o desenho como um grande aliado no processo plástico. São indiciais dessa atitude, no cenário internacional: Picasso, Miró, Chagall, dentre outros. Ao se interessarem pela cerâmica, passam a fazer

Cerâmica

Capítulo 4 |

51


textura, o volume, a cor e muitas vezes a estrutura de montagem.

Encontro nele a âncora de sustentação para a livre

Mas a forma de trabalhar o desenho depende de artista para artista.

criação nas artes plásticas […]. Se, no início da car-

Podemos citar Hélio Siqueira (2000), que usa o desenho para

reira, ele aparecia como forma autônoma, hoje ele

duas situações na cerâmica, ora para pensar as obras, ora para or-

aparece nas peças que são criadas migrando ora

ganizá-las no espaço. O artista trabalha com um mesmo material,

para a cerâmica, ora para a pintura. Reconheço que

o nanquim preto, para as duas situações, porém, dá-lhes um o tra-

o desenho é a forma de anotação rigorosa do ins-

tamento diferenciado. Nos estudos das obras, ele trabalha a forma

tante e é através dele que registro minhas idéias,

com refinamento, dando tratamento de luz e sombra por meio das

seja em inúmeros cadernos organizados, seja nas

hachuras (Figura 69 a). Já nos estudos das instalações, os desenhos

paredes/espaços que encontro ao alcance da mão

aparecem soltos, na forma de esboços rápidos e precisos. Na verda-

(SIQUEIRA, 2000, p. 34-35).

de, os esboços que o artista faz são anotações, sobre como pensa a relação dos objetos no espaço e entre eles, independente do espaço da galeria (Figura 69 b).

Alguns artistas consideram esses estudos iniciais como parte indispensável do processo de criação, condição sem a qual não seria possível uma aproximação da ideia com sua materialização como imagem geradora. Brennand, em entrevista9 realizada com o artista em 2003, revela-nos as diferentes atitudes da pintura com relação à escultura: “Na pintura eu preciso ver, eu sou como São Tomé, eu quero botar o dedo na chaga, eu preciso ver o modelo. Na escultura, eu dispenso o modelo, eu imagino só, e desenho”. De acordo com Brennand,

Figura 69 a

Hélio Siqueira. Estudos para cerâmica. Nanquim sobre papel, 1996.

Figura 69 b

Hélio Siqueira. Estudos para instalação. Nanquim sobre papel, 1996.

um escultor pode improvisar, mas, no caso dele não, tudo começa no desenho, por considerar-se um pintor. Nessa mesma entrevista, o artista comenta: “Para chegar a uma escultura, eu tenho certamen-

O desenho é a maneira que o artista encontrou para o registro de suas ideias e funciona também como um arquivo pessoal mantido em álbuns e cadernos guardados em gavetas. Siqueira fala da importância do desenho na sua produção plástica: Cerâmica

9 Entrevista foi feita por Rodrigues no ateliê do artista para o estudo de doutorado. Para maiores informações: RODRIGUES, Maria Regina. Obras em processo: interações comunicacionais no processo de criação de duas ceramistas brasileiras. 2004. 192 f. Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo 2004.

Capítulo 4 |

52


te uma quantidade grande de desenhos daquilo que pretendo fazer, você não esgota o assunto”. Após selecionar os desenhos para suas esculturas, o artista encaminha para o ateliê de cerâmica para serem construídos por artesãos que, com suas experiências na arte de modelar, reproduzem fielmente o desenho do artista, desde a forma até a cor, enquanto o artista monitora a construção de cada peça. Com o passar do tempo, de acordo com sua necessidade, o artista vai substituindo os materiais de desenho. Nos desenhos mais anti-

Figuras 70 b  Francisco Brennand. Desenhos preparatórios. Sanguínea sobre papel, 1981.

gos, o artista trabalhou com lápis preto ou monocromáticos como sanguínea ou azul (Figuras 70 a, 70 b); mas, ultimamente, vem desenvolvendo seus estudos com lápis de cor e lápis aquarelado e também utiliza bastões de cores aquareladas (Figura 70 c). O artista justifica: “Quando quero fazer um desenho para cerâmica, eu já quero imaginar também a cor, então, em geral, eu já quero trabalhar com elementos coloridos“.

Figuras 70 a  Francisco Brennand Desenhos preparatórios. Lápis sobre papel, s/d.

Mary Di Iorio é outra artista que se enquadra nessa categoria. Seu desenho foi sofrendo alterações nas anotações. Segundo ela, antes da década de 80, o desenho parecia ser um exercício mental desconectado de um projeto determinado: enquanto a artista pensava, ia

Figura 70 c  Francisco Brennand. Pã. Lápis aquarelado sobre papel, 2001.

fazendo garatujas. No momento em que estava atribulada com suas Cerâmica

Capítulo 4 |

53


atividades acadêmicas: aulas, trabalho administrativo, além do tra-

que geralmente são descartados durante a produção da obra. Mas,

balho plástico, sentia necessidade de registrar suas ideias, utilizan-

aqui, podemos pontuar a possibilidade de o resíduo fazer parte do

do o desenho para pensar a forma, a textura, a cor (Figura 71 a), e, até

trabalho plástico do artista.

mesmo, a estrutura de montagem de suas obras no espaço (Figura 71

É importante observar que, em geral, o artista só percebe esses

b): “Foi aí, então, em termos de sentido de perda de pensamento que

resíduos quando está numa situação de observador, como podemos

eu comecei a desenhar para não perder” (Entrevista realizada pela

notar no depoimento de Norma Grinberg (1999, p. 37):

autora, em 2002, para o desenvolvimento da Tese de Doutorado). Assim, podemos observar que o desenho se presta para cada ar-

O resíduo, como uma possibilidade de ação, surgiu

tista de forma diferente, ora para pensar a forma, ora para definir os

num workshop, ao trabalhar com participantes. O

passos para a construção da obra, até a cor e sua instalação no espa-

tempo reduzido para se dedicar à própria atividade

ço. Na verdade, o desenho vai além de um delimitador de formas,

e a necessidade de orientar e estar atenta ao gru-

dependendo da necessidade do artista, ele é um meio de comunica-

po levaram a um olhar e a uma percepção distintas

ção para ele mesmo ou para outros que executarão suas obras.

[…]. Aí, até o resíduo ganhou uma função. Já não era mais resto, mas a matéria-prima para um trabalho.

A partir daí, a artista passa a observar também os resíduos do seu ateliê, e, com eles, elaborar novos projetos, como podemos observar na Figura 72. Figura 71 a  Mary Di Iorio. Desenho preparatório. Caneta hidrocor preta s/ papel.

Figura 71 b  Mary Di Iorio. Desenho preparatório. Caneta hidrocor colorida.

O mesmo ocorreu na UFES, em 1999, quando trabalhávamos com os alunos, orientando na

O res duo como poss b l dade de obra

técnica do torno. Como os alu-

Pode-se dizer que, quando o artista está em seu ateliê trabalhando,

da técnica, as peças ficavam com

sua atenção está voltada para a forma que quer alcançar, esquecen-

as bordas irregulares. Nesse caso, passamos a interferir na constru-

do-se muitas vezes de olhar à sua volta, ou de perceber os resíduos

ção da peça, retirando um anel de argila, cortando do topo da peça,

Cerâmica

nos ainda não tinham domínio

Figura 72  Norma Grinberg. Instáveis, 2004.

Capítulo 4 |

54


com a ponta seca, enquanto o torno rodava, para manter a peça o mais uniforme possível. Durante algum tempo, observamos aqueles anéis secando ao lado dos trabalhos dos alunos. Vimos ali um

tender as coisas. Assim os acasos iluminam espaços vivenciais que se abrem à nossa mente e, à medida em que os ocupamos, o mundo vai se ampliando para nós (OSTROWER, 1990, p. 7).

material expressivo de excelente qualidade plástica. Os anéis foram se multiplicando e, mais tarde, vimos a possibilidade de, com eles, construirmos uma obra, passando de resíduos para inúmeras peças

É nesse processo que o artista percebe a possibilidade de atu-

de cores e tamanhos variados. Para concluir a obra, montamos um

ar, quando propõe desenvolver uma obra a partir do material que

grande varal com centenas de peças penduradas, intitulado Em torno

lhe chama a atenção. O fato de o artista estar como observador do

de… (Figura 73).

processo do outro, ou melhor, atento para o que pode acontecer ao seu redor, faz com que ele reflita sobre o seu próprio processo, permitindo-lhe, muitas vezes, variar ou tomar outros percursos, temporários ou não, o que o faz evitar a rotina e a mecanicidade, colocando-o em situação propícia para novas tentativas que originam descobertas inesperadas. Figura 73  Regina Rodrigues. Em torno de..., Cerâmica e aço inox, 2000.

D álogo com outras l nguagens Vamos apresentar aqui alguns artistas que, além da cerâmica, trabalham com outra linguagem plástica.

Nas duas situações, podemos observar que os artistas, em determinado momento, exploram os resíduos encontrados, mas também

Que maravilha de época a nossa, quando os maiores

dialogam com o imprevisível, o acaso.

pintores gostam de se tornar ceramistas e oleiros! Ei-los, pois, que põem a cozer as cores. Com o fogo

Cerâmica

Quando ocorrem, os acasos nos revelam a existên-

fazem luz. Aprendem química com os olhos; querem

cia, por assim dizer, de analogias ocultas entre fenô-

que a matéria reaja para o prazer de ver. Adivinham

menos. Sua descoberta pode nos surpreender num

o esmalte quando a matéria ainda está mole, quan-

primeiro instante, mas ela assume imediatamente a

do está ainda um pouco descorada, fracamente bri-

forma de uma nova lógica, de um novo modo de en-

lhante (BACHELARD, 1986, p. 24). Capítulo 4 |

55


Há artistas que buscam dialogar com outras linguagens, inter-

lápis sobre a parede, a serigrafia

cambiando experiências. Nessa situação, podemos citar vários, como

sobre o tecido (Figura 75 a), a terra

Antônio Poteiro, Miguel dos Santos, Carlos Farjardo e Julio Tigre.

(como pigmento) sobre a madei-

No caso de Antônio Poteiro (CANABRAVA, 1984), após anos dedi-

ra. Quando utilizou a cera de la-

cando-se somente à escultura em barro, na década de 70, ele é incen-

cre (Figuras 75 b) para uma grafia

tivado por Siron Franco, em Goiânia, a iniciar-se na pintura – uma

de anotações suspensas em pági-

linguagem que Poteiro trabalha

nas a serem vistas de frente e de

até hoje paralelamente à cerâmi-

costas e que olhando por trás da

ca. É importante observar que na

forma inversa como foram execu-

pintura, Poteiro não apresenta

tadas, passaram a ser autônomas;

o mesmo desembaraço que tem

a referência da escrita tornou-se

no manejo do barro, mas usa

cada vez mais diluída. Com isso,

seus conhecimentos da cerâ-

o artista escolheu a cerâmica

mica para atuar na pintura. Por

como um material para encon-

exemplo, às vezes, pinta usando

trar a resistência não apresentada

pincéis com as duas mãos, uma

na cera (Figuras 75 c e 75 d). Nesse

atitude que vem da atividade de

caso, a cerâmica é mais um meio

tornear; trabalha por camadas,

de expressão plástica para o ar-

tinta sobre tinta e com ornamen-

tista. Na entrevista realizada com

tos, o mesmo ocorre na mode-

o artista, em 2004, para a tese de

lagem, utilizando camadas, for-

doutorado da autora, Tigre fala de

mando figuras frontais em relevo

como se relaciona com os mate-

e ornamentadas (Figuras 74).

riais: “Não há limites no que diz

Figuras 74 Antônio Poteiro.

Julio Tigre, um artista mineiro radicado em Vitória-ES, procura

respeito ao uso de materiais es-

conhecer os materiais para desenvolver seu projeto plástico. Dentre

pecíficos, mas uma proliferação

a infinidade de experimentações, podemos citar o trabalho da escrita

de matérias tantas quantas caiam

que, durante algum tempo, foi seu objeto de pesquisa. O gesto era seu

no ar da graça de estarem ali para

principal foco, para isso trabalhou com diferentes materiais como o

se ver e experimentar […]”.

Cerâmica

Figura 75 a  Julio Tigre. Sem título. Serigrafia sobre o lenço, 1996.

Figuras 75 b  Julio Tigre. Souvenir. Cera de lacre, 1996.

Capítulo 4 |

56


poético, pois sabemos que mesmo fazendo várias disciplinas de desenho, nem todos os alunos têm domínio, a ponto de elaborar suas ideias de objetos tridimensionais no plano e, muito menos, o domínio do barro para desenvolver um protótipo. A partir dessas observações, deixamos em aberto a apresentação de seus projetos, e a possibilidade de usarem suas experiências, desde o rascunho, passando por fotos, até a utilização de outros materiais disponíveis no seu cotidiano (papel, plástico, papelão, espuma etc.). Essa abertura possibilitou um diálogo, em sala de aula Figura 75 c  Julio Tigre. Sem título, Cerâmica, 1997.

Figura 75 d  Julio Tigre. Sem título, Cerâmica, 1997.

de forma positiva e menos traumática para apresentação de suas ideias. Há, aqui, alguns estudos de alunos do período de 2010/02 da

Podemos concluir que, em geral, o artista busca suporte técnico

disciplina Cerâmica, do Curso de Artes Visuais presencial da UFES.

com o ceramista para desenvolver suas experiências, o que pode,

Dentre uma infinidade de estudos propostos em sala de aula, sele-

muitas vezes, ser um desafio para aqueles que estão condicionados

cionamos estudos nos quais os alunos escolheram materiais não

ao fazer técnico, nesse momento, abrindo seus horizontes.

convencionais para pensarem a obra. Nos estudos da aluna Bruna Santos Silva, foram escolhidas espumas de embalagem (Figuras 76);

A ut l zação de outros mater a s como estudo de processo

e nos do aluno Eliomar Louzada, papéis de revista, montando o trabalho em papel e, mais tarde, utilizando-o como molde da construção da peça (Figuras 77 a, 77 b).

Essa é mais uma possibilidade de trabalhar o projeto poético para a construção das obras em cerâmica, sem necessariamente utilizar o desenho ou mesmo a argila como estudo. Ao serem pesquisadas as possibilidades poéticas dos artistas apresentados, fica clara a importância do desenho no processo, ou mesmo uma vivência com a matéria, a ponto de subverter as técnicas. Porém, quando atuamos no ensino como orientadores e pesquisadores, observamos as dificuldades apresentadas pelos alunos, em sala de aula, quando se veem diante de uma proposta de projeto Cerâmica

Figuras 76   Bruna Santos Silva. Estudo com espuma.

Capítulo 4 |

57


O olhar como método de aprend zagem Diferentemente dos processos anteriores, vamos apresentar aqui outros meios de construção na cerâmica que vão além das academias e ateliês de arte. O aprendizado, a partir da observação, passando de geração para geração, desde a preparação da matéria, passando pelos pigmentos e o tipo de queima utilizado. Vale ressaltar que, no Brasil, Figura 77 a

Figura 77 b

Eliomar Louzada, Estudo com papel de revista.

Utilizacão do molde para a construção da peça.

esse método foi e continua sendo utilizado tanto pelos índios, quanto pelos ceramistas populares, dando sequência ao fazer primitivo.

Nesse capítulo, apresentamos cinco métodos de trabalho, os quais

Podemos destacar aqui alguns grupos como as paneleiras de Goia-

chamamos de cinco atitudes ou movimentos da mente criadora. Vale

beiras, localizado em Vitória, Espírito Santo e os ceramistas do Vale

ressaltar que não são regras e podem ocorrer muitas vezes de forma

Jequitinhonha em Minas Gerais, entre outros.

simultânea, pois, considerando o processo de criação como fenôme-

Os objetos eram feitos para o uso do cotidiano familiar, hoje, tanto

no comunicativo e, como tal, possuidor de uma interface cultural,

o fazer quanto o produto passam a ser bens culturais e um meio de so-

pode-se pensar no contraste da interação do ceramista com o tempo

brevivência dos artesãos. Temos como exemplo as paneleiras de Goia-

e espaço histórico e socialmente construído. Isso parece ser suficien-

beiras, cujo aprendizado se dá na convivência, pela participação desde

te para considerarmos que seu processo de criação é constantemente

pequenas no espaço de trabalho, com suas mães. Elas trabalham num

contaminado por ruídos da criação de outros. Também cabe ver que

mesmo espaço, atuando no processo, enquanto as crianças brincam

o desenvolvimento de uma pessoa jamais se dá de modo linear.

com a argila ou iniciam a aprendizagem ajudando seus familiares. Em

O processo é dinâmico e ocorre em múltiplos níveis, que intera-

geral, iniciam pelo acabamento, e quando se dão conta, já estão do-

gem e se influenciam reciprocamente. Por isso, destacamos algumas

minando o processo de construção e queima, contribuindo assim nas

atitudes ou movimento da mente criadora ao longo do percurso de

atividades da família. Nesse caso é importante destacar que mesmo os

elaboração e produção das obras, pois seria praticamente impossível

mais jovens respeitam e dão continuidade ao fazer de seus antepassa-

perceber e analisar toda diversidade do fazer, originado dessa apro-

dos, sem alterar os processos de construção familiar.10

ximação com a cerâmica. 10  Parte desse capítulo foi desenvolvido na minha tese de doutorado com o Titulo: Obras em processo: interações comunicacionais no processo de criação de duas artistas brasileiras. 2004, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Profa. Dra. Cecília Almeida Salles.

Cerâmica

Capítulo 4 |

58


Capítulo 5

Fornos e Que mas Penha Schirmer Nos capítulos anteriores, o barro foi o elemento principal na ação do homem como possibilidade de manipulação da matéria argila e das técnicas básicas de modelagem para a construção de objetos. Para definirmos um objeto como cerâmica é necessário que o fogo atue como agente; já que esse realiza o rito de passagem, como catalisador do esforço aplicado na obra, dando-lhe uma resistência. Não só o elemento fogo, vem cooperar para a constituição de uma matéria que já reuniu os sonhos elementares da terra e da água, mas também, com o fogo, é o tempo que vem individualizar fortemente a matéria [...]. O cozimento é assim um grande devir material, um devir que vai da polidez ao dourado, da massa à crosta. Tem um começo e um fim como um gesto humano (BACHELARD, 1991, p. 69).

É esse domínio do fogo que define a história da cerâmica, o que permitiu ao homem fazer vasilhas duras e resistentes, sem que se desintegrassem na água. Existem várias teorias sobre como essa relação teria se desenvolvido, até que o homem fosse capaz de tornar Cerâmica

Capítulo 5 |

59


o barro duro como pedra e não mais sujeito a desfazer-se. Segundo Pileggi (1958), não se pode determinar quando o método do fogo começou a ser empregado para o endurecimento da louça de barro, mas presume-se que isso tenha acontecido acidentalmente. Chavarria (2004, p. 56) trata do aprendizado do homem com o fogo: “O homem, depois de aprender a dominar o fogo, que utilizava para cozer os alimentos e como fonte de calor, terá certamente observado que os recipientes de argila seca que havia modelado endureciam quando se encontravam perto das chamas”. Essa capacidade do fogo, de transformar materiais da natureza, determinou procedimentos e tecnologias que possibilitaram ao homem certo domínio sobre as forças da natureza. De acordo com Bardi (1989, p. 8): “As artes do fogo, que reduzem às mais variadas coisas, os minerais que as entranhas da terra oferecem (metais, barro, areia e quantos outros ingredientes que, direta ou indiretamente, servem para moldá-los), são as artes primeiras e fundamentais”. Como já foi dito, o papel principal da queima é exercido pelo fogo, mas cabe ao homem dar o equilíbrio a esse procedimento. A partir da

Figura 78  Foto da Fogueira a céu aberto das Paneleiras de Goiabeiras, ES11 .

A queima de cerâmica sofreu diferentes alterações ao longo do tempo. Apresentaremos aqui alguns fornos primitivos e atuais, e também os fornos alternativos, experimentais, desenvolvidos por ceramistas de ateliê, e suas variadas temperaturas.

necessidade de manter o fogo sobre a matéria, o homem foi experi-

Uma das particularidades aprendidas com o universo da cerâmi-

mentando vários tipos de queima, a princípio, com as fogueiras a céu

ca da qual devemos sempre nos lembrar é a espera. A argila tem seu

aberto, um sistema utilizado, até hoje, por alguns ceramistas populares

tempo de secagem, a hora certa em que está pronta para ser subme-

como as paneleiras de Goiabeiras (Figura 78), ES. E, de acordo com a ne-

tida ao fogo. Esse tempo deve ser respeitado, não importando se o

cessidade, o homem procurou meios de concentrá-lo, criando, então,

artista tem ou não pressa em finalizar a peça.

fornos de formas e tipos variados, os quais passaram a ter comparti-

Outro ponto importante, que já foi abordado no capítulo 2, está

mentos de maiores ou menores dimensões, com capacidade para reter

relacionado à preparação da massa. Devemos cuidar para que seja

calor em diferentes temperaturas, dependendo de suas necessidades,

bem amassada, permitindo, assim, a retirada completa das bolhas

chegando até 1300ºC, além de definir o tipo de atmosfera - redutora e/ ou oxidante - obtendo-se resultados diferentes para cada escolha. Cerâmica

11  Foto de Penha Schirmer, em 16 de agosto de 2005.

Capítulo 5 |

60


de ar, pois durante o processo de queima, a argila diminui de tama-

Ao atingir 573°C ocorre uma reação química chamada inversão

nho com o calor, o ar se expande com o aumento da temperatura,

da sílica, processo irreversível de mudança na estrutura cristalina.

formando duas forças opostas, argila para dentro e o ar para fora.

Nesse momento, a argila passa a se chamar cerâmica, pois não se

Caso esses cuidados não sejam observados com cautela, principal-

dilui mais com a água. A maior parte das peças que saem rachadas

mente porque o espaço que o ar ocupava diminuiu, o ar romperá a

do forno, muito provavelmente trincou nessa temperatura mesmo,

parede da peça para sair, provocando uma rachadura, a quebra de

porém a rachadura só aparece depois de uma segunda queima.

uma parte da peça ou ainda uma explosão, capaz de destruir por

A partir dos 600 graus, a velocidade de subida da temperatura

completo o objeto modelado, podendo até danificar outros objetos

pode aumentar para 150ºC/hora, mas devem ser levados em conta o

que estejam próximos.

carregamento e a estrutura do forno. Também devem ser observadas

Para quem deseja envolver-se com a cerâmica, conhecer o proces-

as características das peças que estão sendo queimadas.

so de queima é fundamental, pois é por meio do cozimento que a

A temperatura final depende do resultado que se pretende alcan-

argila adquire dureza e se torna irreversível. Para isso, é necessário

çar e das particularidades de cada massa. É interessante fazer um

entender como se dá a transformação da argila em cerâmica para

patamar, mantendo a temperatura final de 30 a 50 minutos, para que

que possamos controlar a queima.

o calor se distribua uniformemente no interior do forno, atingindo

Durante o processo de queima, a peça é submetida a uma série

assim todas as peças.

de transformações físicas e químicas. Vamos aqui apresentar as

É muito importante ter conhecimento prévio da massa a ser utili-

principais etapas de transformação da matéria, de acordo com cada

zada na hora da queima para se evitar imprevistos, pois cada massa

temperatura.

tem um ponto de maturação, também chamado de sinterização, mo-

A primeira etapa da queima é chamada de esquente. Nela, a ve-

mento em que atinge sua maior dureza, e o ponto de fusão, momen-

locidade de aquecimento deve ser lenta, não ultrapassando 100ºC

to em que o corpo cerâmico começa a se fundir, tornando-se liquido,

na primeira hora, pois as peças secas à temperatura ambiente ainda

o que pode danificar o forno e as outras peças.

contêm certa umidade, que só será eliminada com o aquecimento.

O resfriamento também é uma etapa bastante importante da fi-

Se a temperatura subir rapidamente as peças podem estourar devido

nalização da queima. Deve-se proceder de forma lenta e natural para

à expansão da água em evaporação.

que não ocorram danos, pois se a peça for resfriada muito rapida-

De 100ºC a 350ºC ocorrerão reações que eliminarão a água química, que faz parte da molécula de argila (2 moléculas de sílica + 1 de alumina e 2 de água). A velocidade de queima não deve ser superior a 100°C/hora, pois as peças ainda correm risco de explodir. Cerâmica

mente e se a massa não foi preparada para esse tipo de processo, em decorrência do choque térmico, pode provocar trincas na peça. No final do cozimento, constata-se uma diminuição da peça, um encolhimento de mais ou menos 10% em seu volume. Capítulo 5 |

61


Várias queimas numa única peça podem ser realizadas. Isso vai

Cones Seger

Cones Orton

Temperatura ºC

Temperatura ºC

Temperatura ºF

depender do objetivo que se queira alcançar. A primeira, quando a

022

600

600

1112

argila se transforma em cerâmica, é chamada de biscoito, em que

021

650

614

1137

020

670

635

1175

019

690

683

1261

porosa para receber uma camada de esmalte e retornar novamente

018

710

717

1323

ao forno para sua vitrificação.

017

730

747

1377

Em cada tipo de forno, principalmente os fornos elétricos, en-

016

750

792

1458

015a

790

804

1479

contramos um medidor de temperatura de-

014a

815

838

1540

013a

835

852

1566

012a

855

884

1623

pode observar, e ao mesmo tempo controlar,

011a

880

894

1641

cada etapa da queima apresentada acima.

010a

900

894

1641

09a

920

923

1693

08a

940

955

1751

07a

960

984

1803

06a

980

999

1830

05a

1000

1046

1915

mudança ocorrida. Atualmente, são usuais

04a

1020

1060

1940

os pirômetros eletrônicos (Figura 79) com

03a

1040

1101

2014

02a

1060

1120

2048

01a

1080

1137

2079

1a

1100

1154

2109

2a

1120

1162

2124

3a

1140

1168

2134

A utilização de cones pirométricos permite conhecer, com exa-

4a

1160

1186

2167

tidão, não apenas a temperatura do forno, como também a relação

5a

1180

1196

2185

6a

1200

1222

2232

7

1230

1240

2264

8

1250

1263

2305

9

1280

1280

2336

10

1300

1305

2381

11

1320

1315

2399

12

1350

1326

2419

13

1380

1346

2455

14

1410

1366

2491

15

1435

1431

2608

se pode atingir uma temperatura de 800 a 980ºC, o que deixa a peça

nominado pirômetro, por meio do qual se

Esse controlador é um instrumento para medir a temperatura no interior do forno, para que o ceramista possa observar cada

sistema de leitura digital. Além do pirômeFigura 79  Pirômetro Eletrônico.

tro, o ceramista pode contar com outra ferramenta, o cone pirométrico12.

temperatura-tempo. Trata-se de um medidor descartável que serve para tirar as dúvidas do ceramista quanto à exatidão da temperatura, ou para forno que não possuem medidor. Nesse caso, deve ser

12  Também denominado processador de temperatura com programa digital para controlar o tempo de aquecimento e o grau de temperatura. Pode também manter fixo determinado valor térmico (patamar).

Cerâmica

Figura 80  Tabela de cones Seger e Orton

Capítulo 5 |

62


colocado no interior do forno, de modo que se possa ver através da

T pos de que mas

vigia (orifício) e observar quando se curva. Os cones pirométricos13 têm uma forma triangular (piramidal) e

Apresentaremos aqui de maneira sucinta alguns tipos de queima,

apresentam a numeração sobre uma de suas faces, seguindo uma ta-

mas é importante lembrar às pessoas que se interessam em cons-

bela, de acordo com o fabricante: Cones Seger (Europa) ou Cones Or-

truir o seu próprio forno, a importância da pesquisa. É fundamental,

ton (América). Apresentaremos aqui as duas tabelas de cones, com

pois, hoje, encontramos vasta referência sobre o assunto, possibi-

indicações do número de referência e equivalências de temperaturas

litando aos interessados aprofundarem-se, para que possam cons-

em graus centígrados. É importante lembrar

truir um forno com qualidade e segurança, além de compreenderem

que os ceramistas populares não usam esses

como o fogo atuará no interior do forno para, assim, controlar sua

instrumentos para medir a temperatura e

ação. De acordo com as palavras de Nakano (1989, p. 107): “A Terra é

em geral, observam o tempo de queima e co-

bastante sensível ao Fogo e ao Ar. O primeiro encontro da Terra com

loração da chama.

o Fogo dentro do forno requer cuidados especiais. A ação violenta do

Os cones são fabricados com materiais ce-

Fogo faz a peça explodir.”

râmicos, calculados para se dobrarem a uma

Figura 81  Cones pirométricos.

determinada temperatura/tempo. Enquanto

Fogueira: é um dos mais antigos

a extremidade superior do cone não tocar a

sistemas de queima e é feito a

base, não se atinge a temperatura, se tocar na

céu aberto, geralmente durante

base, é porque atingiu a temperatura deseja-

o dia. O combustível utilizado é

da e se o cone passou da curvatura é porque

a lenha e a duração da queima é

ultrapassou a temperatura indicada .

curta. As paneleiras de Goiabei-

14

ras (Figura 82) organizam suas peças sempre com a abertura voltada para baixo, sobre uma cama de madeira e as cobrem com pedaços de lenha de várias 13  É conveniente usar três cones de números correlativos 14 Os cones pirométricos são feitos de uma mistura de materiais cerâmicos, dobrando-se ao alcançar uma temperatura determinada.

Cerâmica

espessuras. O fogo é colocado aos poucos, pois o controle do processo se detém na coloração

Figura 82  Paneleiras de Goiabeiras, ES, 2005. Fogueira a céu aberto.

Capítulo 5 |

63


que o objeto adquire diretamente em contato com o fogo, indicando

co, em que é realizado um buraco na parte inferior para alimentar

o momento de ser retirado.

o fogo, que vai ao encontro da cova, onde se introduzirão as peças.

Para essa queima, faz-se necessária a utilização de uma massa

Esse tipo de queima é mais eficaz que o da fogueira, pois as paredes

produzida especificamente para queima rápida, evitando-se, assim,

da cova conservam melhor o calor, alcançando temperaturas mais

possíveis rachaduras. Nesse caso, o ideal é empregarmos uma massa

elevadas. Não há um controle total da queima, pelo fato de se tratar

que contenha uma mistura de minerais (areia, quartzo ou chamote

de uma construção ao ar livre.

(cerâmica triturada ou argila calcinada)). Uma das argilas (Figura 83) que as paneleiras de Goiabeiras retiram do bairro Joana D’ Arc já contém quartzo, mineral que substitui o chamote, que misturada a outras duas argilas, formam uma massa ideal para a queima na fogueira.

Figura 84 A  Forno de barranco. Vale do Jequitinhonha.

Figura 83  Massa argilosa utilizada pelas Paneleiras.

Figura 84 b  Forno de barranco. Apiaí-SP.

No Brasil, podemos encontrar algumas mulheres que procuram manter a tradição de fazer utilitários, utilizando o processo tradi-

Forno de barranco: são fornos feitos nas encostas de terra elevada

cional dos seus antepassados: o forno de barranco, a exemplo das

(Figuras 84). No centro possuem uma cova para a colocação das pe-

artesãs de Apiaí, no interior de São Paulo, e das mulheres do Vale do

ças, num dos lados, sofrem um corte vertical, formando um barran-

Jequitinhonha, MG. Essas tradições sofreram pequenas alterações,

Cerâmica

Capítulo 5 |

64


como a fornalha, que passa a receber tijolos para manter sua estru-

Forno a lenha: mais tarde, construíram os fornos de tijolos, manten-

tura, como é o caso de alguns fornos do Vale Jequitinhonha.

do a fornalha para o combustível: um forno alto com um teto permanente, no qual se fixou uma chaminé para a saída de gases quentes,

Forno circulares feitos de barro: apesar do sistema de queima em

criando-se, dessa forma, espaço para a circulação do ar, que entra

barranco ter durado muito tempo, os oleiros observaram que a tem-

pela fornalha e empurra o fogo para cima, por entre as peças. Assim,

peratura atingida não era suficiente para dar uma boa resistência

mesmo utilizando a lenha como combustível, pode-se conseguir um

à peça, e, aos poucos, foram aperfeiçoando o sistema. Iniciaram a

aumento significativo da temperatura com uma maior retenção de

construção com uma parede de

Figura 85 a

Forno da artesã Deuzani, Vale do Jequitinhonha-MG, 2010.

calor no interior do forno.

barro e abertura na parte infe-

Hoje, esse forno para queima de baixa temperatura (até 1000ºC),

rior - a fornalha, na qual se pode

é denominado Forno Garrafão (Figura 86), uma construção de tijo-

alimentar o fogo. São fornos de

los maciço, no qual o controle de temperatura é feito pelo tempo de

construção simples e de tama-

queima e a alimentação constante do fogo. O combustível pode va-

nho médio, com uma grande

riar: lenha, serragem ou aproveitamentos de tábuas de materiais de

abertura na parte superior para

construção. O artista mineiro Hélio Siqueira, quando escolheu a mo-

a deposição das peças, que são

delagem para se expressar, optou por esse modelo de forno.

cobertas com cacos de cerâmica para impedir a fuga do calor do interior do forno. Diferentemente do anterior, esse forno pode ser construído em lugares com cobertura. Hoje é muito comum encontrarmos esse tipo de forno (Figura 85 a) nos quintais das mulheres do Vale do Jequitinhonha

Figura 85 b  Forno de ceramistas do Auto do Moura-PE.

- MG ou nos espaços de produção dos artesãos do Alto do Moura PE (Figura 85 b).

Cerâmica

Figura 86  Hélio Siqueira. Forno de garrafão.

Dentre vários tipos de fornos construídos em diversos lugares, tanto no Extremo Oriente como na Europa, podemos destacar os Capítulo 5 |

65


fornos japoneses chamados Noborigama15 (Figura 87). São fornos

a gás são compactos, de fácil transporte e aquisição de combustível,

com câmaras independentes, mas interligadas, de modo que o calor

além de facilitarem a manutenção do calor. A indústria beneficiou-

da primeira passa para a segunda e assim sucessivamente, até o fim

se dessa evolução tecnológica, construindo grandes fornos contínu-

da queima (CHAVARRIA, 2004, p. 60). Esses fornos eram construídos

os, possibilitando fazer a queima de biscoito e de esmalte de uma

com um mínimo de três a um máximo de vinte câmaras.

única vez, chamada de monoqueima, economizando combustível e, consequentemente, diminuindo o tempo de construção, fazendo com que se possa adquirir produtos cerâmicos a baixo custo, beneficiando um maior número de consumidores. Fornos elétricos: a construção do forno (Figura 88) passa a ser feita de estrutura metálica, revestida no interior por tijolos refratários com uma porta frontal. Além de um equipamento de aquecimento,

Figura 87

Imagem do esboço de um Forno Noborigama.

composto por seções de resistências elétricas independentes, porém, interligadas, gerando calor por radiação, que se transmite em todo o interior do forno e, subsequentemente, às peças, por condução e radiação, possui um pirômetro eletrônico com sistema de re-

A construção dos fornos foi sendo aperfeiçoada até alcançar tem-

gulação automática com temperatura.

peraturas de 1300ºC, possibilitando a queima das peças, dos esmal-

Hoje, além dos fornos retangulares, encontramos fornos circula-

tes e das porcelanas. Hoje encontramos no Brasil alguns ateliês que

res (Figura 89) com portas superiores. Nesses, os tijolos refratários

resolveram adotar este tipo de forno para a produção de cerâmica,

ganharam leveza, facilitando o transporte. Possuem um processa-

como um grupo de ceramistas em Cunha, SP.

dor de temperatura com gramatura digital para controlar o tempo de

Com o surgimento da energia elétrica e consequentemente da

aquecimento e o grau de temperatura. Podemos dizer que se trata de

industrialização, a cerâmica ganha novos fornos, os elétricos e os

um forno de fácil aquisição no mercado, nesse caso, deve-se escolher a temperatura de queima e o tamanho do forno, adequando ao trabalho e ao espaço disponível.

15  Forno Noborigama. UFSJ, CHAGAS Luciana. Blog com o objetivo de compartilhar a produção do Curso de Artes Aplicadas - Habilitação em Cerâmica. O Curso é oferecido pela UFSJ - Universidade Federal de São João Del Rey, no Estado de Minas Gerais, Brasil. Disponível em: <http://historia-da-ceramica.blogspot.com/2009/02/fornos-para-ceramica.html>. Acesso em: 1º de fev. 2011.

Cerâmica

Ao adquirirmos um forno desse tipo, devemos verificar primeiro se a energia elétrica de que dispomos é suficiente. Segundo Chavarria (2004, p. 66): “ Actualmente, muitos destes fornos funcionam Capítulo 5 |

66


com a energia doméstica, mas em todo caso, quando se deseja ul-

materiais que seguram o calor no interior do forno, proporcionan-

trapassar certos limites, deverá fazer-se uma instalação extra, geral-

do um menor consumo de combustível e uma maior eficiência na

mente trifásica, o que pode encarecer muito o processo”.

queima. Esse forno é de fácil construção, desde que se disponha dos elementos necessários como a distribuição dos bicos de gás, que deverão estar instalados nas laterais logo acima da base do forno, tomando-se o devido cuidado com sua colocação para que a chama não toque diretamente nas peças. Além da escolha dos bicos de gás, é importante que haja uma válvula para regular a entrada de gás no forno. Através desse sistema, podemos produzir atmosferas oxidantes ou redutoras com um simples ajuste na entrada de ar e de gás, sem que haja necessariamente alterações na estrutura do forno. Muitos ceramistas constroem esses tipos de fornos, utilizando vasilhames de latão descartáveis, revestido-os com manta refrataria

Figura 88

Forno elétrico retangular.

Figura 89

Forno elétrico redondo.

para fazer a queima de raku (Figura 90), que é um tipo de queima redutora.

Fornos a gás: é um forno que tem como combustível o gás butano, que pode ser canalizado ou engarrafado. Muitos ceramistas escolhem esse tipo de forno pelo menor custo desse combustível, bem como pela facilidade de sua instalação, manutenção e resultados obtidos. O inconveniente desse forno reside na obrigação constante de observação durante a queima, para torná-la segura, principalmente quando se trabalha com botijas de gás, que devem estar no exterior, separadas do forno e protegidas por paredes.

Figura 90  Forno de raku.

Esses fornos podem ser construídos com estruturas metálicas, que envolvem tijolos refratários ou revestimento de fibra isolante, Cerâmica

Capítulo 5 |

67


Fornos alternat  vos

areia ou chamote, para evitar que as peças sofram rachaduras. Essa queima pode ser usada também apenas para dar efeito às peças já

A seguir, apresentaremos dois diferentes fornos alternativos, que

queimadas, com o objetivo de fazer com que as peças ganhem novas

podem substituir os fornos convencionais, porém, em alguns ca-

colorações, por meio da utilização de materiais como sais ou sulfa-

sos, servirão para uma única queima, como o forno de papel, que

tos. Nesse caso, não é necessário se preocupar com o tipo de massa,

já foi testado por vários ceramistas. Apresentaremos em imagens

pois a peça já sofreu uma queima, e não há risco de danificação.

o resultado de uma queima realizada na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), em novembro de 2006. O outro forno foi

Materiais:

construído a partir de um cupinzeiro, sob a coordenação da cera-

◊◊ 50 tijolos maciços ou refratários;

mista Zandra Coelho, durante o Congresso de Cerâmica (CONTAF) na Universidade Federal em São João Del Rey, no período de 20 a 22 de outubro de 2010. Ao escolhermos um forno para construir, deveremos dar total atenção às etapas de construção, além de separar previamente os materiais necessários para sua montagem.

◊◊ 2 pacotes de carvão vegetal; ◊◊ gravetos; ◊◊ lenha ou madeira de material de construção; ◊◊ tela de passarinho (aproximadamente 3 metros); ◊◊ 1 rolo de barbante; ◊◊ 2 sacos de argila seca (pode ser de material de construção que em geral é branca);

Forno de Papel: antes de construir este tipo de forno é preciso escolher um lugar adequado, como um sítio ou um grande pátio de escola, e a queima deve ocorrer fora do horário das atividades escolares, pois haverá muita fumaça, que pode intoxicar as pessoas. O forno de papel proporciona uma queima a lenha, na qual se usa papel com barro para construir suas paredes e será aproveitado uma

◊◊ 1 saco de caulim (opcional); ◊◊ folhas de jornais ou catálogos telefônicos (as folha de catálogo são mais resistentes que o jornal); ◊◊ 1 bacia grande para preparar a massa; ◊◊ 1 lata (tipo Nescau ou Leite Ninho);

única vez, pois, ao final, o fogo consome o próprio forno. Mas isso

Sugestão: Trabalho em equipe.

não é motivo de desânimo, pois poderemos alcançar bons resulta-

Enquanto um grupo organiza a estrutura do forno, o outro pode

dos. Sugerimos que o trabalho de construção seja feito em equipe, pois trata-se de uma tarefa árdua. Para a queima nesse tipo de forno o ideal é usar uma massa resistente, como a argila das paneleiras ou acrescentar de 20 a 30% de Cerâmica

preparar a barbotina e os papéis. Escolha do local: a área deve ser ampla e descoberta, para a montagem do forno, de preferência terreno plano ou pavimentado, não muito úmido, longe de árvores, de vegetação seca e de construções. Capítulo 5 |

68


Barbotina: Misturar o barro em pó (material de construção) com água, preparando uma massa numa densidade de iogurte. Pode-se

para que durante o processo de retração – encolhimento - elas não se quebrem ou colem (Figura 95).

incluir nessa mistura 1/3 de caulim, que contribui para manter a temperatura de queima. Estrutura do forno: o primeiro passo é a montagem da base quadrangular (Figura 91) de tijolos deitados, que vai funcionar como suporte do forno. Essa base vai depender do tamanho do forno que se vai construir e, consequentemente, da quantidade de peças que

Figura 93  Base 3.

se tem para queimar. Sobre essa base, deveFigura 91­

Base 1.

mos montar uma segunda, porém, com os

Para uma queima com efeitos,

tijolos de lado, formando quatro canais inter-

poderemos jogar sal de cozinha

ligados, como na foto (Figura 92). Se o forno

ou sulfatos (cobre, níquel, ferro)

for maior, devemos aumentar o número de

sobre as peças, ou pincelar o sul-

tijolos para a construção dos canais.

fato dissolvido em água morna

Com a base montada, devemos colocar carvão nos espaços vazios, formando um cír-

Figura 92  Base 2.

Figura 94  Base completa.

para obter uma coloração mais uniforme.

culo. Em seguida, distribuir pequenos grave-

Depois da arrumação das pe-

tos sobre o carvão, para facilitar a manuten-

ças, o próximo passo é colocar

ção do fogo até o aquecimento do carvão e,

os gravetos e pequenas madeiras

depois, da lenha.

em todos os espaços disponíveis

Após esse procedimento, vamos construir a terceira base (Figura

ao redor e entre as peças, cons-

93), utilizando tijolos deitados ou cacos de telha como suporte para

truindo uma espécie de tenda

colocar as peças (Figura 94), nas quais serão organizadas, partindo

em volta da base com madeira de

do centro para as laterais: primeiro as maiores e mais resistentes, que

diversos tamanhos e espessuras,

servirão como suporte para as menores. Podemos colocar as peças

em forma de cone (Figura 96). Sempre no sentido de dentro para fora,

pequenas dentro das maiores, com bastante atenção a arrumação

das menores para as maiores. Quanto mais madeira se colocar, mais

Cerâmica

Figura 95  Arrumação das peças na base.

Capítulo 5 |

69


tempo se levará para a queima,

aproximadamente dez (Figura 99). Em seguida, finalizem a constru-

já que, assim, a temperatura se

ção do forno, cobrindo-o uniformemente com a massa.

eleva. Em seguida, amarre bem as madeiras com barbante para a estrutura ficar firme. Enrole uma tela de metal (tela de viveiro de pássaros), com firmeza, por toda extensão e comprimento das madeiras, para dar estrutura à parede (Figura 97). Em seguida, corte a parte que sobrou da tela e una as pontas com Figura 96  Colocação de gravetos.

Figura 97  Colocação da tela.

Figura 98  Barbotina para banho.

Figura 99  Arrumação da parede.

arame. Encaixe a lata sem fun-

Queima: após a construção da parede do forno, ateiem fogo com

do, no topo do cone, para servir

cautela e vagarosamente, em uma abertura de cada vez. Acendam

como chaminé do forno durante

primeiro a boca que está na direção do vento, soprando o fogo para

a queima.

o interior do forno e, em seguida, para as outras aberturas (Figura

Parede do forno: nesse mo-

100). A partir desse momento, se houver crianças por perto, essas

mento, todos devem trabalhar

devem acompanhar o processo a distância, supervisionadas por

juntos como num mutirão, pois

um adulto.

é um processo cansativo e de-

A queima vai se desenrolar até que toda a madeira tenha se tor-

morado. Quanto mais camadas

nado cinzas e consequentemente, o forno se autodestruirá. A dura-

forem colocadas melhor, pois es-

ção da queima vai depender da quantidade de madeira empregada e

sas servem para segurar o calor no interior do forno.

do tamanho do forno (Figura 101). É importante acompanhar todo o

Mergulhem uma das faces das folhas de papel na barbotina (po-

processo, evitando que o fogo se apague antes do término da queima

dem ser folhas de jornal, revista ou de catálogo telefônico) (Figura

e devemos aguardar o resfriamento total para a retirada das peças

98), e, em seguida, coloquem a folha úmida sobre a tela, revestindo

do meio das cinzas. Aconselhamos aguardar até o dia seguinte, para

-a, alternando a posição do papel a cada etapa - ora vertical, ora hori-

que sejam evitadas queimaduras. As peças devem ser lavadas para se

zontal - para se ter uma noção do número de camadas, que dever ser

realizar a análise dos resultados.

Cerâmica

Capítulo 5 |

70


o limite de profundidade. Em seguida, faça uma alavanca e retire-o inteiro, transportando-o para o local onde será realizada a queima. Materiais: ◊◊ 1 grelha de metal tipo de churrasqueira; ◊◊ 1 placa refratária; ◊◊ 1 serrote; ◊◊ objetos pontiagudos como chave de fenda, faca, colher; ◊◊ 3 pacotes de carvão, ◊◊ lenha; Figura 100

Figura 101

Ateando fogo.

Fase final: autodestruição do forno.

:

Forno de cupinzeiro esse forno é muito interessante, pois aproveita a casa do cupim – construídas com suas fezes, com terra e saliva –

◊◊ 1 balde para transportar o miolo retirado do cupinzeiro; ◊◊ 4 tijolos; (Figura 102)

Figura 102

Materiais.

Montagem do forno:

como estrutura externa do forno. Sua limitação está no fato de só encontramos cupinzeiros no campo, já que aqueles que vivem na ci-

Corte um terço superior do cupinzeiro com a ajuda de um serrote,

dade não têm acesso a esse material.

como uma tampa, o suficiente para você colocar as peças dentro

O primeiro passo é encontrar um cupinzeiro de tamanho gran-

da câmara (Figura 103). Retire a parte cortada e reserve, tomando

de. (O tamanho da câmara interna vai depender do tamanho total

cuidado para não a deixar cair e quebrar, pois essa será a tampa do

do cupinzeiro). Durante a manipulação do cupinzeiro, deve-se ter

seu forno.

cuidado, pois cobras costumam construir seus ninhos no interior dessa estrutura.

O próximo passo é limpar o interior do cupinzeiro com a ajuda de um balde e de algumas ferramentas (Figura 104). Comece a escavar

Se a queima for no local em que o cupinzeiro foi localizado, limpe

a parte interna do cupinzeiro, até soltar a parte escura que fica presa

a área ao redor, de forma a ter espaço suficiente para trabalhar. Se for

junto às suas paredes (Figura 105). Realize essa operação cuidadosa-

realizar em outro local, cave ao redor do cupinzeiro, até encontrar

mente, para não danificar a parte dura, feita com as fezes, a saliva do cupim e a terra (Figura 106). A parte interna, habitada pelo cupim

Cerâmica

Capítulo 5 |

71


é mais macia. Com um facão ou faca grande acerte as arestas. Na parte inferior do cupinzeiro, abra uma cavidade para, por esta abertura, inserir o carvão, criando, assim, uma fornalha. Coloque uma grelha no fundo e apoie em seus lados quatro calços de tijolos refratários para

Figura 104  Escavando a parte interna do cupinzeiro.

sustentar a placa refratária, que será o suporte para arrumar as Figura 103  Cortando a tampa.

peças para a queima. É importante ter uma altura de aproxi-

madamente 20cm, para que haja um distanciamento entre as peças e o combustível, o que possibilita que se tenha oxigênio suficiente durante a queima, mantenha-se a circulação de ar dentro da câmara. A chaminé será feita na lateral superior e deverá ser proporcional ao tamanho do cupinzeiro (Figuras 107 a 109).

Figura 105  Detalhe do miolo que foi retirado do interior do cupinzeiro.

Figura 106  Com um facão ou faca grande acerte as arestas.

As peças podem ser colocadas apoiadas umas sobre as outras, aproveitando ao máximo o espaço interno do forno. Para a queima, coloque o carvão e a lenha sobre a grelha e as acenda lentamente, fazendo um aquecimento no forno. Aos poucos, vá aumentando a intensidade do fogo. Essa é uma queima de baixa temperatura, caso queira uma temperatura acima dos 1000ºC, deve-se alimentar o fogo por mais tem-

Figura 107  Vista total.

Figura 108  Fornalha.

Figura 109  Chaminé.

po para que a temperatura suba a essa escala. Depois que a temperatura desejada for alcançada, pare de alimentar o fogo com lenha e espere o forno esfriar. Cerâmica

Capítulo 5 |

72


Capítulo 6 — Relato de Experiência

Constru ndo uma dent dade na arte popular Júlio Tigre Neste capítulo, apresentaremos uma experiência, que envolve cerâmica indígena, arte popular, processos criativos na comunidade de Jardim Carapina na Serra, desenvolvidos no período de 2009/2010 com os professores Julio Tigre, orientando o desenho, e Regina Rodrigues, a cerâmica. Utilizou-se o espaço da Associação de Moradores de Jardim Carapina como local de discussão e produção plástica em um encontro semanal com dois grupos distintos, um no período da tarde e o outro no da noite. As pessoas que se mostraram interessadas pelo curso, eram, geralmente, aposentadas, jovens desempregados ou pessoas que queriam ter uma segunda fonte de renda. Por se tratar de um curso longo, algumas pessoas desistiram, pois esperavam por atividades de curto prazo, com retorno rápido. Apesar dessas dificuldades, a proposta acabou por consolidar um grupo de 15 membros que por meio da arte popular, integraram-se a um projeto comum na busca por uma realização não somente financeira, mas também de crescimento cultural. Quando nos referimos à arte popular no Brasil, consideramos, entre outras coisas, os núcleos de criação, gerados a partir de células Cerâmica

Capítulo 6 |

73


produtoras, que, com sua produção, acabam estimulando a adesão

uma estratégia: buscar em torno do lugar de implantação um motivo

e a formação de outros produtores de regiões, já exaustivamente

gerador para iniciá-lo. A descoberta dos sambaquis no manguezal

mapeadas em nosso país. Nesse amplo território, é inegavelmente

próximo à região de Carapina nos permitiu entrar em contato com a

extensa a produção de cerâmicas populares, e, em alguns casos,

história de uma ocupação anterior à atual, por grupos indígenas que

tornaram-se inclusive peças únicas, alcançando um valor substan-

estiveram por todo o litoral do estado.

cial no mercado.

Geralmente, o material cerâmico encontrado nas prospecções é

Em cada núcleo de cerâmica popular do Brasil, ressaltamos a

de raízes indígenas, pertencentes a três linhagens: Una, Aratu e Tu-

marcante identidade alcançada em uma história local, mais tarde

pi-guarani. A tradição Una teve sua dispersão localizada na Região

transformada numa tradição regional, que identifica cada um desses

Sudeste nos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo e os vestígios

núcleos. As características que efetivam essa afirmação estão na ma-

cerâmicos encontrados apresentam características alisadas e acor-

téria-prima, na técnica empregada pelos grupos e na forma ligada

deladas com queima geralmente incompleta. Somente em alguns

a uma vivência particular, nas quais a incidência de determinados

poucos se encontram indícios de engobe branco.

padrões estéticos foram se consolidando, às vezes por meio de um

Contemporânea à tradição tupi-guarani, a Aratu apresenta em

autodidatismo gerado por uma prática funcional, como a produção

sua produção cerâmica uma variedade de qualidades plásticas, com

de utensílios para uso doméstico.

corrugados e roletados. Em algumas, encontram-se incidência da

Dentre as inúmeras localizações produtoras de cerâmicas populares brasileiras podemos destacar o Vale do Jequitinhonha. Os peque-

cor preta grafite, provavelmente realizada com o uso de carvão da combustão de madeiras.

nos lugarejos como Araçuaí, Santana do Araçuaí e Itinga tornaram-se

A tradição tupi-guarani encontra-se do sul ao norte do litoral bra-

conhecidos, nacional e internacionalmente, pela produção de arte-

sileiro e sua cerâmica apresenta variadas técnicas decorativas: cor-

sanato local. As bonecas, produzidas pela artesã Dona Isabel Mendes

rugada, angulada, escovada, entalhada ponteada serrungulada, in-

da Cunha (DALGLISH, 2006), ganharam notoriedade pelo mundo, em

cisa, acanalada, estampada, digitada, digitungulada, marcada com

exposições e aquisições por parte de museus e galerias.

corda, estampada com rede, marcada com tecido, nodulada, pinçada e roletada16. Apresenta também pintura com diferentes motivos: em

Cerâm ca nd gena

linhas finas, faixas largas em vermelho e/ou castanho sob branco ou

A cerâmica indígena foi tema do projeto desenvolvido na comunida-

zagues, quadriculados, círculos, retângulos, cruzes concêntricas,

creme, desenho com padrões geométricos, linhas paralelas, zigue-

de Jardim Carapina, pelo inusitado encontro de um sítio arqueológico pelo IPHAN, próximo à comunidade, e também pela adoção de Cerâmica

16 Termos utilizados por arqueólogos.

Capítulo 6 |

74


gregas, linhas brancas ou pretas sob fundo vermelho.17 Essas obser-

belecendo com o mundo na sobrevivência, adaptando-nos ou adap-

vações, a partir do material coletado, nos permitiram encontrar uma

tando o entorno para habitá-lo. Somos tridimensionais em essência,

série de técnicas, as quais desenvolvemos com o grupo, à medida

com isto, somos mais aptos a lidar com ela do que com outros meios,

que o curso avançava

como o desenho por exemplo.

.

Ao produzir as imagens a partir do material coletado pelo

Essas práticas estão intrinsecamente ligadas ao cotidiano das

IPHAN no estado, pretendíamos obter um registro dessa diversi-

pessoas, em sua maioria leigas, isto é, que não frequentaram cur-

dade de procedimentos realizados por esses povos, com o intuito

sos ou escolas e, algumas, que nem mesmo travaram contato com

de traçarmos um caminho da prática com a cerâmica que produ-

objetos artísticos. Seus processos criativos surgiram numa relação

ziríamos no futuro. Compreendendo as limitações com as quais

direta com essas experiências no dia a dia, numa necessidade de se

nos depararíamos, no início desse processo, optamos por usar esse

expressar. São práticas ligadas à vida diária: o uso das duas mãos

material muito mais como motivação e até inspiração, buscando

para a construção da forma já traz à simetria tão cara na produção de

uma adequação aos meios tantos técnicos quanto teóricos, possí-

determinadas peças. Encontramos esse gesto, de certa forma, no in-

veis com o grupo.

consciente do futuro praticante de modelagem. Com isto, entendemos que uma prática, partindo da experiência tridimensional para o

Da metodolog a

desenho, e depois retornando às três dimensões numa relação pro-

Buscar uma metodologia adequada para uma aproximação com es-

um meio de pensar a forma e, depois, também como meio para pro-

ses diversos conhecimentos diante das carências do grupo apresen-

dução de imagens.

jetiva, viabilizaria uma abordagem mais acessível do desenho como

tado acima foi nosso desafio. O método foi se construindo, à medida que avançávamos na complexidade da obtenção da forma. De antemão, já observamos a grande incidência de práticas tridimensionais

A arqueolog a como forma de recordar nosso passado

nas artes populares. Quando falamos dessas práticas tridimensio-

Inicialmente, foi apresentado aos participantes do projeto parte

nais temos que incluir aí toda atuação do sujeito no espaço, desde

dos fragmentos fotografados no IPHAN, reforçando a importância

seu nascimento. Estamos nos referindo à relação que vamos esta-

de termos no nosso estado um arquivo que resgate nossa história local sempre como conhecimento cultural, já que a maioria das pessoas da comunidade na qual o projeto era desenvolvido vieram

17 OLIVEIRA, A. Oliveira. Os grupos pré-historicos ceramistas no Nordeste, p. 204. In Índios do Nordeste. Temas e problemas – III/ Org. Luiz Sávio de Almeida. Marcos Galindo – Maceió: EDUFAL, 2002- 274p.

Cerâmica

de outros lugares do país, sem um referencial ligado aos aspectos históricos singulares ao local. Em contrapartida, a ocupação da Capítulo 6 |

75


área foi lenta e gradual, perfazendo uma história a ser resgatada

Pintura: A técnica do engobe empregada nessas amostras foi uma

pelo grupo, na relação com o lugar. O resgate de uma cultura como

das escolhidas para ser explorada na prática pelo grupo, levando-se

a indígena, acabou demonstrando a forma como eles agregavam

em conta a rica variedade de cores argilosas, encontradas no litoral

em suas manufaturas as coisas do lugar, animais, vegetais, paisa-

do Espírito Santo (Figuras 110 a 118).

gem e crenças. Esse aspecto acabou por revelar um caminho rico de possibilidades para o grupo, que foi sendo desvelado à medida que cada um dos membros ia trazendo para os encontros aspectos que identificavam o bairro. A arqueologia demonstrou a importância da cerâmica para o resgate da memória dos povos indígenas e a maneira como viviam, adaptando-se às dificuldades, demonstrando que encontrar os gestos que identificassem cada grupo estudado convergia numa tradição especifica que vai identificá-los. Essa lição permitiu-nos abordar o tema cultural, excluindo modelos estereotipados, fórmulas externas às experiências do grupo, em geral, modelos vindos de fora, mas,

Figura 110  Pequeno fragmento proto-tupi com linhas pretas sobre fundo branco, executado com engobe.

Figura 111  Motivos com linhas curvas.

a busca de uma nova forma, de um modelo, só vai sendo adquirido com o tempo e com a prática, tornando-se uma marca de identidade de um novo grupo de ceramistas.

Formas e grafismos Apresentaremos, a seguir, fotografias de fragmentos cerâmicos coletado no local próximo à comunidade, além de outros sítios ar-

Figura 112  Detalhe de tratamento dado a bordo da peça.

Figura 113  Grafismos elaborados no interior da peça.

Figura 114  Detalhe do interior da peça.

queológicos do estado do Espírito Santo, arquivados e catalogados pelo IPHAN, que focam as diferentes técnicas, tanto de modelagem quando de desenho utilizados nas superfícies dos fragmentos. É importante dizer que as terminologias apresentadas aqui são, em geral, usadas pelos arqueólogos. Cerâmica

Capítulo 6 |

76


Texturas e relevos:

Figura 115  Textura obtida com o uso de uma corda de fibra vegetal, pressionada sobre a peça ainda úmida.

Figuras 116  Fragmentos com acabamento na parte superior da peça, realizado, provavelmente, com o uso de uma haste de bambu ou madeira.

Figuras 118  Amostras de motivos geométricos em baixo-relevo.

Uma grande variedade de procedimentos foi observada; em separado ou conjugado, criando uma rica gama de possibilidades. Isso ficou claro nas observações, que em nenhum momento objetivou realizar cópias das peças numa mera reprodução técnica de imitação ou mesmo produzir algo parecido ao artesanato indígena existente. A todo instante, buscávamos refletir sobre a natureza das peças, e o que representavam no âmbito da experiência individual de um

Pequeno exemplo de decoração com o ponteado:

povo, isto é, deixando transparecer que aquelas formas e superfícies eram o fruto de uma experiência específica de um sujeito com o seu entorno. Deveríamos, de igual maneira, buscar em nossas experiências domésticas e cotidianas os motivos e o gestos que norteariam a motivação para a produção, daquelas técnicas que foram pacientemente reveladas, à medida que a oficina avançava.

Figura 117

Outra forma de textura, tirando partido de uma superfície rugosa.

Novos processos Paralelo às técnicas de modelagem, nossa estratégia foi relacionar o desenho ao gesto tridimensional, para, então, criar formas a partir dos recortes. Essa prática já apresentava a simetria proporcionada

Cerâmica

Capítulo 6 |

77


pela dobra, o que facilitou a compreensão da forma na maneira mais simples de obtê-la (Figuras 119 a e 119 b).

O primeiro tema a ser explorado pelo grupo, usando a técnica do pote aperto surgiu de um olhar do entorno, assim, como fora expla-

Demonstrar que o desenho é fru-

nado sobre a cerâmica indígena: buscar o motivo próximo numa

to de uma analogia com a experiência

referência direta ao modo de vida local. Surgiram os galos e as ga-

tridimensional foi nosso desafio. As

linhas, animais criados para subsistência da família nos quintais

dificuldades, diante da folha branca do

existentes na região. Para o exercício do desenho, usamos como re-

papel, para alguém que há muito já não

ferência, imagens de fotografia encontradas em revistas, materiais

desenhava, foram vencidas a partir da

que serviram para orientá-los na organização esquemática da forma

quebra do impasse inicial, por meio de

estudada, como o círculo e a elipse (Figura 120).

um exercício em que a folha (plano) é dobrada e cortada para se obter a forma. Numa segunda etapa, essa forma Figura 119 a

obtida é repassada a uma outra folha

Projeto utilizando dobradura e linhas em forma de textura.

por frotagem18 e, finalmente, contornada, obtendo-se, assim, o desenho na sua forma mais convencional. Esse procedimento tangencia a tridimensão

Figura 120  Imagem fotográfica retirada de revista.

e a bidimensão, ao mesmo tempo, proporcionando ao aluno pensar a peça no

Figura 119 b Detalhe.

espaço virtual do seu projeto, amplian-

A forma oval deu origem ao corpo da ave, praticada exaustiva-

do sua capacidade de projetar, o que

mente no desenho e na modelagem, por meio do emprego da técnica

culmina na criação de novas formas.

do rolinho. Desde o início, foi dada uma atenção especial ao grafismo, como

18 A palavra “frotagem” (de frotter, que significa “esfregar”) é de origem francesa e por ser um recurso gráfico bem espontâneo, nos proporciona criar belos e inusitados efeitos plásticos. A técnica foi usada pela primeira vez pelo pintor, desenhista, escultor e escritor alemão Max Ernest (1891 – 1976), um dos fundadores do movimento “Dadá” e, posteriormente, um dos grandes nomes do Surrealismo. Consiste em colocar uma folha de papel sobre uma superfície áspera e esfregá-la, pressionando-a com um bastão de cera até a textura aparecer.

Cerâmica

forma de se produzir contraste nas superfícies e de se criar volume. Essa lição surgiu dos fragmentos de cerâmica indígena. As linhas proporcionaram o entendimento da forma como uma alusão à topologia de cada objeto modelado (Figuras 121).

Capítulo 6 |

78


Figura 121 a  Construção da forma.

Figura 121 b  Construção de texturas.

As imagens produzidas foram repassadas

Figuras 123  Estudo do objeto tridimensional na cartolina.

à superfície da peça, perfurando a folha de papel de seda, na qual se encontrava o desenho, marcando, ponto a ponto, os contornos

Figuras 124:

na argila ainda úmida (Figura 122). Esse méFigura 122  Incisões e engobe no pote, a partir do desenho anterior.

Construcão da peça em argilas, utilizando a placa, a partir do estudo de papel.

todo é parecido com o empregado pelos muralistas na ampliação de suas imagens e no transporte dessas para a parede. Os grandes potes construídos com a téc-

nica do rolinho receberam os desenhos. As linhas foram produzidas por incisão e o engobe na cor branca ressaltou detalhes da imagem. Outras formas mais complexas foram também executadas com o mesmo material empregado no desenho: o papel. Esses exercícios partiram de um estudo das formas geométricas básicas conhecidas: o cilindro e o cone, formas passíveis de serem também realizadas, a partir de lâminas de argila modeladas em placas, o que ampliou as possibilidades criativas, pois partiram do projeto para a argila e, subsequentemente, para a produção da peça cerâmica (Figuras 123). Os estudos tiveram grande importância para os aprendizes en-

Figuras 125  Peças finalizadas em processo de secagem.

tenderem como estruturar a forma e, a partir desse entendimento, criarem as peças desejadas (Figuras 124, 125 e 126). Cerâmica

Capítulo 6 |

79


Figuras 126  Construcão de peças em bloco, utilizando o mesmo tema.

Figuras 127  Pratos com o tema mangue.

Outros temas Os temas não ficaram restritos apenas à vida cotidiana. Após diálogo com o grupo, descobrimos que a comunidade de Jardim Carapina surgiu em uma área de manguezais. Os moradores mais antigos exploravam essas áreas em contato com a fauna e a flora do lugar. Depois dos aterramentos dessas áreas, esse contato tornou-se cada vez mais restrito até desaparecer quase que completamente. O res-

Figuras 128  Tema peixe.

gate dessa experiência foi aparecendo na produção do grupo. A partir do interesse de retratar o mangue, outras formas foram também

Cons derações

projetadas para abrigar os desenhos e os recortes, como foi o caso

Falar de tradições populares é buscar a procedência de tal manifes-

dos pratos e das terrinas, construídos a partir da técnica da placa

tação. Algumas vieram de tempos e lugares longínquos, como povos

(Figuras 127 e 128).

do período da colonização, outras possuem raízes mais profundas

Os desenhos ganharam novas cores com engobes e o método por

e já se perdem na história pelo apagamento de seus indícios, como

incisão proporcionou um diálogo entre a textura (grafismo) e a cor.

acontece com algumas tradições indígenas em nosso país. Mas há

Os desenhos realizados buscavam aspecto naturalista e a síntese

sempre um começo, uma procedência que é responsável pela for-

dessas imagens ainda se apresentaram no seu começo. No entanto, à

ça e pela propriedade de tal manifestação. Esse começo pode estar

medida que se repetiam, iam ganhando estilização, uma maneira de

relacionado ao desejo de alguém, que vai, aos poucos, aglutinar a

se trabalhar, reduzindo-se à linhas básicas do tema.

atenção pela curiosidade e pela excelência de sua produção.

Cerâmica

Capítulo 6 |

80


Operar uma iniciativa que pensa um futuro como uma tradição

A prática com cerâmica revelou-se um meio também de resgatar

é apostar alto, porém, somente a continuidade dessas práticas vai

em cada participante um gesto ancestral. Lidar com a argila em gru-

realmente produzir a originalidade e a identidade, pois será pre-

po num mesmo ambiente, proporcionou esse resgate, tanto anterior

ciso um tempo para que aqueles que começaram a iniciativa as-

quanto presente, nos relacionamentos entre os participantes. Tra-

sumam as formas e as imagens que produziram como sendo suas

balhar a massa disforme, matéria de origens e mitos, potencializan-

e, a partir daí, agregando novas iniciativas, produzirão realmente

do nas pessoas o sentimento de criação, transcende a prática como

um gesto já distante dos vícios e maneirismos, que comparecem

uma simples manufatura de objetos. Inconscientemente, o gesto de

sempre no começo de uma prática, gerando, então, algo para além

amassar, modelar e depois impor a forma, a rigidez do fogo nos dá

do objeto: uma identidade.

uma ideia de maturação de uma forma, mas também, das relações estabelecidas entre os membros do grupo, que se movem em torno de uma ideia comum.

Cerâmica

Capítulo 6 |

81


Cons derações F na s O uso do barro pelo homem é um processo milenar, e o emprego do

relato de experiência como meio de apresentar uma metodologia

fogo o transformou em cerâmica o que permitiu às civilizações di-

que inclui o fazer e a reflexão.

versas travarem contato com essa linguagem, difundindo suas téc-

Por fim, resta-nos afirmar que o trabalho aqui apresentado, dada

nicas. Suas culturas construíram suas histórias, assim como suas

a carência de pesquisas que tomam a cerâmica como objeto de estu-

formas e objetos. A linguagem que vai surgir daí vem imantada por

do dentro da produção estética e cultural contemporânea, pode con-

esse saber tão antigo e seu emprego na arte contemporânea resgata o

tribuir para preencher parte dessa lacuna, permitindo aos iniciantes

elo entre cultura e natureza.

compreender a grande transformação pela qual passou a cerâmica

Essas experiências com o barro, a partir do ato de criação, pro-

nas artes plásticas.

põem ao observador uma nova percepção, um resgate dos sentidos,

Talvez mais do que em outros setores da criação artística, a vivên-

como uma forma de ensinamento do olhar, conduzindo-o para uma

cia e a curiosidade são visivelmente as chaves para se trabalhar com

vivência com a matéria primordial dos ceramistas; o barro: como um

esse material. O conhecimento das técnicas aliado às experiências

encontro prazeroso com a matéria primeira do homem.

anteriores permite ao artista repensar, de maneira coerente e lúdica,

Cada capítulo apresentado teve como objetivo envolver àqueles

a cerâmica contemporânea.

que se interessam por cerâmica, e por suas possibilidades plásticas, que estimulam o olhar para uma aproximação com os procedimen-

Dra. Maria Regina Rodrigues,

tos técnicos da modelagem e da queima. Em seguida, trazemos um

Profª. de Cerâmica da Universidade Federal do Espírito Santo.

Cerâmica

Considerações Finais |

82


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Abertura de capítulo: Gorete Dadalto, 1998.

Figs. 39, 40, 41, 42a, 42b, 42c, 43 e 44 – Fotos Diego Lopez Werneck Crispim e

Figs. 21 e 22 – Fotos Diego Lopez Werneck Crispim e Arthur Perin Motta.

Arthur Perin Motta

Fig. 23 – DI IORIO, Mary. Cerâmica. Uberlândia; UFU, 1991, p. 20.

Fig. 45 – Foto Fernanda de Abreu Passos.

Figs. 24a e 24b – CHAVARRIA, Joaquim. A cerâmica. Lisboa: Estampa, 2004, p.106.

Figs. 46, 47, 48, 49, 50a, 50b, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59a, 59b, 59c, 60a,

Figs. 25a e 25b – CHAVARRIA, Joaquim. A cerâmica. Lisboa: Estampa, 2004, p.108.

60b, 61, 62a, 62b, 63, 64, 65 – Fotos Diego Lopez Werneck Crispim e Arthur Perin

Fig. 26 – Foto Bruna Santos Silva.

Motta.

Fig. 27a – http://stuckattheairport.com/2009/10/23/ancient-greek-pots-found-atsfo-airport/ Fig. 27b – http://www.beazley.ox.ac.uk/pottery/painters/keypieces/redfigure/nio-

Unidade 4: O processo de criação na cerâmica

bid.htm Figs. 28a, 28b – Fotos Diego Lopez Werneck Crispim e Arthur Perin Motta.

Abertura de capítulo: Cedido por Mary di Iorio.

Fig. 29, 30, 31 – Foto Diego Lopez Werneck Crispim e Arthur Perin Motta.

Fig. 66 – Foto Regina Rodrigues.

Fig. 32 – Foto Maria Regina Rodrigues.

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Fig. 34b – Foto Diego Lopez Werneck Crispim e Arthur Perin Motta.

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Fig. 35 – CHAVARRIA, Joaquim. A cerâmica. Lisboa: Estampa, 2004, p.106.

Fig. 69a, 69b – SIQUEIRA, Hélio. Hélio Siqueira: depoimentos. Belo Horizonte: Circuito atelier, 2000.

Unidade 3: Modelagem

Fig. 70a, 70b – CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. Brennand. F. Monteiro. Rio de Janeiro:spala, [19 --]. Fig. 70c – FUNDAÇÃO JÚLIO RESENDE. J. Resende. Brennand: no acerto com o

Abertura de capítulo: Diego Lopez Werneck Crispin e Artur Perin Motta.

mundo. Portugal, out/dez. p. s.p.

Fig. 36 – Foto Bruna Santos Silva.

Figs. 71a e 71b – Desenhos cedidos por Mary Di Iorio.

Figs. 37a, 37b, 37c – Fotos Diego Lopez Werneck Crispim e Arthur Perin Motta.

Fig. 72 – Foto cedida por Norma Grinberg.

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Fig. 73 – Foto cedida por Regina Rodrigues.

Fig. 88 – ROSI FRIGOLA, Maria Dolors. Cerámica artística. 2. ed. Barcelona: Par-

Fig. 74 – http://www.vitorbraga.com.br/leilao2010/setembro/000.htm.Acesso em

ramón, 2008, p. 40.

03/03/11.

Fig. 89 – Foto: Diego Lopez Werneck Crispim e Arthur Perin Motta.

Figs. 75a, 75b, 75c, 75d – Fotos cedidas por Júlio Tigre.

Fig. 90 – ROSI FRIGOLA, Maria Dolors. Cerámica artística. 2. ed. Barcelona: Par-

Figs. 76 – Fotos Bruna Santos Silva.

ramón, 2008, p. 105.

Figs. 77a, 77b – Fotos Bruna Santos Silva.

Figs. 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99 – Fotos Aline Valadares. Figs. 100 e 101 – Fotos Fernanda Rodrigues.

Unidade 5: Fornos e queimas Abertura de capítulo: Penha Schirmer, 2009. Fig. 78 – Foto Penha Schirmer.

Figs. 102, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 109 – Fotos Penha Schirmer.

Unidade 6: Relato de experiência - construindo uma identidade na arte popular

Figs. 79, 80 e 81 – CHAVARRIA, Joaquim. A Cerâmica. Editorial Estampa, Ltda, Lisboa, 2004, p.70/71.

Abertura de capítulo: Júlio Tigre, 2009.

Figs. 82, 83 – Fotos Penha Schirmer.

Figs. 110, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118 – Fotos Júlio Tigre.

Figs. 84a, 84b – DALGLISH, Lalada. Noivas da seca: cerâmica popular do Vale do

Figs. 119a e 119b – Fotos Júlio Tigre.

Jequitinhonha. São Paulo: Ed. UNESP: Imprensa Oficial, 2006, p. 53.

Fig. 120 – http://inventandoinventarios.blogspot.com/

Fig. 85a – Foto Penha Schirmer.

Figs. 121a, 121b, 122, 13, 124, 125, 126, 127, 128 – Fotos Júlio Tigre.

Fig. 85b – Foto Maria Regina Rodrigues. Fig. 86 – Fotos cedidas por Hélio Siqueira. Fig. 87 – UFSJ, CHAGAS Luciana. Disponível em: http://historia-da-ceramica.blogspot.com/2009/02/fornos-para-ceramica.html Acesso em: 1º de fev. 2011.

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Organizadora Mar a Reg na Rodr gues Graduada em Artes Plásticas pela Universidade Federal de Uberlândia (1981), Especialização em Arte Educação pela ECA/USP (1992), Mestrado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Católica de São Paulo (1988), Doutorado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Católica de São Paulo (2004) Pós-doutorado na Universidade Nova Lisboa em Portugal (2014). Participou de várias exposições no Brasil e no exterior. Foi premiada no Concurso Internacional de Cerâmica de L’Alcora, Espanha em 2008 (1º lugar), 2009 (menção honrosa) e 2013 (menção honrosa). Membro da comissão julgadora do 3º Salão Nacional de Cerâmica de Curitiba em 2010. Professora de cerâmica na Universidade Federal do Espírito Santo desde 1992; Sub-Coordenadora e Revisora de conteúdo do Ensino à Distância do Curso de Artes Visuais da UFES até 2010; Coordenadora de Artes Plásticas 2010/2011; Organizadora do livro: ”Cerâmica” e professora de cerâmica no curso de Artes Visuais da UFES EM 2010. Representante no CEPE em 2015. Pesquisadora pela FAPES (Fundação de Apoio e Pesquisa do Espírito Santo) com o projeto: O espaço de trabalho das Paneleiras: intervenções no processo de criação (2010/2011). Coordenadora de Artes Plásticas 2010/2011. Grupo DE Pesquisa LEENA – Laboratório de Extensão em Artes, desde 1999 em organizações de eventos e Tutora do PETE Cultura em 2015/1.

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Colaboradores Júlio César da Silva (Júlio Tigre)

Maria da Penha Schirmer Ribeiro (Penha Schirmer)

Graduado em Artes Plásticas pela Universidade Federal do Espírito

Graduada em Artes Plásticas pela Universidade Federal do Espírito

Santo (1999). Doutorando no Programa: Lenguages y Poéticas en el

Santo, 2008. Bolsista de Iniciação Científica - PIBIC/ UFES, 2005/2006.

Arte Contemporaneo na Universidad de Granada, Espanha desde

“Labirinto de emoção” escultura em cerâmica - Exposição coletiva

2007. Atualmente é Professor substituto do curso presencial dos cur-

Proyecto Regional “Laberintos Borgeanos” MediaLab Artes del Fuego

so Artes Visuais da UFES, e tutor a distância (EAD), na mesma insti-

en Florianópolis, Brasil” no Espaço Oficina - Galeria Estúdio, 2016.

tuição. Possui experiência na área de artes com ênfase em Escultura,

Atua como professora no Ateliê de Cerâmica Penha Schirmer.

instalação, vídeo instalação e pintura.

Maria Aparecida Ramaldes

Tatiana Campagnaro Martins Graduada em Artes Plásticas (1996), com mestrado em Artes (2016)

Mestre em Crítica e História da Arte (2015) e Bacharel em Artes Plás-

na área de Teoria e História da Arte ambos pela Universidade Fede-

ticas (1999) pela Universidade Federal do Espírito Santo (1999). Teve

ral do Espírito Santo (UFES). Sócia proprietária desde 2001 do TACTO

obras selecionadas para participação em salões de arte , levando seu

atelier de cerâmica onde ministra cursos de cerâmica, produz obje-

trabalho para além do Espírito Santo. Recebeu menção honrosa no

tos decorativos, utilitários e desenvolve suas pesquisas plásticas no

3º Salão Nacional de Cerâmica (2010), na categoria Cerâmica Artís-

campo da arte.

tica, ocorrido no Museu Alfredo Andersen, Curitiba-PR. Atualmente é professora no Curso de Licenciatura do Ensino a Distância da Uni-

Terezinha Drago

versidade Federal do Espírito Santo e do CEET - Vasco Coutinho-ES

Graduada em Educação Artística pela Universidade Federal do Espírito Santo (1996). Especialização em Artes na Educação, Instituto Superior de Educação e Cultura Ulysses Boyd, Vitória, ES (2009). Atualmente é sócia proprietária do TACTO Atelier de Cerâmica desde 2001; professora efetiva de Educação Artística da Prefeitura Municipal de Vitória desde 2008.

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