United Nations Millennium Development Goals - UNDP Brazil (2020)

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foto: W. Andrade

Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (2016)


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Coordenação Geral:


Conteúdo EIXO TEMÁTICO: ESTRATÉGIAS E INSTRUMENTOS CONSTRUÍDOS PARA O ALCANCE DAS METAS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO NO BRASIL

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1. Selo ODM – Iniciativa do Sesi no Paraná para o reconhecimento de projetos em prol dos ODM

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2. Círculos de Diálogo Geracional: uma experiência paranaense de incentivo à convivência entre jovens e idosos para o desenvolvimento local

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3. Estudo dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – Principais resultados do Brasil

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4. Descomplicando a Informação: Portal ODM

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5. Desenvolvimento Econômico Local: uma experiência inovadora para a diminuição do desemprego na cidade de Teresina – PI

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6. A universalização da Educação Básica e as ações desenvolvidas em prol da Educação Escolar Indígena em Mato Grosso do Sul

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7. Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento (PNUD) e o Programa “Ministério Público e os Objetivos do Milênio: saúde e educação de qualidade para todos” – Articulação para o alcance dos ODM

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EIXO TEMÁTICO: PARTICIPAÇÃO SOCIAL E SEU PAPEL TRANSFORMADOR COMO ELEMENTO FUNDAMENTAL PARA A DISSEMINAÇÃO E O ALCANCE DOS ODM: AS NOVAS FORMAS DE PARTICIPAÇÃO, NOVOS PADRÕES DE INTERAÇÃO ENTRE OS AGENTES PÚBLICOS E PRIVADOS

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8. A Fraternidade como Elemento Fundamental para a Disseminação e o Alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: um olhar na perspectiva do idoso no Brasil

50

9. O papel da universidade na implementação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio

58

10. Participação Social como Método de Governo: estudo de caso sobre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio

67

11. Projeto Desperta Litoral: resultados de uma experiência que se revela compatível com os objetivos do milênio

73

EIXO TEMÁTICO: A RESPONSABILIDADE DO SETOR PRIVADO DIANTE DA SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL

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12. Empresas Paranaenses Trabalhando em Prol do Desenvolvimento Sustentável – Dialogando na Indústria: estudo de caso

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13. Análise do perfil das inovações sustentáveis do setor privado diante da responsabilidade no triple bottom line

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14. E-waste: consequências do consumo de produtos da indústria das tecnologias de informação e comunicação

97

15. Responsabilidade Social Empresarial: um caminho para o desenvolvimento sustentável 16 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: protagonismo corporativo como diretriz da Federação das Associações Empresariais de Santa Catarina

106 113

17. O Trabalho Infantil e a Empresa: a responsabilidade do setor privado pela tutela dos direitos humanos

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18. O papel da federação das indústrias na articulação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio à luz da teoria da democracia participativa

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EIXO TEMÁTICO: IMPACTO DAS AÇÕES DOS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO E OS RESULTADOS ALCANÇADOS

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19. A Construção Social do Planejamento Governamental sob a Perspectiva dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: o plano plurianual de Barcarena 2014-2017

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20. Igualdade de Gêneros e Valorização da Mulher: o Brasil e os Objetivos do Milênio

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EIXO TEMÁTICO: O NOVO CENÁRIO BRASILEIRO E A TRANSIÇÃO PARA OS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (ODS)

147

21. Educação de Jovens e Adultos e Desenvolvimento Local: rumo aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

148

22. O papel do Brasil na Agenda Ambiental Pós-2015

157

23. Eu te sirvo, tu me hospedas! Objetivos do Milênio e a experiência da educação profissional com mulheres

161

24. A importância da boa governança ambiental para o alcance das metas de Desenvolvimento do Milênio

169

25. O engajamento das autoridades locais na implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

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foto: PxHere


foto: Nilvane Machado

EIXO TEMÁTICO:

ESTRATÉGIAS E INSTRUMENTOS CONSTRUÍDOS PARA O ALCANCE DAS METAS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO NO BRASIL


1. Selo ODM – Iniciativa do Sesi no Paraná para o reconhecimento de projetos em prol dos ODM Autora: Aline Calefi Lima Coautora: Maria Aparecida Zago Udenal

RESUMO O Sesi no Paraná lançou, há cinco anos, a certificação Selo ODM, com o apoio do Movimento Nós Podemos Paraná, com o objetivo de reconhecer as instituições e empresas que realizam projetos em prol dos ODM no estado. Trata-se de um instrumento que valoriza as iniciativas voltadas tanto para o público externo quanto para o público interno dessas organizações. As empresas e instituições certificadas precisam atender aos critérios expostos em um regulamento que avalia os resultados alcançados e também a regularidade fiscal. Durante a solenidade de entrega do Selo ODM, as instituições e empresas recebem um certificado e um CD com o Selo ODM, que pode ser utilizado em todo o material promocional, pelo período de um ano. A visibilidade e a troca de experiências são alguns dos principais resultados alcançados com esse instrumento. Palavras-chave: ODM; projetos sociais; certificação

1 INTRODUÇÃO O Serviço Social da Indústria no Paraná (Sesi), há 11 anos articula e mobiliza ações em prol dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Esse trabalho ocorre de duas formas: com o eixo de informação, com o monitoramento e disseminação dos indicadores dos ODM disponibilizados no Portal ODM, e com o eixo de mobilização, articulando os três setores da sociedade na formação de uma rede voluntária pelo desenvolvimento. Uma das iniciativas realizadas desde 2011 é a certificação Selo ODM. O objetivo é reconhecer e dar visibilidade às instituições e empresas que realizam ações em prol dos ODM e que estão contribuindo, ativamente, para o desenvolvimento das localidades onde estão inseridas. O Selo ODM é um instrumento que possibilita a visibilidade e a troca de experiências de empresas e instituições que realizam ações em prol do desenvolvimento local. Esse trabalho ocorre com a publicação de um regulamento, a avaliação das inscrições, as visitas técnicas e a cerimônia de entrega do Selo ODM. A iniciativa conta com o apoio do Movimento Nós Podemos Paraná, cujos integrantes realizam as visitas técnicas e assinam um documento que valida a certificação das instituições e empresas inscritas. O objetivo deste artigo é apresentar como esse processo transcorre e a importância dessa iniciativa para a valorização das instituições e empresas que trabalham em prol dos ODM. 2 DESENVOLVIMENTO As instituições e empresas que realizam projetos sociais possuem uma característica em comum: o propósito de contribuir para o desenvolvimento da comunidade na qual estão inseridas e dos seus colaboradores.

Quando ocorre o compartilhamento de informações, a divulgação dos projetos inscritos e os resultados alcançados, o Selo ODM pode ser considerado um instrumento de mobilização, e pode ser utilizado como uma ferramenta de marketing social pelas empresas e instituições certificadas. O marketing social é a aplicação de tecnologias de marketing comercial para a análise, o planejamento, a execução e a avaliação de programas projetados para influenciar o comportamento voluntário de públicos-alvo a fim de melhorar o seu bem-estar pessoal e o de sua sociedade (ANDREASEN, 1995, apud KOTLER; LEE, 2011, p. 26). Dessa forma, a divulgação das iniciativas em prol dos ODM desenvolvida pelas instituições e empresas certificadas pode contribuir para uma mudança positiva tanto no comportamento do público-alvo desses projetos quanto para a comunidade. De acordo com Kotler e Lee. N (2011, p. 32) “Diferentemente do marketing de setor comercial, no qual o principal beneficiário intencionado é o acionista corporativo, o principal beneficiário do programa de marketing social é a sociedade. Essas instituições e empresas realizaram um planejamento e um investimento, e conquistaram um impacto positivo no público atendido. Para comprovar esse resultado, durante o processo de inscrição on-line, os responsáveis pelas inscrições das instituições e empresas responderam a algumas questões que são eliminatórias no processo de avaliação: ser pessoa jurídica, devidamente inscrita no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ); estar em regularidade com as obrigações fiscais e trabalhistas nas três esferas de governo e realizar projetos, ações e/ou práticas voltadas aos ODM há pelo menos um ano.

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As empresas e inscrições foram avaliadas por terem projetos e ações que promovem o desenvolvimento social, em andamento por, no mínimo, um ano, tendo como base a data inicial para as inscrições. Os projetos inscritos deveriam contribuir para o desenvolvimento social, tendo como beneficiários ou o público interno e/ou o público externo. Na inscrição on-line, que é anual e está disponível pelo período de dois meses, as empresas e instituições preencheram um relatório de atividades com as seguintes informações: título; data de início do projeto; município(s) de atuação do projeto; área de abrangência; frequência de realização das atividades; público atendido pelo projeto; objetivos do projeto; descrição do funcionamento do projeto; relação com os ODM; patrocinadores e parceiros; resultados (mínimo de três resultados quantitativos e três qualitativos) do projeto; número de beneficiários do projeto; depoimentos dos beneficiários do projeto; e participação de voluntários do projeto. Como, em 2015, já estava sendo realizada a 5ª Edição do Selo ODM; os participantes também precisaram responder a algumas questões sobre a renovação do Selo ODM, para informar se já tinham recebido a certificação nos anos anteriores e comentar os benefícios que a empresa ou instituição conquistou depois de ter recebido a certificação, além de apontar como utiliza o Selo ODM. Estas informações compõem um relatório e auxiliam a equipe do Sesi a pensar em estratégias para mobilizar mais organizações a realizarem a sua inscrição e ajudar no processo de utilização do Selo ODM.

Depois de validadas as inscrições on-line, ocorre a avaliação da regularidade fiscal. As empresas e instituições inscritas precisam encaminhar, por e-mail, até o fim das inscrições, a seguinte documentação: certidão conjunta negativa de débitos relativa a tributos e contribuições federais; certidão negativa de débito de tributos estaduais; certidão negativa de débito de tributos municipais; certidão de regularidade do FGTS; e comprovante de alvará de funcionamento da empresa ou instituição. Essa análise da documentação é a última etapa antes da visita técnica. O Sesi, no Paraná, possui uma equipe de colaboradores que articulam e mobilizam ações em prol dos ODM, em todas as regiões do estado. Caso tenha ficado alguma dúvida sobre o projeto realizado, essa equipe realiza uma visita técnica à empresa ou instituição, para a comprovação das atividades descritas na instituição. A próxima etapa consiste na divulgação das empresas e instituições certificadas no site e na organização da cerimônia de entrega do Selo ODM. A cerimônia de entrega do Selo ODM, em que as empresas e instituições recebem um certificado e um CD com as artes do Selo ODM que podem ser utilizadas nos materiais promocionais, é um dos momentos mais aguardados pelos participantes. Os representantes das empresas e instituições participantes sobem ao palco e recebem o certificado de autoridades, um momento de celebração, quando eles podem comemorar esse reconhecimento.

As instituições e empresas que fizeram a inscrição pela primeira vez foram convidadas a responder a um questionário com algumas informações sobre o projeto que realizam. Esse questionário apresenta algumas perguntas divididas por ODM e o responsável pela inscrição tem a opção de responder sim, não ou talvez. Essas perguntas servem como um balizador das ações sociais realizadas pela instituição e empresa. Alguns exemplos das perguntas que constam deste questionário são: na cadeia produtiva apoia iniciativas para o associativismo e a produção da agricultura familiar; incentiva a educação dos filhos de seus colaboradores (creches, bolsas de estudos); tem programas de prevenção a qualquer forma de discriminação contra as mulheres e/ou a minimização da violência doméstica; facilita a liberação das colaboradoras durante o período do aleitamento materno; oferta programas especiais paras as mulheres gestantes; preocupa-se com a qualidade de vida da população no sentido de combate ao estresse, tabagismo, alcoolismo e dependência química; promove treinamentos de educação ambiental para os seus funcionários, colaboradores e/ou comunidade e tem projetos de inclusão digital. Essas informações compõem um relatório e o objetivo dessa ação durante o processo de inscrição consiste em promover a reflexão e incentivar a realização de ações sobre esses temas nas instituições e empresas participantes do processo.

Figura 1 – Cerimônia de Entrega do Selo ODM – Edição 2014-2015 Fonte: Sesi do Paraná (2015).

Figura 2 – Cerimônia de Entrega do Selo ODM – Edição 2014-2015 Fonte: Sesi do Paraná (2015).

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O Selo ODM pode ser utilizado em todo o material promocional da empresa e instituição certificada, exceto na venda de produtos, conforme estabelecem as diretrizes do Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade, no artigo 18º, §1º:

Figura 3 –Selo ODM – Edição 2015 Fonte: Sesi do Paraná (2015)

UTILIZAÇÃO “Além de a Araupel ser uma empresa que busca trabalhar em prol dos ODM, fortalecemos cada vez mais nossas ações e projetos sociais que contribuem também para o desenvolvimento do município de Quedas do Iguaçu”, salientou a assistente social da Araupel, Neide Nojehovsi, uma das empresas certificadas com a 5ª Edição do Selo ODM. Na edição de 2015, o diferencial foi que esse Selo já tinha incorporado os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Como se trata de uma plataforma mais ampla, é possível incluir um número maior de empresas e instituições. Outros pontos positivos dessa última edição foram o compartilhamento e a troca de experiências entre as instituições e empresas certificadas durante uma mostra de projeto dialogada, iniciativa do Sesi Paraná, que oportunizou a interatividade entre os participantes, tendo como um dos resultados a formação de parcerias. Segundo a analista de RH da BRF, Marize Nascimento, o Selo ODM é importante porque mostra as práticas da empresa em projetos e ações sociais que visam às questões: sustentabilidade, desenvolvimento, fortalecimento e crescimento sustentável, para o alcance dos ODM.

“O reconhecimento, a valorização, mostra o quanto o trabalho está sendo desenvolvido com dedicação, com olhar sistêmico que vai além dos muros da empresa, com a preocupação com as pessoas e com o meio ambiente”, salientou Marize.

[...] os ícones, logomarcas, slogans e demais itens de comunicação relacionados aos ODM serão utilizados para o único e exclusivo fim de divulgação e mobilização da campanha, assim como para a fundamentação de projetos que colaboram para o alcance dos ODM, não podendo ser utilizados sob hipótese alguma para venda ou promoção de produtos e serviços de parceiros ou integrantes da rede. No regulamento do Selo ODM, além de citar este arquivo, também é descrita a proibição de se utilizar o Selo ODM em produtos como: bebidas alcoólicas, cigarros e armas. Além de usar esse selo como uma ferramenta de marketing, algumas instituições comprovam as suas iniciativas na área de responsabilidade social com o Selo ODM, para processo de exportação. Segundo a assistente social do Instituto Morena Rosa, Patricia Pattaro, a conquista do Selo ODM reafirmou o compromisso e o respeito da instituição em prol do desenvolvimento humano, social e comunitário. O Instituto utiliza o Selo ODM no site, cartilhas, banners e também no relatório das atividades. “O trabalho que realizamos está contribuindo para o alcance dos ODM e a melhoria da qualidade de vida dos nossos colaboradores e da sociedade como um todo”, destacou Patricia. 3 CONCLUSÕES O Sesi, no Paraná, com o seu compromisso de promover o bem-estar do trabalhador da indústria e dos seus dependentes, articula e mobiliza ações para o alcance dos ODM e, agora, dos ODS, desde 2004. A realização do Selo ODM é uma forma de reconhecer as indústrias, empresas e instituições públicas e do terceiro setor que realizam ações e projetos que contribuíram para o alcance dos ODM, tanto para o seu público interno quanto para o externo. Os resultados quantitativos são significativos, pois o número de instituições e empresas certificadas aumentou a cada edição do Selo ODM: 2011 – 109; 2012 – 111; 2013 – 113; 2014 – 148; e 2015 – 187. Nessa última edição, foram 208 inscrições, sendo 34 de instituições públicas (1º setor); 68 de indústrias e empresas (2º setor); e 85 de instituições do terceiro setor (3º setor). Das 187 certificadas, 69% possuem trabalho voluntário, mobilizando 16.463 voluntários. Foram inscritos 254 projetos, que beneficiam 1.995.491 de pessoas.

Figura 4 – Uma das telas do site da indústria Avenorte Fonte: www.guibon.com.br)

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Foram recebidas inscrições de 59 municípios paranaenses. Esses números indicam a capilaridade e a importância do trabalho realizado pelas instituições e empresas certificadas com o Selo ODM. Os resultados qualitativos revelam a disseminação dos ODM por meio de matérias jornalísticas das empresas e instituições certificadas, valorização e reconhecimento daquelas instituições que realizam projetos sociais e ambientais alinhados aos ODM e um maior comprometimento dessas instituições com a causa. Segundo Larissa Squizzato de Campos, supervisora do Instituto Atsushi e Kimiko Yoshii de Promoção à Cidadania de Londrina, o Selo ODM chancela e respalda as ações desenvolvidas pelo Instituto perante os públicos com os quais trabalha e a sociedade em geral. “Esse reconhecimento é o maior ganho obtido ao longo dos anos que somos parceiros dos ODM e do Movimento Nós Podemos Paraná”, destacou. REFERÊNCIAS ANDREASEN, A. Marketing social change: changing behavior to promote health, social development, and the environment. In: KOTLER, P; LEE. N. Marketing social: influenciando comportamentos para o bem. Porto Alegre: Bookman, 2011. KOTLER, P; LEE. N. Marketing social: influenciando comportamentos para o bem. Porto Alegre: Bookman, 2011.

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2. Círculos de Diálogo Geracional: uma experiência paranaense de incentivo à convivência entre jovens e idosos para o desenvolvimento local Autor: João Frederico Rocha Loures e Souza Coautora: Rosane Fontoura

1 INTRODUÇÃO O Serviço Social da Indústria incentiva o Movimento Nacional Pela Cidadania e solidariedade – Nós Podemos Paraná, desde 2006, atuando no desenvolvimento local por meio da metodologia dos Círculos de Diálogo, reconhecida como tecnologia social para incentivar o trabalho voluntário dos três setores da sociedade em prol do alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Com base na metodologia da Investigação Apreciativa, os Círculos de Diálogo criam um ambiente favorável à chuva de ideias que possibilitam a construção compartilhada de projetos e ações para o desenvolvimento do município e a consolidação de Movimentos locais em torno dos ODM. No fim de 2013, uma equipe de articuladores aprimorou os processos metodológicos do Círculo de Diálogo, para facilitar a interação entre jovens e idosos, partindo da definição do Desenvolvimento Sustentável que pressupõe “[...] aquele que atende às necessidades do presente sem prejudicar as necessidades das futuras gerações”, conforme o Relatório Brutdland.1 O diálogo geracional propõe reproduzir um valoroso resgate da interação e cooperação entre gerações antigas e novas, tratando a transmissão de saberes, modo de pensar, agir, sentir, para poder renovar as opiniões e visões acerca do mundo e do papel das pessoas na construção de caminhos sensíveis ao desenvolvimento sustentável. Este artigo pretende lançar luz à metodologia dos Círculos de Diálogo como instrumento facilitador e catalisador de ações entre jovens e idosos, para entender quais contribuições a interação entre diferentes gerações pode oferecer ao processo de desenvolvimento sustentável. O desafio é entender como a metodologia contribui para o processo de empoderamento das pessoas e, na medida, influenciar a capacidade de renovar as relações de convivência e percepção mútua entre jovens e idosos. De forma complementar, esse estudo pode fornecer subsídios iniciais para responder à melhoria de indicadores expressos no quadro dos ODM, sobretudo, pensando formas de contribuição e envolvimento coletivo e complementar entre jovens e adultos.

2 PARADIGMAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E A CONTRIBUIÇÃO DO SESI A população idosa, os nascidos entre a década de 50 e 70, não enfrentaram problemas de forma tão intensa com a poluição, degradação ambiental, escassez de água, resíduos, consumismo e outros fenômenos que os jovens da geração Y e Z estão enfrentando. A população idosa urbana (60 anos ou mais) representava, em 2002, quase 400 milhões de pessoas em todo o mundo. Até 2025, este número terá aumentado para, aproximadamente, 840 milhões. No Brasil, segundo o IBGE, nos próximos 20 anos a população acima de 60 anos vai triplicar, passando de 22,9 milhões (13,4%) de pessoas para 88,6 milhões (39,2%). No período, a expectativa de vida do brasileiro deverá aumentar dos atuais 75 anos para 81 anos. Da mesma forma que a mudança na estrutura etária da população mundial desafia os Sistemas de Technical and Vocational Education and Training (TVET) – Educação e Formação Técnica e Profissional –, exigindo um rearranjo dos conhecimentos adquiridos com processos adaptados de produtividade, em diferentes contextos de desenvolvimento. Essa tendência demográfica entre regiões desenvolvidas e menos desenvolvidas alerta para a desigualdade, segundo as projeções da distribuição etária (ver Figura 1); ou seja: “O envelhecimento da população em regiões desenvolvidas exercerá pressão sobre as despesas de seguridade social e finanças públicas, e essa pressão crescerá com uma classe trabalhadora mais educada e sistemas de saúde melhores.” (UNESCO, p. 46, 2015).

1. O Relatório Brundtland ou Nosso Futuro Comum (Our Common Future) é o documento final da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, promovida pela ONU, nos anos 80 e chefiada pela então primeira-ministra da Noruega e médica, Gro Harlen Brundtland. Foi publicado em 1987. 10


Ao olhar as ferramentas pelas quais o Sesi – PR incentiva ações e projetos envolvendo a vocação do empresariado paranaense, é pertinente lembrar os escritos de João Souza: Nosso olhar para o Sesi – PR como ator indutor de avanços sociais para negócios estratégicos apresenta o protagonismo local voltado ao processo participacionista, da atuação metodologia do MNPP, na medida em que afeta o exercício dos direitos sociais dos indivíduos (SOUZA, 2015, p. 7). E complementar a noção institucional e a percepção convergentes aos escritos da Unesco sobre “[...] busca culturalmente direcionada por um equilíbrio dinâmico nos relacionamentos entre os sistemas social, econômico e cultural – um equilíbrio que busca promover a equidade entre presente e futuro, bem como entre países, raças, classes sociais e gêneros” (UNESCO, 1999, p. 5). Figura 1 – Projeção de distribuição etária em regiões menos desenvolvidas e em regiões desenvolvidas (2050) Fonte: Cálculos baseados em United Nations (2011a)

Esse processo de desenvolvimento humano leva a pensar sobre qual tipo de ocupação o jovem de hoje deverá desempenhar daqui a 40 anos, engrossando os números do fundo de aposentadoria e impactando, diretamente, a economia e formas relacionais do mercado de trabalho. É necessário compreender os desafios do desenvolvimento humano, sobretudo, das oportunidades que o contexto relatado pela Unesco destaca:

Esse significado de investimento do setor privado propõe revisitar os escritos em Souza, que mostram: “[...] justificativa da Fiep ao assumir entrada no programa ODM é que o empresariado deve olhar para oportunidades que derivam de avaliações do entendimento da estrutura de autoridade como variável importante” (SOUZA, 2015, p. 9). Dessa premissa, buscou-se entender a função do Conselho Paranaense de Cidadania Empresarial, responsável por articular empresas industriais em torno da temática dos ODM. Foi desse conselho, mantido pelo Sistema Fiep, que voluntários criaram a campanha “8 jeitos de assegurar e promover a vida da pessoa idosa” constituindo um esforço articulado” (ver Figura 2).

As implicações dessas transformações incluem o aumento da mobilidade do trabalho e do capital, impactos desiguais em ricos e pobres e economias emergentes de mercado, tanto no setor rural quanto no industrial. A sociedade baseada em conhecimento produzida por essas mudanças oferece novas modalidades interessantes de educação e formação. Essas tendências sociais e econômicas preveem a necessidade de um novo paradigma de desenvolvimento que traga uma cultura de paz e um desenvolvimento sustentável e ambientalmente consistente em suas características centrais (UNESCO, p. 42, 1999). Enquanto especialistas trabalham na direção do planejamento de um novo arranjo produtivo e na implementação de políticas públicas eficientes para o contexto local, ocorrem, inevitavelmente, o choque de gerações e a impressão de que a velhice é tida como sinônimo de improdutividade. Os sintomas da reação do mercado de trabalho surgem e se adaptam aos processos de desenvolvimento humano, valorizando e expandindo o sistema de qualificação baseado no conhecimento informal e a experiência valorosa que os mais velhos adquiriram ao longo dos anos: “[...] promover uma oferta diversificada de programas para responder a esses desafios e proporcionar oportunidades de qualificação para todos”, conforme a Unesco (2015, p. 47).

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Figura 2 – Campanha “8 jeitos de assegurar e promover a vida da pessoa idosa” Fonte: Conselho Paranaense de Cidadania Empresarial

Essa campanha foi responsável por comunicar e sensibilizar pessoas e instituições nos cuidados, desde o respeito até a capacitação da pessoa idosa. No próximo capítulo será mostrado como o cenário jovem pode ser preponderante quando participa, ativamente, das interações entre gerações mais velhas. 3 DESAFIOS E OPORTUNIDADES DE EMPODERAMENTO JOVEM A população de jovens tem disposição para aprender no dia a dia, tempo e conhecimentos novos, mas exige atenção e orientação para engendrar habilidades e conhecimentos aceitos no mercado de trabalho, bem como a adesão às contribuições sociais e voluntárias. Segundo o panorama de tendências demográficas da Unesco, existem padrões que assombram diferenças na juventude entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, como se pode ver: Atualmente, a população das regiões menos desenvolvidas é consideravelmente mais jovem do que a das regiões desenvolvidas (ver Figura 2). Crianças menores de 15 anos respondem por 29% da população em regiões menos desenvolvidas, e jovens de 15 a 24 anos respondem por 18%. O número de crianças e jovens nas regiões menos desenvolvidas está em seu ápice, 1,6 bilhão e 1 bilhão, respectivamente (UNITED NATIONS, 2011a). Esses números representam um desafio significativo para os países menos desenvolvidos de prover uma educação e formação de qualidade, concomitantemente com empregos bons e bem pagos. A situação é ainda mais crítica nos países menos desenvolvidos, onde crianças menores de 15 anos constituem 40% da população, e jovens de 15 a 24 anos alcançam 20% (UNITED NATIONS, 2011a).

As metas do milênio mostraram caminhos pelos quais é possível contribuir para a erradicação da extrema pobreza e melhorar a harmonização da prosperidade econômica, a preservação ambiental e o bem-estar, segundo a declaração de Bonn (UNESCO-UNEVOC, 2004) e da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento sustentável Rio+20 (UNITED NATIONS, 2012). A relação da população dos jovens com as metas do milênio influenciou, substancialmente, a ampliação de políticas educacionais no Brasil, nos últimos anos. Ainda assim, dados recentes do Unicef mostram que é necessário incentivar o protagonismo juvenil: Um dos grandes desafios para o Brasil no que diz respeito à garantia dos direitos de seus adolescentes é a educação, em especial a universalização do ensino médio – etapa adequada para a faixa etária de 15 a 17 anos, que se tornou obrigatória a partir da Emenda Constitucional nº 59, de 2009. Os adolescentes de 15 a 17 anos são, hoje, o grupo mais atingido pela exclusão: mais de 1,7 milhão deles estão fora da escola2 (FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INF NCIA, 2014). O Paraná oferece, praticamente, acesso universal ao ensino fundamental; mesmo assim, 4,5% das crianças de sete a 14 anos estão fora do sistema educacional. No ensino médio, a situação é mais grave. Devido à evasão e à defasagem, a taxa líquida de matrícula é pouco mais de 50%. Além da permanência de crianças e jovens na escola, outro fator de preocupação é a qualidade do ensino fundamental, uma vez que quase a metade dos alunos da 8ª série obteve avaliação crítica ou muito crítica em matemática. Inspirados na necessidade de chamar a atenção o jovem sobre a importância de atuar em boas práticas voltadas aos ODM, o CPCE e o Movimento Nacional Pela cidadania e Solidariedade – Nós Podemos Paraná estruturaram dinâmicas e palestras para:

2. Dados referenciados dos indicadores de pesquisa do IBGE-PNAD (2011). 12


entender que o trabalho precoce dos jovens não reduz a pobreza, só perpetua a desigualdade; mostrar a importância da educação na vida do jovem; promover a diversidade e igualdade de gênero (reduzir o bullying nas escolas); conscientizar, visando à redução da gravidez na adolescência; reduzir o consumo de álcool e uso de drogas ilícitas e reduzir a propagação de Aids; melhorar a qualidade de vida – realizando exercícios físicos/alongamentos; reduzir o número de homicídios dos jovens; aumentar o protagonismo juvenil. Desse panorama jovem, surgiu a possibilidade de aproximar as formas de interação entre as gerações, propondo-se a aproveitar melhor as capacidades e habilidades de jovens com a vivência dos idosos. 4 CÍRCULOS DE DIÁLOGO GERACIONAL – INSTRUMENTO PARA INSPIRAR O CONVÍVIO ENTRE GERAÇÕES Em razão da constante necessidade de entender o desenvolvimento local e os novos paradigmas a partir das relações humanas e da transformação social, histórica e cultural das gerações, o Sesi – PR propôs revisitar as vivências e aprendizagens antigas e atuais. O Círculo de Diálogo Geracional pretende chamar a atenção para o resgate do convívio geracional e dar importância às trocas de experiências como um complemento ao desenvolvimento local a partir da convivência e de relações mais humanas, entendendo a importância de reaproximar jovens e idosos, respeitando as diferenças, para sensibilizar comunidades no sentido de um olhar para uma convivência corresponsável e sustentável. 4.1 ASPECTOS METODOLÓGICOS A metodologia de trabalho é inspirada nos Círculos de Diálogo e, primordialmente, na necessidade de reinventar um modus operandi capaz de responder a desafios novos e emergentes, para além de ações articuladas e profundamente transformadoras em prol do desenvolvimento local sustentável. A metodologia opera, preferencialmente, em grupos de, no máximo, 30 pessoas, entre jovens e idosos, de ambos os sexos. Os jovens e as pessoas da terceira idade são essenciais para a continuidade, sendo que, na parte final do encontro são selecionadas as duplas ou grupos para a continuidade e o acompanhamento das atividades. O objetivo geral do Círculo de Diálogo Geracional é estimular e facilitar a mútua transmissão de saberes e a convivência com as diferenças entre gerações, promovendo a aproximação entre jovens e idosos, para a realização de

ações voltadas ao desenvolvimento local. A equipe responsável pela organização do Círculo deve buscar a articulação e a participação de educadores não formais e formais para enriquecer o diálogo, em função da realidade local dos municípios onde é realizada a metodologia (indústria, comércio e serviços, escolas, ONGs, Conselhos, Cras, instituições de classe e demais parcerias pertinentes). O propósito das parcerias e apoios para o mapeamento de “instituições-âncoras” de forma a garantir sua continuidade é parte fundamental da saúde dos processos, uma vez que em um grupo encorajado as chances de continuidade e sustentabilidade das ações aumentam. Durante o processo de aplicação dos Círculos de Diálogo, jovens e idosos são convidados a experimentar dinâmicas e vivências, invertendo o papel das gerações e projetando a sensibilização na forma como eles se enxergam. O período expositivo do Círculo de Diálogo Geracional é estruturado em dinâmicas voltadas ao respeito e à convivência, à agenda colaborativa e ao protagonismo jovem. O objetivo do primeiro encontro é criar um cronograma de acompanhamento e “apadrinhamento” jovem e idoso. O cronograma de atividades – criado a partir das habilidades oferecidas e vontades de aprender – será tratado no próximo capítulo. 5 PERENIDADE DAS AÇÕES E EXPECTATIVAS LOCAIS O papel do Sesi é articular e aproximar pessoas e instituições, dando apoio técnico para a continuidade das atividades, no período em que estará atuando no município, compartilhando as responsabilidades dos participantes envolvidos e das instituições parceiras, para a perenidade das ações. Sendo assim, a importância de construir-se uma articulação para encorajar e empoderar uma rede local que dê continuidade aos próximos passos é fundamental. Trata se de um processo de inspiração e encantamento para uma transformação social verdadeira. Com lideranças locais envolvidas e dispostas nesse cenário de articulação e envolvimento no fim do evento é proposta a criação de uma comissão – ou núcleo de trabalho local –, que deverá acompanhar os encaminhamentos, inclusive as ações decorrentes da agenda de compromisso e do apadrinhamento jovem-idoso. O sentido da comissão/ núcleo de trabalho consiste no acompanhamento e no suporte para a realização das atividades posteriores ao Círculo. Cada jovem deverá ter uma relação de padrinho e afilhado; tanto o jovem pode ser útil na prestação de determinados apoios aos idosos (fazer companhia, promover atividades esportivas acompanhadas, fazer compras, promover entretenimento, cuidar da saúde e higiene e outros) quanto o idoso pode ser padrinho de um jovem (estimulando o ensino, ofícios, dando afeto e aconselhamentos etc.); e, os dois juntos, podem praticar ações de cidadania voltadas a outros grupos da população.

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Enquanto o idoso se exercita e acostuma seu olhar para as mudanças da sociedade, o jovem se permite entender e compreender a trajetória humana e suas peculiaridades, bem como os desafios e a importância de se alcançar a terceira idade. Deverá ser celebrado um protocolo de compromisso que estabeleça regras e papéis claros tanto ao jovem quanto ao idoso, para orientar e facilitar o acompanhamento da comissão/núcleo de trabalho, que estabelecerá qual o número de duplas e/ou grupos que são acompanhados no apadrinhamento, conforme o desempenho dos jovens e a possibilidade dos idosos.

ANEXO A RELATOS DOS CÍRCULOS DE DIÁLOGO GERACIONAL

Alguns exemplos de Apadrinhamento Jovem-Idoso preveem atividades compatíveis e de comum acordo, preferencialmente escolhendo ações listadas nas atividades/dinâmicas do diálogo geracional, considerando as limitações e níveis de complexidade segundo as preferências dos jovens e dos idosos (ver Tabela 1).

Círculo de Diálogo Geracional realizado em Paranaguá

Tabela 1 – Atividades compatíveis do diálogo geracional, no Apadrinhamento Jovem-Idoso

ODM

Grupo

Local

Atividades

Padrinho

Entrada

Saída

3

Idoso

A definir

Organizar álbum de

Nome do

Hora

Hora

fotografias e jornais

Jovem

Hora

Hora

Em 2012, em parceria com Conselho municipal do Idoso, “Pudemos observar que, recentemente, em um curso que fizemos, estamos focando na legislação para os cuidados com idosos. O conteúdo está sendo trabalhado e a oficina teve convergência, principalmente com o despertar do olhar social e o interesse dos nossos alunos e professores; afinal, essa troca de conteúdo entre jovem e idoso toca o coração” (Simone Maria Teles de Meira, diretora do colégio Carolina Lupion, Município de Carlópolis – PR).

em que estejam registrados os fatos que vivenciou como mulher, mãe, esposa, avó. 2

Jovem

A definir

Ensinar pequenos

Nome do

ofícios: costura,

Idoso

Círculo de Diálogo Geracional realizado em Carlópolis

artesanato, mecânica, marcenaria.

6 CONCLUSÃO Como o panorama dos desafios novos e emergentes e a variável explicativa das necessidades e oportunidades do desenvolvimento humano ainda são tratados inicialmente, percebe-se o círculo de diálogo geracional um instrumento capaz de fornecer estímulos para a construção de atividades e dinâmicas que contribuam para o desenvolvimento sustentável.

Em julho de 2015, no Rotary Club de Carlópolis, foram apresentados os resultados das duas primeiras etapas do projeto “Diálogos Geracionais”. O projeto é realizado pelo Colégio Carolina Lupion, o Asilo de Carlópolis e o Sesi – PR, em trabalho conjunto. As atividades consistem em aproximar as vivências das gerações e promover o diálogo entre jovens e idosos. Em 23 de julho de 2013, o Colégio Carolina Lupion mobilizou novos interessados a fazer parte do projeto, e a agenda de ações já está sendo programada. A próxima etapa será uma visita orientada ao asilo com os novos voluntários, ação que fará parte da Semana Nacional Pela Cidadania e Solidariedade.

Trata se de uma opção para pensar e agir em torno de questões urgentes em resposta às desigualdades e à viabilidade de projetos criativos, altamente desafiadores do ponto de vista da educação transformadora como forma de inclusão e desenvolvimento local sustentável. O produto final é um amadurecimento de ambos os públicos (jovens e idosos) a partir das vivências e experiências adquiridas do convívio e troca de saberes de gerações com ações e práticas realizadas. Círculo de Diálogo Geracional realizado em Carlópolis

As experiências relatadas em anexo descrevem o sentimento das pessoas que participaram e participam de projetos locais incentivados e apoiados por influência da reaproximação das gerações.

Em março de 2015, o Círculo de Diálogo Geracional foi ao Centro da Juventude e reuniu idosos do Centro Ocupacional do Idoso (COI), do Asilo São Vicente de Paulo e do grupo de 14


idosos do Centro de Referência de Atendimento Social (Cras) Consulesa Helena Van Den Berg e jovens que frequentam o Centro da Juventude. O objetivo em promover o encontro foi chamar a atenção para o resgate do convívio geracional e dar importância às trocas de experiências como complemento ao desenvolvimento local. “A intenção é reaproximar os jovens e os idosos, respeitando as diferenças e desenvolvendo o respeito entre as diferentes gerações. Com o Círculo de Diálogos, reunimos dois públicos idosos e jovens – que são atendidos pelos equipamentos sociais, mas que normalmente não se encontram, e promovemos o desenvolvimento de vínculos afetivos”, apontou Damisa. O diálogo resgatou, com os idosos presentes, depoimentos sobre comportamentos e culturas da sua época de juventude, instigando-os a pensar no seu papel na sociedade, valorizando-os.

REFERÊNCIAS COOPERRIDER, D. L.; WHITNEY, D. Investigação apreciativa: uma abordagem positiva para a gestão de mudanças. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2006. DAGNINO, Evelina. ¿Sociedade civil, participação e cidadania: de que estamos falando? In: MATO, Daniel (Coord.). Políticas de ciudadanía y sociedad civil en tiempos de globalización. Caracas: FACES, Universidad Central de Venezuela, p. 95-110, 2004. ______. Os movimentos sociais e a emergência de uma nova noção de cidadania. In: DAGNINO, Evelina. (Org.). Os anos 90: política e sociedade no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1994. DURKHEIM, Émile. Da divisão social do trabalho. São Paulo. Martins Fonte, 1999. MAROPE, P. T. M.; CHAKROUN, B.; HOLMES K. P. Liberar o potencial: transformar a educação e a formação técnica e profissional. Brasília: Unesco, 2015. MOTA, R.; FILHO, H. C. Educação transformadora e inclusiva. Inclusão Social, vol. 1, n. 1, out. 2005. PATEMAN, C. Participação e teoria democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. QUADRO ENTRE GERAÇÕES. Programa Fantástico. Rio de Janeiro, Rede Globo de Televisão, março, 2014. Programa de TV. SETTON, Maria da Graça J. Família escola e mídia: um campo com novas configurações. Educação e Pesquisa. Revista da Faculdade de Educação da USP, São Paulo, v.28, n.1, p. 107-116, jan./jun. 2002. Disponível em: <http://www. educacaoeparticipacao.org.br/>. Acesso em: 2 dez. 2015. SOUZA, João Frederico R. L. ODM à luz da teoria da democracia participativa. Centro Universitário Internacional – Uninter, 2011. VOLPI, Mário; SILVA, Maria de Salete; RIBEIRO, Júlia (Coord.). 10 desafios do ensino médio no Brasil: para garantir o direito de aprender de adolescentes de 15 a 17. 1. ed. Brasília: Unicef, 2014. 15


3. Estudo dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – Principais resultados do Brasil Ana Paula Pereira dos Passos3 Vanderléia Martins Lohn4 RESUMO Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) possibilitaram grandes avanços mundiais e nacionais, no entanto, sua implementação ocorreu de maneira gradativa e de diferentes formas em cada país. Este artigo tem por objetivo contribuir para o debate sobre o processo de implementação dos objetivos, os avanços e desafios encontrados para adotar a plataforma nos países e seu impacto no desenvolvimento do Brasil. A análise se baseia na seleção de um conjunto bibliográfico com a temática, enfatizando os principais resultados identificados no período de 15 anos. Os resultados indicam o destaque, no Brasil, em termos de publicação, as dificuldades para o alcance das metas e as disparidades entre os países. Conclui-se que, para a nova agenda, os países terão que implementar novas ferramentas, formar alianças intersetoriais e envolver mais a sociedade civil. Palavras-chave: Objetivos de desenvolvimento do Milênio. Brasil. Alianças intersetoriais.

1 INTRODUÇÃO Em setembro de 2000, as Nações Unidas (ONU) organizou uma reunião com os 191 países-membros, incluindo o Brasil, denominada Cúpula do Milênio. O debate resultou na aprovação da Declaração do Milênio – que a partir de 2016 será descrito como Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) – correspondente a um conjunto de metas pactuadas, incluindo o Brasil, com a finalidade de tornar o mundo um lugar mais justo, solidário e melhor para viver. No entanto, até então, tais soluções não foram implementadas na escala necessária; o estabelecimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) intensificou os esforços em soluções para o desenvolvimento global, no qual cada nação obtém o desafio de combater a fome e a miséria e garantir educação, saúde, igualdade e sustentabilidade ambiental para todos até o ano de 2015. Os estudos da literatura propõem diferentes indicadores para o monitoramento do progresso dos ODM, com base em dados levantados a partir de diferentes meios, a fim de realizar análise específica de uma localidade ou comparativas entre municípios, estados e países (SARLIN, 2012; SAW et al., 2013; PÉREZ et al., 2014; MARTÍN, MOLINA, FERNÁNDEZ, 2015; PANHOCA, SILVA, FIGUEIRA, 2007). Desse modo, as principais variáveis de discussão deste trabalho são os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, tendo como escopo: (i) a seleção de um conjunto bibliográfico da temática; (ii) identificação dos instrumentos utilizados e propostos para alcance das metas; (iii) identificação dos desafios enfrentados pelos países durante esse processo; e (iiii) identificação dos avanços brasileiros no cumprimento das metas.

Tendo em vista os objetivos apresentados, e considerando a importância de conhecer o que vem sendo pesquisado sobre a temática, esta pesquisa visa identificar artigos publicados em revistas de relevância e abrangência, e analisar objetivos, metodologias utilizadas, países de maior estudo, resultados, assim como tendências e lacunas. Assim, este trabalho está estruturado em quatro seções, além da introdução. Na segunda seção apresenta-se a metodologia adotada; na sequência, a seção dos resultados da pesquisa bibliográfica, destacando as análises das publicações e os principais referenciais teóricos; na terceira seção, são apresentados os instrumentos construídos no Brasil para o cumprimento das metas, os avanços e os desafios encontrados; e, por fim, as considerações finais. 2 MÉTODOS DE PESQUISA Este trabalho caracteriza-se como uma pesquisa bibliográfica e de caráter qualitativo, com finalidade de desenvolver conceitos, ideias e entendimentos a partir de padrões achados nos dados, a partir da realização de busca, organização e análise da literatura sobre o tema ODM. As publicações para a pesquisa analisadas neste estudo foram reunidas em três fases. A pesquisa foi conduzida, principalmente, como uma busca pela palavrachave, o termo “objetivos de desenvolvimento do milênio”. A expressão foi pesquisada nas bases de dados: ISI/Web of Science, Scopus, Capes e Springer Link; em título e palavraschave, obteve-se uma carteira de 65 artigos científicos nessa primeira fase. A segunda fase resultou em 59 artigos, sendo caracterizada pela eliminação de duplicações. Já na terceira fase, foram

3.Universidade do Vale do Itajaí – Univali. ana.passos@edu.univali.br 4. Universidade do Vale do Itajaí – Univali. vandalohn@univali.br 16


analisados resumos e conteúdo central dos artigos, buscando-se apenas os artigos com foco direto nos ODM, nesse momento reduziu-se o portfólio de artigos para 51. Para gerir as referências em todas as fases, foi utilizado o software EndNote, que auxiliou importando as referências dos artigos selecionados nos bancos de dados. Posteriormente, buscou-se analisar os seguintes quesitos: i) objetivos, metodologia, enfoque específico em algum dos ODM ou abrangência de todos, tempo e origem geográfica identificados da temática em estudo; ii) instrumentos construídos para alcance dos ODM, avanços e desafios; iii) partes-chaves para o processo (governo, empresas e sociedade civil); iv) o que está sendo realizado na teoria em estudo, como práticas e pesquisas empíricas; e v) resultados e conclusões dos artigos analisados. Essas questões foram identificadas e indagadas. É importante destacar que a pesquisa bibliográfica tem limitações, em especial na disponibilização de artigos nas bases de dados, podendo existir publicações não encontradas durante o levantamento de dados. 3 OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO Os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM) são um conjunto de metas pactuadas pelos governos dos 191 paísesmembros da ONU, com o objetivo de tornar o mundo um lugar mais justo, solidário e melhor para se viver. São eles, respectivamente: 1) erradicar a pobreza extrema e a fome; 2) alcançar o ensino básico universal; 3) promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; 4) reduzir a mortalidade infantil; 5) melhorar a saúde materna; 6) combater o HIV/Aids, a malária, a tuberculose, entre outras doenças; 7) garantir a sustentabilidade ambiental; 8) estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento. 3.1 ANÁLISE DO ESTUDO BIBLIOMÉTRICO No estudo bibliométrico foram analisadas as revistas de maior publicação, origem geográfica, publicações por ano, publicação por área de aplicação da pesquisa, além de estudo metodológico, áreas de conhecimento e publicações pelas linhas temáticas. A Figura 1 apresenta o enfoque analisado nas publicações quanto aos ODM. Pode-se observar que 46% dos autores abordaram todos os ODM; 26% dos autores optaram por ODM relacionados à saúde, sendo que 12% analisaram os ODM 4, 5 e 6, 8% focalizaram apenas o ODM 4 e 6%, nos ODM 4 e 5. Alguns autores optaram por abordar apenas o ODM 1, identificando sua importância para o alcance dos demais. Dos artigos, 8% analisaram a igualdade de gênero e autonomia da mulher (ODM 3). Os ODM 5 e 3 foram analisados por 2% dos autores.

Figura 1 – Publicações quanto aos ODM abordados Fonte: Elaborado pelas autoras

A Figura 2 apresenta a amostra de artigos analisados na base de periódicos que provem de 36 diferentes veículos de publicação científica – dentre estes, Ciência & Saúde Coletiva e Globalization and Health foram a de maior representação, com 9,80% cada. Outras revistas seriam as que publicaram apenas um artigo (52,94%), sendo que essas são de diferentes áreas de conhecimento (Journal of Business Ethics, Indian Pediatrics, International Journal for Equity in Health, Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, Economia Aplicada, Cad. Saúde Pública, entre outras). A diversidade de áreas das publicações se sucede pela ampla linha de temática dos ODM, abrangendo vários campos de estudo.

Figura 2 – Distribuição das publicações em relação ao meio Fonte: Elaborado pelas autoras 17


Analisando a publicação por origem geográfica, Figura 3, identifica-se que grande parte dos estudos é do Brasil, com 15 publicações (29,41%), seguido por Estados Unidos, com seis artigos (11,76%); e Espanha, com quatro artigos (7,48%). Observase, também, que Espanha, Suécia, Canadá, Austrália, Filipinas e África publicaram a mesma quantidade de artigos, duas publicações (3,92%). É importante mencionar que houve uma grande variedade de países, totalizando 23, sendo que os que publicaram apenas um artigo ficaram agrupados em “outros”, compostos por Suíça, Holanda, França, Alemanha, Ruanda, Noruega, Finlândia, Índia, Japão, Nigéria, Zâmbia, Malawi e Gana, representando 25,49%.

Figura 3 – Distribuição das publicações por origem geográfica Fonte: Elaborado pelas autoras

Em relação às publicações brasileiras, os estados de maior publicação foram Paraná (40%) e São Paulo (26,67%). Rio de Janeiro, Pará, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Sul publicaram a mesma quantidade de artigos, cada estado representou 6,67%. Dentre os autores brasileiros, a autora Resende corresponde ao maior destaque nas publicações. A autora aborda os desafios e percalços para combate à pobreza absoluta e à exclusão, as metas educacionais, as novas tecnologias coadjuvantes no processo de cumprimento dos ODM, a mobilização social e a responsabilidade prioritária do Estado para o alcance das metas. A Figura 4 apresenta a distribuição por ano das publicações dos artigos analisados. Pode-se identificar que até 2003 não houve publicação, iniciando a partir de 2004 e apresentando uma alta, em 2007, com 13,73%. Identifica-se, também, um crescimento na diagonal, a partir de 2010, caracterizado como resultado das ações desenvolvidas pelos países para a participação da sociedade civil, empresas, governo e terceiro setor, que proporcionaram maior visibilidade ao projeto, bem como a popularização dos ODM.

Figura 4 – Distribuição das publicações por ano Fonte: Elaborado pelas autoras.

A Figura 5 analisa a linha temporal de publicações no Brasil. Como se pode identificar, até 2003 não houve publicação, iniciando em 2004, ano em que foi criado o Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade com objetivo de alcançar os ODM até 2015. Em 2005, iniciou-se a campanha “8 Jeitos de Mudar o Mundo”, sendo esta um percussor de comunicação. Em 2006, os núcleos de movimento estaduais começaram a ser criados. No ano de 2007, houve o maior número de publicações (20%), e a partir desse período as publicações ocorreram de forma mais contínua.

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Figura 5 – Linha temporal de publicações no Brasil Fonte: Elaborado pelas autoras

Para identificar o que as pesquisas vêm tratando sobre ODM no período em estudo, o Quadro 1 apresenta os objetivos de algumas pesquisas – artigos. Quadro 1 – Alguns objetivos de pesquisas realizadas sobre os ODM AUTORES

OBJETIVOS

Keyzer e Wesenbeeck (2006)

Avaliar a viabilidade de explorar fontes adicionais de financiamento para alcançar os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio até 2015.

Rezende (2007)

Compreender as tensões e os conflitos entre os agentes (governantes, lideranças do setor privado e de ONGs) incumbidos de efetivar as metas do milênio da ONU.

Rezende (2007)

Analisar os aspectos do Relatório do Desenvolvimento Humano (RDH) 2001, no que se refere às discussões sobre as novas tecnologias (da comunicação, da informação e da biotecnologia).

Dixis (2009)

Analisar os ODM relacionados à erradicação da fome e à redução da mortalidade infantil na América Latina.

Barden (2010)

Apresentar algumas considerações acerca dos efeitos da crise econômica mundial de 2008-2009 quanto ao cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

Drago, Silva e Sato (2010)

Apresentar algumas considerações acerca dos efeitos da crise econômica mundial de 2008-2009 quanto ao cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

Pérez (2014)

Este estudo de base populacional examina as tendências, causas e desigualdade social de mortalidade antes da idade de cinco anos, em áreas rurais e urbanas na Nicarágua.

Brolan et al. (2014)

Investigar o que seria o resultado se uma metodologia semelhante à utilizada para a criação dos ODM fosse aplicada para a formulação dos objetivos de desenvolvimento pós2015.

Martín, Molina e Fernández (2015)

Medir os progressos no sentido do ODM 3, para promover a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres nos Países Menos Desenvolvidos (PMD) da Ásia.

Os estudos brasileiros apresentaram importantes resultados e conclusões; alguns são destacados no Quadro 2. Quadro 2 – Resultados/Conclusões de alguns estudos brasileiros AUTORES

OBJETIVOS

Morel (2004)

Organizar sistemas de pesquisa em saúde baseados em prioridades sanitárias e assegurar a incorporação dos resultados às políticas e ações de saúde. Avanços na área biomédica, em particular em genômica, abrem novas oportunidades, mas impõem desafios adicionais.

Rezende (2008ª)

O papel prioritário dos Estados nacionais fica evidente quando se trata de combater, simultaneamente, diferenciações político-econômicas e diferenciações cultural-valorativas. 19


Diniz e Diniz (2009)

Delimitação espacial bem definida no país, com os estados das regiões Norte e Nordeste situando-se entre os dez de piores índices, à exceção do Estado do Rio Grande do Sul.

Barden (2010)

Resultados importantes em relação aos seus propósitos no período anterior à crise de 2008-2009. No período pós-crise, os avanços foram contidos e desaceleraram.

Rezende (2012)

Os déficits educacionais, o não acesso aos bancos escolares, as taxas de analfabetismo, a não universalização da educação para homens e mulheres acabam por destruir qualquer possibilidade de melhoria da renda e da longevidade. O desenvolvimento humano é inteiramente dependente dos avanços educacionais. Sem eles não há avanços em quaisquer outras áreas.

Nascimento et al. (2014)

Os impactos das agendas foram detectados para a redução da fome e o aumento do acesso universal à educação: “Percentagem de crianças menores de um ano com proteína/ desnutrição calórica” (efeito de interação: p = 0,02) e “distorção idade-série na 8ª série do ensino fundamental” (efeito de interação: p < 0,001).

Silva et al. (2015)

Mudanças importantes ocorreram em indicadores demográficos e de saúde no período de 20 anos no Brasil, incluindo a redução de 81% na taxa de mortalidade infantil e o aumento de 43% na taxa de aleitamento materno. A prevalência de desnutrição crônica diminuiu 28,13%; e desnutrição aguda, 13,5%.

4 DISCUSSÃO 4.1 INSTRUMENTOS CONSTRUÍDOS O Brasil implementou inúmeras ferramentas para alcançar as metas: o Portal ODM; o Prêmio ODM Brasil; a Agenda de Compromissos; os Núcleos ODM; o Projeto Universitário do Milênio; os Movimentos, entre outros. Para conscientização e mobilização, a sociedade e os governos brasileiros em torno do tema, em 2004, o governo federal, o Programa das Nações Unidas pelo Desenvolvimento (PNUD) e organizações da sociedade civil e do setor produtivo uniram-se ao Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade. No mesmo ano, foi instituído o prêmio ODM Brasil, com o objetivo de: incentivar o desenvolvimento de ações e projetos que contribuíssem para o cumprimento dos ODM; valorizar e dar maior visibilidade a essas práticas; e desenvolver um banco de práticas bem-sucedidas, que fossem referências de política pública para a sociedade e os governos (PORTAL ODM BRASIL, 2015) Em 2005, teve início a campanha “8 Jeitos de Mudar o Mundo”, que se tornou um percussor de comunicação. Foram criados, voluntariamente, pela equipe da agência McCann-Erickson, os logotipos e as mensagens da campanha, que idealizou oito ícones que representam os ODM (Figura 6), e que, rapidamente, se espalharam pelo território nacional. Pela força comunicativa e clareza, os símbolos também foram adotados por outros países e pela própria sede das Nações Unidas, conforme o Portal ODM.

Figura 6 – Ícones que representam os objetivos de desenvolvimento do milênio Fonte: www.odmbrasil.gov.br

Em 2006, os núcleos de movimento estaduais começaram a ser criados, iniciando por Paraná e Paraíba, e logo depois, em 2008, Minas Gerais; e, em 2012, todos os estados brasileiros estavam atuando de forma contínua e estruturada (NÓS PODEMOS PARANÁ, 2015). Dentre os movimentos estaduais, os métodos utilizados pelo Nós podemos Paraná se destacaram, nos últimos anos. A metodologia própria do movimento valoriza o compartilhamento de conhecimentos e experiências locais e estimula a comunidade a realizar, voluntariamente, ações e projetos destinados ao desenvolvimento local sustentável. Todas as estruturas que compõem o movimento estão embasadas no diálogo. (DRAGO; SILVA; SATO, 2014). A estrutura dessa metodologia para a mobilização da sociedade civil conta com: Núcleo Articulador; Círculos de Diálogo; Núcleos Locais de Trabalho; e Círculos de Conhecimento.

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O Núcleo Articulador é o responsável pela articulação de todo o processo de mobilização no estado. Os Círculos de Diálogo são encontros envolvendo os três setores da sociedade, para dialogar sobre os indicadores do milênio, incentivar o trabalho voluntário e propor ações e projetos voltados ao alcance dos ODM. Nesses encontros se utiliza a metodologia baseada na Investigação Apreciativa, cujo foco principal é o diálogo positivo, visando traçar um plano de ação voltado para as prioridades da comunidade. Os participantes são distribuídos em mesas de diálogo, compostas, preferencialmente, com representantes dos três setores da sociedade, permitindo a troca de experiências e a efetiva contribuição que cada setor pode oferecer. O produto final dessa atividade, com duração média de quatro horas, é a formação de um núcleo “Nós Podemos”, que será responsável pela articulação de projetos e ações que promovam os ODM no município (NÓS PODEMOS PARANÁ, 2015). Os Núcleos Locais de Trabalho são compostos de pessoas com diferentes papéis sociais, engajados em cada município, cujo objetivo consiste em manter viva a dinâmica das atividades na localidade e, em especial, apoiar seus Grupos de Projetos. Por fim, os Círculos de Conhecimento viabilizam a análise de oportunidades locais e identificam potenciais projetos e ações a serem apresentados nos Fóruns Locais (NÓS PODEMOS PARANÁ, 2015). O Nós Podemos estaduais constituíram um novo momento dos ODM no país, pois atuaram de forma mais focalizada nas questões de cada estado – formaram parcerias fortes entre empresas locais, a sociedade civil, universidades e governo. Assim, a tarefa de criar uma consciência nacional pelo cumprimento dos ODM exige, certamente, uma ação articulada entre todos os entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Grande parte dos esforços depende dos gestores locais; os municípios podem e devem assumir um papel de protagonistas do desenvolvimento, pois estão mais próximos da população. Eles têm uma posição estratégica na hora de dialogar e estão aptos a compreender os anseios da comunidade. Nesse contexto, foram desenvolvidos os “Nós Podemos Municipais”, em 2010. Ainda neste âmbito, alguns autores descrevem novos meios que auxiliariam no cumprimento das metas (DIXIS, 2007; GARRITY, 2004; YUAN et al., 2011; REZENDE, 2008a; MOREL, 2004). Dixis (2007) ressalta que para o alcance do ODM 1 e do ODM 4, a segurança alimentar deve ser promovida combinando ações dirigidas à rentabilidade da agricultura em pequena escala, com medidas orientadas a ampliar o acesso aos alimentos. O autor evidencia que a metade das mortes de crianças menores de cinco anos se deve a cinco doenças: pneumonia, diarreia, malária, sarampo e Aids, sendo que mais da metade dessas mortes são relacionados à má nutrição. As medidas para melhorar a nutrição infantil e reduzir a fome, adicionadas a estratégias simples e de baixo custo para a prevenção e o tratamento das doenças infecciosas, tornariam possível conservar a maioria das vidas.

Já Garrity (2004) analisa o papel dos sistemas agroflorestais como estratégia para cumprir as metas dos ODM. Prenunciando vias agroflorestais para aumentar a produção e a renda alimentos on-farm contribuem para o ODM 1. Esses avanços incluem sistemas de árvores de fertilizantes para pequenos produtores com acesso limitado a colheitas adequadas, nutrientes, e corte de árvore expandido, e melhora do processamento do produto da árvore e do marketing. Esse progresso também pode ajudar a resolver a falta de oportunidades empresariais em fazendas de pequena escala, retornos desiguais para os agricultores de pequena escala (especialmente mulheres), a desnutrição infantil, e déficits de produtos de árvore nacional (especialmente madeira). Yuan et al. (2011) discutem cada um dos ODM e fornecem exemplos para mostrar como a biotecnologia vegetal pode ser capaz de acelerar o progresso em direção aos objetivos dos ODM declarados, e opina sobre a probabilidade da implantação dessa tecnologia. Em conciliação com outras estratégias, a biotecnologia vegetal pode dar um contributo para o desenvolvimento sustentável no futuro, embora, na medida em que seja possível fazer progressos no clima político de hoje, isso dependa de como se tratam as barreiras existentes para sua adoção. Por fim, como instrumento de implementação dos ODM também se formam as parcerias – o trabalho conjunto de Estado, empresas e sociedade civil, que tem proporcionado avanços transformacionais. A participação social é o elemento fundamental para a disseminação e o alcance dos ODM, sendo que alguns cientistas sociais têm discutido sobre a impossibilidade de avançar na construção de um mundo mais inclusivo sem uma ampla mobilização social, que reclame e imponha soluções capazes de valorizar o Estado-Nação (REZENDE, 2008b). 4.2 AVANÇOS E DESAFIOS ENCONTRADOS Com relação aos desafios encontrados no alcance das metas, os artigos analisados identificam tópicos que descrevem, em especial, sobre as dificuldades políticas que a corresponsabilização de diversos segmentos sociais gera sobre a sociedade. Barden (2010) destaca os efeitos da crise econômica mundial de 2008-2009 quanto ao cumprimento dos ODM. O autor identifica que a partir das crises dos alimentos, dos combustíveis e, em especial, da economia, os avanços desaceleraram; dentre os resultados pós-crise, as menores taxas de crescimento significam menor possibilidade de arrecadação via governos e, consequentemente, menos possibilidades de investimentos e transferências de renda para os programas sociais que visam aliviar as necessidades mais urgentes, principalmente a pobreza. O Brasil desempenhou papel fundamental na implementação dos ODM, elaborando inúmeras ferramentas que tornaram possível o alcance das metas nacionais. Em relação ao cumprimento do ODM 1, o país obteve um progresso constante. Originalmente, a intenção era reduzir, até 2015, a pobreza extrema e a fome à metade do nível de 1990. Posteriormente, o Brasil adotou metas mais rigorosas que as internacionais: a redução da pobreza

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extrema a um quarto do nível de 1990 e a erradicação da fome. Em 2012, considerando os indicadores escolhidos pela ONU para monitoramento do ODM 1, o Brasil já havia alcançado tanto as metas internacionais quanto as nacionais, finalizando, em 2015, um sétimo da pobreza que tinha inicialmente (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2014). O Brasil também tem tido um progresso constante no cumprimento do ODM 2. A universalização do acesso ao ensino fundamental foi alcançada e houve melhoria substantiva do fluxo. A porcentagem de jovens de 15 a 24 anos com, pelo menos, seis anos completos de estudo passou de 59,9% para 84%, em 2012. Ou seja, a porcentagem de jovens que não tiveram a oportunidade de completar um curso primário havia caído, em 2012, a dois quintos do nível de 1990. Em 2012, praticamente todos os jovens de 15 a 24 anos estavam alfabetizados, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2014). A paridade entre os sexos dos estudantes do ensino fundamental de sete a 14 anos foi alcançada em 1990. No ensino superior, em 1990, para cada cem homens frequentando escolas superiores havia 126 mulheres; e, em 2012, 136. A força de trabalho feminina em atividades, fora a agricultura, já era de 42,7%, em 1992, e passou para 47,3%, em 2012. As mulheres chegam a 59,5% dos empregados, no setor não agrícola, com educação superior. Um marco no ODM 3 foi a eleição, em 2010, da primeira mulher presidenta do país. Referente ao ODM 4, à frente de muitos países, o Brasil alcançou a meta. A taxa caiu de 53,7, em 1990, para 17,7 óbitos por mil nascidos vivos, em 2011 (IPEA, 2014). Ainda conforme dados do Ipea (2014), a taxa de detecção de HIV/Aids se estabilizou, nos últimos dez anos, em torno de 20 por cem mil habitantes diagnosticados por ano, e o coeficiente de mortalidade pela doença diminuiu. Os registros entre crianças menores de cinco anos também caíram consideravelmente, entre 2001 e 2012, passando de cinco para 3,4 por cem mil habitantes. De 1990 a 2012, a incidência parasitária anual (IPA) de malária, no Brasil, caiu de 3,9 casos para 1,3, por mil habitantes; e a de tuberculose, de 51,8 para 37 casos, por cem mil habitantes. Ou seja, o país alcançou, antes do prazo estipulado, a meta de reduzir a incidência das duas doenças monitoradas pelos indicadores oficiais da meta C do ODM 6. Já em relação ao ODM 7, o Brasil já cumpriu, integralmente, a meta C: em 2012, as porcentagens de pessoas sem acesso à água e sem acesso a esgotamento sanitário já estavam abaixo da metade do nível de 1990. No Brasil, a população urbana em condições de moradia inadequada caiu de 53,3%, em 1992, para 36,6%, em 2012, um avanço significativo – dados do Ipea (2014).

De acordo com o ODM 8, o Brasil está comprometido com a superação das divergências e com a adoção de compromisso político que seja traduzido em ações concretas com vistas à rápida conclusão da Rodada Doha5. O Brasil tem sido um participante ativo no sistema de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC). A diplomacia brasileira tem no multilateralismo comercial foco importante de trabalho, tanto na perspectiva de reforma do sistema internacional quanto na relevância que desempenha para impulsionar o desenvolvimento dos países mais pobres, visando ampliar os canais de participação das nações em desenvolvimento na reconfiguração da ordem econômica internacional. Um dos maiores desafios, para o Brasil, é a redução da mortalidade materna (ODM 5) na magnitude preconizada pela meta. É importante ressaltar, no entanto, que o desempenho do país foi melhor do que as médias registradas nas nações em desenvolvimento e na América Latina; essa foi a única meta não alcançada pelo Brasil (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2014). Apesar de todos os ganhos notáveis com os ODM, as desigualdades persistem, o progresso tem sido desigual entre regiões e países, deixando lacunas significativas. Desse modo, uma nova agenda teve início em 2016, buscando integrar as dimensões econômica, social e ambiental. 5 CONCLUSÕES O estudo objetivou investigar os instrumentos utilizados e propostos para o alcance das metas, os desafios enfrentados pelos países durante esse processo e os resultados nacionais alcançados. As literaturas estudadas indicaram que os países enfrentaram grandes dificuldades em relação às metas idealizadas, sendo que cada país tem suas peculiaridades, como as questões culturais, econômicas e políticas. Além disso, a relação de desigualdade entre estados e países também foi algo pertinente, muitos autores realizaram comparativas a partir de indicadores. Assim, os resultados da pesquisa indicaram os objetivos da saúde como os mais estudados no Brasil, e os que têm o maior número de artigos publicados. Nos mesmos artigos, se destacou a implementação de diversas ferramentas, por estas vincularem todos os setores e a sociedade civil na prática dos ODM e por apresentarem comprometimento nas ações em torno das metas na área da saúde. Os avanços nacionais foram notáveis, mas o objetivo de um mundo mais solidário e justo ainda não foi totalmente alcançado. Há desigualdades; a fome e a injustiça ainda persistem e muito tem que ser trabalhado para que o mundo que se almeja se torne realidade. E, para esse avanço ser desenvolvido, uma nova agenda foi lançada – os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O Brasil tem mostrado grande empenho no processo em torno dos ODS, com representação nos diversos comitês criados para apoiar o processo pós-2015.

5. Conforme o Ipea (2006), em novembro de 2001, foi realizada a IV Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), evento considerado da mais alta instância da OMC e se deu em Doha, no Qatar. O objetivo era derrubar barreiras comerciais e facilitar o acesso aos mercados, para incentivar o intercâmbio internacional. Os países mais fortes em agronegócios, entre eles o Brasil, queriam vender para os mais industrializados, e vice-versa, tendo sido estabelecido um prazo de quatro anos para negociação. Durante esse período ocorreriam mais duas conferências ministeriais denominadas Rodadas de Doha, porque elas davam continuidade aos debates iniciados na reunião de Doha. 22


Ainda em relação ao Brasil, durante a implementação dos ODM as transformações foram inúmeras; espera-se que o trabalho seja contínuo e que haja um engajamento maior da população. Os resultados abordados no artigo de alguns autores podem ser avaliados para a utilização nos cumprimentos dos ODS, as ferramentas implantadas no Brasil, precisão ser aprimoradas para esse novo momento. No Brasil, obtiveram-se políticas públicas com foco nos objetivos que auxiliaram no alcance das metas, porém, foi vista a necessidade da formação de alianças intersetoriais, ou seja, os três setores (governo, empresas e ONGs) atuando em conjunto e de forma estruturada. Portanto, conclui-se que os esforços para o alcance dos ODM foram de grande importância para o desenvolvimento dos países e influenciaram a vida de milhões de pessoas, e que os ODS têm por objetivo dar continuidade a esse projeto, ampliando seu viés social também para os aspectos econômico e ambiental. REFERÊNCIAS BARDEN, Júlia Elisabete. A crise mundial e a promoção do desenvolvimento humano. Diálogo, n. 16, p. 143-156, 2010. BROLAN, Claire E. et al. Back to the future: what would the post-2015 global development goals look like if we replicated methods used to construct the Millennium Development Goals? Globalization and health, v. 10, n. 1, p. 1, 2014. DINIZ, Marcelo Bentes; DINIZ, Marcos Monteiro. Um indicador comparativo de pobreza multidimensional a partir dos objetivos do desenvolvimento do milênio. Economia Aplicada, v. 13, n. 3, p. 399-423, 2009.

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foto: Caio Cavalcante dos Santos/ PNUD Brasil

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4. Descomplicando a Informação: Portal ODM Autora: Diva Irene da Paz Vieira Coautores: Isabela Drago Paulo Cezar Galvão Pinto Willian Biora Teodoro Yara Prates Kenappe RESUMO Poderoso aliado e, ao mesmo tempo, importante desafio ao exercício da cidadania e à realização de ações transformadoras é o acesso a informações que orientem as escolhas. O Observatório de Indicadores de Desenvolvimento do Sesi – PR propôsse a contribuir nesse sentido, disseminando, desde 2004, informações, conhecimento e tecnologias que sirvam para subsidiar ações voltadas a promover o desenvolvimento das localidades. Aplicação bem-sucedida são os Relatórios Dinâmicos do Portal ODM, que acompanham a situação dos Indicadores do Milênio de todos os estados e municípios brasileiros. As informações são atualizadas permanentemente e apresentadas em gráficos, mapas e análises textuais, concentrando, em um único sistema, o que se encontra disperso em diversas fontes oficiais. O portal superou 20 milhões de páginas vistas e 2,4 milhões de acessos, com média de 44 minutos. A maneira inovadora e amigável como as informações são disponibilizadas faz desse espaço um produto único para fortalecer processos de participação social. Palavras-chave: ODM; indicadores do milênio; gestão do conhecimento

1 INTRODUÇÃO Segundo Reis, Silva e Massensini (2011, p. 17), “[...] ouvimos de forma recorrente o discurso no qual se dá ênfase à necessidade de se obter e ter informação, bem como à relevância de garantir nossos direitos através do exercício da cidadania”. Desse modo, qualquer ação executada de maneira profissional e responsável para organizar e disseminar informações relevantes aos processos de participação social constitui-se em iniciativa valorosa, tanto por fortalecer os processos de participação, quanto por potencializar o uso de informações e tecnologias já disponíveis.

estratégia de mobilização da sociedade, pela compreensão de que o desenvolvimento é tarefa não só do Estado, mas deve contar com a participação de todos os setores.

Em outubro de 2003, em Curitiba, foi realizada a Conferência Internacional de Indicadores de Desenvolvimento Sustentável e Qualidade de Vida (Icons), quando especialistas de várias partes do mundo dialogaram sobre alternativas de indicadores para medir a prosperidade e a qualidade de vida em todo o planeta. Desse diálogo, em 2004, formou-se equipe para estruturar o Observatório de Indicadores de Desenvolvimento do Sesi, no Paraná.

A estratégia de mobilizar a sociedade, com o suporte de informações, oferece aos atores melhores condições para compreender a realidade local, definir projetos e ações, verificar resultados e assumir plenamente a cidadania.

As atividades do Observatório tiveram início em 2004, com a missão de contribuir para o desenvolvimento sustentável do Estado, por meio do monitoramento, análise e disseminação de indicadores, visando possibilitar análises locais e subsidiar tomadas de decisão de instituições públicas e privadas, ONG e da sociedade em geral. Como conjunto básico para o trabalho, foram escolhidos os indicadores dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), pois compõem a agenda mundial mínima promotora de progresso, acordada em 2000, por 191 países. Em 2006, verificou-se que a disseminação de informações, por si só, era insuficiente, agregando-se à ideia inicial a

O Sesi, no Paraná, resolveu ser protagonista desse processo, liderando atividades de mobilização e articulação de empresas, governos e organizações do terceiro setor, na condição de instituição-âncora do Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade – Nós Podemos Paraná, sendo realizadas ações em prol dos ODM em praticamente todos os municípios paranaenses.

O sucesso dos trabalhos impulsionou a criação, em 2009, do Portal ODM (www.portalodm.com.br), que possibilitou levar a todos os estados e municípios brasileiros a situação dos indicadores do milênio nas localidades, em parceria com a Secretaria-Geral da Presidência da República, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), entre outros. Um grande desafio nesse processo de disponibilização de informações é como torná-las insumo efetivo para promover o desenvolvimento sustentável e a qualidade de vida das pessoas, já que, sendo um instrumento social, essas informações sempre irão depender dos atores que as produzem, divulgam e utilizam. Assim sendo, tão importante como definir o universo das informações é identificar os atores-chave que delas poderão fazer uso. 25


No Sistema Relatórios Dinâmicos do Portal ODM, as informações são apresentadas de maneira simples, com gráficos e textos explicativos, possibilitando o fácil acompanhamento, por qualquer pessoa interessada, de indicadores relevantes sobre o desenvolvimento de todas as localidades do país.

desse pacto. Isso indica que é muito mais do que uma proposta de determinado governante, partido político ou grupo social: constitui-se em um compromisso de Estado para tornar o país melhor, que, para ser alcançado, precisa do esforço integrado de todos os setores da sociedade, de acordo com as competências de cada um.

A informação é valiosa, precisamente, porque alguém deu a ela um contexto, um significado, acrescentou a ela sua própria sabedoria, considerou suas implicações mais amplas, gerando o conhecimento. O conhecimento, consequentemente, é tácito e difícil de explicitar. “Quem quer que já tenha tentado transferir conhecimento entre pessoas ou grupos sabe como é árdua a tarefa. Os receptores devem não apenas usar a informação, mas também reconhecer que de fato constitui conhecimento” (NONAKA apud DAVENPORT, 1998, p. 19).

A base de dados do Sistema Relatórios Dinâmicos do Portal ODM foi estruturada a partir de um conjunto mínimo de indicadores, contemplando aspectos demográficos, econômicos, sociais e ambientais, atualizada com dados secundários produzidos por órgãos oficiais reconhecidos (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE; Ministério da Educação; Ministério da Saúde; Ministério do Trabalho e Emprego, entre outros), cuidando da fidedignidade de seu conteúdo, para que essa base possa ser utilizada de maneira segura.

Alguns teóricos da Administração, como Davenport (1998), Nonaka e Takeuchi (1997), Stewart (1998) e Sveiby (1998), apontam um novo direcionamento da comunicação voltado, principalmente, às questões relacionadas à transmissão da informação e do conhecimento organizacional (ANGELONI; FERNANDES, 1999).

O Observatório, além de definir e monitorar indicadores, tem subsidiado a realização de análises sobre o alcance das metas do milênio, concretizadas em materiais disseminados amplamente para governos, empresas, ONG e a sociedade em geral.

Os conceitos de dado, informação e conhecimento estão estritamente relacionados à sua utilidade no processo decisório e ligados ao conceito de comunicação. O processo de comunicação é uma sequência de acontecimentos em que dados, informações e conhecimentos são transmitidos de um emissor para um receptor. Segundo Davenport (1998), uma das características da informação consiste na dificuldade de sua transferência com absoluta fidelidade e sendo o conhecimento a informação dotada de valor, consequentemente, a transmissão é ainda mais difícil. Atualmente, existem inúmeros mecanismos e suportes informacionais de que se pode dispor no apoio à participação social, tais como: redes sociais, portais, sites, e-governo, conferências on-line, educação a distância, grupos de discussão, bancos de dados oficiais (MARCONDES, 1999), os quais, ao reduzirem barreiras geográficas, possibilitam novas formas de acesso à informação, com rapidez e amplo alcance, contribuindo para superar esse desafio. Desse modo, as novas tecnologias são cada vez mais indispensáveis no nosso cotidiano. Marcondes (1999) destaca ser inquestionável o papel central que desempenham hoje as tecnologias de informática, computação e comunicação nas práticas de informação.

3 O PORTAL ODM E OS RELATÓRIOS DINÂMICOS COM A EVOLUÇÃO DAS METAS DO MILÊNIO O Portal ODM está estruturado em dois principais conjuntos de informações: o Sistema Relatórios Dinâmicos, contendo 70 indicadores relacionados à demografia, aspectos sociais, econômicos e ambientais de todos os estados e municípios, com ênfase nas metas dos ODM; as seções Notícias, Biblioteca Multimídia, Entrevistas e Opiniões, Dicas, Calendário de Eventos, todas trazendo conteúdos a respeito dos temas contemplados na agenda do milênio, com o objetivo de reunir informações tão variadas, mas inter-relacionadas, em um ambiente de fácil acesso. 3.1 SISTEMA RELATÓRIOS DINÂMICOS DO PORTAL ODM A partir de 2009, os trabalhos realizados pelo Observatório de Indicadores de Desenvolvimento do Sesi – PR, que até então se restringiam ao estado do Paraná e todos os seus municípios, passaram a contemplar Relatórios Dinâmicos do Portal ODM (www.portalodm.com.br) de forma desagregada a todos os estados e municípios do Brasil. Em 2014, ganhou novos recursos e novos indicadores, gráficos interativos e visual mais moderno, com o apoio da Caixa Econômica Federal.

2 METODOLOGIA DE TRABALHO DO OBSERVATÓRIO Um observatório de informações é um organismo que, mediante o uso de indicadores, monitora e apresenta resultados a respeito de um objeto ou tema desejado; neste caso, especialmente, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). O tema foi escolhido devido ao fato de tratar-se de um pacto mundial para melhoria das condições de vida das pessoas, envolvendo necessidades cotidianas relacionadas, praticamente, a todos os países do mundo, em maior ou menor grau. O Brasil é um dos signatários

Figura 1 – Sistema Relatórios Dinâmicos do Portal ODM Fonte: www.portalodm.com.br 26


Os Relatórios Dinâmicos apresentam, inicialmente, um breve perfil, a fim de permitir ao visitante ter uma ideia geral sobre a localidade de interesse, como sua data de fundação, área, população, taxa de urbanização, IDH, Coeficiente de Gini, entre outros indicadores, culminando com gráfico de alcance de cada uma das metas dos ODM.

é possível verificar, por exemplo, os níveis de superação da pobreza conseguidos, comparando-se a situação entre 2000 e 2010, além do porcentual de alcance da meta proposta pela agenda do milênio. O sistema permite, ainda, verificar um dos mais relevantes temas para o desenvolvimento do país, a educação. Ainda que os indicadores educacionais sejam cuidadosamente monitorados pelos órgãos responsáveis, não é comum serem de fácil acesso a outros interessados. No Portal ODM, qualquer instituição ou pessoa terá a possibilidade de conhecer a situação em que está – por exemplo, se as crianças e jovens matriculados no ensino fundamental estão concluindo os nove anos previstos e se as escolas do estado, ou do município, têm nota acima ou abaixo da média. Tudo isso, com a expectativa de aumentar a qualificação da participação social, além de ajudar na definição de projetos que contribuam para as melhorias desejadas. Ainda essencial para a conquista da prosperidade, somamse à educação os temas da saúde e saneamento. O portal apresenta alguns dos mais relevantes indicadores, como a mortalidade infantil e materna, a gravidez na adolescência, o acesso à água potável e a esgoto adequado, além da coleta de resíduos. As informações disponibilizadas são atualizadas permanentemente, a partir de fontes oficiais, por isso o nome Relatório Dinâmico. Desse modo, garantem-se a confiabilidade no sistema e a comparabilidade entre localidades. Destaca-se um importante recurso oferecido pelo Portal ODM, que, na mesma consulta – além de conhecer a situação de determinada localidade –, permite fazer comparações entre estados, ou entre estados e municípios, ou ainda entre municípios e municípios. Tudo de forma fácil e intuitiva, a fim de tornar, cada vez mais palatável, a leitura e a compreensão dos indicadores. Caso o usuário queira, poderá baixar a análise integral com todos os indicadores, na versão em PDF. O Portal ODM é isso e muito mais. Ele potencializa as ações de divulgação dos ODM. Torna muito mais compreensível essa extraordinária proposta para tornar o mundo melhor, à medida que esclarece e orienta a adesão, tanto de instituições quanto dos cidadãos em geral, levando à realização de iniciativas sintonizadas com a missão e as possibilidades de cada um. Racionaliza o uso dos recursos, propicia ações transformadoras.

Figura 2 – Portal ODM – Perfil Estadual Fonte: www.portalodm.com.br

O Portal ODM não tem a pretensão de substituir os sofisticados sistemas de informação públicos utilizados – sobretudo pelos governos – para suas definições de políticas e programas. Mas, tem, sim, a pretensão de tornar o controle e a participação social mais efetivos, oferecendo informações, de forma bastante simples e acessível, sobre o conjunto de objetivos estabelecidos pelas Nações Unidas, na Cúpula do Milênio, como um plano mínimo de desenvolvimento para todo o mundo, com o qual todos possam contribuir.

Na sequência, é apresentado cada um dos ODM, com suas respectivas metas e indicadores, séries históricas, sempre que estiverem disponíveis, e análises e comentários. Assim, 27


4 RESULTADOS O Portal ODM, até 2014, contava com 20 milhões de páginas vistas, mais de 2,4 milhões de acessos e 40 mil novos visitantes ao mês, com média de navegação de 44 minutos por visitante, demonstrando índices mínimos de rejeição. Desde o lançamento, em 2009, todos os municípios brasileiros já foram acessados; mesmo estando disponível apenas em português, 2% dos acessos são de outros países.

Comecei a usar, pois todos falavam bem. Então acessei e confirmei que é uma base interessante para se trabalhar. Fiz a impressão dos relatórios e apresentei o material ao prefeito do meu município, destacando o que havia de melhor. Depois, apontei aqueles indicadores que não estavam tão bem, sempre falando que a informação serve para orientar os trabalhos. 4 CONCLUSÃO É crescente em todo o mundo a importância das informações e, mais ainda, quando são associadas às tecnologias de informação e comunicação. Para funcionar bem, tudo precisa de uma quantidade razoável de informação que oriente as tomadas de decisão, resultando em sucesso das iniciativas. As tecnologias disponíveis facilitam o processo de organização, apropriação e disseminação das informações, ainda que exijam a superação de grandes desafios e o domínio de novas competências; mas, oferecem, também, oportunidades antes impossíveis. O Sistema Relatórios Dinâmicos do Portal ODM procura aliar essas possibilidades. Segundo Castells (2015), “a educação tem que mudar, isso é o mais importante, pelo fato de a educação ser, talvez, a instituição mais atrasada e conservadora em todos os países. Não se trata de educar só pela internet. Trata-se de uma educação que forme pessoas com capacidade mental autônoma de processar informação e aplicá-la a cada tarefa e projeto de vida”.

Figura 3 – Portal ODM Fonte: www.portalodm.com.br

Em 2013, ganhou o Prêmio Finep da Região Sul, categoria Tecnologia Social, além do Green Project Awards – Brasil. Foi certificado pelo Prêmio de Dubai 2008 como uma das melhores práticas em favor do desenvolvimento local, e incluído no 3º Catálogo Ibero-Americano de Melhores Práticas, publicado pelo Un-Habitat e o governo da Espanha, como uma das dez melhores práticas brasileiras. A Secretaria-Geral da Presidência da República e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) – responsáveis pelo projeto ODM no Brasil – recomendam aos estados e municípios a utilização dessa tecnologia. Em 2014, por ocasião dos cinco anos de funcionamento, recebeu placa de reconhecimento do PNUD por sua relevância no monitoramento dos indicadores do milênio e a contribuição no alcance dos ODM no Paraná e no Brasil. São inúmeros os depoimentos de visitantes sobre a relevância do Portal ODM no trabalho que desenvolvem em municípios, empresas, ONGs, entre eles pesquisadores, professores, estudantes e outros. Para ilustrar, está transcrito o depoimento de Sueli Peres, do Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade – Nós Podemos Rio Grande do Sul, ao utilizar o Sistema:

Mais de 70% dos municípios brasileiros têm menos de 20 mil habitantes, portanto, não dispondo – quase sempre – de pessoal especializado, ainda que existam algumas bases de dados municipais. O Sistema Relatórios Dinâmicos do Portal ODM, ao disseminar informações de forma facilmente compreensível a todas as pessoas – informações que, inicialmente, poderiam parecer muito complexas – gera maior conhecimento sobre a realidade local, contribuindo para o efetivo exercício da cidadania, inspirando a realização de projetos e ações em sintonia com as reais necessidades e potencialidades, além de mobilizar novos atores capazes de incrementar a participação cidadã e fortalecer a democracia. O sucesso da prática apresentada reflete-se em seus indicadores de acesso e na aceitação por parte dos usuários, além dos prêmios e reconhecimentos recebidos. Mas, o verdadeiro reconhecimento vem ao se perceber que as informações disseminadas estão sendo utilizadas e que, a partir delas, surgem decisões transformadoras que promovem o desenvolvimento das localidades e a qualidade de vida das pessoas. Esta é a verdadeira contribuição da experiência retratada. REFERÊNCIAS ANGELONI, M. T.; FERNANDES, C. B. A comunicação empresarial. Florianópolis. Revista de Ciências da Administração, v. 1, n. 2, ago. 1999.

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CASTELLS, M. A comunicação em rede está revitalizando a democracia. Fronteiras do Pensamento, 11 mai. 2015. Entrevista concedida a Malu Fontes, Correio da Bahia. Disponível em: <http://www.fronteiras.com/ entrevistas/manuel-castells-a-comunicacao-em-rede-estarevitalizando-a-democracia>. Acesso em: 11 jun. 2015. DAVENPORT, T. H. Ecologia da informação: por que só a tecnologia não basta para o sucesso na era da informação. São Paulo: Futura, 1998. MARCONDES, Carlos Henrique. Tecnologias de informação e impacto na formação do profissional de informação. Campinas. Transinformação, v. 11, n. 3, p. 189-194, 1999. PORTAL ODM. Disponível em: <www.portalodm.com.br>. Acesso em: 18 jun. 2015. REIS, Alcenir; SILVA, Alberth; MASSENSINI, Rogério. Informação e cidadania: conceitos e saberes necessários à ação. In: MOURA, Maria Aparecida. (Org.). Cultura informacional e liderança comunitária: concepções e práticas. Belo Horizonte: UFMG-Proex, 2011, p. 17-25. SERVIÇO SOCIAL DA INDÚSTRIA DO PARANÁ. Construção e análise de indicadores. Curitiba: [s. n.], 2011.

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5. Desenvolvimento Econômico Local: uma experiência inovadora para a diminuição do desemprego na cidade de Teresina – PI Autor: Fábio Alves Camelo6 RESUMO A cidade de Teresina, capital do Piauí, tem como peculiaridades algumas características que a tornam uma cidade com grande potencial de desenvolvimento. Entretanto, defronta-se com o desemprego, principalmente entre a população jovem. Para solucionar o problema do desemprego dessa população era necessário eleger uma atividade que se adequasse à necessidade de criação de muitos empregos, seguindo-se dois critérios: direcioná-los aos mais jovens; e não exigir experiências anteriores. O segmento escolhido com bases em dados do cenário nacional, depois de pesquisa levantada pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo (Semdec), foi o segmento de call centers, por apresentar um grande potencial de empregabilidade na região na qual se instalam. Os resultados obtidos têm por base principal os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), e apontam para um projeto que alcançou seu objetivo amplo: a redução da taxa de desemprego entre a parcela jovem da população teresinense, no período 2013-2015. Palavras-Chave: Call Centers. Desenvolvimento. Desemprego. Empregabilidade.

1 INTRODUÇÃO Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, criados pela Organização das Nações Unidas (ONU), totalizam oito metas, a saber: 1. acabar com a fome e a miséria; 2. oferecer educação básica de qualidade para todos; 3. promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; 4. reduzir a mortalidade infantil; 5. melhorar a saúde das gestantes; 6. combater a Aids, a malária e outras doenças; 7. garantir qualidade de vida e respeito ao meio ambiente; e 8. estabelecer parcerias para o desenvolvimento. Entre as metas estabelecidas para a promoção do desenvolvimento humano, este trabalho teve como foco a análise da experiência implementada na cidade de Teresina, Piauí, para alcançar a oitava meta: “Estabelecer Parcerias para o Desenvolvimento”. A preocupação com a questão do emprego possibilitou a criação de um mecanismo de desconcentração de renda ao mesmo tempo que promoveu a inclusão de parcela da população sem oportunidades de ingressar no mercado de trabalho. Em 2013, a cidade de Teresina oportunizou o crescimento da oferta de emprego, principalmente para a população jovem, entre 18 e 24 anos, por meio de uma política municipal de incentivo fiscal direcionada a um setor de mercado que demandava um grande número de empregos. Espera-se que essa política possa ser replicada com as devidas observações relativas à adaptação da realidade local pelos gestores públicos que queiram implementar política similar. O projeto tem como delimitação geográfica a cidade de Teresina, capital do Piauí; o município tem como peculiaridades algumas características que o tornam uma cidade com grande potencial de desenvolvimento. Entretanto, defronta-se com a seguinte problemática: criar mecanismos para superar o desemprego entre os jovens

e, com isso, fomentar o emprego e renda. Pensando em contornar esse problema, buscou-se analisar, por meio de estudos de mercado, uma atividade que se ajuste à necessidade de criação de muitos empregos, e que estes fossem direcionados aos mais jovens e não exigissem experiências anteriores. O segmento escolhido com bases em dados do cenário nacional mediante pesquisa feita pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo (Semdec) foi o segmento de call centers, que se caracteriza por apresentar um grande potencial de empregabilidade na região em que se instalam. Para dar base a essa política, foi idealizada a elaboração de uma legislação específica para os call centers, promovendose a articulação com as empresas, poder legislativo local, técnicos e instituições ligadas aos jovens, com o objetivo de viabilizar a geração de empregos entre os jovens de 18 a 24 anos. Os resultados obtidos tendo por base os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) apontam que o projeto alcançou seu objetivo: a redução da taxa de desemprego entre a parcela jovem da população teresinense. A metodologia da pesquisa foi qualitativa e quantitativa, com a utilização da análise conceitual e a verificação de dados estatísticos sobre a criação de empregos, no município de Teresina, e foi baseada nos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). A pesquisa foi do tipo dedutivo, com dados indiretos e de caráter bibliográfico. Além desta introdução, o artigo divide-se nas seguintes seções: a primeira, a Endogeneização no Desenvolvimento Econômico Local, esboça as bases teóricas e o contexto de atuação da política, o município de Teresina – PI, na resolução dos problemas dentro do espectro do desenvolvimento

Economista, Mestre em Ciência Política e Especialista em Gestão Pública Municipal pela Universidade Federal do Piauí. Servidor público da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e turismo de Teresina. fbcamelo@hotmail.com. 30


local. A segunda seção descreve o contexto em que se desenrola o problema e a articulação entre os atores da política; na terceira seção, explana-se sobre a construção de um indicador confiável para aferir o êxito do projeto; a quarta seção apresenta os resultados observados segundo os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged); na quinta, as considerações finais. 2 A ENDOGENEIZAÇÃO NO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO LOCAL Amaral Filho (2001) investigou o processo de endogeneização nas teorias de desenvolvimento regional, visando apontar as novas estratégias de desenvolvimento regional e local. O autor ressaltou a importância de apreender as formas de relacionamento entre os agentes locais, analisando suas relações de complementaridade sinérgica (o envolvimento entre os atores locais entre si e a relação entre estes com a matriz institucional em que se encontram, ocasionando, portanto, a endogeneização dos processos cumulativos de crescimento). Essa relação se coloca como a chave para o desenvolvimento municipal, que foi institucionalizado com a promulgação da Constituição Federal de 1988, resultando em um processo de descentralização intergovernamental e de ampliação da participação cidadã em relação aos negócios públicos. A Carta Magna colocou o município em destaque, dando autonomia a esse ente federativo, com a possibilidade de intervir e induzir o desenvolvimento local: “Constituição Federal-1988, Art. 30. Compete aos Municípios: I – legislar sobre assuntos de interesse local” (BRASIL, 2012, p. 12). Dentro desse contexto, o município é o responsável por oferecer soluções aos inumeráveis problemas demandados por parte da população. O tamanho do desafio e sua complexidade aumentam com as necessidades sempre em evolução, reflexos do crescimento da própria cidade, devendo adequar sua realidade administrativa para atender às novas atribuições e exigências decorrentes do rápido processo de evolução tecnológica e da descentralização crescente e, assim, promover o desenvolvimento econômico local. Nessa perspectiva, cabe ao setor público o papel de facilitador e fomentador das atividades produtivas, formulando e discutindo com os atores locais (empresários, empreendedores, lideranças comunitárias, sindicatos, universidades) estratégias de desenvolvimento econômico. Isso porque o governo municipal: [...] ancorado em suas competências constitucionais, pode promover medidas para fomentar a atividade empresarial, assim como ações voltadas a proporcionar aos munícipes, na qualidade de cidadãos e atores econômicos da comunidade, oportunidades de emprego, trabalho [...] (INSTITUTO BRASILEIRO DE ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL, 2009, p. 75).

O planejamento estratégico e a racionalização administrativa levam a uma adequada gestão dos negócios urbanos para a promoção das atividades produtivas e à criação de oportunidades de trabalho, via geração de emprego e renda. Nesse sentido, deve haver a elaboração e a implementação de uma política municipal voltada para a geração de oportunidades que levem a melhoria do bemestar e da qualidade de vida dos cidadãos, sobretudo dos mais jovens, por serem os mais atingidos pela falta de empregos ou por escassas oportunidades de ascensão social via mecanismo mercado de trabalho. Portanto, é um problema a ser enfrentado. 3 DIAGNÓSTICO A cidade de Teresina, capital do Estado do Piauí, possui uma posição de vantagem em relação às demais cidades piauienses, por ser centro político, econômico e prestador de serviços e representar um forte polo de atração de pessoas em busca de emprego e de serviços diversos. Esse cenário gerou um crescente índice de desocupação da força de trabalho local, mais precisamente a fatia jovem da População Economicamente Ativa (PEA). Segundo dados levantados do IDH-M7, a taxa de desemprego na cidade de Teresina – PI era de 16%, em 2000, passando para 9,42%, em 2010 (ATLAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO NO BRASIL, 2013). Apesar de os dados alcançados, em 2010, apontarem para um declínio do desemprego, o número se mostrou superior à média nacional divulgada pela Pesquisa Mensal de Emprego8, que alcançou 5%, em dezembro de 2010. Portanto, a taxa se mostrou relativamente alta e, por sua vez, tem representado o centro das demandas referentes à falta de oportunidades de emprego para os jovens – oportunidades que são muito poucas e, quando surgem, exigem como requisito principal a experiência de empregos anteriores. De acordo com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo (Semdec) de 2013, a exigência de experiência de empregos anteriores leva ao desestímulo dos jovens que buscam trabalho, agravando a situação. Pensando em contornar esse problema, buscou-se, por meio de estudos de mercado, encontrar uma atividade que se adequasse à necessidade da criação de muitos empregos e que estes fossem direcionados aos mais jovens, e que não exigissem experiências anteriores como pré-requisito. O segmento escolhido com bases em dados do cenário nacional de pesquisa levantada pela Semdec foi o segmento de call center 9, que se caracteriza por apresentar um grande potencial de empregabilidade na região onde se instalam essas empresas, e o número de empregos gerado costuma ser bastante elevado. Para implementar a vinda das empresas e comprovar que sua chegada e instalação eram ações de grande monta para alavancar o desenvolvimento local, foram realizados

7. Índice de Desenvolvimento Humano Municipal. 8. Pesquisa Mensal de Emprego – um indicador mensal sobre a força de trabalho que permite avaliar as flutuações e a tendência – é divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 9. É uma expressão do inglês call (chamada) center ou centre (central) e denomina a central de atendimento aos clientes em que as chamadas são processadas ou recebidas. 31


estudos pela Semdec para verificar como o segmento de Call Center/Telemarketing estimularia a criação de muitos empregos. A população jovem desempregada é o alvo da política pública, ora esboçada para gerar empregos em grande número. Os atores envolvidos no projeto idealizado pela Semdec foram: Semdec: elaboração de legislação específica para os call centers e articulação com as empresas, poder legislativo local, técnicos e instituições ligadas aos jovens; Empresas de Call Centers: agente importante e necessário à diminuição do desemprego local; Câmara Municipal de Teresina: agente responsável por viabilizar a aprovação da lei de incentivos e benefícios fiscais para os call centers. O somatório das ações que foram realizadas para se alcançar o objetivo geral do projeto implementado pela Prefeitura Municipal de Teresina por intermédio da Semdec requereu cinco passos, são eles: 1º PASSO: Identificação do desemprego entre os jovens teresinenses como um problema a ser enfrentado pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo de Teresina (Semdec). 2º PASSO: Elaboração de uma política pública que fosse capaz de amenizar essa realidade, isto é, aumentar a oferta de empregos entre os mais jovens. 3º PASSO: Entre alternativas possíveis, foi identificada a necessidade de elaboração de uma política de incentivos direcionada às empresas de call centers e telemarketing. 4º PASSO: Contato direto com as empresas mostrando as vantagens da instalação destas na cidade de Teresina – PI, tanto em termos de qualidade de mão de obra, quanto em vantagens estruturais e tributárias; 5º PASSO: Processo de instalação das empresas de call center na cidade, os chamados “sites”10, para designar unidades de operação.

Os indicadores são instrumentos utilizados para avaliar se um plano ou projeto está dentro dos objetivos traçados para ele. Portanto, as avaliações por meio de indicadores são uma referência que norteará a compreensão e a construção de medidas de desempenho de programas. A literatura apresenta diversas acepções acerca de indicadores. Segundo Ferreira et al. (2009), por exemplo: O indicador é uma medida, de ordem quantitativa ou qualitativa, dotada de significado particular e utilizada para organizar e captar as informações relevantes dos elementos que compõem o objeto da observação. É um recurso metodológico que informa empiricamente sobre a evolução do aspecto observado (FERREIRA; CASSIOLATO; GONZALES, 2009, apud BRASIL, 2012). Sendo assim, o estabelecimento de um indicador para avaliar o andamento da política de incentivos fiscais voltada para a atração de empresas do segmento de Call Center, em Teresina, é um passo importante para se analisar se a política implementada surtiu os efeitos desejados no que diz respeito à criação de empregos no município. No caso em estudo, será avaliado o potencial de empregos gerados pelas empresas de Call Centers instaladas em Teresina. A metodologia do indicador considera a variável número de empregos criados para a população jovem11. Para analisar a criação de empregos foram utilizados os dados do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil e do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Segundo os dados do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, em 2010, a cidade Teresina – PI possuía 118.694 jovens entre 18 e 24 anos; destes, 25.661 jovens se achavam desempregados, o que representou uma taxa de desocupação de 21,62%. Ver Tabela 1.

Tabela 1 – Número de desemprego em Teresina – PI segundo o IDH-M 2010 Cidade

Número de desocupados 18 a 24 anos (2010)

Teresina (PI)

25.661,64

Fonte: Atlas-BRASIL (2015); ano base 2010. Os estudos e pareceres técnicos realizados pela Semdec objetivavam mostrar como ocorria a evolução desse segmento no cenário nacional e o seu impacto nas cidades onde essas empresas se instalavam. A tese da Semdec, com base em dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), extraídos do Ministério do Trabalho e Emprego, verificou que a operação dessas empresas na capital piauiense proporcionou o aumento do número de empregos. 4 INDICADORES DO PROJETO: MONITORAMENTO DO NÚMERO DE EMPREGOS GERADOS PELAS EMPRESAS DE CALL CENTERS

A base de investigação do saldo de empregos no município de Teresina foi obtida da base de dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), monitorado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, pois esse órgão fornece as estatísticas mensais e os saldos acumulados de forma eficiente e segura; e possibilita à Semdec controlar se a evolução da variável, objeto da política de geração de empregos, estava dentro dos parâmetros estabelecidos na Lei Municipal 4.410/2013, voltada para dar benefícios fiscais às empresas do segmento de Call Center e Telemarketing.

10. São as unidades de operação nas quais se concentram todos os serviços prestados pelos call centers. 11. Faixa de idade entre 18 e 24 anos em relação à População Economicamente Ativa (PEA). 32


5 RESULTADOS OBSERVADOS Os registros e as estatísticas gerados pelo Caged representam o indicador de controle, avaliação e desempenho de resultados do projeto implementado. A Semdec estabeleceu a seguinte meta a ser alcançada: um percentual de 80% sobre o número de jovens desempregados na cidade, de acordo com o valor demonstrado na Tabela 1. Essa meta foi dividida de forma anual, em valores correspondentes à evolução dos empregos. Assim, foram estipulados valores percentuais, por ano, a serem alcançados para a geração de empregos para a população jovem; posteriormente contrapõem-se os valores alcançados com os dados do Caged. As empresas de call centers instalaram-se na cidade de Teresina – PI a partir do segundo semestre de 2013, conforme a Tabela 2. Tabela 2 – Indicador de Geração de empregos Ano

Metas de empregos a serem alcançadas, por ano, em %

Valores a serem alcançados

Valores observados com base nas estatísticas geradas pelo Caged para os call centers

Part. % dos jovens no call centers, em relação ao Caged**

2013

10%

2.556.0

1.636

1.309

2014

10%

2.556.0

5.291

4.233

2015

20%

5.132.0

2.649*

2.119

2016

30%

7.298.0

-

-

2017

10%

2.556.0

-

-

* Este valor corresponde ao acumulado entre janeiro e julho de 2015. ** Os valores observados correspondem aos dados obtidos no Caged e representam os postos de trabalho criados pelos call centers; ressalta-se que, desses totais observados a cada ano, 80% correspondem aos jovens de 18 a 24 anos, segundo informações fornecidas pelas empresas.

Fonte: Semdec

Por meio dos dados obtidos pelo Caged observou-se que as empresas de call center instaladas superaram as expectativas iniciais de postos de trabalhos a serem ofertados, com um valor mínimo de 500 empregos com preferência para domiciliados em Teresina, parâmetro este estabelecido na Lei Municipal 4.410/2013, que incentiva as empresas de Call Centers e Telemarketing. Os valores observados demonstraram que os postos criados alcançaram um número de 5.291, em 2014, dos quais 80% representavam os jovens de 18 a 24 anos; sendo assim, a porcentagem representou 4.233 postos de trabalhos, valor que foi superior em 65,61% à meta inicial (10%) estabelecida para 2014. Os números mostram um crescimento ascendente, pois essas empresas têm como característica uma grande demanda de mão de obra, por causa do seu perfil de operação. Além disso, existe a possibilidade da instalação de uma terceira de empresa de call Center, em 2015, com a previsão de mais 1.500 novos empregos, em 2016. Considerando as atividades que mais se destacaram, analisam-se as ocupações que apresentaram maior oferta de empregos no período; ver Tabela 3.

Tabela 3 – Ocupações com maiores saldos acumulado entre janeiro e dezembro de 2014 Ocupações com Maiores Saldos Ocupações

Admitidos

Desligados

Saldo

Operador de telemarketing ativo e receptivo

5.951

2.511

3.440

Operador de telemarketing receptivo

2.482

631

1.851

Servente de obras

13.133

12.255

878

Auxiliar de escritório em geral

3.121

2.733

388

Atendente de lanchonete

868

643

225

Fonte: Caged – MTE 33


As ocupações que apresentaram os maiores saldos para o acumulado de janeiro a dezembro de 2014 foram as ocupações ligadas ao setor de call center, com o saldo de 5.29112 postos de trabalho (saldo entre admitidos e desligados); as ocupações de Operador de Telemarketing Receptivo, com 1.851 postos; e Operador de Telemarketing Ativo e Receptivo, com 3.440 postos. Essa participação representou 64% dos empregos para o Setor de Serviços para o período analisado (BRASIL, 2015). Tabela 4 – Posição das capitais nordestinas no quesito saldo de emprego para o acumulado de Janeiro a dezembro de 2014 (admitidos e desligados) Ranking

Município

Janeiro a Dezembro de 2014

1

Fortaleza – CE

22.506

2

Teresina – PI

8.617

3

João Pessoa – PB

7.543

4

Maceió – AL

5.735

5

Aracaju – SE

4.941

6

Natal – RN

3.673

7

São Luís – MA

1.781

8

Salvador – BA

701

9

Recife – PE

-2634

Fonte: Caged – MTE

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS A busca por políticas adequadas ao desenvolvimento da cidade descobria, como maior problemática, a questão do desemprego. A necessidade de encontrar saídas para esse problema impulsionou estudos sobre atividades que gerassem empregos em uma escala adequada para a diminuição da ociosidade, principalmente entre os jovens teresinenses. A pesquisa revelou que o Call Center era o mais indicado para atenuar esse cenário de desemprego. O passo seguinte foi o contato com as empresas e suas necessidades quanto à instalação destas; foram levantadas as possíveis ações a serem desenvolvidas pela Prefeitura Municipal de Teresina no que tangia às atividades necessárias para a instalação e a consolidação das empresas. Posteriormente, foi elaborado o projeto de lei por parte da Semdec e seu envio à Câmara Municipal de Teresina, para apreciação e deliberação em favor da lei. Os indicadores mostraram a viabilidade da política, por meio do número de empregos criados, e que a atração de empresas de Call Center foi uma estratégia bem-sucedida no combate ao desemprego local. Os resultados positivos se materializaram no crescente número de empregos entre a parcela jovem da população teresinense, impulsionando, dessa forma, o desenvolvimento local; foram criados estratégias e instrumentos para a inclusão social, emprego e renda, além de qualificação da mão de obra, como recursos que se complementam para se alcançar o desenvolvimento das liberdades, como apregoava o economista indiano Amartya Sem. Para ele, as

liberdades humanas são as bases do desenvolvimento, nas quais as capacidades humanas devem ser potencializadas. Conclui-se que os indicadores mostraram a viabilidade da política, demonstrada pelo número de empregos criados por meio da instalação das empresas de Call Center, sendo uma estratégia bem-sucedida no combate ao desemprego na cidade de Teresina, Piauí. REFERÊNCIAS AMARAL FILHO, J. A Endogeneização no Desenvolvimento Econômico Regional e Local. Planejamento e Políticas Públicas – PPP, Brasília, n. 23, jun. 2001. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Disponível em: <http://www. ipea.gov.br/ppp/index.php/PPP/article/viewFile/78/89>. Acesso em: 2 jan. 2015. ATLAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO NO BRASIL. Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, 2013. Disponível em: <http://www.atlasbrasil.org.br/2013/>. Acesso em: 2 jan. 2015. BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Indicadores: orientações básicas aplicadas à gestão pública. 1. ed. Brasília: MP; Secretaria de Orçamento Federal. Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos, 2012. 64 p.

12. Esse valor corresponde ao somatório do saldo de Operador de telemarketing ativo e receptivo e Operador de telemarketing receptivo, conforme a Tabela 3. 34


BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – Caged, vários anos. Disponível em: <http://bi.mte.gov.br/bgcaged/caged_isper/ index.php>. Acesso em: 2 jan. 2015. BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.senado.gov.br>. Acesso em: xx mai. 2013. GONÇALVES, Marcos Flávio R. (Coord.). Manual do prefeito. 13. ed. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Administração Municipal, 2013. Disponível em: <http://www.ibam.org.br/ estudos?page=4> Acesso em: 2 jan. 2015. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa mensal de emprego. Disponível em: <http:// www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/ trabalhoerendimento/pme_nova/default.shtm>. Acesso em: 2 jan. 2015. PINHEIRO, Maurício Mota Saboya. As liberdades humanas como bases do desenvolvimento: uma análise conceitual da abordagem das capacidades humanas de Amartya Sen. Texto para discussão nº 1794. Brasília: Rio de Janeiro: Ipea, 2012. TERESINA. Lei Orgânica do Município. ed. rev. ampl. e consol. Teresina: Câmara Municipal de Teresina, 2011. 138 p. (Texto atualizado até a Emenda 19/2011). ______. Lei nº 4.410, de 14 de junho de 2013. Dispõe sobre a política de benefícios e incentivos fiscais do Município de Teresina às empresas de Call Center e Telemarketing e dá outras providências. Diário Oficial [do] Município de Teresina, 18 jun. 2014, p. 5.

foto: Júlia Lima

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6. A universalização da Educação Básica e as ações desenvolvidas em prol da Educação Escolar Indígena em Mato Grosso do Sul Autora: Denise Silva Coautoras: Andréa Marques Rosa Eduardo Cíntia Nardo Marques Gonzales Paula Renata Cameschi de Souza RESUMO O artigo tem por objetivo apresentar os resultados de ações do Instituto de Pesquisa da Diversidade Intercultural (Ipedi) para alcançar a meta de universalização da educação básica, considerando a Educação Escolar Indígena, assegurada aos povos indígenas por lei. Nesse sentido, são apresentados os projetos “Formação Continuada de Professores para o trabalho com a Língua, Arte e Cultura Terena” e “Kalivôno: kalihunoe ike vo’um”, ambos desenvolvidos com as comunidades indígenas Terena do município de Miranda – MS. Este texto apresenta os avanços e desafios encontrados no trabalho desenvolvido com professores, gestão escolar, poder público, lideranças e comunidades indígenas, com o objetivo de contribuir para a efetivação da Educação Escolar Indígena e para a universalização da educação básica. Palavras-chave: educação básica; comunidades indígenas; formação

1 INTRODUÇÃO O prazo para alcançar os oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) – que resultaram na Declaração do Milênio das Nações Unidades, firmada em setembro de 2000 por 189 nações – encerrou-se em 2015, como aponta o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNDU, 2015). Muitas ações vêm sendo realizadas no Brasil, para que essas metas sejam alcançadas. Nesse sentido, o objetivo deste artigo é apresentar resultados de ações desenvolvidas pelo Instituto de Pesquisa da Diversidade Intercultural (Ipedi) para a concretização do objetivo de alcançar o ensino básico universal, considerando a educação básica em comunidades indígenas do Estado de Mato Grosso do Sul, em especial, as comunidades indígenas do município de Miranda – MS. Assim, são apresentados os projetos “Formação Continuada de Professores para o trabalho com a Língua, Arte e Cultura Terena” e “Kalivôno: Kalihunoe ike vo’um”, bem como as dificuldades e avanços encontrados que possam contribuir para a universalização do ensino básico. 2 A UNIVERSALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA E AS AÇÕES DO IPEDI A Educação Escolar Indígena é discutida há algumas décadas entre pesquisadores de diversas áreas do conhecimento e por instituições que se dedicam à questão indígena. Porém, trata-se ainda de uma área repleta de novidades e que não tem recebido a importância a que tem direito, de fazerse respeitar e cumprir o que é garantido pelas legislações federais, estaduais e municipais. As comunidades indígenas brasileiras, por muitos anos, foram condicionadas a uma educação escolar estruturada pelos parâmetros e pela cultura da sociedade envolvente, que visava à homogeneização da sociedade brasileira. No entanto, ao longo de um processo histórico de luta e reivindicações, as sociedades indígenas conquistaram

o direito a uma Educação Escolar Indígena, específica, diferenciada, intercultural e bilíngue. A Educação Escolar Indígena passou a ter destaque em leis, declarações, constituições, decretos etc., nos quais são expressos os direitos ao uso da língua materna, dos processos próprios de aprendizagem e a valorização, o respeito e a preservação das culturas indígenas. A Constituição Federal de 1988 rompeu com as políticas integracionistas, garantindo aos povos indígenas o direito as suas culturas. Portanto, em seu artigo 210 afirma: [...] 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. [...] § 2º O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem (BRASIL, 1988). No Artigo 215, a Constituição Federal define ser dever do Estado proteger as manifestações culturais dos povos indígenas: [...] Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros 36


grupos participantes do processo civilizatório nacional (BRASIL, 1988). Depois dessa garantia constitucional, os povos indígenas passaram a ser contemplados nas legislações educacionais, como ocorre na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei nº 9.394/96, que, em seu artigo 78, inciso I, assegura: [...] Art. 78. O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências federais de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisas, para oferta de Educação escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas, com os seguintes objetivos: I – proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências. Diante do que lhes é assegurado por lei, os professores indígenas vêm lutando para que essas legislações sejam cumpridas na prática; no entanto, muitos ainda são os obstáculos a serem enfrentados. As comunidades indígenas receberam, por anos, uma educação tradicional, nos moldes da educação não indígena, que, inserida nas comunidades indígenas, tem o objetivo de ensinar apenas conteúdos considerados importantes pela sociedade não índia. De tal modo, as diferenças culturais, étnicas e linguísticas dos povos indígenas foram desconsideradas. E muitas comunidades, apesar das ações dos professores indígenas em efetivar seus direitos, ainda estão condicionadas a esse processo escolar homogeneizador. A atitude de desconsiderar a heterogeneidade do povo brasileiro tirou do indígena o direito à Educação Indígena13 e o direito ao cumprimento eficaz da Educação Escolar Indígena. Os anos de desrespeito e desvalorização da língua, arte, cultura e processos próprios de aprendizagem dos não índios para com as comunidades indígenas no ambiente escolar acarretaram uma Educação básica que não atende às expectativas das comunidades e da instituição escolar indígena. A Constituição Federal (1988) dispõe em seu Artigo 205 que: [...] Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988). O exercício da cidadania, a qualificação para o trabalho e o pleno desenvolvimento da pessoa, considerando o cidadão indígena, são fatores diretamente relacionados à cultura, língua, organização social e aos processos próprios de aprendizagem dos povos indígenas, considerando a

particularidade de cada etnia. Portanto, esses fatores acham-se dissociados da educação escolar que esses povos têm recebido em suas comunidades; pode-se observar que a educação escolar nas comunidades indígenas não está de acordo com as normas gerais que regem a educação do país e nem mesmo de acordo com a Educação Escolar Indígena, que é prevista nas legislações vigentes. Portanto, ainda não há uma universalização do ensino básico brasileiro, em especial, que considere os direitos já assegurados aos povos indígenas no que concerne à Educação Escolar Indígena. No entanto, como já afirmado, os professores indígenas têm buscado efetivar os direitos que lhes são assegurados por lei, no que concerne à Educação Escolar Indígena. Nesse sentido, as Escolas Indígenas inseriram, em seus currículos, disciplinas específicas sobre os conhecimentos tradicionais indígenas, como é o caso das escolas estaduais e municipais da comunidade indígena Cachoeirinha, que apresentam em seus currículos a disciplina Língua Terena. Porém, essas inserções vieram acompanhadas de dúvidas e dificuldades. Apesar de conhecerem seus direitos e saberem teoricamente o que seja a Educação Escolar Indígena, os professores indígenas têm encontrado dificuldades para que essa educação deixe de ser uma proposta, para se tornar realidade. Os professores indígenas encontram obstáculos, como: falta de capacitação/formação continuada específica para suas demandas; ausência de currículo que estabeleça o que deve ser ensinado no que concerne à língua e à cultura indígena; falta de materiais didáticos que norteiem o trabalho desses profissionais em sala de aula etc. Os professores indígenas da Terra Indígena (TI) Cachoeirinha, por exemplo, têm encontrado dificuldades para trabalhar com a língua, a arte e a cultura terena, em contexto escolar. Segundo os professores, faltam conhecimentos teóricos que possibilitem: uma reflexão sobre questões pertinentes à língua e à cultura; reflexões sobre metodologias que possam facilitar o trabalho com a língua e a cultura em sala de aula; e estabelecer um currículo específico; além de faltar material didático de apoio que oriente o trabalho do professor indígena em sala de aula. De acordo com os professores, essas são as preocupações iniciais para a efetivação de uma Educação Escolar que viabilize a Educação Indígena. Em razão disso, os professores terenas da TI de Cachoeirinha solicitaram ao Instituto de Pesquisa da Diversidade Intercultural (Ipedi), projetos que contribuam para alcançar os objetivos almejados pela comunidade. Diante da solicitação feita pelos professores indígenas, o Ipedi vem desenvolvendo projetos de ação e pesquisa com os professores indígenas das comunidades indígenas Terena, com vistas a contribuir para que a Educação Escolar Indígena seja plenamente efetivada nas comunidades indígenas Terena do Estado de Mato Grosso do Sul; dessa forma, contribuindo para a Meta 2 dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio para 2015: alcançar o ensino básico universal.

13. Segundo Rosa (2007, p. 26), “A Educação Indígena precede a Educação Escolar Indígena. A primeira acontece informalmente, entre a família, na e pela sociedade, enquanto a segunda acontece formalmente, através de instituições específicas, como a escola”. 37


O Ipedi é uma entidade civil de direito privado, sem fins lucrativos, que atua no desenvolvimento de projetos educacionais e culturais, visando beneficiar comunidades e saberes tradicionais. Sua missão é promover o exercício da cidadania e defesa dos direitos humanos, em especial das comunidades indígenas, na perspectiva cultural, social e ambiental, em prol de uma sociedade justa e solidária. Fundado em 2012, o Ipedi iniciou suas atividades desenvolvendo o projeto “Formação Continuada de Professores para o trabalho com a Língua, Arte e Cultura Terena”, sob coordenação da sócia-fundadora e Profa. Me. Andréa Marques Rosa Eduardo e gestão da Presidente do Ipedi Paula Renata Cameschi de Souza, contando com coordenadores por área, em que o professor Quintino Pereira Mendes (indígena terena) e a professora Me. Cíntia Nardo Marques Gonzales coordenaram as atividades de Arte e Cultura Terena; e o professor Aronaldo Júlio (indígena terena) coordenou as atividades de Língua Terena. O projeto foi contemplado na Seleção Anual de 2013 da Brazil Foundation, e seu objetivo consistiu em oferecer formação continuada aos professores indígenas e elaborar material didático para o ensino da língua, arte e cultura terena. O projeto iniciou em julho de 2013, com encerramento em agosto de 2014. As atividades do projeto foram compostas de 15 oficinas, de oito horas cada, totalizando 120 horas, envolvendo temáticas como: reflexões sobre a língua terena, nos aspectos fonéticos, morfológicos e sintáticos; reflexões sobre a arte e cultura terena; apontamentos sobre a elaboração de materiais didáticos voltados à comunidade indígena; elaboração de atividades para a composição do material didático a ser elaborado durante o projeto. O material didático de língua, arte e cultura terena, volume único, elaborado durante a iniciativa desse projeto, foi dividido em duas partes: a primeira foi destinada à Língua Terena; e a segunda, ao ensino da Arte e Cultura Terena. O material didático intitula-se “Kalivôno” que significa criança em Terena, e foi elaborado pelos professores da Terra Indígena de Cachoeirinha, localizada em Miranda – MS. O material de língua tem como objetivo a alfabetização em língua terena, atendendo, neste sentido, ao primeiro ano do Ensino Fundamental. Para iniciar a elaboração do material didático, realizaramse reuniões e oficinas com os professores indígenas da TI de Cachoeirinha, a fim de decidir como seria o material. Os questionamentos eram: O que o professor indígena quer? Como ele quer ensinar a sua língua? Como quer ensinar a sua arte e cultura? Que método ele quer usar? Qual a estrutura que ele deseja para esse material? Para que série? Enfim, as interrogações eram muitas e não foi muito fácil respondê-las, considerando os diversos embates existentes entre a teoria de construção de material didático e aquilo que os professores indígenas almejavam. O Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (BRASIL, 1998) aponta que a Educação Escolar Indígena deve ser feita pelos indígenas; nesse sentido, buscou-se atender às necessidades e aos anseios dos professores terenas sobre o material didático a ser elaborado. Os professores compreendem os seus métodos próprios para ensinar a língua, a cultura e a arte, de forma que a participação do Ipedi foi unicamente de apoio, buscando atendê-los

nas dificuldades que encontrariam durante o processo de elaboração do material, apresentando as alternativas científicas para que eles pudessem fazer as suas escolhas. A elaboração do material didático, realizada pelos professores, permitiu que eles abordassem os conhecimentos tradicionais terenas, fato presente nos diversos textos que abordam mitos, lendas e história das comunidades presentes na Terra Indígena Cachoeirinha, bem como os métodos próprios de investigação e solidariedade presentes entre os membros da comunidade. Isso se observa nas atividades elaboradas, visando: provocar a criança a ouvir e a participar da aprendizagem por meio de visitas aos anciãos da aldeia, artesãos; incentivar a participação da família no ambiente escolar; e explorar o entorno da escola – uma forma de “resgate” e valorização da tradição oral. Outro fator importante que pode ser observado nos textos e atividades propostos é o respeito pela decisão em grupo, sempre procurando valorizar a participação dos alunos, o respeito às hierarquias dentro da comunidade e a necessidade de sempre considerar os resultados de uma atitude para todo o grupo, valorizando o comunitário e não o individualismo; afinal, a decisão de uma única pessoa, se não for analisada e refletida, pode influenciar toda a comunidade. A valorização da língua também está presente, em especial, no material de língua terena, pois, por se tratar de uma língua também de tradição oral, os professores indígenas buscaram efetivá-la como principal veículo para a propagação da história, cultura e arte terena. Dessa forma, a língua terena foi valorizada, no que concerne à oralidade, assim como os professores buscaram valorizar a construção da língua terena no mundo da escrita. Os professores indígenas, durante a elaboração do material, também observaram a necessidade de que esse material fosse contextualizado, atual e que trouxesse textos, já que os alunos não teriam outra fonte para recorrer no momento, visto que há muito poucos textos publicados em terena. Dessa forma, nas oficinas de elaboração do material didático, os professores produziram muitos textos em terena, abordando temáticas diversas, como histórias, mitos e lendas da comunidade etc. Dessa forma, cada capítulo do material apresenta, no mínimo, dois textos para leitura, um no início e outro no fim. Os textos contam também com atividades de interpretação que objetivam não apenas a interpretação do texto, mas a sua contextualização com o que a criança terena vivencia no cotidiano, buscando-se construir um significado para aquilo que está sendo ensinado. A parte do material que trata da Arte e Cultura Terena valoriza os conhecimentos tradicionais terenas, utilizandose também o conteúdo previsto para a disciplina de Arte, no primeiro ano do Ensino Fundamental. Nesse sentido, o material apresenta mitos, brincadeiras, músicas e textos literários do povo terena da Terra Indígena de Cachoeirinha. As atividades abrangem o processo decisório terena, a oralidade, a busca de informações por meio dos anciãos da comunidade, a investigação científica e atividades artísticas práticas, valorizando os materiais que estão disponíveis na/ para a comunidade.

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Dessa forma, as reflexões que foram realizadas nas oficinas, bem como a elaboração do material “Kalivôno: língua, arte e cultura terena” contribuem para a prática do professor indígena em sala de aula, valorizando uma educação escolar por meio das ações dos professores indígenas, unindo educação escolar e educação indígena para formar uma educação escolar indígena de qualidade, que atendesse aos anseios e necessidades da comunidade, buscando alcançar o citado no artigo 205 da Constituição Federal (1988), bem como garantir a universalização da educação básica no Brasil, a qual o indígena também deve ter acesso. Embora o projeto tenha sido desenvolvido com as comunidades indígenas da Terra Indígena de Cachoeirinha, em Miranda – MS, todas as comunidades do município receberam exemplares do material didático, em quantidade suficiente para o trabalho no primeiro ano do Ensino Fundamental, pois a Prefeitura Municipal de Miranda – MS adotou o material como oficial para a alfabetização em língua terena nas escolas indígenas municipais. As comunidades indígenas Terena de outros municípios do Estado de Mato Grosso do Sul também receberam exemplares do material, e muitos professores têm adaptado esse material para trabalhar em sua comunidade. A realização e a finalização desse projeto obtiveram diversos resultados em curto e longo prazo. Em primeira instância, o projeto contribuiu para a caminhada em direção à universalização do ensino básico, considerando que as escolas indígenas fazem parte desse ensino e têm especificidades próprias que necessitam ser atendidas. Nesse sentido, o projeto contribuiu para a efetivação da Educação Escolar Indígena, respeitando o que é assegurado por lei aos povos indígenas brasileiros. O projeto, em curto prazo, possibilitou que os professores indígenas tivessem mais recursos para solucionar problemas advindos do trabalho com Língua, Arte e Cultura Terena, no que concernia às práticas e metodologias de ensino dessas áreas do conhecimento; o uso de material didático de apoio para o ensino da Língua, Arte e Cultura Terena, norteando os trabalhos em sala de aula, refletindo produtividade, por ter sido, elaborado pelos próprios professores indígenas. As ações do projeto, em longo prazo, contribuem para resultados e objetivos como: universalização da educação básica, valorizando a Educação Escolar Indígena, com menos índice de evasão e reprovação dos alunos indígenas; os professores que participaram da formação continuada possuem aparato teórico e prático para discutir e propor mudanças na educação que ocorre nas instituições escolares da comunidade; os professores estão aptos a propor mudanças ao ensino de Língua Terena e Arte e Cultura Terena, em comparação ao ensino que é desenvolvido nas escolas, atualmente; os professores possuem conhecimento para propor a elaboração de materiais de apoio didático em outras áreas do conhecimento, pois sabem quais os caminhos a percorrer, para que essa atividade se concretize; os professores podem contribuir, significativamente, para a efetivação dos projetos almejados por sua comunidade em relação à Educação Escolar Indígena.

O público diretamente beneficiado pelas ações desse projeto consistiu em 35 professores indígenas das Escolas Indígenas de Miranda – MS, participantes das oficinas ministradas pelo projeto, e cerca de 320 alunos beneficiados com a tiragem produzida do livro didático no primeiro ano do ensino fundamental. Por meio dos professores, estimou-se que outros 480 alunos dos anos iniciais do ensino fundamental também foram beneficiados, pois os professores, ao serem atendidos pela formação continuada, estão aptos a desenvolver atividades que propiciem uma efetiva qualidade no processo de ensino e aprendizagem da Língua, Arte e Cultura Terena, contribuindo, consequentemente, para uma Educação Escolar Indígena efetiva e de qualidade. Com essa educação ocorrendo nas Escolas Indígenas, quem também se beneficia é a comunidade indígena, que passa a contar com pessoas mais capacitadas para atuar no mercado de trabalho e para reivindicar os objetivos e projetos de sua comunidade. Dessa forma, os 6.475 indivíduos (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSCA, 2010) que compõem as comunidades indígenas de Miranda são beneficiados pela capacitação dos professores indígenas, visto que grande parte do desenvolvimento de uma sociedade tem início na comunidade escolar. Os dados apresentados representam as comunidades diretamente beneficiadas pelo projeto. Há ainda que se considerar o fato de outras comunidades estarem usando o material didático desenvolvido por essa ação ou pautandose nesse trabalho para fazer seus próprios materiais, além de ser um registro da língua e cultura Terena. Portanto, o projeto chega a alcançar todas as comunidades indígenas terenas do Estado de Mato Grosso do Sul, com uma população aproximada de 16 mil indivíduos, como aponta o Instituto Socioambiental (2015). O projeto “Formação Continuada de Professores para o trabalho com a Língua, Arte e Cultura Terena” recebeu Moção de Aplausos na Câmara Municipal de Miranda – MS e Moção de Congratulações na Câmara de Deputados Estaduais do Estado de Mato Grosso do Sul. O projeto também foi um dos três finalistas do Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social 2015 e concorreu ao título de vencedor da categoria “Tecnologias Sociais: Universidade, Instituições de Ensino e Pesquisa”. Depois de finalizado o projeto descrito, o Ipedi deu continuidade às atividades em prol da Educação Escolar Indígena, com o “Projeto Kalivôno: Kalihunoe ike vo’um”, coordenado pela sócia-fundadora e Profa. Dra. Denise Silva e sob gestão de Paula Renata Cameschi de Souza – e foi um dos contemplados por carta-convite para patrocínio da Brazil Foundation, iniciando-se em abril de 2015, com finalização prevista para abril de 2016. Segundo a LDBEN – Lei 9394/96 – a Educação Infantil integra a Educação Básica, assegurando que: A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade (BRASIL, 1996).

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De acordo com a Funai (2015), na Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2009, a Educação Infantil nas comunidades indígenas é uma opção que cabe à decisão da comunidade, de acordo com o que lhe convém.

comunidades indígenas de Miranda – MS, estendendo-se como motivação para as reflexões em outras comunidades e municípios do Estado de Mato Grosso do Sul.

Considerando que neste período o indivíduo se constitui enquanto parte de um corpo social, falante de uma língua, compartilhando uma visão de mundo com o grupo social a que pertence, muitos povos indígenas entendem que não há melhor situação para uma criança na sua primeira infância do que o convívio com os seus familiares e o aprender fazendo que a vida nas aldeias proporciona.

O projeto oferece formação continuada para todos os diretores, coordenadores e professores das salas de educação infantil das escolas indígenas do município de Miranda, atendendo a alunos de 14 salas de aula, distribuídas em dez comunidades indígenas. Além da formação continuada, o projeto acompanha e orienta os professores para o desenvolvimento de pequenos projetos culturais, nos quais a língua e a cultura indígena são contempladas no currículo escolar. Até agora, já foram desenvolvidos projetos abordando os seguintes temas: artesanato, mitologia, culinária, plantas medicinais entre outros, com o objetivo primordial de envolver a comunidade e valorizar o conhecimento tradicional do povo. Todas as atividades desenvolvidas nas oficinas de formação continuada e nos projetos culturais estão sendo organizadas em formato de livro didático, que será bilíngue e ilustrado por fotos e desenhos da comunidade. Além disso, articulou-se com a Secretaria Municipal de Educação a inserção da língua materna no currículo escolar para o ano letivo de 2016. Dessa forma, o projeto cumpriu o objetivo de formar o professor, elaborar material didático bilíngue e auxiliar na elaboração de políticas públicas – passos importantes para a garantia dos direitos conquistados e para o avanço contínuo e assistido da educação escolar indígena.

Contudo, há muitas situações diversas, há aldeias urbanas, há mulheres indígenas que precisam de apoio, e, por isso, a proposição da Educação Infantil deve ser avaliada de acordo com as especificidades da cada comunidade, que deve ter a palavra final sobre o assunto. Neste sentido, cabe à Funai trabalhar com os povos indígenas a concepção dessa formação inicial, e o entendimento de que o acesso a esse direito ofertado pelo Estado não corresponde a uma obrigação, se isso não fizer sentido para eles. Isso porque o Estado brasileiro reconhece e respeita os diferentes modos de vida dos povos indígenas, buscando a não imposição de concepções ocidentais de escolarização (FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO, 2015). A Educação Infantil passou a ser oferecida nas escolas indígenas de Miranda, no ano de 2001, por solicitação da comunidade. Porém, não houve, até então, atendimento especial a essa etapa da educação básica. Observou-se uma imposição do ensino regular sobre a educação infantil, em que a língua materna não fazia parte do currículo escolar, com a ausência de qualquer metodologia específica das demandas das comunidades indígenas ou de qualquer proximidade com a realidade vivenciada pelas crianças Terena. Também não havia nenhum tipo de incentivo à qualificação dos professores indígenas da educação infantil – restringindo-se esta aos modelos tradicionais de ensino e a meros protocolos administrativos, em contraposição ao modo de ver, viver e conviver dos indígenas. Assim, o trabalho desenvolvido por esse projeto é um incentivo ao uso da língua materna logo nos primeiros contatos da criança com o mundo letrado, considerando as dificuldades dos professores com o ensino bilíngue e salas multisseriadas. Suas atividades estão pautadas na concepção de que a educação infantil de qualidade contribui para a socialização da criança, desenvolve habilidades e melhora o desempenho escolar futuro. Nesse sentido, o projeto visa contribuir para o desenvolvimento das atividades da Educação Infantil nas comunidades indígenas terena de Miranda – MS, visto que, como etapa primeira da Educação Básica, a Educação Infantil é muito importante para o desenvolvimento da criança e para sua continuidade e permanência nas próximas etapas da Educação Básica. Portanto, o projeto visa contribuir para a Universalização do ensino básico no Brasil, como prevê a meta disponibilizada pela ONU nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, visando trazer a Educação Infantil à pauta de reflexões entre as

O Projeto Kalivôno beneficiará cerca de 540 crianças da educação infantil com a publicação de material didático bilíngue, intercultural, interdisciplinar e consumível, além da capacitação de 38 professores indígenas atuantes nas escolas das comunidades indígenas de Miranda – MS. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Em Miranda, das 267 crianças regularmente matriculadas na educação infantil, 83% não falam seu idioma; e 52% dos professores indígenas afirmaram que utilizam os conhecimentos tradicionais da cultura apenas em datas comemorativas, o que revela um acelerado e contínuo processo de perda da língua materna e de traços importantes da cultura. Diante disso, por meio dos projetos citados, espera-se revitalizar o uso da língua na escola assim como inserir o conhecimento tradicional indígena no cotidiano escolar não apenas por uma universalização do ensino básico, mas para também reverter o atual quadro de violência institucional imposto pela escolarização tradicional, ao regulamentar metodologias de ensino que suprimem a língua e cultura indígena; quadro que é ainda um reflexo claro de uma educação integracionista que pressupõe as crianças indígenas como desprovidas de qualquer saber pré-escolar e a serem moldadas para a “civilização”. O que se assiste são (des)encontros da legislação educacional brasileira na imposição de currículos, práticas e conteúdos e de legislações específicas ao indígena; e que, mesmo havendo espaço para disciplinas específicas na grade curricular, ainda falha em permitir, gerenciar e fomentar processos próprios de ensino e aprendizagem, restringindo a docência indígena a meras ações protocolares. Se, por um lado, se busca o respeito à diversidade e também a

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valorização das culturas e a identidade étnica, por outro, a educação é homogeneizada e vive em constantes avanços e retrocessos, em grande parte pelo desconhecimento e despreparo de educadores e da administração pública.

ROSA, Andréa Marques. O ensino bilíngue na Aldeia Bananal. 2007. Monografia (Conclusão de Curso). Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Aquidauana: 2007.

As ações desenvolvidas pelo Ipedi contribuem, ainda, para a efetivação de uma educação escolar indígena intercultural, comunitária, específica e diferenciada, respeitando direitos fundamentais indígenas e de desenvolvimento da identidade étnica da criança indígena, respeitando sua língua, cultura, tradição e organização social. A criança indígena Terena é um reflexo de sua relação com o mundo de sua comunidade e o mundo dos purutuyé (não índios); e a língua materna tem fundamental importância no processo de desenvolvimento de sua identidade étnica. A língua não pode ser entendida separadamente da cultura, por meio dela são preservados toda a tradição de um povo, que gera a significação de existência, e o lugar que a comunidade indígena ocupa nas relações sociais que constitui ao longo da vida. Dessa forma, ao se efetivar a Educação Escolar Indígena assegurada às comunidades indígenas, contribui-se, significativamente, para a universalização da Educação Básica, pois as escolas indígenas fazem parte da Educação e, ao ter seus valores linguísticos, culturais e sociais respeitados, podem cumprir, eficientemente, os seus objetivos na qualidade de instituições de ensino que atendem aos cidadãos brasileiros. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. 292 p. ______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, 20 dez. 1996. ______. Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para as escolas indígenas. Brasília: MEC-SEF, 1998. FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO. Educação escolar indígena. Disponível em: <http://www.funai.gov.br/index. php/educacao-escolar-indigena?start=3>. Acesso em: 9 set. 2015. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Gráficos e tabelas: municípios com as maiores populações indígenas do país, por situação do domicílio. Mato Grosso do Sul – 2010. Disponível em: <http://indigenas.ibge.gov.br/ graficos-e-tabelas-2>. Acesso em: 9 set. 2015.

foto: Tiago Zenero

INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. Povos indígenas do Brasil: Terena. Disponível em: <http://pib.socioambiental.org/pt/ povo/terena/1040>. Acesso em: 9 set. 2015. PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. Declaração do milênio. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/ODM.aspx>. Acesso em: 9 set. 2015.

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7. Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento (PNUD) e o Programa “Ministério Público e os Objetivos do Milênio: saúde e educação de qualidade para todos” – Articulação para o alcance dos ODM Autor: Matheus de Oliveira Souza14

RESUMO Este trabalho apresenta como as ações realizadas pelo Ministério Público (MP) do Estado da Bahia, no âmbito do seu programa “Ministério Público e os Objetivos do Milênio: saúde e educação de qualidade para todos” constituem-se em estratégias e instrumentos corroborativos para a promoção, alcance e monitoramento desses objetivos (ODM), naquele estado. Resultante de análise documental e da realização de entrevistas, esse texto está assim estruturado: introdução, com objetivos do trabalho e breve histórico sobre o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e sua presença no Brasil; descrição e análise da agência do PNUD na Bahia; descrição sobre o programa desenvolvido pelo órgão público baiano; análises dos encaminhamentos a partir das relações entre PNUD e MP; conclusão. Este artigo é uma versão adaptada de seção da dissertação de mestrado de seu autor, intitulada “Cooperação internacional de agências das Nações Unidas no Estado da Bahia na área social – 1996-2013”, defendida em agosto de 2014. O eixo temático abordado foi: estratégias e instrumentos construídos para o alcance das metas de desenvolvimento do milênio no Brasil. Palavras-chave: PNUD. Ministério Público da Bahia. Objetivos do Milênio.

1 INTRODUÇÃO A descrição e a análise das ações do Ministério Público da Bahia realizadas a partir do programa “Ministério Público e os Objetivos do Milênio: saúde e educação de qualidade para todos”, apresentadas neste artigo, têm como pretensão demonstrar como processos de cooperação internacional puderam contribuir para a promoção de desenvolvimento local sob o prisma dos ODM estabelecidos pelas Nações Unidas. Órgão público de referência no Estado da Bahia, o Ministério Público baiano construiu um programa com metodologia própria que, além de viabilizar o alcance de alguns dos Objetivos do Milênio em determinadas regiões daquele ente federativo, permitiu o acompanhamento e a mensuração dos resultados auferidos – um dos grandes desafios na verificação das ações realizadas no intuito de viabilizar as metas determinadas a partir dos ODM. O estudo aqui apresentado tem, portanto, o objetivo de evidenciar qual a trajetória percorrida pelos atores locais e internacionais na consecução de tais finalidades. Para isso, faz-se necessário revisitar, brevemente, o histórico do PNUD e dos ODM, de modo que se possa, a partir daí, compreender melhor como as ações a serem descritas estão conformadas e articuladas. Assim, vale a pena registrar que 20 anos depois da sua criação, as Nações Unidas ampliaram sua estrutura voltada para a agenda do desenvolvimento perante os Estados-Membros. Para potencializar o enfrentamento ao desafio apresentado pelo subdesenvolvimento, o PNUD foi criado15, em 1965, pela resolução 2029 da XX Assembleia Geral da ONU (SEITENFUS, 2008). Atuante em mais de 170 países e territórios e operando sob uma lógica que promove o desenvolvimento humano a partir de uma

perspectiva global ligada a uma visão local sobre aquele (PNUD, 2013b), o Programa tem a missão de racionalizar as ações das Nações Unidas para o desenvolvimento e unificar as operações existentes por meio da prestação de assistência técnica (SEITENFUS, 2008). Pode-se afirmar que a criação do PNUD foi um passo institucional importante para fomentar arranjos organizacionais e, assim, promover e garantir a implementação de programas à luz da diretriz de segurança coletiva, com uma visão mais ampla (PATRIOTA, 1998; HERZ; HOFFMANN, 2004). Isto fica claro quando são observadas as grandes áreas de concentração das atividades do Programa no mundo, a saber: redução da pobreza; governança democrática; prevenção de crises e recuperação; desenvolvimento sustentável e energia; HIV/ Aids; empoderamento das mulheres; e desenvolvimento de capacidades (PNUD, 2013b). Para alcançar suas metas, o PNUD se propõe a cooperar com seus parceiros no desenvolvimento e na transferência de tecnologias, na formação de recursos humanos, no enfrentamento aos desafios da promoção do desenvolvimento e na identificação e aumento sustentável das potencialidades dos recursos naturais dos paísesmembros (SEITENFUS, 2008). Em 1990, o Programa incorporou à sua agenda e aos fóruns internacionais o princípio de desenvolvimento humano. Compreendido a partir da correspondência de três dimensões básicas da vida humana – renda, saúde e educação –, esse princípio norteou a criação do Índice de Desenvolvimento Humano (PNUD, 2013b), medido, anualmente, em escala global. Já a partir do ano 2000,

14. Graduado em Relações Internacionais pelo Centro Universitário Jorge Amado e mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente, é professor e coordenador do bacharelado em Relações Internacionais da Unijorge. souza.matheus@uol.com.br. 15. Apenas um ano depois da criação da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad). 42


com a Declaração do Milênio, a atuação do PNUD e o desenvolvimento de ações no âmbito das grandes áreas temáticas se pautaram na observância dos Objetivos de Desenvolvimento por aquela estabelecidos. A cooperação entre o PNUD e o Brasil se iniciou, portanto, a partir desses preceitos e novos compromissos. Além do enfoque no alcance dos ODM, outras três áreas-chave norteiam a ação do PNUD no Brasil: desenvolvimento sustentável e inclusão produtiva; segurança cidadã; e cooperação sul-sul (PNUD, 2013b). Presente no país desde 1966 (UNICRIO, 2013), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento realiza atividades por meio de duas modalidades de projetos: os de execução nacional e os de execução direta (PNUD, 2013a). Na primeira modalidade, PNUD e governo fazem um acordo operacional por intermédio do qual o ente público nacional se responsabiliza pela formulação, administração e cumprimento dos objetivos estabelecidos. O PNUD, nesses casos, pode fornecer apoio técnico, operacional ou até financeiro (PNUD, 2013a). É nessa modalidade que se enquadra o programa do MP. Na segunda modalidade, o próprio PNUD administra e executa a ação, também sendo responsável por monitorar e avaliar seus resultados (PNUD, 2013a). Segundo informações do próprio Programa (PNUD, 2014a), no Brasil foram desenvolvidos e encerrados quinze projetos, e ainda estão em andamento mais 16516. Em 2013, US$ 87.462.509,00 foram investidos em 96 projetos executados, com o auxílio de 247 colaboradores que compunham o quadro do Programa até o fim daquele ano (PNUD, 2014b). Desse montante, US$ 73.991.253,00 foram provenientes do governo brasileiro, aproximadamente 84% do total. Esse dado evidencia o papel de “assessor técnico” do PNUD, conforme descrito acima. Visto que esse organismo compreende que a promoção do desenvolvimento deve ser também construída a partir da consideração das peculiaridades e necessidades locais, as premissas da reforma organizacional da ONU, estabelecidas em 1997 (UNITED NATIONS SECRETARY-GENERAL, 2013), promoveram mudanças na administração do PNUD. Dentre elas, destaca-se a ampliação de sua presença com abrangência nacional – uma atuação que deu base para a abertura de um escritório do Programa em Salvador, já existente há dez anos. O programa desenvolvido pelo MP está contextualizado a partir desse histórico, sendo importante, para sua compreensão, informar o porquê do estabelecimento de escritório do PNUD na região de

atuação daquele órgão público. Eis o que propõe a próxima seção.

2 O PNUD E SUA PRESENÇA EM SALVADOR Depois de 49 anos de atuação no Brasil, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento estabeleceu escritório regional, em Salvador, a partir de articulações do governo do Estado da Bahia e da extinta Secretaria Extraordinária de Relações Internacionais da Prefeitura Municipal de Salvador (PMS). Em 2005, o Programa foi instalado na capital baiana, em dois andares do Elevador Lacerda (CORREIO, 2013). O escritório foi o quarto inaugurado no Brasil, mas, desde antes de sua abertura, o Programa desenvolvia ações em parceria com o estado baiano e seus municípios17 (PNUD, 2012). Uma das principais razões para a instalação do PNUD na Bahia se assenta na convergência de três problemas “[...] que se manifestam com maior intensidade na capital baiana: o racismo, a pobreza e a violência – tripé do Relatório de Desenvolvimento Humano Brasil 2005” (PNUD, 2012). A partir da estrutura local, o PNUD ampliou a sua capacidade de administração de projetos voltados para a região Nordeste, especialmente Bahia e Sergipe18. Esses projetos não são, necessariamente, voltados de maneira exclusiva para essa região. Na maioria dos casos, são ações de escopo nacional que também englobam o nordeste brasileiro19 (PNUD, 2014a). Há projetos com recortes mais regionais, como o “Investimento Socioambiental em Ações de Uso e Conservação do Solo em Comunidades Rurais da Bacia do Rio São Francisco”, executado pelo Ministério do Meio Ambiente, entre dezembro de 2007 e dezembro de 201320 (PNUD, 2014a). Esse projeto teve como áreas de abrangência os estados: Alagoas, Bahia, Sergipe, Pernambuco e Minas Gerais (PNUD, 2014a). Outro exemplo ainda mais localizado é o “Programa de Desenvolvimento Social Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais da Bahia”, realizado em parceria com o governo desse estado, de junho de 2008 a junho de 201221. A presença do PNUD na Bahia serve não apenas para potencializar suas ações e parcerias no estado e na região Nordeste, mas também para realizar o mesmo em relação às outras agências da ONU que estão vinculadas ao “timepaís22“ dessa organização no Brasil. Assim sendo, uma maior descentralização espacial do Programa impulsiona as ações de cooperação para o desenvolvimento no Brasil como um

16. Dados de 2014. 17. Dentre as iniciativas realizadas em parceria, destaca-se o Programa de Modernização da Secretaria Estadual da Fazenda, que contribuiu para que a arrecadação de tributos crescesse 50% entre 1998 e 2005, segundo a [então] diretora da unidade baiana do PNUD, Gianna Sagazio. Ela ainda ressalta o Programa Águas da Bahia, que busca proteger as regiões de nascentes e formula políticas para o uso sustentável da água (PNUD, 2012). 18. A autonomia do escritório local é limitada, submetida ao escritório do PNUD em Brasília, onde está lotado o coordenador-residente, diretor do Programa nacional. 19. Informações auferidas a partir de análise dos resumos dos projetos disponíveis no site do PNUD Brasil (PNUD, 2014a). 20. Código do projeto para busca no site do PNUD: BRA/07/018. 21. Código do projeto para busca no site do PNUD: BRA/07/015. 22. As equipes de país da ONU compreendem todos os organismos do seu sistema, com ações nas áreas de desenvolvimento, emergências, reconstrução, dentre outras; e existem em cerca de 130 estados, abrangendo, todavia, cerca de 180 países onde a organização tem programas em andamento (PNUD, 2013c). A partir do “timepaís”, assegura-se melhor coordenação interagências, contribuindo-se para que cada fundo e programa possam atuar de forma conjunta, como parte do Sistema do Coordenador-Residente, e garantam resultados concretos “[...] em apoio à agenda de desenvolvimento do governo local” (PNUD, 2013c). O Coordenador-Residente do time-país é sempre o gestor do PNUD no país, e tem como responsabilidade a promoção de um funcionamento efetivo e eficiente da ONU via seus fundos, programas e agências especializadas (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2013, p. 9). 43


todo. O PNUD é o principal organismo das Nações Unidas responsável pela viabilização de maior integração entre as agências voltadas para a agenda do desenvolvimento dessa organização internacional. Nesse espírito de ampliação da integração entre agências, foi inaugurado o escritório compartilhado da ONU, em Salvador, no ano de 2010, passando o PNUD a integrá-lo. A afirmação de Frederico Lacerda, responsável pelo PNUD na capital baiana, feita em entrevista a jornal local, atesta essa assertiva: “Com a maior proximidade física, temos a oportunidade de atuarmos de forma mais integrada” (LACERDA, 2013). A responsabilidade do PNUD, de abrangência inter e multiagências da ONU, apresenta-se como uma missão desafiadora. Isto se dá não somente por causa das dificuldades que a gestão interagências traz (NAY, 2009), mas também porque o sucesso no alcance dos objetivos estabelecidos se apoia em parcerias locais ao redor do globo. O alcance dos objetivos e das metas colocados pela Declaração do Milênio até 2015 é uma missão que exige muito esforço e “[...] o PNUD não teria nenhuma condição de fazer esse trabalho pelo mundo inteiro sem ter parcerias”, afirmou o Promotor de Justiça do Ministério Público da Bahia, em entrevista (Entrevista nº 02, de janeiro/2014). O estabelecimento da parceria entre PNUD e MP corresponde a essa lógica de articulação; deste modo, os elementos do projeto23, em torno do qual as duas instituições passaram a se relacionar diretamente, serão apresentados a seguir. As características das relações estabelecidas serão analisadas na última seção. A articulação com os atores locais das áreas de saúde e educação foi estratégica e necessária, em face do objetivo geral24 do projeto e de sua metodologia, que preconizava a realização de visitas de equipes multi-institucionais às escolas públicas municipais e estaduais, assim como aos postos e outros estabelecimentos públicos de saúde estaduais e municipais, para o levantamento de informações sobre os problemas e as dificuldades de cada aparelho público. Depois da elaboração dos relatórios pela equipe técnica, os gestores públicos responsáveis pelas instituições visitadas têm 30 dias para informar ao MP as providências tomadas, visando sanar os problemas apontados. Depois dessa etapa, a equipe avaliadora retorna ao local para checar se as melhorias foram realizadas. A discussão e o debate com atores locais, antes da implementação do projeto, se mostraram, portanto, necessários para que os processos previstos fossem mais bem entrosados. Essa articulação com os atores locais apresenta outras dimensões sensíveis, o que pode ser observado a partir da fala de idealizador do projeto:

Um grande diferencial desse trabalho do Ministério Público é que o promotor não vai sozinho nas visitas. Ele vai com a comunidade. Ele empodera aquele cidadão da localidade, através do trabalho que o promotor exerce. Então, o promotor primeiro sai do gabinete; segundo, empodera esse cidadão; e terceiro, busca resolver aquilo que é mais imediato dessa sociedade (Entrevista nº 02, de janeiro/2014). A partir desse ponto, o projeto em questão foi lançado em audiência pública, no dia 11 de julho de 2008, com a presença de representantes dos poderes executivo, legislativo e judiciário; autoridades civis, militares e eclesiásticas; representantes da sociedade civil; professores, profissionais de saúde e outros cidadãos (MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, 2013a). Os resultados iniciais observados em Itabuna permitiram que as ações desenvolvidas nesse município fossem reproduzidas em outras cidades do interior da Bahia. A ampliação do projeto para o âmbito estadual se deu a partir de 2009, em evento na capital baiana (MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, 2013a). Todavia, apenas a partir de 2010 as conversações acerca do projeto se iniciaram com o PNUD. A parceria com este significou, também, a firmação da parceria com a SecretariaGeral da Presidência da República Federativa do Brasil, que passou a apoiar o Programa. Essa aproximação se justifica porque a iniciativa desenvolvida pelo MP objetiva ampliar sua atuação nas áreas sociais e já era, normativa e filosoficamente, vinculada à bandeira dos Objetivos do Milênio (Entrevista nº 02, de janeiro/2014). Desse modo, quando o projeto foi implementado em Salvador, na Cidade Baixa, o representante local do PNUD e outras autoridades da cidade foram convidados para conhecer a iniciativa (Entrevista nº 02, de janeiro/2014). Esta gerou interesse do próprio PNUD, que autorizou o uso de sua logomarca pelo MP, dando o segundo passo para a formalização da parceria. De acordo com entrevistado (nº 02, de janeiro/2014), a parceria não se estabeleceu instantaneamente, pois o Programa somente se engaja numa relação, ou permite o uso de sua logomarca, depois de criteriosa análise da proposta e de seus documentos. Como o MP tem toda a história do seu projeto documentada, desde a primeira ata de reunião, além de milhares de fotografias, formulários etc., e já trabalhava com a bandeira dos ODM, o aval do PNUD para uso da logomarca e o posterior estabelecimento da parceria ocorreram mais tranquilamente (Entrevista nº 02, de janeiro/2014). Apenas em 2012, todavia, formalizou-se a parceria, com a assinatura de um Memorando de Entendimento (MOU 25 ). Nesse documento, com vigência de 10 de agosto de 2012 a 9 de agosto de 201426 (MINISTÉRIO PÚBLICO DO

23. Para os fins deste texto, não será feita a distinção entre os conceitos de “projeto” e “programa”. Portanto, mesmo sendo o “Ministério Público e os Objetivos do Milênio: Saúde e Educação de Qualidade para Todos” um programa, dentro do qual projetos são desenvolvidos, este foi chamado de “projeto”, em alguns momentos desta redação. 24. “Exercer o papel ministerial de fiscalização de dois setores vitais da sociedade, visando efetivar os direitos de cidadania de crianças, adolescentes e enfermos, contribuindo para a prestação de serviços públicos de qualidade nas áreas de educação e saúde” (MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, 2013b). 25. Memorandum of Understanding, em inglês. 26. A assinatura do MOU se deu apenas para formalizar uma relação que já estava madura (Entrevista nº 02, de janeiro/2014). 44


ESTADO DA BAHIA; PNUD, 2012), ficaram estabelecidos os direitos e os deveres de cada parte, assim como um plano de trabalho. O MOU também estabeleceu, em seu artigo IV (sobre sua própria implementação), parágrafo 4.2, que todas as atividades descritas no plano de trabalho a ele anexado fossem desenvolvidas “[...] tendo por base o Documento do Projeto ‘BRA/11/02327‘ – Movimento Brasil ODM 2015” (MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA; PNUD, 2012). Isso significa que, apesar de as ações do MP se enquadrarem na modalidade “projeto de execução nacional”, essas foram incorporadas a um projeto amplo do PNUD (modalidade “execução direta”), intitulado “Desenvolvimento de capacidades, de justiça econômica sustentável e promoção de boas práticas para alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio no Brasil” (BRA/11/023). Esse projeto foi de alcance nacional, com término previsto para 31 de dezembro de 2015 (prazo final estabelecido pela Declaração do Milênio para o alcance dos ODM), e com um orçamento de US$ 18.555.583,3328(PNUD, 2014a). O programa desenvolvido pelo MP soma-se, portanto, ao esforço do governo federal e do PNUD na busca pela municipalização dos ODM (MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA; PNUD, 2012; PNUD, 2014a), e já alcançou alguns dos resultados esperados quando da concepção das ações a serem desenvolvidas (MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, 2013b). Em termos numéricos e qualitativos, pode-se afirmar que, até 2013, 74 municípios baianos tiveram o programa implantado (MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, 2013c), com 477 unidades escolares e 170 postos de saúde visitados; dezenas de diagnósticos e reformas em estruturas físicas realizadas; aquisições de ônibus para transporte escolar auferidas; simulações e treinamentos em escolas para casos de incêndio realizados; e, ainda, mudanças de postura de gestores públicos na área de saúde e educação promovidas (MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, 2014). Essas ações foram reconhecidas, nacionalmente, em 2013, na premiação29 do Programa pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), na categoria “Defesa dos Direitos Fundamentais” (PNUD, 2014b). Para compreender como esses resultados foram alcançados e os desafios enfrentados para a cooperação entre MP e PNUD, a seção seguinte se debruça sobre a análise das informações obtidas com as entrevistas com os principais gestores do programa aqui considerado. 4 ANÁLISE DO PROJETO E DA PARCERIA INTERNACIONAL As entrevistas realizadas com os promotores coordenadores do projeto permitiram entender as relações estabelecidas entre o PNUD e o MP (agência local), e em que grau as categorias analíticas sobre cooperação e desenvolvimento, colocadas no início deste capítulo, se tornam elementos importantes no exame dessas relações.

De maneira ampla, pode-se afirmar que a cooperação para o desenvolvimento realizada entre o Programa e o MP resultou de uma absorção conceitual e ideológica, por parte da agência local, da visão de desenvolvimento promovida pelo PNUD. O conhecimento, portanto, acerca dos ODM é prévio ao estabelecimento formal da relação. O MP trabalhou com a premissa de que poderia contribuir para o alcance dos ODM ao considerar que desenvolve suas atividades num ambiente que carece de políticas sociais e que somente por meio de um equilíbrio entre progresso econômico, sustentabilidade, desenvolvimento e respeito aos direitos humanos se pode alcançar a paz mundial (Entrevista nº 02, de janeiro/2014). Houve, portanto, uma noção apurada dos idealizadores do projeto em relação ao contexto internacional, no que se refere à discussão sobre desenvolvimento nas Nações Unidas. Assim, o projeto “surgiu da ideia do Ministério Público de trabalhar com educação e com saúde, que são Objetivos do Milênio, dentro de uma metodologia de trabalho estruturada pela instituição e aperfeiçoada (ela está em constante aperfeiçoamento), e alinhando-se a esses organismos internacionais” (Entrevista nº 02, de janeiro/2014). Percebe-se que, nesse caso, operou a lógica da universalização de políticas sociais e de socialização de políticas globais (CARAPINHEIRO, 2011), uma vez que o ator público local assimilou as diretrizes da organização internacional para a implementação de políticas e ações, localmente. Assim, a parceria foi descrita como “tranquila” e o PNUD como “bons parceiros” (Entrevista nº 0130, de janeiro/2014), devido aos seguintes fatores: houve um amadurecimento do MP e dos contatos por causa da existência de afinidade de propostas,objetivos e metodologia; bem como interesse compartilhado de gerar resultados positivos para as populações atendidas, atenuando, o máximo possível, as desigualdades existentes (Entrevista nº 02, de janeiro/2014). Esses fatores são os principais responsáveis pelo caráter das relações simétricas e equânimes que configuraram o processo de cooperação aqui analisado. Resta a constatação, a partir das entrevistas, de que o PNUD não impõe políticas públicas ao seu parceiro local, é “flexível e rápido” nas decisões tomadas, “é muito prático e, até este momento da cooperação realizada, tem dado ao MP respostas muito satisfatórias” (Entrevista nº 02, de janeiro/2014). A citação, a seguir, sintetiza o caráter de inexistência de assimetrias (LOPES, 2005) nas relações de cooperação estabelecidas: “Como o programa já atuava com a bandeira dos ODM, com a filosofia, com os princípios que regem os ODM, não houve uma superposição, porque a gente já vinha trabalhando com essa [gama de princípios]” (Entrevista nº 02, de janeiro/2014). O caráter simétrico e dialogado das relações potencializou a integração entre poder local/agência internacional,

27. Código do documento do projeto “Movimento Brasil ODM 2015”, (no qual está inserido o programa do MP aqui debatido), para busca no site do PNUD (2014a). 28. Conforme estabelecido no MOU, a implementação das atividades previstas deve estar regida em modalidade cost-sharing (divisão de custos), a partir do estabelecimento de acordos nos quais deverão estar especificadas as despesas de cada ação/atividade; todo custo não previsto na supracitada modalidade será de responsabilidade do MP (MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA; PNUD, 2012). 29. “O projeto foi destacado entre 411 iniciativas inscritas por MPs de todo o país” (PNUD, 2014b). 30. Promotora de Justiça do Ministério Público da Bahia e coordenadora do projeto “MP e os Objetivos do Milênio – Saúde e Educação de Qualidade para Todos”. 45


favorecendo ambos os lados. Por um lado, houve compreensão e flexibilidade por parte do PNUD, no que tangia às adaptações que o projeto teve que sofrer, em decorrência das peculiaridades de cada cidade na qual é implementado (Entrevista nº 01, de janeiro/2014). Por outro lado, o organismo internacional se beneficiou da legitimidade e do acesso que o Ministério Público tem no Estado da Bahia, pois, quando as comunidades passam a reconhecer, respectivamente, no promotor e no programa, um aliado e uma oportunidade para a promoção de melhores serviços públicos, a ONU se beneficia como parte dessa parceria (Entrevista nº 02, de janeiro/2014). [...] quando [vão] o PNUD e o MP, as pessoas começam a saber que a ONU tem um trabalho e veem que um “amigo” delas, que é o MP, é amigo da ONU também. [...] naquele momento do lançamento, e no [próprio] MP, talvez tenha sido a primeira vez que aquelas pessoas tenham ouvido falar a palavra “PNUD” ou “ODM”. [...] Como o MP é um órgão capilarizado [...], é como se nós fôssemos desbravadores do terreno para onde nós levamos as duas bandeiras: em uma mão a do MP, e na outra a da ONU (ENTREVISTA nº 02, de janeiro, 2014). A integração entre os atores da cooperação também se consolidou por meio do respeito ao plano de trabalho estabelecido por intermédio do MOU. O Ministério Público informava ao PNUD as tarefas a serem realizadas, com detalhamento de datas, custos e responsabilidades (Entrevista nº 02, de janeiro/2014). Por outro lado, outras dimensões da cooperação internacional constituem-se em fatores importantes no estabelecimento e na permanência das relações de parceria entre PNUD e MP, para a contínua implementação do Programa “Ministério Público e os Objetivos do Milênio: Saúde e Educação de Qualidade para Todos”. O PNUD proporcionou à agência local acesso a uma rede de parceiros com peso institucional de relevância, como a Secretaria-Geral da Presidência da República; permissão de uso de sua marca; e compartilhamento de custos conforme a modalidade acima descrita (cost-sharing). Já o MP proporcionou ao organismo internacional acesso à sua própria rede de parceiros (Fundação Odebrecht, Fundação José Silveira, Universidade Federal da Bahia); compartilhamento de custos, como supracitado; e informatização de todos os documentos concernentes ao projeto, o que denota organização, compromisso e transparência perante os parceiros31 (Entrevista nº 01, de janeiro/2014). Apesar dos diversos aspectos positivos observados até aqui no desenvolvimento das relações de cooperação entre PNUD e MP, alguns problemas na execução do projeto foram apontados pelos entrevistados. Os desafios e tensões na parceria internacional não foram caracterizados, todavia, como relacionados a aspectos negativos do PNUD. Foi dito, somente, que o desafio é alinhar a forma de trabalho das instituições. Para esta dificuldade, entretanto, negociações de prazos foram realizadas, e consensos, gerados. Há

flexibilidade, uma vez que o plano de trabalho estabelecido pelo MOU “[...] não é um trilho, mas uma trilha” (Entrevista nº 02, de janeiro/2014). Os maiores problemas apontados não foram vinculados à agência da ONU, mas a questões políticas, econômicas e sociais das áreas atendidas pelo projeto, como “[falta de] estrutura, professor, médico, aparelhos, rede elétrica, rede de água, falta de telefone”, ou a aspectos internos do próprio Ministério Público, como resistência à metodologia do projeto (Entrevista nº 01, de janeiro/2014). Mesmo com essas dificuldades, os entrevistados fizeram uma boa avaliação da experiência com o PNUD, sendo os benefícios e a permanência das ações da cooperação elementos de destaque em sua fala. O ponto positivo mais aparente foi o decorrente do uso da logomarca do organismo internacional. Segundo os entrevistados, o programa desenvolvido pelo MP “ganhou outra força” com o PNUD (Entrevista nº 01, de janeiro/2014), conquistando mais peso institucional. A parceria com o organismo internacional também empoderou o Ministério Público do ponto de vista político-institucional perante os atores locais, em conformação a análises desenvolvidas por teóricos (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013). Por exemplo, caso fosse preciso “[...] denunciar uma violação grave dos direitos humanos” (Entrevista nº 02, de janeiro/2014), o MP estaria mais seguro em fazê-lo. Há, ainda, uma dimensão mais sofisticada dos benefícios resultantes da cooperação internacional para o caso aqui tratado. Mesmo sendo o referido programa restrito às áreas de educação e saúde, um dos entrevistados afirmou que há desdobramentos para outras áreas (Entrevista nº 01, de janeiro/2014). Assim, além dos objetivos imediatos previstos pelo programa, podem ser alcançados benefícios outros, uma vez que o promotor do MP, ao aumentar seu contato com a comunidade local para verificar questões de educação e saúde, favorece a discussão sobre necessidades de outras áreas, como transporte, infraestrutura; e outros serviços públicos diretamente relacionados às ações que são objeto do projeto, e que acabam, também, “entrando no radar” (Entrevista nº 01, de janeiro/2014). O fortalecimento político-institucional do projeto, a partir da parceria com a ONU, influenciou, também, as dinâmicas internas do Ministério Público, gerando efeitos positivos para a permanência das ações de cooperação e para a continuidade do trabalho desenvolvido (Entrevista nº 02, de janeiro/2014). Atualmente, há procedimentos que tornam mais eficazes os processos de implantação do programa em novas cidades, ou de mudança de seus gestores locais (Entrevista nº 02, de janeiro/2014). Hoje, já há uma logística para o lançamento do projeto numa nova cidade, cujo promotor é auxiliado com material do programa (folders, panfletos etc.), com a assessoria de outro promotor que já tenha experiência com as ações; e, ainda, com a organização de uma audiência pública para lançamento do projeto, com depoimentos oriundos de outras cidades, realizações com o intuito de mostrar à comunidade local que tal iniciativa deu certo em outros lugares (Entrevista nº 02, de janeiro/2014).

31. “[...] que não são somente a agência internacional, ou outros órgãos públicos, mas os próprios cidadãos das cidades onde o projeto toma lugar” (Entrevista nº 01, de janeiro/2014). Essa organização e informatização dos documentos ajudarão o PNUD Brasil a contabilizar os resultados dos esforços de alcance das metas dos ODM até 2015 (Entrevista nº 02, de janeiro/2014). 46


Dessa forma, as Nações Unidas também são favorecidas, pois se demonstra para as comunidades atendidas que essa organização não é tão distante (Entrevista nº 02, de janeiro/2014). Neste sentido, a presença do escritório local do PNUD foi classificada como “importantíssima”, pois, além de contribuir para que as Nações Unidas fossem mais percebidas pela população local, facilitou os processos cotidianos da parceria estabelecida (Entrevista nº 02, de janeiro/2014). Essas informações apontam para a relevância de se considerar, na análise de processos de cooperação internacional, dimensões mais subjetivas, especialmente das forças sociais (COX, 1986) que envolvem as práticas realizadas. Isso se observa tanto quando há necessidade de se realizarem adaptações no projeto em razão das peculiaridades das diferentes realidades locais (Entrevista nº 01, de janeiro/2014), quanto em relação ao empoderamento que o promotor de justiça proporciona ao cidadão quando sai do gabinete e vai escutá-lo em sua comunidade (Entrevista nº 02, de janeiro/2014). Tal empoderamento do cidadão é de suma importância, pois muitas das cidades padecem sob a gestão de maus administradores públicos. Isso fica evidente quando ocorrem mudanças de governo e estas acabam por interferir no desenvolvimento das ações do programa coordenado pelo MP em parceria com o PNUD (entrevista nº 01, de janeiro/2014; entrevista nº 02, de janeiro/2014). Segundo uma entrevistada (nº 01, de janeiro/2014), isso, “infelizmente, é comum: quando o prefeito sai, ele leva os computadores ou estraga as memórias [destes]. Na parte administrativa da prefeitura, eles acabam com o histórico da administração pública”. A entrevistada informou, ainda, que o MP age nesses casos, forçando os ex-prefeitos a recuperarem e devolverem os dados e/ou informações perdidos, e punindo-os por isso. CONCLUSÃO Em essência, pode-se afirmar que o Programa “Ministério Público e os Objetivos do Milênio: Saúde e Educação de Qualidade para Todos” foi concebido e é executado para auxiliar no combate a esse tipo de realidade complexa e carente. Pode-se concluir que a parceria com o PNUD potencializou a atuação do Ministério Público, “ouvidor da sociedade” (Entrevista nº 02, de janeiro/2014), no que concerne às agendas das políticas públicas voltadas para a educação e a saúde. Segundo os entrevistados, o saldo das relações da cooperação internacional é positivo. Apesar das dificuldades encontradas, o programa apresenta perspectivas de ampliação de seu raio de atuação. A análise que aqui se explanou permite compreender que as iniciativas realizadas no âmbito do programa do MP da Bahia evidenciam pontos fundamentais para a compreensão das ações em torno dos ODM e para a agenda do desenvolvimento pós-2015: a) a garantia do desenvolvimento exige atuação local bem articulada com os atores desta escala; b) a democratização dos ODM é possível e necessária; c) dificilmente, sem o real engajamento do poder público local, as metas serão alcançadas; d) é possível desenvolver mecanismos de mensuração relativos ao alcance de objetivos e metas a partir da realidade local; e)

é importante o compartilhamento das experiências locais, pois a possibilidade de sua replicação (ainda que adaptada) pode significar avanços mais significativos na agenda pelo desenvolvimento. REFERÊNCIAS

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foto: Humberto Santana

EIXO TEMÁTICO:

PARTICIPAÇÃO SOCIAL E SEU PAPEL TRANSFORMADOR COMO ELEMENTO FUNDAMENTAL PARA A DISSEMINAÇÃO E O ALCANCE DOS ODM: AS NOVAS FORMAS DE PARTICIPAÇÃO, NOVOS PADRÕES DE INTERAÇÃO ENTRE OS AGENTES PÚBLICOS E PRIVADOS

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8. A Fraternidade como Elemento Fundamental para a Disseminação e o Alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: um olhar na perspectiva do idoso no Brasil Autoras: Roberta Terezinha Uvo Bodnar32 Geralda Magella de Faria Rossetto33

RESUMO O artigo tem por objetivo apresentar a fraternidade como elemento fundamental para a disseminação e o alcance dos objetivos do milênio, tendo como cenário o contexto dos novos padrões de interação e a possibilidade de uma agenda nos planos internacional e nacional dirigida ao idoso e vinculada aos seus direitos, especialmente o da saúde. A tarefa se justifica porque, se de um lado, a fraternidade tem como base a participação e o comprometimento, os objetivos do milênio requerem um sustentáculo voltado a tal dinâmica. Portanto, examinar essas duplas dimensões – fraternidade e objetivos do milênio – aplicando-as às questões do idoso é, por certo, tarefa que requer que seja concluída de forma a estabelecer, com base na fraternidade, uma agenda resolutiva da participação social e de seu papel transformador nos padrões de interação no alcance das metas dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, estabelecidos pela Organização das Nações Unidas. Palavras-chave: ONU. Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Idoso e Fraternidade.

ABSTRACT The article aims to present the fraternity as an essential element for the dissemination and achieving the millennium goals, against the backdrop of the context of new patterns of interaction and the possibility of an agenda at the international and national levels addressed to the old and linked to their rights, especially health. The task is justified because, on one side, the fraternity is based on the participation and commitment, the Millennium Development Goals require a mainstay returned to such dynamics. Therefore examine these dual dimensions – brotherhood and millennium goals – applying them to the old issues is certainly a task that requires to be completed in order to establish, based on fraternity, for resolute agenda of social participation and its transformative role in patterns of interaction in achieving the goals of the Millennium Development Goals established by the United Nations. Keywords: UN. Millennium Development Goals. Elderly and Fraternity.

1 INTRODUÇÃO A preocupação com o número de idosos no Mundo é questão que vem sendo tratada há mais de 30 anos pela Organização das Nações Unidas (ONU), desde a primeira Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, em 1982. O aumento significativo desse número, por certo, representa a assunção de várias questões relacionadas a esse quadro, inclusive na seara dos direitos. Uma breve análise dos temas relacionados aos direitos do idoso perante a Organização das Nações Unidas é suficiente para comprovar que essa instituição está de fato preocupada com o problema, inclusive com o modo de agir da família, da sociedade e do Estado como entes responsáveis por esse segmento. Entre os documentos, destacam-se: Plano de Ação Internacional sobre o Envelhecimento (ONU, 1982); Princípio das Nações Unidas em favor dos Idosos (ONU, 1991); Declaração Política e Plano Internacional sobre o Envelhecimento de Madrid

(ONU, 2002); entre outros documentos, com destaque aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). No Brasil, essa preocupação também está presente, não só no texto constitucional de 1988, mas também no Estatuto do Idoso, nas decisões dos tribunais, assim como no desenvolvimento de uma corrente que aborda esse assunto sob o prisma do Direito e da Fraternidade. Há ainda um aspecto relevante em relação à temática proposta, cuja referência diz respeito à participação social. O fundamento da referida indicação condiz com os movimentos sociais, dentro do qual há de situar-se, segundo um quadro de referência da ação social, a categoria do idoso. No âmbito desta pesquisa, a temática constitui um ponto essencial de análise por usufruir a condição de elemento fundante – ainda que não único – de uma das formas de participação, padrão e interação nos espaços

32. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Procuradora Federal em Florianópolis, Professora da Especialização em Direito Previdenciário da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) e Membro Efetivo do Instituto dos Advogados de Santa Catarina (Iasc). roberta.uvo@agu.gov.br 33. Mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Procuradora Federal em exercício na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora licenciada. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa Direito e Fraternidade da UFSC. geraldamagella@gmail.com 50


públicos e privados. Com efeito, este artigo, além de expor a caracterização do idoso, tem como pressuposto apresentar a fraternidade como elemento fundamental para a disseminação e o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, num cenário que abrange o contexto dos novos padrões de interação e a possibilidade de uma agenda dirigida ao idoso, em âmbito internacional e nacional. 2 A ONU E A PROTEÇÃO DO IDOSO EM FACE DOS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO: UM DESAFIO A SER CUMPRIDO A ONU, preocupada com o envelhecimento populacional, atua em prol dos direitos dos idosos há mais de 30 anos. Citam-se como principais instrumentos o Plano de Ação Internacional de Viena sobre o Envelhecimento (1982), o Princípio das Nações Unidas em favor das pessoas Idosas (1991), a Proclamação do Envelhecimento (1992) e o Plano Internacional (2002), elaborado pela II Assembleia Mundial do Envelhecimento, os quais constam da página oficial das Nações Unidas no Brasil (ONU, 2015). Impende registrar que, apesar de os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que deverão ser alcançados até 2015, não versarem expressamente sobre os direitos dos idosos, de sua análise verifica-se que muitos tratam, implicitamente, da questão, conforme se depreende da página oficial do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) (ONU, 2015): como reduzir a pobreza (ODM 1), combater o HIV/Aids a malária e outras doenças (ODM 6) e estabelecer uma parceria Mundial para o desenvolvimento (ODM 8), especialmente sobre a meta 6: em cooperação com as empresas farmacêuticas, proporcionar o acesso a medicamentos essenciais a preços acessíveis, nos países em vias de desenvolvimento. Nesse sentido, Silva e Silva (2012, p. 13), em artigo intitulado “Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio dos Idosos”, concluem que: Os ODM não tratam diretamente sobre idosos, mas uma leitura compreensiva e consciente do padrão populacional que emerge faz com que se incluam diretrizes e ações voltadas para aquele grupo. Os ODM compõem uma agenda mínima, com prazo certo. Ao contrário, as atenções com a velhice vão muito além de 2015 e demandarão, possivelmente, programas contínuos de cuidados com saúde, prevenção de doenças, manutenção de autonomia, fomento à independência e à participação na sociedade, solidariedade intergeracional, promoção de serviços especializados, capacitação de pessoal etc. Referente ao ODM 1 – redução da pobreza –, conforme o Relatório Nacional de Acompanhamento, publicado em maio de 2014, o Brasil assim constatou:

Sob o prisma das faixas etárias, a pobreza extrema continua mais elevada na infância e menor na maturidade, tendo sido virtualmente erradicada entre os idosos. A trajetória de desigualdade da incidência da pobreza extrema por grupos etários revela que, nos anos 1990 e durante grande parte da última década, os idosos foram os principais beneficiados pelas transferências sociais de renda (BRASIL, 2014, p. 20). De fato, os idosos foram beneficiados pelas transferências sociais de renda, destacadamente por intermédio do Benefício de Prestação Continuada (BPC), previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e disciplinado pela Lei Orgânica de Assistência Social (Loas). No entanto, esse benefício, que consiste em um salário mínimo, está muito abaixo de satisfazer as necessidades básicas dos idosos, especialmente quanto ao alcance da vida saudável, pois, apesar de se ter conhecimento de que o Estatuto do Idoso assegura a gratuidade de medicamentos, órteses e próteses ao idoso (§ 2° do artigo 15), percebe-se que a realidade é marcada por muitos entraves burocráticos para a concessão desses direitos, acabando o idoso por investir, financeiramente, em vários casos o seu benefício assistencial, para suprir de imediato essas necessidades. Os altos números de ações judiciais, conforme se pode constatar em matéria publicada na Folha de São Paulo34, retratam a realidade dessa burocracia; mesmo considerando que algumas não são viáveis, a grande parte, ao contrário, tem evidenciado a incapacidade do Estado de suprir a sua grande missão na área da saúde: garantia do acesso universal e igualitário (CRFB/88, artigo 196). Quando não possui condições de arcar com tratamentos, medicamentos e outros, ou não tem conhecimento de pleitear judicialmente tal direito, o idoso acaba adoecendo e, com isso, é usurpada a sua dignidade. Logo, da mesma forma como concluem os autores supramencionados, percebe-se que há necessidade de programas contínuos direcionados aos idosos; e, além da solidariedade intergeracional, a promoção da fraternidade por parte de todos: família, sociedade e Estado. Portanto, constata-se que as ações e as metas acima estudadas, reconhecidas pela ONU, impõem à família, à sociedade e ao Estado, a missão de proteger, promover e defender os direitos do idoso. 3 O IDOSO NO CONTEXTO DOS NOVOS PADRÕES DE INTERAÇÃO: A PARTICIPAÇÃO SOCIAL E SEU PAPEL TRANSFORMADOR Há muitos termos para designar o idoso: “velho”, “velhote”, “velhice”, “velhão”, “ancião”, dentre outros, mas aqui se adota o “tratamento mais respeitoso”: idoso (PEIXOTO, 2007, p. 78), aliás, como está expresso no Estatuto do Idoso, cujos termos do artigo 1º destacam o objetivo de regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou

34. Noticiou a Folha de São Paulo, em 7 de março de 2015, que, em 2014, foram 12.932 ações contra; 5.966, em 2010, todas em face da União. Além disso, destacou que “só em 2014, o valor repassado para cumprir determinações judiciais foi de R$ 871 milhões – é a maior quantia já registrada por este motivo. Em 2010, os gastos com demandas judiciais representaram R$ 183 milhões (todos os valores foram corrigidos pela inflação)” (CANCIAN, 2015). 51


superior a 60 anos (BRASIL, 2015). Apesar de reconhecer que o critério cronológico é pouco preciso para definir a pessoa idosa, esse critério, segundo AGUSTINI (2002, p. 24): “acaba sendo o mais utilizado quando existe a necessidade de delimitar a população a ser estudada, seja do ponto de vista epidemiológico ou administrativo ou para comparação de dados”. Além disso, para DEBERT (1999, p. 76): “tratar das idades cronológicas é reconhecer que elas são um elemento fundamental na tarefa do Estado moderno”; e, conforme PERES (2011, p. 115): “essa é a única forma de se atender ao interesse da maioria, uma vez que a análise pontual – caso a caso – inviabiliza o projeto de se conceder uma proteção especial, além de não dar segurança jurídica”. Opta-se neste, portanto, com o conceito cronológico, dada a complexidade de sua conceitualização. Beauvoir (1990, p. 345) escreve que “a velhice é o que acontece às pessoas que ficam velhas; impossível encerrar essa pluralidade de experiências num conceito, ou mesmo numa noção”. Ainda, Bobbio (1997, p. 18) acrescenta que “ao lado da velhice censitária ou cronológica e da velhice burocrática, existe também a velhice psicológica ou subjetiva”. Com relação ao critério cronológico do idoso, cumpre registrar que para a Organização Mundial de Saúde (OMS), em países desenvolvidos, aos 65 anos a pessoa é considerada idosa. Já para os países em desenvolvimento há variação nesse critério; exemplo é o caso da África, onde se propõe considerar aos 50 anos a pessoa como idosa (OMS, 2015). Para a Organização das Nações Unidas (ONU), é considerada idosa pessoa com idade igual ou superior a 60 anos (ONU, 2015). No Brasil, o Estatuto do Idoso não alterou regras excepcionais, como a redução da prescrição da pretensão punitiva do maior de 70 anos de idade, na data da sentença condenatória (artigo 115 do Código Penal). Além disso, o próprio Estatuto do Idoso prevê idade diferenciada para dois direitos: o Benefício de Prestação Continuada (BPC), previsto no artigo 203, inciso V, da CRFB/1988 e disciplinado pela Lei Orgânica de Assistência Social (Loas), e a gratuidade nos transportes públicos urbanos e semiurbanos, ambos destinados ao idoso com idade igual ou superior a 65 anos, nos termos dos artigos 34 e 39 do Estatuto do Idoso. Ao tratar dos termos empregados para o idoso no dia a dia, PEIXOTO (2007, p. 72-73, 77) concluiu que o Brasil se assemelha à França, onde os termos “velho” e “velhote”, quando são utilizados para designar o idoso, podem ou não estar carregados de sentido negativo; todavia, quando são empregados, reforçam “uma situação de exclusão social”. Ainda, a noção de “velho” é “fortemente assimilada à decadência e confundida com incapacidade para o trabalho: ser velho é pertencer à categorização emblemática dos indivíduos idosos e pobres”.

Não é adequado utilizar tais termos pejorativos, negativos e desprezíveis35, uma vez que o idoso se encontra em uma fase da vida em que, para a sociedade, conforme Beauvoir (1990, p. 8-12): “[...] a velhice aparece como uma espécie de segredo vergonhoso, do qual é indecente falar”, e “o velho incapaz de suprir suas necessidades representa sempre uma carga”. Mesmo depois de quatro décadas, essas afirmações de Simone Beauvoir (1970), bem retratam a realidade, inclusive no Brasil, como diz Souza (2002, p. 192): “O velho é visto como sinônimo de aumento dos gastos, tanto em um quanto em outro setor. É, inclusive, indevidamente responsabilizado pelos problemas provocados ora pela má administração pública, ora pelo uso inadequado dos escassos recursos dirigidos a ambos os setores”. Assim, na sociedade brasileira “a imagem que se tem da velhice ainda é bastante negativa” (LOBATO, 2004, p. 12). Essa negatividade, da mesma forma, faz-se presente nas políticas públicas na área da saúde do idoso (MINAYO; COIMBRA JR., 2002, p. 17). Contudo, esse mesmo idoso – visto, muitas vezes, como um “fardo” a ser carregado, especialmente na área da saúde – do ponto de vista econômico, entretanto, está inserido em um mercado crescente, tanto no consumo quanto na cultura, no lazer, na estética e nos serviços de saúde. Enquanto, sob o prisma sociológico, explicam Minayo e Coimbra Jr. (2002, p. 22), constitui um “emergente ator social, com poder de influir nos seus destinos, pela sua significância numérica e qualitativa, por meio da construção de leis de proteção, de conquista de benefícios e pela presença no cenário político”. Conclui Agustini (2002, p. 34) que a velhice “ao contrário do que pensa o imaginário coletivo, não é sinônimo de doença. Inclusive porque as doenças, que são mais frequentes em idades mais avançadas, são preveníveis, diagnosticáveis e tratáveis”. Nesse sentido, a ONU (2015) a respeito do estereótipo de que pessoas mais velhas não merecem cuidados de saúde, afirma: A idade não necessariamente causa dor, e só extrema velhice está associada à limitação da função corporal. O direito à melhor saúde possível, não diminui à medida que envelhecemos: É principalmente a sociedade que define os limites de idade para o acesso a tratamentos complexos ou reabilitação adequada e prevenção secundária da doença e incapacidade. Não é a idade que limita a saúde e participação de pessoas mais velhas. Pelo contrário, são os equívocos individuais e sociais, discriminação e abuso que previnem o envelhecimento ativo e digno. Com o intuito de verificar a condição da saúde do idoso brasileiro, o IBGE (BRASIL, 2009) formulou indicadores que permitiram ratificar a informação de que a mudança no perfil demográfico e epidemiológico acarretou crescimento das despesas com tratamentos médicos e hospitalares.

35. Não se desconhece a crítica de alguns autores, como a do Presidente da Academia Brasileira de Filosofia João Ricardo Moderno, ao comentar, em seu artigo “Ontoestética do idoso” (2004, p. 79), que “Velhice é uma palavra detestada pela onda politicamente correta, que prefere os eufemismos a chamar as coisas pelo nome”. 52


Depreende-se das palavras da Diretora-Geral da OMS, Margaret Chan, extraídas da notícia intitulada: “ONU pede saúde adequada a idosos em todo o mundo”, publicada na página oficial da Organização das Nações Unidas (2012): […] que as medidas para melhorar a qualidade de vida dos idosos não precisam ser caras. “Não devemos deixar que o dinheiro ou a falta de acesso decida quem se mantém em forma e quem se fragiliza mais cedo. Por exemplo, controle de hipertensão, usando medicamentos extremamente acessíveis, contribui enormemente para a longevidade, mas apenas 10% dos idosos no mundo em desenvolvimento se beneficiam deste tratamento.” Impende lembrar que o sexagenário não está de fato “velho”, tanto que no estudo da Antropologia, Assistência Social e outras, há a distinção entre “os idosos jovens e os idosos velhos”, nominando-os, respectivamente: terceira idade36 e quarta idade37 (PEIXOTO, 2007, p. 69-84; ROSA, 2004, p. 21-50)38. Das impressões de BOBBIO (1997, p. 1718), ao descrever a sua condição e a dos idosos na Itália, pode-se observar esta diferença: “Hoje um sexagenário está velho apenas no sentido burocrático, porque chegou à idade em que geralmente tem direito a uma pensão”. A proteção e a defesa dos direitos do idoso brasileiro devem ser objeto de maior atenção por parte da família, da sociedade e do Estado, uma vez que se calcula que, em 2050, 80% (oitenta por cento) das pessoas idosas viverão em países hoje considerados de expectativa de vida baixa ou média; e o Brasil, por exemplo, terá uma proporção de idosos maior que a dos Estados Unidos (OMS, 2015). Nesse sentido, a OMS prevê que até o ano de 2050 o número de idosos que não podem se defender sozinhos irá quadruplicar nos países em desenvolvimento. Muitos idosos com idade muito avançada perdem a capacidade de viver de forma independente, porque eles têm limitações de mobilidade, fragilidade ou outros problemas físicos ou mentais. Muitos precisam de alguma forma de assistência de longa duração, que pode incluir cuidados domiciliares ou comunitários, e ajuda para a vida cotidiana, reclusão em asilos e estadias prolongadas em hospitais (OMS, 2015). Essa também é a preocupação da ONU (2013, p. 75-76), que, em seu relatório da População Idosa no Mundo em 2013, concluiu que: Se as projeções atuais são alcançadas, o envelhecimento vai se tornar um fenômeno praticamente universal durante o século XXI, embora ele vá progredir com diferente intensidade e velocidade em todos os países e regiões. Esta mudança demográfica global implica desafios fundamentais sociais, econômicos e de desenvolvimento e oportunidades, não menos do que é a prioridade crescente para satisfazer as necessidades dos idosos, permitindo-lhes ter vida mais longa, mais saudável e mais produtiva.

O relatório também destacou algumas das principais consequências sociais e econômicas do envelhecimento. As razões de suporte de velhice (número de adultos em idade ativa por pessoa, com idade na população) já são baixas nas regiões mais desenvolvidas e em alguns países em desenvolvimento e deverão continuar a cair nas próximas décadas, com a consequente pressão fiscal sobre o apoio a sistemas para idosos. Em uma série de países em desenvolvimento, a pobreza é elevada entre as pessoas mais velhas, às vezes até maior do que a população como um todo, especialmente nos países com cobertura limitada dos sistemas de segurança social. Enquanto as pessoas estão vivendo mais tempo quase em toda parte, a prevalência das doenças não transmissíveis e o aumento da deficiência, como o envelhecimento da população, vão colocar uma pressão ascendente sobre os gastos com saúde nas próximas décadas. Com o aumento do número de idosos no país, consequentemente haverá necessidade de cuidados e atenção na área da saúde, tanto por intermédio do sistema público, quanto pelo sistema privado. Para muito além de uma retórica de proteção meramente formal, o que o idoso efetivamente necessita é da (re) afirmação e da tutela plena de sua dignidade. Afinal, desde Cícero ([s.d.], p. 79) já se tinha a percepção de que: “a velhice que se defende com palavras é miserável”; isto é, não bastam textos legais visando à proteção e à defesa dos direitos do idoso, mas atitudes e ações concretas que repercutam, positivamente, na sua vida. Logo, está caracterizada a necessidade de se proteger e defender os direitos do idoso na perspectiva digna e fraterna – dever que é atribuído à família, à sociedade e ao Estado. Afinal, este é o curso natural da vida, caso não ocorram fatalidades: tornar-se idoso. 4 A FRATERNIDADE E OS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO: O RECONHECIMENTO DA AGENDA EM PROL DO IDOSO – POR UM NOVO MODELO DE AGIR O que constitui esse novo modelo de agir na contemporaneidade, quando o tema é a categoria do idoso (?). As respostas a esse questionamento comportam respostas que vão desde a categorização dos movimentos sociais até a proposição que constitui, amiúde, um primeiro estágio de comportamento coletivo, cujos exemplos, perpassando a recepção dos mecanismos de participação voltados ao idoso, usufruem de significativa importância no cenário atual. O ideal de participação, incluindo também o ideal democrático, pressupõe a participação nas sociedades, que supõe, igualmente, a participação de cidadãos nos movimentos sociais. A contemporaneidade exige novos

36. Para PEIXOTO (p. 76), trata-se de “jovens aposentados”, sinônimo de ativos e independentes, sendo aqueles com idade igual ou superior a sessenta anos até setenta e cinco anos de idade. 37. Segundo PEIXOTO (p. 76) esta é uma nomenclatura francesa para designar pessoas maiores de setenta e cinco anos. A mesma autora (p. 81) afirma que o Brasil não chegou à quarta idade. 38. Para PERES (2011, p. 117): “[...] se observa uma alteração na composição etária dentro do próprio grupo, integrado, ele mesmo hoje por uma população ‘mais idosa’, acima dos 80 anos”. 53


padrões de interação entre os agentes públicos e privados; assim, os movimentos voltados à população idosa são relevantes pelo simples fato de que o envelhecimento da população mundial requer o enfrentamento a seus próprios problemas, a proteção por meio de medidas reivindicatórias e a promoção de pesquisas voltadas à questão – ações representativas desse novo modelo de agir atualizado com o anseio de participação, inclusive dos órgãos internacionais. A ONU, preocupada com o envelhecimento populacional, conforme referido no item 1, atua em prol dos direitos dos idosos há mais de 30 anos. Diante desse cenário, por certo a fraternidade detém a condição de ser portadora dos elementos necessários ao contexto dos novos padrões de interação, incluindo a possibilidade de uma agenda nos planos internacional e nacional dirigida ao idoso. Por certo, a opção detém como base a indicação da fraternidade, utilizada como princípio, categoria, expectativa ou experiência, consoante indica Barraneche (2010, p. 1820), tomada com os seguintes sentidos, respectivamente: a) princípio confere o sentido da base, origem, ou razão fundamental; b) por categoria, a fraternidade detém a conotação de ciência; c) na qualidade de perspectiva, a fraternidade se revela com a dimensão de um programa; e d) quanto à experiência, a fraternidade detém o condão de sua própria aplicação. Com efeito, a partir da dinâmica da fraternidade voltada para a sua própria vocação de convívio social, em que o eu e os outros poderão dimensionar uma base que se cria e recria no outro e com os outros, com vistas à obtenção de uma base de participação e cooperação, as quais, segundo a matriz haberliana, “são fundamentais, na esfera nacionalconstitucional e na internacional” (VERONESE, 2015, p. 30). A escolha é compatível, pois a fraternidade detém a base da participação e do comprometimento, sendo que os objetivos do milênio, sobretudo quando estão centrados nos direitos e nas questões dos idosos, requerem um sustentáculo voltado a tal dinâmica. Essa tarefa, por certo, requer uma conclusão, de forma a estabelecer, com base na fraternidade, uma agenda resolutiva da participação social, de forma que daí decorra um papel transformador nos padrões de interação quanto ao alcance das metas dos objetivos de desenvolvimento do milênio, estabelecidos pela Organização das Nações Unidas. Nesse sentido, este artigo expõe a fraternidade como elemento fundamental para a disseminação e o alcance dos objetivos do milênio, tendo como cenário o contexto dos novos padrões de interação e a possibilidade de uma agenda, em âmbito internacional e nacional, dirigida ao idoso. A tarefa se justifica, pois, se de um lado, a fraternidade tem como base a participação e o comprometimento, de outro, os objetivos do milênio requerem um sustentáculo voltado a essa dinâmica. Portanto, examinar essas duplas dimensões – fraternidade e objetivos do milênio – aplicando-as às questões do idoso é, por certo, tarefa que

requer seja concluída de forma a estabelecer, com base na fraternidade, uma agenda resolutiva da participação social e de seu papel transformador nos padrões de interação no alcance das metas dos objetivos de desenvolvimento do milênio, estabelecidos pela Organização das Nações Unidas. A ONU (2015) destaca: as pessoas tendem a valorizar e respeitar os idosos que amam ou conhecem, e suas atitudes para com os outros, na comunidade, podem ser diferentes. Em muitas sociedades, os idosos são respeitados, porém, em outras, menos; e a marginalização pode ser estrutural, por exemplo, quanto à idade de aposentadoria ou informal e contra as pessoas mais velhas vistas como menos produtivas e menos valiosas para um potencial empregador. Essas atitudes são exemplo de “ageism”39 – estereótipos de discriminação contra indivíduos ou grupos por causa da sua idade. O mesmo modo de agir que se tem com relação ao idoso que se ama ou conhece deve ser direcionado a todos, indistintamente e, dessa forma, nasce um novo modo de agir: o fraterno. A pergunta inicial deve ser esclarecida: o que é a fraternidade? Para muitos, fraternidade se confunde com solidariedade, mas para Veronese e Oliveira (2011, p. 16) trata-se do “bem relacional, o que emana de um relacionamento fraterno, um relacionamento de amor”. Cumpre distinguir fraternidade de solidariedade. Na linguagem filosófica do direito, segundo MELO (2000, p. 89) o núcleo da distinção seria: “o agir em benefício de outrem, ou seja, o compartilhamento social”. Pizzolato (2008, p. 113114) apresenta, nitidamente, a seguinte diferenciação: Assim, podemos identificar a fraternidade com aquela solidariedade que chamaremos de horizontal, uma vez que surge do socorro mútuo prestado entre as pessoas, e que se coloca ao lado daquela outra forma de solidariedade, ligada à fraternidade por um vínculo de subsidiariedade, e que chamaremos vertical, baseada na intervenção direta do Estado (e dos poderes públicos) em socorro das necessidades. O nascimento do modelo fraterno no âmbito jurídico, segundo Veronese e Oliveira (2011, p. 23), teria ocorrido no início dos anos 90, em Roma, quando um grupo de atores do direito começou a se encontrar regularmente e, aos poucos, vislumbrou “um novo modelo de agir, umas ações que tinham na sua essência o respeito pelo outro, a tolerância, o cuidado dos que atuavam no campo do direito, nas mais diversas atividades [...]”. De fato, hoje se constata que apenas a concretização dos princípios da igualdade e da liberdade é insuficiente para os relacionamentos, sem que sejam somados a um terceiro princípio: o da fraternidade – lema da Revolução Francesa –, afinal, segundo Oliveira (2013, p. 33):

39. Conceito trazido por Richard Butler, no fim de 1960 e adotado pela Comissão para o Desenvolvimento Social da ONU, durante a Segunda Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, realizada em Madrid, em 2002, que assim o definiu: “[...] meio pelo qual os direitos das pessoas idosas são negados ou violados. Estereótipos negativos e o denegrir das pessoas mais velhas podem ser traduzidos numa ausência de preocupação social para com os idosos, em risco de marginalização e na negação de igualdade de oportunidades, recursos e direitos” (VIEGAS; GOMES, 2007, p. 29). 54


O resgate e a concretização do princípio da fraternidade são fundamentais para que seja possível o enfrentamento de todos os problemas sociais ainda presentes na sociedade pós-moderna, como uma maneira efetiva de respeitar a dignidade de todas as pessoas humanas enquanto princípio universal que deve ser garantido para todos os cidadãos que fazem parte da Humanidade. Baggio afirma que a fraternidade não é utopia40, mas estratégia de eficácia. A fraternidade, dirigida a todos – família, sociedade e Estado –, com a proteção e defesa dos direitos do idoso, resulta na (re)afirmação e eficácia da dignidade da pessoa idosa. Conclui Veronese (2011, p. 130) que “a grande meta está em acreditar no ser humano”, do qual se exigem algumas análises e compromissos fundamentais, como a desconstrução de todos os preconceitos – para o tema em estudo, cite-se o “ageism” – e a introdução de valores, que propugnam pela valorização do ser humano – neste caso, o respeito e valorização do idoso (VERONESE, 2011, p. 128129). Nesse contexto, Consoli (2011, p. 174) considera que “o sentimento de egoísmo que impera nas relações sociais, mesmo as que se revestem das formalidades que justificam a qualidade de ‘justas’, deve ser afastado, para que só então se possa falar em relações fraternas e, por consequência, justas”. Nesse sentido, escreve CURY (2011, p. 346) que a fraternidade pode excluir o egoísmo “que muitas vezes congela os relacionamentos, e passa a exigir dos cidadãos o dever de acompanhar o Estado e a comunidade”. O dever de proteção e defesa dos direitos dos idosos por parte da família, da sociedade e do Estado, os quais – reafirma-se – são responsáveis pela existência e preservação da existência humana, já foi cogitado por Pufendorf (2007, p. 163), ao descrever os deveres do homem e do cidadão de acordo com as leis do Direito Natural mencionando, que, inclusive, permitem ao “Amor fraternal comum ser mantido entre os Homens”. Ao discorrer sobre a expectativa do mundo de hoje, Lubich (2013, p. 133), afirma que: “O amor fraterno estabelece, onde quer que seja, relacionamentos sociais positivos, capazes de tornar o consórcio humano mais solidário, mais justo, mais feliz”. A fraternidade, assim, é o “fio condutor” da solidariedade e da Justiça, consequentemente, da tão almejada paz. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pelas Nações Unidas, em 1948, norma comum a ser observada, também trata da fraternidade em seu artigo 1º, nos seguintes termos: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.

Além desse importante documento, que versa sobre a fraternidade, especialmente sobre o dever de todos de agir com espírito de fraternidade, a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988 (BRASIL, 1998), por seu turno, também expressa, em seu preâmbulo, como valor supremo, construir uma: “sociedade fraterna”. Nesse contexto, julgou o Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 2.649 (BRASIL, 2008): Para tanto, deve-se resgatar o novo modo de agir: o fraterno. Afinal, com prática de atitudes que respeitam, valorizam, protegem, promovem e defendem os direitos do idoso, especialmente daqueles expressos como Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, haverá a aplicação da solidariedade e da Justiça, consequentemente, da tão almejada paz. 5 CONCLUSÕES De todo o exposto, conclui-se que a fraternidade é compromisso de todos: Família, Sociedade e Estado, os quais têm o papel de proteger, promover e defender os direitos dos idosos. É relevante introduzir a fraternidade quando estiver associada aos objetivos do milênio, pois se obterão direitos na esfera nacional e internacional, pertinentes aos idosos, com qualidade o bastante para submetê-los a um padrão de eficácia. O idoso, por sua peculiar condição física e fisiológica, demanda proteção, promoção e defesa por parte de todos, inclusive da ONU, que, em uma posição horizontal, preocupada também com a mudança do perfil da população mundial, tem buscado (re)afirmar o direito à saúde do idoso, seja indiretamente, por intermédio dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), conforme estudados, seja diretamente, por meio do Plano de Ação Internacional sobre o Envelhecimento (ONU, 1982), do Princípio das Nações Unidas em favor dos Idosos (ONU, 1991), da Declaração Política e do Plano Internacional sobre o Envelhecimento de Madrid (ONU, 2002). Quanto aos principais instrumentos de proteção, promoção e defesa dos direitos relacionados ao idoso, especialmente os proclamados e reconhecidos pela ONU, pode-se constatar que essa instituição tem por objetivo assegurar, pelo viés da matriz disciplinar fraterna, um dos objetivos/ princípios fundamentais: a dignidade do idoso. Portanto, das preocupações refletidas pela ONU, concluise que não basta a simples solidariedade humana, mas sim o resgate do “espírito fraterno”, expresso no artigo 1o da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que recomenda a todos dispensar ao idoso, em geral, o mesmo tratamento relacional dispensado àquele que se ama ou conhece. De igual forma, também se espera uma cidadania efetiva, cuja tônica do reconhecimento da diversidade humana privilegie a promoção, proteção e defesa do idoso, com instituições e organismos que potencializem condições para a existência humana, sem referência à oposição, que pode ser antagônica, entre autoridade, autonomia e participação, cujo padrão seja de interação entre os agentes públicos e privados.

40. Nesse sentido, conclui Lubich (2013, p. 134): “pode-se afirmar que a fraternidade universal não só não é uma utopia, um desejo belo e desejável, mas, no fundo, irrealizável; ele é antes uma realidade que, cada vez mais, vai ganhando terreno na história”. 55


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Anelícia

Verônica

Bombana.

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e

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foto: Rafael Zart

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9. O papel da universidade na implementação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio Autores: Henrique Zeferino de Menezes Xaman Korai Pinheiro Minillo

RESUMO O objetivo deste texto é apresentar uma experiência bem-sucedida, em desenvolvimento na Universidade Federal da Paraíba (UFPB); mais especificamente, no Departamento de Relações Internacionais, contribuindo, assim, de uma forma bem específica no processo de implementação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) das Nações Unidas. Trata-se da execução de um Projeto de Extensão Universitária com ênfase na participação e na contribuição da sociedade civil na implementação dos ODM e de sua agenda para o período pós-2015, em desenvolvimento desde o início de 2015; e tem o suporte de outro projeto acadêmico científico, originado em 2014, e conta com a participação de professores do referido Departamento e alunos de graduação da UFPB. Seu objetivo fundamental é contribuir para a difusão da agenda entre organizações da sociedade civil do Nordeste brasileiro, além de atuar na capacitação de gestores e multiplicadores da agenda, em diversos espaços e instituições da região. O eixo temático abordado consiste na participação social e seu papel transformador: a participação social como elemento fundamental para a disseminação e o alcance dos ODM, suas novas formas de participação e seus novos padrões de interação entre agentes públicos e privados. Palavras-chave: desenvolvimento; sociedade civil; processo participativo.

1 INTRODUÇÃO Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) da Organização das Nações Unidas (ONU), estabelecidos em 2001, se constituíram como a maior iniciativa global voltada à redução da pobreza, da desigualdade e melhoria das condições econômicas e sociais dos povos, de forma integrada à promoção dos direitos humanos, em um grande esforço organizado pela comunidade internacional. Pode-se dizer que até a adoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, na 70ª Assembleia Geral da ONU, os ODM eram, sem dúvida, o maior compromisso global voltado ao desenvolvimento. Organizados em torno de oito objetivos, 18 metas e 48 indicadores, os ODM abrangeram uma grande quantidade de temáticas da maior relevância para a sustentação de estratégias de transformação social41. Em linhas gerais, os ODM e seu processo de implementação, apesar dos problemas na sua concepção e insuficiências no seu processo de efetivação relatadas em abrangentes análises, contribuíram, significativamente, para organizar um importante conjunto de ações globais, tendo como foco o desenvolvimento humano; e incentivaram a conformação de um entendimento mundialmente aceito acerca da centralidade de iniciativas voltadas ao alcance das suas metas (FEHLING; NELSON; VENKATAPURAM, 2013). O processo de negociação e adoção dos Objetivos

de Desenvolvimento Sustentável42, em setembro de 2015, consagrou e aprofundou essa visão global sobre a necessidade de se continuar avançando no processo de combate e erradicação da pobreza; e também de ampliar a visão sobre o que se entende, efetivamente, por desenvolvimento (sustentável) e fortalecer as ações de organizações internacionais, governos nacionais, sociedade civil, empresariado etc. para tal finalidade. Ficou claro, nas análises sobre o processo de adoção e implementação dos ODM e, especialmente, nas negociações para a construção da agenda pós-2015, que o sucesso de uma agenda global de desenvolvimento demanda uma ampla participação das populações; e não pode se constituir apenas em um discurso público e num conjunto de iniciativas adotadas por governos de forma espasmódica ou mesmo eleitoral. O processo de construção de uma agenda abrangente e que se pretende transformadora deve incluir, de forma ativa, a sociedade civil, da mesma forma que o controle e a supervisão das ações governamentais e do cumprimento das metas por parte dos indivíduos são fundamentais. A importância de uma maior participação social na formulação das iniciativas voltadas ao alcance das metas que

41. O ODM 1 tem como foco a erradicação da extrema pobreza e da fome; o ODM 2 estabelece o alcance universal da educação primária; o ODM 3 lida com a promoção da igualdade de gênero e empoderamento das mulheres; o ODM 4 volta-se à redução da mortalidade infantil; o ODM 5 tem como foco a melhoria da saúde materna; o ODM 6 lida com o combate ao HIV/Aids, malária e outras doenças; o ODM 7 trata da sustentabilidade ambiental; e o ODM 8 prevê a construção de uma parceria global para o desenvolvimento. 42. O processo de construção da agenda Pós-2015 teve início com a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio + 20) e sua base conceitual foi a publicação do documento “O Futuro que Queremos”. A conformação da agenda foi resultado de um processo de discussões e deliberações que teve o Open Working Group, no High Level Panel e no Intergovernmental Committee of Experts on Sustainable Development Financing e o UN Task Team como instituições fundamentais. No fim desse processo, antecedendo a Assembleia Geral, fora divulgado o documento final das negociações “Transforming our world: The 2030 Agenda for Sustainable Development”. 58


compõem os ODM e para a fiscalização das ações públicas se explica pela necessidade de adequação do discurso global e das grandes metas e objetivos em iniciativas e políticas que atendam às necessidades e particularidades locais; e que lidem, diretamente, com as demandas específicas de países e populações. A uniformidade do discurso global não deve ser entendida como a homogeneização dos caminhos para se alcançarem os objetivos ou com modelos e políticas de tipo one-size-fits-all, mas, ao contrário, deve ser traduzida para compreender os problemas locais. Nesse contexto, a universidade pode desempenhar um papel significativo e se apresentar como um ator relevante na promoção do desenvolvimento, assim como contribuir para a implementação dos ODM. A multiplicidade de ações e atividades desenvolvidas dentro desse ambiente, envolvendo ensino, pesquisa e extensão, carrega grande potencial transformador. E, justamente por reconhecer a importância das discussões acerca do desenvolvimento e do subdesenvolvimento no Brasil e da maior participação social na disseminação e implementação dos ODM, que docentes do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e um grupo de alunos se engajaram em projetos que têm a agenda de desenvolvimento das Nações Unidas como cerne. No âmbito estritamente acadêmico-científico, o projeto A Economia Política dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas, coordenado pelo professor Henrique Zeferino de Menezes, iniciou-se em 2014. E no ano subsequente foi aprovado, por meio do Edital Proext 2015, o Projeto A Participação da Sociedade Civil nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio pós-2015, coordenado pela professora Xaman Korai Pinheiro Minillo e pelo professor Henrique Menezes. Esses projetos serão tratados de forma mais detida, em seguida. O que interessa ressaltar, nesse momento, é o frutífero papel que a universidade pode desempenhar, promovendo a produção e a difusão de conhecimento qualificado na sociedade, incentivando a participação desta com atores públicos e privados, apreendendo as demandas e necessidades das populações e contribuindo para que sejam conhecidas e integradas aos projetos de desenvolvimento. 2 A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL E O PAPEL DA UNIVERSIDADE NA IMPLEMENTAÇÃO DOS ODM NO BRASIL A adoção dos ODM foi o marco de um processo de elaboração de uma nova proposta para o desenvolvimento global, que se apoiou em articulações prévias com outros atores internacionais, como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico; assim como se embasou, até certo limite, no histórico de Conferências das Nações

Unidas da década de 1990, que trataram de temas de grande incidência na agenda do século XXI, como direitos humanos, direito das crianças, mulheres e populações vulneráveis (SAITH, 2006; HULME, 2009)43. Os ODM foram desenvolvidos com metas a serem cumpridas e indicadores para sua mensuração, procurando-se alterar as direções do sistema internacional de promoção do desenvolvimento que, nas décadas de 80 e 90, vinham sendo dominadas por abordagens e perspectivas estritamente ortodoxas, com forte viés recessivo, pouco abertas à participação social e sem reconhecer os problemas relacionados à pobreza e à desigualdade como questões essenciais. A análise do momento histórico também é importante para se compreender o processo de construção da agenda. Ela foi desenvolvida em um contexto de maior abertura da agenda internacional à participação de novos atores, que vinha se desenrolando desde os anos finais da década de 1990, com a diminuição da tensão na política internacional e o aprofundamento de integração econômica mundial. Em importantes manifestações políticas e documentos formuladores de posições de organismos e instituições internacionais, como foi o caso do relatório do SecretárioGeral das Nações Unidas, “We the Peoples” (ANNAN, 2000), demonstrava-se, claramente, a expectativa de que os governos devessem agir por intermédio de parcerias; estas deveriam ocorrer com diversos grupos sociais e com a sociedade civil de forma mais aberta e consultiva, para o planejamento e o desenho de projetos de desenvolvimento. Por outro lado, esperava-se que esse documento fosse mais incisivo no exercício de pressão sobre seus representantes, além de mais rigoroso na fiscalização sobre aqueles. Reconhecendo a emergência da sociedade civil como um importante ator na articulação e defesa das normas globais, na erradicação da pobreza e promoção do desenvolvimento, ressalta-se que, para serem alcançadas com sucesso e em consonância com os desafios globais para esse fim, esses ODM devem ser desenvolvidos em harmonia com as demandas das populações, em seu planejamento e implementação, para garantir que reflitam as suas reais necessidades. A sociedade civil, em termos mais amplos, apesar de sua ampla participação nos processos de negociação das Conferências da ONU dos anos 1990 – promovendo propostas relativas ao desenvolvimento e aos direitos humanos – não teve espaço direto na formulação dos ODM. A agenda do milênio foi formulada por especialistas de países desenvolvidos e técnicos de organizações internacionais, sob a direção do secretariado da ONU44. Efetivamente, não houve a organização de comitês preparatórios abertos, em

43. A chamada “Década das Conferências” foi um momento histórico nos debates sobre desenvolvimento. Dentre as conferências realizadas, destacam-se: Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92); Conferência Internacional de Alimentação e Nutrição (Conferência de Roma, de 1992); Conferência Mundial sobre Direitos Humanos (Conferência de Viena, de 1993); Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (Conferência do Cairo, de 1994); Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social (Cúpula de Copenhague, de 1995); Quarta Conferência Mundial sobre as Mulheres (Conferência de Pequim, de 1995); Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos (Habitat II, de 1996); e Cúpula Mundial da Alimentação (Cúpula de Roma, de 1996). 44. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mais especificamente o Comitê de Assistência ao Desenvolvimento (CAD), teve papel central na construção do modelo que deu origem aos ODM. Com o intuito de repensar sobre o futuro da Ajuda Oficial ao Desenvolvimento (AOD), dado o período de decadência que a maioria das agências de assistência externa experienciava, foram criados, em 1996, no âmbito do CAD, os International Development Goals (IDG). Baseados fortemente nestes, os ODM foram moldados em torno de duas ideias centrais herdadas desse empreendimento: a perspectiva do desenvolvimento humano (human development); e a gestão pautada em resultados (results-based management) (HULME, 2010). 59


que a sociedade civil tivesse participação direta (BISSIO, 2003). Apesar da falta de inserção da sociedade civil no processo de planejamento dos ODM, levando em conta a importância da apropriação coletiva destes e da mobilização civil para o seu desenvolvimento adequado, a Declaração do Milênio insta os governos a avançarem em parcerias com a sociedade civil nos seus processos de desenvolvimento e alcance dos ODM. Tal abertura à participação foi estimulada, mas sem a definição de formas e modelos de como isso poderia ser realizado, efetivamente, e implementado pelos governos. Salienta-se que, com uma agenda simples, estruturada em torno de oito pontos gerais, os ODM são de fácil divulgação e, quando são conhecidos pelas comunidades, podem encaixar-se em diferentes realidades e inspirar ações de formas diversas. Para avançar na promoção do desenvolvimento, a ONU iniciou um processo de avaliação dos resultados alcançados dos ODM e promoveu a discussão sobre a agenda de desenvolvimento depois do ano de 2015, quando se encerra a vigência da agenda de desenvolvimento do milênio. É interessante ressaltar que, diferentemente do que se verificou na formulação dos ODM, a construção da nova agenda para o período pós-2015 tomou como responsabilidade e centralidade o compromisso de ampliar o processo participativo (VANDERMOORTELE, 2012). Por sua vez, pode-se dizer que se trata já de senso comum afirmar a importância da Educação nas trajetórias de desenvolvimento econômico e social dos países. Vários estudos apontam a relação direta da melhoria dos indicadores econômicos e sociais das nações com a ampliação do acesso à educação básica, o estímulo ao ensino superior e o incremento nos investimentos em pesquisa científica e tecnológica. Apesar dessa clara constatação, há ainda enormes lacunas e espaços para se aprofundarem as discussões sobre o papel da educação; especialmente nas Universidades, na produção e disseminação de conhecimento útil para embasar cientificamente e fomentar políticas públicas voltadas ao desenvolvimento, assim como a sua atuação direta na formação de recursos humanos e tecnologias sociais para contribuir, mais ativamente, na conformação de iniciativas intervenientes na sociedade. A universidade – especialmente as universidades públicas, no Brasil – tem papel fundamental e estratégico nessas três dimensões. De um lado, com a formação de cidadãos e recursos humanos qualificados e vocacionados para atuarem diretamente na solução de problemas técnicos e sociais condizentes com as demandas e especificidades nacionais; de outro lado, com a produção de conhecimento acadêmico-científico útil e de alta qualidade, capaz de sustentar e direcionar a solução desses problemas e de produzir inovações e revoluções que originem novos instrumentos para avançar

na superação de problemas estruturais. Além disso, a universidade tem ainda outra função, que se propõe justamente a combinar esses elementos de modo ativo e transformador da sociedade. A realização de projetos de extensão busca a externação direta da capacidade técnica e analítica produzida na universidade de forma integrada à sociedade. 3 PROJETO DE EXTENSÃO “A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NOS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO PÓS-2015” Em 2014, foi dado início ao projeto de pesquisa intitulado Economia Política dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas, com apoio do Programa de Iniciação Científica da UFPB e contando com a participação de três alunos do curso de graduação em Relações Internacionais da UFPB45. O projeto foi organizado em torno de dois eixos fundamentais. O primeiro deles abordou o processo de conformação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e seus impactos na Agenda pós-2015. Já o segundo foi voltado, especificamente, aos processos políticos para a conformação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Desde então, as atividades estão voltadas, sobretudo, à construção de um entendimento amplo e aprofundado sobre os processos políticos de adoção, implementação e avaliação da agenda de desenvolvimento das Nações Unidas. Esse projeto foi a base organizacional e intelectual para o passo seguinte dado no sentido da ampliação do grupo de pessoas tratando do tema, na UFPB. De forma geral, foi possível aprofundar o conhecimento acerca da agenda de desenvolvimento da ONU e as duas agendas específicas do século XXI46. Tendo como base o conhecimento produzido, os passos subsequentes foram, justamente, a elaboração e a consolidação do Projeto de Extensão Universitária Participação da Sociedade Civil nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio Pós-2015, aprovado e apoiado financeiramente pelo Ministério da Educação (Edital Proext 2015). A continuidade desse projeto para o ano de 2016 já fora aprovada por meio da seleção no Edital Proext 201647. Nesses projetos, o foco recai mais detidamente sobre o papel da sociedade civil, em geral, na implementação dos ODM, assim como já são planejadas formas de se tratar o processo de implementação dos ODS. A área de conhecimento própria das Relações Internacionais tem um forte caráter multidisciplinar, o que permite uma multiplicidade de abordagens e métodos para analisar os ODM. Em seus aspectos políticos, as Relações Internacionais tratam dos processos de negociações internacionais e da sua recepção pelos governos nacionais, abrindo espaço para o reconhecimento da interface entre as políticas domésticas e internacionais e como essas relações se desenvolvem. Além disso, são também objeto privilegiado desse campo a análise das iniciativas de cooperação internacional e a ajuda oficial para o desenvolvimento. Também se têm

45. Participam desse projeto os alunos do curso de Relações Internacionais da UFPB: Daniela Prandi, Marne Thereza de Lisieux Silva e Lima e Lucas Moura Máximo. 46. Parte dos resultados desse projeto foi apresentada em eventos acadêmicos. Destaque para a participação dos alunos mencionados na nota anterior na Mostra de Iniciação Científica do 5º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais, realizado na cidade de Belo Horizonte, em 2015. 47. Como foi mencionado, o projeto é coordenado pelos professores Xaman Minillo e Henrique Menezes e conta com a participação dos alunos do curso de Relações Internacionais Daniela Prandi, Juliana Rodrigues Moura, Lucas Barbosa da Silva, Lucas Moura Máximo, Luciana Correia Borges, Marne Thereza de Lisieux Silva e Lima, Mayara Amanda da Costa e Lima; e do curso de Direito da UFPB, Victor Machado Viana Gomes. 60


como foco e perspectiva analítica os próprios processos e políticas adotadas para o alcance dos ODM e a discussão dos seus aspectos socioeconômicos e de desenvolvimento. De forma prática, o projeto foi estruturado com o intuito de atuar na sociedade civil organizada, nos estados da região Nordeste do Brasil, por meio de uma agenda dupla, que envolve a simultânea capacitação de jovens e outros atores políticos e sociais para estimular sua participação de forma qualificada e efetiva nas discussões correntes; e também a identificação das suas demandas específicas relacionadas às questões que perpassam os ODM. Ou seja, tem-se como pressuposto o papel da universidade como agente promotor do desenvolvimento, difundindo conhecimento qualificado, promovendo a atuação política qualificada de atores sociais relevantes e coletando as perspectivas desses atores sobre a agenda de desenvolvimento na respectiva realidade. A atuação com grupos e atores sociais tende a permitir a construção de capacidades técnicas e organizacionais, para que esses possam acompanhar e contribuir de forma mais hábil para as discussões políticas relativas ao desenvolvimento socioeconômico. As capacitações foram estruturadas a partir de estudos sobre os ODM e ODS, suas metas, o cumprimento destas e a identificação de temas e questões prioritárias e, a partir disso, buscar-se qualificar jovens e outros atores da sociedade civil, preparando-os para acompanhar a implementação de políticas públicas voltadas à consecução dos objetivos de desenvolvimento. 3.1 ATIVIDADES DESENVOLVIDAS E RESULTADOS APRESENTADOS Desde o início do mencionado projeto de extensão, foram realizadas atividades variadas com propósito geral que consiste: na divulgação da agenda de desenvolvimento da ONU; na capacitação de grupos sociais e formação de multiplicadores; e no desenvolvimento de atividades no setor privado.

foto: Rafael Zart

As capacitações oferecidas pelo Projeto foram direcionadas a: i) grupos de jovens em situação de vulnerabilidade e outros grupos interessados na temática; ii) multiplicadores – membros de organizações da sociedade civil; iii) gestores públicos de municípios do interior dos estados do Nordeste.

CAPACITAÇÃO DE JOVENS – INSTITUTO MARIA MADALENA OLIVEIRA CAVALCANTE (IMMOC)

Local

Recife – PE

Data

12 de junho de 2015 14 de agosto de 2015 17 de junho de 2016

Público-alvo

Aproximadamente 60 jovens, com idade entre 16 e 21 anos, das comunidades dos municípios de Olinda e Recife – PE

Proponentes

IMMOC; Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD); Nós Podemos Pernambuco

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CAPACITAÇÃO PARA JOVENS E ESTUDANTES DA FACULDADE ASCES

Local

Campus I da Faculdade Asces

Data

23 de outubro de 2015

Público-alvo

50 participantes do Seminário “Desafios e Perspectivas Pós-2015” (majoritariamente estudantes de Relações Internacionais)

Proponentes

Associação Caruaruense de Ensino Superior e Técnico (Faculdade Asces); Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)

CAPACITAÇÃO PARA MULTIPLICADORES EM FORTALEZA – CE

Local

Fortaleza – CE: Associação de Prefeitos do Ceará (Aprece)

Data

7 de agosto de 2015

Público-alvo

Cerca de 50 pessoas (representantes de municípios cearenses; associações e órgãos estaduais e municipais)

Proponentes

Nós Podemos Ceará; Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade; Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)

CAPACITAÇÃO PARA MULTIPLICADORES EM SÃO BENTO DO UNA – PE

Local

São Bento do Una – PE: Câmara Municipal

Data

22 de setembro de 2015

Público-alvo

Cerca 50 pessoas (estudantes, professores e gestores da Secretaria Municipal de Educação de São Bento do Uma)

Proponentes

Nós Podemos Pernambuco; Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)

CAPACITAÇÃO: SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO MUNICÍPIO DE SÃO BENTO DO UNA – PE

Local

São Bento do Uma – PE

Data

24 de abril de 2016

Público-alvo

Aproximadamente 600 professores; e gestores da Secretaria Municipal de Educação

Proponentes

Secretaria Municipal de Educação, São Bento do Una; Núcleo ODS de São Bento do Una; Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento (PNUD)

CAPACITAÇÃO PARA MULTIPLICADORES EM RECIFE – PE

Local

Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe)

Data

29 de outubro de 2015

Público-alvo

Aproximadamente 50 pessoas, integrantes de secretarias municipais, entidades de ensino e movimentos sociais

62


Proponentes

Nós Podemos Pernambuco; Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade; Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)

CAPACITAÇÃO PARA MULTIPLICADORES EM NATAL – RN

Local

Natal – RN: Sebrae

Data

2 de dezembro de 2015

Público-alvo

Aproximadamente 20 pessoas, dentre as quais estudantes de pós-graduação; representantes de órgãos municipais e estadual; associações e entidades vinculadas ao Núcleo Nós Podemos

Proponentes

Nós Podemos Rio Grande do Norte; Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade; Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)

CAPACITAÇÃO DE MULTIPLICADORES

Local

Centro Estadual de Ensino-Aprendizagem Sesquicentenário, João Pessoa – PB

Data

4 de junho de 2016

Público-alvo

Aproximadamente 30 estudantes

Proponentes

Rotary Youth Leader Anwar (Ryla); Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)

SECRETARIA ESTADUAL DE PLANEJAMENTO E GESTÃO, PARAÍBA

Local

Secretaria Estadual de Planejamento e Gestão, Paraíba

Data

20 de junho de 2016

Público-alvo

Gestores municipais da Secretaria de Estado

Proponentes

Secretaria Estadual de Planejamento e Gestão; Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)

CAPACITAÇÃO: SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO MUNICÍPIO DE GUARABIRA – PB

Local

Guarabira – PB

Data

28 de setembro de 2016

Público-alvo

Aproximadamente 120 professores e gestores da Secretaria Municipal de Educação

Proponentes

Secretaria Municipal de Educação, Guarabira; Instituto Alpargatas; Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento (PNUD)

PREFEITURA DE POMBAL – PB I Seminário Regional dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

Local

Pombal – PB

Data

21 de outubro de 2016

63


Público-alvo

Gestores de Prefeitura Municipal de Pombal e cidades vizinhas; membros da Rede ODS Pombal e dos projetos Cemar; e Empoderar Pombal

Proponentes

Prefeitura Municipal de Pombal; Rede ODS Pombal; Cemar; Empoderar Pombal; Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento (PNUD)

Ao longo do curto período de desenvolvimento do projeto, foi possível identificar alguns resultados práticos das ações empreendidas. Seguem, abaixo, três exemplos, por meio de depoimentos de grupos e indivíduos-alvos do projeto, que ilustram três dimensões das ações e resultados.

específica, participaram 33 voluntários das diversas regiões do estado. Esses multiplicadores do Ceará compõem uma rede de 280 voluntários formados pelo PNUD Brasil, os quais atuam em seu estado específico. Ver o depoimento de um dos voluntários, em anexo.

i) Capacitação de jovens

Além das capacitações, foram realizados levantamento e classificação das pesquisas acadêmico-científicas e dos projetos de extensão realizados pela Universidade Federal da Paraíba, de acordo com sua relação com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. A partir de uma amostra inicial que contemplou apenas os projetos de Iniciação Científica submetidos entre 2013 e 2016, foram destacadas 515 relações com os ODS, em 411 projetos científicos. No caso de projetos de extensão, a amostra inicial contemplou os projetos de extensão do Proext 2015 e 2016, destacandose a relação com 99 objetivos, em 78 projetos.

As três capacitações realizadas no Immoc tiveram como objetivo apresentação da agenda a jovens do Programa Immoc, para que desenvolvessem projetos ao longo de um ano, sob supervisão, e que assim se apropriassem da agenda em suas ações cotidianas e políticas. O Anexo I contém breve depoimento de jovem que se engajou nas ações desenvolvidas pelo projeto. ii) Capacitação ao setor público (professores do Ensino Fundamental e gestores da Secretaria de Educação de São Bento do Una – PE) A Secretaria de Educação do município de São Bento do Una atua desde 2014, com foco nas agendas de Desenvolvimento das Nações Unidas. Até dezembro de 2015, as atividades giravam em torno dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e, a partir de 2016, foi iniciado o Projeto #MAIS – Moralidade +Ação +Integridade Social, que atua sob os marcos dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Com essas ações abriu-se a oportunidade de desenvolver, em toda a comunidade escolar, o senso de responsabilidade pelo desenvolvimento, algo que só é possível quando as pessoas têm acesso ao conhecimento e este é adquirido de forma sensível. Portanto, cabe ao professor, que é o principal agente transformador e a todos que fazem a escola adotarem atitudes que remetam ao bem comum em toda ação a ser desenvolvida. Para levar o conhecimento da agenda dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável foi realizada uma oficina ODS, para a preparação de projetos a serem desenvolvidos nas escolas, ao longo do ano de 2016, para 600 professores da rede municipal de ensino de 63 escolas, sendo três de educação infantil, envolvendo 10.129 alunos. O depoimento de Miriam Costa, Secretária de Educação do município, em anexo, esclarece os efeitos da capacitação. iii) Capacitação de grupos da sociedade civil (formação de multiplicadores)

A pesquisa continua em andamento para ampliar seu escopo para outros projetos científicos e de extensão, e seus resultados iniciais podem ser identificados nos Gráficos 1 e 2.

Gráfico 1 – Frequência de Objetivos nos Projetos Científicos

Erradicação da Pobreza Fome Zero Boa Saúde e Bem-estar Educação de Qualiadade Igualdade de Gênero Água Limpa e Saneamento Energia Acessível e Limpa Emprego e Crescimento Econômico

Ainda, foi realizada pelo PNUD, com apoio do Projeto de Extensão, a capacitação para formar multiplicadores ODM em transição para os ODS, no Estado do Ceará; a ação visou garantir melhores condições para a atuação dos voluntários, e que eles fossem capazes de obter os resultados esperados em prol dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e na transição para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Em uma oficina 64


Gráfico 2 – Frequência de Objetivos nos Projetos de Extensão

REFERÊNCIAS

ANNAN, Kofi A. We the Peoples – The role of the United Nations in the twenty-first century. New York: United Nations Department of Public Information, 2000. Disponível em: <http://www.un.org/en/events/pastevents/pdfs/We_ The_Peoples.pdf>. Acesso em: 30 out. 2015. BISSIO, R. Civil society and the MDGs. UNDP Development Policy Journal, v. 3, apr. 2003. FEHLING, M; NELSON, B; VENKATAPURAM, S. Limitations of the millennium development goals: a literature review. Global Public Health: An International Journal for Research, Policy and Practice, v. 8, n. 10, p. 1109-1022, 2013.

Erradicação da Pobreza Fome Zero Boa Saúde e Bem-estar Educação de Qualiadade Igualdade de Gênero Água Limpa e Saneamento Energia Acessível e Limpa Emprego e Crescimento Econômico

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Em linhas gerais, o que se buscou explicitar neste texto foi a importância da universidade nas trajetórias de desenvolvimento dos países e, especialmente, no processo de implementação dos ODM e dos ODS, o que já vem sendo promovido na agenda 2030. De forma distintiva, procurou-se apresentar uma experiência específica em desenvolvimento, até então, muito bem-sucedida, na Universidade Federal da Paraíba. O desenvolvimento do projeto de extensão destacado neste texto tem como referência o reconhecimento de sociedade civil como um ator político fundamental e seu papel específico na formulação e implementação de projetos de desenvolvimento adequados as suas necessidades e demandas específicas. Ou seja, aprecia a maior eficiência e adequação das intervenções e projetos públicos, além de sua sustentabilidade no tempo, quando atrelados a condições reais vivenciadas pelas populações afetadas. É nesse sentido que a universidade pode desempenhar um papel adequado, de capacitação e multiplicação de conhecimento e experiências. O projeto de extensão apresentado tem se baseado na produção de conhecimentos específicos acerca de projetos de desenvolvimento vinculados aos ODM. De forma geral, busca promover o desenvolvimento de estudos inovadores para as Relações Internacionais, entendidas como área do conhecimento específico, assim como para o próprio desenvolvimento econômico e social do país e difundi-los por meio das capacitações promovidas.

HULME, D. Lessons from the making of the MDGs: human development meets results-based management in an unfair world. IDS Bulletin, v. 41, n. 1, p. 15-25, 2010. ______. The millennium development goals (MDGs): a short history of the world’s biggest promise. Brooks World Poverty Institute. BWPI Working Paper 100. Manchester, 2009. Disponível em: <http://www.unidev.info/Portals/0/ pdf/bwpi-wp-10009.pdf>. Acesso em: 21 ago. 15. SAITH, A. From universal values to MDGs: lost in translation. Development and Change, v. 37, n. 6, p. 1167-1199, 2006. VANDEMOORTELE, J. If not the millennium development goals, then what? Third World Quarterly, v. 32, n. 1, p. 9-25, 2011.   ANEXO A Depoimento do Aluno Leonardo Alves Dias de Oliveira – Concluinte 2015 Importância da capacitação em ODM e ODS realizada pelos alunos da UFPB “Fui aluno da turma de 2015 do Immoc, Instituto Maria Madalena Oliveira Cavalcante, e participei da oficina de ODM e ODS realizada pelos alunos da UFPB, Universidade Federal da Paraíba. O nosso trabalho teve como objetivo os ODS 1 e 2 – Erradicação da pobreza e Fome Zero, respectivamente. Meu grupo aplicou o trabalho dos ODS nas comunidades do Chié, em Recife – PE, e no Alto Sol Nascente, em Olinda – PE. Entregamos cestas básicas para algumas famílias que se encontram em situação de pobreza e percebemos que a realização desse projeto não foi apenas um trabalho voluntário, foi também um ato de amor ao próximo. A importância dessa capacitação foi a contribuição para um futuro mais digno e poder me sentir bem ajudando outras pessoas.”

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ANEXO B Depoimento da Secretária Municipal de Educação de São Bento do Una – PE “Graças ao sucesso semeado nas Escolas da Rede Municipal de Ensino e numa perspectiva de dar continuidade ao trabalho iniciado no ano de 2014 com o Projeto ‘É GOL’, projeto este que vivenciou os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM); e por compreender que a temática foi muito bem aceita por escola e estudantes, incentivando-os a observar e a agir por um mundo melhor e mais justo, a Secretaria Municipal de Educação de São Bento do Una, no Estado de Pernambuco, Brasil, vivencia este ano (2016) o Projeto Anual ‘# MAIS – Moralidade + Ação + Integridade Social’, vivenciando os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Por compreender, como diz Paulo Freire (educador, pedagogo e filósofo brasileiro), que ‘O educar é impregnar de sentido o que fazemos a cada instante’, destacamos a importância e a ousadia de trabalhar uma temática fundamentada nos ODS, com um projeto de conscientização e mobilização apoiado pelo Proext UFPB-DRI e pelo PNUD, partindo do global para o local, num processo de transição de ODM para ODS, e quando se ampliam os objetivos. É assim que entendemos que podemos, de fato, semear e contribuir para um futuro melhor.”

ANEXO C Depoimento de multiplicador Maiso Dias Alves Júnior (Diretor da Dialogus Consultoria, professor universitário e diretor de Sustentabilidade e Planejamento da ABRH-CE) “É de extrema importância ser um multiplicador dos ODS aqui no Ceará, já que se trata de uma região com muitas desigualdades e desafios. A capacitação realizada pelos alunos Proext-DRI-UFPB tem me ajudado a disseminar os ODS e a contribuir para um mundo mais inclusivo e igualitário, seja com as empresas locais, [seja] na IES, Instituição de Ensino Superior onde leciono. Como membro da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRHCE), também venho disseminando os ODS nas empresas associadas, as quais estão conhecendo de perto a metodologia do guia de implementação dos ODS, e muitas [estão] aderindo à causa. Sou muito grato por participar da capacitação ODS e conhecer a metodologia; e poder repassar e disseminar os conhecimentos e poder contribuir para um mundo melhor.”

66


10. Participação Social como Método de Governo: estudo de caso sobre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio Autora: : Larissa Cristina Sampaio Barros48

RESUMO Este artigo é produto do Trabalho de Conclusão do Curso Gestão de Políticas Públicas, concluído em 2015 pela Universidade de Brasília. Trata-se de uma pesquisa documental, fruto da análise da participação social como estratégia para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, e qualitativa, que analisa o desempenho do Brasil com relação às Metas do Milênio traçadas pela ONU. A partir dos resultados obtidos, foi possível demonstrar como a inclusão da sociedade nas tomadas de decisão governamentais causou efeito na implementação das políticas públicas e no alcance dos ODM. Palavras-chave: Participação social. Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

1 INTRODUÇÃO Depois de uma longa fase política fortemente autoritária decorrente do Regime Militar, foi promulgada a Constituição de 1988, que aponta a importância da descentralização das decisões do Estado e a necessidade da participação da sociedade no processo político, bem como no monitoramento e na avaliação das políticas públicas. A partir de 2003, com Luiz Inácio da Silva à frente da Presidência da República, o governo federal demonstrou maior preocupação em dialogar com a sociedade e ampliou os espaços de interação entre atores políticos e civis, por meio da criação e realização de conselhos e conferências, ouvidorias, audiências, consultas públicas, redes sociais e plataformas digitais. Segundo o pesquisador Leonardo Avritzer, “[...] desde a primeira conferência nacional, realizada na área da saúde no governo Vargas, até o começo de 2012, foram realizadas 115 conferências. Destas, 74 ocorreram no governo Lula” (2012, p. 8). Situação que se expandiu em âmbito federal por meio da ampliação dos números de conselhos de políticas públicas e das conferências nacionais. A prática de conferências surgiu anteriormente à gestão de 2003, mas estava focalizada em poucas áreas, com destaque para saúde e assistência social. Discute-se bastante sobre a participação social relacionada às políticas públicas no Brasil, desde a formulação até a implementação e, exatamente por isso, é importante entender a relação da sociedade civil com o Estado e descobrir as maneiras pelas quais a participação social pode auxiliar o governo, de modo que as tomadas de decisão sejam as mais eficientes possíveis. A participação social, além de ajudar os governantes a entenderem suas principais necessidades, também pode contribuir para o controle social. Dessa forma, é interessante que a sociedade perceba que a interferência da população não só colabora para o desenho das políticas públicas,

como também influencia sua execução, monitoramento e avaliação. O Brasil viu nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) uma forma de ampliar a participação social no país, a fim de que o cidadão comum influenciasse de maneira protagonista as políticas sociais que refletiriam no bemestar da sociedade. Esses Objetivos surgiram depois de conferências internacionais realizadas pela Organização das Nações Unidas, na década de 1990. Em setembro de 2000, a ONU realizou a Cúpula das Nações, que contou com a presença de líderes mundiais dos 191 países; ali foi criada a Declaração do Milênio, documento que estabelecia uma agenda global, destacando os principais problemas relacionados à qualidade de vida, enfrentados por países pobres, dentre eles a pobreza, a desigualdade de gênero e a destruição do meio ambiente. Os ODM se dividiam em oito objetivos que visavam à melhoria das condições sociais e ambientais da sociedade. Cada país teria liberdade para escolher as estratégias que o auxiliariam no alcance das metas, dando ênfase em políticas públicas específicas, de acordo com cada meta; entretanto, observou-se que a escolha foi unânime entre os países. Para mensurar o avanço de cada país e estabelecer parâmetros de comparação, criou-se um sistema de monitoramento e avaliação composto por 21 metas e 60 indicadores, que contribuiu para o processo de análise das ações adotadas e garantiu a manutenção dos compromissos expressos no plano de ação. O Brasil apresentou resultados muito satisfatórios quanto ao cumprimento das Metas do Milênio e foi tido como referência em alguns Objetivos. A maioria das metas foi alcançada antes do tempo estabelecido pela ONU e, por isso, o país criou desafios ainda maiores sobre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. A principal estratégia

48. Graduada em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade de Brasília. 67


utilizada pelo Brasil foi incluir a sociedade civil e tornála parceira quanto à melhoria da qualidade de vida da população brasileira. 2 O PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL A literatura acadêmica de participação social demonstra convergência quanto ao seu conceito. Apesar de haver ideologias distintas, não há diferenciação conceitual entre os atores. Essa concordância ocorre, principalmente, porque a participação social é um fenômeno atual no Brasil.

fim de se construir outro modelo de sociedade e obter participação institucionalizada nas deliberações do Estado. Era necessária a criação de outros mecanismos de participação, além do voto, que incluíssem a expressão das multiplicidades e minorias da sociedade. Segundo Moroni (2009), o Estado precisava de estratégias que permitissem a participação da sociedade nas tomadas de decisão e não apenas garantir os direitos civis e sociais.

Dagnino (2002) explicita que a legitimidade da representação política dos interesses da sociedade civil não pode somente autorizar os governos a atuarem sem o acompanhamento dos cidadãos durante o mandato, e serem cobrados somente na próxima eleição. É necessário que a sociedade civil acompanhe e dialogue com o governo, a fim de mostrar suas demandas e controlar as decisões governamentais que estão sendo tomadas em prol da própria sociedade.

A Constituição Federal de 1988 aponta a necessidade de descentralização do Estado, assim como a transformação da participação social em diversas diretrizes políticas, principalmente com relação às políticas sociais. A Carta Magna garante a participação da sociedade civil nas tomadas de decisão governamentais, contanto que essa seja na esfera social. “Entretanto, quanto ao âmbito da economia, do sistema político e da democratização da informação e da comunicação, dimensões fundamentais para a construção de um Estado democrático, a Constituição de 1988 foi extremamente conservadora” (MORONI, 2009).

Sendo assim, participação social é uma reforma democrática da administração pública, baseada na necessidade de incentivar a participação de diferentes atores (governamentais e não governamentais), destinando condição paritária à participação cidadã nas tomadas de decisão do Estado.

Além da garantia de participação social prevista na Constituição, percebe-se que, nos últimos doze anos, houve um aumento de canais de comunicação entre o governo e a sociedade civil. Essas iniciativas geraram maior oportunidade de diálogo e empoderamento da população quanto à apresentação de suas reais demandas.

Também conhecida como cidadã, popular, democrática ou comunitária, a participação social configura diversas formas de intervenção, individual ou coletiva, capazes de gerar uma rede de cooperação e interação de cidadãos, grupos e instituições com o Estado e suas tomadas de decisão relacionadas à sociedade civil. O princípio participativo pode contribuir para a legitimidade do governo, promover uma cultura mais democrática e, além disso, tornar a gestão governamental e o desenho das políticas públicas mais eficientes.

Durante o período de 2003 a 2006, foram realizadas 43 conferências – 38 nacionais e 5 internacionais –, que mobilizaram cerca de dois milhões de pessoas da sociedade civil e do poder Público. Nota-se que, do conjunto de conferências realizadas de 2003 a 2006, 16 foram realizadas pela primeira vez (ROCHA, 2009). Analisando até 2009, eleva-se esse total para 55 conferências, demonstrando que, em apenas sete anos (2003-2009), foram realizadas, aproximadamente, 70% de todas as conferências ocorridas no Brasil em 21 anos (POGREBINSCHI, 2010, p. 45).

Controle social e participação social são comumente confundidos quanto à sua aplicabilidade. No entanto, de acordo com a Controladoria-Geral da União (2008) entende-se que controle social é a “participação do cidadão na gestão pública, na fiscalização, no monitoramento e no controle das ações da Administração Pública”.

A origem dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio está presente na própria história da Organização das Nações Unidas (ONU), que, por diversas vezes, empenhou-se em criar objetivos e metas globais para os países participantes, obtendo sucesso na maioria de suas propostas, embora tenha fracassado em algumas iniciativas.

Tanto a participação quanto o controle social são exercícios da cidadania e da soberania popular. A diferença entre os dois mecanismos participativos é que o primeiro está relacionado ao poder público e ao direito de se integrar e opinar nas decisões relativas à formação de ações normativas do Estado. Já o controle social refere-se ao direito de controlar as execuções das decisões políticas governamentais, com ou sem participação da sociedade civil.

Ao superar os riscos da Guerra Fria, do confronto entre as ideologias do comunismo e do capitalismo e abrir as portas para o novo milênio, o cenário internacional mostrouse propício à mobilização global, em busca de soluções que pudessem atender às exigências da nova agenda de interesse da humanidade e das relações internacionais. Diante disso, a ONU organizou conferências internacionais importantes da nova agenda, as quais poderiam ser abordadas pelas nações, com tema socioambiental.

3 A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL

Essas conferências tiveram relevância fundamental na preparação dos países para o lançamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, que ocorreu no ano 2000:

No fim da década de 1980, houve uma série de propostas de movimentos sociais (movimento negro, de mulheres, socioambientalista, indígena, homossexual, de pessoas com deficiência, de crianças e adolescentes, sem tetos, sem-terra etc.), até então sub-representados na política brasileira, para transformar demandas em direitos, a

Cúpula Mundial sobre a Criança (Nova York – 1990) Conferência sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Rio de Janeiro – 1992) Conferência sobre os Direitos Humanos (Viena – 1993) 68


Conferência Internacional sobre a População e o Desenvolvimento (Cairo – 1994) Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento Social (Copenhague – 1995) IV Conferência Mundial sobre a Mulher (Pequim – 1995) Conferência sobre os Assentamentos Humanos: Habitat II (Istambul – 1996) Durante os sete primeiros anos da década de 1990, as conferências com temas sociais mobilizaram grande parte da comunidade internacional e, além de coletar informações, geraram o impulso necessário para que em 2000 os 191 países se comprometessem com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Em setembro de 2000, a ONU realizou a Cúpula das Nações, com a presença de líderes mundiais dos 191 países, que criaram a Declaração do Milênio. Este documento estabeleceu uma parceria internacional da agenda global, destacando os principais problemas relacionados à qualidade de vida, enfrentados por países pobres, dentre eles: pobreza, educação, sustentabilidade social e desigualdade de gênero. A partir da Declaração do Milênio, foi elaborado o Sistema ODM – Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, ou os “Oito Jeitos de Mudar o Mundo”, como ficou conhecido no Brasil: 1 – Acabar com a fome e com a miséria. 2 – Educação Básica de qualidade para todos. 3 – Igualdade entre os sexos e valorização da mulher. 4 – Reduzir a mortalidade infantil. 5 – Melhorar a saúde das gestantes. 6 – Combater a Aids, a malária e outras doenças. 7 – Qualidade de vida e respeito ao meio ambiente. 8 – Todo mundo trabalhando para o desenvolvimento. A Cúpula das Nações estabeleceu que os governos teriam o desafio de alcançar as metas traçadas na Declaração do Milênio até o fim de 2015, ano em que seriam avaliados todos os avanços de cada país, e seriam traçadas novas metas que garantissem melhor qualidade de vida à população mundial. Ao usar a participação social como o principal mecanismo para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e perceber os bons resultados obtidos, o Brasil passou a se destacar e tornou-se referência para os outros países, pela maneira com que enfrentou problemas sociais e ambientais. Embora alguns indicadores demonstrassem que algumas metas não seriam alcançadas e que realizá-las até o fim de 2015 seria um grande desafio, o Brasil foi reconhecido, internacionalmente, por suas estratégias de ação em prol dos ODM. Vale ressaltar que as metas preestabelecidas eram amplas e, por isso, limitou-se, na maioria dos casos, a uma visão geral das realidades socioeconômicas dos países que colocaram os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio em sua agenda. O Brasil, como maior e mais populoso país da América do Sul, mantinha, no início da década de 1990, posições

inferiores à Argentina, Chile, Uruguai e Venezuela, em diversos indicadores que definem o ranking dos ODM. Os avanços do Brasil em direção ao cumprimento das Metas do Milênio foram muito expressivos e constantes, ao longo de duas décadas. A mobilização da sociedade civil e uma ativa participação social nos ODM ocorreram em razão do aumento da quantidade de pessoas e organizações sociais envolvidas nos processos participativos e decisórios, na elaboração de políticas públicas e na participação em seminários de ODM. Um exemplo dessa crescente participação foram as oito mil lideranças presentes nos seminários de divulgação da 4ª Edição do Prêmio ODM Brasil, em 2011, de acordo com a Secretaria-Geral da Presidência da República (2012). Em 2004, a mobilização da sociedade civil foi expressiva e importante para o alcance das metas dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. O governo federal – em parceria com os governos estaduais e municipais, com o Programa das Nações Unidas pelo Desenvolvimento (PNUD) e organizações sociais e empresariais – se uniu para criar o Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade. O Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade (MNCS) foi um dos principais agentes que contribuíram para o alcance das Metas do Milênio. O Movimento foi uma grande rede interorganizacional que contou com a participação de diversos setores do Estado, da sociedade civil e de empresas do setor privado, cuja finalidade era mobilizar a sociedade civil e os governos em prol das metas do Milênio, por meio da ampliação, implementação e monitoramento das políticas públicas. O MNCS tem um modelo de gestão diferente, pois conta com o Estado protagonizando ações e discussões com a sociedade, ou seja, ambos trabalham juntos (COSTA, 2013). Atualmente, o Movimento Nacional é integrado, em sua maioria, por cidadãos voluntários, mas também tem participação de empresas, associações e organizações sociais, entidades de classes profissionais, sindicatos, ONGs, fundações, institutos, universidades, representantes dos poderes públicos, movimentos religiosos e igrejas, grupos, segmentos comunidades, entre outros. O Movimento tem pautado suas ações por meio da mobilização e articulação de lideranças sociais, com a finalidade de implantar e fortalecer Núcleos Estaduais e Municipais dos ODM e se autodefine como apartidário, ecumênico e plural. Tem como missão institucional divulgar os ODM para a sociedade, estimular o voluntariado de pessoas e organizações e estimular o compromisso de instituições públicas e privadas, além de potencializar ações já existentes. A Secretaria-Geral da Presidência da República foi o órgão designado para manter estreita relação com os movimentos sociais, organizações não governamentais e sociedade civil de modo geral para descobrir suas principais opiniões e demandas acerca do desenho das políticas públicas. Dentre as seis subdivisões da Secretaria-Geral, a responsável por estimular e apoiar iniciativas para que o Brasil alcance os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e coordenar o Prêmio ODM Brasil foi a Secretaria Nacional de Relações Político-Sociais (SNARPS). A ela cabia, também, a 69


responsabilidade de acompanhar as atividades e iniciativas das prefeituras e da sociedade civil em prol dos ODM, e de divulgar e incentivar a participação de todos os níveis do governo e a sociedade civil em programas e projetos sociais que impactassem, positivamente, os indicadores dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. 4 PARTICIPAÇÃO SOCIAL NOS ODM – BRASIL O governo federal, em parceria com iniciativas da sociedade civil, de empresas e dos governos municipais, passou a seguir estratégias traçadas a favor das Metas do Milênio. A maioria delas está relacionada à ampliação da participação social, desde a criação de um plano de trabalho que tenha foco em demandas específicas da sociedade, até o acompanhamento e a avaliação da agenda dos governos municipais. Em âmbito nacional, o Brasil progrediu, gradativamente, no cumprimento das Metas do Milênio e serviu de modelo para outros países engajados com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Entretanto, quando a análise deixa de ser realizada no país como um todo e passa a enfocar os municípios, a situação torna-se menos otimista. Esse fenômeno ocorre porque alguns estados e municípios brasileiros superam as metas e ofuscam os resultados inferiores de algumas regiões. Com isso, a média brasileira apresenta dados extremamente positivos. Em diversas conferências, a ONU sugeriu aos países que adotassem a localização dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, para que as metas fossem alcançadas. “Municipalizar” significa “chegar aos municípios”, onde as políticas públicas são capilarizadas, a fim de identificar os locais que as políticas públicas federais não tinham tanto alcance e criar métodos para que a melhoria da qualidade de vida da população de lugares mais distantes também fosse garantida. Somente contemplando as necessidades brasileiras em âmbito municipal, o Brasil alcançaria todas as Metas do Milênio. A agenda de municipalização dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio deveria ser um compromisso do município e não apenas do prefeito municipal. Sem isso, dificilmente a municipalização seria institucionalizada, podendo ser interrompida ou durante o próprio governo ou nas mudanças de mandato. O primeiro mecanismo que auxiliou a municipalização foi o Portal ODM (www.portalodm.com.br); esta ferramenta foi desenvolvida e mantida pelo Serviço Social da Indústria do Estado do Paraná (Sesi – PR), em parceria com o PNUD e a Secretaria-Geral da Presidência da República, em que é possível consultar o desempenho dos 5.565 municípios brasileiros em relação a cada um dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, apresentados por meio de indicadores, gráficos, números e mapas. Outro método facilitador utilizado para que as prefeituras e a população consolidassem os ODM nos municípios foi a Agenda de Compromissos, que consistia em indicadores sociais que facilitavam o planejamento e o monitoramento dos programas nos municípios. Esses indicadores, alinhados às políticas sociais federativas e aos Objetivos

do Milênio, permitiram traçar um diagnóstico local e estabelecer metas anuais executáveis para os quatro anos de mandato. A Agenda de Compromissos sugeria que os gestores dessem prioridade à implantação de um conjunto de 25 programas sociais propostos pelo governo federal, visando à melhoria dos indicadores sociais dos municípios brasileiros. Cada Objetivo contava com programas definidos pelos ministérios de maior aderência ao tema e davam ênfase na gestão dos municípios, a fim de melhorar o desempenho nas áreas da ação social, da educação, dos direitos humanos das crianças e da mulher, da saúde e do meio ambiente. Ao disponibilizar informações que poderiam ser compartilhadas com a sociedade, a Agenda de Compromissos também funcionava como instrumento de transparência, controle e coesão social. Sendo assim, o estímulo efetivo à cooperação federativa entre governos e sociedade era incentivado e, consequentemente, o apoio social para um planejamento e execução de maneira competente e eficaz era fortalecido. A agenda de Municipalização dos Objetivos de Desenvolvimento do milênio deveria ser um compromisso do município, e não apenas do prefeito municipal. Sem o esforço de todos os setores do município, dificilmente essa estratégia seria institucionalizada. Para articular a organização de setores da sociedade civil e do poder público local na realização de programas e projetos que alcançassem as Metas do Milênio, surgiu o Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade (MNCS). A este Movimento eram destinadas ações importantes, como: promover, incentivar e organizar a composição de Núcleos de ODM municipais e regionais e dar apoio aos já existentes; capacitar gestores e representantes da sociedade civil por meio de cursos presenciais e a distância, oficinas e seminários, para desenvolverem ações objetivando alcançar os ODM; divulgar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), para amplo conhecimento da sociedade brasileira; promover a participação da sociedade civil, das instituições públicas e privadas e do poder público local na plataforma ODM; incentivar o trabalho voluntário de pessoas e organizações, potencializando ações já existentes; formar parcerias e implementar ações para promover o desenvolvimento sustentável e a melhoria da qualidade de vida; promover e incentivar a realização de projetos, programas e ações sinérgicas nos estados, municípios e comunidades; monitorar a evolução das metas e dos indicadores dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), em âmbito nacional, estadual e municipal, e propor estratégias de ação para situações em que os indicadores não apresentem os resultados esperados. O Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade pautou suas ações por meio de mobilização e articulação de lideranças sociais, com a finalidade de implantar e 70


fortalecer Núcleos Estaduais e Municipais dos ODM. Em todos os estados brasileiros, havia Núcleos Estaduais dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, que serviram como desaguadouros das ações do Movimento Nacional e eram mobilizados pelo próprio movimento. Funcionavam com o objetivo principal de motivar a sociedade para impulsionar e disseminar os ODM em todo o Brasil. A fim de incentivar, valorizar e dar visibilidade a boas práticas de órgãos governamentais e do setor privado, das associações da sociedade civil, fundações, universidades públicas, entre outros, que contribuíram diretamente para o alcance das metas dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, o governo federal editou um decreto, em 15 de dezembro de 2005 – revogado em 2007 pelo Decreto nº 6.202 –, propondo que um prêmio fosse concedido, a partir de 2005 até 2015: o Prêmio ODM Brasil. Desde sua criação, em 2004, o Seminário de Divulgação do Prêmio mobilizou mais de 30 mil lideranças sociais, políticas e empresariais, em todo o país. Ao longo das quatro edições, foram apresentados 6.187 projetos e 110 foram premiados. A quinta edição, encerrada em maio de 2014, selecionou 65 práticas e premiou 30, dentre elas, iniciativas de prefeituras e de organizações sociais. O Prêmio ODM Brasil foi coordenado pela Secretaria-Geral da Presidência da República, em parceria com o Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade, o Programa das Nações Unidas pelo Desenvolvimento (PNUD), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a Escola Nacional de Administração Pública (Enap). Os critérios para que as organizações da sociedade civil e as prefeituras pudessem inscrever seus projetos eram: a contribuição para o alcance dos ODM; o impacto no público atendido; a participação da comunidade; a existência de parcerias; o potencial de replicabilidade e completaridade; e/ou a articulação com outras políticas públicas já existentes. A quinta edição do Prêmio ODM Brasil teve início em 2013 e foi concluída em junho de 2014. Naquela ocasião, 1.090 práticas foram enviadas (sendo 804 organizações e 286 prefeituras), 65 projetos foram selecionados para finalistas e 30 foram contemplados com o Prêmio. Das 65 iniciativas finalistas, cinco foram da região Centro-Oeste; 19, do Nordeste; nove, do Norte; 21 foram da região Sudeste; e 11, do Sul. Por serem de fácil replicabilidade e obterem sucesso, as boas práticas finalistas transformaram-se em modelos de projetos que poderiam ser implementados em outras comunidades. Portanto, o Prêmio ODM deu visibilidade a modelos de sucesso de iniciativas sociais de diferentes órgãos, que visavam ao acesso a melhores condições de vida. 5 CONCLUSÕES A participação social no Brasil teve sua institucionalização marcada com a promulgação da Constituição de 1988. A partir daí, os canais de comunicação entre o Estado e a sociedade civil se ampliaram à medida que o governo percebeu a necessidade de saber a opinião, o interesse e as

principais demandas da sociedade com relação a políticas públicas que melhorassem suas condições de vida e que beneficiassem uma quantidade maior de cidadãos. Para isso, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio foram criados e tinham como finalidade traçar metas que melhorassem a qualidade de vida das pessoas de classe econômica mais vulnerável. O Brasil enxergou os ODM como uma grande oportunidade de incluir a sociedade nas tomadas de decisão e participação ativa perante as políticas públicas. Em âmbito federal, os dados relacionados aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio foram muito otimistas, tendo em vista que o Brasil, depois de superar algumas metas, redimensionava esses desafios e, além disso, aproximouse bastante das que não foram totalmente alcançadas. Com os dados apresentados pelo Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, foi possível perceber que o Brasil alcançou a maioria dos ODM em âmbito federal. Entretanto, ao focalizar regiões ou municípios, observou-se que muitos municípios permaneceram com desenvolvimento baixo e que quase não houve progresso. Dessa forma, depois de uma conferência com participação de todos os países engajados a favor dos ODM, a Organização das Nações Unidas decidiu que seria necessário um novo mecanismo que alcançasse todas as regiões, cidades e municípios, principalmente os mais periféricos. Para isso, o método recomendado foi a municipalização. No cenário atual político e social, nem todos os movimentos sociais foram caracterizados por um ativismo de embate e conflito contraposto ao poder do Estado. O Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade foi um exemplo de articulação conjunta com diferentes setores sociais, incluindo o próprio Estado como ator e protagonista. O movimento se organizou em torno de uma proposta desenvolvimentista, em que a plataforma ODM foi abraçada como um projeto político de combate à pobreza e de promoção do desenvolvimento social. A gestão de políticas públicas percebeu-se cidadã, na medida em que se viu influenciada pela sociedade civil, com um efetivo empoderamento, a democratização das redes de movimentos e a conscientização da sociedade sobre o direito de participar. Os ODM e o MNCS interessaram-se não só pela concretização das ações no plano de políticas públicas, mas também que cada setor desenvolvesse projetos que contribuíssem para o alcance dos ODM. Dessa forma, as pequenas práticas dentro de associações locais foram incentivadas, formandose um espaço de pluralidade de atuação. A formação de redes de movimentos contribui para a horizontalidade do movimento, enquanto a parceria dos diferentes setores contribui para a valorização da participação social. O Brasil avançou bastante no tocante ao cumprimento das metas dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio; e, embora não tenham sido analisados outros aspectos, como 71


o orçamento destinado aos Núcleos para a continuidade dos projetos dos municípios ou a qualidade da capacitação dada aos membros do Movimento Nacional de Cidadania e Solidariedade, observa-se que utilizar a participação social como método de governo, especialmente no caso dos ODM, pode gerar impacto positivo nas políticas públicas. Reconhecendo que as atividades relacionadas aos ODM devem ser contínuas, a Organização das Nações Unidas já instituiu novos debates com os países sobre a criação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para suceder os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio de 2015. Uma diferença já detectada entre os ODM e os ODS consiste na ampliação da participação social desde a definição das novas metas e objetivos. Na definição dos ODS, há canais diretos e indiretos para as opiniões, nos quais a ONU e alguns governos estão realizando diferentes modalidades de consultas. Sendo assim, a chance de refletir os anseios da sociedade se amplia, abrindo uma oportunidade rara para que cidadãos apontem o caminho que desejam que seus governantes sigam.

MODESTO, Paulo. Participação social na administração pública. Mecanismos de operacionalização. Jus Navegandi, n. 54, fev. 2002. Disponível em: <http://www.jusnavegandi. com.br>. Acesso em: 5 fev. 2015. POGREBINSCHI, Thamy (Coord.); SANTOS, Fabiano. Entre representação e participação: as conferências nacionais e o experimentalismo democrático brasileiro. Rio de Janeiro, Brasília: Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, 2010. (Série Pensando o Direito)

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foto: Humberto Santana

COSTA, Lilian Raquel da Silva. Movimento nacional pela cidadania e solidariedade: refletindo sobre as relações entre Estado e sociedade. 2013. 75f. Monografia. (Bacharel em Ciência Política). Universidade de Brasília, Brasília, 2013. DAGNINO, E. Sociedade civil, espaços públicos e a construção democrática no Brasil: limites e possibilidades. In:_______. Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002, p. 279-301. KÖRBES, Laurêncio João. Os objetivos de desenvolvimento do milênio nos países da América do Sul. 2011. 95f. Monografia. (Especialista em Relações Internacionais). Universidade de Brasília. Brasília, 2011. MORONI, José A. O direito à participação no governo Lula. In: AVRITZER, Leonardo. (Org.). Experiências nacionais de participação social. São Paulo: Cortez, 2009.

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11. Projeto Desperta Litoral: resultados de uma experiência que se revela compatível com os objetivos do milênio Autora: Juçara Freire Santos49 Autor: Robinson Moreira Tenório50

RESUMO Este estudo avalia os resultados do projeto Desperta Litoral, que tem o objetivo de contribuir para a melhoria das condições de vida, trabalho e fortalecimento da organização produtiva de 13 grupos solidários, participantes do Fórum Sustentável da Costa dos Coqueiros. O projeto propõe investir recursos na reorganização produtiva dos grupos, oferecer capacitação em temáticas demandadas por esses e implantar o Fundo Rotativo Solidário da Costa dos Coqueiros. No alcance dos objetivos específicos do projeto Desperta Litoral, verificaram-se aumento da produção dos grupos, diversificação da produção, aumento da arrecadação, melhoria da organização dos grupos, aumento da participação, elevação da motivação, articulação com a sociedade civil e as esferas do governo. Os resultados são de fácil associação aos objetivos do milênio, especificamente à meta: acabar com a fome e a miséria – redução da pobreza. Palavras-chave: Resultados. Fome. Miséria. Redução. Pobreza.

1 INTRODUÇÃO O estudo tem o propósito de avaliar os resultados do projeto Desperta Litoral, cujo objetivo geral é contribuir para a melhoria das condições de vida e de trabalho, por meio do fortalecimento da organização produtiva, de 13 grupos solidários participantes do Fórum Sustentável da Costa dos Coqueiros. O projeto tem como objetivos específicos: 1) melhorar a capacidade produtiva de 13 grupos solidários, com a aquisição de materiais e equipamentos necessários à sua organização; 2) oferecer capacitação para a gestão do fórum e em temáticas específicas para as cadeias produtivas (agroecologia, pesca, artesanato e serviço de alimentação); e 3) implantar o Fundo Rotativo Solidário da Costa dos Coqueiros. O projeto foi executado pelo Fórum Sustentável da Costa dos Coqueiros, que é o proponente, selecionado no Edital Público 001/2011 da Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (Setre) do governo do Estado da Bahia. A realidade social denuncia um panorama marcado por desigualdade e exclusão econômica, social e política. Compreende-se que a busca de alternativas ao modelo de desenvolvimento excludente pela via da iniciativa de implantação de um Fundo Rotativo Solidário tem relevância, por tratar-se de uma ação pública de apoio às finanças solidárias, numa relação em que se dá o exercício do princípio da redistribuição entre o governo e a sociedade civil. A meta 1 dos Objetivos do Milênio – acabar com a fome e a miséria – consistia em uma estratégia de reduzir pela metade, até 2015, a proporção de populações com renda inferior a um dólar por dia e que sofriam com a fome,

conforme o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS) de 2001. O objetivo geral do projeto alinha-se à meta no combate à pobreza, num esforço coletivo entre governo, organizações não governamentais e comunidades na sociedade civil, por meio de políticas públicas que garantam condições básicas para a sobrevivência. O Fundo Rotativo Solidário da Costa dos Coqueiros propõe constituir-se numa organização comunitária, no âmbito dos grupos produtivos que compõem o Fórum Sustentável da Costa dos Coqueiros, com o objetivo de oferecer serviços financeiros em rede. Trata-se de uma metodologia participativa com garantias baseadas no aval solidário e na gestão de um comitê gestor local, composto por representantes dos grupos produtivos eleitos e pela diretoria do Fórum. O objetivo da pesquisa é avaliar os resultados do projeto Desperta Litoral, analisando a sua contribuição ao desenvolvimento local sustentável-solidário, na Costa dos Coqueiros, litoral norte da Bahia, no período de 2011 a 2013. Por meio de seus objetivos específicos, serão verificados se os objetivos específicos do projeto Desperta Litoral (2011) foram alcançados; verificar a ocorrência de melhoria da capacidade produtiva de 13 grupos solidários, mediante a aquisição de materiais e equipamentos necessários à sua organização; identificar a efetivação de capacitação para a gestão do fórum e em temáticas específicas para as cadeias produtivas (agroecologia, pesca, artesanato e serviço de alimentação) em que se inserem os 13 grupos solidários;

49. Mestre em Desenvolvimento e Gestão Social pela Universidade Federal da Bahia, pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Política e Gestão da Educação da UFBA e do Grupo de Pesquisa em Avaliação (GA) da Faced-UFBA. jucarafsantos@yahoo.com.br 50. Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo, Professor da Faculdade de Educação da UFBA. Coordenador do Grupo de Pesquisa em Política e Gestão da Educação da UFBA. Coordenador do Grupo de Pesquisa em Avaliação (GA) da Faced-UFBA. robinson.tenorio@uol.com.br 73


e analisar as evidências de implantação do Fundo Rotativo Solidário da Costa dos Coqueiros.

2 ECONOMIA SOLIDÁRIA E DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL

Da mesma forma, verificar se os objetivos específicos do projeto Desperta Litoral (2011) contribuíram para o desenvolvimento local sustentável-solidário: identificar, nos resultados que se referem à organização dos empreendimentos, as soluções sustentáveissolidárias coletivas como estratégias de cooperação para o desenvolvimento local; verificar, nos resultados dos aprendizados formativos, as relações constituídas, a troca das experiências, a articulação dos empreendimentos na geração do próprio processo de desenvolvimento; e analisar, a partir dos resultados de operacionalização do Fundo Rotativo Solidário da Costa dos Coqueiros, evidências da articulação de uma rede dos empreendimentos solidários participantes.

O projeto Desperta Litoral propõe a implantação de um fundo rotativo solidário. As iniciativas de finanças solidárias baseiam-se em princípios de solidariedade, de confiança e ajuda mútua; são expressões da sociedade com caráter de auto-organização coletiva, de grupos organizados em territórios, com o objetivo de fazer a gestão de recursos econômicos próprios.

Justifica-se a importância da pesquisa que constou da avaliação dos resultados do projeto Desperta Litoral, verificando a sua eficácia, ou seja, o grau de alcance dos objetivos do projeto, bem como observando as mudanças ocorridas e a contribuição dessas para a realidade da população beneficiária e o desenvolvimento local. Sabemos tratar-se de uma experiência pioneira a utilização da metodologia de fundos rotativos solidários, promovida pelo governo da Bahia como ator protagonista desse processo. A avaliação de resultados desse projeto tem a proposição de contribuir para os processos decisórios, especialmente das finanças solidárias inseridas na política estadual de fomento à economia solidária. Acredita-se que os resultados possam contribuir para alavancar a melhoria dos processos avaliados a partir da superação dos limites diagnosticados – numa ação comprometida com todos os atores envolvidos e com a efetivação de políticas públicas de fundos rotativos solidários em nosso estado. O projeto Desperta Litoral (2011 a 2014) reuniu atores diversos: governo, ONGs e comunidades tradicionais (pescadores, marisqueiras, agricultores, artesãos, prestadores de serviços) na constituição de um Fundo Rotativo Solidário, que elevou as condições de vida, as socioterritoriais (envolvimento de seis municípios: Lauro de Freitas, Camaçari, Mata de São João, Esplanada, Conde e Jandaíra) e o protagonismo comunitário, por meio da participação social de grupos produtivos agregados a uma instituição comunitária, o Fórum Sustentável da Costa dos Coqueiros, proponente do projeto. Para além dos resultados positivos alcançados, confirmase a relevância da construção social pela participação dos diversos atores no compromisso conjunto da superação dos mecanismos geradores da pobreza, num esforço concentrado pela transformação da realidade. O conceito de Desenvolvimento Sustentável permeou as ações e o direcionamento nas iniciativas da vida na comunidade. A construção de uma parceria em prol do desenvolvimento resultou, entre outras iniciativas, na constituição de um Banco Comunitário de Desenvolvimento (inauguração em outubro de 2014), em plena operação, hoje, em Vila de Abrantes, em Camaçari, Bahia. Os resultados dessa experiência são de fácil associação aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

A autogestão é explicada por Singer (2013) como um ramo da economia solidária que busca a valorização da ação humana conjunta. Dessa forma, tem origem a economia solidária, como resposta ao capitalismo industrial, ao se firmar como modo de produção hegemônico depois da Revolução Industrial do século 18, e implica a reversão da lógica capitalista de exploração da mão de obra e dos recursos naturais. A solução para a problemática contemporânea, configurada na “crise do trabalho” – origem do desemprego nas duas últimas décadas –, é estudada por Singer (1999, apud FRANÇA FILHO, 2008, p. 220), assim como o “desassalariamento da economia”: em que, a cada dez postos de trabalho gerados naquele momento no Brasil, apenas três eram de carteira assinada. Conforme o autor, mesmo com iniciativas de reparação desse quadro, ainda assim observa-se um déficit significativo das oportunidades ao trabalho formal, identificado na realidade do universo da informalidade. Dessa forma, como compreender a emergência do fenômeno da economia solidária? O argumento de França Filho (2001) está relacionado à problemática de exclusão social como questão urbana, numa condição de crise do Estado-Providência – neste sistema, ocorre a falência dos mecanismos de regulação político-econômicos da sociedade, originários das esferas de organização das relações sociopolítico-econômicas. O Estado e o mercado têm, na relação assalariada, sua estruturação fundamental. Em meio a essa dinâmica, a economia solidária apresenta-se como fenômeno, requerendo novas formas de regulação da sociedade. No comportamento econômico, evidenciam-se lógicas distintas, diferentes racionalidades presentes na dinâmica organizacional. Essa economia supõe uma variedade de princípios do comportamento econômico, sendo que o mercado autorregulado não será a única forma possível de alocação, produção e distribuição de recursos. França Filho (2002) chama a atenção não somente para o princípio econômico, mas também para outras formas existentes a serem utilizadas, como a redistribuição estatista e a reciprocidade. Nessa forma, a economia supera a restrição do mercado, definindo-se como economia plural. Sendo assim, há uma pluralidade de princípios do comportamento econômico que, na forma de organização do trabalho, articula diferentes registros da ação econômica nas três formas de economia: mercantil, não mercantil e não monetária. As finanças solidárias, conhecidas como finanças de proximidade, pressupõem relações sociocomunitárias como uma forma de democratizar o sistema financeiro, 74


disponibilizando alternativas aos excluídos do sistema de crédito tradicional, por meio da gestão comunitária e da solidariedade. Distinguem-se das práticas convencionais financeiras explicadas por França Filho (2013) de difícil percepção, se forem analisadas pelo paradigma econômico convencional, em razão de corresponderem, também, a operações financeiras de baixo teor econômico e direcionarem-se a público identificado como de baixa renda, excluído do sistema financeiro formal. Nessas relações, a confiança e a solidariedade são valorizadas com prioridade relevante para a concessão de crédito. Como salientado por França Filho (2013), nesse sistema, as relações sociais superam as relações econômicas; logo, são contrárias à lógica clássica do mercado; a lógica econômicosocial é oposta à ideia de crescimento como propósito do sistema, mas com a finalidade de dar conta das demandas e necessidades comunitárias de um determinado território. É o que dá condição às práticas de finanças solidárias de enraizarem-se, territorialmente e/ou comunitariamente – por essa razão a denominação de finanças de proximidade. Essas integram o universo das microfinanças, a exemplo dos fundos rotativos e fundos solidários, que se reportam a iniciativas antigas e tradicionais, anteriores ao microcrédito. Da mesma forma, os bancos comunitários de desenvolvimento se combinam com uma base de organização comunitária. São manifestações de economia solidária no Brasil e são empreendidas por cooperativas de crédito e Oscips51 de microcrédito. A concepção sustentável-solidária apresenta-se como uma alternativa de contribuição ao desenvolvimento local, buscando condições de equidade e igualdade na sociedade, em face do agravamento da problemática social resultante da concentração de renda, de capital e de poder. Segundo França Filho (2008), a defesa de uma via sustentávelsolidária se dá numa plataforma na qual a solidariedade permeia como elemento estruturante, podendo configurar uma economia que se baseia numa outra forma de desenvolvimento, em que princípios e valores de um mercado autorregulado não devem ocupar a centralidade das relações de troca. 3 TRAJETÓRIA DA CONCEPÇÃO DE AVALIAÇÃO O conceito de avaliação vem sendo construído em múltiplos enfoques que traduzem a evolução do conceito. Partimos do estudo de Guba e Lincoln, que adotam como base histórica o século XX. Esses autores esquematizam o contexto histórico realizando uma construção evolutiva, em quatro gerações, reunindo autores com propósitos relacionados à temática da avaliação e opções filosóficas assumidas, partindo de uma “função” técnica a ações compreensivas e transformadoras. A primeira geração: mensuração – está contextualizada a partir do início do século XX, estendendose até a década de 1930, dando ênfase à classificação mediante a utilização de técnicas quantitativas, adotando a prática de exames e testes apoiados em base conceitual da psicologia-psicometria, priorizando, por meio de testes, a mensuração da inteligência e o desempenho humano (GUBA; LINCOLN, 2011).

A segunda geração: descrição – surgiu do propósito de corrigir-se uma deficiência da primeira geração. Como explicam os autores Guba e Lincoln (2011), os alunos foram escolhidos como sujeitos da avaliação. Tratava-se da descrição de padrões de pontos fracos e fortes relacionados a determinados objetivos; foi o que caracterizou a denominação da avaliação de segunda geração. Nessa circunstância, é delimitada ao avaliador a função de descritor, assegurando-se os aspectos técnicos anteriores da função. A terceira geração, conforme Guba e Lincoln (2011), caracterizou-se pela inclusão do juízo de valor e o papel que o avaliador exerce, como julgador, nos procedimentos avaliativos, permanecendo as funções técnicas e descritivas anteriores. O avaliador assumia o papel de julgador, mas conservava as funções técnicas e descritivas anteriores. Mas, ao desenvolverem um estudo ordenando as experiências de avaliação em três gerações, Guba e Lincoln (2011) constatam a necessidade de proporse uma abordagem alternativa ao método científico, trazendo uma significativa contribuição à compreensão desse campo do conhecimento. Reconhecem de pouca discussão as demonstrações sobre as primeiras gerações, porém satisfatórias para a dedução do papel de cada uma no processo construtivo e sedimentar da avaliação. E propõem a quarta geração, numa abordagem denominada de avaliação construtivista responsiva ou respondente. Em sua especificidade, ocorre a negociação entre cliente e avaliador, numa metodologia construtivista que conduz a avaliação. Suas raízes situam-se no paradigma de investigação, contrário ao paradigma científico, podendo ser denominada construtivista, mas também avaliação interpretativa ou hermenêutica, ou ainda hermenêuticodialética, que são denominações que abrigam percepções específicas da natureza desse paradigma. Portanto, metodologicamente, o paradigma refuta a abordagem dominante e manipulatória (experimental), peculiar à ciência, e a substitui pelo processo hermenêutico-dialético. Os autores Vieira e Tenório (2010), com base nos estudos apresentados, desenvolvidos por Guba e Lincoln (1989), apresentam suas contribuições à avaliação, identificando algumas lacunas, com destaque para a insuficiência do próprio conceito de gerações e a não garantia da sustentabilidade dos resultados pela quarta geração, que incorpora a negociação. Na constatação, prognosticam a construção de uma nova teoria da avaliação. O novo conceito inclui todas as outras dimensões da avaliação, ampliando a ação avaliativa para depois da tomada de decisão, ou seja, a melhoria do processo, para além dos resultados da avaliação. Recomendam uma nova forma de pensar sobre os valores dos interessados, observando os resultados da avaliação depois da própria avaliação. Os resultados finais relacionam-se a outros interessados, a exemplo da abrangência ao meio ambiente, comunidade, sociedade, numa perspectiva de avaliação que tem compromisso com a sustentabilidade (VIEIRA; TENÓRIO, 2011).

51. Oscip – Organização da sociedade civil de interesse público. 75


Nesse estudo, Vieira e Tenório (2010) propõem um novo paradigma e conceito de avaliação, o paradigma da sustentabilidade. Segundo os autores, é necessário reconsiderar os elementos de constituição dessa nova condição para uma atualização. Afirmam “que avaliar é o diagnóstico para a tomada de decisão com vistas na melhoria do processo” (p. 65). Esse conceito engloba todas as dimensões da avaliação, ampliando a ação avaliativa para a fase posterior à tomada de decisão, ou mesmo depois do que se conhece como resultados da avaliação. Reportamse ao tempo presente, à complexidade das exigências contemporâneas de uma sociedade na qual a participação, o diálogo, a justiça social, as redes de relações apresentam um significado cujas demandas já não correspondem às expressões defendidas nas quatro gerações. As exigências à avaliação configuram-se em melhoria do processo – em que se busca o compromisso efetivo com os resultados, numa ótica relacionada ao paradigma da sustentabilidade. A quinta dimensão foi uma inspiração como opção no projeto de pesquisa, por sua característica de avaliação inclusiva com o compromisso na melhoria dos processos, incluindo um novo modo de pensar, de regular as relações, numa proposta de partilhamento comprometida com a sustentabilidade.

4 AVALIAÇÃO DE RESULTADOS Avaliar programas reveste-se de importante iniciativa, não basta que os projetos sejam eficazes, seus resultados precisam ser avaliados. Para isso, faz-se necessária a utilização de metodologia adequada à formulação da avaliação de projetos. Avaliar um programa ou projeto não é algo que se possa fazer em qualquer tempo e em qualquer lugar; para Aguilar e Ander-Egg (1994), é necessária a interlocução com os participantes, em ambiente apropriado, para analisar a possibilidade da condição de avaliar. AnderEgg (1984 apud AGUILAR; e ANDER-EGG, 1994) reconhece, como requisito fundamental, que os responsáveis políticos e administrativos pelos programas tenham a convicção da necessidade da avaliação; além da concordância com os seus propósitos, aplicações e consequências, bem como comprometer-se com a inclusão da avaliação como parte do programa. O requisito básico comporta a utilidade e a viabilidade da avaliação. No tocante às funções da avaliação, é importante mencionar sua função gestora; para isso, segue a contribuição dos autores Tenório, Lopes e Ferreira (2012, p. 8): avaliação é gestão; nessa atividade, a fase de tomada de decisão utiliza-se do bom senso, exigindo posicionamento político, que se sustenta num julgamento da realidade, apoiada em informações fidedignas e rigorosas. A tomada de decisão na avaliação e na gestão depende de fatores, como a negociação, que, associados ao julgamento, funcionam como respaldo para a sustentação da decisão. Portanto, avaliação e gestão aproximam-se pelas capacidades humanas de julgamento e de decisão. Na classificação da avaliação como ferramenta de resultado ou de impacto, pode-se compreender essa distinção com os autores Aguilar e Ander-Egg (1994). Segundo eles, a diferença ocorre conforme o momento que se avalia. A

avaliação de impacto ou, ainda, de pós-decisão, trata-se da avaliação ex-post, “[...] é a que se realiza uma vez que o programa ou projeto chegou ao fim” (p. 42); ou seja, é realizada quando o programa ou projeto alcançou seu desenvolvimento (tempos depois de concluída a execução). Portanto, há uma diferença dessa para a avaliação do fim do projeto, aquela que se faz ao concluir a fase de execução. Assim, ficam esclarecidas as duas formas de avaliação de resultados, que se distinguem pelas informações que dão sobre a execução, o funcionamento e os resultados ou os efeitos de um programa. Numa abordagem centrada em objetivos, têm razão os propósitos especificados da atividade; nessa condição, a avaliação concentra-se à medida que esses foram alcançados. As informações decorrentes de uma avaliação nesse modelo podem ser utilizadas para reformular as metas de uma atividade, a própria atividade e/ou os procedimentos de avaliação empregados para determinar a realização das metas. A origem da abordagem centrada em objetivos se deu na década de 1930 e contou com algumas contribuições de estudiosos, porém aquele de maior expressividade foi Ralph W. Tyler (1942, 1950), cuja abordagem recebeu o seu nome como homenagem (WORTHEN; SANDERS; FITZPATRICK, 2004). A contribuição de Cohen e Franco (2012, p. 152) para os objetivos da avaliação foi fundamental para a orientação no processo desta avaliação dos resultados do projeto Desperta Litoral. Uma instância central do processo de avaliação consiste em determinar o grau em que foram alcançadas as finalidades do projeto. Isto requer dimensionar o objetivo geral em subconjuntos de objetivos específicos, os quais, por sua vez, terão “metas”, cuja obtenção será medida por meio de indicadores. As variações nos valores que são verificados nas unidades de análise permitem quantificar esse processo. 5 PERCURSO METODOLÓGICO A pesquisa avaliativa tem como objeto de estudo a avaliação de resultados do projeto Desperta Litoral. O campo empírico de estudo foi a Costa dos Coqueiros, Litoral Norte da Bahia, onde se localizam o Fórum Sustentável da Costa dos Coqueiros e os 13 grupos produtivos, nos municípios: Lauro de Freitas, Camaçari, Mata de São João, Esplanada, Conde e Jandaíra. Os atores sociais pertencentes aos grupos produtivos e integrantes do Fórum Sustentável da Costa dos Coqueiros, técnicos, consultores, representantes de órgãos públicos e organizações locais, foram os sujeitos e fontes de informação para o levantamento de campo. A pesquisa documental foi realizada em consulta aos documentos que vão do processo de seleção à execução do projeto, que serviram para a compreensão do objeto estudado. A amostra constituiu-se com base no universo de 13 grupos produtivos, correspondendo a 92,3% da população-alvo, e todos os membros integrantes do comitê gestor local e da direção do Fórum Sustentável da Costa dos Coqueiros, correspondendo a 100%. Participaram, também, a instrutora de economia solidária do fórum, os dois técnicos 76


representantes da Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (Setre) e a Cáritas Brasileira. Os instrumentos de coleta utilizados foram os seguintes: formulário (questionário) para aplicação das entrevistas estruturadas; roteiros das entrevistas semiestruturadas; e roteiro do grupo focal. Na primeira etapa do trabalho, foi realizado o estudo diagnóstico, para caracterizar o marco zero, que teve como objetivo orientar e servir, posteriormente, de base ao formato da avaliação de resultado, para a comparação com os indicadores iniciais observados no diagnóstico, instrumento da gestão que visa contribuir para o acompanhamento e/ou transformação do projeto, vistos seus objetivos. Teve como base retratar a realidade atual do Fórum Sustentável da Costa dos Coqueiros, entidade proponente do projeto Desperta Litoral, e dos 13 grupos produtivos participantes, quanto à estrutura, organização, gestão, capacidade financeira, produção, escoamento e comercialização, formação de saberes (capacitação), mecanismos solidários adotados e percepção dos grupos produtivos em relação ao Fórum Sustentável da Costa dos Coqueiros. Para construir os instrumentos da pesquisa e verificar em que medida os objetivos específicos foram alcançados, foi adotado o uso da matriz de planejamento de avaliação de resultados conforme os objetivos específicos do projeto Desperta Litoral; e também se verificou a contribuição dos objetivos para o desenvolvimento local sustentável-solidário. Da mesma forma, se as fontes de informação e seleção de instrumentos de coleta de informação corresponderam à análise dos resultados conforme os objetivos específicos do projeto Desperta Litoral e a contribuição desses para o desenvolvimento local sustentável-solidário. 6 RESULTADO E ANÁLISE Na análise dos resultados, foi utilizado o diagnóstico marco zero, uma das etapas dessa avaliação, construído no início da ação do projeto Desperta Litoral. O diagnóstico atual foi realizado respondendo aos objetivos específicos do projeto, estabelecendo uma comparação dos dados adquiridos nas etapas do diagnóstico marco zero (passado) e do diagnóstico de resultados atuais (presente), para a identificação das mudanças ocorridas (variação), fazendo a análise interpretativa dos dados apresentados e verificando se os resultados foram alcançados conforme os objetivos previam. Objetivo específico 1: verificar a ocorrência de melhoria da capacidade produtiva dos grupos solidários por meio da aquisição de materiais e equipamentos necessários à sua organização. Temática: melhoria da capacidade produtiva dos grupos tendo em vista a aquisição de equipamentos e insumos recebidos. No atendimento a esse objetivo, considerando os indicadores propostos para medir o alcance, tendo por base a comparação com os resultados do diagnóstico marco zero, no objetivo específico 1, foi possível constatar: que ocorreu melhoria da capacidade produtiva de todos os grupos de produção – 100% dos grupos participantes da pesquisa aumentaram a produção entre 40% e 10%. Quanto à

diversificação da produção: 30% dos grupos diversificaram a produção; 70% mantiveram a mesma especificidade. Como resultado financeiro: 70% aumentaram a arrecadação entre 50% e 25%; e 30% mantiveram a mesma arrecadação. Objetivo específico 2: identificar a efetivação de capacitação para a gestão do fórum e em temáticas específicas para as cadeias produtivas (agroecologia com meliponicultura, pesca, artesanato e serviço de alimentação), em que se inserem os treze grupos solidários. Temática: evidências de eficácia da gestão do fórum e dos grupos a partir das capacitações oferecidas. No atendimento a esse objetivo, com base nos indicadores que aqui foram propostos para medir o alcance do objetivo específico 2, foi possível identificar: 50% dos grupos tiveram melhoria da organização; 10% referiram-se à facilidade no aprendizado da formação em economia solidária; 10% informaram a contribuição da formação, mas apontaram a dispersão dos grupos pela distância que os separa; 10% estabeleceram a estratégia de criação de um fundo similar ao do fórum em sua comunidade, com retorno de 100% dos recursos recebidos, para efetuarem 30% ao fundo do fórum e 70% para a construção da sede da associação; e 20% não responderam. A capacidade de articulação dos grupos nas interorganizações deu-se da seguinte forma: 60% foram realizados com entidades e organizações da sociedade civil; 40% foram feitos com as esferas públicas municipal, estadual e federal. Objetivo específico 3: analisar as evidências de implantação do Fundo Rotativo Solidário da Costa dos Coqueiros. Temática: identificar as evidências de funcionamento do Fundo Rotativo Solidário da Costa dos Coqueiros. Em relação a esse objetivo, considerando os indicadores escolhidos para medir o alcance do objetivo específico 3 do projeto de pesquisa, constatou-se que: o indicador de operacionalização do comitê gestor local na constituição do Fundo Rotativo Solidário não foi alcançado; o indicador correspondente à frequência das contribuições dos grupos de produção foi alcançado. Até esse momento, 77% dos grupos já tinham iniciado o pagamento referente à devolução para formação do Fundo Rotativo Solidário. O indicador referente à distribuição de recursos com outros grupos de produção, até então, não contemplados não foi alcançado. Em seguida, foi respondida a proposta do objetivo geral, verificando se os objetivos específicos do projeto Desperta Litoral contribuíram para o desenvolvimento local sustentável-solidário. O objetivo 1 consiste em: identificar nos resultados que se referem à organização dos empreendimentos, as soluções sustentáveis-solidárias coletivas como estratégia de cooperação para o desenvolvimento local. Considerando-se os desdobramentos dos objetivos específicos do projeto Desperta Litoral, verificando o objetivo 1, quanto às suas contribuições para o desenvolvimento local sustentável-solidário, com base no indicador escolhido para medir seu alcance, esse não foi contemplado. Estes autores acreditam que, com a evolução 77


do projeto, as relações se fortaleçam e sejam constituídas as soluções sustentáveis-solidárias coletivas. Relaciona-se ao objetivo 2: verificar nos resultados dos aprendizados formativos as relações constituídas vs. a troca de experiências, a articulação dos empreendimentos na geração do próprio processo de desenvolvimento. O indicador previsto para analisar o alcance do objetivo; ou seja, as soluções sustentáveis-solidárias coletivas também não foram contempladas, algo que estes avaliadores acreditam vir ainda a ser constituído. Relacionado ao objetivo 3: analisar, a partir dos resultados de operacionalização do Fundo Rotativo Solidário da Costa dos Coqueiros, as evidências da articulação de uma rede dos empreendimentos solidários participantes, tem-se que, conforme os indicadores de operacionalização do comitê gestor local na constituição do fundo e de distribuição de recursos com grupos até então não contemplados, esse objetivo ainda não foi atendido. Favorável a essa questão é a constatação de que os grupos já estão devolvendo os recursos, ainda sem uma frequência regular – há grupo com devolução acima de 96% do total previsto. Compreende-se que as dificuldades administrativas e operacionais de execução do projeto contribuíram para o não atendimento das metas; também se sabe que a distância entre as comunidades/municípios constituiu uma limitação no processo de aproximação e integração das pessoas; da mesma forma, a demanda da logística financeira para a concretização dos encontros/treinamentos é uma dificuldade a vencer. A busca de soluções sustentáveissolidárias exigirá um trabalho de aproximação entre os grupos, de identificação das soluções endógenas e do fortalecimento das capacidades locais na busca do próprio desenvolvimento. 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conclui-se que o projeto Desperta Litoral teve parte de seus objetivos atendida, mesmo se deparando com as adversidades que limitaram o grau de alcance desses – houve resultados de expressiva significação em todos os grupos. Destacam-se aqueles relacionados ao aumento de produção, considerando a facilitação de aquisições dos equipamentos recebidos, porém ocorridas em até dez meses depois de iniciado o projeto. Constatou-se o aumento da capacidade arrecadadora financeira ocorrida com 70% dos grupos, numa variação expressiva entre 50% e 25%. Assim mesmo, os 30% dos demais grupos mantiveram a mesma arrecadação, o que denota que, mesmo diante das dificuldades, conseguiram manter o mesmo patamar arrecadado no diagnóstico do marco zero. O aumento da diversidade de produção em 30% dos grupos foi algo positivo e que resultou também das aquisições, com base nos depoimentos dos entrevistados. Portanto, consideramse os resultados apontados significativamente importantes, levando-se em conta as condições de vida e estruturas dessas comunidades, o retardamento das aquisições de equipamentos vivenciados por alguns grupos, como também as intercorrências administrativas que dificultaram o curso normal do projeto. Então se, por um lado, não houve, entre os grupos

produtivos, capital social suficientemente integrador no fomento de um projeto coletivo que fizesse frente aos seus problemas e promovesse o desenvolvimento local sustentável-solidário nos territórios, por outro, não se pode negar o potencial produtivo de cada grupo motivado pelo recurso adquirido via equipamentos e insumos, resultando em melhoria da arrecadação; isso, sem dúvida, influenciou os aspectos econômicos, sociais e ambientais em sua respectiva comunidade. Cabe à ação política do governo e à sociedade civil atentar para essa emergência, no sentido de convergir ações complementares que fortaleçam e promovam o desenvolvimento local por meio de iniciativas que democratizem o sistema financeiro e fortaleçam a economia solidária. Como diz Kraychete (2011, p. 16), “[...] não são os empreendimentos econômicos solidários que promovem o desenvolvimento local, mas o crescimento da economia solidária pressupõe uma ambiência e um processo de desenvolvimento que promovam este tipo de economia”. Para o autor (idem, p. 17), “a emergência destas condições requer ações convergentes e complementares de múltiplas instituições, a exemplo das organizações não governamentais, sindicatos, igrejas, instituições de ensino e pesquisa, órgãos governamentais, etc.”.

REFERÊNCIAS

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EIXO TEMÁTICO:

A RESPONSABILIDADE DO SETOR PRIVADO DIANTE DA SUSTENTABILIDADE SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL

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12. Empresas Paranaenses Trabalhando em Prol do Desenvolvimento Sustentável – Dialogando na Indústria: estudo de caso Autora: Silvia Teuber

RESUMO A relação entre o desenvolvimento econômico e social em equilíbrio com o meio ambiente é um desafio enfrentado pelo poder público e as instituições privadas. Como despertar na indústria o interesse pelo desenvolvimento socioeconômico e ambiental, envolvendo trabalhadores e stakeholders na busca de soluções? Nesse sentido, este artigo apresenta como o Sesi – Paraná, por meio do Edital Senai-Sesi de Inovação 2012, desenvolveu o projeto Dialogando na Indústria, que contou com a participação da indústria Terra Nossa, de São Mateus do Sul – PR. Elucida como foi possível promover a ação participativa e o compartilhamento de visões e alternativas para o desenvolvimento sustentável ambiental, com base na metodologia de “Transformação e Mobilização Social” do Sesi – PR, por meio da ferramenta Círculo de Diálogo, que estimula a gestão participativa num ambiente de cooperação e confiança entre empresa e parceiros. Explica como o processo se completou com o desenvolvimento de projetos que oportunizaram reflexão e ação, trazendo melhorias para o ambiente de trabalho, residência e comunidade. O eixo temático consistiu na responsabilidade do setor privado diante da sustentabilidade social, econômica e ambiental. Palavras-chave: desenvolvimento econômico; desenvolvimento social; indústria; gestão participativa.

1 INTRODUÇÃO Na década de 90, a discussão sobre desenvolvimento sustentável tornou-se evidente tanto no âmbito nacional quanto internacionalmente. Nesse período, ocorreram importantes conferências sobre o meio ambiente e a sustentabilidade, destacando-se a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio92, na qual foram discutidas alternativas para conciliar o desenvolvimento socioeconômico com a proteção ao meio natural. Esses movimentos culminaram com a Cúpula do Milênio, realizada em Nova Iorque, em 2000. Nesses encontros, foi destacada a importância da ação de governos, empresas, organizações não governamentais e de todos os setores da sociedade, na implementação de estudos e práticas em busca de soluções para os problemas socioambientais. Desafios que têm reafirmado a necessidade do desenvolvimento de ações orientadas, concisas e de fácil compreensão nas esferas local e global. Estruturar estratégias que promovam a sustentabilidade das indústrias paranaenses tem sido uma preocupação do sistema Federação das Indústrias do Estado do Paraná – com o propósito de desenvolver uma ferramenta para auxiliar as empresas a promoverem a reflexão sobre a sustentabilidade, o Sesi – Paraná, por meio de Edital SenaiSesi de Inovação 2012, desenvolveu o projeto Dialogando na Indústria. Sua finalidade era disponibilizar para indústrias um instrumento que favorecesse a ação participativa de seus stakeholders, por meio do diálogo e da informação, possibilitando o efetivo engajamento de todos na busca de soluções sistêmicas e transformadoras que melhorassem o processo produtivo e as demais ações organizacionais relacionadas, e caracterizassem o compromisso corporativo com a sustentabilidade. O projeto utilizou como ferramenta

de trabalho o diálogo, o que oportunizou a ação participativa dos envolvidos. Foi desenvolvido em quatro etapas, sendo a primeira o diagnóstico, em seguida, o Círculo de Diálogo, o plano de trabalho e, por fim, a avaliação dos resultados. Este artigo tem como objetivo principal apresentar o projeto desenvolvido e aplicado na empresa Terra Nossa Ind. e Com. de Fertilizantes. Como objetivos específicos, foram definidos: incentivar a discussão sobre o ODM 7 – Qualidade de Vida e Respeito ao Meio Ambiente na indústria; conhecer o conceito de desenvolvimento sustentável e o papel das organizações/indústrias nesse aspecto, como também apresentar a metodologia de “Transformação e Mobilização Social” do Sesi – Paraná; e os resultados alcançados no projeto Dialogando na Indústria. Para alcançar esse propósito, este estudo foi estruturado da seguinte maneira: contextualização do tema abordado; apresentação das empresas envolvidas no desenvolvimento do projeto; exposição dos princípios orientadores da tecnologia social aplicada e apresentação das etapas do trabalho realizado; e os resultados alcançados no projeto. 2 DESENVOLVIMENTO 2.1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1.1 Desenvolvimento sustentável A definição de desenvolvimento sustentável é bastante contraditória, pois o desenvolvimento econômico implica impacto sobre a natureza, e a sustentabilidade indica equilíbrio nas relações homem-natureza, apoiando a conservação do meio ambiente. Existe, portanto, um 81


conflito entre o equilíbrio ambiental e a ação do homem sobre o meio ambiente (KLABIN, 2010).

Loures (2012) aponta a comunidade empresarial como grande geradora de empreendedorismo, renda e riqueza, porém esta tem contribuído para as disfunções dos sistemas do nosso mundo.

Franco (2008) entende que o processo de desenvolvimento está diretamente ligado à sociedade e é caracterizado por alterações comportamentais dos atores que compõem cada localidade. A criação de ambientes favoráveis à inovação e ao protagonismo facilita as mudanças sociais e oportuniza o empoderamento e o aumento da capacidade desses indivíduos de empreender.

A sociedade vem cobrando das indústrias um comportamento ético e responsável, o que contribui para a definição de novas leis e padrões. As indústrias, em contrapartida, adotam posturas estratégicas, a fim de evitar sanções penais, que refletem em sua rentabilidade.

Para promover o fortalecimento da localidade é necessário favorecer o relacionamento interpessoal dos atores que a compõem e seu sentimento de pertença. A Declaração de Tbilisi (1977) cita que o objetivo da educação voltada ao desenvolvimento sustentável é empoderar cidadãos para agirem por mudanças sociais e ambientais positivas, implicando uma ação participativa.

Visando contribuir para o desenvolvimento local, as empresas devem oportunizar o engajamento dos seus diversos públicos internos e criar valor em suas redes de relações, colaborando para a gestão preventiva de impactos econômicos, ambientais, sociais e políticos, o que está em sintonia com o desenvolvimento sustentável (FRANCO, 2008).

Quando a Organização das Nações Unidas (ONU) apresentou o Relatório de Brundtland (1988), foi definido o conceito de desenvolvimento sustentável, “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas necessidades”. Esse modelo de desenvolvimento não sugere a estagnação do crescimento econômico, e sim, a conciliação com as questões ambientais e sociais.

As ações locais, por pequenas que possam parecer, podem tomar grandes proporções, dependendo de sua dinâmica. Por meio da sensibilização da comunidade envolvida na temática da sustentabilidade, é possível facilitar a formação de redes, que se expandem e podem vir a alcançar até uma escala global (LOURES, 2012).

Klabin (2010) defende a necessidade de se pensar em como obter um modelo de desenvolvimento compatível com a capacidade finita de provisão do planeta; neste contexto, apresenta a definição do triple bottom line. [...] triple bottom line, transformado por John Elkington em um conceito operacional de sustentabilidade que integrava o social ao ambiental e ao econômico. Esse tripé deveria ter todas as pernas igualmente válidas e interativas. Do contrário, o desenvolvimento não seria sustentável (KLABIN, 2010, p. 6). Não existe limite mínimo para o bem-estar da sociedade, no entanto, há um limite máximo para a utilização dos recursos naturais, prevalecendo a preservação destes (BRUNDTLAND, 1988). Segundo a Unesco (2005), embora o conceito de Desenvolvimento Sustentável esteja em constante evolução, é necessário haver clareza no seu significado e objetivos. Assim, a proposta da Unesco considera três áreaschave do Desenvolvimento Sustentável – sociedade, meio ambiente e economia, sendo que o equilíbrio entre esses três elementos é o principal desafio do desenvolvimento sustentável. 2.1.2 Papel das organizações no desenvolvimento sustentável Não existe definição singular para a sustentabilidade corporativa, basicamente define-se como a atividade das organizações num contexto socioambiental, em que está condicionada a disponibilidade do capital natural e humano. Para que a empresa obtenha resultados permanentes, ou pelo menos que perdure por um longo período, é necessário equilibrar as ações socioambientais com as atividades no âmbito industrial e financeiro (LEMME, 2010).

Franco (2008) diz que uma empresa isolada jamais poderá alcançar sustentabilidade, para isso a empresa deve fazer uma gestão adequada da rede de seus stakeholders, voltada para o seu próprio desenvolvimento e para o desenvolvimento do mundo onde seus parceiros atuam e, assim, fortalecer os laços entre a empresa e a sociedade. Loures (2012, p. 67) complementa: Em vista do papel cada vez mais influente das empresas em todos os campos da atividade humana, o mundo atual das organizações e dos negócios está passando a ser dirigido por um novo conjunto de expectativas. [...] A aprendizagem organizacional e o desenvolvimento de novas atitudes à altura dos desafios se tornam imprescindíveis, não apenas para o sucesso das empresas, mas para a própria sustentabilidade da vida em nosso planeta. As ações e as atividades de cada indústria provocam efeitos externos ao perímetro da empresa; por exemplo, a poluição do ar, da água ou do solo gerada por um processo industrial pode acarretar custos operacionais, ou perda de rendimento, para um empreendimento agrícola que dependa da utilização desses recursos naturais em seu processo produtivo (LEMME, 2010). Cabe às indústrias assumir a responsabilidade pelo impacto da sua atividade e desenvolver alternativas que minimizem os impactos ambientais negativos provenientes de seus processos; e, ainda, elaborar projetos que objetivem intensificar os impactos positivos das suas atividades, promovendo benefícios sociais, ambientais e econômicos. Farfus e Rocha (2007) ressaltam que as pequenas e médias empresas exercem papel fundamental na equalização do desenvolvimento, na integração da economia e na integração da sociedade no modo de produção e no consumo capitalista. Essas empresas são instrumentos 82


indispensáveis para o desenvolvimento social e a consolidação de políticas nacionais de desenvolvimento econômico e social. As pequenas e médias empresas estão inseridas em todas as regiões e segmentos da economia, capilarizando o setor produtivo do país. Observa-se a importância de inserir essas empresas nas ações que buscam o desenvolvimento sustentável, visto que elas têm um contato mais próximo com a comunidade onde se situam, o que facilita a interação entre indústria e sociedade e favorece a troca de informações e experiências no âmbito da responsabilidade socioambiental. 2.2 METODOLOGIA 2.2.1 As indústrias paranaenses O primeiro passo para o desenvolvimento desse projeto foi a realização de uma pesquisa sobre o setor industrial paranaense, a fim de identificar oportunidades e potenciais parceiros.

valorizam o desenvolvimento sustentável e inclusivo da indústria. A empresa parceira Terra Nossa Indústria, Comércio, Importação e Exportação de Fertilizantes Ltda. atua no mercado agrícola, tendo firmado parceria com clientes como a Cooperativa de Agricultores de Plantio Direto (Cooplantio). O seu objetivo maior consiste na fabricação e na comercialização de fertilizantes líquidos diferenciados, buscando desenvolver soluções que promovam o aumento de produtividade na agricultura, com respeito ao meio ambiente e à legislação, gerando valor para seus clientes, colaboradores, acionistas, parceiros e comunidade. Nesse projeto, o Sesi – Paraná foi o facilitador, empregando metodologia e estimulando os envolvidos na proposição de soluções na temática da responsabilidade socioambiental. Já a indústria Terra Nossa disponibilizou equipe de trabalho, recursos financeiros e infraestrutura necessária para a viabilização das propostas. 2.2.3 O projeto

Observou-se que a economia paranaense está entre as mais importantes do país. O Produto Interno Bruto (PIB) do Paraná é o quinto maior do país. Segundo dados do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes), o PIB do Paraná alcançou R$ 256 bilhões em 2012, aproximadamente, 6% do nacional. A maior parcela do produto é referente ao setor de serviços da economia, com 64%, seguido pela indústria, com 28%, e pelo setor agropecuário, com 8%. A atividade industrial no Paraná alcançou R$ 67,4 bilhões, em 2011, o que corresponde a, aproximadamente, 28% da arrecadação total do estado. Na estrutura industrial do estado, predominam os segmentos de veículos automotores, alimentos e refino de petróleo. O Paraná é o maior produtor nacional de grãos, apresentando uma pauta agrícola diversificada. A utilização de avançadas técnicas agronômicas coloca o estado em destaque, em termos de produtividade. Diante desse cenário, foi possível definir o foco de atuação do projeto Dialogando na Indústria, que culminou na parceria com uma empresa produtora de fertilizantes. 2.2.2 Empresas envolvidas O projeto Dialogando na Indústria foi uma iniciativa do Serviço Social da Indústria do Paraná (Sesi – PR), por meio do Edital Senai-Sesi de Inovação 2012, e contou com a parceria da Terra Nossa Ind. e Com. de Fertilizantes. A escolha da empresa parceira foi baseada no comprometimento, seriedade e exemplo seus dos diretores e colaboradores, pois se trata de uma empresa pioneira, na região, na busca de soluções socioambientais. O Sesi – PR apoia as indústrias do estado em ações para promover uma melhor qualidade de vida para os trabalhadores da indústria, suas famílias e a comunidade, fortalecendo o desenvolvimento pessoal e profissional do trabalhador. Destaca-se a atuação na área de Responsabilidade Social, com consultoria e programas que

O projeto Dialogando na Indústria, com o objetivo de promover a ação participativa do trabalhador e de representantes da cadeia produtiva da indústria, utilizou uma metodologia inovadora de “Transformação e Mobilização Social”, certificada como tecnologia social pela Fundação Banco do Brasil, a qual busca o desenvolvimento local, por meio da articulação de lideranças dos diversos setores da sociedade. Essa metodologia foi desenvolvida pelo Sesi – PR e conta com a seguinte estrutura: Núcleo Articulador, Círculos de Diálogo, Núcleos Locais de Trabalho e Círculos de Conhecimento. Nesse projeto foi realizado o Círculo de Diálogo, com a participação do sócio-diretor e dos trabalhadores da indústria Terra Nossa. Fornecedores, distribuidores, prestadores de serviço e representante da administração pública local também foram envolvidos. O Círculo de Diálogo definiu prioridades e projetos a serem implementados, além de, no fim do encontro, constituir o Núcleo Articulador, com a missão de manter viva a dinâmica das atividades e o comprometimento dos envolvidos. Esse Núcleo é constituído por representantes do Sesi – PR e da indústria parceira. A constituição do Núcleo de Trabalho deu-se na primeira reunião pós-Círculo de Diálogo, fazendo parte dele representantes de três empresas: Terra Nossa, Transporte Dmucharski e Reciclagem São Mateus. Esse grupo assumiu a responsabilidade de envolver pessoas dispostas a realizar as ações que, de fato, promoveriam as transformações ambientais, econômicas e sociais desejadas. Para alcançar esse propósito, definiu-se a periodicidade dos encontros, totalizando dez, em um período de dez meses. Nessas reuniões, os integrantes do Núcleo de Trabalho planejaram as ações a serem implementadas no decorrer do projeto, discutindo e desenvolvendo um plano de trabalho para cada uma. O êxito dos Núcleos Locais de Trabalho está diretamente ligado à sua autonomia, criatividade e respeito aos limites e potencialidades locais, assim como a sua capacidade de 83


realizar ações contínuas de articulação e promoção do desenvolvimento local.

aproximadamente, R$ 560,00 (quinhentos e sessenta reais) nos gastos da empresa Terra Nossa.

A troca de informações e experiências oportunizada nos encontros caracterizou o Círculo de Conhecimento como um dos resultados das reuniões de trabalho do Núcleo, pois permitiu a disseminação da expertise dos participantes dispostos a suprir alguma lacuna de conhecimento sobre os temas debatidos.

A divulgação desses resultados objetivou despertar o interesse de todos quanto à economia de água, incentivando a busca por sistemas alternativos para a coleta de água da chuva para uso comum, como irrigação de jardins, lavagem de calçadas e paredes externas.

O Núcleo Local de Trabalho priorizou a implementação de projetos nos eixos temáticos 3 Rs – Reduzir, Reutilizar e Reciclar, Consumo Consciente dos Recursos Naturais e Ações Socioambientais, definidos a partir das intenções listadas no Círculo de Diálogo e, assim, foram estabelecidas quatro ações para serem implementadas no decorrer do projeto. 2.2.4 Apresentação das ações desenvolvidas O Núcleo Local de Trabalho iniciou o desenvolvimento das ações com o planejamento destas na etapa em que foram definidos os objetivos de cada ação, e apresentados os benefícios obtidos ao implantá-las. Métodos, prazos, responsáveis e o local de aplicação também foram discutidos e determinados. O passo seguinte consistiu em realizar o orçamento e levantar os recursos necessários. Foram propostas ações que despertassem a mudança de atitude e o desenvolvimento do pensamento sustentável, que são elementos indispensáveis para a efetividade das iniciativas. O Núcleo Local de Trabalho propôs a implantação da ação “Reduzindo o consumo de copos descartáveis”, no eixo dos 3 Rs, visando diminuir o consumo de recursos naturais e a geração de resíduos, por meio da substituição dos copos descartáveis por canecas duráveis. A implantação efetiva ocorreu em setembro de 2013, quando a empresa realizou a distribuição das canecas a todos os trabalhadores e divulgou a estratégia adotada para a redução de resíduos sólidos gerados pela empresa. A substituição dos copos plásticos por canecas duráveis demandou um investimento inicial, a ser recuperado em médio prazo. Com a implementação do uso dessas canecas na empresa, estimou-se uma redução no consumo de, aproximadamente, 20 mil copos descartáveis por ano. Foi uma iniciativa de elevado impacto ambiental, considerando que os copos descartáveis demoram de 200 a 600 anos para se degradar, de acordo com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Com a finalidade de incentivar o consumo consciente dos recursos naturais, desenvolveu-se a ação “Medição do consumo de água reutilizada”, destinada a avaliar, monitorar e divulgar a economia no consumo de água. A indústria Terra Nossa já possuía um sistema de captação da água da chuva, que é utilizada no seu processo produtivo, na lavagem de pisos e também nas descargas dos sanitários da unidade. Por meio da instalação de um hidrômetro, em junho de 2013, identificou-se que, em média, 67% da água utilizada na indústria é proveniente dessa captação alternativa, o que representa uma economia mensal de,

No eixo Ações Socioambientais, foram desenvolvidas duas ações, sendo a primeira “A Terra é Nossa, o lixo também! Vamos separar nosso lixo”, desenvolvida em parceria com o Colégio Estadual São Mateus. Foi uma campanha de sensibilização para a coleta seletiva, com abordagem educacional, que buscou disseminar práticas sustentáveis à sociedade, em especial aos alunos do curso Técnico de Meio Ambiente. Aproximadamente 30 alunos foram orientados pelos integrantes do Núcleo Local de Trabalho sobre como desenvolver o projeto de coleta seletiva. Além da orientação, os representantes da empresa prepararam e ofereceram à escola os conjuntos de coletores, nas cores definidas pela Resolução Conama 275/01. O encontro ocorreu num ambiente favorável à criatividade e ao diálogo, o que oportunizou o empoderamento dos envolvidos. Os alunos tornaram-se multiplicadores da campanha para as demais turmas do colégio, professores e funcionários. Os adolescentes são excelentes multiplicadores de informações, o que justifica a escolha de desenvolver essa ação em uma escola. A segunda ação do mesmo eixo foi a publicação do “Guia – Praticando a Sustentabilidade”, que compilou todas as ações socioambientais realizadas pelas empresas participantes, facilitando a divulgação dos conceitos e realizações, como um instrumento de disseminação das boas práticas desenvolvidas. O Guia sistematizou a experiência realizada, aumentando as possibilidades de sua continuidade e reaplicação, inclusive por parte de outras organizações que pretendem iniciar um debate interno, ou com a comunidade, em prol da sustentabilidade do planeta. 2.2.5 Resultados alcançados O projeto Dialogando na Indústria oportunizou o envolvimento dos colaboradores da indústria Terra Nossa e dos representantes das empresas da cadeia produtiva. Nesse processo, a articulação e a mobilização dos funcionários e stakeholders da Terra Nossa, em favor de um diálogo participativo, provocaram reflexões sobre as possibilidades de transformar as realidades locais, incentivando ações voltadas para o desenvolvimento sustentável. Foram criados espaços de confiança, respeito e de relações horizontais, possibilitando-se a construção de soluções e alternativas para o desenvolvimento da localidade. Os participantes apresentaram ideias e fizeram um intercâmbio de conhecimento e novas visões. Especificamente, a ação “Reduzindo o consumo de copos descartáveis” resultou nos seguintes benefícios: minimizou 84


o consumo desnecessário de materiais; diminuiu os gastos da indústria; e reduziu o volume de resíduos sólidos a serem descartados. Além dos benefícios econômicos e ambientais citados, destaca-se a formação de novos valores, atitudes e habilidades dos participantes, os quais disseminarão essa nova postura, favorecendo mudanças no ambiente corporativo e na comunidade como um todo. A ação “Medição do consumo de água reutilizada” possibilitou quantificar a economia do recurso no processo produtivo dos fertilizantes Terra Nossa. Com o levantamento dos dados, foi observado que o sistema de captação reduz o consumo de água tratada e ainda contribui para o controle de drenagem pluvial, evitando a ocorrência de enchentes. A quantificação dos benefícios obtidos com o reaproveitamento da água da chuva só foi possível a partir da instalação do hidrômetro, o que comprova as vantagens financeiras obtidas ao se investir em práticas sustentáveis. A ação “A Terra é Nossa, o lixo também! Vamos separar nosso lixo”, auxiliou professores e alunos a efetivar a coleta seletiva no colégio. A diretoria da escola já tinha intenção de implantar meios para segregar os resíduos gerados, porém, com o auxílio do projeto Dialogando na Indústria transformou essa intenção em ação. A realização dessa ação conjunta fortaleceu a relação das empresas com a comunidade, pois o envolvimento dos colaboradores nesse tipo de ação também causou impacto em sua família e no processo de desenvolvimento da localidade onde residem e trabalham. A inserção dos alunos como atores indispensáveis para a concretização do projeto tornou-os protagonistas da iniciativa. Ao valorizá-los, garantiu-se o seu comprometimento espontâneo com as atividades. Por fim, o planejamento e o desenvolvimento do “Guia – Praticando a Sustentabilidade” favoreceu a troca de informações e experiências entre os atores da cadeia produtiva. Esse material foi usado para divulgar as boas práticas socioambientais realizadas na empresa Terra Nossa e também as iniciativas desenvolvidas durante o projeto Dialogando na Indústria. Tem sido um instrumento de disseminação das práticas sustentáveis para sócios, colaboradores, clientes, fornecedores e demais envolvidos na cadeia produtiva, instigando a reflexão sobre as possibilidades de aplicar ações similares no ambiente residencial. 2.2.6 Características inovadoras O projeto foi inovador na sua proposta de promover a ação participativa da cadeia produtiva, oportunizando espaço para a comunicação, o compartilhamento de visões e alternativas de soluções na área de responsabilidade socioambiental. Sua principal característica foi a utilização da metodologia de “Transformação e Mobilização Social” e sua aplicação direta na indústria, estimulando a participação dos integrantes da cadeia produtiva (trabalhador, gestor, diretor, fornecedor, cliente). Essa tecnologia foi desenvolvida para o trabalho com a comunidade, e nesse projeto foi aplicada na indústria.

Essa inovação foi importante para a indústria e o seu trabalhador, pois incentivou uma sensibilização ambiental e aproximou a cadeia produtiva do debate sobre o que todos juntos podiam fazer no sentido de contribuir para os processos de restauração de valores sustentáveis. No mercado existiam práticas de diálogo com trabalhadores ou fornecedores ou com a comunidade do entorno, porém ainda não tinha sido identificada uma experiência semelhante: formar um núcleo composto de trabalhadores da indústria e demais representantes da cadeia produtiva para debater assuntos relacionados à questão ambiental e propor soluções sobre os desafios nessa área. Pela flexibilidade da metodologia quanto às várias temáticas de igual relevância que permite abordar, foi avaliado o mercado e concluiu-se a potencialidade de venda que o produto possuía, uma vez que ficou evidenciada a necessidade que as indústrias possuíam de alternativas para melhorias na gestão de processos, pessoas e produtos; bem como para cumprir com obrigatoriedades legais voltadas ao meio ambiente, sustentabilidade, fiscal, entre outras. 3 CONCLUSÃO O projeto causou impacto na indústria em alguns aspectos: aproximou a cadeia produtiva, facilitando, assim, a comunicação; contribuiu para a melhoria da imagem da indústria, pois demonstrou que ela está preocupada em debater assuntos relacionados à responsabilidade socioambiental; e contribuiu para o aprimoramento dos seus processos, pois alternativas de melhoria foram propostas pelo Núcleo Local de Trabalho. O projeto impactou, ainda, o trabalhador da indústria, porque criou um ambiente de diálogo entre ele e gestores, diretores e fornecedores, todos os agentes que estão diretamente ligados ao trabalho da indústria. Além disso, permitiu a sensibilização ambiental e essa nova postura pôde ser refletida nas residências, em família e no relacionamento com a sociedade. O que predomina no modelo de gestão participativa é a liderança, a disciplina e a autonomia, em que as pessoas ou colaboradores são responsáveis pelo seu próprio comportamento e desempenho na organização. A proposta do projeto Dialogando na Indústria foi apresentar uma ferramenta para um novo modelo de gestão empresarial, para todas as indústrias, independentemente do seu porte, trazendo benefícios para sua permanência no mercado e contribuindo para o aperfeiçoamento dos colaboradores, na medida em que propicia aprendizado e desenvolvimento pessoal. Uma das vantagens do projeto Dialogando na Indústria é que as ferramentas utilizadas podem ser aplicadas na busca de soluções relacionadas a várias demandas da indústria, uma vez que possibilita a inclusão de colaboradores, fornecedores e clientes, que são pessoas de diferentes níveis de formação dentro da organização, e que trazem inúmeras experiências e informações sobre suas visões, necessidades e interesses.

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Os novos desafios da gestão empresarial aliados a um mundo mais veloz e complexo passaram a exigir estruturas organizacionais mais descentralizadas e flexíveis, capazes de oferecer respostas rápidas às constantes mudanças de ambiente. Torna-se necessário, portanto, desenvolver formas organizacionais mais cooperativas e integradoras, atribuindo maior autonomia aos profissionais e aplicando novos mecanismos de motivação, em substituição àqueles praticados nas tradicionais burocracias.

PARANÁ. Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social. IPARDES. Paraná em números. Disponível em: <http://www.ipardes.pr.gov.br/pr_numeros/ index_pr_numeros_pt.htm> Acesso em: 18 fev. 2014.

As iniciativas do setor privado contribuem para uma reação em cadeia, mobilizando os diferentes públicos na adoção de práticas em favor do desenvolvimento social, econômico e ambiental. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Declaração de Tbilisi. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/sdi/ ea/deds/pdfs/decltbilisi.pdf>. Acesso em: 17 fev. 2014. BRUNDTLAND, G. Nosso futuro comum: em busca do desenvolvimento sustentável. Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1988. DÉCADA DA EDUCAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA UM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, Brasília: Unesco, 2005. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/ images/0013/001399/139937por.pdf>. Acesso em: 17 fev. 2014. FARFUS, Daniele; ROCHA, Maria Cristhina S. (Org.). Inovações sociais. Curitiba: Sesi-Senai-IEL-Unindus, 2007. FRANCO, A. Escola de redes: novas visões sobre a sociedade, o desenvolvimento a Internet, a política e o mundo globalizado. Curitiba: Arca – Sociedade do Conhecimento, 2008. ______. Escola de redes: tudo que é sustentável tem o padrão de rede: sustentabilidade empresarial e responsabilidade corporativa no século 21. Curitiba: Arca – Sociedade do Conhecimento, 2008. INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS. Tempo de decomposição de alguns materiais na natureza. Disponível em: <http://www.ibama.gov.br/setores-ibamadf/reciclagem>. Acesso em: 19 fev. 2014. KLABIN, Israel. Desenvolvimento sustentável: um conceito vital e contraditório. In: ZYLBERSZTAJN, David; LINS, Clarissa. Sustentabilidade e geração de valor: a transição para o século XXI. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 1-14.

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13. Análise do perfil das inovações sustentáveis do setor privado diante da responsabilidade no triple bottom line Autora: Ana Cláudia das Neves Silva Coautoras: Alessandra Vito Inhesta Patrícia Jacomini Frio

RESUMO O Brasil é um dos principais mercados consumidores do mundo; apesar do contexto de crise, opera com grande potencial em inovações, servindo como plano de fundo para outros países. Com isso, fez-se necessário mapear redes de inovações com viés sustentável do Estado de São Paulo, tendo como objetivo fazer uma análise das inovações com base no relatório da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), 2015 –em que se buscou verificar as tendências das iniciativas adotadas pelas empresas, bem como mapeá-las dentro do triple bottom line. Foi realizada uma análise bibliográfica, utilizandose a metodologia indutiva. Como resultado, percebeu-se a predominância do eixo social, mostrando que o perfil das inovações condiz com as tendências mundiais dos países em desenvolvimento, caminhando com proatividade alinhada à responsabilidade socioambiental no âmbito dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). O eixo temático foi: a responsabilidade do setor privado diante da sustentabilidade social, econômica e ambiental. Palavras-chave: redes de inovação; inovação; sustentabilidade.

1 INTRODUÇÃO Com o avanço da industrialização, catástrofes naturais e desastres ambientais são cada vez mais frequentes e para conter este processo a promoção da sustentabilidade tem sido o foco de governos, empresas e universidades. Assim, inovação sustentável é fundamental para a evolução na economia e na sociedade (SILVA et. al., 2010). As inovações são impulsionadas pelos anseios humanos; ultimamente, o campo da engenharia tem enfrentado grandes desafios, dada a acirrada concorrência do mercado global. Fruto da globalização, a interação e os entendimentos das limitações das indústrias, a garantia do eco-footprint – “pegada carbônica” – é uma questão global relacionada com a quantidade de emissões carbônicas e a área ambiental que um país possui. Assim, ao extravasar esse cálculo, um país fica em débito ou crédito em carbono (RESS, 1992) e também na garantia da sustentabilidade. Para superar esses desafios, a engenharia trabalha com métodos, ferramentas e técnicas, uma delas é a EcoInnovation ou Ecoinovação. Atrelado a isso, ressalta-se que, recentemente, a Organização das Nações Unidas (ONU), desenvolveu uma Agenda para 2030, como plano de ação, contendo 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) globais. Estes estão ligados aos resultados da RIO +20 – Cúpula de Desenvolvimento Sustentável, tendo sido debatida na Assembleia Geral da ONU justamente a colaboração entre países para negociar suas contribuições para alcançar objetivos comuns. Deste modo, é importante que as inovações brasileiras estejam de acordo com os ODS para atender à demanda de responsabilidade social envolvida com o setor privado – empresas analisadas (CARVALHO, 2015). Alinhada a essa importância, o objetivo do artigo é fazer uma análise do relatório de inovações sustentáveis da Fiesp

por meio de uma classificação dessas e verificar o perfil das iniciativas em inovações sustentáveis no Estado de São Paulo, de acordo com a responsabilidade dessas inovações na garantia do triple bottom line – tripé da sustentabilidade (ELKINGTON, 1997). Com isso, a pesquisa busca responder à seguinte questão: com base no relatório da Fiesp, qual o perfil das inovações sustentáveis nas empresas diante da responsabilidade na garantia do triple bottom line? Portanto, a análise das inovações com base no relatório da Fiesp é essencial, pois verifica como essas estão sendo seguidas no Estado de São Paulo, que possui Produto Interno Bruto (PIB) que corresponde a cerca de R$ 1,3 trilhão, participação: 31,4% do Brasil, sendo o mais influente do país por ditar as tendências em cadeia para o restante do país segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2011). Vale ressaltar, que representantes do governo do Estado de São Paulo e da Organização das Nações Unidas (ONU) assinaram um documento para a criação de um grupo que vai trabalhar as bases de implantação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (SÃO PAULO, 2015), evidenciando o pioneirismo do estado nas questões sustentáveis. Além disso, é importante lembrar que os padrões de consumo estão mudando em consequência da conscientização da sociedade sobre a importância do desenvolvimento sustentável, atendendo à teoria dos Stakeholders, que defende que as pressões que motivam as mudanças estão intimamente ligadas às partes interessadas, sejam elas relacionadas ao governo, sociedade, sejam potenciais clientes, entre outros (AGLE; FREEMAN, 2007). Ainda como justificativa, pode-se citar que as tendências das iniciativas em inovações sustentáveis no setor empresarial paulista são moldadas pelas mudanças nos padrões do consumo por causa de algumas implicações da crise atual brasileira, que têm tido como plano de fundo 87


a sustentabilidade como ponto alternativo de escape e superação da crise. Ao verificar o perfil dessas inovações, é possível comprovar a importância de se aliarem benefícios econômicos aos sociais e ambientais com ganhos em competitividade sustentável, apesar de haver necessidade de uma visão integrada e evoluída com certa proatividade; consequentemente, assume-se a responsabilidade do setor privado diante da sustentabilidade social, econômica e ambiental – triple bottom line. 2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 INOVAÇÃO SUSTENTÁVEL O potencial para transformar a tecnologia, produtos e mercados é definido como as atividades socioambientais inovadoras e potencialmente transformadoras que geram novos produtos e processos, além de desafiar as práticas existentes (SCHUMPETER, 1934). A visão de sustentabilidade deve ser ampliada, isto é, considerar a mais recente abordagem do tema com o conceito de competitividade sustentável e o triple bottom line. Para Lins (2015), os resultados dos impactos globais estão mudando a maneira de fazer negócios no mundo. Assim, a competitividade sustentável deve ter um enfoque global, prevendo-se resultados em curto prazo. No entanto, é grande o número de líderes empresariais para os quais o lucro financeiro é o único bottom line; e existe um consenso de que a economia não está no rumo certo, não há progressos do desenvolvimento sustentável o suficiente para reverter o quadro de deterioração econômica, ambiental e social. Desta maneira, o grande desafio é alterar o atual paradigma do economic bottom line (viés econômico) para o triple bottom line sem comprometer o resultado presente e preservando o resultado futuro das empresas (LINS, 2015). 2.2 OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Negociações concluídas em agosto de 2015 culminaram na adoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), por ocasião da Cúpula das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável. Processo iniciado em 2013, na Conferência Rio+20, os ODS servem para embasar as políticas nacionais e as atividades de cooperação internacional nos próximos 15 anos, dando continuidade aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM).

O Brasil tem mostrado grande empenho no processo em torno dos ODS e desempenhou papel fundamental na implementação dos ODM e com representação nos diversos comitês criados para apoiar o processo pós2015. Sediou a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92) e a Conferência Rio+20, em 2012. As políticas públicas brasileiras são contribuições para a integração das dimensões do desenvolvimento sustentável. A coordenação nacional resultou no documento de “Elementos Orientadores da Posição Brasileira”, elaborado a partir dos trabalhos de seminários com representantes da sociedade civil, entidades municipais na Secretaria de Relações Institucionais – PR e pelo Ministério das Cidades, e a reunião de 27 Ministérios e órgãos da administração pública federal na organização da Agenda Pós-2015. 3 DISCUSSÃO A Fiesp apresentou, em agosto de 2015, a segunda Edição Especial do Boletim Sustentabilidade Fiesp, produzido pelo Comitê de Responsabilidade Social (Cores), departamento da Fiesp – que tem como foco principal, mostrar que a sustentabilidade pode ser um grande diferencial competitivo para a indústria brasileira. Nesse boletim, foram verificadas tendências de inovações sustentáveis por meio de uma análise de perfil das iniciativas em inovações sustentáveis, no Estado de São Paulo, de acordo com a responsabilidade dessas na garantia do triple bottom line. O boletim foi feito a fim de orientar os sindicatos e estimular as empresas a adotarem uma gestão ética e transparente, promovendo o diálogo e considerando a visão dos públicos de interesse; e descreve os principais projetos e as ações desenvolvidas em diversas indústrias, que se tornaram cases de sucesso e mostraram como os valores da ética e da transparência, o respeito aos contratos, a defesa de tudo o que diz respeito à vida e aos valores humanos contribuem para o Desenvolvimento Sustentável (FOLADORI, 2001). Foi realizada uma análise desse documento (Boletim Sustentabilidade Fiesp) e elaborado um quadro (Quadro 1 – disponível em: “Anexos”), contendo as inovações de 33 empresas dispostas e classificadas em porte, triple bottom line, foco, práticas e retorno. Sendo assim, as inovações foram dispostas conforme apresentadas no Quadro 2.

O Brasil teve participação em todas as sessões da negociação intergovernamental. O acordo gerou 17 Objetivos e 169 metas, envolvendo temáticas diversificadas, como: erradicação da pobreza; segurança alimentar e agricultura; saúde; educação; igualdade de gênero; redução das desigualdades; energia, água e saneamento; padrões sustentáveis de produção e de consumo; mudança do clima; cidades sustentáveis; proteção e uso sustentável dos oceanos e dos ecossistemas terrestres; crescimento econômico inclusivo; infraestrutura e industrialização; governança; e meios de implantação.

88


Quadro 2 – Teor das Inovações em Triple bottom line – Processo ou Produto

Nome

Social

Triple bottom line Ambiental Econômico

Medicatriz OJL Papéis

X X

Vidroporto Philips

X

Tipo de Inovação Processo Produto

X

X

X

X

X

X

X

X

BR Goods

X

X

X

Braskoen

X

X

X

Ajinomoto

X

X

X

X

X

X

Keppe Motor

X

X

X

Cisco

X

X

Amazon Air Water

X

X

Novartis

X

X

Renault

X

X

Korin

X

X

Kimberly Clark

X

X

X

X

X

X

X

BCF Plásticos P&G

X

Nacional Ossos

X

Meu Móvel de Madeira (MMM)

X

X

Del Valle Reserva Açaí com Banana, Coca-Cola

X

X

X

X

X X

3M

X X X

X

Feito no Brasil

X

X

Cristal Pigmentos

X

X

Boehringer Ingelheim

X

X

Damha Urbanizadora

X

X

Colgate – Palmolive

X

X

Cargill Usinas São Martinho

X

Goodyear

X

Feitiços Aromáticos

X

Algar Telecom

X

X

X

X

X X

X

X X

Café Pilão

X

X

Moda íntima Liebe

X

X

MPD Engenharia

X

X

Total

22

Fonte: Elaborado pelos autores

19

13

X

X

6

28 89


Além desse quadro, coube a elaboração de uma tabela com o resumo dos dados, verificando-se as tendências, em percentagem, das inovações para a fundamentação das discussões, conforme a Tabela 1. Tabela 1 – Percentagens do teor das inovações CLASSIFICAÇÕES

TOTAL

PERCENTAGEM

Social

22

66,67%

Ambiental

19

57,58%

Econômico

13

39,40%

Processo

28

84,85%

Produto

6

18,19%

Fonte: Elaborado pelos autores

Portanto, pode-se dizer que há uma predominância do triple bottom line – Social com quase 67% das inovações sustentáveis; ou seja, percebe-se que, a priori, a sustentabilidade era vista apenas como um tipo de “green-wash” – publicidade verde, com viés econômico, mas, ao analisar as iniciativas citadas no Boletim de Sustentabilidade da Fiesp, verificouse maior conscientização e amadurecimento por parte das empresas com relação ao desenvolvimento sustentável, pois há uma mudança de tendência – de econômica para social e ambiental. Nota-se, também, certo equilíbrio entre o triple bottom line, com, aproximadamente, 67% de viés social, 58% de viés ambiental e 40% de viés econômico. Ao classificar o teor do triple bottom line, foi considerado o intuito da inovação: para fins econômicos (lucro, redução de custos); social (diminuição de desigualdades, engajamento na responsabilidade social); e ambiental (adequação a leis, políticas e normas; diminuição de impactos e resíduos gerados pela organização, bem como melhor gerenciamento de recursos naturais do ambiente na qual está inserida). É notável que as empresas tenham compreendido que o gerenciamento adequado de recursos em conformidade com o meio ambiente, aliado à sustentação das pessoas envolvidas nos processos (sociedade) podem trazer vantagens competitivas e, consequentemente, benefícios na esfera econômica, revertendo-se em curto, médio ou longo prazo, em lucro e redução de custos. O grande desafio de alterar o atual paradigma do economic bottom line (viés econômico) para o triple bottom line sem comprometer o resultado presente e preservando o resultado futuro das empresas (LINS, 2015), pode-se dizer que vem sendo dissolvido pela conscientização das organizações com as questões climáticas e ambientais; nota-se que o intuito não é mais apenas econômico. Por meio do equilíbrio parcial entre o triple bottom line, com, aproximadamente, 67% de viés social, 58% de viés ambiental e 40% de viés econômico, pode-se afirmar, também, de certa forma, em relação ao termo “sustentabilidade” – que defende que os esforços sejam simultâneos e transcendentes no triple bottom line – que

as intenções relacionadas às práticas sustentáveis estejam em conformidade com o triple bottom line, como um todo, não apenas enfatizando a esfera econômica, social ou ambiental. Contudo, apenas duas empresas tiveram suas inovações focadas no tripé, simultaneamente – a Kimberly Clark e a Amazon air water. As práticas se mostraram realmente efetivas, pois são comprovadas e dispostas para consulta pública, ou seja, não se trata apenas de green-wash, que visa ao aumento de publicidade positiva por parte da empresa. A pressão para iniciativas em inovação sustentável vem, principalmente, dos stakeholders, sendo eles fornecedores, governos, ou o próprio mercado, que pedem por inovações. Porém, verificou-se, também, que um dos grandes motivadores para as inovações sustentáveis vem ou da falta ou da escassez de recursos e crises, como o caso da empresa Amazon air water, que retira água da umidade do ar na região da Amazônia, vindo de encontro à crise hídrica sofrida em parte do mundo; bem como a empresa Vidroporto, que foi a pioneira na América do Sul fazendo uma usina de beneficiamento de cacos automática, diminuindo a dependência de tecnologias externas para realização das suas atividades; dentre outros exemplos dispostos no Quadro 1. As inovações têm-se pautado não só na evolução de tecnologias já pertencentes às organizações analisadas; isto é, pode-se notar que as inovações têm sido mais incrementais (feitas de forma menos radical, gradativamente). Apesar de serem inovações mais incrementais, trata-se, a maioria, da evolução dos próprios recursos, vindo ao encontro da Resources Based Theory/View, Teoria/Visão Baseada em Recursos, que defende o desenvolvimento de capabilidades e resiliência por meio do melhoramento e da adequação do gerenciamento de recursos próprios das organizações (WERNERFELT, 1984); isto é, apesar do período de crise, as organizações vêm desenvolvendo a evolução de seus recursos, replicando esse efeito em cadeia para seus fornecedores e clientes – green buwild effect – efeito chicote verde, ou seja, a transferência de pressão exercida pelos clientes, governos, entre outros, para os demais elos da cadeia de suprimentos, das quais as organizações fazem parte (LEE, 2014). O grau de inovação das empresas, seja mais radical, seja incremental, também vale ser analisado. Apesar de inovações radicais terem sido raras, conforme o Boletim, o exemplo mais prático foi o da empresa Amazon air water, que inovou (inovação de processo) na produção de água, criando uma máquina para isso (inovação de produto). Na grande maioria, o teor de inovação das empresas foi, predominantemente, incremental (processo gradativo de inovação) e focalizado nos processos, com quase 85% dos casos, conforme mostrado na Tabela 1. É importante dizer, ainda, que as inovações mais significativas ou impactantes são de empresas brasileiras, mostrando a evolução do mercado brasileiro e maior conscientização em relação ao valor competitivo que os argumentos sustentáveis trazem, em sua essência; não só visando a um aumento de market share (fatia de mercado), mas a uma percepção maior de que a sustentabilidade é essencial para a sobrevivência das organizações, do 90


mercado e da sociedade como um todo. Apesar de as inovações sustentáveis no Brasil se encontrarem em período de gênese, nota-se uma evolução no grau de maturidade das inovações, pela predominância do triple bottom line, com foco de benefícios mais sociais, com quase 67% das finalidades das iniciativas em inovações sustentáveis, conforme o Boletim de Sustentabilidade da Fiesp de agosto de 2015. O Estado de São Paulo, como representante do Brasil no PIB, está preparado para o ecoinnovations (eco inovações), pois tem enfocado, voluntariamente, os recursos de suas principais empresas nesse tipo de inovação; quer dizer, uma maioria significativa tem concentrados seus esforços para se alinhar com a tendência mundial focalizada no Desenvolvimento Sustentável, bem como o novo desafio proposto pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Portanto, é importante que as inovações estejam em conformidade com os ODS, e por meio da análise do Boletim de Sustentabilidade da Fiesp, foi possível perceber que, apesar do contexto brasileiro de crise e uma crescente e preocupante crise hídrica no Estado de São Paulo, as organizações têm alocados seus recursos promovendo inovações alinhadas ao triple bottom line como um todo, mostrando um amadurecimento no grau de inovações e uma atenção consciente à importância do Desenvolvimento Sustentável para a sociedade em geral. 4 CONCLUSÃO Como foi visto, o viés mais utilizado no triple bottom line foi o social, com 67%, porém, vale lembrar, também, a presença de certo equilíbrio entre as esferas social, ambiental e econômica, com 67%, 58% e 40% respectivamente; ou seja, as inovações têm tido um caráter genuíno no que diz respeito ao emprego justo do termo “sustentabilidade”, em sua essência. Houve uma grande evolução no grau de maturidade das inovações, levando- se em conta a que ocorreu no gerenciamento de recursos das empresas, bem como a presença predominante das inovações incrementais de processo, mostrando que, apesar do período de crise econômica, as organizações têm desenvolvido novas capabilidades. Isso tem ocorrido, justamente, pela escassez de recursos e a necessidade da evolução no gerenciamento dos recursos que restam e pela pressão contínua dos stakeholders (o que denota uma maior conscientização da sociedade brasileira, em geral, em relação à importância das práticas mais sustentáveis), produzindo um green buwild effect na Cadeia de Suprimentos nacional, vindo ao encontro da demanda internacional. Dessa forma, a crise e os stakeholders têm sido os principais motivadores para o amadurecimento e o aumento no número de inovações sustentáveis no principal estado, participante em 31,4% do PIB do Brasil – São Paulo, conforme as empresas analisadas incluídas no Boletim de Sustentabilidade da Fiesp. Mesmo que a sustentabilidade venha sendo cada vez mais utilizada como estratégia coorporativa com finalidades de viés competitivo, como mostra o Índice de Sustentabilidade (ISE). Prestes a completar uma década, o ISE registra ganho

acumulado de 122%, três vezes o retorno do principal índice da bolsa no período (TAUATA, 2015). Isso quer dizer que é clara a vantagem econômica das práticas mais sustentáveis nos negócios, porém, a evolução da maturidade das empresas brasileiras sobre a sustentabilidade e sobre as questões ambientais tem aumentado, significativamente. Mesmo que o viés sustentável traga vantagem competitiva na imagem, nos lucros e na redução de custos, como apresenta a coluna “retorno” do Quadro 1, em anexo, dizer que o fim é apenas econômico é injusto, em contraponto à predominância do teor social das inovações no triple bottom line. A responsabilidade do setor privado diante da sustentabilidade social, econômica e ambiental (triple bottom line) está aumentando, ao se avaliar sob o prisma das inovações sustentáveis feitas pelas organizações analisadas, vindo ao encontro às leis de Responsabilidade Social que visam dar suporte à sociedade. Apesar da dificuldade do Estado em atender às necessidades básicas da população, os problemas ambientais resultantes do consumismo desenfreado e a escassez de recursos são motivadores da inovação social, que possui a finalidade de reduzir impactos negativos e promover a inovação social melhorando o bemestar de uma sociedade. Essa preocupação em gerar bemestar e qualidade de vida, geralmente, parte de iniciativas de empresas privadas, pois projetos de responsabilidade social impactam, positivamente, o reconhecimento da empresa ou o fator monetário. Por isso, a inovação social tem tido ênfase maior nos negócios. Além disso, a gestão de inovação social promove benefícios para muitas pessoas que enfrentam problemas sociais e precisam de auxílio para superar situações de miséria, doenças e desemprego. Um projeto social pode promover transformações efetivas e gerar riqueza de forma sustentável, melhorando as condições do ambiente, contribuindo para a melhoria do futuro, preservando recursos e melhorando as condições de vida de muitas famílias. Consequentemente, os resultados trarão benefícios econômicos, sociais e ambientais para o país e boas práticas para organizações. Ou seja, para um bom desenvolvimento de inovação sustentável, é necessário agregar a competitividade sustentável como compromisso das empresas em gerenciar e melhorar o resultado econômico, o impacto ambiental gerado por seus processos, as implicações sociais e a salvaguarda cultural de atividades em âmbito empresarial, local, regional e global sendo necessária a conscientização da nova geração de líderes (LINS, 2015). Isto nada mais é que o cumprimento simultâneo dos pressupostos do triple bottom line, fazendo jus ao termo “sustentabilidade” em sua essência; e, consequentemente, a harmonia entre os objetivos das organizações, dos stakeholders, salvaguardando o desenvolvimento sustentável. Finalmente, pode-se concluir que, em razão da tendência de inovações sociais, o setor privado tem entendido sua responsabilidade na prática de sustentabilidade, no seu real significado. Ao afirmar isto, a lógica que se segue é que, dados os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, o apoio do setor privado, assumindo suas responsabilidades, a sociedade exercendo pressões como principal stakeholder 91


e o governo provendo o apoio necessário, é correto afirmar que o Brasil, principalmente o Estado de São Paulo, tem condições de desenvolver mecanismos para o alcance dos ODS por meio da tendência das inovações promovidas por suas principais organizações, tem condições de desenvolver mecanismos para o alcance dos ODS. Uma tendência caracterizada pela maturidade apresentada por meio da percepção da real de responsabilidade do engajamento do setor privado no provimento da sustentabilidade no país e no mundo.

SCHUMPETER, J. A. The theory of economic development: an inquiry into profits, capital, credit, interest and the business cycle. Translated from the german by Redvers Opie. New Brunswick and London: Transaction Publishers. Journal of Comparative Research in Anthropology and Sociology, vol. 3, n. 2, 2012.

REFERÊNCIAS

TAUHATA, S. Índice de sustentabilidade bate Ibovespa em dez anos. Valor Online, 15 out. 2015. In: FGV EAESP. Disponível em: <http://gvces.com.br/indice-de-sustentabilidade-bateibovespa-em-dez-anos?locale=pt-br#sthash.6FfrsAjB. qOUEXTjk.dpuf15/10/2015>. Acesso em: 18 out. 2015.

AGLE, B. R.; FREEMAN, R. E. Teoria degli stakeholder. Milano: FrancoAngeli, 2007.

WERNERFELT, B. A resource-based view of the firm. Strategic management journal, v. 5, n. 2, p. 171-180, 1984.

ANGELO, F. D.; JABBOUR, C. J. C.; GALINA, S. V. R. Inovação ambiental: das imprecisões conceituais a uma definição comum no âmbito da gestão ambiental proativa. GEPROS, ano 6, n. 4, p. 143-155, 2011. CARVALHO, A. P. Objetivos do desenvolvimento sustentável. GVexecutivo, v. 14, n. 2, p. 72, out. 2015. ELKINGTON, J. Cannibals with forks: the triple bottom line of 21st century, Oxford: Capstone Publishing Ltd., 1997. FOLADORI, G. Limites do desenvolvimento sustentável. Campinas: Editora da Unicamp, São Paulo: Imprensa Oficial, 2001. HART, S. L.; MILSTEIN, M. B. Criando valor sustentável. RAE executivo, v. 3, n. 2, mai./jul. 2004. Tradução de Pedro F. Bendassolli. Artigo originalmente publicado na Academy of Management Executive, v. 17 n. 2, mai. 2003. LEE, S. et al. The green bullwhip effect: transferring environmental requirements along a supply chain. International Journal of Production Economics, v. 156, p. 39-51, 2014. LINS, P. Competitividade sustentável (CS) e o conceito do blue nas empresas. Boletim sustentabilidade FIESP, p. 6-8, 2015. Disponível em: <http://www.fiesp.com.br/indicespesquisas-e-publicacoes/boletim-sustentabilidade-fiesp/>. Acesso em: 16 set. 2015. NIDUMOLU, R.; PRAHALAD, C. K.; RANGASWAMI, W. R. Why sustainability is now the key driver of innovation. Harvard Business Review, set. 2009. SILVA, C. E. L. et al. Inovação sustentável: uma revisão bibliográfica. In: CONGRESSO DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO, 6., 2010, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, 2010.

foto: PxHere

REES, W. E. Ecological footprints and appropriated carrying capacity: what urban economics leaves out. Environment and urbanization, v. 4, n. 2, p. 121-130, 1992. SÃO PAULO. Sistema Ambiental Paulista. Governo de São Paulo assina termo que viabiliza ODS. Disponível em: <http://www.ambiente.sp.gov.br/blog/2015/09/22/ governo-de-sao-paulo-assina-termo-que-viabiliza-ods/>. Acesso em: 24 set. 2015. 92


ANEXO Quadro 1 – Descrição de Inovações Sustentáveis – Boletim Fiesp – Agosto de 2015 Nome

Porte

Tripé

Foco

Retorno

Medicatriz

Pequeno

Econômico

Inovação (open innovation)

Cresc. 45% R$ Finalista prêmio nacional de inovação 2015 Competitividade

OJL Papéis

Multinacional

Social Econômico

Qualificação profissional

Reduziu consumo de vapor em 3% – R$ 600 mil Baixa taxa de rotatividade = 80% satisfação Satisfação dos clientes 90%

Vidroporto

Médio

Ambiental Econômico

Reciclagem para ampliar a produção

Primeira usina de beneficiamento de cacos automática da América do Sul Ampliação da produção de 22 milhões – 55 milhões de garrafas/mês (+200%) Diminuição de resíduos particulados e CO2 Menor consumo de energia Aumento da qualidade do insumo beneficiado, lucratividade e vantagem competitiva Redução do custo de mão de obra Uso de resíduos como matéria-prima – preservação ambiental

Philips

Multinacional

Social Ambiental

Relacionamento com a comunidade e incentivo ao esporte

Iluminação de campos de futebol de várzea – 20 –>30 América Latina; troca por lâmpadas Led

BR Goods

Pequena

Ambiental Econômico

Sustentabilidade na pequena indústria

Aumento das vendas em quase 10% Redução do uso de água e energia Certificações ISO 9001, ISO 14001 e OHSAS 18001 Aumento final das vendas de 8% Busca ainda a certificação da pegada de carbono em seus produtos na Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e na Associação Carbon Trus

Braskoen

Grande

Ambiental Econômica

Reúso de Água

Economia de R$ 154 milhões em redução de custos; índice de consumo estável, seis vezes inferior à média da indústria química mundial (international council of chemical associations [Icca]) O aquapolo é o maior empreendimento para a produção de água de reúso industrial na América do Sul e o quinto maior do planeta O projeto Água Viva é o maior projeto de reaproveitamento de água e vai gerar economia de 4 bilhões de litros/ano

Ajinomoto

Grande

Ambiental Econômico

Logística reversa e apoio à comunidade

Aumentou o volume de reciclagem em 15% Benefícios esperados para o meio ambiente, aumento na capacidade produtiva e, consequentemente, melhorias das condições sociais dos cooperados, com base na doação de equipamentos e treinamentos

93


Nome

Porte

Tripé

Foco

Retorno

Amazon Air Water

Médio

Ambiental Econômico Social

Inovação sustentável

Produção de água a partir da umidade de ar Produção inicial de 6 milhões de garrafas/ano e previsão para 12 milhões de garrafas/ – 2018 e 60 milhões – 2022 Primeira a: engarrafar água do ar; utilizar matéria-prima inesgotável; adotar uma biotampa que se decompõe sem deixar resíduos e carrega sementes em seu interior

Keppe Motor

Médio

Econômico Ambiental

Menos energia, mais sustentabilidade

Desenvolvimento do primeiro ventilador sustentável; gera economia de energia em 70%

Cisco

Multinacional

Social

Mais mulheres em TI e telecomunicações

Programa girls in ict day – já recebeu 420 jovens latino-americanas em seus encontros nos escritórios e fábricas da Cisco ao redor do mundo

Novartis

Multinacional

Social

Estrutura diferenciada para mulheres

Diversos prêmios; Guia Exame de sustentabilidade, na categoria direitos humanos; o de melhor RH pela revista Época 360°, dentre as cem melhores empresas em cidadania corporativa; o selo da diversidade e inclusão do governo do Estado de São Paulo; e foi finalista na primeira premiação das empresas mais inclusivas do Estado de São Paulo

Renault

Multinacional

Social

Empoderando mulheres

Na Renault do Brasil, a presença das mulheres evoluiu de 7% para 12% do total de colaboradores, nos últimos seis anos Ajudou a melhorar o produto final e a atender à demanda de um nicho de mercado que, atualmente, é responsável por mais de 70% das decisões de compra

Korin

Multinacional

Social Ambiental

Bem-estar animal é prioridade

Única com certificado que atesta a produção de animais livre de qualquer tipo de sofrimento: o Certified Humane Pioneira na produção de frango orgânico Primeira e única empresa brasileira a produzir frangos e ovos livres de antibióticos e promotores artificiais de crescimento em escala industrial

Kimberly clark

Multinacional

Ambiental Econômica Social

Logística reversa completa

Primeiro programa a oferecer aos clientes um serviço de logística reversa dentro dos padrões da nova legislação Conseguiu diminuir a geração de resíduos por meio da reciclagem de, aproximadamente, 50% do volume de panos da marca e garantir um ciclo de vida mais sustentável para o produto Menor consumo, menor número de entregas Redução, em 75%, do número de fretes e, consequentemente, da emissão de CO2 dos caminhões

BCF plásticos

Média

Ambiental Econômico

Reciclagem de água garante produção industrial

Economia de 50% do valor da conta de água Melhora na reputação perante clientes e fornecedores

P&G

Multinacional

Social Ambiental

Sachê limpa água contaminada

Doação de 8 bilhões de litros de água limpa

94


Nome

Porte

Tripé

Foco

Retorno

Nacional Ossos

Pequeno

Social

Inovação (open innovation)

Crescimento expressivo; e faturamento, em 2013, chegou aos R$ 3 milhões, com clientes em, aproximadamente, 40 países, clientes como universidades de odontologia, ortopedia e veterinária, escolas profissionalizantes e cirurgiões-dentistas

Meu Móvel de Madeira (MMM)

Média

Social Ambiental

Qualificação profissional, matéria-prima sustentável

A receita da empresa já está acima de R$ 10 milhões por ano

Del Valle Reserva Açaí com Banana, Coca-Cola

Multinacional

Ambiental Social

Extração sustentável

Maior estímulo ao empoderamento das comunidades Dá assistência técnica e promove o acesso a uma cadeia de preço justo Emprega, diretamente, 66 mil funcionários

Del Valle Reserva Açaí com Banana, Coca-Cola

Multinacional

Ambiental Social

Extração sustentável

Maior estímulo ao empoderamento das comunidades Dá assistência técnica e promove o acesso a uma cadeia de preço justo Emprega, diretamente, 66 mil funcionários

3M

Multinacional

Econômica

Open –Innovation

Prêmios renomados: Best Innovation, ranking feito pela AT Kearney Consultoria, em parceria com a revista Época; e o Prêmio Nacional de Inovação CNI. A empresa, no Brasil, representou R$ 1,2 bilhão do faturamento bruto anual

Feito Brasil

Pequena

Social e Ambiental

Produção artesanal com matérias-primas vegetais e certificadas

A empresa possui faturamento anual de mais de R$3 milhões, e é a única marca nacional a ser revendida na Sephora; todos os produtos são veganos.

Cristal Pigmentos

Multinacional

Social

Bem-estar de funcionários

Premiação concedida à organização na pesquisa “As Melhores Empresas para Você Trabalhar”, realizada pela revista Você S/A Redução de custos, que baixaram para, aproximadamente, R$ 500 mil por ano

Boehringer Ingelheim

Multinacional

Social

Valorização no desenvolvimento profissional e na qualidade de vida dos funcionários – home office

Em 2013, a Boehringer Ingelheim obteve vendas líquidas de, pelo menos, 14,1 bilhões de euros e investiu 19,5% do faturamento em pesquisa e desenvolvimento

Damha Urbanizadora

Médio

Social

Empoderamento de comunidades

As vendas, em 2011, eram de R$ 252,2 milhões e, em 2013, alcançaram R$ 629,3 milhões

Colgate – Palmolive

Multinacional

Social

Trabalho voluntário – Programa sorriso saudável

Nas ações independentes, realizadas pelos 428 voluntários já treinados, foram beneficiadas mais de 21 mil crianças

Cargill

Multinacional

Ambiental

Certificação RSPO, [Roundtable on Sustainable Palm Oil] e construção de cadeia de suprimentos responsáveis

Conservação da biodiversidade Redução de gases de efeito estufa Melhoria dos meios de subsistência Segurança alimentar

Usinas São Martinho

Grande

Ambiental e social

Projeto Viva a Natureza

Além do significativo o resultado numérico alcançado com a campanha, trouxe evidentes ganhos para o meio ambiente

95


Nome

Porte

Tripé

Foco

Retorno

Goodyear

Grande

Social

Treinamento de funcionários

Cultura do desenvolvimento, tendo como benefícios a redução dos custos operacionais do cliente e aumentando a longevidade dos pneus

Feitiços Aromáticos

Pequena

Social Ambiental

Desenvolvimento socioeconômico da comunidade

Certificação pelo Sistema B – grupo de empresas que têm atuação diferenciada da usual no mundo corporativo, investindo em gestão mais igualitária e com menor impacto socioambiental, porém, mantendo a concepção de lucro, desde 2002; e seu faturamento anual chega a R$ 2,5 milhões

Algar Telecom

Grande

Social

Retenção de talentos, valorização de colaboradores e incentivo à inovação

O social game contribuiu para trabalhar em diversos aspectos do comportamento empreendedor, como a proatividade e o protagonismo, a busca por novas oportunidades, a criatividade para pensar diferente, e pensar em ideias úteis para o cliente

Café Pilão

Multinacional

Ambiental Econômico

Logística reversa e adequação à PNRS

Ajudaram nos controles de produção e redução de custos e, ao mesmo tempo, trazendo benefícios para a sociedade e sem prejudicar o meio ambiente

Moda íntima Liebe

Grande

Social

Controle de rotatividade de funcionários

Turnover [rotatividade] da empresa passou de 5% a 7% para, praticamente, 1,2%

MPD Engenharia

Grande

Social

Projeto Construindo Letras – alfabetização e formação de profissionais

Colaboradores se tornavam mais preparados; e registro de 95% de aprovações dos clientes durante a vistoria dos imóveis, no momento da entrega Fez parte do Guia das 150 Melhores Empresas para Você Trabalhar no Brasil, publicado pela revista Você S/A

Fonte: Elaborado pelos autores

foto: PxHere

96


14. E-waste: consequências do consumo de produtos da indústria das tecnologias de informação e comunicação Autor: João Samarone Alves de Lima

RESUMO A indústria das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) tem recebido destaque no cenário global, seja pela sua capacidade de inovação, seja pelo seu poder econômico. É característico dessa sociedade o consumo de equipamentos eletrônicos, que levou a indústria das TIC a um período de prosperidade como nunca antes visto em um curto período de tempo. O setor das TIC sempre foi considerado uma indústria limpa, mas, nos últimos anos, começaram a surgir problemas socioambientais relacionados aos resíduos eletrônicos (e-waste), revelando uma situação bastante diferente do que se pensava a respeito da sustentabilidade dessa indústria. O artigo aborda as origens do e-waste das TIC, apresentando seus impactos socioambientais e os desafios enfrentados pela cadeia da sua gestão. São abordadas as oportunidades de negócios e de desenvolvimento social, a partir da reciclagem desse tipo de resíduos no Brasil, com destaque em projetos desenvolvidos em Recife. O eixo temático foi: a responsabilidade do setor privado diante da sustentabilidade social, econômica e ambiental. Palavras-chave: resíduos eletrônicos; Tecnologias da Informação e Comunicação; reciclagem.

1 INTRODUÇÃO Na era da sociedade da informação, a indústria das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) tem recebido destaque no cenário global, seja pela sua capacidade de inovação no desenvolvimento de produtos e serviço, seja pelo seu poder econômico. É característico dessa sociedade o consumo de equipamentos eletrônicos, que levou a indústria das TIC a um período de prosperidade como nunca antes visto em um curto período de tempo. O setor das TIC sempre foi considerado uma indústria limpa, mas, nos últimos anos, começaram a surgir problemas socioambientais relacionados aos resíduos eletrônicos (e-waste), revelando uma situação bastante diferente do que se pensava a respeito da sustentabilidade dessa indústria. O artigo aborda as origens do e-waste das TIC, apresentando seus impactos socioambientais e os desafios enfrentados pela cadeia de sua gestão. São abordadas as oportunidades de negócios e desenvolvimento social a partir da reciclagem deste tipo de resíduos no Brasil com destaque em projetos desenvolvidos no Recife. Normas reguladoras a nível nacional com a Política Nacional de Resíduos Sólidos estão entre as inovações discutidas que visam à construção de uma nova consciência de consumo para um sociedade sustentável.

meios naturais. Atualmente, o lixo – ou resíduos – gerado por uma humanidade que já chega a alguns bilhões de pessoas, representa um dos problemas potenciais para a sobrevivência das espécies, porque polui de maneira violenta os recursos importantes para a manutenção da vida, da água dos rios e oceanos.

2 CONTEXTUALIZANDO O E-WASTE E A PROBLEMÁTICA DE RISCOS

Alguns dos resíduos, principalmente depois da Revolução Industrial, apresentam uma composição material muito complexa e, sobretudo, os artificiais – aqueles que não são encontrados naturalmente ou ocorrem em baixas concentrações – trazem sérios riscos à vida na biosfera. Guivant (1998, p. 22) afirma que os sociólogos Beck (2010) e Giddens (2012) adotam uma abordagem tão original quanto polêmica ao colocar os riscos ambientais e tecnológicos como centrais para a explicação da sociedade contemporânea. Os autores reconhecem que sempre existiram riscos, só que consideram os atuais objetivamente diferentes, porque “[...] não são meros efeitos colaterais do progresso, mas centrais e constitutivos destas sociedades, ameaçando toda forma de vida no planeta e, por isso, estruturalmente diferentes no que diz respeito a suas fontes e abrangência”. Essa transformação ocorre de maneira autônoma, portanto, independe de intenções ou políticas, mas é processada pelas forças da própria sociedade reflexiva.

Na Sociedade de Risco, definição dada por Beck (2010) à última modernidade, a geração de resíduos é potencializada em níveis que têm provocado desequilíbrios no ambiente natural, devido à extração de recursos acima da capacidade de resiliência do sistema natural. A isso se somam as alterações fisioquímicas das sobras que ficam como subprodutos e ultrapassam as capacidades de reintegração ou regeneração das substâncias por

O crescimento da população e o aumento do consumo contribuem, ano após ano, para a geração de resíduos sólidos em escala global, tornando-se, nos dias atuais, tema de discussões e debates intermináveis que, na maioria das vezes, apresentam poucas soluções práticas. Os resíduos sólidos provenientes dos eletroeletrônicos (e-waste) passaram a despontar no cenário global como elementos potencialmente tóxicos, superando, em muito, as antigas 97


engrenagens que faziam parte do aparato tecnológico da sociedade da informação anterior. 3 ORIGENS, DEFINIÇÕES E CLASSIFICAÇÕES DO E-WASTE O e-waste, objeto específico deste artigo, tem sua gênesis com o desenvolvimento dos circuitos eletrônicos digitais construídos em material semicondutor, o silício, da forma até o chip, também conhecido como circuitos integrados, possui em seu interior de centenas até bilhões de transistores nos dias de hoje (VASCONCELOS, 2009), mas esse número tende a crescer muito, ainda. Esse seria, sem dúvida, o mais importante componente eletrônico já desenvolvido em todos os tempos, sem o qual não existiriam os avanços da era digital tal como é conhecida. O processo de miniaturização dos transistores possibilitou a fabricação dos microprocessadores ou chips, considerados o “cérebro” do computador, que é o responsável por executar programas, fazer cálculos e tomar decisões de acordo com as instruções recebidas. Os primeiros microcomputadores foram montados em uma placa principal, na qual ficam instalados o microprocessador e vários outros chips de apoio, memórias e algumas interfaces (TORRES, 2001; VASCONCELOS, 2009).

outros executivos da Intel afirmem que o período correto de transição corresponda a 18 meses. Nas últimas quatro décadas, os fabricantes de semicondutores em geral, e não somente a Intel, têm-se esforçado para cumprir os ditames de Moore, investindo em pesquisas e desenvolvimento para manter o ritmo acelerado de inovação. No Quadro 1, em que foi organizada a evolução das principais gerações de processadores Intel, é possível verificar, entre outras informações, o processo de miniaturização do transistor. É apresentada também, sua íntima relação com os Sistemas Operacionais (SO) dominantes.

A revolução da microeletrônica teve início em 1971, quando a Intel52 desenvolveu o primeiro processador da companhia e lançou no mercado o Intel 4004 (Figura 1), anunciando o início de uma nova era na eletrônica: a era dos circuitos integrados.

Processador Intel 4004

A produção de transistores cada vez menores potencializa os benefícios na fabricação de processadores: redução dos custos de fabricação; redução do consumo de energia; menos corrente elétrica representa maior eficiência energética e menor o aquecimento e, principalmente, maior velocidade no processamento. A busca contínua desses benefícios foi refletida no empenho da Intel e de outros fabricantes para fazer cumprir a afirmação de Gordon Moore53, cofundador da Intel, que ficou conhecida como a Lei de Moore: “The number of transistors incorporated in a chip will approximately double every 24 months.”54 A Lei de Moore dita que o número de transistores em um processador tende a dobrar a cada dois anos, ainda que

foto: PxHere

52. Empresa inventora do microprocessador e líder mundial do mercado – www.intel.com 53. Cofundador da Intel, Dr. Gordon E. Moore fez parte da geração de engenheiros eletrônicos dos anos 1960, apesar de ser formado em química pela Universidade da Califórnia e Ph.D. na mesma área, no Institute of Technology Califórnia (MOORE, 1965). 54. Cf. <http://www.intel.com/content/www/us/en/history/museum-gordon-moo re-law.html> Acesso em: 25 nov. 2013. 98


Quadro 1 – Evolução dos processadores Intel e dos sistemas operacionais Geração e Ano

Processador

Velocidade do Clock55

Número de Transistores

Largura do Transistor

Sistema Operacional

CP/M

1971

4004

108 KHz

2.300

10 µ

1972

8008

800 KHz

3.500

10 µ

1974

8080

2 MHz

4.500

1978

8086

5 MHz

29.000

1982

286

6 MHz

134.000

1,5 µ

1985

386

16 MHz

275.000

1,5 µ

1989

486

25 MHz

1,2 milhão

1,2 µ

1993

Pentium

66 MHz

3,1 milhões

0,8 µ

1995

Pentium Pro

200 MHz

5,5 milhões

0,35 µ

10ª

1997

Pentium II

300 MHz

7,5 milhões

0,25 µ

11ª

1998

Celeron

266 MHz

7,5 milhões

0,25 µ

12ª

1999

Pentium III

600 MHz

9,5 milhões

0,25 µ

13ª

2000

Pentium 4

1,5 GHz

42 milhões

0,18 µ

14ª

2001

Xeon

1,7 GHz

42 milhões

0,18 µ

15ª

2003

Pentium M

1,7 GHz

55 milhões

90 nm

16ª

2006

Core 2 Duo

2,66 GHz

291 milhões

65 nm

17ª

2008

Core 2 Duo

2,40 GHz

410 milhões

45 nm

18ª

2008

Atom

1,86 GHz

470 milhões

45 nm

19ª

2010

Core 2ª Geração

3,80 GHz

1,16 bilhão

32 nm

Windows 7

20ª

2012

Core 3ª Geração

2,90 GHz

1,40 bilhão

22 nm

Windows 8

BASIC MS-DOS

MS-DOS (popularizou o Windows com várias versões)

Windows 9x (“x” representa versões: 95,98 e Millenium)

Windows 2000

Windows XP/Vista

Fonte: Elaborado pelo autor56

Utilizando os microprocessadores da Intel, a IBM promoveu uma revolução no consumo na indústria da microcomputação com o lançamento do IBM-PC (computador pessoal da IBM), no início dos anos de 1980 – na época a IBM era a maior e mais poderosa empresa de computadores do mundo. O peso do nome IBM favoreceu, também, a padronização do uso do MS-DOS como principal SO para PC naquele momento e projetou a Microsoft57, que se tornaria, mais tarde, a maior empresa desenvolvedora de software do mundo. O hardware e o software representam as colunas da evolução tecnológica das últimas décadas, na

indústria das TIC. O desenvolvimento de novos hardwares (processadores, memórias etc.) com maior capacidade de processamento suscita a elaboração de novos softwares (sistemas operacionais e aplicativos) capazes de processar um número maior de dados que cresce, freneticamente, a cada momento. É a parceria entre essas grandes indústrias de um lado, os três principais fornecedores mundiais de hardware (desktops, portables, mininotebooks e workstations) a Lenovo, HP e Dell; e do outro a Microsoft, fornecedora de

55. Quanto maior for o clock – expresso em KHz, MHz e GHz – maior é o desempenho do processador. 56. A evolução dos processadores da Intel é caracterizada pelo aumento da quantidade transistores e na velocidade processamento. Elaborado a partir de Holcombe e Holcombe (2003), Vasconcelos (2009), Flynn e Mchoes (2002), Tanenbaum (2003) e do website: <http://www.intel.com/content/dam/www/public/us/en/documents/ corporate-information/history-intel-chips-timeline-poster.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2013. 57. Fabricante mundial de softwares fundada em 1977, por Bill Gates e Paul Allen. 99


softwares, empresas que, mesmo num cenário de crise econômica mundial, tiveram a capacidade de catalisar as vendas do segmento, conseguindo superar as projeções mais negativas em seus negócios, como mostram as pesquisas do International Data Corporation (IDC)58. Assim, tendo apresentado o panorama sobre a evolução do hardware, do software e a parceria entre essas indústrias, argumenta-se que existe relação direta desses eventos com o agravamento do problema do e-waste.

4 CENÁRIO BRASILEIRO DA POLUIÇÃO ELETRÔNICA Não existem lixões e aterros exclusivos de entulho eletrônico. Mesmo assim, o e-waste nacional se configura um grande problema de saúde pública e ambiental. Muitos dos resíduos são despejados sem qualquer tratamento, junto com o lixo urbano. O trabalho de reciclagem informal de catadores, na grande maioria das cidades brasileiras, representa, talvez, uma das forças ativas para se resolver o problema.

A Figura 5, retirada da apresentação da pesquisa intitulada “Resíduos Eletroeletrônicos na Região Metropolitana do Recife (RMR): Gestão socioambiental da cadeia produtiva” realizada pela Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), no Recife, e liderada pela pesquisadora Lúcia Helena Xavier, ilustra de maneira bastante significativa as relações socioambientais dos impactos gerados pela falta de gestão do e-waste, em um grande centro urbano, no caso específico a Região Metropolitana do Recife (RMR).

Fonte: O autor, a partir de Xavier et al. (2013).

Nas imagens, é possível verificar o descarte do e-waste em vias públicas; carroças de catadores informais lotadas de resíduos sólidos e, entre elas, nota-se também a presença de e-waste; trabalhadores de cooperativas de catadores em meio a montanhas de resíduos realizando a triagem de materiais; e, no centro, uma imagem muito forte, porque retrata o drama humano de um menino59 nadando no Canal do Arruda, tomado pela poluição de resíduos sólidos, em busca de materiais recicláveis. No detalhe circulado na imagem, é possível notar a presença de e-waste.

Informações oficiais sobre a quantidade de e-waste gerada no Brasil e proveniente, exclusivamente, de produtos da indústria das TIC, não foram encontradas, nem em termos gerais nem estratificadas por região ou tipo de produto. Não existem informações publicadas pelo Ministério de Meio de Ambiente, pela Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) ou pela Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros). A Abinee e Eletros são associações representativas de centenas de empresas do segmento eletroeletrônico, cujas projeções para 2013 indicaram uma correspondência de faturamento daquele setor de mais de 3% em relação ao PIB nacional60. A referência mais citada em relação ao volume do entulho eletrônico nacional classificado como “Linha Verde” é aquela que consta do relatório da Unep (2011), e foi apresentado na Tabela 1. Ou seja, uma estimativa do ano 2005 muito desatualizada quando comparada à velocidade de desenvolvimento das TIC. Um relatório anterior, também da ONU, já havia criticado a falta de dados oficiais sobre o assunto, inclusive, porque o Brasil foi classificado como o maior produtor de e-waste entre os emergentes e tendo sido considerado o quinto maior mercado de eletrônicos depois da China, Estados Unidos, Japão e Rússia. Nesse relatório, intitulado “Recycling: from E-Waste to Resources”, o problema do e-waste, no Brasil, foi apresentado como uma questão de pouca importância, em virtude da escassez de informações e avaliações abrangentes dos impactos socioambientais (UNEP, 2009). A nosso ver, o principal fator gerador para o descaso de alavancar de formar sustentável a indústria de reciclagem do e-waste nacional reside, principalmente, na falta de uma regulação estatal. As empresas estariam aguardando essa imposição para assumir as suas responsabilidades socioambientais. A ONU também aponta para a existência do trabalho de reciclagem informal que, de maneira seletiva, opta, prioritariamente, por itens de maior valor agregado e, nesse sentido, não haveria preocupação em atender aos princípios de sustentabilidade; por exemplo, não estaria adotando tecnologias seguras do ponto de vista socioambiental. Critica, ainda, a indústria de TIC instalada no país por não estar fazendo a parte que lhe cabe na gestão dos resíduos eletrônicos, chegando a sugerir um imposto adicional destinado à reciclagem do e-waste, mesmo diante de um quadro tributário impopular no país. Faltam dados oficiais sobre a quantidade de resíduo eletrônico gerado no Brasil, especificamente, o resultante da obsolescência dos equipamentos do setor das TIC. Um cálculo preciso desse volume representa um requisito básico e muito relevante para uma análise ampla da problemática. A representatividade desse montante de e-waste teria a capacidade de prever o impacto ambiental, além de influenciar todo um planejamento de implantação de um padrão de logística reversa. Fazer uma estimativa do

58. Cf. <http://www.idc.com/getdoc.jsp?containerId=prUS24375913>. Acesso em: 5 nov. 2013. 59. As fotos de Paulo Henrique Félix da Silveira, ou simplesmente Paulinho, 9 anos, catando lixo no Canal do Arruda ganharam o mundo. A imagem do menino quase submerso no rio de lixo do Canal do Arruda, na Zona Norte do Recife, só a cabeça para o lado de fora, correu o Brasil e atravessou fronteiras. Disponível em: <http:// jconline.ne10.uol.com.br/canal/cidades/noticia/2013/11/06/fotos-e-materia-de-criancas-catando-lixo-no-canal-do-arru da-ganham-o-mundo-104349.php>. Acesso em: 14 de janeiro de 2014. 60. Um panorama econômico mais completo do setor está disponível em: <http://www .abinee.org.br>. Acesso em: 16 jan. 2014. 100


e-waste nacional representa uma tarefa sensível, que deve levar em consideração alguns cuidados, por razões como as expostas pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI, 2012): i) volumes subestimados poderiam sobrecarregar arranjos implantados, sufocar os sistemas de forma não prevista e gerar sobrecarga na disposição final; ii) volumes superestimados poderiam desorientar a cadeia de reciclagem, diminuir a ocupação da estrutura montada, aumentando custos e desestimulando agentes envolvidos. Uma estimativa com foco nos produtos de informática mais comuns (desktop, notebooks) poderia ser desenvolvida, utilizando-se metodologias considerando as características específicas desses produtos em termos de crescimento acelerado da venda e do tempo de vida útil, em comparação com outros eletroeletrônicos. Estima-se que, em média, a partir do terceiro ano de utilização, os computadores alcancem o início da janela de obsolescência e, por volta do quinto ano, já não apresentariam condições operacionais produtivas pelos motivos apresentados no Quadro 1. Com essa orientação, seria possível simular cenários de obsolescência desses equipamentos de informática, que se diferenciam dos demais eletrodomésticos justamente pela rápida percepção de obsolescência por parte de seus usuários. Nesse sentido e sem considerar o desgaste natural dos equipamentos por oxidação ou outras forma de uso, foram projetados dois cenários de obsolescência: no primeiro, cenário “A”, os microcomputadores se tornariam obsoletos quando completassem três anos de utilização. No segundo, cenário “B”, a obsolescência se daria a partir do quinto ano.

foto: PxHere

Tabela 4 – Vendas e estimativas de PCs obsoletos no Brasil (em milhares de unidades) Descrições e Projeções

Período anual de vendas 2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

Venda Total

4.074

6.274

7.755

10.673

11.893

11.482

14.189

15.853

15.513

13.996

Desktop

3.880

5.997

7.143

9.123

8.673

7.687

7.981

7.500

6.582

5.715

194

277

612

1.551

3.219

3.795

6.208

8.353

8.931

8.251

4.074

10.348

18.103

28.776

40.669

52.151

66.340

82.193

97.706

111.702

4.074

10.348

18.103

28.776

40.669

52.151

66.340

4.074

10.348

18.103

28.776

40.669

Notebook Venda Acumulada PCs Obsoletos (Cenário A) PCs Obsoletos (Cenário B)

Fonte: O autor, a partir de Abinee61

61. Cf. <http://www.abinee.org.br>. Acesso em: 20 jan. 2014. 101


Na Tabela 4, são apresentados os cenários. No cenário “A” um computador (Desktop ou Notebook) vendido no ano de 2004 estaria obsoleto depois de três anos de uso, ou seja, no ano de 2007. Com base nesse cenário e nas vendas do período, conforme essa mesma tabela, o ano de 2014 se iniciou com um passivo de entulho eletrônico estimado em 66 milhões de máquinas obsoletas. No cenário “B”, o montante, apesar de menor, continuou sendo motivo de preocupações diante do desafio que se lançou para a gestão daquele e-waste, que aumentou, ano após ano. Neste cenário está previsto um montante de velharia eletrônica que alcançaria os 40 milhões de unidades obsoletas em 2014. Construir uma estimativa da quantidade em toneladas de todo esse e-waste é uma tarefa relativamente simples, já que o peso individual de um desktop com monitor Cathodic Ray Tube (CRT) ou Liquid Crystal Display (LCD), em média, corresponde a 26 e seis quilos, respectivamente, e um notebook, em média, pesa três quilos, de acordo com Ijgosse (2012) e Unep (2009). Utilizando como base para cálculo o peso de um desktop com LCD, característica predominante da configuração de um microcomputador do período de vendas apurado nessa amostra e de um notebook, seria possível estimar que o Brasil iniciaria o ano de 2014 com uma montanha entre 226.000 (considerando o cenário “B” de geração de computadores obsoletos) e 350.000 (cenário “A”) toneladas de resíduos sólidos oriundos, exclusivamente, de computadores. 5 PNRS E REGULAMENTAÇÃO APLICÁVEL AO E-WASTE A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei Federal 12.305/2010 e sancionada em agosto de 2010, foi fruto de discussões quase intermináveis, que perduraram por mais de duas décadas nos cenários políticos do país. A política tem por objetivo criar condições para o Brasil avançar em relação aos principais problemas ambientais, socioeconômicos, políticos e culturais derivados do manuseio inadequado dos resíduos sólidos. Para guiar o planejamento de ações de vanguarda para essas dimensões, a PNRS foi estruturada com a seguinte hierarquia: “não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos” (BRASIL, 2010, art.7º, inciso II). Esses princípios encontram consonância com legislações internacionais, a exemplo da Diretiva 2008/98/CE da UE e implicam o desenvolvimento de mecanismos capazes de inventariar e desenhar os fluxos e destinos dos resíduos (UNIÃO EUROPEIA, 2008, art. 4º). Entretanto, existem diferenças substanciais entre a PNRS e as legislações da EU, que utiliza o princípio da responsabilidade estendida do produtor pelo ciclo de vida dos produtos, o incentivo à concepção de fabricação de produtos eletroeletrônicos que contemplem atualizações, facilidades em reparação, reutilização, desmontagem e reciclagem. Os fabricantes tornam-se responsáveis financeiros pela coleta do seu e-waste; inclusive, deverão “prestar uma garantia financeira a fim de evitar que os custos da gestão de WEEE provenientes de produtos órfãos recaiam sobre a sociedade” (UNIÃO EUROPEIA, 2012, p. 41); enquanto a PNRS institui o princípio de responsabilidade compartilhada pelo ciclo

de vida dos produtos e adota vários outros objetivos. A responsabilidade compartilhada é assim definida: [...] conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos (BRASIL, 2010, art. 3º, inciso XVII). O princípio da responsabilidade compartilhada admite que as responsabilidades iniciadas no processo produtivo e concluídas na etapa pós-consumo de um determinado produto são de todos os atores envolvidos: fabricantes; importadores; distribuidores; comerciantes; poder público; e até os consumidores e catadores de materiais recicláveis. A responsabilidade compartilhada desafia governos, empresas e cidadãos a mudar sua forma de compreensão e relação com os resíduos sólidos em geral, além de mostrar que as soluções dependem da colaboração ativa entre esses atores, afinal, todos, de alguma maneira, são poluidores e, portanto, devem pagar um preço pela proteção ambiental. Os desafios para a implantação da logística reversa dos Equipamentos Elétricos e Eletrônicos (EEE) envolvem uma série de questões, como a necessidade de harmonização e uniformização entre as legislações (federal, estadual e municipal). Diferentemente de regulações internacionais que determinam a responsabilidade como sendo exclusiva do fabricante, a brasileira possibilitou o compartilhamento de responsabilidades com uma rede de atores que inclui o fabricante, o comércio e o consumidor. Enquanto se aguardam soluções políticas e tecnológicas para a questão nacional do e-waste – por exemplo, a assinatura de acordos setoriais entre o governo e a indústria de eletrônicos –, soluções criativas de reúso e reciclagem do e-waste despontam como alternativas de criação de valor social e também econômico; como nos exemplos das iniciativas do Comitê pela Democratização da Informática (CDI), dos Centros de Recondicionamento de Computadores (CRC) e em empresas de reciclagem como a Compuciclado, que passamos a discutir a seguir. 6 RECICLAGEM DO E-WASTE NA PRÁTICA Mesmo com o cenário de incertezas que a PNRS pode acarretar, um dos propósitos da política é propiciar o desenvolvimento da indústria de reciclagem e avançar na agenda de resíduos, percebendo e abrindo a perspectiva do tema na legislação como oportunidade para novos negócios sustentáveis. O desenvolvimento dessa nova indústria exige uma governança integrada com estratégias de eliminação de resíduos e valorização de materiais que, juntos, podem moldar os passos importantes para que o Brasil inicie um processo rumo a uma nova economia. Contudo, essa trajetória pode se delinear como uma tarefa não muito simples de ser alcançada; por exemplo, a pergunta sobre a viabilidade econômica precisa ser transportada à prática. O Centro de Reciclagem de Computadores (CRC), no Recife, em Pernambuco, é apresentado como experiência e 102


práticas do processamento do e-waste. 6.1 CRC, RECIFE – PE: GESTÃO DO E-WASTE E BENEFÍCIOS SOCIAIS O Centro de Recondicionamento de Computadores (CRC) instalado no Recife é parte do Projeto Computadores para Inclusão – Projeto CI – do governo federal, criado em 2004, e é coordenado pela Secretaria de Inclusão Digital do Ministério das Comunicações. Trata-se de uma rede nacional de reúso de equipamentos de informática, formação profissional de jovens carentes e inclusão digital; rede suprida por computadores e outros periféricos de TIC descartados por órgãos do governo e empresas estatais (federal, estadual e municipal), empresas privadas, além de pessoas físicas. No CRC, os computadores são recondicionados e doados a telecentros, escolas públicas e bibliotecas de todo o país, e são distribuídos pelo CRC conforme a região de atuação onde estão instalados. Por exemplo, o CRC Recife faz a entrega de computadores recondicionados em todos os estados da região nordeste, utilizando veículos próprios62. Os CRCs funcionam, portanto, como oficinas e assistências técnicas especializadas em manutenção e recondicionamento dos equipamentos de TIC, são espaços físicos preparados para a formação técnica de jovens em situação de vulnerabilidade social. Os jovens são formados em uma série de atividades inerentes à qualificação profissional exigida pelo mercado de trabalho daquele setor, como: instalar softwares, testar, consertar, limpar, configurar equipamentos, entre outras atividades afins. Dessa maneira, a iniciativa estaria favorecendo a inclusão social e a profissionalização dos jovens, bem como refletindo em ações que ajudam na redução dos impactos ambientais causados pelo descarte inadequado do e-waste. Instalados e mantidos em parceria com o setor público e o privado em diferentes regiões do Brasil, com o apoio do governo federal, os CRCs, além dos objetivos já mencionados, cuidam da captação de doações, armazenagem, recondicionamento e distribuição dos equipamentos de informática para entidades selecionadas como beneficiárias; e, também, separa e prepara os resíduos não aproveitados em projetos de inclusão digital e os enviam para uma destinação final ambientalmente adequada; outra parte não funcional dos equipamentos é utilizada na forma de objetos artísticos, artesanato ou afins, contribuindo, assim, para a formação cultural dos jovens integrantes dos projetos. Inaugurado em outubro de 2009, o CRC Recife é resultado de parceria entre a União Brasileira de Educação e Ensino (Ubee), por meio do Centro Marista Circuito Jovem do Recife. O professor Domingos Sávio de França, diretor do CRC Recife, em entrevista à TV Serpro, em agosto de 2013, pela ocasião do VI Congresso Internacional de Software Livre e Governo Eletrônico (Consegi), apresentou as linhas gerais de atuação do CRC Recife: [...] hoje, talvez, o que consigamos menos fazer é recondicionar computadores, hoje temos um conjunto

de outras iniciativas que terminam configurando o espaço como um grande centro de tecnologias livres. E trabalhamos muito forte desde os primeiros dias de atuação com a dimensão do software livre, com a dimensão da metarreciclagem, na dimensão da robótica livre. Os meninos estão ali em processo de formação, eles têm acesso a uma quantidade gigante de resíduos de materiais que são descartados ou não têm mais utilização para algumas pessoas. E a partir daí eles começam a desenvolver a sua criatividade, sua inteligência e isso fazendo uma harmonia entre a dimensão do resíduo com a dimensão do desenvolvimento em plataforma livre. Sempre coloco como viés de emancipar e promover jovens em situação de vulnerabilidade63. Lúcia Helena Xavier, autora do livro “Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos”, publicado pela editora Elsevier, em 2014, foi colaboradora durante os dois primeiros anos da fundação do CRC Recife e tem pesquisado a gestão de e-waste; conhece a história recente das atividades desenvolvidas nos CRCs no país e, em particular, no Recife. Desde sua fundação, o CRC Recife tem assistido as demandas de inclusão sociodigital de mais de cinco mil jovens carentes. O e-waste utilizados nos trabalhos desenvolvidos na instituição são doados por órgãos públicos e estatais das três esferas (federal, estadual e municipal), empresas privadas e por pessoas físicas que levam o material até o centro. Dotados de uma logística ativa, utilizam veículos próprios para buscar volumes maiores de e-waste diretamente nas fontes doadoras, dentro da área de atuação do CRC, neste caso, todos os estados da região nordeste do país, conta a pesquisadora. Em 2011, o volume movimentado por mês chegava a 80 (oitenta) toneladas, desse total, segundo Lúcia Xavier, 30% correspondiam ao “material vivo”, ou seja, aquele montante recondicionado pelo CRC e tornado útil para a montagem de Telecentros aplicados à Inclusão Digital. Os 70% restantes eram passíveis de serem reciclados (desmontados, desmembrados, descaracterizados, compactados, acondicionados) e terem uma destinação final ambientalmente adequada, mas isso não era realizado no CRC e sim por uma empresa privada que recebia os resíduos, os quais, depois de transformados, tornavam-se recursos primários valorizados. Processo semelhante havia sido adotado antes pelo CRC Oxigênio, em São Paulo, que, posteriormente, passou a ser uma empresa quando descobriu que a atividade de reciclagem poderia ser lucrativa. Essa é uma direção que se choca com os ideais fundadores da proposta original do CRC, comenta Lucia Xavier, destacando: [Os CRCs] recebem recursos do governo federal para dar encaminhamento nesse sentido, [...] construir unidades com finalidade de educação, a parte de educação do CRC Recife e [a de] Porto Alegre são as que mais se destacam neste âmbito [...] estão formados pela questão da capacitação. Recebi agora uma estatística do Ministério da Comunicação que é responsável [pelos CRCs], ela mostra o número de máquinas destinadas para Inclusão Digital e número de pessoas capacitadas. Recife tem um

62. Cf. < http://www.youtube.com/watch?v=X9NWT0Uy58I>. Acesso em: 8 nov. 2013. 63. Cf. <http://www.tv.serpro.gov.br/jornalismo/cobertura-consegi/video.2013-08-15.8105319259/view>. Acesso em: 2 dez. 2013 103


número expressivo de formandos, esse é o objetivo. Então, se for investir na metarreciclagem [que] seja com fins de capacitação e não com fins comerciais, porque isso choca com a proposta do CRC. É nobre a meta deles de capacitação, de formação, de inclusão socioambiental, sociodigital, eles tiram pessoas da situação de risco. Estive conversando com alunos de lá e são surpreendentes as histórias de vida e os resgates que eles alcançam, com certeza, é um fim muito nobre. Minha colocação é no sentido de não se desvirtuar. A pesquisadora entende que a utilização dos resíduos excedentes no CRC Recife, os 70% passíveis de destinação final ambientalmente adequada, poderiam, por exemplo, a partir da reciclagem, ter uma aplicação capaz de potencializar ainda mais as já nobres ações desenvolvidas naqueles centros. De que outra forma poderia ser? Fazendo a indagação, ela sugere: [...] o CRC, atuando em parceria com outras instituições, outras unidades que não necessariamente empresas – tem outras instituições que podem receber e recebem [e-waste]. Temos trabalhado muito [com base na] PNRS que fala, não só ela, a Política Nacional de Saneamento Básico, o Decreto 5.940 de 2006, são vários [instrumentos legais]. São dois decretos, quatro Leis federais que falam da inclusão de catadores por meio de ações cooperativas. Dá para fazer parceria dessa forma, porque você, desmembrando os equipamentos, separando os materiais, agrega-se valor, e associações cooperativas precisam receber esse material para agregar valor – cooperativas de catadores legalmente constituídas. As observações da pesquisadora permitem que seja vislumbrado um novo panorama em que a multiplicação das virtudes poderia se tornar realidades factíveis. Os aspectos sociais e econômicos poderiam encontrar um equilíbrio nesses lugares, resgatando-se a dignidade das pessoas e contribuindo para a formação de uma economia catalisadora, inclusiva e sustentável. 7 CONSIDERAÇÕES Conforme foi visto, a atividade recicladora é apresentada como uma alternativa para a inclusão social e sociodigital, ao mesmo tempo que põe em ação a recuperação de materiais, o que alivia a pressão sobre os recursos dos ecossistemas. Enquanto a indústria de TIC e o governo brasileiro discutem como fazer a logística reversa dos equipamentos eletrônicos, oportunidades de negócios são desenhadas pela iniciativa privada para dar vazão ao entulho eletrônico de forma produtiva e econômica. Redes de colaboração entre empresas privadas, organizações públicas e organizações não governamentais desenvolvem estratégias para fazer o processamento dos resíduos. A responsabilidade pelo o e-waste é encarada como uma ação desse coletivo. No Brasil, a implantação e o desenvolvimento da PNRS podem contribuir para resolver os problemas dessa poluição, pelo menos em âmbito nacional. Pode-se acreditar que a PNRS brasileira foi sábia em esperar os

próprios fabricantes fazerem suas propostas como ponto de partida para a implantação do plano de gestão dos resíduos eletroeletrônicos. O governo está recebendo as sugestões que trarão as perspectivas daqueles que produzem o problema, levando a indústria a refletir sobre as oportunidades de melhorias, não só no processo de reciclagem, mas também na concepção de novos produtos. A reciclagem como solução para o drama do e-waste é a inteligência que precisa ser posta em prática, a fim de reutilizar os recursos extraídos dos ecossistemas para evitar a escassez completa deles. REFERÊNCIAS AGÊNCIA BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL (Comp.). Logística reversa de equipamentos eletroeletrônicos: análise de viabilidade técnica e econômica. Brasília: Abdi, 2012. 178 p. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/arquivos/dwnl_ 1362058667. pdf>. Acesso em: 16 jan. 2014. BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. São Paulo: 34 Ltda., 2010. 384 p. BRASIL. Lei nº 12.305, de 2 de janeiro de 2010. Institui A Política Nacional de Resíduos Sólidos: altera a Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, Brasília, 2 ago. 2010. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12305.htm>. Acesso em: 28 out. 2013. GIDDENS, A. A vida em uma sociedade pós-tradicional. In: BECK, U.; GIDDENS, A.; LASH, S. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. 2. ed. São Paulo: Unesp, 2012. p. 89-166. GUIVANT, Julia Silvia. A Trajetória das análises de risco: da periferia ao centro da teoria social. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 46, p. 3-37, 1998. IJGOSSE, Jeroen. Estabelecer uma estratégia para a gestão de resíduos tecnológicos no estado do Ceará. Fortaleza: Fadurpe, 2012. 118 p. Disponível em: <http:// lixoeletronico.org/blog/informe-final-do-projeto-lixo-eletrnico-ceara>. Acesso em: 8 out. 2013. TORRES, Gabriel. Hardware: curso completo. 4. ed. Rio de Janeiro: Axcel Books do Brasil, 2001. 1397 p. UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME (Ed.). Recycling: from e-waste to resources. Bali: The Unep Knowledge Repository, 2009. 120 p. Disponível em: <http:// www.unep.org/pdf/Recycling_From_e-waste_to_resources. pdf>. Acesso em: 10 set. 2013. UNIÃO EUROPEIA. Directiva 2008/98/CE. Parlamento Europeu e Conselho, de 19 de novembro de 2008. Relativa aos resíduos e que revoga certas directivas. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/ LexUriServ/LexUriServ. do?uri=CELEX:32008L0098:PT:PDF>. Acesso em: 28 nov. 2013.

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VASCONCELOS, Laércio. Hardware na prática. 3. ed. Rio de Janeiro: Laércio Vasconcelos Computação Ltda., 2009. 713 p.

fotos: PxHere

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15. Responsabilidade Social Empresarial: um caminho para o desenvolvimento sustentável Autora: Solange Gil de Azevedo64 Coautor : Waldomiro Baddini 65 Coautora: Amanda Fantucci Couto66

RESUMO Este artigo tem como objetivo contribuir para a Análise da Implementação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) no Brasil – Chamada Pública do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Com base em uma das três linhas temáticas da chamada pública: a responsabilidade do setor privado diante da sustentabilidade social, econômica e ambiental. Para isso, foram realizados pesquisa bibliográfica e estudo de caso de uma empresa do setor Sucroenergético do Paraná e apresentadas, no decorrer do trabalho, discussões e reflexões acerca do eixo temático, que vai da teoria à prática, como também seus resultados. Palavras-Chave: Responsabilidade Social Empresarial. Desenvolvimento Sustentável. Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM).

1 INTRODUÇÃO As mudanças ocorridas nos contextos: econômico, ambiental, político, social e cultural, em virtude do período Pós-Revolução Industrial e da Segunda Guerra Mundial, deram origem ao Desenvolvimento Sustentável no Brasil e no mundo e, consequentemente, surgiu a necessidade do setor privado de assumir um modelo de gestão socialmente responsável. O crescimento econômico acelerado impulsionou o aumento da população nos grandes centros, gerando a desigualdade social e a degradação do meio ambiente. Um desconforto na sociedade civil emergia e logo se articulava, movimentava e reivindicava a atenção da empresa para o cuidado com o meio ambiente e por uma sociedade mais justa e igualitária.

seguida, será conceituada a Responsabilidade Social Empresarial, contextualizando-a por meio de reflexões sobre as vantagens da empresa em assumir uma postura socialmente responsável, bem como descrever quais os instrumentos de gestão que a empresa tomada como objeto do estudo utiliza para manter uma relação ética e transparente com seus stakeholders.

Diante da problemática apresentada, justifica-se a elaboração deste artigo, cujo objetivo é contribuir para a Análise da Implementação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) no Brasil, para atender à temática escolhida na chamada pública. Para a análise da temática proposta, a responsabilidade do setor privado diante da sustentabilidade social, econômica e ambiental, foi realizada pesquisa bibliográfica, com estudo de caso de uma empresa do setor Sucroenergético do Paraná; e, no decorrer do trabalho, são apresentadas discussões e reflexões que vão da teoria à prática.

Todo esse contexto permitirá entender a importância da Responsabilidade Social Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável e as razões de as empresas passarem a ser, cada vez mais, engajadas na gestão sustentável.

O primeiro capítulo é constituído por conceitos, contextos históricos e assuntos pertinentes ao novo papel da empresa para a Sustentabilidade Empresarial. Em

No último capítulo, é apresentado o Projeto de Educação Ambiental na Escola “Semeando o Verde”. Da teoria à prática será possível avaliar a importância para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) a partir dos resultados obtidos até 2015.

2 DO DESENVOLVIMENTO AMBIENTAL E SOCIAL À SUSTENTABILIDADE EMPRESARIAL Um dos desafios da atualidade diz respeito ao desenvolvimento sustentável. Os problemas ambientais, tais como a poluição do ar e da água e a contaminação do solo, principalmente em grandes centros urbanos, surgiram com maior intensidade no período pós-industrialização e pós Segunda Guerra Mundial. Esses problemas ambientais

64. Formada em Serviço Social pelo Centro Universitário de Maringá, Pós-Graduação em Psicopedagogia Empresarial pelo Instituto Paranaense de Ensino, PósGraduação em Gestão e Planejamento em Projetos Sociais pelo Centro Universitário de Maringá; cursando MBA em Marketing, Comunicação e Mídias Sociais pelo Centro Universitário de Maringá. Atualmente ocupa a função de Analista de Governança Corporativa da Usina Santa Terezinha. 65. Formação Acadêmica em Administração de Empresas pela Universidade Estadual de Maringá e Direito pela Faculdade Maringá. Especialista em Gestão e Tecnologia da Qualidade, MBA-FGV em Gestão de Pessoas com Ênfase em Estratégias. Atualmente ocupa a função de Gerente de Recursos Humanos da Usina Santa Terezinha, empresa do setor Sucroenergético, sediado em Maringá – PR. 66. Formada em Serviço Social pelo Centro Universitário de Maringá, cursando MBA em Recursos Humanos, Gestão de Pessoas e Desenvolvimento de Equipes pelo Centro Universitário de Maringá. 106


desencadearam o aparecimento de novas doenças, passando a interferir na qualidade de vida dos seres humanos. Segundo Oliveira (2008), a partir da década de 60, ocorreu uma transformação na economia dos países desenvolvidos. Com a expansão da economia, passaram a crescer sem controle, implicando o aumento dos problemas sociais, políticos, econômicos e, em especial, os relacionados ao meio ambiente. Para alguns pensadores, aquele momento foi considerado uma nova revolução, comparável à Revolução Industrial. De acordo com Alvin Toffler (1980), essa transformação é denominada de “A Terceira Onda. As mudanças aconteceram no âmbito da economia e causou impacto nos âmbitos social, tecnológico e ambiental”.

Com o passar dos anos, esse paradigma mudou. Os problemas das desigualdades sociais também passaram a requerer atenção, comprometendo a qualidade de vida de grande parcela da população. Coloca “a emergência da equidade social como questão central. Ela entrou na ordem do dia, influenciada pela noção de que o Desenvolvimento Sustentável exigia a harmonização de três elementos: proteção ambiental, crescimento econômico e equidade social” (NETO; FROES, 2001, apud EVANGELISTA 201, p. 3).

As mudanças geraram incômodo e desconforto à população, motivando protestos e reivindicações. Intelectuais logo se opuseram, escrevendo obras que alertavam a sociedade para os problemas ambientais, como o notável livro “Primavera Silenciosa” de Rachel Carson, em 1962. Além dos intelectuais, a sociedade civil começava a se movimentar por meio do Movimento Ambientalista Mundial, ficando cada vez mais independente do setor industrial, questionando-o sobre seu impacto.

A importância da sustentabilidade empresarial na adesão ao novo paradigma do desenvolvimento sustentável no Brasil ganhou força a partir da década de 90, com a Conferência Mundial sobre Gestão Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, mais conhecida como ECO 92 ou RIO 92. Esse evento passou a ser considerado o marco global das discussões sobre o assunto, contando com a participação de representantes governamentais de todo o mundo, tendo como resultado “A Carta da Terra” e a “Agenda 21”.

Nesse contexto, os Ambientalistas começam a se organizar, protestar e se mobilizar. Oliveira (2008) cita que, a partir da década de 1970, o movimento ganhava força e atenção da Organização das Nações Unidas (ONU), considerando suas reivindicações nos relatórios que defendiam a necessidade de se conquistar um equilíbrio global, baseado em limites ao crescimento da população e maior atenção aos problemas ambientais. Sendo assim, a ONU passou a discutir a problemática de forma institucionalizada, organizando a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, Suécia, em 1972, na qual se debateram, genericamente, os problemas ambientais.

Em 2002, foi realizada, em Joanesburgo, na África do Sul, a maior conferência mundial sobre o tema Gestão Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, denominada RIO+10, na qual foi elaborado o Protocolo de Kioto. Num grande esforço de compreensão e de síntese, a Cúpula Mundial do Desenvolvimento Sustentável conseguiu encontrar um caminho ao dizer que o Desenvolvimento Sustentável tem uma base formada por três pilares: econômico, social e ambiental (triple bottom line) e um objetivo fundamental, que é a erradicação da pobreza (OLIVEIRA FILHO, 2004). O conceito de sustentabilidade, com o passar dos anos, ganhou diversas abordagens, tendo como a mais popular o triple bottom line.

Diante desse cenário, os problemas ambientais começam a receber atenção e intervenção do Estado. Diversas discussões e questionamentos coerentes permeavam o assunto. Contudo, a ONU, em 1983, criou uma Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, ou Comissão Brundtland. Essa Comissão era formada por mais de 40 especialistas de vários países, incluindo o brasileiro Paulo Nogueira Neto, na época, presidente da Secretaria do Meio Ambiente (Sema). Depois de anos de debates, em várias reuniões ao redor do mundo, a comissão elaborou um relatório final publicado em 1987, intitulado “Nosso Futuro Comum”. Deste modo, surgiu o conceito clássico de desenvolvimento sustentável: “é aquele que atende às necessidades, sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades” (CMMAD, 1987, p. 21, apud BRUNDTLAND, 1987). A ideia de Sustentabilidade, no início da década de 70, foi designada como “ecodesenvolvimento” e, posteriormente, como “desenvolvimento sustentável”. Nos preparativos da Conferência de Estocolmo, em 1972, o ecodesenvolvimento seria “o desenvolvimento socialmente desejado, economicamente viável e ecologicamente prudente” (SACHS, 1986, apud EVANGELISTA 2010, p. 3).

De acordo com esse novo modelo, uma empresa sustentável é aquela que atua nas três dimensões: proteção ambiental; apoio e fomento ao desenvolvimento econômico, local, regional ou global; e estímulo à garantia da equidade social.

Esse modelo de gestão enfatiza duas questões: a integração entre aspectos econômicos, sociais e ambientais; e a integração entre as visões em curto e longo prazo. Sobre a primeira delas Evangelista (apud ELKINGTON, 2010, p. 3) defende a ideia de que “a Sustentabilidade econômica como condição isolada não é suficiente para a Sustentabilidade global de uma empresa. Essa visão reducionista satisfaz a concepção de curto prazo, exclusivamente”. Porém, uma visão em longo prazo requer um sistema interligado de ressonância múltipla, confirmando a complexidade de sua abordagem. Sobre as visões em curto e longo prazo, o autor acredita que “a ambição por lucros imediatos é completamente oposta à sustentabilidade, que exige da empresa a satisfação das necessidades das gerações atuais e futuras, sem prejuízos de qualquer tipo”. Entretanto, o modelo sustentável requer do empresariado esforço e atenção em prol de uma sociedade mais próspera, igualitária e justa, “um mundo melhor”. Dessa forma, a empresa assume um papel de protagonista ao adotar uma política empresarial que fortaleça o tripé da sustentabilidade em seus negócios. Para viabilizar a incorporação das premissas do desenvolvimento sustentável, é importante, também, a 107


participação de outros atores sociais. Como afirma o autor: “A mudança para o novo paradigma da Sustentabilidade propõe uma nova dinâmica e ordem para o mundo atual, esta relacionada principalmente à interação e cooperação entre governo, empresas e sociedade civil organizada na construção de uma sociedade mais justa e sustentável (BROWN, 2003, p. 6). Investir em sustentabilidade empresarial é transcender seu lucro, ou seja, seu sucesso econômico. É cuidar do meio ambiente, do capital humano (colaboradores), da comunidade local e sociedade; é cuidar do planeta para as gerações futuras. Uma empresa sustentável e responsável gera lucros aos acionistas sem causar impacto negativo aos demais stakeholders. 3 A INCOPORPORAÇÃO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL NO SETOR PRIVADO No Brasil, o engajamento do empresariado com o Desenvolvimento Sustentável ocorre desde a década de 60, e nos últimos anos tem crescido e, consequentemente, também a preocupação com o tema Responsabilidade Social. Em 2006, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) realizou uma pesquisa para mapear a participação do setor empresarial em atividades de responsabilidade social. Apontou em seus resultados um crescimento de 10 pontos percentuais, passando de 59% para 69%, comparando com a pesquisa realizada entre 2000 e 2004. Até o momento, aproximadamente, 600 mil empresas atuavam voluntariamente. Em 2004, foram aplicados R$ 4,7 bilhões, correspondendo a 0,27% do PIB brasileiro naquele ano. Entre os setores econômicos, se destacava o setor de agricultura, registrando um aumento de 35 pontos percentuais, ampliando sua contribuição de 45% para 80%. A empresa, ao assumir compromisso com a sustentabilidade, torna-se coerente, pois adota um comportamento socialmente responsável, pautado em valores éticos e transparentes com seus stakeholders. De acordo com o Instituto Ethos, a Responsabilidade Social Empresarial: É uma forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona, pelo estabelecimento de metas empresariais compatíveis com o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para gerações futuras, respeitando a diversidade e a redução das desigualdades sociais (INSTITUTO ETHOS, 2004). De acordo com Rico (2004), ser ético e transparente nos negócios é um conceito central da responsabilidade social empresarial. O ser ético supõe que a decisão dos negócios da empresa respeite direitos, valores e os interesses de todos os indivíduos, os quais se relacionam, direta ou indiretamente, já a transparência caminha ao lado da atitude ética. Ser transparente é atender às demandas sociais, mantendo a coerência entre o discurso e a prática e não ocultando informações importantes sobre seus produtos e serviços.

Para Orchis, Yung e Morales (2002, apud COELHO 2004, p. 428): São diversas as vantagens obtidas: valor agregado à imagem da empresa, motivação dos funcionários, bom relacionamento com fornecedores, popularidade dos dirigentes, facilidade no acesso ao capital e financiamento, influência positiva na cadeia produtiva, melhoria do clima organizacional e vantagem competitiva [...]. Coelho (2004) ainda diz que, além dessas vantagens, também são levadas em consideração: a consciência coletiva interna de estar participando do encaminhamento de soluções de causas sociais; a mobilização de recursos disponíveis da empresa sem, necessariamente, implicar custos adicionais; o melhor relacionamento com o governo; a maior fidelidade dos clientes atuais; e a possibilidade de conquistar novos clientes. Como é perceptível, várias são as vantagens de o empresariado aderir a uma gestão socialmente responsável em seus negócios; e externar aos stakeholders o desempenho organizacional passa a ser uma estratégia. Para que isso ocorra, algumas ferramentas de gestão e iniciativas voluntárias têm sido utilizadas dentro desse contexto: Pacto Global, Global Reporting Initiative (GRI) e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). O Pacto Global foi uma iniciativa das Nações Unidas, que reconhece a importância do papel das empresas no enfrentamento aos desafios globais. Esse pacto promove um diálogo entre empresas, organizações da ONU, sindicatos, organizações não governamentais e demais parceiros, para manter o desenvolvimento de um mercado global mais inclusivo e sustentável. As empresas, ao aderirem voluntariamente, assumem o compromisso de incorporar em sua gestão os dez princípios relacionados a direitos humanos, trabalho, meio ambiente e combate à corrupção. O Pacto Global foi a maior iniciativa voluntária de responsabilidade corporativa do mundo. O Brasil é o país que mais abrange signatários em diversos estados, com 657 organizações, sendo 417 empresas e 245 instituições sem fins lucrativos. No país, as Nações Unidas contam com o apoio do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, que promove um diálogo sobre os valores e princípios do Pacto, envolvendo vários atores sociais, como empresas, organizações não governamentais (ONGs), sindicatos e universidades. O Instituto tem contribuído com as empresas brasileiras em assuntos fundamentais, como trabalho infantil e proteção ao meio ambiente, com a finalidade de transformar as palavras de apoio ao Pacto em ações que beneficiem milhares de pessoas. Os princípios do Pacto se relacionam com os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM). Ao incorporá-los à gestão empresarial, as organizações estão colocando em prática ações de Responsabilidade Social e Ambiental Empresarial. No ano de 2000, 189 países-membros da Organização 108


das Nações Unidas (ONU), entre esses o Brasil, reunidos na Cúpula do Milênio, assumiram o compromisso com a construção de um mundo mais pacífico, próspero e justo. Como desafio central, eles se propuseram a adotar medidas concretas para libertar homens, mulheres e crianças das condições degradantes e desumanas da pobreza, incluindo a pobreza material, como renda, moradia, o acesso à água e o saneamento; também a pobreza de educação e cultura, saúde, segurança e direitos humanos. Para isso, definiram os 8 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), desdobrados em metas e indicadores que orientam sobre o que fazer: 1. Erradicar a extrema pobreza e a fome; 2. Alcançar o ensino básico universal; 3. Promover a igualdade de gênero e a autonomia das mulheres; 4. Reduzir a mortalidade infantil; 5. Melhorar a saúde materna; 6. Combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças; 7. Garantir a sustentabilidade ambiental; 8. Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento. Em 2004, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o governo federal, a iniciativa privada e a sociedade civil se uniram no Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade, a fim de realizar ampla mobilização em prol dos ODM, desenvolvendo a campanha “Nós Podemos” – 8 Jeitos de Mudar o Mundo, impulsionando a causa no Brasil. Em 2006, o Estado assumiu o desafio de antecipar o alcance dos Objetivos do Milênio para 2010, cinco anos antes do prazo estipulado pela ONU. Dando origem ao Movimento Nós Podemos Paraná, uma proposta do Conselho Paranaense de Cidadania Empresarial (CPCE) do Sistema Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), em parceria com o Serviço Social da Indústria (Sesi) e o Instituto de Promoção do Desenvolvimento (IPD), por meio do Observatório-Base de Indicadores de Sustentabilidade (Orbis). O Movimento Nós Podemos Paraná tem como objetivo, alcançar os ODM a partir de um trabalho em rede, mobilizando os três setores da sociedade, potencializando e dando sustentação a ações de promoção da qualidade de vida e do desenvolvimento local, visando reconhecer e divulgar boas práticas para o alcance dos ODM. Esse Movimento lançou, em 2011, a certificação Selo ODM, que é destinada às empresas e instituições públicas e do terceiro setor, como forma de reconhecer iniciativas de projetos que contribuam para o alcance dos ODM e o desenvolvimento local. Para tornar público o desempenho sustentável das empresas, é utilizado, como ferramenta, o Global Reporting Initiative (GRI) reconhecido pelo Instituto Ethos como internacional, que visa atender indicadores que devem ser publicados para dar transparência às atividades dos negócios aos stakeholders. As iniciativas citadas são utilizadas como ferramentas de gestão que a Usina de Açúcar Santa Terezinha Ltda. utiliza para conduzir seus negócios de maneira sustentável. A empresa aderiu ao Pacto Global, em 2011, sendo que, atualmente, é reconhecida como parceira pelo quarto ano consecutivo, tendo sido uma das percussoras do Movimento Nós Podemos Paraná, no Município de Maringá, e publica

o Relatório de Sustentabilidade, anualmente, com base no GRI. Fundada em 1964, a Usina Santa Terezinha é uma empresa brasileira de capital fechado corporativo, que integra dez unidades produtivas no Estado do Paraná e uma greenfield no Mato Grosso do Sul, e dois terminais logísticos. A empresa produz e comercializa açúcar VHP, etanol (anidro e hidratado) e bioeletricidade. É considerada a maior empregadora do Paraná, com cerca de 18.000 colaboradores respaldados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). As unidades produtivas são: escritório corporativo e terminal logístico, no município de Maringá; terminal logístico de Paranaguá, Iguatemi, Paranacity, Tapejara, Ivaté, Terra Rica, São Tomé, Rondon, Cidade Gaúcha, bem como a Usina de Açúcar e Álcool Goioerê Ltda. e a Costa Bioenergia Ltda., todas situadas no Estado do Paraná; além da Usina Rio Paraná S. A. – greenfield, em Eldorado, no Mato Grosso do Sul. Empregou, em 2015, profissionais de 148 municípios. Está entre as maiores e melhores empresas do Brasil, reconhecida pela Revista Exame. 4 EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA ESCOLA “SEMEANDO O VERDE”: DA TEORIA À PRÁTICA Educar para a cidadania, hoje, é um dos caminhos para o alcance do Desenvolvimento Sustentável e dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. A educação ambiental dentro da escola tem sido um canal de comunicação e aprendizado, para que ocorra mudança de paradigma, ao aprender sobre os cuidados em relação ao meio ambiente, com base no respeito a todas as formas de vida, garantindo o futuro no planeta. De acordo com a Lei nº 9.795/99, que dispõe sobre a educação ambiental e institui a Política Nacional de Educação Ambiental: Art. 1º Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade. Art. 2o A educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não formal. A democratização das informações sobre o meio ambiente pode ser um trabalho individual ou coletivo e requer atenção e envolvimento de todos seus atores sociais, até mesmo das crianças. Educar para a sustentabilidade e a cidadania é um desafio para a educação, na atual sociedade. A partir dos anos 1990, o Brasil tem criado e implementado diretrizes e políticas públicas no sentido de fomentar e incentivar a educação ambiental dentro das escolas. A Lei nº 6.938, de 1981, instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente, evidenciando a capilaridade que desejava reproduzir na dimensão pedagógica no Brasil, exprimindo, 109


em seu Art. 2º e inciso X, a necessidade de promover: Art. 2º [...] a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no país, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana. [...] X – A educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente. Porém, a Constituição Federal de 1988 elevou ainda mais o direito à educação ambiental, em seu Art. 225, § 1º, inciso VI: “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Considera-se a educação ambiental como um dos instrumentos fundamentais do Desenvolvimento ambiental; o “Semeando o Verde” vem ao encontro das premissas, tanto da Sustentabilidade Empresarial e Responsabilidade Social quanto das diretrizes da educação ambiental, legitimadas e deliberadas na Constituição Federal e na Política Nacional de Educação Ambiental e do Meio Ambiente. “Semeando o Verde”, é um projeto de educação ambiental do setor privado, cujo objetivo é contribuir para a formação de uma sociedade ambientalmente correta, responsável pela preservação da biodiversidade e comprometida com o futuro da nova geração. Por meio de atividades educativas, lúdicas e culturais em comemoração ao Dia da Árvore, envolve alunos do Ensino Fundamental do 3º, 4º e 5º anos de escolas da rede pública, estimulando nas crianças uma consciência voltada à preservação do meio ambiente. O projeto iniciou em 2005, no município de uma das unidades produtivas da Usina de Açúcar Santa Terezinha, Ivaté – PR, localizada na região Noroeste do Estado do Paraná. No período de quatro anos consecutivos, o projeto era conhecido como Festa Anual das Árvores, nome intitulado em homenagem à data em que se comemora o Dia da Árvore no Brasil, 21 de setembro, início da primavera. De acordo com o Decreto nº 55.795, de24 de fevereiro de 1965, “institui em todo território nacional, a Festa Anual das Árvores”, tendo como objetivo difundir ensinamentos sobre a conservação das florestas e estimular a prática de tais princípios, bem como divulgar a importância das árvores no progresso da Pátria e no bem-estar dos cidadãos.

aderiram à ideia. Já em 2012, a educação ambiental na escola tornou-se parte da cultura organizacional da empresa, com a institucionalização do “Semeando o Verde” dentro do grupo Santa Terezinha. Assim, estreitou seus laços com a comunidade local, assumindo, voluntariamente, um papel transformador de uma nova cultura ambiental para a região. Como consequência, foram criadas metas em consonância com o ODM 7 – Garantir a Sustentabilidade Ambiental, repercutindo na adesão das 11 unidades produtivas da empresa. Anualmente, no mês de setembro, o projeto envolve a comunidade escolar de 5 mil alunos de 35 escolas e 16 localidades da região Noroeste do Paraná e Mato Grosso do Sul. São realizadas atividades lúdicas e educativas, com a temática da preservação ambiental; dentre elas, palestra, apresentações teatrais, concursos de desenhos, frases e redações para alunos e professores, passeios ecológicos, gincanas, plantios de mudas de árvores em áreas de reflorestamento, doações de mudas frutíferas, além da entrega de kits (camisetas, bonés, certificados de participação e cartilhas educativas) e premiações. As mudas utilizadas nos plantios são cultivadas nos viveiros próprios da empresa e recebidas por meio de doações das instituições IAP, Itaipu Binacional e ICMBio – Reserva das Perobas. Além dos parceiros, o “Semeando o Verde” conta com a participação de colaboradores e voluntários. Acredita-se que o melhor lugar para cultivar o futuro é dentro da Escola. 4.1 METAS E RESULTADOS DO PROJETO A Usina Santa Terezinha, ao assumir o compromisso em garantir a sustentabilidade ambiental – ODM 7, além de desenvolver seus negócios de maneira sustentável, tem realizado a gestão do “Semeando o Verde” de forma estratégica. Utiliza como ferramentas para a mensuração dos resultados o monitoramento e a avaliação, com atores sociais envolvidos no projeto (parceiros, colaboradores, educadores, voluntários e crianças), sendo possível materializar o acompanhamento de todas as atividades; e, também, a avaliação dos educadores, em busca de melhoria contínua, tornando possível essa mensuração.

Em parceria com Secretarias Municipais de Educação, Instituto Ambiental do Paraná (IAP), Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) e empresas privadas, em 2005 ocorreram o primeiro envolvimento de crianças em atividades educativas, uma palestra sobre a “Importância da Árvore para o meio Ambiente” e o plantio de árvores. Em 2007, a Unidade Tapejara também começou seu envolvimento com as escolas do município. A partir desse momento, outras unidades produtivas da empresa 110


Figura 3 – Tabulação dos resultados – Metas O que foi realizado METAS ATÉ 2015

2012

2013

2014

2015

Total

Envolver 5.000 crianças em plantio de árvores.

1.282

1.815

1.068

1.785

5.950

Disseminar informações sobre a preservação do meio ambiente para 12.000 crianças.

3.834

4.461

6.081

5.490

19.866

24.000

48.963

39.000

30.013

141.976

8

16

14

10

48

Plantar 100.000 mudas de árvores. Recuperar 20 áreas de preservação, com a presença e a participação das crianças. Fonte: Documentos; monitoramentos internos.

Em virtude da grande aceitação das escolas ao projeto e a estrutura que a empresa disponibiliza, as metas foram superadas. Mais de 400 profissionais de diversas áreas foram engajados em prol do desenvolvimento sustentável: educadores das escolas (professores, pedagogos e diretoria); e profissionais da empresa (assistentes sociais, psicólogos, engenheiros agrônomos, biólogos, técnicos de meio ambiente e técnico de segurança do trabalho, entre outros). Com essa equipe multidisciplinar, já foram beneficiadas, até 2015, mais de 23 localidades entre distritos e municípios: Iguatemi – Distrito de Maringá, Mandaguaçu, Nova Esperança, Paranacity, Tapejara, Tuneira do Oeste, Marabá – Distrito de Tuneira do Oeste, Ivaté, Herculândia – Distrito de Ivaté, Icaraíma, Porto Camargo – Distrito de Icaraíma, Vila Rica do Ivaí – Distrito de Icaraíma, Douradina, Vila Formosa – Distrito de Douradina, Terra Rica, Guairaçá, São Tomé, Cidade Gaúcha, Rondon, Serra dos Dourados – Distrito de Umuarama, Moreira Sales e Eldorado – Mato Grosso do Sul. Foi possível constatar o impacto e o potencial do projeto na comunidade escolar por meio dos números apresentados e, também, pelos depoimentos e trabalhos dos alunos e professores: Eu aprendi várias coisas novas sobre preservar o meio ambiente. O que eu achei mais legal foi eles mostrarem no teatro que a árvore tem sentimentos e, por isso, a gente tem que cuidar dela com respeito e educação (Ruan da Costa Peixoto, 11 anos, estudante do 5º ano da Escola Municipal Paulo Freire – Cidade Gaúcha, 2014).

O Semeando o Verde vem [ao] encontro com tudo aquilo que trabalhamos no dia a dia, dentro da escola. Quando falamos no projeto, as crianças já ficam ansiosas para assistir ao teatro, participar dos concursos e, principalmente, para o dia do plantio (Rosangela Fiori, diretora da Escola Municipal Eurípedes Pregídio, em Paranacity – PR, 2014).

Estamos muito felizes em participar do semeando o verde. É um projeto que permite reflexão ambiental e [alcança] também a família do aluno (Norma Portilio Perissin Palma, professora da Escola Municipal Santo Carraro de Mandaguaçu, 2013).

Quando trabalhamos na sala de aula, o tema dia da árvore e reflorestamento, a teoria fica um pouco abstrata para as crianças. O projeto faz a parte concreta. Na prática, os alunos aprendem mais (Professora da Escola Municipal Walter Bergman Fabiane Honorato Gollo, 2012).

Concurso de desenho

5 CONCLUSÃO Com as discussões pertinentes apresentadas no decorrer do artigo para responder à problemática do trabalho, de acordo com a pesquisa bibliográfica e estudo de caso, conclui-se que a sustentabilidade é fruto do processo de expansão do capital. No período pós-industrialização e pós-Segunda Guerra Mundial intensificou-se o impacto econômico no âmbito social e ambiental, ocasionando uma forte mobilização da sociedade civil a serviço de um mundo mais próspero, justo e igualitário. Desde então, cada vez mais o empresariado tem assumido uma postura ética e transparente em relação aos stakeholders. O setor privado, ao utilizar-se de ferramentas estratégicas de gestão, aderindo a iniciativas voluntárias, tem contribuído para o reconhecimento da empresa sustentável, ganhando maior visibilidade, credibilidade e respeito à sua imagem, no mercado nacional e internacional. Também, colabora para o desenvolvimento local, potencializa as políticas públicas, em todas as esferas (federal, estadual e municipal) e coopera com o trabalho de organizações comprometidas com a causa. Não obstante, é de suma importância que as empresas incorporem em seus negócios a prática da sustentabilidade, aderindo a uma gestão socialmente responsável: 111


relacionando-se com a comunidade; desenvolvendo projetos socioambientais em prol dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio; e interligadas a políticas públicas, por meio de parceiras, utilizando instrumentos de gestão sustentável, como o Pacto Global e GRI, e, acima de tudo, sendo éticas e transparentes com seus stakeholders. Afinal, a Responsabilidade Social Empresarial é um dos caminhos para o Desenvolvimento Sustentável.

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foto: PxHere

112


16 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: protagonismo corporativo como diretriz da Federação das Associações Empresariais de Santa Catarina Autora: : Adelita Adiers67

RESUMO O universo corporativo contemporâneo, detentor de notórios desafios cotidianos, que perpassam o arcabouço legal e caminham para o exercício da cidadania, entre eles, o empresarial, exercita de forma plena a sustentabilidade como perspectiva mais estratégica ao cenário corporativo. Ao perpassar aspectos legais, corporações incorporam, em suas práticas de gestão, ferramentas que possibilitam práticas de diálogo permanente com seus stakeholders. Atuar na sociedade, gerando valor e resultados sustentáveis, representa a iniciativa da federação na construção de uma gestão socialmente responsável, em que os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio passam a ser uma das ferramentas que permitem a construção de iniciativas, perspectivas e desafios, no que tange ao desenvolvimento sustentável, sob as premissas do associativismo. O artigo em referência apresenta as iniciativas da Federação das Associações Empresariais de Santa Catarina (Facisc), tendo a responsabilidade social como uma das diretrizes na sua estratégia de gestão, proporcionado meios e espaços para que todos possam construir um mundo melhor no caminho da sustentabilidade. A adoção dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) como parte de sua estratégia de gestão possibilitou à federação protagonizar, no setor empresarial catarinense, práticas de gestão que contribuíram, significativamente, para a disseminação da temática, bem como mapear e ampliar sua atuação, sendo a única entidade representativa empresarial a receber o título de Embaixadora dos ODM, em Santa Catarina. Tais iniciativas contribuem para que a federação possa consolidar-se como entidade empresarial voluntária e associativista, líder na promoção do desenvolvimento sustentável catarinense. Palavras-chave: Responsabilidade Social. Associativismo. Sustentabilidade.

1 INTRODUÇÃO 1. 1ASSOCIATIVISMO VOLUNTÁRIO Maior sistema empresarial catarinense pela capilaridade e pela representação da economia catarinense na indústria, comércio, prestação de serviços, agronegócios, profissionais liberais, turismo e demais formas organizadas de desenvolvimento e fomento empresarial, a Federação das Associações Empresariais de Santa Catarina (Facisc) reúne 34 mil empresas distribuídas em 220 municípios de Santa Catarina, por intermédio de 146 Associações Empresariais. Entre as principais bandeiras defendidas pela entidade estão: melhoria da infraestrutura; melhoria na gestão da aplicação dos recursos públicos; maior aproximação entre as classes empresarial e política; desenvolvimento econômico sustentável; redução e simplificação da carga tributária; voto aberto em todas as instâncias; e combate à corrupção. A Facisc busca, assim, consolidar-se como a entidade empresarial voluntária e associativista, líder na promoção do desenvolvimento sustentável catarinense. Orientada pela missão de promover a integração e a representatividade empresarial, por meio do associativismo, da busca de um ambiente favorável aos negócios e do desenvolvimento sustentável, a Facisc busca, sempre, desenvolver ações regionais e estaduais que permitam traçar um caminho para alcançar seus objetivos.

Entre outras atuações, a federação atua, fortemente, na disseminação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), essencialmente no setor empresarial, e de forma inédita iniciou a inserção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) em seu planejamento, já prospectando a agenda pós-2015 a ser implementada pela Organização das Nações Unidas (ONU). Com quase 45 anos de atuação, a Facisc é o maior sistema empresarial voluntário do estado, pela sua capilaridade de atuação e pela diversidade de setores que representa por meio do associativismo, tais como a indústria, o comércio, a prestação de serviços, o agronegócio, os profissionais liberais, o turismo e diversos outros. Entre as muitas mãos que trabalham na Facisc o grande destaque vai para os voluntários: são cerca de 3.500 empresários nas diretorias das associações empresariais e destes 49 são da diretoria da federação. Esses profissionais dedicam em média cinco horas por mês para o associativismo, fortalecendo os ideais de todos os empresários e reivindicando melhorias para o desenvolvimento da economia do estado (FEDERAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES EMPRESARIAIS DE SANTA CATARINA, 2013, p. 10).

67. Especialista em Responsabilidade Social e Gestão do Terceiro Setor; Secretária Executiva Adjunta do Movimento Nós Podemos Santa Catarina; Presidente da Comissão Mista de Responsabilidade Social da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina; e Consultora de Responsabilidade Social da Federação das Associações Empresariais de Santa Catarina (Facisc). 113


Em tempos globalizados, a forma de fazer negócios requer iniciativas que aliem progresso ao desenvolvimento sustentável; e, neste sentido, empresas e entidades que consideram, além dos aspectos econômicos, a dimensão socioambiental em sua missão tendem a tornar seus negócios mais responsáveis e sustentáveis, tornando-se referências e exemplos a serem seguidos. O voluntariado e o comprometimento da federação constroem e solidificam sua identidade, somando esforços aos demais setores da sociedade na constante construção de ações que possam gerar impactos que contribuam para uma nova forma de fazer negócios, na qual a sustentabilidade é o caminho. 2 SOCIEDADE: PRIORIDADE DE ATUAÇÃO A partir do ano 2011, a Responsabilidade Social passou a ser uma das diretrizes estratégicas da Facisc, implementada por meio de um planejamento estratégico construído a muitas mãos, estabelecendo a sociedade como uma das prioridades de atuação, em que os ODM foram adotados com uma das práticas do Programa de Responsabilidade Social Empresarial da federação.

Fonte: Facisc (2013)

Em relação à política de responsabilidade social empresarial, uma das primeiras ações, a Carta de Princípios, já considerava os ODM, tendo em seu conteúdo os seguintes direcionamentos: Atuar em consonância com a Declaração dos Direitos Humanos, Objetivos do Milênio e Princípios sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Integrar a classe empresarial catarinense, representando-a na busca de soluções e prestando a ela serviços com alto valor agregado, visando apoiar o desenvolvimento sustentável da economia de Santa Catarina, por meio do associativismo.

Realizar ações que visem ao desenvolvimento sustentável das empresas catarinenses, por meio de ações voltadas ao meio ambiente e responsabilidade social. Atuar com ética e seriedade nas suas relações com todos os seus públicos de relacionamento (stakeholders), valorizando o associativismo, a transparência, o profissionalismo, por meio de parcerias efetivas e com qualidade, realizando ações de responsabilidade social no apoio à livre iniciativa e ao empreendedorismo. Repelir toda forma de discriminação; seja ela de gênero, raça, credo, orientação sexual, etnia, seja de qualquer espécie. 114


Valorizar as relações humanas na instituição, dando igual oportunidade a todos os seus colaboradores e àqueles que venham a ingressar no seu quadro funcional. Pautar relacionamentos com terceiros a partir de critérios que observem os princípios de responsabilidade social empresarial e promovam o desenvolvimento sustentável, fortalecendo relações fortes e duradouras. Perceber e valer-se de sua posição como maior sistema empresarial catarinense, pela sua capilaridade e pela representação da economia na indústria, comércio, prestação de serviços, agronegócios, profissionais liberais, turismo e demais formas organizadas de desenvolvimento e fomento empresarial; nas relações com o governo e a Sociedade Civil Organizada, a fim de adotar e ser referência em ações de responsabilidade social empresarial dentro do sistema CACB. Estabelecidos esses princípios, a federação passou também a ser uma das signatárias do Movimento Nós Podemos Santa Catarina (MNPSC), organismo da sociedade civil que reúne empresas, governo e sociedade em prol dos ODM, em Santa Catarina.

e organizações sociais na direção da sustentabilidade do planeta, da parceria e do trabalho em busca de melhorias na qualidade de vida de todos. Por isso, a Facisc adotou esse ODM para ser sua Embaixadora porque, por meio do seu sistema associativista, tem buscado exercitar a cidadania empresarial por intermédio do empreendedorismo local, que proporciona meios e espaços para que todos possam construir um mundo melhor.O vice-presidente da Federação, André Gaidzinski afirmou: A Facisc acredita na força do associativismo como ferramenta para exercitar a cidadania empresarial. Por isso, o incentivo à Campanha é uma oportunidade de reconhecermos as boas práticas em prol dos ODM em todo o estado. O ODM 8 contempla um conjunto de metas e indicadores na direção da sustentabilidade do planeta, por meio da parceria em busca de melhorias na qualidade de vida de todos. Adotamos esse objetivo por contemplar as diferentes ações da Federação [em] seus públicos de relacionamento, especialmente no que tange aos modelos de governança local. Entre nossas ações, que contribuem para o alcance dos demais ODM, estão iniciativas de combate à corrupção, melhoria da infraestrutura e melhor gestão dos recursos públicos (BOLETIM INFORMATIVO DO MOVIMENTO NÓS PODEMOS, 2013, p. 12). Esse envolvimento posicionou a Facisc como protagonista no setor empresarial catarinense, na implementação e disseminação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. A campanha “8 Jeitos de Mudar o Mundo” encerrou em setembro de 2015 e contemplou seis projetos, nos municípios: Campos Novos, Chapecó, Joaçaba, São José e Florianópolis, com ações em prol dos ODM 2, 4, 5, 6, 7 e 8. 4 BOAS PRÁTICAS EMPRESARIAIS

Figura 2 – Programa de Responsabilidade Social Empresarial Fonte: Facisc (2013); elaborada pelo autor

A atuação na sociedade representa o comprometimento da Facisc em dar retorno a sua missão de existir, promover a integração e a representatividade empresarial, por meio do associativismo, na busca do ambiente favorável aos negócios e do desenvolvimento sustentável catarinense. 3 EMBAIXADORA DOS OBJETIVOS DO MILÊNIO A fim de alcançar os oito objetivos do milênio em Santa Catarina até 2015, o Movimento Nós Podemos Santa Catarina realizou, em 2013, a campanha “8 Jeitos de Mudar o Mundo”, com o objetivo de sensibilizar pessoas e empresas para o alcance desses objetivos, em Santa Catarina, e arrecadar recursos para financiamento de projetos catarinenses ligados a essa causa, em 2014. A Facisc foi uma das instituições que abraçaram essa causa, recebendo o título de Embaixadora do ODM 8 – Todos trabalhando pelo desenvolvimento. Esse Objetivo contempla um conjunto de metas e indicadores que envolvem cidadãos, governos, sociedade civil, empresas

No ano de 2010, foi idealizado pela Facisc o projeto “IR – Iniciativa Responsável”. Esse projeto iniciou como uma ação do Programa de Responsabilidade Social Empresarial da federação e buscou mobilizar recursos para um novo e nobre destino, o Fundo da Infância e Adolescência (FIA). A proposta foi sensibilizar os contribuintes a destinarem recursos ao fundo por meio de deduções do imposto devido, na declaração do Imposto de Renda, que, obrigatoriamente, será pago. Ao longo do ano de 2011, foi instituído o Grupo Gestor do Projeto IR, agregando parceiros como: Conselho Regional de Contabilidade (CRC); Ministério Público de Santa Catarina (MPSC); Tribunal de Contas do Estado (TCE); Secretaria do Estado de Assistência Social (SST) – SC; Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Feti) – SC; Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Sindicato da Fazenda do Estado de Santa Catarina (Sindifisco); Secretaria de Estado da Fazenda (SEF) – SC; Conselho Estadual dos Direitos da Criança e Adolescente (Cedca) – SC; Conselho Estadual dos Direitos da Criança e Adolescente de Santa Catarina; Associação Comercial e Industrial de Rio Negrinho (Acirne); e Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA). A formalização desse grupo constituiu-se num modelo de governança, aliando parceiros estratégicos no Estado de Santa Catarina, os quais acabavam por realizar ações isoladas na respectiva instituição. A partir 115


da constituição do grupo, os diferentes atores puderam atuar de forma conjunta em prol da política da infância e da adolescência no estado. Dentre as atribuições do grupo, destacaram-se: arrecadação, divulgação, fiscalização, legislação, consultoria e assessoria ao Cedca – SC. Em 2012, o projeto, que atuou fortemente no ODM 2 – Educação Básica e de qualidade para todos, recebeu o prêmio Empresa Cidadã, na categoria participação comunitária, concedido pela Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing (ADVB) de Santa Catarina. Ainda em 2011, a Federação apresentou o seu primeiro Balanço Social, no qual já estavam alinhados os ODM e os projetos desenvolvidos pela federação.

do ensino médio. O projeto mobilizou ainda mais de cem empresários e empreendedores voluntários, que atuaram como Mentor Team e com seu exemplo inspiraram tantos jovens a empreender. Além das iniciativas destacadas, os demais projetos da federação estão alinhados aos ODM, em especial os que tratam das metas 2, 3, 7 e 8, conforme a Figura 3.

Com a adoção da Diretriz de Responsabilidade Social Empresarial, diversas ações passaram a ser agregadas. Além do programa de responsabilidade social, que tem atuação interna e representatividade na sociedade, destacaramse o Programa Desenvolvimento Econômico Local (DEL) e o Programa Geração Empreendedora, contribuindo entre outros, para os ODM 2 e 8. O Programa de Desenvolvimento Econômico Local, desenvolvido pela Facisc, institui um modelo de gestão capaz de contribuir para o desenvolvimento regional, garantindo a continuidade dos projetos de interesse da comunidade, em prol do desenvolvimento econômico sustentável dos municípios. No DEL, os parceiros públicos, o setor empresarial e atores não governamentais trabalham, coletivamente, para melhorar as condições de crescimento econômico e a geração de emprego. Esforços combinados, resultados alcançados e todos trabalhando pelo desenvolvimento. Essa ação contribui para resultados sustentáveis para a sociedade na melhoria da qualidade de vida, nos centros urbanos e rurais, um ambiente favorável para a atração de investimentos e capacidade de desenvolvimento, aliando perspectivas econômicas e qualidade de vida da população de forma sustentável em médio e longo prazo; além do fortalecimento entre o setor público e o privado. O projeto atua em seis municípios do Estado de Santa Catarina e está alinhado na perspectiva da federação ao ODM 8. Outro destaque é o projeto Geração Empreendedora, que está alinhado ao negócio da federação, o associativismo, tendo o empreendedorismo como fonte de inspiração. O projeto, que iniciou em 2015, capacitou 17 voluntários do Conselho Estadual do Jovem Empreendedor (Cejesc) e do Conselho Estadual da Mulher Empresária (Ceme), para atuarem como multiplicadores em sete regiões do estado. A metodologia do curso foi estabelecida na parceria com o Sebrae – SC, pela solução Crescendo e Empreendendo, e alcançou 144 jovens. Destes, 58 foram selecionados para vivenciar um dia de empreendedor, e conhecer, na prática, da concepção da ideia à gestão do negócio. Os jovens de escolas públicas e privadas do estado têm, ainda, a possibilidade de integrar o sistema associativista por meio da inserção nos núcleos de jovens e de mulheres empresárias, em seu município. Esse projeto contribuiu para o alcance dos ODM 2 e 8, e seu objetivo era despertar, estimular e orientar o desenvolvimento do espírito empreendedor e da cultura associativista de estudantes 116


SANTA CATARINA. Movimento nós podemos. Boletim informativo, n. 19, nov./dez. 2013. SANTA CATARINA. Movimento nós podemos. Boletim informativo, n. 33, jul. 2015. SANTA CATARINA. Movimento Nacional ODS Nós Podemos. Campanha 8 jeitos de mudar o mundo. Disponível em: <http://nospodemos-sc.org.br/campanhas/campanha-8jeitos-de-mudar-o-mundo-2/>. Acesso em: 2 set. 2015

Figura 3 – Responsabilidade Social e ODM Fonte: Facisc (2015)

Outra ação que sinaliza o protagonismo da federação é o projeto Agenda Sustentável Santa Catarina, programa de formação para a sustentabilidade, já considerando a perspectiva dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) pós-agenda 2015. Ainda no que tange aos ODM, a Facisc é uma das signatárias do Movimento Nos Podemos Santa Catarina (MNPSC), atuando com a coordenação estadual, nas secretarias executivas adjuntas e de projetos, além de conduzir e incentivar suas associações empresariais a participarem dos processos de municipalização dos ODM por meio de seminários de municipalização. O Boletim Informativo do Movimento Nós Podemos Santa Catarina de julho de 2015 destacou as ações da Facisc em prol do ODM 8. 5 CONCLUSÃO – DESAFIO ODS A partir de 2016, a temática da sustentabilidade passou a compor a nova agenda mundial, por meio dos ODS. Os desdobramentos dos ODM em ODS trouxeram novos atores a esse processo, e o setor empresarial ganhou uma participação ainda mais ativa. As lições aprendidas e os avanços construídos em relação à responsabilidade social, oportunizados a partir da adoção dos ODM, trouxeram um repensar sobre o caminho para a sustentabilidade.

foto: PxHere

A Facisc já vinha se preparando para esse desafio, aprofundando conhecimento sobre os ODS e alinhando seus projetos para essa nova agenda, considerando tais premissas para a construção do planejamento estratégico da gestão 2015-2017. A inserção dessas práticas na sua estratégia de gestão lançou um novo olhar sobre a evolução da responsabilidade social como diretriz da federação, adotando conceitos e práticas de vanguarda que pudessem mobilizar outras instituições empresariais a somarem esforços no alcance das metas propostas de todos para todos. REFERÊNCIAS FEDERAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES EMPRESARIAIS DE SANTA CATARINA. Balanço social.Santa Catarina: Facisc, 2013.

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17. O Trabalho Infantil e a Empresa: a responsabilidade do setor privado pela tutela dos direitos humanos Autor: Leonardo Raphael Carvalho de Matos

RESUMO Tema relevante dentro das relações jurídicas é o Trabalho Infantil e a sua relação com a tutela dos Direitos Humanos. A partir de uma visão pós-positivista e do fenômeno da publicização do privado, os Direitos Humanos passaram a gozar de proteção legislativa, soberania de suas normas e um olhar mais apurado do Direito. Pelo método indutivo, será analisado o trabalho infantil como modalidade de trabalho degradante e a legislação atinente ao tema. Em seguida, será analisada a responsabilidade empresarial no exercício da sua função social em face do trabalho infantil. Pelo método indutivo, será analisado o entendimento jurisprudencial das cortes superiores do trabalho, no Brasil, bem como os dados oficiais que apontam a presença de trabalho infantil no Brasil, por meio da verificação dos relatórios publicados pelo Ministério Público do Trabalho e a Organização Internacional do Trabalho, em um contraponto final entre os resultados desejados e os obtidos. Palavras-chave: Trabalho Infantil. Direitos Humanos. Setor privado.

1 INTRODUÇÃO Neste artigo, serão abordados os aspectos relacionados ao trabalho realizado por crianças e adolescentes no Brasil e sua relação com a responsabilidade empresarial e o exercício da função social da empresa. Tratar-se-á da legislação voltada à proteção da criança e do adolescente, bem como a que proíbe o trabalho exercido por esses e suas características, numa abordagem jurídica, apontando-se as normas relacionadas ao tema. Destacar-se-á, ainda, o trabalho infantil como modalidade de trabalho degradante, citando-se, também, o trabalho escravo e o penoso, entre outras formas de trabalho proibido a serem fiscalizadas pelos órgãos de atuação da Justiça do Trabalho. Analisar-se-á o combate ao trabalho infantojuvenil como um dos preceitos a serem assegurados, também, pela empresa, decorrente da sua função social e da sua responsabilidade para com o desenvolvimento humano, fazendo-se o contraponto entre a análise econômica do Direito e a análise social nas relações empresariais. Vale ressaltar que esta pesquisa não possui o condão de esgotar tamanha problemática, mas de desenvolver uma análise crítica sobre o tema, utilizando-se do método hipotético-dedutivo, ao analisar a doutrina especializada da literatura jurídica; e pelo método indutivo, ao analisaremse os números apontados pelos órgãos oficias da Justiça do Trabalho no Brasil, num paralelo entre os resultados desejados e os obtidos.

escravo) e o trabalho penoso, entre outras formas ilícitas no ordenamento jurídico. A extinção da escravatura foi um divisor de águas no que diz respeito ao debate sobre trabalho infantil; multiplicaram-se, a partir de então, iniciativas privadas e públicas, dirigidas ao preparo da criança e do adolescente para o trabalho, na indústria e na agricultura. O debate sobre a teoria de que o trabalho seria a solução para o “problema do menor abandonado e/ou delinquente” começava, na mesma época, a ganhar visibilidade. A experiência da escravidão havia demonstrado que a criança e o jovem trabalhador constituíam-se em mão de obra mais dócil, mais barata e com mais facilidade de adaptar-se ao trabalho. (PRIORE, 2013, p. 376). Estima-se que 168 milhões de crianças realizam trabalho infantil no mundo, das quais 120 milhões têm idade entre cinco e 14 anos; e cerca de 5 milhões estão em condições análogas às de escravos, conforme o Relatório Mundial da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2015), divulgado em 12 de junho de 2015, dia mundial contra o Trabalho Infantil.

2 O TRABALHO INFANTIL COMO MODALIDADE DE TRABALHO DEGRADANTE

O trabalho acaba por afastar a criança e, principalmente, o adolescente da escola. A longa jornada de trabalho é um dos fatores que os levam a desistir dos estudos. Os filhos dos mais pobres trocam a escola pelo trabalho; os considerados mais favorecidos, ou seja, aqueles que dentre os pobres ganham mais de dois salários mínimos per capita adiam a entrada no mercado de trabalho em prol da escolaridade. Isso quer dizer que, mesmo entre as camadas subalternas, a noção da importância da escolaridade para o futuro da criança está presente.

Entende-se que o trabalho infantil representa uma espécie do gênero “trabalho degradante”, que engloba, também, o trabalho escravo (ou aquele em condições análogas à de

O número de meninas trabalhadoras é menor que o de meninos; este fato não significa que elas trabalhem menos. A dedicação exclusiva aos afazeres domésticos, sem escola,

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atinge muitas crianças, em todas as regiões do Brasil. Temse um enorme contingente de crianças e adolescentes, principalmente meninas, que cuida da casa e dos irmãos, para que seus pais possam trabalhar. O trabalho dessas meninas é exaustivo e fundamental para a manutenção das famílias, já que representa a única opção de cuidado para com os filhos pequenos. Quando a mulher é chefe de família, sem a presença do companheiro, não há alternativa: ou os filhos trabalham para sustentar a mãe e os irmãos menores, ou um dos filhos, às vezes uma menina, com pouco mais de cinco anos, ocupa o papel da mãe em casa. É um tipo de atividade que exige dedicação integral, o que impede a ida à escola, por causa da longa ausência da mãe, presa à jornada de trabalho e às horas passadas no transporte coletivo. A atividade principal das meninas trabalhadoras é o emprego doméstico. Muitas meninas não são contabilizadas, são as chamadas “crias da casa”. São as “filhas de criação”, meninas que são retiradas de instituições ou de famílias muito pobres para trabalhar em casas de melhor situação, em troca de abrigo e, às vezes, em pagamento ínfimo. Dependem da boa vontade dos patrões para ir à escola e estão sujeitas às investidas sexuais dos filhos ou do próprio patrão. Esta é uma prática antiga no Brasil. Nos processos do Juízo de Órfãos, no início do século XX, e do Juízo de Menores, a partir da década de 1920, era comum meninas serem tiradas dos asilos para trabalhar em casa de famílias. Era o sistema de soldada, onde a família se responsabilizava em vestir, alimentar e educar a criança em troca de seu trabalho, depositando uma pequena soma em uma caderneta de poupança em seu nome. Se por um lado, as meninas preferiam ir para as casas, porque queriam sair do asilo, as fugas eram comuns, devido aos maus-tratos, à exploração do seu trabalho e ao abuso sexual. Este sistema, administrado pelas fundações estaduais de bem-estar do menor e sob o novo nome de “colocação familiar”, foi mantido até os anos de 1980 (PRIORE, 2013, p. 384). Ora, entende-se que o trabalho infantil é uma forma de exploração de menores. E se não há remuneração, é, ainda, uma forma de trabalho escravo. O trabalho infantil, como já explanado, trata-se daquele realizado por crianças e adolescentes de forma diversa à prevista na legislação brasileira, desrespeitando as medidas de proteção e dignidade da criança, bem como seu desenvolvimento integral e digno. Ocorre que, se o trabalho infantil ainda é presente nos dias atuais e, se não há contraprestação financeira ao menor, além de exploração, trata-se de uma forma moderna de trabalho escravo. Ou seja, uma escravidão moderna. Farse-á, então, um rápido apanhado sobre o trabalho escravo e seus reflexos no meio social atual. O trabalho escravo, forçado ou obrigatório, é uma maneira de afronta à dignidade da pessoa humana (inciso III, do artigo 1º da CF/88 – fundamento da República Federativa do Brasileiro). A Convenção nº 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre o Trabalho Forçado, de 1930,

conceitua a expressão “trabalho forçado ou obrigatório”, no seu artigo 2º. 1, como “todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente”. A Constituição Federal (CF) não define, expressamente, o conceito de trabalho escravo, contudo, inspirada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), incorporou suas normas e até mesmo as reproduziu, como, por exemplo, o artigo 5º, inciso III da CF em relação ao art. V da DUDH. O Código Penal tipifica o crime de redução à condição análoga a de escravo, em seu artigo 149: Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. Luis Antônio Camargo de Melo relaciona as principais formas degradantes de trabalho: 1. utilização de trabalhadores, por meio de intermediação de mão de obra pelos chamados “gatos” ou por cooperativas de trabalho fraudulentas; 2. submissão às condições precárias de trabalho pela falta ou inadequado fornecimento de boa alimentação e água potável; 3. fornecimento oneroso dos instrumentos de trabalho; 4. falta dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e materiais de primeiros socorros; 5. transporte inseguro e inadequado aos trabalhadores; 6. descumprimento da legislação trabalhista (MELO, 1991, p. 15). Nos dias atuais, a exploração da mão de obra assumiu novos contornos, devendo ser entendida e analisada sob o prisma da ampla liberdade de iniciativa e de concorrência do sistema de produção capitalista apoiado na propriedade privada, e não, exclusivamente, sob o das sociedades primitivas que retira completamente a liberdade do ser humano. O reflexo disso é o aumento do trabalho escravo em área urbana, no tocante ao mercado têxtil e de construção civil. Relatório divulgado pela Organização Internacional do Trabalho, no dia 19 de maio de 2014, estima que o trabalho forçado na economia mundial gera lucros anuais ilegais de US$ 150 bilhões (R$ 331,2 bilhões). Em 2012, a OIT (2015) havia estimado que 20,9 milhões de trabalhadores estavam submetidos a alguma forma de trabalho forçado: 22% por exploração sexual forçada, 68% por outros tipos de exploração do trabalho e 10% por trabalho imposto pelo Estado. Segundo os dados do Relatório “Profits and Poverty” divulgados pela OIT (2014), mulheres e meninas integram a maior parte dos trabalhadores submetidos ao trabalho forçado no mundo, 55% do total (11,4 milhões), enquanto homens e meninos representam 45% (9,5 milhões). Os adultos são os mais afetados, 74% (15,4 milhões); enquanto 26% (5,5 milhões), possuem menos de 18 anos. Vale mencionar os principais documentos internacionais de proteção contra essa forma de exploração: a) Convenção nº 105 – Convenção relativa à abolição do trabalho forçado, de 119


1957; OIT – aprovada pelo Decreto Legislativo nº 20/1965 e promulgada pelo Decreto nº 58.882/1966; b) Convenção OIT nº 29/1930 sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório, promulgada pelo Decreto nº 41.721, de 25 de junho de 1957, que, em seu artigo 2º, define a expressão “trabalho forçado ou obrigatório” como “todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente”; c) Convenção sobre a Escravatura (Genebra, 1926), da Liga das Nações – aprovada pelo decreto Legislativo nº 66/1965 e promulgada pelo Decreto nº 58.563/1966, que definiu as expressões escravidão e tráfico de escravos, no seu artigo 1º: 1º A escravidão é o estado ou condição de um indivíduo sobre o qual se exercem, total ou parcialmente, os atributos do direito de propriedade; 2º O tráfico de escravos compreende todo ato de captura, aquisição ou sessão de um indivíduo com o propósito de escravizá-lo; todo ato de aquisição de um escravo com o propósito de vendê-lo ou trocá-lo; todo ato de cessão, por meio de venda ou troca, de um escravo adquirido para ser vendido ou trocado; assim como em geral todo ato de comércio ou de transportes de escravos. d) Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura (Genebra, 1656), da ONU – aprovada pelo Decreto Legislativo nº 66/1965 e promulgada pelo Decreto nº 58.563/1966; e) Protocolo de emenda à Convenção sobre a Escravatura, aberto à assinatura ou à aceitação na sede das Nações Unidas (Nova York, 1953), da ONU – aprovada pelo Decreto Legislativo nº 66/1965 e promulgada pelo Decreto nº 58.563/1966. No ordenamento jurídico brasileiro, há, ainda, normas internas que prescrevem a conduta do trabalho escravo e a coibição do instituto por sanções próprias, como, por exemplo, nas leis abaixo: a) Código Civil (Lei nº 1.406/2002), artigo 606; b) Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940), artigos 149 e 206; c) Constituição Federal, artigo 5º, inciso XIII, XLVII-c; artigos 6º, 7º e incisos, artigo 109-VI; artigo 144, artigo 227, caput e 4º; d) Lei nº 10.803/2003 – Altera o artigo 149 do DecretoLei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, para estabelecer penas ao crime nele tipificado e indicar as hipóteses em que se configura condição análoga à de escravo; e) Lei nº 10.446/2002 – Dispõe sobre infrações penais de repercussão interestadual ou internacional que exigem repressão uniforme, para os fins do disposto no inciso I do § 10 do artigo 144 da Constituição Federal; f) Lei nº 8.069/1990, artigos 5º, 87 e 130 – Estatuto da Criança e do Adolescente; g) Lei nº 3.353/1888 – Lei Áurea. Quanto à atuação da Justiça do Trabalho, esta ocorre por intermédio de seus órgãos: Ministério Público do Trabalho (MPT); Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs); Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE); entre outros, interligados ao enfrentamento do trabalho escravo, por meio de fiscalização, apuração de denúncias, ajuizamento de Ações Civis Públicas, proposição de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), implantação de Políticas Públicas próprias, entre tantas outras formas de contenção da prática de

trabalho escravo, tanto em área rural, quanto em área urbana. Os responsáveis pela exploração são acionados na Justiça do Trabalho para ressarcimento aos trabalhadores e pagamento das indenizações. Também podem ser acionados na esfera criminal, pelo Ministério Público Federal ou pelo Ministério Público Estadual. A possibilidade está prevista no artigo 149 (reduzir alguém à condição análoga a de escravo – pena de reclusão de dois a oito anos), no artigo 197 e seguintes, especialmente os artigos 203 e 207 (crimes contra organização do trabalho), todos do Código Penal. Contudo, em caso de ocorrência de utilização ou exploração ilegal do trabalho de crianças e adolescentes com idade inferior a 16 anos, não obstante a necessidade de se exigir imediatamente a cessação das atividades, pondo-se fim a tal situação, é obrigatório assegurar-lhes a percepção de todos os direitos trabalhistas (contratuais e rescisórios) e previdenciários decorrentes do labor; pois, apesar de ser proibido legalmente o trabalho, efetivou-se na prática a prestação de serviços, gerando-se efeitos irreversíveis no tempo, de modo a inviabilizar o retorno ao status quo ante, notadamente diante dos prejuízos concretos e irreparáveis à criança e ao adolescente, conforme o portal do MPT (2014). Reconhece-se, também por isso, ao lado dos direitos laborais típicos, o direito consequente à indenização por danos morais. Não fosse assim, estaríamos frente à hipótese tipificadora de enriquecimento sem causa, pois restaria premiado o infrator, ao agir ilicitamente, valendose do labor da criança e do adolescente, em situação flagrantemente ilícita e danosa. Em outros termos, não se poderia admitir o infrator ser beneficiado ou ter o seu patrimônio acrescido em razão do valor proporcionado pela utilização ilegal do trabalho infantil, sem arcar com as consequências jurídicas devidas (MPT, 2014). A jurisprudência, sobre esse ponto – de acordo com a 3ª T–TST-RR-449.878/98.5, Rel. Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, 3.4.2002, e o STJ, Recurso Especial nº 356.459-RS, 6ª T, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, DJU 24.6.2002 –, tem proclamado firme e pacificamente que: Seria incompatível com os princípios da primazia da realidade e da proteção negar, por completo, eficácia jurídica ao contrato celebrado entre as Partes, em razão da menoridade do Reclamante. [...] Assim, o empregador que se beneficia dos serviços prestados pelo empregado menor deve arcar com os encargos correspondentes ao contrato de trabalho. A limitação de idade é imposta em benefício do menor e não em seu prejuízo, razão pela qual o período de trabalho prestado antes dos 14 (quatorze) anos deverá ser computado como tempo de serviço para fins previdenciários. Entende-se o combate ao trabalho infantil, também, como exercício da função social da empresa, por força de sua responsabilidade empresarial, como será analisado a seguir.

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3 O COMBATE AO TRABALHO INFANTIL COMO REFLEXO DA FUNÇÃO SOCIAL E RESPONSABILIDADE EMPRESARIAL Muito suscitada no âmbito jurídico é a função social, que possui três vertentes mais utilizadas no Direito: a função social da empresa, do contrato e da propriedade. A função social do contrato ocorre quando o contrato é celebrado e executado observando a livre circulação de riquezas, desde que respeitadas a dignidade da pessoa humana e a solidariedade. Quanto à propriedade, esta teria como característica intrínseca a função social (BRASIL, 1988, art. 5º, XXIII), compreendendo o individual e o coletivo, admitindo, ainda, a propriedade pública dos bens cuja apreensão individual configuraria um risco para o bem comum. No Brasil, a Constituição de 1934 trouxe, em seus artigos 115 e 143, normas sobre a ordem econômica, garantida a sua liberdade, dentro dos limites da justiça e as necessidades da vida nacional. Fase esta caracterizada pela passagem do estado liberal para o estado social. Tal característica fora recepcionada pelas constituições posteriores, surgindo os Direitos Humanos de segunda geração alinhados ao conceito de socialidade (responsabilidade social). Contudo, foi a partir da Constituição de 1988 que se vislumbrou uma preocupação mais acentuada em proteger e alcançar objetivos sociais bem definidos, atinentes à dignidade da pessoa humana e à redução das desigualdades. Elevaram-se os princípios e normas sociais ao status constitucional, fortalecendo a ordem social no país. Na seara privada, as normas sociais presentes na Constituição introduziram uma visão mais humanista ao direito empresarial e às relações coorporativas, passando a inserir a empresa num contexto social. Tem-se, então, o conceito de função social. Como afirma Fábio Konder Comparato: A função social como o poder-dever de vincular a coisa a um objetivo determinado pelo interesse coletivo. Somente, os bens de produção cumpririam uma função social, entendido como os empregados nas atividades produtivas. Os bens de consumo, aqueles destinados ao uso pessoal, não teriam essa destinação. Conclui que “se se está diante de um interesse coletivo, essa função social da propriedade corresponde a um poderdever do proprietário, sancionável pela ordem jurídica” (COMPARATO, 1986, p. 75). Então, vislumbra-se a terceira vertente da função social e também objeto desta pesquisa: a função social da empresa. A empresa deixou de ser mera produtora ou transformadora de bens que coloca no mercado. É, antes de tudo, um poder. Representa uma força socioeconômica determinada com uma enorme potencialidade de emprego e expansão. A função social da empresa implica: a) os bens de produção devem ter uma destinação compatível com os interesses da coletividade; b) a produção e a distribuição de bens úteis à comunidade; c) gerar riquezas e empregos. É importante vínculo de influência entre o Princípio da Função Social e

o Princípio da Preservação da Empresa, que tem como fim a proteção e continuidade da atividade econômica como fonte de desenvolvimento da sociedade. Contudo, a função social não pode ignorar a função primeira da empresa: o lucro. Para Tomasevicius Filho: A função social da empresa constitui o poder-dever de o empresário e os administradores da empresa harmonizarem as atividades da empresa, segundo o interesse da sociedade, mediante a obediência de determinados deveres, positivos e negativos (TOMASEVICIUS FILHO, 2003, p. 40). Vale citar três princípios norteadores da função social empresarial: a dignidade empresarial determina que a atividade-fim da empresa, para ser alcançada, deve cumprir, durante o percurso, tanto a sua função econômica quanto a função social. A atividade deve ser equilibrada e sem nenhum abuso econômico. A boa-fé empresarial afirma que a empresa deve contratar de forma justa, reunindo normas e princípios éticos, buscando o equilíbrio do livre mercado com os interesses sociais. E a dignidade da pessoa humana, como princípio constitucional básico aplicado às normas de direito privado; e como afirma Kant, “moralidade e dignidade são as únicas coisas que não têm preço”. Contudo, surge o paradigma da função social, a partir de uma visão econômica em contrapartida à visão social. Para a corrente que defende a análise econômica do direito, a empresa possui uma função social, mas não uma função de assistência social (filantropia). A função social jamais poderá ocupar a função econômica da empresa. Pois empresa sem lucro não sobrevive, deixa de funcionar. Vilfredo Pareto, um dos principais representantes da análise econômica do direito, desenvolveu a Teoria da Eficiência ou Ótimo de Pareto, que pressupõe a existência de três premissas para que uma situação, no caso original uma economia, possa ser considerada eficiente: a) eficiência nas trocas; b) eficiência na produção; c) eficiência no mix de produtos. Para Pareto, a empresa cumpre sua função social quando alcança os seus objetivos, promovendo a manutenção ou o crescimento de riqueza em seu entorno, sem que nenhuma das partes tenha incorrido em prejuízo. Por outro lado, os estudos sociais apontam que a razão de ser da empresa não é produzir lucros nem fazer com que seus acionistas enriqueçam. A missão da empresa é produzir e distribuir bens e serviços, bem como criar empregos. Quanto ao lucro, a sociedade considera-o legítimo, entendendo-o como a justa recompensa a ser recebida pelos investidores que aceitam correr o risco de aplicar seu capital em um empreendimento produtivo. Assim entende a Ministra Nancy Andrighi, relatora do Agravo Regimental no Conflito de Competência nº 110.250DF, ao citar que: A função social da empresa exige sua preservação, mas não a todo custo. A sociedade empresária deve demonstrar ter meios de cumprir eficazmente tal função, gerando empregos, honrando seus compromissos e 121


colaborando com o desenvolvimento da economia, tudo nos termos do art. 47 da Lei nº 11.101/05 (ANDRIGHI, 2010). Para Fábio Konder Comparato: Função, em direito, é um poder de agir sobre a esfera jurídica alheia, no interesse de outrem, jamais em proveito do próprio titular. Algumas vezes, interessados no exercício da função são pessoas indeterminadas e, portanto, não legitimadas a exercer pretensões pessoais e exclusivas contra o titular do poder. É nessas hipóteses, precisamente, que se deve falar em função social ou coletiva. [...] em se tratando de bens de produção, o poder-dever do proprietário de dar à coisa uma destinação compatível com o interesse da coletividade transmuda-se, quando tais bens são incorporados a uma exploração empresarial, em poder-dever do titular do controle de dirigir a empresa para a realização dos interesses coletivos (COMPARATO, 1996, p. 65). No Brasil, o conteúdo positivado da função social encontrase nos artigos 7 e 170 da Constituição Federal. A função social da empresa representa uma ação positiva a ser realizada a partir da observância de um princípio básico na relação coorporativa: a responsabilidade, e ambos correm juntos no intuito de assegurar os Direitos Humanos no âmbito coorporativo e possuem, como objetivo lógico, o combate ao trabalho infantil. A partir do entendimento sobre a função social, a sociedade passa a esperar um comportamento diferenciado da empresa, de forma coerente, com uma produção responsável, condutas éticas e produtos e serviços com qualidade, que são postos em mercado, além, claro, do lucro. Alguns movimentos fomentaram esse comportamento, entre eles: a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento na Conferência Rio-92; a Declaração de Joanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável; na Conferência de Joanesburgo; as Metas do Milênio; e a Declaração da OIT relativa aos princípios e direitos fundamentais no trabalho. Logo, o termo Responsabilidade Social surge, então, para traduzir essa nova faceta que a empresa adotou no passar do tempo: o de compromisso com a sociedade, com a comunidade e o meio ambiente. A responsabilidade social das empresas consiste na integração voluntária de preocupações sociais e ambientais por parte das empresas nas suas operações e na interação com a comunidade (TOMASEVICIUS FILHO, 2003, p. 46). O Instituto Ethos conceitua responsabilidade social da empresa como: A forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais que impulsionem o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos

ambientais e culturais para as gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais. (INSTITUTO ETHOS, 2010). A responsabilidade social está vinculada a todas as atividades da empresa, que buscam não a finalidade lucrativa em primeiro plano, mas o desenvolvimento da comunidade externa (sociedade); bem como de seus funcionários, investindo em cursos de atualização e reciclagem, bemestar e lazer, gerando um meio ambiente saudável e higiênico na empresa, respeitando-se, sobretudo, as normas e princípios que asseguram a dignidade da pessoa humana. O investimento no bem-estar da comunidade representa, ainda, uma válvula de escape fiscal para a empresa, que transfere seus impostos para a causa social. E, em muitos casos, um jogo de marketing, quando divulgam suas ações no intuito de atrair ainda mais consumidores e, com isso, obter mais capital. Estas são as chamadas “empresas verdes”, ou empresas sustentáveis. Logo, a própria responsabilidade social acaba voltando para a função precípua da empresa, o lucro. É importante frisar que a ideia de responsabilidade social está diretamente relacionada à ética nas relações. A ética define aquilo que é, teoricamente, bom para as pessoas, no condão de direcionar sua vida de forma adequada em comunidade. Juntamente com a ética, tem-se outro elemento necessário ao alcance da responsabilidade social: a transparência. A direção empresarial denota um sistema que assegura a todos os sujeitos da relação uma gestão organizacional com equidade, transparência, responsabilidade pelos resultados e respeito às normas impostas. Logo, a transparência relaciona-se à disponibilidade e ao livre acesso às informações da empresa. Dando continuidade ao entendimento de responsabilidade, tem-se outro aspecto a ser observado: a sustentabilidade. Esta se refere à preservação de recursos naturais e culturais para as presentes e as futuras gerações. Logo, de forma englobada, a responsabilidade é o meio para se alcançar a função social da empresa, por meio da ética, da transparência, da sustentabilidade e do respeito às normas de conduta. A Norma ISO 26000 – diretrizes para a responsabilidade social – tem como objetivo fornecer diretrizes para organizações, independentemente do porte ou área de atuação, relativas à: a) identificação de princípios de responsabilidade social; b) integração, implementação e promoção de práticas socialmente responsáveis; c) identificação e envolvimento de partes interessadas; d) divulgação do comprometimento organizacional e desempenho social; e) contribuição para o desenvolvimento sustentável. A ISO 26000 dispõe, ainda, sobre a responsabilidade pelos resultados (accountability), o comportamento ético e respeito: pelos interesses dos stakeholders, ao estado de direito, às normas internacionais de comportamento, pelos Direitos Humanos e ser transparente acerca:

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(1) da finalidade, natureza e localização das suas atividades; (2) da identidade de qualquer interessado em controlar as atividades da organização; (3) da maneira pela qual suas decisões são tomadas, implementadas e revistas, incluindo a definição dos papéis, responsabilidade, e autoridades de diferentes funções na organização; (4) das normas e os critérios com as quais a organização avalia seu próprio desempenho em matéria de responsabilidade social; (5) de sua atuação em questões de responsabilidade social relevantes e significativas; (6) das fontes, montantes e aplicação dos seus fundos; (7) dos impactos conhecidos e prováveis das suas decisões e atividades em seus parceiros, na sociedade, na economia e no meio ambiente; e finalmente, (8) de seus stakeholders e os critérios e procedimentos utilizados para identificá-los, selecionálos e envolvê-los. (INSTITUTO ETHOS, 2010). A ABNT NBR 16001 – Responsabilidade Social e Sistema da Gestão – implica a implantação de um sistema de gestão de responsabilidade social pela organização, além de outros benefícios, tanto para a empresa quanto para os clientes e a comunidade. Pode-se citar: a valorização da empresa perante o mercado; a redução de riscos sociais, greves, acidentes de trabalho, e processos trabalhistas; implementação de valores organizacionais; transparência das práticas adotadas pela organização; valorização do fornecedor; maior facilidade de realização de parcerias; entre outros. Essa norma aplica um conceito abrangente de responsabilidade social, incorporando as dimensões ambiental, econômica e social da sustentabilidade, bem como a participação dos sujeitos em todo o processo. Quanto ao trabalho infantojuvenil, a Norma SA 8000 foi alicerçada nas Convenções da Organização Internacional do Trabalho, na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e visa proporcionar: a) condições de trabalho adequadas; b) respeito aos direitos dos trabalhadores; c) alinhamento organizacional nos requisitos de responsabilidade social; d) trabalho em parceria com organizações trabalhistas e de direitos humanos; e) transparência das relações empregador x empregado x fornecedores x comunidade; f) padronização em todos os setores de negócio e em todos os países; g) incentivo que beneficie a comunidade empresarial e a de consumidores por meio de uma abordagem na qual ambas as partes saiam ganhando. Portanto, a responsabilidade social também se vincula ao ambiente laboral adequado, livre de discriminação e que garanta ao trabalhador plenas condições de desenvolver seu ofício com liberdade e dignidade. A responsabilidade deve garantir, ainda, ao trabalhador, a sua manutenção de forma digna numa sociedade de massas. A empresa deve transgredir o âmbito interno de seu estabelecimento e alcançar, positivamente, a vida de seus colaboradores nos aspectos mais básicos para a sua sobrevivência. Entende-se, então, que a função social e a responsabilidade empresarial são elementos indissociáveis, e que o desenvolvimento das metas da empresa guarda relação

direta com o respeito necessário aos direitos e interesses comuns, da empresa e da sociedade, afastando-se totalmente a ideia de exploração voltada apenas ao lucro. O estado e as empresas possuem o condão de assegurar os interesses coletivos, difusos, sem que haja prejuízo ao poder público, tampouco ao interesse dos particulares. Porém, só há que se falar em função social e responsabilidade empresarial se forem assegurados todos os direitos humanos na empresa, quanto às condições de trabalho; quanto ao combate de toda forma de discriminação; quanto ao combate de práticas nocivas, como o trabalho degradante, nas formas de trabalho infantil e trabalho escravo, e todas as práticas que vão contra os preceitos constitucionais de liberdade, igualdade e vida com dignidade. Contudo, em caso de ocorrência de utilização ou exploração ilegal do trabalho de crianças e adolescentes com idade inferior a 16 anos, não obstante a necessidade de se exigir imediatamente a cessação das atividades, pondo-se fim a tal situação, é obrigatório assegurar-lhes a percepção de todos os direitos trabalhistas (contratuais e rescisórios) e previdenciários decorrentes do labor; pois, apesar de ser proibido legalmente o trabalho, efetivou-se na prática a prestação de serviços, gerando-se efeitos irreversíveis no tempo, de molde a inviabilizar o retorno ao status quo ante, notadamente diante dos prejuízos concretos e irreparáveis à criança e ao adolescente. Reconhece-se, também por isso, ao lado dos direitos laborais típicos, o direito consequente à indenização por danos morais, conforme o Portal do MPT (2014). Não fosse assim, estar-se-ia frente à hipótese tipificadora de odioso enriquecimento sem causa, pois restaria premiado o infrator, ao agir ilicitamente, valendo-se do labor da criança e do adolescente, em situação flagrantemente ilícita e danosa. Em outros termos, não se poderia admitir o infrator ser beneficiado ou ter o seu patrimônio acrescido em razão do valor proporcionado pela utilização ilegal do trabalho de meninos e meninas com idade inferior a 16 anos, sem arcar com as consequências jurídicas daí advindas: o cumprimento dos direitos trabalhistas e, também, o pagamento de indenização por danos materiais e morais. 4 CONCLUSÃO Esta pesquisa teve como objeto o trabalho infantil no Brasil. Foi desenvolvida pelo método hipotético-dedutivo, com a análise da literatura pertinente, da legislação específica e da jurisprudência voltada ao tema. Destacou-se a legislação direcionada ao trabalho degradante, ressaltando-se uma natureza externa, advinda dos órgãos internacionais, como a Organização das Nações Unidas, a Organização Internacional do Trabalho e a Organização Mundial da Saúde; e os tratados internacionais aos quais o Brasil resta signatário, bem como uma natureza de ordem interna, quando se veem os reflexos da matéria no texto constitucional e nas leis ordinárias, em especial, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que trazem como objeto a proteção integral da criança e seu desenvolvimento digno. 123


Ademais, o trabalho infantil também foi posto como espécie de trabalho degradante, o qual se desdobra em trabalho escravo ou em condições análogas à de escravo, e o trabalho penoso. Viu-se que o trabalho infantil, assim como o trabalho escravo, tem como característica ser desenvolvido, em sua maioria, por pessoas negras e de baixa renda, o que desdobra um perfil aproximado dessa categoria de trabalhadores. Por que os empresários empregam menores de idade? Os estudos revelaram que os motivos que os levam a contratar menores estão relacionados diretamente à sua condição de explorado: o fato de se submeterem a baixos salários e regime disciplinar interno rigoroso, de não usufruírem de proteção e/ou benefícios, de não possuírem capacidade organizacional e reivindicatória – o que os tornam empregados com muitas obrigações e poucos direitos – e por não contarem com a defesa das instituições de classe, como os sindicatos. O trabalho realizado por crianças e adolescentes, via de regra, ocorre em condições perigosas e/ou insalubres, à mercê de acidentes de trabalho, pois desenvolve atividades perigosas e até proibidas, como as de cunho sexual; além daquelas que possuem extensas jornadas de trabalho, requerendo um maior esforço físico da criança, sem os devidos equipamentos de proteção individual, comprometendo seu pleno desenvolvimento corporal. Logo, o trabalho infantil gera um prejuízo físico à criança. A criança que trabalha, por se tratar de uma mão de obra barata para o empresário, e por ser a criança desqualificada curricularmente, recebe menos que um trabalhador formal adulto na mesma categoria. Ou seja, a criança desenvolve a mesma tarefa, numa mesma jornada de trabalho, mas com rendimentos inferiores aos de um adulto na mesma colocação. Logo, o trabalho infantil gera um prejuízo financeiro à criança. E, por fim, essa criança, por não estudar, não se qualificar, não se profissionalizar, quando se torna um adulto não consegue concorrer no mercado de trabalho, com outros adultos que estudaram e se qualificaram. O adulto que foi uma criança que trabalhou, continua distante das melhores oportunidades de trabalho, o que acarreta, em sua colocação, em subempregos, com baixos rendimentos e sem oportunidade de carreira. Ou seja, o trabalho infantil gera um prejuízo mercadológico/profissional para a criança. Verificou-se, com esta pesquisa, que a criança que trabalha se torna um adulto sem informação, sem qualidade e nem expectativa de vida, e que por ser rejeitado pelo mercado de trabalho, se torna um marginal social. Ou seja, um adulto analfabeto, desempregado, de saúde fragilizada e sem qualquer perspectiva. Desta forma, o Trabalho Infantil é, na verdade, apenas a porta de entrada para problemas sociais muito mais graves, que duram no tempo, e que possuem o condão de afastar qualquer esperança de uma vida digna, saudável, economicamente sustentável e socialmente aceitável para essas pessoas.

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foto: Instituto Patrícia Medrado

TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. A função social da empresa. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 92, p 33-50, abr. 2003. 125


18. O papel da federação das indústrias na articulação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio à luz da teoria da democracia participativa Autor: João Frederico Rocha Lourdes e Souza Coautora: Maria Aparecida Zago Udenal

RESUMO Este artigo pretende retomar postulados de participação democrática a partir de Carole Pateman, para lançar luz à atuação do Movimento Nós Podemos Paraná (MNPP). Trata se de um movimento animado pela Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep) desde 2006. Serão analisados pontos como a articulação metodológica das ferramentas educativas que fornece o MNPP, partindo dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) como plataforma mundial estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU), buscando analisar em que medida o peso institucional do Sistema Fiep reflete sobre os processos de participação democrática. De forma complementar, o artigo procura dimensionar como o desempenho do MNPP contribui para um ambiente efetivamente participativo, no sentido de criar espaços para o treinamento político de participação. O eixo temático proposto foi: a responsabilidade do setor privado diante da sustentabilidade social, econômica e ambiental. Palavras-chave: participação democrática; sustentabilidade; ODM.

1 INTRODUÇÃO Das transformações ocorridas nos últimos 20 anos, que têm levado os industriais, num certo sentido, a amadurecer ações estratégicas em prol da responsabilidade social corporativa (SER)68, propõe-se, aqui, a analisar o peso institucional que a Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep) exerce, animando o “Movimento Nós Podemos Paraná” (MNPP), ancorado nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM)69. Para o entendimento da ideia de participação democrática, este artigo resgata apontamentos de Carole Pateman (1992) ao se referir e embasar o conceito de participação para ciência política, sobretudo, de que maneira teóricos classificados por ela como clássicos contribuíram com materiais básicos. Posteriormente, a autora aborda o surgimento da democracia em sociedades modernas industrializadas – concomitantemente com a discussão presente nos autores de teorias recentes. Isso significa observar-se a razão pela qual o sistema Fiep, por meio do Serviço Social da Indústria do Paraná (Sesi – PR), dá base de sustentação aos ODM, encorajando Núcleos voluntários multissetoriais propensos a atuarem em processos de mobilização, participação e desenvolvimento local no Paraná. Este artigo tem como objetivo examinar o desempenho do MNPP quanto ao efeito educativo da sua participação, para compreender o papel do Sistema Fiep como catalisador de oportunidades de negócios no campo social.

O desenvolvimento do texto conta com a sessão apresentando o aparato da teoria elitista e as contribuições de Pateman, seguindo para a conjuntura institucional do Sistema Fiep no trânsito e na articulação multilateral. A conclusão apresenta um apanhado geral do que foi apresentado, destaca um viés crítico acerca do entendimento sobre a participação democrática diante das evidências articuladas para uma proposta de participação mais abrangente. Isso, numa tentativa de anotar como uma experiência empírica permite perceber as relações sociais que transcendam uma concepção exclusivamente negativa, como elaboram os críticos neoliberais. 1.1 PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA: BREVE ANÁLISE DA TEORIA ELITISTA Para contextualizar e orientar o artigo desenvolvido se faz necessária uma breve explanação sobre as correntes que fundamentam os preceitos de democracia. Não se trata apenas de revisar uma linha teórica clássica e contemporânea, mas buscar ampliar postulados básicos para uma melhor análise dos paradigmas que permitam a ideia de participação ampliada, a partir dos escritos de Carole Pateman. Procurou-se entender os processos de “alargamento da democracia” que, em síntese, fornece dimensões encontradas no projeto neoliberal70 – no encolhimento do Estado, em detrimento da atuação de outros setores – conectando num deslocamento demasiado

68. O contexto de RSE foi extraído dos escritos depois dos anos 90; ver Machado (2011). 69. Na cúpula do Milênio (2000) na Organização das Nações Unidas (ONU), 191 países assumiram compromisso de alcançar os 8 Objetivos do Milênio (ODM), os quais estabeleceram uma agenda de desenvolvimento para o mundo, por meio de metas a serem cumpridas até 2015. 70. Dagnino (1994) revela uma lógica considerável ao tratar do entendimento sobre a “confluência perversa”, examinando o cenário de disputa política em torno da expansão da cidadania, trânsito da sociedade civil e do aprofundamento da democracia. 126


da noção de participação e democracia. Os recortes dos clássicos por Carole Pateman (1992) para determinar a trajetória histórica – utilizados neste artigo como complemento preliminar na análise que sugere uma participação ampliada – será a base norteadora para a consideração do desempenho que será tratado no caso MNPP. Segundo referências da teoria clássica, destaca-se a importante contribuição de Joseph Schumpeter para as teorias posteriores, considerando que “A participação não tem um papel especial ou central”; ou, ainda: “A teoria concentra-se no número reduzido de lideres” (SCHUMPETER apud PATEMAN, 1992, p. 14). Schumpeter sugere o que conhecemos como governo das elites, voltado ao político profissional e, mais especificamente, ao marketing político71. Embora Schumpeter tivesse dedicado atenção às condições – maneiras e regulamentações da arena política – pelas quais se chega a decisões e, assim, às condicionantes necessárias para o método democrático, sendo “aquele arranjo institucional para se chegar a decisões políticas, no qual os indivíduos adquirem o poder de decidir [...]” (SCHUMPETER, 1943, p. 269). Nessa direção, a identificação dos meios pelos quais se entende a arena pública (política), não apenas em dimensões representativas, traduz os desejos das equipes diretivas, sobretudo dos profissionais na política72. Ao observar estudos de Robert Dahl (1992), que se assemelha ao argumento schumpeteriano, fundamentando que democracia é um método político, justificado pela noção de sistemas de controle social; ou seja, não se trata apenas de um caráter democrático aplicado à estabilidade do sistema democrático e nos remete à visão pessimista de Schumpeter sobre o processo participativo. Dahl argumenta que os não líderes exercem controle sobre os líderes, para não incorrer na perda do controle das regras justificadas pela realidade; ou “na medida em que o aumento da atividade política traz esse grupo à arena política, o consenso a respeito das normas pode declinar” (DAHL apud PATEMAN, 1992, p. 20). Pateman apresenta argumentos otimistas sobre esse processo. Contudo, Dahl não define o grau de treinamento social ou pré-disposições dos indivíduos para participação “o que se exigem são personalidades que possam adaptar se aos diferentes tipos de papéis nos diferentes sistemas de controle (DAHL apud PATEMAN, 1992, p. 20). Na verdade, Dahl não fornece dados que permitam associar o treinamento político para o sentido de eficácia na atuação dos indivíduos, e será nessa via, basicamente, que se atuará aqui, ao revelar o peso de estruturas autoritárias na base

do processo educativo em política, embora a pesquisa não entre na seara da teoria das elites, mas no comportamento diretivo da gestão estratégica (Fiep), na função de base de sustentação ao treinamento em política que catalisa o processo “participacionista”. Nesse sentido, elites fornecem diretrizes para a criação de balizas ou estruturas de participação, e para este estudo compreender o importante papel da construção teórica em relação ao fato empírico que será apresentado nos próximos capítulos. Segundo Pateman, Sartori sustenta que a inatividade ou apatia “não pode ser provocada pelo analfabetismo, pela pobreza ou pela insuficiência de informação, assim como devemos classificá-la”; ou, ainda, segundo a sugestão de Sartori ao questionar os argumentos sobre apatia política do cidadão: “uma vez que as pessoas só aprendem e se interessam de fato por assuntos dos quais têm experiência pessoal” (PATEMAN, 1992, p. 21). Esses aspectos serão retomados, com o esforço de considerar os efeitos da metodologia apresentada pelo MNPP como Tecnologia Social (TS)73, e as entradas que esta permite ao indivíduo, por meio do processo educativo, sem necessariamente recorrer a todos os postulados “clássicos”. Os escritos de Pateman nos remetem a processos e, se a pretensão é ampliar o debate sobre democracia participativa, do ponto de vista eleitoral, deve-se partir da premissa de que o Brasil já é uma democracia estabelecida e equivalente a ideia de participação em larga escala. 1.2 PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA: O MITO CLÁSSICO E OS NOVOS POSTULADOS Embora as teorias democráticas tenham tamanha necessidade de revisão, a compreensão de sua natureza é – segundo a classificação de Pateman – considerar “clássicos” da democracia participativa, como Rousseau e Jonh Stuart Mill, primeiros exemplos de teoria da democracia. Os esforços de associar a teoria clássica aos tempos atuais são ligeiramente apontados por Pateman, destacando que Schumpeter tem grande importância como marco teórico, e é preciso avançar e aprofundar sobre o que trouxe Rousseau. Sobre isso, o entendimento que Rousseau e J. Mill revelam sobre a emergência do processo participatório – considerando o que foi dito sobre a realidade brasileira –, observa-se Pateman quando aponta que “a participação revela funções bem mais abrangentes e é fundamental para o estabelecimento do Estado Democrático” (PATEMAN, 1992, p. 33). Segundo Pateman, a teoria política de Rousseau tinha funções fundamentais para o fornecimento e a manutenção do Estado democrático, e que a participação é mais

71. Sobre a lógica do método democrático e suas implicações, ver Schumpeter (1961). 72. Ver Schumpeter (1961). 73. Para efeito deste artigo, entende-se TS como “[...] produtos, técnicas ou metodologias reaplicáveis, desenvolvidos na interação com a comunidade, e que representam efetivas soluções de transformação social” (FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL, 2011); ou seja, isso não se trata de algo acabado, experimentado por alguns e adotado indiscriminadamente por outros, tal como concebido por seus mentores. 127


abrangente que um simulacro dos arranjos institucionais: Ela [participação] também provoca um efeito psicológico sobre os que participam, assegurando uma inter-relação contínua entre o funcionamento das instituições e as qualidades e atitudes psicológicas dos indivíduos que interagem dentro delas (PATEMAN, 1992, p. 35). De maneira geral, tal como Rousseau, Pateman trata a variável educativa como função central de um sistema participativo, invertendo a perspectiva essencialmente preocupada com decisões institucionais: Uma vez estabelecido o sistema participativo (e este é um ponto da maior importância), ele se torna autossustentável, porque as qualidades exigidas de cada cidadão para que o sistema seja bem-sucedido são aquelas que o próprio processo de participação desenvolve e estimula; quanto mais o cidadão participa, mais ele se torna capacitado para fazê-lo (PATEMAN, 1992, p. 39). Para essa aptidão de qualidades desenvolvidas pelos indivíduos é que este artigo voltará a tratar: a participação como variável preponderante do protagonismo local. Antes de se falar de ferramentas de mobilização e participação local, Evelina Dagnino sugere a substancial importância sobre as consequências advindas da implantação do projeto neoliberal. Diante de inflexões discutidas pela autora, destacamse o marco histórico, cenário em face da luta pelo aprofundamento da democracia na sociedade brasileira, e da conjuntura e reorganização política desde a Constituição de 1988. Diante do exposto, Dagnino não fornece subsídios resultantes das investidas no campo social, sendo que o aparto institucional do setor privado poderia inclinar a base de fomento para o empoderamento local e seus efeitos educativos pela participação e enfrentamento social, na ausência do Estado. Com base nesses apontamentos, Dagnino ao, tratar o contexto de participação, sociedade civil e cidadania, sinaliza numa linha tênue sobre a apropriação dos termos cidadania e solidariedade e os sentidos que atravessam a dinâmica do avanço democrático no Brasil. 2 O SESI – PR EM FACE DA MOBILIZAÇÃO BASEADA NOS ODM Com o papel fundamental de olhar o peso institucional do Sesi – PR ante a capacidade do Sistema Fiep em inspirar a criação de espaços para o treinamento político, volta-se ao quadro social, econômico e político brasileiro da década de 1990.

Para entender a lógica que trata de novos paradigmas em sociedades democráticas, relembrando, de acordo com Cole74 (apud PATEMAM, 1992): “[...] a função educativa é crucial”; e Cole também enfatiza que os indivíduos e suas instituições não podem ser considerados isoladamente. Tanto nos escritos em Cole quanto nos de Mill, a necessidade de ferramentas de participação capazes de oportunizar “aprender democracia” em âmbito local está presente e reposicionam pressupostos básicos. Dessa perspectiva, o olhar para o Sesi – PR como ator indutor de avanços sociais para negócios estratégicos apresenta o protagonismo local voltado ao processo participacionista, da atuação metodologia do MNPP, na medida em que afeta o exercício dos direitos sociais dos indivíduos. Esse perfil estratégico de negócios para o social significa também uma releitura das formas de pressão sobre as ações do governo; e serão tratados os elementos que constituem variáveis relevantes, utilizando-se o efeito de mobilização do MNPP. 2.1 CONJUNTURA METODOLÓGICA

INSTITUCIONAL

E

MOBILIZAÇÃO

Os ODM podem ser encarados como um centro de esforços na base da política de desenvolvimento internacional, nacional e local. Este é um fator que desperta o interesse de instituições no alinhamento à plataforma mundial estimulada pela ONU. A atuação da Fiep revela ser propensa em tornar os ODM uma linha estratégica quando, em alguma medida, dedica estímulo ao MNPP como um empreendimento que propõe a pauta dos ODM em âmbito estadual. Para além de refletir sobre uma proposta de direitos humanos e justiça global, o endosso dos critérios, a importância e o cumprimento com os ODM refletem a proposta de desenvolvimento econômico e os desdobramentos de apoio e parceria para países com interesse em viabilizar negócios e reconhecimento do mercado internacional . Afinada à proposta estratégica de parceria e atuação multilateral, a Fiep se voltou a encorajar pessoas e instituições em torno do Movimento Nacional Pela cidadania e Solidariedade, a partir de 2004, com a campanha “Nós Podemos – 8 Jeitos de Mudar o Mundo” e os oito ícones naturalmente utilizados para a promoção dos ODM pelo mundo. Na trilha apontada pela ONU, a Fiep transita para distribuir e implementar ações institucionais, sobretudo no Paraná, consoantes ao processo que Dagnino chama de “ressignificação para as representações vigentes de política e de democracia” (DAGNINO, 2004, p. 95).

74. Ver em Cole (1918, p. 3) postulados básicos de uma teoria de democracia participativa no contexto de uma sociedade moderna, de grande escala e industrializada. 75. Escritos do PNUD, programa da ONU, apontam maneiras diferenciadas em negócios com o setor privado. Ver Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (2008). Ver também programa BcTA da ONU. 128


Nesse ponto, as políticas públicas do governo federal, especificamente na gestão Lula, a partir dos investimentos sociais propriamente conectados às recomendações da ONU, o governo buscou visibilidade como país signatário na plataforma mundial conhecida como Pacto Global. Para Dagnino, alguns dos resultados das iniciativas de espaços públicos de ação direta do governo “foram implementados em cerca de cem cidades brasileiras, a maioria governada por partidos de esquerda, principalmente o Partido dos Trabalhadores” (DAGNINO, 2004, p. 96). Cabe lembrar o alerta de Dagnino sobre o avanço do projeto neoliberal: É na formulação de políticas sociais com respeito à pobreza e à desigualdade, em cuja definição se concentrou grande parte das lutas organizadas pela demanda de direitos iguais e pela extensão da cidadania e para onde se dirigiu a participação da sociedade no esforço de assegurar direitos universais a todos os cidadãos, portanto, no terreno privilegiado do projeto democratizante [...] (DAGNINO, 2004, p. 107). A justificativa da Fiep ao assumir entrada no programa ODM é de que o empresariado deve olhar para oportunidades que derivem de avaliações do entendimento da estrutura de autoridade como uma variável importante. Das características legais e de comando que instituem o norte de ação do sistema Fiep, incluem-se: a adesão estratégica de ações para apresentar; em que medida a instituição busca aliviar os problemas sociais incentivando os setores ao diálogo apreciativo; ou ainda, naquilo que Raphael Machado chama de “agilidade da iniciativa privada”: A atuação do empresariado para o social já era um tema corrente da década de 1990, em que vários grupos empresariais possuíam projetos de atuação social, [fossem] diretamente [fossem] por meio de associações, ONGs, entre outros. Sem sombra de dúvidas o contexto econômico-político nacional influenciou pesadamente esse tipo de atuação social, pois o modelo neoliberal teve forte impacto sobre uma série de direitos sociais dos brasileiros favorecendo a entrada da iniciativa privada no fortalecimento de serviços sociais para os setores populares (MACHADO, 2011, p. 23). Transcendendo a abordagem estritamente filantrópica, a emergência e a visibilidade de ações empresariais no campo social permitem o que Machado chama de “caráter orgânico e articulador” sobre as tendências de combate às “mazelas sociais”. Sendo o panorama institucional brevemente apresentado e apoiado na plataforma dos ODM como ascensão e oportunidade de trânsito internacional em face da proposta de gestão da Fiep, serão tratados, a seguir, os aspectos de mobilização que acendem o MNPP em ações participacionistas, e quais subsídios que o processo metodológico de mobilização significa para o desenvolvimento local.

Diante dos argumentos destacados sobre a importância internacional da plataforma ODM, cabe notar esforços direcionados ao plano local sobre a visibilidade de comando da Fiep quando oferece investimento ao MNPP – em concomitância ao pacto internacional – na proposta de desenvolvimento sustentável76e sua variável explicativa. Considerando o Sistema Fiep parte integrante dos mecanismos de desenvolvimento mantidos pela iniciativa Industrial, o Projeto do Milênio alerta que: “[...] as políticas econômicas coerentes envolvem um equilíbrio racional das responsabilidades entre o setor privado e o setor público para assegurar o progresso sustentado e generalizado” (PROJETO DO MILÊNIO, 2005, p. 21). Nessa direção, Machado sugere que o engajamento político do setor privado pode revelar seu peso na formulação de uma nova configuração de ações empresariais no social: O empresariado passava a assumir um papel de destaque na condução da política nacional, mas esse empresariado estava representado num novo patamar, não mais no mero nível individual, mas em termos de organização, um grupo político, detentor de uma ideologia de condução dos setores subalternos (MACHADO, 2011, p. 5). Pontuando a questão da educação na visão de comando da Fiep, mas podendo ser entendida em outros programas e eixos estratégicos da instituição, volta-se, aqui, à consecução dos ODM no plano estratégico no Estado do Paraná: Percebendo a necessidade e importância de desenvolver e estimular as ações em prol dos ODM, o Sistema Fiep em parceria com o Sesi vem fomentando e articulando o Movimento Nós Podemos Paraná, desde 2006, com o objetivo de promover a sustentabilidade econômica, social e ambiental do planeta, tomando as diretrizes de desenvolvimento definidas no Fórum Futuro 10 Paraná e os Objetivos do Milênio como ponto de partida para nortear as ações, com o desafio de atingir as metas dos ODM (MOVIMENTO, 2007, p. 8). Para pensar em uma ação participacionista nos municípios do Paraná, o MNPP apresentou metodologia própria, tendo como base: o diálogo, a articulação em rede e a ação cooperativa voluntária, orientada ao alcance dos ODM. Sobre a atuação do Movimento: É através da metodologia dos Círculos de Diálogo, que são eventos articulados localmente, o Nós Podemos Paraná promove a participação dos três setores da sociedade (público, privado e sociedade civil) para a definição de áreas prioritárias, metas de alcance, ações e projetos a serem implementados no plano local. Os Círculos criam um ambiente favorável ao diálogo, possibilitando o estabelecimento de projetos e ações para o desenvolvimento da localidade (MOVIMENTO, 2005, p. 2). A base da metodologia esta assentada, fundamentalmente, em quatro etapas: os chamados 4 “D”, em inglês, Discovery, Dream, Design e Destiny: a descoberta das potencialidades

76. Trata-se de um conceito que age no equilíbrio dos pilares de meio ambiente, social e econômico, segundo a política Nacional de Educação Ambiental (Lei 6.938/81). 129


da comunidade; a construção do seu sonho, a estruturação de um ideal de futuro; a definição de prioridades e o plano de ação. Inspirado nessa metodologia que é o MNPP opera sua estrutura de mobilização para efetiva participação dos indivíduos; ou seja, das ideias do protagonismo local. Antes de conduzir os “círculos”, são feitos contatos locais enfatizando-se a necessidade de uma divulgação abrangente e sem restrições de classe ou mesmo de custo para participação. Partindo de uma divulgação e mobilização intensa por meio de articuladores do MNPP e parceiros locais77, com vistas a alcançar diversos setores, uma vez que a proposta do “evento” só é possível com base local interessada. O peso político do Sistema Fiep fornece argumentos favoráveis à hipótese de instituições políticas democráticas para a ampliação de espaços participativos, e que a participação fornece qualidades (educativas) aos indivíduos, como uma ação interativa que proporciona a interiorização e a colaboração entre os indivíduos. São os “efeitos educativos” de aprender por meio do próprio processo de participação nas tomadas de decisão, ou seja, “quanto mais o cidadão participa mais ele se torna capacitado para fazêlo” (PATEMAN, 1992, p. 61). 3.1 DIMENSÃO ESTRATÉGICA DA PARTICIPAÇÃO LOCAL Segundo o MNPP, o êxito dos Movimentos/Núcleos ODM locais está diretamente ligado à sua autonomia, criatividade e respeito aos limites e potencialidades locais, assim como à sua capacidade de realizar ações contínuas de articulação e promoção do desenvolvimento local – ligado aos seus interesses; esse êxito depende, ainda, do nível de envolvimento dos atores locais (MOVIMENTO NÓS PODEMOS PARANÁ, 2009, p. 18). Os atores locais são estimulados a participar ativamente e, nesse sentido, aparece a função educativa na participação (tratamento, análise da realidade local) e, por fim, quais ações os indivíduos indicam e podem implementar a partir de uma organização local chamada “Movimento Local”. Almond e Verba afirmam: [...] se na maioria das situações sociais o indivíduo se acha subserviente a alguma figura de autoridade, é possível que ele espere uma relação de autoridade como essa na esfera política. Por outro lado, se fora da esfera política ele dispõe de oportunidades de participar de um amplo leque de decisões sociais, provavelmente esperará ser capaz de participar do mesmo modo das decisões políticas. Além disso, a participação na tomada de decisões não políticas pode dar-lhe a destreza necessária para se engajar na participação política (ALMOND; VERBA apud PATEMAN, 1992, p. 68).

Para a implementação da metodologia, cabe destacar que os movimentos são constituídos por indivíduos que observam a necessidade de encampar ações coletivas, apartidárias em prol do desenvolvimento local (MOVIMENTO, 2005, p. 11). Nesse sentido, as características do empoderamento local para a participação demonstram resultados promissores sobre o efeito educativo no desenvolvimento local. A evolução local do “Movimento” se deve ao engajamento e à ênfase da figura institucional do MNPP para fazer chegar atividades de capacitação oferecidas Pelo Sistema S78 e demais instituições que agregam atuação em prol do desenvolvimento local e de capacidades. Nossa preocupação, ao apresentar o papel da metodologia e lançar luz a modelos atualizados de participação local, é constituir argumentos que reforcem as qualidades das atitudes de ação (proatividade), ante as inter-relações dos indivíduos com estruturas de autoridade em um sistema político atualizado. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Levando em conta o descrito neste artigo, conclui-se que os instrumentos da metodologia do MNPP, em todas as suas variáveis de fomento à participação, somam a maneira pela qual Dagnino observa a conjuntura neoliberal, assim como Machado apresenta razões pelas quais o empresariado está disposto a atuar em prol do desenvolvimento sustentável como uma nova forma de encarar participação. Entretanto, não se pode atribuir esse ponto de vista pela maneira em que Pateman observa os rumos da participação democrática. Essa nova forma de observar o comportamento do empresariado foi possível em um contexto sociopolítico transformado. Este contexto está posto em Machado, sobretudo quando observa o tema Responsabilidade Social Empresarial (SER), depois dos anos 90, e o reposicionamento e a caracterização do setor privado em face das mazelas sociais. As novas formulações apontam para a vocação do empresariado na articulação de um projeto capitalista reinventado a partir do viés socioambiental. Com o intuito de fornecer pauta aos dilemas sobre a capacidade dos indivíduos de participarem, a função educativa recorrente desse processo participacionista tem peso substancial em bases institucionais de fomento e articulação no cenário político atual.

Nesse sentido, observa-se como opera o Sistema Fiep, sobretudo na base de articulação em torno de uma plataforma mundial. Sem dúvida, esse reposicionamento de ação estratégica – presente no mapa estratégico da Fiep

77. Mapeados pelo MNPP, constituem a base de consulta, articulação e facilitação da mobilização que, em alguns momentos de atuação, somam uma rede voluntária de mais de 100 mil pessoas. 78. O sistema S é formado por organizações e instituições todas referentes ao setor produtivo, tais como indústrias, comércio, agricultura, transporte e cooperativas que tem como objetivo, melhorar e promover o bem estar de seus funcionários, na saúde e no lazer, por exemplo, como também a disponibilizar uma boa educação profissional. 130


– remete a novos paradigmas do debate sobre participação democrática. A pesquisa contou com dados dos diversos estágios de aplicação metodológica do MNPP, conseguidos na Fiep, além do material bibliográfico. REFERÊNCIAS BRASIL. Decreto 57.375, 2 de dezembro de 1965. Aprova o Regulamento do Serviço Social da Indústria (Sesi). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, 2 jul. dez. 1965. COOPERRIDER, D. L.; Whitney, D. Investigação apreciativa: uma abordagem positiva para a gestão de mudanças. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2006. DAGNINO, Evelina. Os movimentos sociais e a emergência de uma nova noção de cidadania. In: DAGNINO, E. (Org.). Os anos 90: política e sociedade no Brasil. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1994.

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foto: rawpixel.com

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foto: Deniele Hensen

EIXO TEMÁTICO:

IMPACTO DAS AÇÕES DOS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO E OS RESULTADOS ALCANÇADOS

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19. A Construção Social do Planejamento Governamental sob a Perspectiva dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: o plano plurianual de Barcarena 2014-2017 Instituição Pública: Prefeitura Municipal de Barcarena79 Coautoras: Maria Lúcia Batista Conrado Martins80 Michelle Feitosa Magno Furtado81 Patrícia Miranda Menezes82

RESUMO Este artigo versa sobre uma experiência inovadora em planejamento governamental com participação social, fundamentada nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), iniciada durante a elaboração do Plano Plurianual 2014-2017, do município de Barcarena – PA. Apresenta avanços e desafios decorrentes de sua implementação e sinaliza caminhos e possibilidades para a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Palavras-Chave: Experiência inovadora. Planejamento governamental. Participação social. PPA. ODM. Políticas públicas. ODS.

1 INTRODUÇÃO Inovar é preciso. Partindo desta premissa, a Administração Pública de Barcarena iniciou os trabalhos de elaboração de seu Plano Plurianual 2014-2017 (PPA), seguindo os marcos legais, mas, sobretudo, acreditando em novos parâmetros que pudessem compor de forma efetiva o processo de planejamento, de modo a conferir resultados satisfatórios, ancorados em uma plataforma mundial que lhe assegurasse pleno monitoramento. Desta forma, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) foram incorporados ao PPA como indicadores que possibilitam realizar o diagnóstico situacional do município, elaborar e mensurar ações, e avaliar metas. Os objetivos deste artigo perpassam o relato da experiência dos seus autores com os ODM como indicadores de resultado, visam também compartilhar avanços e desafios encontrados a partir da adoção da plataforma ODM, como parte do instrumental de planejamento governamental. 1.1 BARCARENA: CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO O município de Barcarena, no Estado do Pará, foi fundado, oficialmente, no ano de 1944; contava, em 2014, com uma população de 99.859 habitantes e havia uma estimativa de 115.779 habitantes para o ano de 201583. Entre os anos

de 2000 e 2010, a população cresceu em torno de 4,6%. O crescimento foi notório tanto no aspecto populacional quanto na economia estadual, pois o município apresentava relevância na logística paraense. O Projeto Modal da Alça Viária, por exemplo, interligou a Região Metropolitana de Belém (RMB) e a Região Nordeste com a Sul e a Sudeste do estado, o que contribuiu para a redução do tempo gasto no traslado e aproximou o município da capital. Por outro lado, esse projeto elevou o fluxo migratório, a ocupação urbana desordenada e o consequente inchaço populacional. Com área de, aproximadamente, 1.310,30 km², Barcarena pertence à Mesorregião Metropolitana de Belém, à Microrregião de Belém e, na divisão político-administrativa do governo estadual, à Região de Integração do Tocantins. Faz limite ao Norte com a Baía de Marajó e com o município de Ponta de Pedras; ao Sul, com o município de Moju; a Leste, com a Baía do Guajará; e a Oeste, com o município de Abaetetuba. Destaca-se por ter ligações diretas com a RMB no trato de questões administrativas com a capital e a sede do governo do Estado, e por ser uma alternativa turística bem próxima de Belém, com fortes atrativos turísticos, como: praias, igarapés, furos, rios, além de apresentar grande diversidade cultural.

79. Artigo apresentado à chamada pública “Análise da Implementação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio no Brasil”, como requisito de avaliação para seleção à publicação na Série de 5 Cadernos Especiais. Linha de Pesquisa “Resultados: avanços e desafios encontrados para adotar a plataforma dos Objetivos do Milênio como parâmetro de planejamento e implementação das políticas públicas e projetos sociais”. Prefeitura Municipal de Barcarena. Endereço: Av. Cronje da Silveira, 428, Centro; CEP 68445-000; Barcarena – PA. gabineteprefeito.pmb@gmail.com. Telefone: (91) 3753-1515. barcarena.pa.gov.br 80. Servidora comissionada da Prefeitura Municipal de Barcarena; responsável pela Secretaria Municipal de Planejamento e Articulação Institucional (Sempla); Licenciada Plena em Pedagogia (UFMG); Especialista em Gestão Empresarial (FGV) e Metodologia do Ensino Superior (PUC-MG); Psicoterapeuta (Ramam Thiers – RJ); Mestre em Educação e Políticas Públicas (Cooperação Estrangeira – Universidade Internacional). mlbcmartins@gmail.com 81. Servidora efetiva da Prefeitura Municipal de Barcarena; Técnica em Planejamento; Licenciada Plena em Pedagogia (Unama – PA); Especialista em Gestão de Cidades (Faap – SP); Mestre em Educação e Políticas Públicas (UFPA). micmagno@gmail.com 82. Servidora efetiva da Prefeitura Municipal de Barcarena, Técnica em Planejamento, Psicóloga (Unama – PA); Especialista em Administração Pública e Gestão Urbana (PUC – MG); Especialista em História, Sociedade e Cidadania (UniCEUB – DF). patty.mmenezes@gmail.com 83. Dados do CENSO 2010 (IBGE, 2010). 133


Sua história sempre foi ligada aos ciclos econômicos, tendo grande destaque com o ciclo da mineração, na década de 1970, por ocasião dos Grandes Projetos desenvolvidos na Amazônia, durante o Regime Militar. Todavia, também apresenta destaques sob a perspectiva política, tendo sediado a mais notória Revolução Popular do Império, a Cabanagem. A privilegiada localização geográfica e o perfil portuário do município lhe conferem destaque regional, nacional e internacional na logística do escoamento de produtos das Regiões Sul e Sudeste do país, o que é corroborado pelos Projetos já instalados no município, como: o terminal portuário da Bunge, a transformação e a exportação de alumínio pela Norsk Hydro, entre outros; e por grandes obras estruturantes para o país, anunciadas pelo governo federal, como a ferrovia Norte-Sul (trecho AçailândiaBarcarena-Porte de Vila do Conde) e o derrocamento do Pedral do Lourenço concluindo a Hidrovia AraguaiaTocantins. Nesse sentido, os investimentos públicos e privados deveriam internalizar a riqueza local, e as práticas do governo não poderiam perder a referência da criação de mecanismos para atender às demandas sociais que cresciam com o anúncio de grandes obras, e nem deixar de assegurar o cumprimento de condicionalidades atinentes a eles. 2 PPA 2014-2017 E OS ODM: A PLATAFORMA E O PLANEJAMENTO O PPA partiu da premissa da necessidade de se construir um município que corroborasse a Justiça Social e o Desenvolvimento. Para tanto, adotou como visão de futuro o reconhecimento de Barcarena como uma cidade sustentável. Esta sustentabilidade estará assentada num tripé que envolve: a proteção das riquezas naturais, compreendendo os recursos naturais e aspectos culturais da relação homem-natureza; uma plataforma de direitos sociais acessível a todos os cidadãos e desenvolvimento econômico em bases locais (BARCARENA, 2013, p. 14) O PPA previu, então, a criação de um Sistema de Planejamento, que envolvia ações em curto, médio e longo prazo; a revisão e a adequação de planos de desenvolvimento, como o Plano Diretor Urbano; e o alinhamento a Planos Nacionais, como o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Programa Territórios da Cidadania (PTC), numa compreensão de planejamento que firmaria a atuação do governo ao contexto socioeconômico do estado e do país. Para a consecução desse objetivo, a Administração Pública de Barcarena decidiu alinhar seu principal instrumento de planejamento estratégico e transformação social com uma Plataforma Mundial que conferisse indicadores precisos e confiáveis para a execução, o monitoramento e a avaliação de resultados.

No sentido de medir os resultados a serem alcançados pela PMB, será adotado um conjunto de 8 (oito) indicadores, expressos nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Os ODM foram estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2000, com o apoio de 191 nações, são eles: acabar com a fome e a miséria; educação básica de qualidade para todos; igualdade entre sexos e valorização da mulher; reduzir a mortalidade infantil; melhorar a saúde das gestantes; combater a Aids, a malária e outras doenças; qualidade de vida e respeito ao meio ambiente e todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento. O Sistema de Planejamento será responsável por avaliar cada um deles e corrigir os rumos de programas e ações desenvolvidas, por meio da criação do núcleo de monitoramento do ODM (BARCARENA, 2013, p.17). Seguindo as orientações legais, percorrendo o caminho das audiências públicas, de escuta aos anseios da população, foi que a Administração Pública de Barcarena chegou à construção do PPA, que, embora tivesse seu limite temporal estabelecido pela legislação que o fundamentou (2014-2017), sinalizava diretrizes para um processo de desenvolvimento sustentável que ampliava seus horizontes e excedia marcos temporais imediatos. Projetava o olhar para um futuro assentado em parâmetros de avaliação comum a toda a comunidade internacional, os quais preceituavam que é possível e necessário “crescer, incluir, conservar e proteger”84. 2.1 GESTÃO PARTICIPATIVA: CAMINHOS E DESAFIOS O objetivo maior de toda Administração Pública deve ser “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (BRASIL, 1988, Art. 3º, parágrafo IV). Almejando alcançar esse objetivo, a Administração Pública de Barcarena incorporou às políticas públicas constantes do PPA valores que norteavam as ações de governo, sendo estes: desenvolvimento local sustentável; combate à exclusão social; fortalecimento da economia local; transparência no uso dos recursos públicos; e democracia. O Art. 1° da Constituição Federal (BRASIL, 1988) preceitua que o país se constitui em um Estado Democrático de Direito. Este postulado reúne os princípios do Estado Democrático85 e os do de Direito86, não como uma simples adição de elementos, mas como um novo conceito que agrega um componente revolucionário de transformação do status quo, tendo como missão fundamental superar as desigualdades sociais instaurando, a partir do plano legal, um regime democrático que materialize a justiça social, tendo como pauta a definição de políticas públicas. Trata-se de “[...] um tipo de Estado que tende a realizar a síntese do processo contraditório do mundo contemporâneo, superando o Estado capitalista para configurar um Estado promotor de justiça social” (SILVA, 2005, p. 120), em que “a expressão ‘democrático’ demonstra

84. Lema da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, também conhecida como Rio+20, por ter marcado os 20 anos da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92). 85. Fundamentado no princípio da soberania popular, sendo a participação social inerente a ele. 86. Estado tipicamente liberal, que tem como características básicas: a divisão de poderes, o enunciado de garantia dos direitos individuais e a submissão ao império da lei. 134


que não é apenas um Estado com regras jurídicas, mas de real participação popular” (MARTINS, 2007, p. 9). Depreende-se que a participação popular na elaboração de normas jurídicas e políticas públicas é fator sine qua non para a legitimação do processo democrático. Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 incorporou a dimensão participativa à concepção de democracia. É sob o pano de fundo da democracia que um conjunto de direitos sociais, civis e políticos é assegurado aos indivíduos de um Estado-Nação. O reconhecimento e a garantia desses direitos são a segurança do indivíduo, por um lado, das condições necessárias e indispensáveis à sua manutenção e reprodução e, por outro lado, de sua participação na comunidade política do Estado nacional. Noutras palavras, pensada no interior de um processo democrático, a questão da cidadania passa pela articulação entre igualdade social e liberdade política, de tal maneira que a existência de uma é condição e garantia da outra (COSTA, 1998, p. 7). Considerando os aspectos expostos, a Administração Pública de Barcarena iniciou, em 2013, um processo de ampliação das instâncias e canais de participação social no processo de elaboração, monitoramento e avaliação de políticas públicas, por meio da formulação do PPA. A Administração Pública de Barcarena inovou o planejamento governamental do município ao promover, em parceria com o Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (Naea-UFPA), um Curso de Capacitação em Administração Pública e Planejamento Governamental, tendo como público técnicos da prefeitura, vereadores e representantes dos Conselhos Sociais. Em seguida, foram realizadas Audiências Públicas nas cinco Regiões Administrativas do município (Sede, Distrito Industrial, Região das Estradas, Distrito do Murucupi e Região das Ilhas), com grande representatividade da sociedade local. Também foram realizadas reuniões técnicas do governo com a iniciativa privada e demais atores sociais. Fora do âmbito do processo de elaboração do PPA, a administração também criou, ampliou e fortaleceu instâncias de participação social, como: Conselhos, Conferências, Audiências Públicas e o Núcleo ODM Barcarena. Aderiu ao Fórum de Diálogo Intersetorial de Barcarena87, e está ficando entre os 50 municípios que assinaram o Compromisso Nacional pela Participação Social88, legitimando, assim o Estado Democrático de Direito e assinalando seu compromisso com a participação social:

Participação social refere-se ao conjunto de processos e mecanismos criados pelo poder público para possibilitar o diálogo e a incidência da sociedade civil nas políticas e programas públicos, bem como o compartilhamento de decisões entre o Estado e a sociedade civil. Trata-se de direito dos(as) cidadãos(ãs) e que deve envolver todos os atores sociais, assegurando isonomia de condições para participação, sobretudo para os setores historicamente excluídos desses espaços e buscando contemplar a diversidade de sujeitos sociais que constituem a sociedade brasileira (PONTUAL, 2014, p. 9). Além de ser ampliado, o espaço social também precisou adquirir novas nuances, substituindo a homogeneidade pela heterogeneidade, fomentando o espaço para o reconhecimento das diferenças e de suas demandas. Dessa forma, a Administração Pública de Barcarena incorporou ao seu PPA o conceito de cidadania ressignificado89 ao admitir as demandas dos diversos movimentos sociais e grupos culturais específicos que lutam pela redefinição do ideal de igualdade. 2.2 ODM: PARÂMETROS E INDICADORES DE POLÍTICAS PÚBLICAS Como já sinalizado, o PPA adotou os ODM como indicadores de resultado e previu que o Sistema de Planejamento seria responsável por avaliar cada um deles e corrigir os rumos de programas e ações desenvolvidas pelas Secretarias Municipais, por meio da criação do Núcleo de Monitoramento ODM. Criado pelo Decreto n° 267/2014-GPMB, o Núcleo de Monitoramento ODM, coordenado pela Secretaria Municipal de Planejamento e Articulação Institucional de Barcarena (Sempla), tem por finalidade acompanhar, avaliar e monitorar planos, programas, projetos e ações e seus resultados em prol dos ODM, visando ainda ao alcance das metas estipuladas na Agenda de Compromissos ODM do governo federal. A Administração Pública de Barcarena aderiu à Agenda, em 2013, por considerá-la uma importante ferramenta de planejamento e monitoramento governamental, bem como de participação e controle social, que possibilita acompanhar os avanços sociais do município de forma orientada e precisa. O acompanhamento é feito em um Portal90 que oferece informações sobre políticas públicas, indicadores sociais e boas práticas municipais relacionadas aos ODM. Há duas formas de acesso: o público, disponível a qualquer cidadão;

87. Espaço para debates de ideias inovadoras em busca da construção de um modelo de desenvolvimento sustentável no município, que reúne os setores público, privado e organizações sociais. 88. Lançado pelo Governo Federal, em 2013, tem como objetivo estabelecer as diretrizes para o fortalecimento do diálogo entre Estado e Sociedade Civil e a adoção da participação social como método de governo, com vistas à consolidação da democracia participativa e à criação e ampliação de seus mecanismos no Brasil. 89. A nova cidadania trabalha com uma “redefinição da ideia de direitos, cujo ponto de partida é a concepção de um direito a ter direitos”. Não se limita às conquistas legais ou ao acesso a direitos previamente definidos, como na perspectiva do conceito liberalista; mas “inclui fortemente a invenção/criação de novos direitos que emergem de lutas específicas e de sua prática concreta”. É “uma estratégia dos não cidadãos, dos excluídos, uma cidadania de baixo para cima, cujo foco está na “difusão de uma cultura de direitos” no conjunto das relações sociais. O que está em jogo não é apenas a inclusão no sistema político, mas “o direito de participar efetivamente da própria definição desse sistema, o direito de definir aquilo no qual queremos ser incluídos, a invenção de uma nova sociedade” (DAGNINO, 1994 apud SG-PR, 2014, p. 18). 90. Disponível em: <http://www.agendacompromissosodm.planejamento.gov.br/>. 135


e o governamental, realizado, exclusivamente, com o CPF e a senha do prefeito no Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse (Siconv), o que possibilita inferir que o gestor municipal tem pleno conhecimento e controle sobre as metas lançadas, além de realizar o acompanhamento destas, tornando-o partícipe efetivo do processo de planejamento e monitoramento governamental. O conteúdo da Agenda de Compromissos Governo Federal e Municípios 2013-2016 está estruturado sobre os oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Cada ODM conta com programas federais para auxiliar o seu município na melhoria dos indicadores sociais. Com os oito passos a seguir, você se informa sobre como contribuir de modo prático para a implementação dos ODM no seu município por meio da Agenda, e colabora para o enfrentamento dos desafios colocados pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio com efetividade (MPOG, 2015). A Agenda se organizou a partir dos oito ODM, sendo que, ao clicar sobre um deles, abre-se um conjunto de políticas públicas voltadas ao alcance daquele ODM específico. Em seguida, há um detalhamento global do programa, seguido por uma linha de base que aponta o indicador que serve de referência para o acompanhamento da política, com dados de cobertura do país, do estado e do município. Daí avança para as metas projetadas pelo próprio município, comparando-as com as metas que o município conseguiu realizar a cada ano, a partir da base de dados oficiais do governo federal. Tem-se, então, um eficiente mecanismo de acompanhamento de metas que possibilita um olhar permanente da gestão municipal sobre o PPA, suas projeções e ações efetivamente realizadas em prol dos ODM. Sobretudo, no município de Barcarena, que, além do alinhamento com os indicadores ODM, também é alinhado ao PPA do governo federal. A experiência tem mostrado que a Agenda é uma ferramenta salutar de gestão e planejamento, ao mesmo tempo que se considera a necessidade de melhorias na sua performance, como a criação de campos que possibilitassem o lançamento de metas por outras Secretarias a partir de outras políticas públicas idiossincráticas de cada município, mas que corroboram o alcance dos ODM; bem como uma atualização permanente por parte do governo federal sobre coberturas realizadas pelo município a cada semestre; e o campo informações com fontes e contatos atualizados, facilitando o acesso do município aos órgãos do governo federal que analisam os indicadores sociais. O Núcleo de Monitoramento ODM então tem duas ações distintas: uma é o monitoramento global do PPA, no qual os técnicos de referência da Sempla aferem as metas e apresentam devolutiva aos Secretários Coordenadores de Eixos Estratégicos91 sobre a performance dos projetos, programas e ações governamentais; e os orientam quanto aos ajustes necessários para a consecução dos objetivos, possibilitando um acompanhamento efetivo por parte da

Administração Pública de Barcarena sobre o PPA. A outra ação é referente à Agenda. Nessa ação, os técnicos de referência da Sempla são responsáveis por orientar os técnicos de referência das Secretarias Municipais quanto às políticas públicas integrantes da Agenda e quanto à definição de suas metas, bem como pelo seu lançamento na plataforma. Cada Secretaria Municipal possui um técnico de referência, responsável pela coleta dos dados relacionados às políticas públicas integrantes da Agenda e por acompanhar a alimentação dos sistemas governamentais, contribuindo para a qualidade do monitoramento realizado pela Sempla e a aferição das metas pelo governo federal. O Decreto que regulamentou o Núcleo de Monitoramento ODM, também estabeleceu como prioridade de gestão a vinculação dos ODM aos planos, programas, projetos e ações do Poder Executivo, e, ainda, incorporou os ícones dos ODM à publicidade de toda campanha de ação governamental. Destacam-se como exemplos da vinculação dos ODM aos planos, programas, projetos e ações do Poder Executivo: o Planejamento Pedagógico Municipal; a Semana da Pátria 2014, que teve como tema “Objetivos do Milênio: educação básica de qualidade para todos”; o Sistema de Acompanhamento de Metas (SAM), sistema de monitoramento desenvolvido por técnico da prefeitura, em que é possível monitorar programas, projetos e ações governamentais, vinculando-os ao orçamento municipal e correlacionando-o aos ODM, além de apresentar de forma visual, interativa e georreferenciada projetos de infraestrutura em desenvolvimento no município, bem como equipamentos públicos (Cras, quadras de esporte, por exemplo) facilitando a análise da cobertura territorial da oferta a serviços públicos. A prática de planejamento estratégico governamental é recente no município, por isso o Sistema de Planejamento busca, permanentemente, aprimorar sua expertise, realizando as correções metodológicas necessárias aos processos de elaboração, monitoramento e avaliação das ações governamentais, visando à eficiência, eficácia e, principalmente, efetividade. Outro braço importante do Núcleo de Monitoramento é o Núcleo Municipal ODM, constituído por todos os segmentos sociais e que desenvolve e acompanha ações que contribuem para o alcance dos ODM no município, configurando, assim, mais uma instância de participação e controle social. 2.3 APOIO AOS NÚCLEOS MUNICIPAL E ESTADUAL ODM Por entender e valorizar a importância da municipalização dos ODM, a Administração Municipal de Barcarena concedeu apoio irrestrito à estruturação e ao fortalecimento do Núcleo ODM Estadual PA, disponibilizando estrutura física

91. O Plano Diretor de Governo da Prefeitura Municipal de Barcarena dividiu a estrutura organizacional da Administração Pública em cinco Eixos Estratégicos, a saber: 1. Planejamento, Articulação Institucional e Coordenação de Governo; 2. Desenvolvimento Econômico; 3. Infraestrutura e Desenvolvimento Urbano; 4. Desenvolvimento Social; 5. Administração e Gestão Pública. As Secretarias Municipais de Governo se encontram tematicamente alinhadas a esses Eixos, que possuem um secretário como Coordenador. 136


completa para seu pleno funcionamento (espaço dotado de sala de reuniões, auditório com capacidade para 30 pessoas, sala com computador, impressora, scanner, material de expediente); recursos humanos – duas servidoras municipais com dedicação exclusiva à coordenação e à operacionalização dos Núcleos Estadual PA e Municipal Barcarena; bem como dando apoio material (material gráfico, camisas, adesivos, alimentação, transporte) para todas as atividades realizadas pelos Núcleos supracitados. Esse apoio irrestrito posicionou Barcarena na Coordenação do Núcleo Estadual e na Articulação dos ODM, nos estados AP e TO, além de compor o Colegiado Nacional do Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade, fazendo com que a representatividade institucional da prefeitura ultrapassasse os limites do estado. Devido a esta atuação, o PPA 2014-2017 foi apresentado em diversos eventos, dentro e fora do estado, como: no Programa de Formação de Técnicos Estaduais e Municipais – Módulo 3: monitoramento e avaliação de políticas públicas (promovido pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e pela Escola Nacional de Administração Pública); e no Diálogo Municipalista Região Norte, (promovido pela Confederação Nacional dos Municípios), ambos em 2014. 3 RESULTADOS: A PLATAFORMA E A IMPLEMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E PROJETOS SOCIAIS Conforme já demonstrado, o Sistema de Planejamento tem possibilitado significativos avanços a partir do monitoramento do PPA e da Agenda, por meio do Núcleo de Monitoramento ODM, permitindo vislumbrar resultados concretos, não somente nas políticas públicas federais, como também nas políticas de iniciativa do município. O interessante tem sido conseguir visualizar com clareza a relação entre essas políticas e suas projeções no alcance dos ODM. Entre elas, destacam-se92: ODM 1 – Acabar com a Fome e a Miséria: fomento à criação de frangos caipirão. Este projeto começou a partir da entrega de um kit contendo comedores, bebedouros, telas e plásticos a agricultores de 12 entidades de diferentes localidades do município, para a construção de aviários, seguida da doação de aves e ração. Foram repassadas orientações técnicas e comerciais. Depois de três meses, o resultado do projeto-piloto foi positivo, garantindo uma economia sustentável aos agricultores e a expansão do projeto a outras localidades. ODM 2 – Educação Básica de qualidade para todos: Arraial Literário. Evento promovido, anualmente, pela Secretaria de Educação, que envolve todas as escolas da rede em projetos literários, que culminam numa feira na qual os alunos apresentam suas produções textuais de forma criativa. Tem como objetivo principal aprimorar a leitura e desenvolver outras competências e habilidades. ODM 3 – Promover a Igualdade entre sexos e a autonomia da mulher: Projeto Políticas para Mulheres, uma questão de direitos. Projetos desenvolvidos pela Secretaria de Assistência Social, englobando o atendimento a uma série de direitos sociais, como: a instalação da Delegacia

da Mulher, cobertura pela rede de atendimento, a documentação e serviços, projetos de geração de renda e ações de fortalecimento do protagonismo feminino. Com essa ação, a Administração Pública de Barcarena tem atuado para assegurar acesso a serviços públicos, conhecimento dos canais de denúncia de violência doméstica contra mulher e ampliação dos debates acerca da desigualdade de gênero. ODM 4 – Reduzir a mortalidade infantil e ODM 5 – Melhorar a saúde das gestantes: Unidade Ambulatorial Especializada, que funciona prestando serviços de saúde, essencialmente com recursos próprios e desenvolve um programa que atende, de forma individualizada, a mulher desde o início da gestação, realizando toda a cobertura necessária no pré-natal; realiza atendimento diário com pediatra e orienta quanto ao calendário vacinal. ODM 6 – Combater a Aids, a malária e outras doenças e ODM 7 – Qualidade de Vida e respeito ao meio ambiente: Microestações de abastecimento e tratamento de água na região das ilhas e de 80 castelos d’água, visando superar o problema de falta de acesso à água própria para consumo na região das ilhas, o que ocasionava muitas doenças nas comunidades ribeirinhas. O sistema retira água do rio, faz o tratamento e depois distribui para a casa dos moradores. ODM 8 – Todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento: Parcerias Público-Privadas. Um dos exemplos desse tipo de parceria está na que foi firmada com a Empresa Bunge, por meio da Fundação Bunge, que executa, a partir de uma agenda sinalizada pela Sempla e baseada no PPA, ações nas áreas de entorno do projeto que venham minorar os impactos sociais, tais como: cursos, implantação de espaço de leitura; e campanha de conscientização de caminhoneiros, todos alinhados aos ODM. 4 TR ANSIÇÃO ODM-ODS: SUSTENTABILIDADE

CAMINHOS

PAR A

A

Conforme já foi sinalizado, a Dimensão Estratégica do PPA 2014-2017 apresenta como visão de futuro o reconhecimento do município de Barcarena, até 2025, como uma cidade sustentável, preceituando que essa sustentabilidade estará assentada num tripé que envolve: a proteção das riquezas naturais, compreendendo os recursos naturais e aspectos culturais da relação homemnatureza; uma plataforma de direitos sociais acessível a todos os cidadãos; e o desenvolvimento econômico em bases locais. Nota-se que esse tripé está alinhado aos futuros Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS). Buscando a consecução dessa visão de futuro, a Administração Pública de Barcarena participou das três oficinas realizadas pelo governo federal, em parceria com as entidades municipalistas: Associação Brasileira de Municípios (ABM); Confederação Nacional de Municípios (CNM); e Frente Nacional de Prefeitos (FNP). Assim, Barcarena estava entre os 18 municípios brasileiros que assinaram os documentos produzidos nessas oficinas,

92. Imagens no ANEXO A. 137


encaminhados ao Ministério das Relações Exteriores e à Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, defendendo a criação de um ODS Urbano e apresentando sugestões ao documento que foi base de negociação do Open Working Group93, contribuindo, dessa forma, para a posição brasileira no âmbito das negociações na ONU. Concluído o processo de negociação global, foi possível identificar o ODS Urbano como o ODS 11 – Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis, o que corrobora, plenamente, as premissas do PPA de Barcarena. 5 CONCLUSÃO Nada termina, quando se fala de coisa que anda, disso bem se sabe; e compreende-se que o encerramento dos ODM, ao findar esse ano, culminaria em avanços significativos na vida da população barcarenense, que aprendeu a conhecê-los e a se sentir partícipe do processo em prol de um município melhor, sustentável e, acima de tudo, que se planeja rumo à resiliência. É desejo dessa administração continuar aprimorando seu Sistema de Planejamento, realinhando-o aos ODS, bem como continuar apoiando os Núcleos ODM no período de sua reestruturação organizacional, em razão da transição rumo aos ODS e nos períodos subsequentes; pois se entende que, embasados nessa Plataforma Mundial, haverá condições de continuar avançando em busca de um município com mais desenvolvimento e menos desigualdades sociais.

de desenvolvimento do milênio: governo federal e municípios 2013-2016. Disponível em: <http://www. agendacompromissosodm.planejamento.gov.br/>. Acesso em: 3 set. 2015. COSTA, Maria das Dores. Movimentos sociais e cidadania: uma nova dimensão para a política social no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 1998. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo 2010. Brasília, 2010. Disponível em: <http:// censo2010.ibge.gov.br/>. Acesso em: 5 jul. 2013. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Exercício de cidadania. São Paulo: Lex, 2007. PONTUAL, Pedro. Apresentação. In: Secretaria-Geral da Presidência da República. Web, mobilização e mapeamento de demandas: a experiência Webcidadania Xingu na Amazônia paraense. Brasília: Imprensa Nacional, 2014. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2005.

ANEXO A Políticas Públicas Desenvolvidas pela Prefeitura de Barcarena e os ODM

REFERÊNCIAS BARCARENA (Município). Lei nº 2117/GPMB, de 20 de dezembro de 2012. Institui o Plano Diretor de Governo do Município de Barcarena, instrumento da política de Planejamento, Articulação e Coordenação de Governo, Administração e Gestão Pública, Desenvolvimento Social, Econômico e Urbano e Infraestrutura para o Governo Municipal de Barcarena e dá outras providências. Barcarena, 20 dez. 2012. Criação do Frango Caipirão

BARCARENA (Município). Plano Plurianual 2014-2017: justiça social e desenvolvimento. Barcarena, 2013. BARCARENA (Município). Decreto n° 267/2014, de 7 de abril de 2014. Institui como prioridade a vinculação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) aos planos, programas, projetos e ações do Poder Executivo e dá outras providências. Barcarena, 7. abr. 2014 BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília: Secretaria de Edições e Publicações do Senado Federal, 2014. ______. Secretaria-Geral da Presidência da República. Participação Social no Brasil: entre conquistas e desafios. Brasília: Qualidade Gráfica e Editora, 2014.

Arraial Literário

______. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Agenda de compromissos dos objetivos 93. Composto por representantes dos Estados-Nação membros da ONU, responsável pelas negociações multilaterais para a definição e pactuação dos ODS. 138


Projeto Políticas para Mulheres

Unidade Ambulatorial Especializada

Abastecimento de água nas Ilhas

Programa Amigos do Meio Ambiente

139


20. Igualdade de Gêneros e Valorização da Mulher: o Brasil e os Objetivos do Milênio Autora: Roberta Fernandes Goronsio94 Orientador: Alexandre Jacob95

RESUMO Este artigo versa sobre uma experiência inovadora em planejamento governamental com participação social, fundamentada nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), iniciada durante a elaboração do Plano Plurianual 2014-2017, do município de Barcarena – PA. Apresenta avanços e desafios decorrentes de sua implementação e sinaliza caminhos e possibilidades para a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Palavras-Chave: Experiência inovadora. Planejamento governamental. Participação social. PPA. ODM. Políticas públicas. ODS.

1 INTRODUÇÃO No ano 2000, os líderes máximos dos países se reuniram na Cúpula do Milênio e elencaram oito metas de desenvolvimento para serem alcançadas até o ano de 2015. Na Declaração do Milênio, consenso do qual nasceram os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), essas nações assumiram, em conjunto, o compromisso de promover uma postura global para melhorar as condições de vida de toda a humanidade, nas áreas de desenvolvimento e erradicação da pobreza, paz e segurança, proteção do meio ambiente, e direitos humanos e democracia. A Declaração ressalta que, para alcançar esses objetivos, é necessário promover direitos humanos para todas as pessoas. Em especial, reconhecer a promoção do direito da mulher à igualdade de gênero como ponto criticamente necessário para o progresso, sendo sua inserção no meio político uma das metas que norteiam o objetivo, configurada dentro do objetivo de valorização. Essas metas foram o resultado de complexas negociações, que destilaram as principais conclusões de uma série de reuniões internacionais realizadas durante a década de 90, tais como: as Conferências do Meio Ambiente, no Rio de Janeiro; a Conferência dos Direitos Humanos, em Viena; a Cúpula do Desenvolvimento Social, em Copenhague; a Conferência de População e Desenvolvimento, no Cairo; e a Conferência da Mulher, em Pequim; dentre outras. Faltando menos de um ano para terminar o prazo imposto a essas metas, as análises de organismos internacionais, como as do Banco Mundial, começaram a soar o alarme, alegando que esses objetivos não seriam alcançados, se fossem mantidas as atuais tendências históricas. Caso isso se efetivasse, o fracasso não acometeria apenas os países menos desenvolvidos, mas sim, toda a comunidade internacional, o que colidiria com sua incapacidade de

resolver problemas sociais e econômicos, cujas dimensões inumanas são incompatíveis com a própria noção de civilização. A diretora executiva interina da ONU Mulheres e subsecretária-geral das Nações Unidas, Lakshmi Puri, disse em seu comunicado do dia 29 de maio de 2013: Estes objetivos têm como data estipulada de cumprimento o ano de 2015, e por isso estamos agora em uma verdadeira corrida para alcançá-los. Também nos encontramos em meio a um diálogo mundial sobre como substituí-los. Chegou o momento de que as mulheres saiam das margens e passem a ocupar o centro (PURI, 2013). A última afirmação de Puri é exatamente o ponto em que queremos chegar com este trabalho. É chegada a hora das mulheres saírem de posições marginalizadas e passarem a ocupar o centro. A ocupação percebida pela autora trabalho, que se faz necessária neste momento, para que haja hipossufiência entre os gêneros, é justamente aquela que diz respeito às áreas das políticas públicas, ambientes naturalmente e historicamente homogêneos, por causa da monopolização masculina e, por isso, tão intransponíveis ideologicamente. A construção de canais de debate que implementem organismos de políticas para as mulheres, definindo prioridades e desenhando estratégias para governos democráticos em seus diversos níveis, no âmbito federal, estadual e municipal, são alguns dos pontos abordados durante o estudo para este artigo. Além da busca estatística, os autores, as obras e as autoridades que ajudaram a compor o texto estão

94.Graduanda em Direito. Faculdade Castelo Branco. Colatina – ES. robertafernandesgoronsio@gmail.com 95. Especialista em Direito Civil. Faculdade Castelo Branco. Colatina – ES. alexandre.jacob10@gmail.com 140


diretamente ligados ao tema da valorização da mulher; primeiro, na condição de sujeito humano; e depois, como sujeito político. Dessa forma, a pesquisa buscou referenciais históricos, sociológicos e contemporâneos, para compor o cenário que se constata estar sendo formado, hoje, no Brasil. Enfrentando essas ambiguidades cada vez mais agudas, resultantes de desmanches políticos, pode-se, então, articular políticas de gênero visando à igualdade, repensando sobre o caráter dessas políticas para um Estado que se propõe democrático. 2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 A QUESTÃO HISTÓRICA DAS RELAÇÕES DE GÊNERO, ENFOCANDO A PARTICIPAÇÃO POLÍTICO-SOCIAL DA MULHER Ao partir do conceito de gênero como referencial de análise, procurou-se chamar a atenção para a construção social e histórica do feminino e do masculino, marcada em nossa sociedade por uma forte assimetria. O historiador Peter N. Stearns afirma, em seu livro “História das Relações de Gênero”, que: À medida que as civilizações se desenvolveram, a partir dos contatos e das limitações das trocas, os sistemas de gênero – relações entre homens e mulheres, determinação de papéis e definições dos atributos de cada sexo – foram tomando forma também. Por fim, essa evolução haveria de se entrelaçar com as civilizações. O descolamento da caça e a coleta para a agricultura pôs fim gradualmente a um sistema de considerável igualdade entre homens e mulheres. Na caça e na coleta, ambos os sexos, trabalhando separados contribuíam com bens econômicos importantes. As taxas de natalidade eram relativamente baixas e mantidas assim em parte pelo aleitamento prolongado. Em consequência disso, o trabalho das mulheres de juntar grãos e nozes era facilitado, pois nascimentos muito frequentes e cuidados com crianças pequenas seriam uma sobrecarga. A agricultura estabelecida, nos locais em que se espalhou, mudou isso, beneficiando o domínio masculino. [...] Nas sociedades patriarcais, os homens eram considerados criaturas superiores. Tinham direitos legais que as mulheres não possuíam (embora as leis protegessem as mulheres de alguns abusos, pelo menos no princípio) (STEARNS, 2013, p. 31). No Brasil, em 1916, o Código Civil, denominava o marido o “chefe da sociedade conjugal” encarregado de administrar os bens do casal, fixar o domicílio familiar e prover o sustento dos seus; ou seja, independentemente da sua condição social, todas as mulheres eram submissas A mulher casada, considerada relativamente incapaz para certos atos legais, não podia trabalhar fora de casa sem prévia autorização do marido. Da mesma forma, não podia exercer papel de tutora ou curadora, litigar em juízo cível ou criminal e contrair obrigações, somente em caso de ausência ou impedimento do esposo, ela tinha o direito de exercer o pátrio poder sobre os filhos. O divórcio não era permitido e o casamento só era passível de anulação em casos extremos (BRASIL, 1916). Esses despojos históricos mostram como a cultura procrastinou para evoluir, pois o paralelo entre o período

neolítico, durante a descoberta da agricultura pelo homem, e o Código Civil de 1916, mostram que a civilização manteve a dominação masculina como referencial social mesmo depois da institucionalização de um Estado democrático. A mulher conquistou o direito de votar, no Brasil, em 1932, quando ela passou, a partir de então, a ser considerada cidadã brasileira e por esse motivo, em 1934, foi incorporado à Constituição o voto feminino. O fim dos anos 1970 foi o período em que se consolidou o estudo de gênero no Brasil, concomitantemente ao fortalecimento dos movimentos feministas. Depois de 20 anos de regime ditatorial, os anos 1980 foram marcados pela crise do nacional desenvolvimentismo, herdada dos militares, e por mudanças nas políticas públicas, estabelecidas ao longo das décadas anteriores, como, por exemplo, a democratização e as questões que envolviam os trabalhadores urbanos, duas das mobilizações que, historicamente, constituem a mulher como sujeito político. Posteriormente, a Constituição Federal de 1988 veio assegurar o direito de igualdade, “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações” (BRASIL, 1988). Apesar de importante garantia constitucional, o tratamento entre homens e mulheres continua discrepante, de forma preponderante no que diz respeito ao acesso a partidos políticos e às eleições, em que as mulheres ainda estão em condição inferior. Não é de se estranhar a informação dada, pois além das bases já apontadas até este parágrafo, salientou-se o movimento sufragista brasileiro, conduzido por Bertha Lutz, nos primórdios do século XX (BESSE, 1995). Aquele, análogo ao acesso dito democrático, mas efetivamente desigual entre homens e mulheres na política como um todo – apesar de procurar atinar a consciência pública sobre a necessidade da igualdade de condições entre os sexos, questionando a legislação vigente e buscando a inserção da mulher na política – não desafiava os papéis privados das mulheres, muitas vezes aceitando (ou não se opondo) à domesticidade, o lugar da mulher na família e até mesmo as formas estereotipadas de feminilidade. A tendenciosidade das políticas é tangível, sendo fundamental indagar como são construídas (por quem são feitas?) e a quem beneficiam, caminhando para políticas integradas de gênero. É válido enfatizar, ainda, que política pública pode ser entendida como um curso de ação do Estado, orientado por determinados objetivos, refletindo ou traduzindo um jogo de interesses. Um programa governamental, por sua vez, consiste em uma ação de menor abrangência, em que se desdobra uma política pública. 3 RESULTADOS DA PESQUISA E DISCUSSÃO 3.1 MULHERES NA POLÍTICA Apesar de o Brasil ter mulheres em pontos-chave da administração federal, a começar pela presidenta da República, Dilma Rousseff, dos 81 senadores brasileiros, apenas nove eram mulheres, na época desta pesquisa. Na Câmara, dos 468 deputados, 45 eram do sexo feminino. O panorama mostra um desequilíbrio de representatividade, principalmente quando se leva em conta a presença 141


desses grupos no eleitorado nacional. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as mulheres representam 52,13% do eleitorado, mais de 74 milhões.

não preenchidas resultasse em 20% do total das vagas passíveis de ocupação, a política de cotas estaria sendo observada.

O resultado das eleições de 2016, ocorridas em 5 de outubro, foi desanimador, a representação feminina nas assembleias legislativas diminuiu 14,89%, comparada à representação vigente na bancada. Foram eleitas 120 mulheres, contra 141, nas 26 Assembleias Estaduais e na Câmara Legislativa do Distrito Federal.

No ano de 1997, a Lei 9.504 passou a integrar o ordenamento jurídico brasileiro de forma geral, aplicada a todas as esferas do poder executivo, estabelecendo normas para as eleições; e, em seu décimo artigo, altera o parágrafo terceiro, que modifica, parcialmente, a política de cotas que vigorou no pleito de 1996. O referido dispositivo legal dispõe o seguinte:

O número de eleitas representa apenas 11,33% do universo total de deputados estaduais e distritais; a bancada atual representa 13,31%. Ou seja, tanto na legislatura atual quanto na próxima, a representação popular será, predominantemente, masculina. A procuradora da Mulher no Senado, senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), disse que o problema da sub-representação das mulheres na política tem sua raiz na subordinação imposta às brasileiras ao longo da história, e que continua na sociedade atual (VIEIRA, 2013). Aqui são apresentados, de maneira cronológica, o levante do gênero feminino ao espaço de poder que ocupa hoje e, posteriormente, as opiniões divergentes que existem sobre como este espaço esta sendo aproveitado. 3.2 CRONOLOGIA E POSICIONAMENTOS As mulheres começaram a entrar nas esferas de decisão no Brasil de forma gradual e lenta. A presença das mulheres na legislatura de 1986-1990 se deu pelos “moldes clássicos” do recrutamento feminino (familiares com carreira política, popularidade nos meios de comunicação ou trajetória partidária), ao contrário do que se pensava com a luta feminista de1970 (PINTO, 2003). A ocupação feminina pode não ter logrado expressivos espaços na política institucional, mas sua atuação como grupo de pressão e sua “infiltração no aparelho estatal” (PINTO, 2003) expandiu a bancada feminina Constituinte de 1988. Corolário a essa expansão, pode-se apontar, em 1995, o projeto de lei 783/95, de autoria da Deputada Marta Suplicy e outras parlamentares, que visava à inclusão, no Código Eleitoral, de uma cota de 30% para as mulheres, nas listas de candidaturas dos partidos, sendo uma extensão da experiência petista para os demais partidos brasileiros; já que a primeira experiência com as cotas para as mulheres foi vivenciada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), que destinou, em suas candidaturas, um percentual fixo para o sexo feminino, além de cotas para cargos dentro do partido. Em 1995 a Lei nº 9.100 estabeleceu normas para as eleições municipais de 3 de outubro de 1996. Em seu artigo 116, essa Lei previa que 20% das vagas de cada partido ou coligação deveriam ser preenchidas por mulheres (BRASIL, 1995); ou seja, um quinto do total de suas vagas deveria ser destinado às mulheres. O curioso é o uso da palavra “vaga” ao invés de “candidatura”, que abriu precedente para os partidos utilizarem o argumento de que destinaram as vagas, contudo, as mulheres não apareceram para a elas concorrer, atribuindo à política de cotas nenhuma efetividade. O que se quer demonstrar é que, ainda que o número de mulheres candidatas fosse inexpressivo ou mesmo nulo, se esse número somado ao número de vagas

[...] Art. 10. Cada partido poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, até cento e cinquenta por cento do número de lugares a preencher. [...] §3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo (BRASIL, 1997). A modificação substancial que a Lei 9.504/97 faz ao sistema de cotas para o legislativo é a garantia de um percentual mínimo e máximo de reserva para cada sexo. Isto é, não há que se falar em cotas que privilegiam as mulheres, mas sim de reservas iguais para ambos. Há contrassenso; continuamos à mercê de uma política ineficaz quanto à fiscalização da candidatura a essas vagas, já que, assim como em 1996, caso não sejam preenchidas todas as vagas legalmente instituídas, é possível a argumentação de que as vagas foram disponibilizadas para mulheres, mas não apareceram mulheres para preenchê-las. A partir de 2009, com o advento da Lei 12.034, outra mudança foi imposta: os partidos foram obrigados a destinar 5% do Fundo Partidário à formação política das mulheres, assim como 10% do tempo de propaganda partidária para promover e difundir a participação feminina. A ausência de sanção aos partidos políticos e a não obrigatoriedade do preenchimento da cota prevista em lei, ocasionou, em 2009, um novo debate e, por fim, a alteração da legislação para os seguintes termos: “[...] cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo”. Ainda que não haja punição aos partidos políticos, o preenchimento das vagas os fez repensar sobre sua atuação, buscando filiar mulheres para concorrerem a um cargo eletivo. No entanto, em que pese o aumento do número de mulheres que concorrem a eleições, a proporcionalidade das eleitas está longe do desejado. Independentemente de a lei de cotas promover avanços no sistema eleitoral, ainda, sim, é preciso buscar outras formas para que as mulheres participem da política. Segundo Kunzler: Há necessidade de se repensar o sistema político partidário brasileiro, para que sejam eliminada e combatida todas as formas de discriminação, desigualdade e abuso, lutando pela construção de uma sociedade democrática ética e acolhedora da representação de diversos segmentos sociais (KUNZLER, 2008, p. 6). 142


O exemplo que essas mulheres podem passar para as donas de casa, empresárias, professoras, advogadas, engenheiras, domésticas, enfermeiras e outras profissionais espalhadas pelo território nacional é o de que a mulher pode e é capaz de governar para si, de legislar para si, de estar participando, ativamente, da proposta política para um país melhor e com mais igualdade. Segundo Martins (2007): “[...] os resultados que, na verdade, se observam são práticos, ou seja, as cotas ultrapassam as barreiras contra as mulheres ao proporcionarem condições que facilitem seu ingresso aos cargos públicos”. Os avanços são gradativos. Nas eleições de 2010, duas mulheres somaram, juntas, 67% dos votos, concorrendo com nove candidatos no primeiro turno. E com mais de 54% dos votos, a primeira presidenta da República, Dilma Rousseff, foi eleita. A eleição de 2014 teve um número recorde de candidatas nas urnas, resultado do maior rigor no cumprimento à cota de 30% para o gênero, estabelecido por lei. Quase oito mil mulheres registraram candidatura no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O número é 38% maior que o registrado em 2010. Todavia, a Lei de Cotas não é absoluta, muito longe disto, precisa estar amparada por outros institutos que assistam seu compromisso em propor essa facilidade de acesso e ingresso da mulher ao cargo político. Segundo Nóbrega (2013), citado por Santina Marafon e Olga Maria Boschi Aguiar de Oliveira, um dos grandes problemas que as mulheres enfrentam nas campanhas eleitorais são os recursos financeiros, restando-lhes como alternativa o financiamento público de campanha, de forma a desvincular poder público e econômico, combatendo a privatização da política e as corrupções nos processos eleitorais. Deve-se ressaltar, contudo, a preferência de recursos para partidos que favoreçam a participação de segmentos socialmente excluídos, como mulheres. Outra vertente valiosa é a que a professora e socióloga Mary Ferreira (2010) aponta em seu livro “Os Bastidores da Tribuna: Mulher, Política e Poder no Maranhão”, no qual ela apresenta uma rica pesquisa de campo sobre as Deputadas do Maranhão e de Portugal, dois ambientes de sua vivência. Tendo como inspiração Foucault e Bourdieu, sua constatação inicial foi de que houve aumento significativo de presença feminina no Legislativo, tanto no Brasil, quanto em Portugal, mas que essa mudança não tem consubstanciado em mudanças estruturais nas relações de gênero. Buscando avaliar a participação da mulher nos espaços de poder, em particular no Legislativo, além de analisar de que forma a ação feminina é prejudicada, à medida que são analisadas as relações desiguais no número de cadeira ocupada por mulheres, a autora nos mostra que o cenário de poder (sobretudo no Estado do Maranhão, mas não apenas) ainda é dominado por homens, brancos, com formação superior e de origem social média ou rica. Nesse sentido, pobres, negros e mulheres formariam a exceção nesse espaço social. Da mesma forma, as poucas mulheres encontradas incorporam a violência simbólica produzida pelo campo financeiro e passam a reproduzir

as crenças dos engajados nesse espaço, ou seja, os estereótipos masculinos. Intitulamos os gestores do mercado financeiro como “elite”, já que são capazes de criar a doxa (senso comum). Parecenos que o campo político estudado por Mary Ferreira, também possui uma “elite” que trabalha para a manutenção e a reprodução de suas crenças, com a entrada de filhos, netos e afilhados no cenário político e a exclusão daqueles que não compartilham do mesmo “mito de origem”, no caso estudado, as mulheres. De outra parte, o trabalho empírico de Mary Ferreira (2010) fornece elementos concretos para a atualização do debate em torno da questão de gênero. Os dados que a autora levanta são os seguintes: – sobre a inserção das mulheres no espaço político, ela destaca três formas: laços familiares, militância política ou destaque em suas atividades profissionais, sendo o canal familiar o mais evidente; – a respeito da produtividade das deputadas, a autora nota que as mulheres apresentam, em termos proporcionais, maior número de projeto que os Deputados (11,54% a mais). Sobre o perfil dos projetos apresentados pelas deputadas, a mesma autora argumenta que esses não diferem, no geral, dos projetos apresentados pelos deputados. No entanto, há entre eles uma distinção de natureza e alcance, bem como da preocupação de gênero em alguns deles. A autora acrescenta que as parlamentares reconhecem as desigualdades de gênero, na medida em que seus projetos representam ações que procuram invertê-las. Em diálogo com seus dados e com os conceitos de Foucault (2007) e Bourdieu (2014), Mary Ferreira foge de leituras que colocam as relações de poder como relações fixas, isoladas e unilaterais. Para Ferreira (2010), as relações de poder são complexas, relativas, recíprocas, mediadas pela sedução, pelo consentimento e pela violência simbólica. Portanto, mesmo sem negar os limites e as tensões para a inserção qualitativa da mulher no mundo da política, bem como para as suas transgressões no mundo do poder, a autora mostra, concretamente, o crescimento quantitativo das mulheres nas Assembleias Legislativas, no Senado e em cargos executivos; fato que leva este estudo a afirmar que a autora não se deixou seduzir pela opção teórica da reprodução das relações do poder, em si mesma. Ou seja, apesar de tímidas, é possível perceber transformações de natureza microssociológica no campo do poder analisado pela autora. Segundo Bourdieu (2014), as transformações de uma sociedade ocorrem como resultado de transformações cognitivas (culturais) na mente dos indivíduos (mundo subjetivo) e se expressam, posteriormente, nas leis, instituições, prédios, livros (mundo objetivo). Nesse sentido, a percepção do aumento quantitativo da presença de mulheres nos espaços políticos é importante, pois sinaliza que revoluções simbólicas invisíveis estão ocorrendo nas categorias de pensamento da sociedade 143


contemporânea, ou nas convenções cognitivas, mesmo que não tenham, ainda, se expressado no mundo objetivo. A eleição da presidenta Dilma, em 2010, é um dado concreto e de significativo valor simbólico, já que possui eficácia nesse trabalho invisível (nas mentes) que deverá nos levar em direção a uma transformação das categorias de pensamento. O papel da ciência é fundamental para o questionamento de ordens perpetuadas, produzidas e reproduzidas pela sociedade. No ano de 2013, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) colheu assinaturas para a apresentação de um projeto de lei de iniciativa popular, para reformar o sistema político brasileiro. Uma das propostas contidas no projeto buscou incentivar os partidos a lançarem candidatas. Para tanto, determinava que cada mulher ocupante de mandato de deputada federal tivesse 30% a mais da cota do fundo partidário em relação ao deputado homem. Assim, para as legendas, pelo menos financeiramente, seria mais vantajoso eleger mulheres para a Câmara. Para a senadora Ana Amélia (PP-RS), uma legislação mais favorável às minorias até ajuda, mas o equilíbrio é um processo lento e deve suceder de forma espontânea: Nada que é forçado funciona. Hoje há partidos que apenas completam seus quadros com mulheres para satisfazer a exigência legal dos 30%. Se olharmos nos concursos públicos e nas carreiras de estado, veremos a presença maciça das mulheres, assim como na medicina e nos tribunais superiores, coisa que não existia até há pouco tempo. Isso aconteceu de forma natural, não foi imposto (apud VIEIRA, 2013). 4 CONCLUSÕES A participação da mulher hoje, no Brasil, politicamente e socialmente, ainda não alcançou o nível que se idealiza para haver igualdade entre os sexos. Nem entre homens e mulheres, e nem entre as próprias mulheres. Os traços de “violência simbólica” e “dominação” esvaíram-se para muitos e tornaram-se naturais. Deve-se lembrar da fala de Bourdieu (2014) para tentar exemplificar esta ideia, quando ele o diz: “Os dominados aplicam categorias construídas do ponto de vista dos dominantes às relações de dominação, fazendo-as assim serem vistas como naturais”.

Ao longo da pesquisa, pôde-se constatar a posição de submissão intelectual que a mulher assume perante o homem. A valorização da mulher é, justamente, o contrário dessa postura; entretanto, são as mulheres que devem compreender e colocar em prática essa valorização. São elas que têm o poder de construir a possibilidade de sair das margens e ocupar o centro da problemática de gênero. Para que a voz feminina seja ouvida, é necessário que haja a ruptura do estereótipo do “Anjo do Lar” que a sociedade insiste em credibilizar, mediante a visão “natural” dessa submissão ao masculino. Virginia Woolf expõe em seu livro “Profissões para mulheres e outros artigos feministas” a definição do que seria esse “Anjo”: [...] vocês, que são de uma geração mais jovem e mais feliz, talvez não tenham ouvido falar dela – talvez não saibam o que quero dizer com o Anjo do Lar. Vou tentar resumir. Ela era extremamente simpática. Imensamente encantadora. Totalmente altruísta. Excelente nas difíceis artes do convívio familiar. Sacrificava-se todos os dias. Se o almoço era frango, ela ficava com o pé; se havia ar encanado, era ali que ia se sentar – em suma, seu feitio era nunca ter opinião ou vontade própria, e preferia sempre concordar com as opiniões e vontades dos outros. E acima de tudo – nem preciso dizer – ela era pura (WOOLF, 2013, p. 12). A política é exemplo explícito de tal personagem, pois não só as mulheres assumem papéis ditos “coerentes” com os esperados pelo eleitorado, como os homens também tendem a mesma postura. O revés, contudo, é muito mais complexo, pois esses posicionamentos são moldes. São os dominadores exercendo a dominação, e o resultado disso é refletido na atual política social. Não penso sozinha, eu, autora deste artigo, quando o digo, pois já dizia Bourdieu (2014) que: “O trabalho de reprodução [da divisão de gênero] esteve garantido, até a época recente, por três instâncias principais, a Família, a Igreja e a Escola, que, objetivamente orquestradas, tinham em comum o fato de agirem sobre as estruturas inconscientes”. E ainda mais relevante ao campo político está a consideração que o autor faz sobre o Estado:

E ainda: “O poder simbólico não pode se exercer sem a colaboração dos que lhe são subordinados e que só se subordinam a ele porque o constroem como poder” (BOURDIEU, 2014, p. 63).

Para terminar este recenseamento dos fatores institucionais da reprodução da divisão dos gêneros, teríamos que levar em conta o papel do Estado, que veio ratificar e reforçar as prescrições e as proscrições do patriarcado privado com as de um patriarcado público, inscrito em todas as instituições encarregadas de gerir e regulamentar a existência quotidiana da unidade doméstica (BORDIEU, 2014, p. 122).

A participação das mulheres na política, visivelmente palpável hoje, se esconde por trás de uma realidade de ações que corroboram as políticas atuais que, vale salientar, ainda se mantêm arcaicas no quesito “igualdade de gênero”. Não satisfaz ter participação feminina dentro das Câmaras Legislativas se esta participação for apenas de “corpo presente”. A militância e o ativismo são pontos determinantes quando se pensa na mulher em posição de poder na política atual, não obstante uma postura ativa, também deveriam elas salientar a causa do ativismo.

Não obstante a isto, também vale salientar que ainda existem profissões predominantemente masculinas, dentre as quais e que são pertinentes e que se encaixam no tema em comento, são as relacionadas às Forças Armadas, uma das áreas de atuação do poder público. É bom recordar que no ano passado (2013), a contra-almirante médica Dalva Maria Carvalho Mendes alcançou o posto de primeira mulher da história das Forças Armadas do país a chegar à patente de oficial general. Agora as mulheres compõem 6% dos 350.000 integrantes das Forças Armadas do Brasil. Até 144


quando a igualdade de gênero vai sobreviver de mudanças microssociológicas?

BRASIL. Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

Dessa maneira, novamente cita-se Virginia Woolf, para falar da necessidade de o estereótipo atual ser fragmentado, discorrendo sobre sua atitude perante o fantasma do “Anjo do Lar”:

______. Lei nº. 3.071 de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Revogada pela Lei nº 10.406, de 2002. Rio de Janeiro, 1º jan. 1916.

Fui para cima dela e agarrei-a pela garganta. Fiz de tudo para esganá-la. Minha desculpa, se tivesse de comparecer a um tribunal, seria legítima defesa. Se eu não a matasse, ela é que me mataria. Arrancaria o coração de minha escrita. [...] Assim, toda vez que eu percebia a sombra de sua asa ou o brilho de sua auréola em cima da página, eu pegava o tinteiro e atirava nela. Demorou para morrer. Sua natureza fictícia lhe foi de grande ajuda. É muito mais difícil matar um fantasma do que uma realidade (WOOLF, 2013, p. 13).

É com essa postura que as mulheres que ocupam hoje cargos públicos e políticos terão condições de mudar o panorama atual e romper com a barreira ideológica que segrega o gênero feminino. Não há de se falar em apologia a uma guerra entre os sexos, apenas na ideia de essas mulheres lutarem com o que tem de mais precioso ante essa batalha: seus direitos (dentro de sua família, seu trabalho, como cidadã, como mulher...), papel e caneta, de forma a matar, de fato, esse “Fantasma”. Felizmente, existe uma gana crescente por movimentos feministas e de parlamentares que enxergam e compreendem a atitude feminista como necessária dentro do legislativo e executivo, mas o que se discutiu aqui não foi sobre a conduta de quem se omite, apenas, e sim da conduta de quem age, mas dentro de moldes ultrapassados no prisma de igualdade de gênero. Dessa forma, conclui-se não haver apenas um responsável por essa desvalorização, mas sim, um emaranhado de indivíduos sociais; a solução, contudo, está na mulher. O homem pode assistir ao debate, mas a mulher é quem deve assumir o papel de protagonista e passar ao centro. Em 2015, o encontro que reuniu os relatórios de Objetivos do Milênio apresentou as mesmas estatísticas de melhora, que a autora deste artigo teve a oportunidade de mostrar; todavia, espera-se que haja uma nova preocupação com o aproveitamento desses números e com a qualidade que eles perpetuam para a vida das mulheres. REFERÊNCIAS BARROSO, Carmem. Metas de desenvolvimento do milênio, educação e igualdade de gênero. Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 123, p. 573-582, 2004. BESSE, Susan. Feminismos e (anti) feminismos no Brasil. In: BESSE, Susan. Modernizando a desigualdade: reestruturação da ideologia de gênero no Brasil. São Paulo: Edusp, 1999. BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina: condição feminina e violência simbólica. Rio de Janeiro: Best Bolso, 2014.

______. Lei nº. 9.100 de 29 de setembro de 1995. Estabelece normas para a realização das eleições municipais de 3 de outubro de 1996, e dá outras providências. Brasília, , Brasília, 29 set. 1995. ______. Lei nº. 9.504 de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições. Brasília, Senado Federal, 1997. FARAH, Marta Ferreira Santos. Gênero e políticas públicas. Estudos Feministas, v. 12, n. 1, p. 47-71, 2004. KUNZLER, Maria Laci. Participação das mulheres na política representativa. In: FAZENDO GÊNERO 8 – CORPO VIOLÊNCIA E PODER. 2008. Florianópolis. Anais eletrônicos... Disponível em: <http://www.fazendogenero.ufsc.br/8/sts/ ST29/Maria_Laci_Kunzler_29.pdf>. Acesso em: 30 set. 2014. LIMA, Luciana. Pequena proporção de mulheres no Congresso Nacional brasileiro é motivo de preocupação para ONU. Agência Brasil. 24 fev. 2012. Disponível em: <http:// memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2012-02-17/ pequena-proporcao-de-mulheres-no-congresso-nacionalbrasileiro-e-motivo-de-preocupacao-para-onu>. Acesso em: 10 set. 2014. MARAFON, Santina; OLIVEIRA, Olga Maria Boschi Aguiar de. Representação Política das mulheres na Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina: 1987-2014. Novas perspectivas dos direitos sociais. Florianópolis: Funjab, 2013. 248 p. (Direito do Estado; v.3). MARTINS, Eneida Valarini. A política de cotas e a representação feminina na Câmara dos Deputados. Brasília: Biblioteca Digital Câmara, 2007. PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 2003. PURI, Lakshmi. Um objetivo mundial em matéria de igualdade de gênero, direitos e empoderamento das mulheres. ONUBR – Nações Unidas do Brasil, 29 mai. 2013. Disponível em: <http://www.onu.org.br/um-objetivomundial-em-materia-de-igualdade-de-genero-direitos-eempoderamento-das-mulheres>. Acesso em: 29 ago. 2014. JARDIM, Maria Chaves. Resenha de FERREIRA, Mary. Os bastidores da tribuna: mulher, política e poder no Maranhão. São Luís: Edufma, 2010. Cad. Pagu [online], n. 41, 2013. p. 443-448. ISSN 0104-8333. SILVEIRA, Maria Lúcia da. Políticas públicas de gênero: impasses e desafios para fortalecer a agenda política na perspectiva da igualdade. Políticas públicas e igualdade de gênero, v. 8, 2004. STEARNS, Peter N. História das relações de gênero. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2013. 145


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foto: Tiago Zenero

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foto: Luiz Gonçalves Martins

EIXO TEMÁTICO:

O NOVO CENÁRIO BRASILEIRO E A TRANSIÇÃO PARA OS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (ODS)

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21. Educação de Jovens e Adultos e Desenvolvimento Local: rumo aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável96 Autora: Luciane Serrate Pacheco Bacheti97 Autores: Armando Paulo Ferreira Loureiro98 Artur Fernando Arede Correia Cristóvão99 Alexandre Ottoni Teatini Salles100

RESUMO O Programa Educação de Jovens e Adultos e o Desenvolvimento Local, em processo de implementação pelo Instituto Federal do Espírito Santo, campus São Mateus, tem por objetivo principal contribuir, por meio da educação de jovens e adultos, para o desenvolvimento local e o bem-estar social em comunidades quilombolas do Norte do Espírito Santo. Será desenvolvido por meio das ações: implementação de turmas de alfabetização de jovens, adultos e idosos; radiografia das tradições quilombolas; cursos de aperfeiçoamento em educação de jovens e adultos para educadores; cursos de qualificação profissional aos membros das comunidades quilombolas; pesquisa aplicada; e extensão comunitária com atividades de economia solidária. Por meio da educação de jovens e adultos se pretende contribuir para o desenvolvimento local com a promoção de crescimento econômico inclusivo e sustentável, assegurando uma vida saudável e bem-estar aos quilombolas, rumo à Agenda ODS 2016-2030. A linha temática foi: O novo cenário e a Etapa de Transição: perspectivas da nova agenda, análise das práticas inovadoras que servirão como referência para implementar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Comunidades Quilombolas. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

1 INTRODUÇÃO Garantir uma vida com dignidade é a proposta da Organização das Nações Unidas (ONU) para a implementação de uma nova agenda mundial, na transição dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A nova agenda está tem enfoque: na superação da pobreza; na promoção da prosperidade e do bem-estar para todos; na proteção do meio ambiente e no enfrentamento às mudanças climáticas, por meio do cumprimento de 17 objetivos e 169 metas a serem alcançados no período de 2016 a 2030, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, 2015). O alvorecer do século XXI trouxe avanços tecnológicos extraordinários, que elevaram, significativamente, a capacidade de produção de bens e de serviços pela humanidade (SEM; KLIKSBERG, 2010). Exemplos disso são as revoluções no campo da saúde, que têm elevado não apenas o tempo de vida útil das pessoas, mas também a

sua qualidade de vida: a ciência dos novos materiais – existem mais de 50 mil tipos divididos basicamente em cinco classes: cerâmicas, semicondutores, compósitos, metais e polímeros; o enorme avanço técnico e global da ciência da computação, que transborda para o setor das telecomunicações; e a possibilidade de acesso à educação por meio de novas tecnologias. No entanto, uma significativa parcela da população mundial não tem acesso aos ganhos dessa onda avassaladora de revolução tecnológica que tem potencial para produzir melhorias significativas na qualidade de vida da sociedade contemporânea. A esse respeito, os dados são preocupantes: um bilhão de pessoas encontra-se em situação de pobreza extrema e sem acesso à água potável, o que tem provocado a morte prematura (que pode ser evitada) de quase dois milhões de pessoas por ano, e que, além disso, relega outros milhões à margem de uma vida digna. A América Latina, com o Caribe, foi considerada por Sen

96. Programa aprovado e contemplado com recursos financeiros pelo Edital Proext nº 01/2016 – Programa de Extensão Universitária MEC-SESu – Linha Temática nº 1: Educação. Subtema: Educação de Jovens e Adultos. Execução: 2016 a 2018. Ministério da Educação do Brasil. 97. Luciane Serrate Pacheco Bacheti – Pedagoga no Instituto Federal do Espírito Santo, campus São Mateus. Brasil. Doutoranda em Ciências da Educação pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (Utad), Portugal (Turma 201-2015). Correio eletrônico: lucianebacheti@gmail.com 98. Armando Paulo Ferreira Loureiro – Professor da Escola das Ciências Humanas e Sociais da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (Utad), Portugal. Investigador do Centro de Investigação e Intervenção Educativas da Universidade do Porto, Portugal, e do Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento da Utad, Portugal. Correio eletrônico: aloureiro@utad.pt 99. Artur Fernando Arede Correia Cristovão – Professor da Escola das Ciências Humanas e Sociais e Vice-Reitor para o Planejamento, Estratégia e Organização da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro – (Utad), Portugal. Correio eletrônico: acristov@utad.pt 100. Alexandre Ottoni Teatini Salles – Professor do Departamento de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil. Correio eletrônico: aotsalles@gmail.com 148


e Kliksberg (2010) como a mais desigual das regiões do planeta, tendo graves problemas de desigualdades relacionados à saúde pública, elevada mortalidade materna, aumento do número de jovens abaixo da linha de pobreza e insegurança pública. Apesar de possuir enormes recursos naturais potenciais, dois terços da população rural acha-se em atividades de baixa produtividade, pela falta de acesso às políticas de proteção social (saúde, educação, saneamento etc.) e acesso ao crédito, elevando as situações de vulnerabilidade dessas populações.

os processos de educação não formal que fortaleçam a participação comunitária. Nesse sentido, pode representar uma força catalisadora para a consolidação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), pois pode alcançar populações mais vulneráveis, tanto em espaços urbanos quanto em rurais e em lugares mais remotos. A educação pode envolver pessoas trabalhando em parceria, de maneira solidária, cuidando uma das outras, da comunidade e do planeta, utilizando os recursos disponíveis de forma sustentável.

No Brasil, as desigualdades na distribuição de renda, a corrupção entranhada em todos os setores da sociedade, desde órgãos governamentais, iniciativa privada, até a sociedade civil organizada, tem impedido o acesso de milhões de brasileiros à saúde, à educação, ao emprego digno para a produção de sua vida com bem-estar e dignidade.

2 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E FORMAÇÃO PROFISSIONAL: “CHAVE” PARA INCLUSÃO SOCIAL E DESENVOLVIMENTO LOCAL

Nesse sentido, povos tradicionais e comunidades quilombolas, em especial aquelas localizadas em áreas rurais, acham-se em situação de grande vulnerabilidade, exigindo uma atenção especial por parte do governo na elaboração de políticas públicas com efetiva participação comunitária e que possibilitem o desenvolvimento local. Foi neste contexto que se construiu o Programa Educação de Jovens e Adultos e o Desenvolvimento Local pelo Instituto Federal do Espírito Santo, campus São Mateus, Norte do Espírito Santo. Seu principal objetivo está em compreender melhor em que medida a educação de jovens e adultos pode tornar-se uma força catalisadora dos processos de desenvolvimento local e de bem-estar, no contexto de comunidades quilombolas rurais localizadas nos municípios de Conceição da Barra e de São Mateus. Esse programa, em processo de implantação, propôs atividades de pesquisa aplicada e extensão comunitária, a saber: (a) ações de alfabetização com reconhecimento das especificidades culturais e do mundo do trabalho das comunidades envolvidas; (b) abordagem das tradições quilombolas como elemento condutor na educação de jovens e adultos; (c) formação de educadores populares e gestores educacionais para atuarem em alfabetização e educação de jovens e adultos, de forma integrada à educação e formação profissional, considerando as especificidades das comunidades quilombolas atendidas; (d) formação de educadores populares para atuação em alfabetização de idosos; e (e) pesquisa-ação para o desenvolvimento de ações educativas para jovens, adultos e idosos articuladas com atividades de economia e solidária. Acredita-se que a educação de jovens e adultos poderá constituir-se em âncora para o desenvolvimento local e o bem-estar em comunidades vulneráveis, especialmente

De acordo com Sen e Kliksberg (2010), a primeira década do século XXI apresentou grandes desafios em termos de geração e difusão de melhorias na qualidade de vida das sociedades; dentre os quais se destacam problemas relacionados com: a fome; a extrema pobreza; o déficit de água e saneamento básico; e a elevação dos preços dos alimentos, fatores que têm levado milhões de pessoas ao redor do mundo à morte prematura. Os autores citados acreditam que esse quadro socioeconomicamente grave pode ser evitado por meio de melhoria nos níveis de saúde e educação, que são expressões fundamentais para medir a melhoria da qualidade de vida de uma população. Outro desafio premente a ser superado no contexto mundial atual é o racismo (em suas diversas formas), que tem excluído milhões de pessoas do acesso aos bens produzidos pela humanidade, conforme reconhece a Organização das Nações Unidas, no documento intitulado Marco de Ação de Durban, produzido na Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada na África do Sul, em 2001. Esse documento enfatiza que “a pobreza, o subdesenvolvimento, a marginalização, a exclusão social e as disparidades econômicas estão associados ao racismo101, discriminação racial […] e contribuem para a persistência de práticas e atitudes racistas as quais geram mais pobreza” (ONU, 2001, p. 13). Para a efetiva consolidação das ações reparadoras propostas no Marco de Ação de Durban, a Organização das Nações Unidas proclamou a Década Internacional de Povos Afrodescendentes, entre 1º de janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2024. A ação foi pautada no reconhecimento de uma dívida humanitária para com esses povos, tendo como objetivo principal a promoção de todos os direitos humanos e liberdades dos afrodescendentes, garantindolhes reconhecimento, justiça e desenvolvimento.

101. De acordo com Myrdal (1972, p. 35-38) essas disparidades vão para além de problemas de natureza meramente econômicos. Abrangem questões culturais de preconceito arraigado socialmente que “envolve um complexo de mudanças interdependentes circulares e acumulativas. [...] O baixo padrão de vida dos negros é mantido pela discriminação dos brancos”. A transformação dessa realidade precisa considerar aspectos multidimensionais, tais como emprego, salários, habitação, saúde, educação etc., e conhecimento da realidade em que vivem, de tal forma que a melhora de qualquer um dos aspectos tenda a ser seguida pelos outros. Assim, “[...] Quanto mais conhecermos a maneira pela qual os diferentes fatores se inter-relacionam [...] mais seremos capazes de estabelecer os meios de obter a maximização dos resultados de determinado esforço político, destinado a mover e alterar o sistema social” (p. 43). 149


Nesse sentido, destacam-se o cumprimento das orientações estabelecidas no item 8, alíneas “a”, “b” e “c” do Marco de Durban, que evidenciam a necessidade de destinação, prioritária, de financiamento específico e suficiente para implementação de programas para melhorar a situação de africanos e afrodescendentes, por parte de organismos internacionais, agências financiadoras e governos nacionais. Além dos recursos orçamentários, exige-se que haja a participação ativa desses povos na elaboração e implementação dos programas a eles destinados. Neste contexto, a educação se configura uma das iniciativas de ações afirmativas ou positivas. Outro documento importante a ser considerado, na perspectiva de inclusão social e de desenvolvimento em comunidades vulneráveis é o Marco de Ação de Dakar, produzido no Senegal pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) em abril de 2000. Neste documento a educação foi apontada como: a chave para um desenvolvimento sustentável, assim como para assegurar a paz e a estabilidade […] meio indispensável para alcançar a participação efetiva nas sociedades e economias do século XXI afetadas pela rápida globalização, [...] há forte correlação entre o baixo nível de matrícula, retenção deficiente e resultados insatisfatórios de aprendizagem, e a incidência da pobreza (UNESCO, 2001, p. 8-10). A educação é, certamente, um processo que pode contribuir para melhorar esse quadro. Entretanto, é necessário que abarque todas as idades e classes sociais, desde a alfabetização aos programas de capacitação para a vida, utilizando-se de abordagens da educação formal, não formal e informal. E também que considere, prioritariamente, as necessidades das pessoas mais vulneráveis, tais como crianças, idosos, nômades, trabalhadores rurais, jovens e adultos e minorias étnicas atingidas pela fome e pela deficiência de saúde. Na esteira desse processo de ações objetivas destinadas à geração de uma maior inclusão social por meio da educação, foi elaborado, em 2009, na Sexta Conferência Internacional de Educação de Adultos (organizada pela Unesco), o Marco de Ação de Belém. Neste, a educação de adultos foi definida como “[...] todo o processo de aprendizagem em que jovens e adultos desenvolvem suas capacidades, enriquecem seu conhecimento e aperfeiçoam suas qualificações técnicas e profissionais” (UNESCO, 2010, p. 5) e que privilegie a aprendizagem ao longo de toda a vida, no atendimento às suas necessidades e às da comunidade em que vivem. No contexto mundial atual, a educação e a formação técnica e profissional têm emergido como estratégia crucial em agendas de organismos internacionais e de governos nacionais para desenvolvimento de competências e habilidades. Acredita-se que o conjunto dessas atividades propositivas pode (e tem) possibilitado a inclusão social produtiva na trilha de um desenvolvimento sustentável (MAROPE; CHAKROUN; HOLMES, 2015), e é importante para a consolidação de uma cidadania ativa. Entretanto, esses autores apontam para a necessidade de transformação dessa modalidade de educação, de modo a melhorar a sua resposta contextual para apoiar o crescimento

econômico, promover a equidade social e contribuir para a sustentabilidade do desenvolvimento. Em síntese, essa perspectiva está propondo que o desenvolvimento de habilidades por meio de processos educativos é fundamental para o progresso humano. Gómez, Freitas e Callejas (2007, p. 305-306) ressaltam “o protagonismo da educação nas dinâmicas sociais”. Eles complementam esta proposição, afirmando que “[…] o reconhecimento da tarefa de educar como um trabalho valioso e valorizável para um futuro melhor da humanidade […]”. Chamam a atenção, ainda, para a convergência das ações que consolidem “um desenvolvimento com educação e uma educação para o desenvolvimento sustentável”. Fundamentados na Declaração de Joanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável construída em setembro de 2002, na África do Sul, durante a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, esses autores apontam para a adoção de “programas e práticas pedagógicas que permitam a todos os membros da sociedade trabalharem juntos para a construção de um futuro duradouro […] em nome da justiça social e da luta contra a pobreza” (p. 309310). E, pode-se acrescentar, para a implementação de uma cultura de solidariedade e de cooperação, colocando as pessoas no centro do desenvolvimento humano e sustentável. 3 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO CENÁRIO BRASILEIRO ATUAL: DESAFIOS E PERSPECTIVAS A heterogeneidade territorial e social brasileira se constitui em significativos desafios a serem conhecidos e trabalhados na elaboração de políticas educacionais, no âmbito do governo federal. Outro desafio a ser considerado é a concepção entre educadores e gestores brasileiros sobre a educação de jovens e adultos arraigada em uma visão compensatória, como mera reposição da escolaridade não realizada na infância ou adolescência (LOUREIRO, 2008). Isso tem impedido a implementação de políticas intersetoriais articuladas, pois, conforme destaca Di Pierro (2005, p. 2021), os potenciais da educação e da aprendizagem ao longo da vida, articulados “às políticas culturais, de qualificação profissional e geração de trabalho e renda, formação para a cidadania, educação ambiental e saúde, poderiam alavancar os processos educativos não formais e informais”; e contribuir para a redução das desigualdades no campo da educação de pessoas jovens, adultas e idosas. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012), citados no Plano Nacional de Educação (PNE, 2014) demonstraram a fragilidade do Brasil no que refere à educação de jovens, adultos e idosos. Em 2012, mais de 45 milhões de pessoas com 18 anos ou mais não frequentavam a escola e não tinham o ensino fundamental completo (BRASIL, 2014a). Nesse sentido, o governo brasileiro precisa implementar políticas educacionais, articuladas com outras políticas (saúde, geração de renda, acesso a crédito etc.) que permitam o acesso à alfabetização dos grupos sociais e das regiões do país que ainda apresentam baixas taxas de escolaridade. Podem ser citadas como exemplo as populações muito pobres das áreas rurais, em geral, e dos 150


estados do Nordeste, em particular, afrodescendentes, indígenas, mulheres e idosos. Assim, a construção de políticas públicas de educação de jovens, adultos e idosos no Brasil é uma tarefa a ser cumprida pelo governo brasileiro de forma coletiva, ou seja, articulada com as demandas dos representantes sociais e políticos dessa população. Em outras palavras, uma política educacional articulada com o mundo do trabalho apropriada por jovens, adultos e idosos, que seja capaz de imprimir qualidade de vida e desenvolvimento local em comunidades vulneráveis. Isto exige, conforme destaca Di Pierro (2010, p. 954) “concepções mais apropriadas de alfabetização e educação básica de qualidade […] ampliar o financiamento à EJA e reverter a situação de despreparo e desvalorização profissional dos educadores que a ela se dedicam”.

com a terra, com o parentesco, com o território, com a ancestralidade, com as tradições e com práticas culturais próprias. Estimou-se, em 2015, a existência, em todo o país, de mais de três mil comunidades quilombolas (BRASIL, 2014b).

3.1 COMUNIDADES QUILOMBOLAS BRASILEIRAS

Apesar de a maioria das comunidades estar com seu território demarcado, estas ainda não têm o certificado oficial de posse da terra. Isso dificulta o acesso ao financiamento da produção agrícola, ao transporte; e, em alguns casos, implica restrições de acesso à saúde e à educação de adultos e idosos, privando-as de um desenvolvimento local mais efetivo. Por isso e por outros acessos negados, tais como o acesso ao crédito para financiamento da melhoria e o escoamento da produção agrícola, formação profissional, moradias adequadas, sua sobrevivência depende, fundamentalmente, do ingresso em programas governamentais de transferência de renda. Diante desse quadro, entende-se que há que se buscar alternativas de apoio às comunidades quilombolas, a fim de que sejam capazes de superar a sua dependência por meio da expansão de suas capacidades e desenvolvimento de suas habilidades potenciais para o alcance de uma vida com qualidade e bem estar (SEN, 2010).

Nas duas últimas décadas o governo federal tem dedicado atenção especial à garantia dos direitos dos povos afrodescendentes em território nacional, reconhecendo a dívida histórica do país para com o povo africano, escravizado desde os primórdios da história brasileira. Nesse sentido promulgou leis e decretos, dentre os quais se destacam a Lei Federal nº 10.639/2003 (BRASIL, 2003), que incluiu no currículo oficial da rede de educação a obrigatoriedade da “História e Cultura Afro-Brasileira”, reconhecendo a significativa contribuição do povo negro na história brasileira; e o Decreto Presidencial nº 6.040/ 2007, que instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (BRASIL, 2007), na qual se incluem as comunidades quilombolas. No Art. 3º do Decreto Presidencial nº 6.040/2007 estão definidas as pessoas beneficiárias dessa política nacional, a saber: (a) povos e comunidades tradicionais – são os grupos culturalmente diferenciados que possuem formas próprias de organização social, ocupam territórios e usam recursos naturais como condição de produção de sua vida cultural, econômica, religiosa, fundada na tradição; (b) territórios tradicionais – são os espaços necessários para a reprodução da cultura, com atividades permanentes ou temporárias; e (c) desenvolvimento sustentável – concebido como o uso equilibrado dos recursos naturais voltado para a qualidade de vida e a preservação ambiental. Além dos fundamentos legais, o governo criou, em 1988, a Fundação Cultural Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura e voltada à promoção e à preservação da arte e da cultura afro-brasileira. Atualmente, esse órgão coordena a certificação territorial das comunidades quilombolas e, em parceria com o Ministério da Educação, auxilia professores na implementação de ações afirmativas em favor da inclusão socioeducacional e cidadã da população negra brasileira. Outro órgão criado pelo governo brasileiro foi o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que atua em parceria com a Fundação Cultural Palmares para realizar a demarcação e a certificação dos territórios quilombolas no Brasil. No entendimento desses dois órgãos, as comunidades quilombolas são grupos étnicos predominantemente constituídos pela população negra rural ou urbana, que se autodefinem a partir das relações

De acordo com dados do Incra e da Fundação Cultural Palmares (BRASIL, 2015), foram certificadas 34 comunidades quilombolas no Estado do Espírito Santo até 2015. Outras duas estão com processo aberto, aguardando a certificação territorial. Até 2015, das 36 comunidades reconhecidas no Espírito Santo, 28 achavam-se nos municípios de Conceição da Barra e de São Mateus, ou seja, os dois municípios, juntos, abrigavam, aproximadamente, 78% das comunidades quilombolas do Estado.

4 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: UMA AGENDA COMUM A Organização das Nações Unidas propõe uma agenda global, constituída por 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e 169 metas a serem alcançadas até 2030. Estas estão ancoradas em três dimensões do desenvolvimento sustentável: a econômica, a social e a ambiental. Essa agenda propõe o cumprimento das metas dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) ainda não alcançadas, e apresenta outras necessárias à transformação do nosso mundo pelo caminho da resiliência e da sustentabilidade. O desafio prioritário é a erradicação da pobreza, em todas as suas formas. Essa agenda constitui-se num mapa integrador de ações orquestradas em rede, envolvendo pessoas, parcerias, prosperidade, concretização de uma cultura de paz e proteção do planeta, a serem construídas coletivamente (PNUD, 2015). Propõe que todas as pessoas realizem todo o seu potencial em dignidade e igualdade, em um ambiente saudável, e que sejam capazes de: proteger o planeta da degradação, por meio da gestão sustentável dos recursos naturais, tomando medidas urgentes sobre a mudança climática, para que ele suporte as necessidades das gerações presentes e futuras; assegurar a prosperidade de todo ser humano, traduzida em plena realização pessoal articulada com seu progresso econômico, social e tecnológico, em harmonia com a natureza; promover sociedades pacíficas, 151


justas e inclusivas, livres do medo e da violência por meio da consolidação da solidariedade e da cooperação entre todos; e fortalecer parcerias em todos os lugares e entre todos, em âmbito global e local, em torno da erradicação da pobreza, em todas as suas formas e em todos os lugares. O grande objetivo é banir a pobreza do planeta nos próximos 15 anos e o alcance desse objetivo prioritário possibilitará o cumprimento de todos os outros.

As ações previstas nesse programa encontram-se distribuídas em cinco subtemas. O Quadro 1 apresenta o cronograma de execução, o público prioritário e as parcerias a estabelecer.

Resumidamente, os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável que deverão nortear as ações da humanidade do século XXI pelos próximos 15 anos, propostos pela ONU na Agenda 2030: Transformando o Nosso Mundo, são: (1) acabar com a pobreza; (2) acabar com a fome; (3) assegurar uma vida saudável; (4) assegurar educação e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos; (5) alcançar a igualdade de gênero; (6) assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos; (7) assegurar o acesso confiável à energia para todos; (8) promover o crescimento econômico sustentado; (9) construir infraestruturas resilientes; (10) reduzir as desigualdades dentro dos países e entre eles; (11) tornar as cidades resilientes e sustentáveis; (12) assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis; (13) combater as mudanças climáticas; (14) conservar os oceanos; (15) promover o uso sustentável dos ecossistemas; (16) promover sociedades pacíficas; e (17) fortalecer a parceria global para o desenvolvimento sustentável. 5 METODOLOGIA Esse programa foi construído por meio de estudo exploratório, pautado pela investigação-ação, porque, além da sua flexibilidade, “envolve a ação dos pesquisadores e dos grupos interessados […] que implica o reconhecimento visual do local, a consulta de documentos diversos […] discussão com representantes das categorias sociais envolvidas na ação” (GIL, 2010, p. 151-152); e tem cunho qualitativo, procurando alcançar um conhecimento inicial sobre a realidade a ser pesquisada e transformada.

foto: PxHere

Thiollent (2011, p. 20) considera a pesquisa-ação como “um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou resolução de um problema coletivo […] pesquisadores e os participantes estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo”, em que se destacam os aspectos da resolução de problemas, da tomada de consciência e da produção coletiva de conhecimentos. Foram realizadas, entre setembro de 2013 e setembro de 2014, visitas de campo a seis comunidades rurais, das quais cinco são comunidades quilombolas. O levantamento das principais demandas deu-se por meio de reuniões informais e de observação do contexto das comunidades visitadas. A partir da análise dos dados registrados em reuniões e observações realizadas nas comunidades, delinearam-se as ações desse programa, as quais se acham em processo de implantação. A incursão e a aproximação com as comunidades têm privilegiado, em todas as etapas, o diálogo, a participação, a construção coletiva, baseadas na visão do desenvolvimento humano, dentro de princípios éticos e solidários.

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Quadro 1: Cronograma de Execução das Ações do Programa Educação de Jovens e Adultos e o Desenvolvimento Local – Aprovado e contemplado com recursos pelo Edital Proext 2016-MEC-SESu

Edital Proext 2016 – Programa de Apoio à Extensão Universitária MEC-SESu Inserido no Projeto Estratégico Ifes Cidadania: ampliação de programas de extensão comunitária Campus São Mateus 2014-2019 Linha Temática 1: Educação; Subtema: Educação de Jovens e Adultos Programa: Educação de Jovens e Adultos e o Desenvolvimento Local Ações do Subtema

Projetos

Prazo de Execução

Ações de alfabetização com reconhecimento das especificidades culturais e do mundo do trabalho dos públicos atendidos

Implantação de turmas de Alfabetização de Jovens e Adultos Quilombolas

Abordagem das tradições populares como elemento condutor na educação de jovens e adultos

Radiografia das tradições quilombolas no Espírito Santo

Fev-2016 a jan-2018

Implantação da Rádio Comunitária Quilombola Sapê do Norte

Abr-2016 a abr-2017

Formação de educadores e gestores para a atuação em alfabetização, EJA e Proeja, considerando as especificidades do público atendido

Implantação de um curso de Aperfeiçoamento em Educação de Jovens e Adultos vinculada à Educação Profissional e Tecnológica – Proeja Quilombola

Mar-2016 a jun-2018

30 educadores quilombolas e/ ou educadores e gestores que atuam em comunidades quilombolas

Formação de educadores populares para a atuação em alfabetização de idosos

Implantação de um curso de Aperfeiçoamento em Educação Popular Quilombola

Mar-2016 a jun-2018

30 educadores quilombolas e/ ou educadores que atuam em comunidades quilombolas

Oferta de turmas de Alfabetização de Idosos Quilombolas

Fev-2016 a jan-2018

40 idosos de comunidades quilombolas

Implantação da Redifes

Fev-2016 a fev-2017

Servidores do Ifes

Mobilização para o voluntariado

Mai-2016 a mai-2018

Captação de profissionais capixabas de diversas áreas do conhecimento

Pesquisa aplicada e extensão comunitária em comunidades quilombolas (Tese de doutorado: “Educação de Jovens e Adultos e o Desenvolvimento Local no contexto de Comunidades Quilombolas do Norte do Estado do Espírito Santo, Brasil”)

Fev-2016 a jun-2017

Comunidades quilombolas da Região Norte Capixaba

Pesquisa ação para desenvolvimento de ações de articulação entre EJA e Economia Solidária

Fev-2016 a jan-2018

Público Prioritário

Oferta de Curso Proeja-FIC Quilombola

Comunidades quilombolas 40 jovens e adultos 40 mulheres quilombolas

20 pessoas idosas e juventude quilombola capixaba; 30 estudantes, 5 docentes e 5 técnicos administrativos do Ifes

Parcerias a serem mobilizadas Ifes, Ufes, MECSetec, Secadi, MDS, MinC, MTE (Programa Brasil Local), Proninc, Instituições educacionais públicas e privadas, em âmbito local, nacional e internacional, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (Utad), Portugal; Governo do ES, Prefeituras Municipais, Cras Quilombolas, Associações de Moradores de Comunidades Quilombolas, Movimentos Sociais ligados às Comunidades Quilombolas, Organizações da Sociedade Civil, Iniciativa privada, Institutos de Pesquisa; Agências de Fomento à Pesquisa e Extensão Comunitária, Ministério Público Federal; entre outros parceiros a serem mobilizados

Fonte: Elaborado pelos autores do trabalho.

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As ações previstas no Quadro 1 serão implementadas entre 2016 e 2018, com atividades educativas vinculadas ao ensino, pesquisa e extensão comunitária, envolvendo as comunidades quilombolas, no âmbito do “Projeto Estratégico Ifes Cidadania: ampliação de programas de extensão comunitária, campus São Mateus 2014-2019”. Essas ações materializadas constituirão a Rede Ifes de Extensão Comunitária (Redifes). A implementação das ações de articulação entre a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e economia solidária será fortalecida por meio da criação da Redifes e da mobilização para o voluntariado, que contará com o apoio de servidores do Ifes – Campus São Mateus e de representantes dos diversos segmentos sociais e dos povos e comunidades tradicionais capixabas; em particular, das comunidades quilombolas da Região Litoral Norte Capixaba. Todas as ações estão alinhadas com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e suas metas. A pesquisa aplicada será realizada por uma servidora, pedagoga do Ifes – Campus São Mateus, doutoranda em Ciências da Educação pela Universidade-Trás-os-Montes e Alto Douro (Utad), Vila Real, Portugal, em parceria com a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), por meio de Termo de Cooperação Técnica interinstitucional, celebrado entre as três instituições educacionais, Ifes, Ufes e Utad. As ações e os projetos relacionados à oferta de cursos de aperfeiçoamento serão realizados fazendo-se parcerias com outras instituições educacionais, locais e regionais, e com as comunidades quilombolas. Os dois cursos terão carga horária de 180 horas cada um, com previsão de 18 meses de duração, sobre as seguintes temáticas: Aperfeiçoamento em Educação Popular de Jovens; Adultos e Idosos Quilombolas; e Aperfeiçoamento em Proeja Quilombola, totalizando 60 vagas, distribuídas em duas turmas. A organização e a matriz curricular dos cursos contemplarão, dentre outros, os seguintes aspectos: (1) Educação de Jovens e Adultos para o Desenvolvimento Local; (2) Economia Solidária na perspectiva do Desenvolvimento Local; (3) Educação em Direitos Humanos e Desenvolvimento Sustentável; (4) Alfabetização de Jovens, Adultos e Idosos; (5) Diversidade Cultural, Identidade Local e Solidariedade; e (6) Projeto Integrador. A oferta de turmas de alfabetização de jovens, adultos e idosos, a radiografia das comunidades quilombolas e a implementação da Rádio Comunitária Quilombola dar-seão por meio de parcerias a serem estabelecidas entre as comunidades, secretarias de educação, pesquisadores e agências de fomento ao desenvolvimento local. Quanto à atuação dos trabalhadores da educação de jovens e adultos no contexto das comunidades quilombolas, ela ocorrerá na perspectiva proposta por Loureiro (2009, p. 3638); ou seja, numa perspectiva “que tenha em conta, quer as suas experiências contraditórias e multidimensionais, quer a dos educandos”, que procure “articular conhecimento abstrato e saber contextual, sendo essa articulação mediada pela reflexão sobre a acção e na acção”.

No que tange à atuação da instituição educacional coordenadora dessas ações, ela estará pautada na concepção de Salles (2011, p. 13-14) que considera: […] que desenvolvimento sustentável não é um processo natural nem é incompatível com o jogo sem restrições das forças de mercado, portanto os governos, as entidades não governo e as multilaterais, e o cidadão comum terão função fundamental no processo de transição para esse novo padrão não apenas desejável, mas urgente de desenvolvimento, e que não apenas seja sustentável ecologicamente, mas acima de tudo que seja respeitável humanamente. Assim, a adoção dessas diretrizes teóricas servirá como um caminho primeiro para o acesso às comunidades quilombolas, construindo, com elas, o futuro na direção apontada por Santos (2005, p. 467), “dentro das ‘fendas’ culturais, sociais, econômicas, ambientais do sistema dominante – através de múltiplas e variadas experiências, incluindo aquelas que ocorrem no âmbito das atividades do desenvolvimento local”, permitindo inovação participativa. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste trabalho, intencionou-se apresentar um conjunto de ações a implementar na Região Litoral Norte do Estado do Espírito Santo, pelo Instituto Federal do Espírito Santo – Campus São Mateus, com e nas comunidades quilombolas moradoras nos municípios de Conceição da Barra e de São Mateus, reconhecendo a responsabilidade educacional do Instituto Federal para a elevação da escolaridade, formação profissional e inclusão produtiva com bem-estar social dos afrodescendentes capixabas, rumo aos ODM-ODS. Para tanto, as ações aqui propostas foram inseridas no Planejamento Estratégico do Instituto Federal do Espírito Santo, a ser executado no quinquênio 2014-2019, no âmbito do Projeto Estratégico Ifes Cidadania: ampliação de programas de extensão comunitária, pelo Ifes – Campus São Mateus, na perspectiva de construção conjunta de uma política pública de educação profissional técnica e tecnológica, gratuita e de qualidade, específica para as comunidades quilombolas do Norte Capixaba. Serão disponibilizados: equipe técnica, recursos financeiros suficientes e vontade política na consolidação da política educacional aqui proposta. Entretanto, deverá ser observado, na implementação das ações, o envolvimento das comunidades nesse programa, partindo do modelo de vida que escolherem para si, na percepção dos seus potenciais de desenvolvimento. Os agentes externos envolvidos, quais sejam, governo, pesquisadores e profissionais voluntários poderão atuar como facilitadores do processo de intercâmbio entre as comunidades para trocas culturais e fortalecimento de ações de inclusão produtiva na superação da situação de dependência, respeitando-se, incondicionalmente, o modelo traçado por elas. O monitoramento das ações será realizado pelas próprias comunidades, por meio de seus representantes inseridos no Núcleo Acadêmico ODM-ODS-PNUD da Região Litoral

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Norte do Espírito Santo, instalado no Ifes – Campus São Mateus, para acompanhamento das metas dos ODM-ODS, na Região. Além disso, serão produzidos relatórios de acompanhamento para análise do Ministério da Educação e de outros parceiros envolvidos no programa. A educação de jovens e adultos – articulada com a economia solidária – constitui-se elemento catalisador do desenvolvimento local em comunidades quilombolas, possibilitando-lhes a efetiva participação na superação das situações de vulnerabilidades e na consolidação de uma vida digna para todos. Isso, por meio da construção coletiva de um projeto de desenvolvimento emancipatório, partindo de uma visão global e desenvolvendo ações em âmbito local. As suas práticas inovadoras servirão como referência para a redução das desigualdades no campo da educação de jovens, adultos e idosos e contribuirá para a implementação da Agenda de Desenvolvimento Sustentável da Região Litoral do Norte do Espírito Santo 2016-2030. Esse foi o primeiro passo dado pelo Ifes – Campus São Mateus, no caminho da inclusão social do povo quilombola capixaba, pela oferta de educação de jovens, adultos e idosos e da formação técnica e profissional articuladas com o desenvolvimento comunitário local, procurando contribuir, dessa forma, para uma sociedade mais justa e sustentável. É necessário transformar a educação de jovens, adultos e idosos e a formação técnica e profissional, articuladas com atividades da economia solidária, em elemento-chave para a redução de desigualdades e apoio para a erradicação da pobreza da população rural brasileira.

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foto: PxHere

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22. O papel do Brasil na Agenda Ambiental Pós-2015 Autora: Paula Fontana de Lima

RESUMO Este artigo se propõe a demonstrar como o Brasil poderá ser um pioneiro na agenda ambiental Pós-2015. Levar-se-á em conta o discurso brasileiro e analisar-se-á sua disposição e capacidade para tornar-se um ator-chave na cooperação internacional voltada ao desenvolvimento sustentável, com destaque à ampliação da matriz energética sustentável mundial. Palavras-chave: Desenvolvimento Sustentável. Cooperação. Pioneirismo. Agenda Pós- 2015.

1 INTRODUÇÃO A crescente preocupação com as questões ambientais, pobreza e outros males da sociedade levou 189 nações a consolidarem, em setembro de 2000, metas discutidas no decorrer dos anos 1990, elaborando um documento que foi chamado de Objetivos do Milênio (ODM). “Assistimos, principalmente ao longo da última década, a um processo de institucionalização da questão ambiental.” (ALONSO; COSTA, 2002). Os ODM tinham o intuito de combater esses males, enumerados, concisamente, em oito objetivos, que são interconectados. São estes: reduzir a pobreza; alcançar o ensino básico universal; promover igualdade entre os sexos e autonomia das mulheres; reduzir a mortalidade na infância; melhorar a saúde materna; combater o HIV/Aids, malária e outras doenças; garantir a sustentabilidade ambiental; estabelecer uma parceria para o desenvolvimento. O Brasil vem sendo um grande ator na busca do alcance desses objetivos. É destaque nas pesquisas sobre a Aids, apresentou considerável diminuição da mortalidade infantil e o número de pessoas na linha da pobreza. É, principalmente, voz ativa e relevante na área ambiental; a questão ambiental está presente na agenda internacional há já algum tempo. A partir dos anos 1960, a preocupação com o meio ambiente cresceu de modo que passou a, gradativamente, ocupar uma posição de maior relevância nos fóruns internacionais. O impacto negativo da industrialização, como, por exemplo, a poluição, fez com que a prioridade da sociedade civil dos países mais ricos se voltasse para um novo estilo de vida (LAGO, 2007). Principalmente, “nas duas últimas décadas do século XX, a questão ambiental alcançou o status de problema global e tem mobilizado não apenas a sociedade civil organizada, os meios de comunicação, mas os governos de todas as regiões do planeta”. (ALONSO; COSTA, 2002, p. 115). Doravante, o Brasil tem se destacado nas conferências ambientais, principalmente por atrelar suas questões ao desenvolvimento econômico (LAGO, 2007). 2 OS NOVOS OBJETIVOS SUSTENTÁVEIS Sucedendo os ODM e seguindo as direções da Rio+20, a ONU formulou as novas diretrizes a serem seguidas nos próximos 15 anos, denominadas agora de Objetivos do

Desenvolvimento Sustentável (ODS) (BRASIL, 2015). As discussões se deram em 13 sessões realizadas ao decorrer de 2013 e 2014, e o Brasil participou de todas as reuniões (BRASIL, 2015). Foram elaborados 17 objetivos e 169 metas, dentre as quais se inclui a questão da busca pela energia sustentável (BRASIL, 2015). O Itamaraty ressalta o esforço brasileiro em implementar os ODM e enfatiza a posição de destaque do país na agenda pós-2015 (BRASIL, 2015). O documento “Elementos Orientadores da Posição Brasileira” é fruto da coordenação nacional pela realização de tais objetivos, envolvendo a participação de entes estatais, organizações não governamentais e da sociedade civil (BRASIL, 2015). Por meio desse documento pode-se perceber não somente as prioridades e preocupações brasileiras nessa nova etapa, mas também a estratégia para melhor implementar as diversas metas. Como sempre, o Brasil atrela o cumprimento desses objetivos ao desenvolvimento, afirmando que o país: [...] acredita que as discussões em curso sobre os ODS têm colocado demasiada ênfase no lado da produção, descurando-se dos padrões insustentáveis de consumo, área que exigirá fortes compromissos dos países desenvolvidos. O Brasil também tem defendido que os esforços de implementação dos ODS sejam articulados junto ao Plano Decenal de Programas sobre Padrões de Consumo e Produção Sustentáveis, que foi adotado na Rio+20. Conforme acordado no Plano, é fundamental que os países desenvolvidos assumam a liderança na adoção de padrões mais sustentáveis, tendo em vista suas capacidades e responsabilidades específicas. Todos os países devem, entretanto, promover iniciativas nessa área, em que os países desenvolvidos deverão assumir a liderança, e países em desenvolvimento seguirão padrões semelhantes, respeitando suas necessidades e capacidades, em particular seu direito ao desenvolvimento (BRASIL, 2014, p. 10). Nesse documento é frisada a importância de renovar e atualizar o que foi compromissado nos Objetivos do Milênio e não foi alcançado. Apesar de reconhecer os avanços que os 157


ODM proporcionaram nos últimos 15 anos, o Brasil aponta a dificuldade de sua aplicação, considerando a diversidade cultural e socioeconômica dos países signatários. Desse modo, as metas não cumpridas devem permear e guiar a agenda pós-2015 (BRASIL, 2014). Para tanto, o Brasil destaca a importância da cooperação internacional na busca do desenvolvimento sustentável. Em seu documento, o país assegura seus esforços conjuntos com os membros das Nações Unidas, tentando alcançar um formato mais transversal na questão ambiental dos ODS (BRASIL, 2014). Simultaneamente, deve haver o engajamento tanto de autoridades locais quanto da sociedade civil, “de modo a estimular a coordenação de esforços de diferentes níveis de governo para o cumprimento de metas, levando em conta, naturalmente, a estrutura político-administrativa de cada país” (BRASIL, 2014, p. 13). O Brasil garante que a articulação com a sociedade civil tem sido essencial no processo negociador da Agenda Pós2015. Seguindo esse exemplo, o país defende que os outros países e a ONU incorporem a participação da sociedade na realização dos ODS (BRASIL, 2014). Entretanto, para seguir seu próprio conselho, o Brasil precisa investir para compensar o descompasso entre as diferentes áreas de estudo ambiental: No Brasil, entretanto, constatamos uma importante defasagem entre a ação e o discurso das organizações sociais ambientalistas e a produção científica de instituições de pesquisa que atuam na área de “ciência ambiental” e a reflexão produzida pelas ciências sociais acerca do tema (ALONSO; COSTA, 2002 p. 116). Com as outras medidas, conjuntamente, o país propõe a elaboração de mecanismos de monitoramento individual no progresso dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, levando em consideração o contexto de cada país (BRASIL, 2014). No documento é argumentado: Os indicadores da Agenda Pós-2015 deveriam identificar o progresso no tempo, independentemente do nível inicial de desenvolvimento dos países. Do contrário, Estados com padrões iniciais muito ruins, mesmo com evolução positiva, terão resultados ruins (BRASIL, 2014, p. 13). Além disso, deve-se assegurar que cada Estado tenha independência para selecionar o caminho que mais lhe pareça apropriado para implementar os ODS (BRASIL, 2014). 3 AVANÇOS NOS ÚLTIMOS ANOS O Brasil conseguiu estabilizar a taxa de detecção HIV/Aids, nos últimos dez anos, mantendo-a em torno de 20 mil por cem mil habitantes, além de diminuir seu coeficiente

de mortalidade. Os registros entre crianças menores de cinco anos caíram, significativamente, entre 2001 e 2012 conforme o PNUD (2015). De acordo com o site do PNUD, a “estabilidade da taxa de detecção em um contexto de crescente aumento da capacidade de diagnóstico sinaliza, ao mesmo tempo, a interrupção da propagação da doença e a redução da incidência, tal como exigido pela meta A do ODM 6” (PNUD, 2015). A melhoria na saúde materna, entretanto, continua a ser um desafio. Apesar de ter indicadores melhores que seus vizinhos latino-americanos, o Brasil ainda está longe de alcançar as metas de redução de mortalidade materna. Mesmo assim, como aponta o site do PNUD, “a taxa de mortalidade materna brasileira caiu em 55%, passando de 141 para 64 óbitos a cada 100 mil nascidos vivos.” (PNUD, 2015). As cidades brasileiras também se preocupam em cumprir os objetivos. Em 2002, a UM-Habitat selecionou sete cidades da América Latina para trabalhar com metas locais, estando Belo Horizonte entre elas. Desde então, a cidade conseguiu cumprir as metas de redução da metade da população abaixo da linha da pobreza e de redução da mortalidade infantil. A cidade também obteve bons índices no que concerne o saneamento básico102 e taxas de alfabetização103 (PBH, 2015). 4 A QUESTÃO ENERGÉTICA A questão energética merece especial atenção, pois é uma das mais problemáticas para garantir a sustentabilidade ambiental. Na Cúpula de Joanesburgo, por exemplo, a discussão a respeito do assunto pouco evoluiu, pois a despeito dos avanços tecnológicos e do surgimento de fontes alternativas, como energia eólica ou solar, “os subsídios ao uso de energias ‘sujas’, como o carvão, parecem ainda inalteráveis por motivos políticos” (LAGO, 2007, p. 95). Isso ocorre porque “[...] os temas ambientais passam a estar sujeitos [...] às restrições impostas pela racionalidade administrativa, [em que] imperam as soluções pragmáticas” (ALONSO; COSTA, 2002, p. 116). Durante essa mesma cúpula, sob a direção brasileira, se engajaram União Europeia, América Latina e Caribe em uma campanha para que fosse incorporada ao Plano de Implementação uma meta de fontes renováveis de energia, no total da matriz energética mundial. Esse plano, no entanto, foi frustrado pela resistência dos Estados Unidos e dos principais países exportadores de petróleo (LAGO, 2007). Apesar disso, foram incluídos no texto final parágrafos que destacavam a importância da diversificação da matriz energética e da necessidade do fim de subsídios a energias nocentes ao meio ambiente (LAGO, 2007). Dessa maneira, a delegação brasileira “[...] foi reconhecida, de maneira geral, como uma das mais atuantes na Cúpula de Joanesburgo: havia coordenado o Grupo dos 77 e China em

102. “Em 2010, a população com acesso sustentável à água potável e ao esgotamento sanitário atingiu 98% e 95,7%, respectivamente, enquanto a proporção da população atendida por serviço de coleta de resíduos sólidos domiciliares chegou a 99,1%. Já a proporção de esgoto tratado em relação ao esgoto gerado na cidade era de 36,2% em 2000 e chegou a 72% em 2011”, conforme o PBH (2015). 103. Entre 1991 e 2010, verificou-se uma aproximação das taxas de alfabetização de homens e mulheres, demonstrando o cumprimento da meta de eliminar a disparidade entre os sexos nos ensinos fundamental e médio. Os dados demonstram que 99,5% das meninas e 99,3% dos meninos, com idade entre 15 e 17 anos, são alfabetizados no município. Já para a população com idade entre 18 e 24 anos, as taxas são de 99,7% para as mulheres e 99,4% para os homens”, ainda de acordo com o PBH (2015). 158


diversas negociações, e liderado a tentativa de fixação de uma meta para energias renováveis na matriz energética mundial” (LAGO, 2007, p.177). Os esforços na busca de energias renováveis colocam o Brasil como destaque mundial. Em 16 de dezembro de 2014, o Ministério do Planejamento anunciou que o país alcançou a posição de quarto maior produtor de energias renováveis, além de ter a quarta maior participação de fontes renováveis em sua matriz energética, tendo um índice de 42,6% em 2012 (PAC, 2014). O país vem aumentando, gradativamente, suas fontes de energia sustentável, com destaque para a energia eólica. Em 2015, o Brasil superaria a Alemanha, passando a ocupar o segundo lugar em expansão de energia eólica no mundo, perdendo apenas para a China (PAC, 2014). Esse grande potencial do setor atrai investimentos estrangeiros e colabora para a redução dos custos da energia eólica (PAC, 2014). Além disso, o país é o segundo maior produtor de etanol, perdendo apenas para os Estados Unidos, que utilizam o milho como sua matéria-prima, menos eficiente que a cana-de-açúcar (NOVA CANA, [s.d.]. Apesar disso, o Brasil ainda depende enormemente das fontes hidrelétricas para abastecer o país. Estas são responsáveis por quase 70% da energia elétrica do país, conforme o portal BRASIL (2014). A alta dependência dessa fonte é problemática, e é imprescindível que o Brasil diversifique sua matriz energética e, consequentemente, diminua essa dependência. Esse é um difícil desafio que, pelo menos no papel, está sendo contemplado. Os objetivos brasileiros a respeito das fontes energéticas envolvem dobrar a participação de fontes renováveis até 2030, além de assegurar o acesso universal a essas, fazendo com que os preços sejam acessíveis (BRASIL, 2014). Para tanto, o país pretende incitar financiamentos e promover parcerias na busca de energias sustentáveis (BRASIL, 2014). Esses fins são contemplados pelo Plano Nacional de Energia 2030 (PNE 2030) e pelo Balanço Energético Nacional (BEN2030), que subsidiam estudos em curto e médio prazo, como os supracitados planos de expansão de energia (SANTOS; SOUZA, 2011). Entretanto, essa estrutura de planejamento é extremamente problemática, pois apesar de capaz em termos econômicos, ela é: [...] fraca em modelos ecológicos, de forma que, sob o discurso da definição de uma estratégia de expansão da oferta de energia, dentro da ótica de desenvolvimento sustentável do país, o PNE 2030, de fato, não insere a variável ambiental no processo decisório. Os estudos de inventário e diagnóstico, por exemplo, apesar de admitirem a existência de alguns conflitos potenciais com relação às unidades de conservação, terras indígenas, quilombos, reservas extrativistas e às políticas de desenvolvimento sustentável para as regiões com potencial hídrico, limitaram-se à realização de descrições genéricas sobre tais assuntos, de forma que não se pode verificar se essas informações foram ou não ponderadas na tomada de decisão (SANTOS; SOUZA, 2011).

Além disso, Santos e Souza afirmam que o público foi trazido tardiamente ao processo decisório da PNE 2030. Houve seminários temáticos abordando as principais questões tratadas pelo plano, porém, isso serviu mais para esclarecer a sociedade civil sobre as práticas adotadas do que oferecer oportunidades para sugestões e discussões (SANTOS; SOUZA, 2011). Ademais, é enfatizada a essencialidade da transferência de tecnologias, o que dependerá da cooperação dos atores internacionais. O desenvolvimento econômico deverá ser atrelado à diversificação da matriz energética, já que a redução do consumo de energia por PIB industrial é uma finalidade brasileira. Também é uma meta brasileira “desenvolver infraestrutura energética de qualidade, confiável, sustentável e resiliente, para apoiar o desenvolvimento econômico e o bem-estar humano, com foco no acesso equitativo e a preços acessíveis para todos” (BRASIL, 2014, p. 23). Objetivos mais específicos, como promover a substituição de combustíveis fósseis em transporte público E diminuir a frota de veículos movidos exclusivamente por eles, além de cortar subsídios a esse tipo de combustível, também são citados (BRASIL, 2014). 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Como demonstrado, é possível perceber como o Brasil vem se esforçando e obtendo resultados positivos para os Objetivos do Milênio. Com a crescente institucionalização da agenda ambiental e humanitária, espera-se que os entes estatais participem, cada vez mais, de seu processo decisório. O fato de querer sediar múltiplas conferências ambientais demonstra não só a disposição, mas o interesse do Brasil em ter uma voz relevante na agenda ambiental. Entretanto, não há como isso ocorrer se o país adotar uma postura unilateral. O país também vem se esforçando e sendo destaque nas áreas de combate à Aids e na redução da pobreza e índices de mortalidade. Como já foi visto, o Brasil, além de predisposto, incentiva e clama por uma maior cooperação internacional, para facilitar a busca do desenvolvimento sustentável. O país se mostra disposto também a ter uma relação mais próxima e dinâmica com a sociedade civil, fator essencial para o cumprimento dos ODS. As conferências sediadas colocam vários setores da sociedade em proximidade com as discussões, entretanto, a maneira como eles são incorporados no processo decisório ainda tem que ser aperfeiçoada. É importante ressaltar que a cooperação entre os próprios entes federados é essencial para realizar os ODM e ODS. Como foi exemplificado pelo caso de Belo Horizonte, a ação dos governos locais traz ótimos resultados e é uma ferramenta eficaz para que se alcancem índices positivos nas áreas pretendidas. A elaboração do documento “Elementos Orientadores da Posição Brasileira “mostra que há interesse brasileiro em implementar os ODS. Mais que isso, traça um caminho de como o país pretende alcançá-los e destaca suas prioridades, criando expectativas tanto no plano nacional quanto no internacional para a atuação brasileira nesse futuro próximo. Esse documento também é uma forma 159


de cobrança do governo brasileiro, pois constitui uma promessa de ação que, se não for cumprida, poderá ser usada como exigência por atores internos e externos. Sobre o tema energia, existem vários empecilhos para que ele se desenvolva de maneira ideal, sendo eles barreiras tecnológicas, de custo ou políticas. Há entretanto, um claro objetivo de se dobrar a participação de fontes renováveis na matriz energética até 2030 e garantir sua acessibilidade. Existem investimentos voltados para a área, e o Brasil já se destaca, internacionalmente, pela sua produção de etanol e energia eólica. Todavia, isso não deve ser realizado em detrimento da preservação ambiental e o PNE 2030 deve ser revisto, para se adequar ao conceito de desenvolvimento sustentável. Tudo isso mostra que, apesar de enfrentar dificuldades, o Brasil já possui uma importante posição em relação ao cumprimento dos ODM. Ele tem um status relevante na área ambiental, sendo um pioneiro regional em várias matérias, e pretende continuar se aprimorando nessas questões. Ocupa importante posição na cooperação pelo desenvolvimento sustentável, e, mais especificamente, energias renováveis. O país, dessa maneira, tem a potencialidade de se tornar uma liderança regional na coordenação de ações e na cooperação entre várias esferas governamentais e não governamentais para o implemento dos ODS nessa agenda Pós-2015. Deve, entretanto, esforçar-se para superar suas defasagens e contradições no cumprimento de seus objetivos, para que possa ter credibilidade para conduzir a sociedade internacional nessa nova etapa.

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foto: Tiago Zenero

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23. Eu te sirvo, tu me hospedas! Objetivos do Milênio e a experiência da educação profissional com mulheres Autora: Nagila de Fátima Rabelo Moraes104 Autores: Wilson Camerino dos Santos Junior105 Armando Paulo Ferreira Loureiro106

RESUMO Este trabalho apresenta a experiência do Instituto Federal do Espírito Santo – Ifes Campus São Mateus, com a realização de cursos de qualificação profissional disponibilizados pelo governo federal, executados dentro da Metodologia de Acesso, Permanência e Êxito do Programa Mulheres Mil. Experiência esta consoante com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Por meio da formação de mulheres em situação de vulnerabilidade socioeconômica na construção de sua autonomia, buscou-se alcançar por meio de intervenções educacionais a transformação e a libertação das educandas; de uma situação de servir para ser servida e poder visualizar novas perspectivas para o futuro. Este ensaio é de caráter exploratório e qualitativo, realizado por meio de levantamento documental e de relatos das aprendizes do curso de Qualificação Profissional em Camareira em Meios de Hospedagem. Os resultados apontam a Qualificação Profissional de mulheres como importante estratégia para que os ODS sejam alcançados. Palavras-chave: Nova Agenda. Formação Profissional. Mulheres.

1 INTRODUÇÃO Kofi A. Annan, sétimo Secretário-Geral das Nações Unidas, ao fazer o prefácio da Declaração dos Milênios das Nações Unidas, aprovada na Cimeira do Milênio, em setembro de 2000, quando 189 nações firmaram um compromisso para combater a extrema pobreza e outros males da sociedade, enfatizou esse desafio da ONU. Essa promessa, concretizada em 8 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) que deveriam ser alcançados até 2015, mostra a importância de sempre se refletir sobre o que é realmente importante para as pessoas. O dever de cada um para com o próximo e para consigo mesmo é empenhar-se em participar do planejamento do desenvolvimento da comunidade na qual se está inserido, expandir o círculo de ação e deixar-se conduzir pela visão e sonho de que é possível construir um mundo melhor ao nosso redor. Quando paramos para pensar e refletir nas ações que temos e fazemos em nosso círculo de ação, estamos pensando em âmbito global, pois a ação de cada um desencadeia uma série de ações e assim, pode-se pensar, no mundo. Como se aprende na lição em Isaías 41:6 (BÍBLIA SAGRADA): “Um ao outro ajudou e ao seu companheiro disse: esforça-te”. Se eu pensar em mim e pensar no meu semelhante, seremos um pedacinho de um grande cosmo que nos cerca. Dizer ao semelhante que estamos ao seu lado repartindo os talentos que a vida nos concedeu nos leva a considerar que determinados valores são essenciais para as relações internacionais no século XXI, como a liberdade, a igualdade, a solidariedade, a tolerância, o respeito pela natureza e a responsabilidade comum.

Ao se alinharem os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM) aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), observa-se que estes devem ser alinhados às três dimensões do desenvolvimento sustentável (ambiental, social e econômica) e suas interconexões. Para isto, devemse levar em conta as diferentes realidades nacionais, capacidades e níveis de desenvolvimento de cada lugar, bem como dos povos que habitam e coabitam esses espaços. Então, vê-se que os ODS exigem cooperação global, sendo esta firmada por meio de parcerias de cunho educacional, tecnológico, profissional etc. Em setembro de 2015, ocorreu a adoção dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), processo que foi iniciado em 2013 e, seguindo mandato emanado da Conferência Rio+20, os ODS deveriam orientar as políticas nacionais e as atividades de cooperação internacional nos quinze anos seguintes, sucedendo e atualizando os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Neste ensaio, enfatiza-se o ODS 4: garantir educação inclusiva equitativa e de qualidade; e o ODS 5: alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas. A metodologia utilizada neste ensaio foi o estudo de caso, sendo este descritivo e avaliativo. A construção dos dados realizou-se pela realização de atividades práticas e teóricas para um grupo composto de 12 aprendizes, seguida da aplicação de entrevista com um roteiro semiestruturado que consistiu em formular, previamente, os pontos essenciais a serem abordados, procurando-se oferecer às

104. Professora no Instituto Federal do Espírito Santo – Campus São Mateus, Brasil. Doutoranda em Ciências da Educação pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (Turma 2012-2015). Correio eletrônico: nagilamoraes@ifes.edu.br 105. Professor no Instituto Federal do Espírito Santo – Campus São Mateus, Brasil. Mestre em Educação. Correio eletrônico: wilson.santos@ifes.edu.br 106. Professor da Escola das Ciências Humanas e Sociais da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Portugal. Investigador do Centro de Investigação e Intervenção Educativas da Universidade do Porto, Portugal, e do Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento da Utad, Portugal. Correio eletrônico: aloureiro@utad. pt 161


aprendizes uma abordagem livre sobre a aprendizagem, a fim de contribuir para a percepção de suas angústias e/ou satisfação e aspirações, seguindo o instrumento de aprendizagem e avaliação totalmente baseado na Metodologia Mulheres Mil. No fim do curso, construiu-Se um portfólio com a linha do tempo da história de vida das alunas, para que elas despertassem a consciência da sua trajetória e do processo de aprendizagem que sofreram durante o curso Camareira em Meios de Hospedagem. 2 RELAÇÃO DOS OBJETIVOS E DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO COM OS PROGRAMAS PRONATEC E MULHERES MIL Por ser o Brasil um país multifacetado, os ODS propostos estão sendo construídos sobre as bases estabelecidas pelos ODM de maneira a completar o trabalho destes e responder a novos desafios. Esses objetivos, ao constituírem um conjunto integrado e indivisível de prioridades globais para o desenvolvimento sustentável, contribuem para o verdadeiro desenvolvimento humano e combate à pobreza, ensinando àquele que precisa a pensar em como este pode ser útil: a sua para sua família, sua comunidade e ao seu país, e não em como o governo pode ser o único e exclusivo responsável por fornecer-lhe tudo, sem nada em troca. Pensando nisto, a partir do comprometimento dos governos em desenvolverem programas que garantam educação inclusiva, equitativa e de qualidade (ODS 4), como o programa de governo Pronatec, e que alcancem a igualdade de gênero e empoderamento de todas as mulheres e meninas (ODS 5); e como o programa de governo Mulheres Mil, pode-se dizer que o Brasil e suas comunidades estão, pouco a pouco, se comprometendo com a cidadania social, procurando garantir os direitos dos cidadãos à educação, à saúde e à segurança social. Cabe à educação ser essa ponte, esse elo de ligação entre programas, projetos e ações, pois o processo de educação de jovens e adultos deve produzir aprendizagem. Ele tem de ter a intenção de transmitir conteúdos que podem ir dos níveis mais básicos dos processos de alfabetização até as qualificações universitárias e, em todos esses níveis, sendo aplicadas diferentes metodologias. Por meio da educação, o aprendiz deve melhorar suas competências técnicas e/ou profissionais, como também, caso seja necessário, reorientá-las. A intenção última desta, então, pode-se dizer, é fazer com que o adulto atenda às suas próprias necessidades e às da sociedade em que vive, pois ao alcançar o desenvolvimento pessoal, sua participação no desenvolvimento social, econômico e cultural, consequentemente, crescerá. Marope, Chakroun e Holmes (2015, p. 79) dizem que: Melhor identificação e antecipação das necessidades de habilidades exigidas pelo mercado de trabalho. Melhorar a capacidade de resposta dos sistemas de TVET às demandas do mercado de trabalho requer um entendimento profundo não apenas das habilidades necessárias para apoiar o desenvolvimento econômico desejado, mas também das habilidades necessárias em curto, médio e longo prazo.

A educação de adultos pode ser definida como uma educação globalizada, que faz integração entre vida não profissional e educação, e vida profissional e educação; ela também tem que fornecer os meios para que o aprendiz atue na comunidade em que vive participando politicamente e socialmente. Segundo Canário (1999), na educação de jovens e adultos as questões analisadas são bem diferentes da educação de crianças, pois o adulto tem necessidades diferentes e específicas de expressar seus conhecimentos. Os adultos se pautam por uma necessidade de saber que seja útil e necessária, pois são responsáveis por seus atos e decisões, e isto os leva a aprender a partir de suas próprias experiências. Ele ressalta ainda que há altos níveis de analfabetismo funcional no mundo, independentemente das condições econômicas e sociais, por causa da ineficiência da escola e problemas dentro desta relacionados à desmotivação dos alunos e à proletarização do trabalho dos professores. Para ele, os jovens e adultos estão dispostos a iniciar um processo de aprendizagem desde que compreendam a sua utilidade para melhor enfrentar os problemas reais de sua vida pessoal e profissional, pois aprender significa encontrar caminhos para resolver problemas e encontrar soluções. Além disto, os adultos são motivados por estímulos externos, como, por exemplo, a promoção profissional, a satisfação profissional, a autoestima, uma melhor qualidade de vida, entre outros. Para a Unesco (1978), aquele que consegue ler e escrever é considerado uma pessoa alfabetizada, mas há diferença entre saber ler e escrever, ser alfabetizado, e viver na condição ou estado de quem sabe ler e escrever, ser letrado. Osório (2003) faz uma análise mais profunda, ao definir as várias formas de iliteracia, existem: o analfabetismo causado pela não escolarização ou subescolarização; o iletrismo; o analfabetismo funcional; o analfabetismo residual; e diversas outras formas de analfabetismo, sendo que a iliteracia que se quer destacar neste trabalho seria o analfabetismo funcional como característica de algumas minorias em desvantagens sociais, o que, por sua vez, leva a uma subqualificação no contexto laboral oriundo da vertente cultural da pobreza e do efeito generalizado da cultura de massas sobre “as maiorias silenciosas”. É possível ver, então, que aquilo que se pensa e se reflete sobre o analfabetismo e seus diversos significados leva também a se pensar em práticas pedagógicas diferenciadas que respeitem as características inerentes de cada um, para que o aprendiz possa fazer uso dessa aprendizagem de acordo com suas reais necessidades. Mezirow citado por Osório (2003) entende que a educação de adultos deve elaborar e atuar sempre pensando na construção do diálogo destes com o mundo do trabalho; pois a aprendizagem das pessoas adultas tem a função de dar significado à experiência e deve estar dirigida para a emancipação social e individual, ajudando-as “a serem mais autônomas, aprendendo a negociar com os outros os próprios valores, significados e propósitos, ao invés de atuarem acriticamente” (OSÓRIO, 2003, p. 137). E então, apesar de se estar vivendo em um momento dominado pelo conhecimento e avanço tecnológico, a imprevisibilidade do mundo do trabalho é uma realidade que faz parte do cenário político e econômico da maioria dos países, por isto, torna-se necessário um maior investimento 162


no campo da educação, capacitando a classe trabalhadora e ensinando-a a superar seus limites, ensinando-a a sonhar, a planejar sua vida. É necessário, também, enfatizar que só há um verdadeiro desenvolvimento humano quando o oprimido (FREIRE, 1987, 1989) sai da condição de excluído e se torna parte de uma comunidade na qual opina, argumenta, sugere, faz, vive a verdadeira educação libertadora (FREIRE, 1989, 1997). Nas últimas décadas, os governos municipais e estaduais, além do federal, vêm tentando consolidar o espaço da educação de jovens e adultos como parte integrante do conjunto de políticas educacionais. Dentre estas, destaca-se o Programa de Acesso ao Ensino Técnico e ao Emprego (Pronatec), utilizando a metodologia de acesso, permanência e êxito, de acordo com o Programa Mulheres Mil. O Programa foi desenvolvido pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec), que é vinculada ao Ministério da Educação, em parceria com o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome e o programa Mulheres Mil, voltado para trabalhar a questão de gênero, aliada à profissionalização e à elevação de escolaridade da mulher. A educação de jovens e adultos tem de ser mais do que uma educação compensatória. Tem de ser uma articulação entre a educação básica, e esta educação, continuada, como direito de todos. Instituir e constituir práticas para a educação de jovens e adultos são ações essenciais para assegurar as devidas condições, a fim de que os saberes práticos e teóricos possam ser organizados para uma melhor formação, tanto do educador quanto do educando, com o objetivo de promover o verdadeiro aperfeiçoamento profissional. Podem ser incluídos nesse processo, além da qualificação profissional, o desenvolvimento comunitário, a formação política e um número sem fim de questões culturais pautadas em outros espaços que não o escolar.

3 EMPODERAMENTO DE MULHERES: O ALCANCE DOS ODM EM DIREÇÃO AOS ODS De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres não são tratados apenas como direitos humanos, mas também porque são um caminho para o alcance dos ODM e do desenvolvimento sustentável. A redução da pobreza, a construção da governabilidade democrática, a prevenção de crises e a recuperação e a promoção do desenvolvimento sustentável são ações coordenadas pelo PNUD. Em questão aqui, enfatizam-se a igualdade de gênero e o empoderamento feminino. Para o PNUD (2015) deve-se assegurar que “as mulheres tenham voz ativa em todas as instituições de governança, para que possam participar em igualdade com os homens no diálogo público e nas tomadas de decisão e influenciar as decisões que irão determinar o futuro de suas famílias e países”; pois a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres são direitos humanos que se acham no centro da realização dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Friedman (1996, p. 8) afirma que empoderamento “é todo acréscimo de poder que, induzido ou conquistado, permite aos indivíduos ou unidades familiares aumentarem a

eficácia do seu exercício de cidadania”. Empoderar as mulheres e promover a equidade de gênero em todas as atividades sociais e da economia são garantias para o efetivo exercício da cidadania e da autonomia feminina, pois esta vem contribuindo para o mundo do trabalho, mas com remuneração mais baixa, volume de trabalho maior e divisão de responsabilidade desigual. Nesse sentido pode-se afirmar que os direitos da mulher ainda não foram conquistados na integridade. Empoderar a mulher pressupõe mudar premissas de gênero que foram sustentadas por séculos e séculos por uma sociedade patriarcal; pressupõe fazê-la repensar sobre seu papel na sociedade, pressupõe ajudá-la a modificar sua autoimagem; e passa, portanto, por uma transformação no conceito que ela tem de si mesma em sua autoestima, que, se estiver baixa, a própria mulher torna-se sua pior opressora, sabotando seu potencial. Então, quando se pensa em igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres (ODM3), quando se pensa em garantir educação inclusiva, equitativa e de qualidade (ODS3); e quando se pensa em alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas, vê-se que, por meio das políticas públicas, é possível garantir isso, se não totalmente, pelo menos, em um primeiro momento, produzir conhecimento e ações pautadas em metas que levem à criação de cursos, projetos e programas que apoiem o empoderamento da mulher. Nesse contexto, a formação de mulheres no âmbito da educação profissional significa um novo cenário de ações que corroboram uma nova agenda, que servirá no Norte do Estado do Espírito Santo, como referência brasileira, se não mundial, para implementar os ODS; e, para além da implementação, a importância de tomar esses objetivos como preconizadores das políticas públicas e sociais a serem desenvolvidas com a população em situação de vulnerabilidade social. Nesse novo cenário, com uma agenda pautada para o empoderamento de mulheres, tem-se um processo de apropriação de direito e a inclusão social, sua instrução, sua profissionalização, como também a consciência da cidadania. O ano de 2005 demarcou o décimo aniversário da Conferência Mundial de Pequim sobre as mulheres e enfatizou o empoderamento das mulheres. Entre os “Objetivos do Milênio da ONU” (UNESCO, 2005), há o terceiro objetivo, que é: “promover a igualdade entre os gêneros e dar mais poder às mulheres”. Além da Conferência Mundial de Pequim, o Fórum Econômico Mundial, comprometido com a melhoria das condições do mundo, elaborou o documento “Empoderamento das Mulheres – Avaliação das Disparidades Globais de Gênero” (FEM, 2005), definindo cinco dimensões importantes para o empoderamento e oportunidade das mulheres: participação econômica; oportunidade econômica; empoderamento político; conquistas educacionais; e saúde e bem-estar. Sobre a relação empoderamento das mulheres e objetivos do milênio, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que desenvolve projetos em quatro áreas-chave estabelecidas no Programa de país para o ciclo de 2012-2015, destacam-se, aqui a redução de desigualdades e a redução da vulnerabilidade à violência/ segurança cidadã, com apoio, em especial, à formulação e à 163


implementação de políticas públicas. A partir do documento citado, podem ser consideradas as dimensões de empoderamento apontadas por Friedman (1996): o social, o político e o psicológico. O empoderamento social da mulher trata-se do acesso desta à informação, serviços, conhecimento e técnicas, e recursos financeiros. O empoderamento político diz respeito ao processo pelo qual ela toma suas decisões e de como ela participa, representativamente, em sua comunidade. O empoderamento psicológico ou pessoal dá-se a partir do seu despertar de consciência em relação à sua autonomia e desenvolvimento pessoal; de como lida positivamente, sem deixar que a autoestima e a autoconfiança interfiram, negativamente, em suas questões de foro íntimo e também social. Como afirma Nóvoa (1995, p. 25): A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal. Por isso é tão importante investir a pessoa e dar um estatuto ao saber da experiência [...]. Práticas de formação que tomem como referência as dimensões coletivas contribuem para a emancipação profissional e para a consolidação de uma profissão que é autônoma na produção dos seus saberes e dos seus valores. Considerando Nóvoa (1995) e as diretrizes de implementação do programa Mulheres Mil observa-se que, ao oferecer oportunidades educacionais aos trabalhadores por meio de cursos de formação inicial e continuada ou qualificação profissional, o Pronatec tenta cumprir, então, o papel para o qual foi criado: expandir e democratizar a oferta de cursos de educação profissional técnica de nível médio e de cursos de formação inicial e continuada, ou qualificação profissional presencial e a distância para trabalhadores e cidadãos. O Pronatec e o programa Mulheres Mil, bem como outras políticas de educação Profissional desenvolvidas pelo Ifes – Campus São Mateus foram consoantes com os 8 Objetivos do Milênio para 2015, sendo que se destaca, neste trabalho desenvolvido, o terceiro objetivo: igualdade entre os sexos e autonomia entre as mulheres, pois o governo conduz a uma política de empoderamento das mulheres por meio do Programa Mulheres Mil. 4 ANÁLISE DO CURSO CAMAREIRA EM MEIOS DE HOSPEDAGEM A partir de uma análise da situação das mulheres em nossa comunidade, a proposta foi desenvolver um trabalho com as aprendizes do curso Camareira em Meios de Hospedagem. Foi construída uma abordagem a partir do contato e consequente diagnóstico de suas experiências profissionais e pessoais; inicialmente, ensinando-as a relatar suas experiências de vida em um portfólio que continha a linha do tempo da vida de cada uma. Além do currículo elaborado para a prática do dia a dia das aprendizes, foi construída com elas também a inserção da língua inglesa como ferramenta para trabalho, mostrando-lhes situações em que poderiam utilizá-la.

O planejamento para o curso incluiu teoria e prática a partir da experiência de vida relatada de cada uma dessas mulheres. Essa construção do planejamento passou de aulas teóricas a aulas práticas, incluindo estágio supervisionado e visita técnica. A área de Governança, na qual a camareira em meios de hospedagem atua, é de extrema importância para a administração hoteleira. Essa área de atuação possui a responsabilidade perante o cliente em relação às suas maiores necessidades: estar cômodo, confortável, em ambiente limpo e claro, ter tudo em seu devido lugar e funcionando; sendo a camareira a profissional que executa as tarefas de arrumação e limpeza das unidades habitacionais, devendo estar apta para o exercício da profissão que está pautado no atendimento às necessidades dos hóspedes. Durante o curso, as aprendizes – por mais que detivessem experiências profissionais – depararam-se, em cada momento de sala de aula e durante o estágio, com termos, técnicas e visões pela primeira vez. Era notável a motivação para que não faltassem às aulas, inclusive as aprendizes apoiavam umas às outras, motivando a colega que, por algum motivo, sentia-se desanimada. Para Escola (2012, p. 351): A sociedade do conhecimento assenta em quatro grandes objetivos educacionais: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver em comum, aprender a ser. No que concerne ao primeiro grande objetivo educacional, procura-se munir o educando de instrumentos de compreensão, estabelecendo um equilíbrio entre a cultura geral vasta e a competência para tratar em profundidade pequenos fragmentos do real. A tônica é posta no aprender a aprender, não desperdiçando as possibilidades de aprendizagem que se oferecem ao longo da vida. Portanto, nunca é tarde para aprender, e o papel da escola é dar apoio e suporte entre mundo acadêmico e corporativo, para que um empoderamento real e prático ocorra com as mulheres. Assim pensando, a estrutura do curso foi construída com os seguintes componentes curriculares: Módulo I: Orientação Profissional; Cidadania e Direitos Humanos; Fundamentos do Turismo e da Hospitalidade; Comportamento Profissional e o Lado Humano da Qualidade na Hotelaria; Desenvolvimento da Hotelaria por meio do Sistema de Qualidade; Comunicação e Atendimento ao Cliente – total 60 horas. Módulo II: Saúde, Segurança do Trabalho e Responsabilidade Ambiental – Logística Reversa; Matemática Básica Aplicada à Gestão de Estoques; Informática Básica Aplicada e Inglês Técnico – total 50 horas. Módulo III: Técnicas do Serviço de Governança; Equipamentos, Materiais e Produtos de Limpeza e Técnicas do Serviço de Camareira – total 50 horas. Módulo IV: Atividade Prática Supervisionada, com práticas hoteleiras em um tradicional hotel (Norte Palace em São Mateus – ES) com 25 anos de mercado e uma visita técnica

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a um hotel da rede internacional Bristol, recentemente instalado na cidade de Conceição da Barra, litoral Norte do Espírito Santo. As 12 aprendizes iniciaram a primeira visita com a professora e a pedagoga. No primeiro momento, receberam instruções de comportamento da pedagoga e da professora, seguidas de orientações da governanta do hotel para a visita técnica, que objetivou percorrer todos os setores, conhecendo os insumos, os processos e os resultados dos trabalhos das camareiras do Hotel Norte Palace. Ao longo da visita, o grupo dividiu-se, acompanhando o trabalho da camareira, observando os procedimentos e, em seguida, as aprendizes realizaram procedimentos acompanhadas das camareiras e da professora. Foram objetivos da visita: dominar as técnicas relacionadas ao exercício da atividade de camareira, adequando a unidade habitacional para bem receber os hóspedes, por meio do conhecimento dos procedimentos de governança do hotel; identificar os insumos (amenidades, produtos de limpeza e rouparia); visitar as Unidades Habitacionais, depósitos e setores; entender como detectar e administrar os problemas de serviços dos quartos, controlando as demandas e as solicitações de hóspedes; e simular a realização de ações administrativas e operacionais nos ambientes de Meios de Hospedagem. Com isso, a visita técnica na etapa de estágio supervisionado possibilitou às alunas serem fortes candidatas à empregabilidade no mercado hoteleiro regional por meio do conhecimento e do desempenho das técnicas de trabalho. 4.1 EU TE SIRVO, TU ME HOSPEDAS Para o desenvolvimento dessa atividade, a segunda visita (hotel da rede Bristol, em Conceição da Barra – ES), considerada a formatura do curso, as alunas foram estimuladas a expandir seus ideais de vida por meio da participação de palestras e workshops, além da construção de um portfólio que continha a trajetória de vida com suas realizações e sonhos. Quase no fim do curso, a professora da disciplina “Comportamento profissional e o lado humano” e coordenadora do curso, pediu às alunas que desenvolvessem uma redação com o título: “Por que quero hospedar-me em um meio de hospedagem?” – todos os professores foram ajudando-as a enumerar as razões e sonhos, colocando-os “no papel”. Considerando as redações, Mariana disse que “gostaria de saber como é ser tratada como um hóspede, e que observaria o tratamento que receberia, bem como se este proporcionava um local para seu filho brincar”. Ana escreveu que “gostaria de se divertir, conhecer pessoas diferentes, passear muito e ser bem atendida”. Tereza enfatizou que “já havia se hospedado em um hotel antes, mas que nunca havia parado para observar como tudo funciona, e que agora tinha uma nova visão sobre meios de hospedagem”. Maria disse que “gostaria de se hospedar para realizar o sonho de passar uma noite em um quarto de hotel e tomar café da manhã com tudo o que tem direito”; disse também que “sempre teve este sonho de sair com o esposo, mas

que a situação financeira nunca havia permitido e que, sempre que tentavam economizar, sempre aparecia algo para furar o orçamento”. Joana nos contou em sua redação que “sempre teve o sonho de dormir em uma bela cama fofinha e aconchegante com lençóis limpos, cheirosos e de boa qualidade”. Sandra já descreveu a ação não como um sonho, mas para poder “observar se o hotel tem organização, limpeza, instalação de água correta, camas limpas, se o atendimento é feito com carinho e elegância, café da manhã e todo o conforto que o hóspede precisa para descansar”. Andrea, já na primeira linha da redação, enfatizou que “gostaria de hospedar-se em um hotel para poder relaxar e esquecer um pouco os problemas da vida, com conforto e, se possível, lembrando o aconchego de sua casa.” Acrescentou, também, que “gostaria de sair da rotina do dia a dia”. Maria das Graças escreveu que “nunca teve o privilégio de hospedar-se em nenhum hotel e que gostaria muito de ter esta oportunidade levando seu companheiro junto”. Catarina colocou que “gostaria de se hospedar em um meio de hospedagem para ter a oportunidade de conhecer um novo lugar, conhecer pessoas e de se relacionar melhor consigo mesma, tendo um tempo só para ela, usando esse tempo para refletir e se conhecer melhor”. Clara pontuou que “nos dias de hoje levamos uma vida muito corrida, com muitos afazeres e que seu dia a dia é recheado de tarefas extenuantes e cansativas”, enfatizando que, “como uma boa brasileira que é, gostaria de se divertir um pouquinho para não pirar”. Maria das Dores disse que gostaria de “ser hóspede um dia porque nunca foi, de ter um momento de lazer ao lado do esposo, sentir-se bem longe de tudo e todos, vivendo um momento que nunca havia vivido antes”. Disse também que “seria uma boa oportunidade de conhecer o que, futuramente, pode ser seu local de trabalho. Lúcia disse que “gostaria de ter essa experiência para poder descansar de pernas para o alto, aproveitando tudo o que tem direito em um fim de semana num bom hotel”. Foi marcada a visita ao hotel em um fim de semana. Depois da visita, uma grata surpresa lhes foi revelada. As aprendizes, orientadas a levar alguma vestimenta, pois iriam passar o dia no hotel, foram todas contempladas pela equipe de professores do curso, o diretor-geral e a pedagoga, com uma hospedagem no referido hotel. Esperou-se que, para além da experiência como hóspede por uma noite – já que muitas delas nem sequer haviam se hospedado ou visitado um hotel antes – com a realização da visita técnica, as alunas do curso de Camareira demonstrassem um perfil que lhes possibilitasse o desenvolvimento de atividades no universo da hospitalidade; que desenvolvessem o encantamento pela área e colocassem em prática as técnicas aprendidas ao longo do curso; além da percepção da importância da profissionalização para o mundo do trabalho, e com a experiência mais importante de todas: serem empoderadas pelo sonho de que podem e devem ser hóspedes também, podem e devem ser servidas também!

107. O nome de cada aluna do curso de Camareira em Meios de Hospedagem é fictício. 165


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este ensaio demonstrou a importância dos ODS e dos ODM que, atrelados com as políticas de educação profissional, colaboram para a elevação do nível de escolaridade de sua população e na elevação do nível geral de competências dos cidadãos, para que o país, realmente, possa crescer economicamente. Dessa forma, consolidando a oferta da educação profissional, é possível contribuir para materializar as competências linguísticas e culturais, assim como profissionais, dos cidadãos desfavorecidos no mundo do trabalho. Para isto é necessário que comunidades, empresas e autoridades políticas se unam nas tomadas de decisão, na cooperação, na elaboração e na aplicação das políticas públicas para a formação de jovens e adultos, e o aperfeiçoamento por meio da educação profissional. Este ensaio faz uma avaliação positiva quando relaciona os ODS e os ODM à educação profissional para mulheres em situação de vulnerabilidade, pois é uma tríade que permite o empoderamento da mulher. No Brasil, historicamente, as relações de gênero definem o papel do homem e da mulher na sociedade, de modo que, muitas vezes, o gênero feminino sempre foi colocado em desvantagem no acesso aos insumos ofertados pelo Estado, mercado e sociedade civil; neste sentido, prejudicando o alcance dos ODS e dos ODM, que têm em vista a perspectiva de, além de oferecer-lhe cursos de capacitação, oportuniza a construção de sua cidadania, ajudando-a a resgatar ou até mesmo a ter vontade e objetivo para realizar seus sonhos. Como as relações de gênero têm um estabelecimento de cerceamento social, quando promovidas com fins de subjugação, e a mulher, cerceada de viver seu gênero feminino na mesma situação de igualdade que os homens, passa a viver nos limites do tecido social, depara-se com impeditivos para a implementação dos ODM e ODS. A experiência descrita neste artigo corrobora o entendimento de que esses impeditivos podem estar além do cenário político do Estado-nação para a implementação dos ODM e ODS, podem ser gestados nas relações domésticas e reproduzidos nas desigualdades, que são multiplicadas nas relações de desvantagem social do gênero. Criar novas formas de promover aprendizagens fora dos limites da organização escolar tradicional é uma tarefa, portanto, que impõe, antes de mais nada, um enorme desafio para os educadores. Romper o modelo de instrução tradicional implica um alto grau de competência pedagógica, pois para isso o professor precisará decidir, em cada situação, quais formas de agrupamento, sequenciação, meios didáticos e interações propiciarão o maior progresso possível dos aprendizes, considerando a diversidade que, inevitavelmente, caracteriza o público da educação básica de jovens e adultos. Para que haja um verdadeiro processo de democratização da educação é preciso que aprendizes, professores, acadêmicos e representantes da sociedade possam opinar e compartilhar conhecimentos em busca da verdadeira construção para a formação de jovens e adultos. Então se faz necessária para isso a presença de políticas públicas que garantam um efetivo acesso dos menos favorecidos aos serviços essenciais, sejam eles educacionais, culturais, sejam profissionais, sociais etc.

Por isto, é essencial o reconhecimento da centralidade da educação de adultos para enfrentar os desafios que hoje se colocam aos sistemas educacionais. É preciso reconhecer o papel primordial da iniciativa de todos na promoção da educação de jovens e adultos e responder às suas verdadeiras necessidades educativas. Conforme a frase atribuída ao filósofo grego Sócrates disse: “só sei que nada sei” – ele chegou à conclusão de que a sabedoria ultrapassa nossos limites e não temos como percebêla na sua totalidade. O verdadeiro sábio é aquele que se coloca na posição de eterno aprendiz. É necessário que se esteja sempre a pensar e repensar nesta construção para a formação de adultos, pois neste mundo globalizado em que vivemos, aquele que detém o conhecimento tem a fórmula da sobrevivência no mundo corporativo. Na comunidade mateense (São Mateus – ES), assim como em todo o Brasil, a ausência de profissionais qualificados é um problema que afeta, diretamente, o mundo do trabalho. Vê-se que é necessário aprofundar os conhecimentos existentes, adquirir outros novos, que permitam complementar as experiências vividas no desempenho da carreira, no mundo do trabalho. Percebemos que não podemos avançar em nosso desenvolvimento profissional contando somente com os conhecimentos adquiridos na formação básica; é necessário especializarmo-nos a fim de demandar conhecimentos, a fim de trabalhar. Para isso, como ensina Freire (1967, 1989, 1993), a construção da aprendizagem tem de ser significativa para o aprendiz, e este significado tem que fazer sentido tanto para quem aprende quanto para quem ensina. Por isto, melhorar e ampliar a capacitação profissional são pontos cruciais para o desenvolvimento de uma nação. É necessário que o ensino voltado para a educação de jovens e adultos busque conhecer quais competências e habilidades são mais importantes para esse jovem adulto no mundo do trabalho, assim como suas circunstâncias e finalidades. Por meio de uma maior e melhor capacitação profissional adquirimos uma nova atitude crítica sobre o processo histórico, fazemos uma revisão de nossos valores e objetivos, bem como adquirimos conhecimentos que possam reestruturar a comunidade que nos cerca; isto é, há uma nova tomada de consciência da situação histórica em que vivemos, de nosso compromisso social e cultural e de participarmos mais efetivamente da comunidade na qual estamos inseridos. É papel da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica contribuir para a inclusão socioeducativa de mulheres, por meio da implementação e da implantação de cursos de qualificação profissional com elevação de escolaridade e reconhecimento de saberes, no âmbito do Programa Mulheres Mil; e da implementação de uma metodologia de acesso, permanência e êxito para a inclusão cidadã de mulheres vulneráveis, em especial, as mulheres quilombolas capixabas, para a sua inserção no mundo do trabalho e/ou para a ampliação das possibilidades de ocupação e renda, em que se destaca, entretanto, a necessidade de uma participação da Instituição no que se refere ao encaminhamento dessas ao mundo do trabalho. Recomenda-se, portanto, que sejam viabilizados outros cursos de qualificação voltados para esse gênero e enfatiza166


se a necessidade de uma participação da Instituição no que se refere ao encaminhamento dessas mulheres ao mercado de trabalho.   REFERÊNCIAS BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Brasília, 9 jan. 2003. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm>. Acesso em: xx set. 2015 BRASIL. O Plano Nacional de Educação (2014/2024) em movimento. Boletim PNE em Movimento. Disponível em: <http://pne.mec.gov.br/>. Acesso em: xx ago. 2015. BÍBLIA, Português. Bíblia Sagrada: Antigo e Novo Testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida. ed. rev. e atualizada no Brasil. Brasília: Sociedade Bíblia do Brasil, 1969. BRUSCHINI, Maria Cristina Aranha. Trabalho e gênero no Brasil nos últimos dez anos. Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 132, p. 539, set./dez. 2007. CANARIO, Rui. Educação de adultos: um campo e uma problemática. Lisboa: Educa, 1999. (Educa – Formação, v. 7). CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO DE ADULTOS: MARCO DE AÇÃO DE BELÉM, 6., 2010, Belém. Anais... Brasília: Unesco, 2010. Disponível em: <http:// www.unesco.org/fileadmin/MULTIMEDIA/INSTITUTES/UIL/ confintea/pdf/working_documents/Belem%20Framework_ Final_ptg.pdf>. Acesso em: xx abr. 2015. DEGRAFF Deborah S.; ANKER Richard. Gêneros, mercados de trabalho e o trabalho das mulheres. In: PINELLI, Antonella (Org.). Gênero nos estudos de população. Tradução de Renato Aguiar; Cristina Cavalcanti. Campinas: Associação Brasileira de Estudos Populacionais – Abep, 2004. p. 163197. ESCOLA, J. Livro de actas. SOPCOM. Portugal, 2012. p. 344351. EUR-LEX. Legislação da UE e documentos conexos. Disponível em: <http://europa.eu/legislation_summaries/ education_training_youth/lifelong_learning/c11097_ pt.htm>. Acesso em: xx abr. 2015. FÓRUM ECONÔMICO MUNDIAL. Empoderamento de mulheres. Avaliação das disparidades globais de gênero. Genebra, 2005. FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1967. _______. Pedagogia do oprimido. 23. reimp. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1987.

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foto: Tiago Zenero

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24. A importância da boa governança ambiental para o alcance das metas de Desenvolvimento do Milênio Autor: João Mendes da Rocha Neto

RESUMO O Brasil é um país de desigualdades expressas em diversas dimensões. Seu quadro de pobreza e miséria, construído historicamente, vem sendo modificado ao longo das duas últimas décadas, com avanços nas mais diversas áreas. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) se constituíram em um poderoso orientador para a formulação de políticas públicas para o enfrentamento desse quadro de pobreza e miséria. No entanto, ainda persistem alguns problemas que manifestaram avanços incipientes, como é o caso do saneamento. É possível que esse cenário decorra da assimetria existente entre os governos subnacionais que ainda encontram dificuldades de planejar e implementar ações dessa envergadura, sobretudo, nas pequenas localidades. Este artigo propõe uma discussão das causas estruturais que criam esses obstáculos, bem como refletir sobre as possíveis saídas para superar esse quadro. Para tanto, foram feitas uma revisão de literatura e consulta aos marcos legais e bases oficiais para estruturar tal contribuição. Palavras-chave: saneamento. ODM. Governos subnacionais.

1 INTRODUÇÃO No relatório que avalia os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) 2014, observa-se um considerável avanço em quase todas as metas e por todos os continentes que possuem áreas marcadas pela pobreza e pela miséria. No entanto, ainda persiste um problema relacionado às questões relativas à oferta de água de boa qualidade e ao tratamento dos rejeitos domésticos para esses contingentes populacionais, o que suscita uma questão: quais as dimensões dos problemas que vêm dificultando os avanços nesse tema? Se a questão socioambiental está na pauta do mundo e de muitos governos nacionais, quais seriam as dificuldades de se promoverem avanços, sobretudo no que se refere à oferta de serviços de saneamento e água adequados para contingentes populacionais que habitam em muitos países? Percebe-se, por meio de diversos estudos, que existem aspectos mais amplos, tais como a desigualdade e a assimetria entre os distintos níveis de governo, que se constituem em obstáculos aos avanços requeridos, e seus efeitos já se fazem refletir em diversos países, a exemplo do Brasil. Nesse sentido, este artigo propõe um debate que ultrapassa as escalas locais, caminhando para a atuação nacional e global dos agentes responsáveis pela temática, pensando em uma perspectiva de articulação horizontal nos três níveis governamentais e no diálogo com os governos subnacionais, para conferir efetividade ao conjunto de ações originadas do poder público. Para sua elaboração, foi necessária uma revisão de literatura que apoiou o debate, bem como consultas a documentos oficiais (relatório e legislação) que contribuíram para evidenciar a problemática. Adicionalmente, foi necessária a consulta às bases de dados, em organizações governamentais ou não, que tratam do tema. De posse desse conjunto de informações e das provocações

teóricas, foi possível construir este artigo, fazendo algumas reflexões e encaminhando propostas a serem discutidas e aprofundadas. O trabalho se estrutura a partir de uma revisão de literatura que procura englobar aspectos relacionados à assimetria que marca a implementação de políticas públicas, sem perder de vista o debate do saneamento como condição para garantir o bem-estar dos indivíduos. Adicionalmente, nessa primeira fase, há um debate sobre as estruturas de governança em diferentes escalas (mundial, nacional e local) e as dificuldades de se estabelecerem diálogos para promover avanços mais efetivos. Na etapa subsequente, procurou-se encaminhar a discussão que enfatiza as dificuldades de avançar nessa dimensão dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, trazendo algumas comparações com outras metas e evidenciando os problemas que ainda persistem na oferta de serviços adequados de saneamento. Na etapa final do artigo, são discutidas algumas propostas preliminares, a título de reflexão, para se tentar construir uma agenda mais consistente, que garanta avanços em relação ao assunto. 2 BREVE DEBATE TEÓRICO SOBRE O PROBLEMA A constituição do Brasil como federação foi marcada, historicamente, pelas desigualdades, em escalas diversas e, sobretudo, em relação ao poder concentrador do governo central. Em períodos recentes, pós-Constituição de 1988, com a retomada da democracia, algumas mudanças em direção a um maior equilíbrio parecem ter sido sinalizadas, com a descentralização e a desconcentração. São esses dois movimentos, amparados pela delegação de atribuições dadas pela nova Constituição, e que vêm aumentando, sobremaneira, as responsabilidades dos municípios. No entanto, ainda persiste um problema que é histórico e, 169


portanto, estrutural: as assimetrias entre as capacidades institucionais dos governos subnacionais, sejam eles estaduais, sejam as municipalidades, o que tem se refletido nas suas competências para implementar as políticas públicas e cumprir seus mandatos constitucionais à altura do que necessitam os cidadãos. Cavalcante, citando Arretche, oferece uma excelente contribuição a esse panorama, ao dizer: [...] Com efeito, observa-se um processo heterogêneo de gestão compartilhada, influenciado pela importância da temática na agenda governamental, pelo desenho de cada política específica e pela distribuição prévia de competências e do controle sobre os recursos entre as esferas de governo. Em certas áreas optou-se pela transferência aos entes subnacionais da prerrogativa de decidir o conteúdo e o formato dos programas, enquanto em outras os governos estaduais e municipais tornaram-se responsáveis pela implementação de políticas definidas em nível federal (ARRETCHE apud CAVALCANTE, 2011, p. 1786). Assim, quando o governo central formula suas políticas públicas, muitas vezes não são consideradas as particularidades encontradas no território nacional, nem tampouco as distintas capacidades das municipalidades de contribuir, efetivamente, para solucionar problemas que essas ações se propõem solucionar. Nas últimas décadas, muitas dessas políticas têm sido incorporadas à agenda, em face de problemas que são mundiais e passam a ser tratados como prioridade pelos governos nacionais. Dessa forma, quando o Brasil tornase signatário de alguma convenção internacional ou quando participa de eventos mundiais para discutir esses problemas quase sempre o resultado é a formulação de políticas públicas para tratar as questões. Verifica-se que existe uma ampla agenda mundial que trata desde questões de habitação, até os problemas de discriminação de gênero e raça, passando por aspectos ambientais, dentre outros. Sob tal debate, Rodrigues destaca: [...] as relações entre as políticas das organizações intergovernamentais e os assuntos internos dos Estados, aí incluídas suas políticas públicas, manifestam-se de duas maneiras: a) pela adesão progressiva de normas e políticas negociadas e consensuadas no âmbito das Organizações Intergovernamentais, respeitando o voluntarismo dos Estados; 2) pela aceitação de modalidades de ingerência, em graus diversos, exercidas por algumas Organizações Intergovernamentais, em razão de sua natureza e de sua evolução, vis-àvis os novos cenários e os novos temas das relações internacionais (RODRIGUES, 2006, p. 197). Nesse sentido, pode-se entender a Declaração do Milênio, no ano 2000, como o ponto de partida para que diversos países se comprometessem com mudanças estruturais e melhorias na qualidade de vida de suas populações, sobretudo aqueles com grandes contingentes de pessoas vivendo na pobreza e na indigência. Assim, essas nações se comprometeram com as Metas de Desenvolvimento do Milênio, estabelecidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) na busca de mudanças tão almejadas,

como se verifica na redação do relatório de 2014: “Os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) foram um compromisso para defender os princípios da dignidade humana, da igualdade e da justiça, e libertar o mundo da pobreza extrema” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2014, p. 3). .Esse compromisso passava, necessariamente, pela inclusão desses temas, de forma prioritária, nas agendas governamentais, considerando que muitos desses países teriam um enorme desafio a enfrentar em face dos quadros de desigualdades socioeconômicas que apresentavam. Entre eles estava o Brasil. Dessa forma, um conjunto de políticas públicas foi se desenhando ao longo dos últimos 15 anos, tendo por finalidade o diálogo com as Metas. No entanto, apesar dos consideráveis avanços empreendidos em quase todos os campos, um deles ainda tem um longo caminho a ser percorrido, ao menos no caso do Brasil: o acesso a água de boa qualidade e serviços de saneamento adequados. Embora tenha ocorrido um considerável avanço na perspectiva institucional, nas duas últimas décadas, quando o país passou a regular e a sistematizar um conjunto de políticas públicas, com a participação da sociedade, ainda persiste um enorme déficit na questão do saneamento ambiental, reiterado nas palavras de um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2010, p. 4): “Ao findar a primeira década do século XXI, uma parcela significativa da população brasileira ainda não possui acesso ao abastecimento de água e ao esgotamento sanitário, e se possui, é de forma precária e insuficiente”. Cabe ressaltar que boa parte dos objetivos propostos nas Metas, de fato, encontra-se sob governança do Estado nacional. No entanto, as questões ambientais, por não conhecerem fronteiras políticas, são um caso de governança mundial e, portanto, necessitam de uma mobilização em escala planetária. Logo, pensar nas questões de saneamento passa pela dimensão do planejamento dos governos, mas também, por uma sensibilização da comunidade mundial no caminho de uma visão mais responsável sobre as questões ambientais, que têm na água e na crescente produção de rejeitos, sobretudo nas áreas urbanas, um fator central e muito delicado. Desde 1972, com a primeira Conferência sobre as questões ambientais, realizada em Estocolmo, na Suécia, e sua congênere relacionada às questões de habitação – Habitat, realizadas em Vancouver, em 1976, as nações do mundo se reúnem, em tese para chegar a consensos; mas, na realidade, se confrontam, tornando tais acontecimentos em uma arena em que marcam suas posições a partir dos atores hegemônicos mundiais e das conjunturas da economia. Assim, tanto nas conferências que tratam do meio ambiente quanto naquelas que discutem condições de habitação, são buscadas metas mundiais, como um ideal de superação dos quadros de pobreza e miséria, mas a incapacidade técnica e financeira dos governos nacionais ainda se constitui em um obstáculo para torná-las exequíveis. Sobre a questão, Mello-Théry destaca:

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A problemática ambiental encontra-se no centro desse turbilhão: do universo fragmentado, policêntrico e controverso; de articulação dos atores, lógicas e recursos múltiplos; de articulação entre as instituições e níveis administrativos do Estado; do mercado-Estadooutras lógicas privadas; da articulação local-nacionalinternacional (MELLO-THÉRY, 2011, p. 149) Dessa forma, há dificuldades de se estabelecer uma governança mundial em relação aos temas, impossibilitando aos Estados nacionais obterem orientações claras do que devem produzir como políticas públicas. Essa situação leva os governos a adotarem ações isoladas, olhando para dentro dos seus territórios, sem considerar a complexidade da questão socioambiental e a escala dos problemas. Essa forma de tratar a questão enfraquece alguns temas na agenda de políticas públicas, tanto na perspectiva dos recursos técnicos e financeiros, quanto na perspectiva institucional, uma vez que os problemas ficam secundarizados e sem visibilidade. Essa fragilidade se replica e se acentua no Brasil, onde as capacidades técnicas, financeiras e institucionais são muito heterogêneas e onde os problemas socioambientais são de natureza e intensidade diversas, como apresenta Abrucio: “As heterogeneidades, as trajetórias históricas e o legado cultural de cada país federativo impedem a elaboração de uma fórmula específica que oriente as federações” (ABRUCIO, 2010, p. 46). Se de um lado, a produção de políticas na área social avançou sobremaneira, nos últimos 15 anos, no Brasil, as iniciativas socioambientais não têm se mostrado com a mesma força. Isso pode ser reflexo de um cenário mais amplo que não sinaliza para consensos e, portanto, não orienta estratégias e diretrizes na formulação dessas políticas. Assim, há um efeito em cadeia, em que o governo central diminui o ímpeto no avanço do saneamento básico e da oferta de água de boa qualidade. Fato que é sentido, especialmente, nos municípios. Logo, pode-se dizer que, no caso do Brasil, o dissenso da comunidade mundial sobre as questões socioambientais, passando pelo governo central, possui reflexos nos poderes locais, sobretudo nas prefeituras das cidades menores. As ações na área social, que respondem por uma parte expressiva das Metas de Desenvolvimento do Milênio, conseguem ser implementadas com baixo custo para as municipalidades, uma vez que dependem, fortemente, do governo central. Já as iniciativas voltadas para a área ambiental, embora possam ter financiamento federal, na sua implantação, terão seu funcionamento custeado pelo poder público local, que, muitas vezes, não possui capacidade para fazêlo, e o caso do saneamento é emblemático. De acordo com a Pesquisa de Informações Básicas Municipais de 2011, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 609 municípios haviam elaborado seus planos de saneamento. Já a pesquisa Regulação 2013, da Associação Brasileira de Agências de Regulação (Abar),

feita com 2.716 municípios que têm agências reguladoras no setor de saneamento básico, mostrou que apenas 34% concluíram o plano até 2012. Ademais, os impactos dessas iniciativas quase sempre não são vistos em curto e médio prazo, ultrapassando os mandatos políticos. O melhor exemplo que se tem dessa situação é a legislação que determina a elaboração de Planos Municipais de Saneamento e de Planos de Tratamento de Resíduos Sólidos, que já tiveram os prazos prorrogados, em face do baixíssimo cumprimento108. Os argumentos para esse quadro são diversos, mas quase sempre esbarram na baixa capacidade de planejar e custear a implantação, mas, sobretudo pela dificuldade de se assegurar o funcionamento dos sistemas de saneamento e dos processos de tratamento de rejeitos. Nessa perspectiva, o estudo realizado pelo Ipea (2010, p. 431) pontua que: [...] significativa parcela dos municípios brasileiros, caracterizada pelo pequeno porte populacional e baixa capacidade de investimento, ficou entregue a um destino incerto no campo do saneamento, visto que a instalação, operação e manutenção dos serviços implicariam investimentos contínuos e de longo prazo. Dessa forma, verifica-se que o avanço no cumprimento das Metas se diferencia de país para país, mas também se distingue pelos temas, e tais obstáculos passam pela ausência de uma articulação que garanta efetividade, eficiência e eficácia das políticas públicas. Essa diferenciação e a comprovação desse quadro de dificuldades são pontos que a próxima seção do artigo pretende discutir, tomando como panorama os avanços dos temas, no Brasil e nas unidades da federação. 3 BRASIL: UM COMPLEXO QUADRO DE ANÁLISE PARA O ODM – SANEAMENTO Segundo a definição dada pela Lei nº 11.445/2007 (BRASIL, 2007), saneamento é o conjunto de medidas que visa preservar ou modificar as condições do meio ambiente com a finalidade de prevenir doenças e promover a saúde, melhorar a qualidade de vida da população e a produtividade do indivíduo e facilitar a atividade econômica; e se estrutura a partir de um: conjunto dos serviços, infraestrutura e instalações operacionais de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, drenagem urbana, manejos de resíduos sólidos e de águas pluviais. Logo, trata-se de um complexo de serviços que integra os domicílios a redes coletivas, que possuem altos custos de manutenção. No Brasil, esse tema sempre foi objeto de discussões, considerando-se as formas diferenciadas de enfrentamento. Para o meio técnico e acadêmico, trata-se de uma “urgência”; para os quadros políticos, trata-se de uma “urgência” no discurso, mas um obstáculo nos seus custos de manutenção e, portanto, um problema, quase sempre contornado por medidas paliativas; para a sociedade, uma “urgência”, quando sua carência se revela problemática,

108. O Decreto nº 8.211/14, de 21 de março, alterou o Decreto nº 7.217/10, que estabelecia o prazo para dezembro de 2013. Dessa forma, os municípios teriam, então, até 31 de dezembro de 2015. 171


mas sempre passível de ser secundarizada pelas medidas paliativas adotadas pelos governantes. Esse cenário de baixa sensibilização por parte dos governantes construiu um país onde o esgotamento sanitário sempre foi uma política pública marcada pelas soluções de continuidade e pela primazia de outras iniciativas, sobretudo nas áreas urbanas, delineando um espaço heterogêneo que está muito associado às desigualdades regionais estruturais que marcam o Brasil, conforme se verifica no gráfico a seguir.

Gráfico 1 – Percentual de Domicílios com saneamento Figura 1 – São Paulo e Paraná – Municípios que possuem Planos de Saneamento Fonte: Pesquisa Nacional de Saneamento Básico – 2008; IBGE (2008).

70 60

Mesmo sendo as duas unidades da federação com maior número de domicílios com acesso a saneamento, percebe-se, ainda, um enorme “vazio” quando se trata de planejamento, fato evidenciado pelas manchas esparsas nos cartogramas, que localizam os municípios onde o Plano de Saneamento foi elaborado.

50 40 30 20 10 0

Fonte: Instituto Trata Brasil, Relatório (2013).

Percebe-se que apenas duas Unidades da Federação possuem mais de 50% dos domicílios com esgotamento sanitário tratado (São Paulo e Paraná), ficando todos os demais abaixo desse percentual, sendo que em cinco desses estados a rede nem sequer alcança 10% dos domicílios. Logo, percebe-se que ainda existe um longo caminho a ser percorrido para alcançar a Meta de Desenvolvimento do Milênio. Mesmo quando se observa a existência de instrumentos de planejamento para o setor nos dois únicos estados com melhor situação, ainda é perceptível um enorme déficit existente, não só na capacidade de elaboração desses instrumentos, mas, em especial, na gestão desses sistemas. Os dois cartogramas, a seguir, mostram a situação do Paraná e São Paulo, no que diz respeito à elaboração dos Planos Municipais de Saneamento Básico.

No âmbito federal, atualmente, as ações de saneamento estão incluídas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), sendo o Ministério das Cidades responsável pelas ações em municípios acima de 50 mil habitantes; e a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), nos que possuem população abaixo desse patamar, sendo este último grupo exatamente aquele que mais tem dificuldades em fazer o planejamento e a gestão dos sistemas. Nesse sentido, o estudo publicado pelo Ipea (2010, p. 423) afirma: Acabar com a desigualdade no acesso aos serviços de saneamento no Brasil e vencer as dificuldades que impedem a sua universalização não são tarefas fáceis, na medida em que os domicílios da população desprovida localizam-se, predominantemente, nas áreas rurais isoladas, em municípios de baixo desenvolvimento humano e pequeno porte [...]. (grifo nosso) O cenário do quadro anterior revela o desafio que ainda há para se enfrentar, principalmente no que se refere à capacidade de planejamento e gestão das menores cidades do país. Essas dificuldades, certamente, afetam as Metas pactuadas e fica evidente quando analisado o avanço ocorrido nos últimos 15 anos, comparando-se a outras áreas nas quais o país caminhou a passos largos, a exemplo da redução da pobreza e da miséria. Assim, é necessário pensar em estratégias para que o setor de saneamento caminhe com a mesma celeridade dos demais temas que integram os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Assim, é importante encontrar as saídas nos instrumentos que se dispõem; e a própria Lei nº 11.445/2007 sinalizou ao disciplinar a prestação de serviços regionalizados, no seu Capítulo II (BRASIL, 2007) – um instrumento que não só viabiliza o planejamento integrado, como também a gestão dos sistemas, considerando as questões de escala e economicidade para as prefeituras municipais, e vai ao encontro de outra 172


importante legislação que ainda é pouco explorada pelas municipalidades no Brasil: a Lei dos Consórcios Públicos Municipais109 Para que esse dispositivo legal adquira efetividade, é necessário o incentivo por parte do governo central para a construção de uma gestão partilhada e colaborativa. Nesse sentido, as estratégias a serem adotadas ultrapassam aspectos meramente técnicos e caminham para a dimensão política, em uma sensibilização da importância do instrumento, como um ganho coletivo, que assegura bemestar às populações e visibilidade aos gestores municipais, em face da relevância que o tema possui. Portanto, é necessário rever a forma de aproximação do governo federal com os governos estaduais e municipais. Nessa direção, a primeira ação, é reconstruir a abordagem da causa do saneamento, com a devida complexidade que o tema merece, evidenciando que a sua ausência causa prejuízos em diversas dimensões aos indivíduos e à sociedade. A segunda ação decorre da primeira e se caracteriza por um efeito demonstrativo, que é a efetividade da intersetorialidade e o comprometimento, no âmbito federal, pois sem esse recurso didático fica difícil estabelecer confiança com os governantes dos níveis subnacionais. Sob tal aspecto, o estudo do IPEA (2010, p. 423) sinaliza: A universalização do saneamento no Brasil pressupõe uma visão sistêmica e integradora de alguns princípios básicos das coletividades, envolvendo a intersetorialidade entre as ações de saneamento, saúde, educação, recursos hídricos, meio ambiente e infraestrutura urbana. Uma das grandes críticas que se fazem hoje às estruturas da administração pública é aquela que sinaliza para sombreamentos legais e duplicidade de gastos financeiros e técnicos em suas ações, ou seja, falta de coordenação e de articulação de políticas públicas que enfrentam problemas complexos, a exemplo do saneamento. A terceira ação é a definição da execução daquilo que foi planejado, no âmbito federal, a partir de um processo decisório pautado pela implementação em fases, mas não necessariamente centralizado pelo que o governo federal acha, mas adotado por meio dos diálogos e da sensibilização de governantes estaduais, municipais e com a sociedade civil. Dessa forma, o planejamento e o funcionamento de sistemas regionalizados, segundo prevê a legislação, podem ser um critério prioritário para garantir a presença nos primeiros momentos dessa implementação, delegando aos níveis subnacionais de governo uma capacidade de negociação. A quarta ação decorre da anterior; é assegurar que os recursos dos projetos prioritários não sofrerão qualquer tipo de contingenciamento orçamentário, nem serão prejudicados no fluxo financeiro. Isso requer um esforço conjunto e continuado, conforme se verifica na tabela abaixo.

Tabela 1 – Investimentos necessários para universalizar os serviços de água e esgoto no Brasil – 2010, 2015 e 2020

Região

Investimentos acumulados (R$ milhões)* 2010

2015

2020

Norte

11.275

13.835

16.307

Nordeste

27.319

32.267

37.325

Sudeste

50.349

62.416

74.404

Sul

23.211

28.098

33.055

Centro-Oeste

11.470

14.507

17.314

Brasil

123.624

151.124

178.405

Fonte: Ministério das CIdades, Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental (19) *US$ 1,00 = R$ 2,18 (maio de 2019 Além dos recursos assegurados, é necessário que os municípios tenham apoio e assistência técnica do governo federal durante todas as fases de implantação, até sua finalização, inclusive na prestação de contas para os órgãos de fiscalização, traduzindo-se em uma efetiva cooperação. A quinta ação é o apoio à formação do arranjo institucional, em escala regional, para posterior gestão dos sistemas, inclusive com a previsão de aportes na fase inicial para seu financiamento, bem como a proposição da modelagem dos serviços e das formas de custeio. Nessa fase, também seria necessário um forte investimento na área de capacitação e assistência técnica, mantendo, o governo federal, um monitoramento mais próximo com a finalidade de solucionar problemas que viessem a surgir nos momentos iniciais. A sexta e última ação seria a constituição de um sistema de transparência e informação de todo o processo decisório. Nesse ponto, as fases de planejamento e de implantação dos sistemas, bem como o início de sua gestão, deverão observar metas temporais, para que alguns desses projetos não fiquem ad eternum sob o foco de atenção do governo federal, prejudicando outros que já estariam habilitados nas fases subsequentes. Assim, a fragilidade técnica, financeira e institucional dos municípios para assegurar o planejamento, a implantação e a gestão dos seus sistemas de saneamento estaria encaminhada, fortalecendo os governos subnacionais e o poder central como um instituto de equidade no provimento desses serviços. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A trajetória histórica do planeta Terra forjou desigualdades em escalas, intensidade e dimensões distintas. O seu enfrentamento parece ser um projeto que cabe à humanidade e, para tanto, são necessários esforços supranacionais, a exemplo daquele que vem sendo feito

109. Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005. 173


pela Organização das Nações Unidas por meio dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). No entanto, essas mesmas desigualdades são fatores centrais e, por vezes, determinantes para que, em algumas dimensões e em determinados países, os avanços sejam menores do que em outros, a exemplo das questões relacionadas ao saneamento no Brasil Diante do exposto, urge refletir sobre quais as causas estruturais dessas dificuldades e as possíveis saídas para se superá-las. Se existe uma proposta Pós-2015 para os Objetivos, certamente sua função é dedicar maior esforço e atenção àqueles temas em que os avanços não foram expressivos. E se eles não foram existem motivos que devem ser conhecidos, analisados e enfrentados como uma forma de aperfeiçoamento, sobretudo das formas de fazer políticas públicas, seja na sua fase de planejamento seja de gestão, para esses temas. Assim, o artigo, além de fazer uma breve digressão, fazendo uma reflexão teórica e uma associação com os problemas enfrentados pelo setor de saneamento; e sinalizar com as possíveis origens, principalmente na perspectiva da fragilidade técnica, financeira e institucional dos municípios, procurou, também, trazer algumas proposições, que devem ser mais aprofundadas e transformadas em iniciativas, por parte do governo federal, na busca de promover avanços mais consistentes em relação ao tema. Não houve pretensão de ser prescritivo, mas tão somente, de pontuar aspectos que estão evidentes como problemas na relação assimétrica que existe entre o governo central, formulador de políticas públicas para a área, e aos governos estaduais e as municipalidades, implementadores e gestores dos sistemas de saneamento. Tratou-se, na realidade, de uma forma mais equitativa (e cada vez mais necessária) de olhar para um país tão heterogêneo no seu desenvolvimento e nas suas capacidades de gestão. Isso vai requerer constantes aperfeiçoamentos das políticas nacionais que, embora tenham se mostrado importantes tributárias no combate às desigualdades, ainda carecem de uma visão que dê conta de mergulhar nas particularidades encontradas no Brasil.

BRASIL. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007 – Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico; altera as Leis nos 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.036, de 11 de maio de 1990, 8.666, de 21 de junho de 1993, 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; revoga a Lei nº 6.528, de 11 de maio de 1978; e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, 8 jan. 2007, Seção 1, p. 3. CAVALCANTE, Pedro. Descentralização de políticas públicas sob a ótica neoinstitucional: uma revisão de literatura. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, FGV, v. 45, n. 6, nov./dez. 2011. FARAH, Marta Ferreira Santos. Parcerias, novos arranjos institucionais e políticas públicas locais. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro: FGV, v. 35, n. 1 jan./ fev. 2001. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTTICA. Pesquisa de Informações Municipais – Munic. Rio de Janeiro: IBGE, 2011. _____. Pesquisa nacional de saneamento básico. Rio de Janeiro: IBGE, 2008. INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Subsídios para uma agenda de pesquisa e formulação de políticas públicas. Brasília: Ipea, 2010. MELLO-THÈRY, Neli Aparecida. Meio ambiente, globalização e políticas públicas. Revista Gestão & Políticas Públicas, Universidade de São Paulo, v. 1, n.1, p. 133-61, 2011. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Relatório sobre os objectivos de desenvolvimento do milênio 2014. Nova Iorque: ONU, 2014. RODRIGUES, Gilberto Marcos Antonio. A Organização das Nações Unidas e as políticas públicas nacionais. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (Org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. SOUZA, Celina; CARVALHO, Inaiá. Reforma do Estado, descentralização e desigualdades. Revista Lua Nova [online], n. 48, p. 187-212, 1999.

REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE AGÊNCIAS DE REGULAÇÃO. ABAR. Saneamento básico: regulação 2013. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2013. ABRUCIO, Fernando Luiz. A dinâmica federativa da educação brasileira: diagnóstico e propostas de aperfeiçoamento. In: OLIVEIRA, Romualdo Portela; SANTANA, Wagner (Orgs.). Educação e federalismo no Brasil: combater desigualdades, garantir a diversidade. Brasília: Unesco, 2010. BRASIL, Ministério das Cidades.. Investimentos federais em saneamento. Brasília: Ministério das Cidades, Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, 2007. foto: Marcelo Oliveira

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25. O engajamento das autoridades locais na implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável Autora: Martina Müller110 Autor: Rodrigo Messias111

RESUMO Este artigo explora a participação das autoridades locais na implementação dos novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), negociados durante três anos pela comunidade internacional, para promulgação em setembro de 2015, durante a Cúpula da ONU para a Adoção da Agenda 2030. De forma distinta das práticas em processos de negociação multilateral anteriores, organizadas em redes internacionais, as autoridades locais tiveram ampla participação ao longo do processo, de forma que diversos elementos relevantes ao âmbito local encontram-se, hoje, refletidos nos ODS, inclusive um Objetivo dedicado a cidades e assentamentos humanos (ODS 11). Agora, o grande desafio será garantir a colaboração e a coordenação entre todos os níveis de governos, na fase de implementação dos 17 ambiciosos objetivos estabelecidos, mundialmente, até o fim de 2030. Tal engajamento multinível tem significado especialmente grande no Brasil, considerada a grande pulverização da estrutura governamental no país, que conta com 26 estados federados e um total de 5.570 municípios. O eixo temático foi: o novo cenário e a etapa de transição – perspectivas da nova agenda, análise das práticas inovadoras que servirão como referência para implementar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na categoria debates. Palavras-chave: Autoridades locais. Agenda Pós-2015. Implementação. Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).

1 INTRODUÇÃO A população mundial já soma mais de 7,2 bilhões de habitantes, e o globo sofre perturbações cada vez mais significativas: as mudanças climáticas ameaçam a própria existência de diversos territórios e países; conflitos armados causam a emigração em massa de populações expressivas; a pressão antrópica provoca forte declínio na biodiversidade global; e a expansão urbana não planejada só faz aumentar a pobreza nas cidades. Estima-se que, hoje, metade da população mundial vive em cidades, taxa que deve subir para 2/3 até 2050112. Os desafios são incontáveis, e os espaços urbanos e territórios subnacionais representam oportunidades únicas de atuação. No Brasil, tais problemáticas estão também presentes, devendo-se lembrar que estas são acentuadas pela enorme desigualdade social enfrentada em solo nacional, com um índice Gini de 0,495 medido em 2014113. Em face de tão desafiador cenário, como caminhar em direção a perspectivas melhores? O mundo anseia avançar rumo ao “futuro que queremos”, expressão que deu, inclusive, nome à declaração final da

Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), realizada no Rio de Janeiro, em 2012. Com um público de mais de 45 mil pessoas credenciadas, concluiu-se, na época, durante o maior encontro já realizado pelas Nações Unidas, que mudanças profundas se fazem prementes em toda a sociedade. Com essa convicção, acordou-se que não seriam poupados esforços para acelerar a consecução das metas de desenvolvimento já estabelecidas internacionalmente, incluindo os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) que haviam entrado em vigor em 2000 e expiraram em setembro de 2015114. Em continuidade, reconheceramse, também, a necessidade e a importância de definir um conjunto de intenções específicas para alcançar o desenvolvimento sustentável, em uma abordagem ampla e integrada que assegurasse o equilíbrio entre suas dimensões econômica, social e ambiental: os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)115. Definiu-se ainda que, em contraste com os ODM, os novos objetivos seriam fixados por meio de um processo de negociação intergovernamental116. Os ODM haviam sido determinados pelo Secretariado da ONU com base

110. Bacharela em Direito pela Universidade de São Paulo, foi consultora da Divisão de Desenvolvimento Sustentável do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU, em Nova York, em 2014, onde intermediava a participação da sociedade nas negociações da Agenda de Desenvolvimento Sustentável, além de apoiar outros processos multilaterais. Desde fevereiro de 2015, é assessora internacional da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Contato: martina.muller@sp.gov.br 111. Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo; acompanha de perto os processos intergovernamentais pelo Desenvolvimento Sustentável no âmbito da ONU, particularmente desde a Conferência Rio+20, e com vistas a um modelo de governança participativo aos atores não estatais. Atualmente, trabalha como Assessor de Políticas Públicas na rede de governos subnacionais – Network of Regional Governments for Sustainable Development (nrg4SD). Contato: rmessias@ nrg4sd.org 112. UN-DESA, p. 10. 113. IBGE, p. 60. 114. O futuro que queremos, parágrafo 18. 115. Idem, parágrafo 246. 116. Idem, parágrafo 248. 175


na histórica Declaração do Milênio, aprovada durante a Cúpula do Milênio, em 2000. Foi decidido, na Rio+20, que os ODS, por outro lado, seriam acordados por meio de um processo inclusivo e transparente, envolvendo diversos Estados-Membros da ONU, no chamado Grupo de Trabalho Aberto para os ODS (inicialmente 30 membros, número este que foi expandido para 64). Ademais, o processo de negociação contaria com a participação da sociedade e grupos principais, em consonância com o estabelecido na Agenda 21 para todos os processos onusianos relacionados à temática do desenvolvimento sustentável. Tal determinação saída da Rio+20 foi respeitada, em um complexo processo de negociação que durou três anos e contou com mais de 20 reuniões intergovernamentais, em Nova York, com ampla participação da sociedade. Finalmente, chegou-se a um acordo, com a proposta de um texto declarativo, acompanhado por 17 ODS, com 169 metas específicas. Passado o processo de negociação, Chefes de Estado se reuniram, em setembro de 2015, em Nova York, na Cúpula da ONU, e aprovaram o documento Transformando nosso mundo: a Agenda 2030 pelo Desenvolvimento Sustentável, que inclui os 17 ODS. A partir daí, o grande desafio colocado ao mundo é a implementação da dita agenda ambiciosa. Para isso, o engajamento de todos os membros da sociedade é fundamental, em particular das autoridades locais, que serão entendidas neste artigo como todos os representantes governamentais que estejam abaixo dos governos nacionais, podendo caracterizar tanto regiões, estados e províncias, quanto municípios, cidades e vilas etc. Este artigo visa demonstrar a indispensabilidade do envolvimento das autoridades locais para a implementação da agenda de desenvolvimento 2030, desenhada para ter um aspecto universal, por meio de uma abordagem centrada nas pessoas (people-centered approach). Para isso, analisará a legislação da ONU que determina sua participação nos processos relacionados ao desenvolvimento sustentável, bem como seu engajamento nas reuniões multilaterais dos últimos três anos. Por fim, o texto menciona, ainda, os principais desafios dos governos subnacionais no processo de implementação, de acordo com associações e redes internacionais que congregam esses atores, dando um enfoque especial ao caso brasileiro. 2 A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE EM PROCESSOS DE NEGOCIAÇÃO RELACIONADOS AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL A Agenda 21, lançada durante a Eco92, Cúpula da Terra, foi pioneira no reconhecimento da necessidade de engajamento de toda a sociedade nas negociações multilaterais relacionadas à temática do desenvolvimento sustentável. Em sua Seção III, intitulada “Fortalecimento dos grupos principais”, destaca-se tal necessidade. Essa Seção, composta pelos capítulos 23-32, explicita em seu primeiro parágrafo que: O compromisso e a participação genuína de todos os grupos sociais terão uma importância decisiva na

implementação eficaz dos objetivos, das políticas e dos mecanismos ajustados pelos governos em todas as áreas de programas da Agenda 21.117 Os Capítulos dão destaque a nove “Grupos Principais” (Major Groups): crianças e adolescentes (Cap. 24); trabalhadores e sindicatos (Cap. 25); indígenas (Cap. 26); mulheres (Cap. 27); autoridades locais (Cap. 28); setor privado e indústria (Cap. 29); organizações não governamentais (Cap. 30); agricultores (Cap. 31); e a comunidade científica e tecnológica (Cap. 32). Esses capítulos foram paradigmáticos para o modelo de engajamento da sociedade nos processos multilaterais, adotado nos anos subsequentes. Com base na Agenda 21, as Nações Unidas introduziram mecanismos específicos para que a sociedade pudesse participar das negociações intergovernamentais. Hoje, estes mecanismos incluem, em especial, a oportunidade de fala de representantes dos “grupos principais” durante os processos de negociação, o acesso aos espaços de negociação por representantes, briefings periódicos, a publicização da documentação do processo intergovernamental e o direito à ampla informação. Para cada processo de negociação, os termos de participação da sociedade são pré-acordados nos documentos que regulam o procedimento a ser adotado em cada uma das negociações. Atualmente há, primordialmente, dois órgãos da ONU que fazem essa intermediação: a Divisão de Desenvolvimento Sustentável, localizada no Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais, que possui equipe específica para o Programa dos Grupos Principais (Major Groups Programme) mais recentemente intitulado Programa para o Engajamento das Partes Interessadas (Stakeholder Engagement Programme); e o Escritório de Relações Não Governamentais (Non-Governmental Liaison Office) – NGLS, na sigla em inglês). É importante notar também que, aos poucos, o conceito de grupos principais foi se expandindo, reconhecendo-se a importância de também incluir no processo outros atores, excluídos pela antiga definição. Assim, decidiu-se por uma abordagem mais ampla, a das outras partes interessadas (other stakeholders), que abrange ainda grupos como o dos voluntários, dos idosos e das pessoas com deficiência, que há tempos vinham se mobilizando para também participar dos processos de negociação. Depois de uma prolongada evolução dos documentos onusianos, hoje todos os entes que não representem governos federais podem procurar credenciamento por um dos mecanismos listados acima. 3 AUTORIDADES LOCAIS NOS PROCESSOS DE NEGOCIAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Conforme descrito acima, as autoridades locais têm seu direito de participação previsto pela Agenda 21, em seu capítulo 28. Ressalte-se aqui que o conceito de “autoridades locais” também sofreu uma evolução ao longo do tempo. Embora a Agenda 21 se refira, exclusivamente, às autoridades de municípios e cidades, hoje também são entendidos como autoridades locais os governos subnacionais – os chamados governos estaduais no Brasil,

117. Agenda 21, p. 361. 176


províncias no Equador ou Argentina, ou regiões na França, por exemplo. Ao longo dos anos, as autoridades locais foram se mobilizando em redes internacionais para melhor articular suas posições. Destaca-se, aqui, a constituição de algumas organizações internacionais de grande porte, como o ICLEI, a nrg4SD e a UCLG – os três sócios organizadores que coordenam a participação de governos no grupo principal de autoridades locais. O ICLEI (Governos Locais para a Sustentabilidade – Local Governments for Sustainability) foi concebido em 1989, quando 35 líderes de governos locais do Canadá e dos Estados Unidos se juntaram para discutir, inicialmente, a degradação da camada de ozônio. Hoje, o ICLEI é uma associação internacional de mais de mil cidades e regiões urbanas de 84 países. A organização conta com múltiplos escritórios ao redor do mundo, e seu mandato foi expandido, recentemente, para abordar diversas questões relacionadas à sustentabilidade118. Já a nrg4SD (Rede de Governos Subnacionais para o Desenvolvimento Sustentável – Network of Regional Governments for Sustainable Development) foi estabelecida em 2002, durante a Conferência Rio+10, em Joanesburgo .119 Esta organização representa unicamente governos regionais (os chamados governos estaduais no Brasil), por meio de mecanismos de coordenação e participação direta de seus membros, e assim promove o intercâmbio de experiências e a colaboração entre governos de diferentes partes do mundo. Além disso, a rede facilita o envolvimento desses governos nas discussões internacionais, com uma voz comum e fortalecida. A CGLU (Cidades e Governos Locais Unidos – United Cities and Local Governments) é uma organização guarda-chuva, fundada em 2004, em um congresso em Paris. Com sede em Barcelona, na Espanha, o grupo tem o propósito de dar voz a, e interconectar, o mundo local, e tem mais de mil cidades como membros diretos, além de 112 associações nacionais que representam cidades e governos locais, em seu respectivo país.120 Hoje, a CGLU também coordena a Força-Tarefa Global de Governos Locais e Regionais (GTF – Global Task Force of Local & Regional Governments), que congrega múltiplas associações de autoridades locais, inclusive do Brasil. A GTF organiza discussões e posicionamentos de governos subnacionais nos processos da ONU, particularmente nesse momento, em relação à Agenda 2030 e à Habitat III. Essa e outras redes que representam governos subnacionais exercem papel importante como agentes integradores de voz dessas autoridades no âmbito internacional. Representam, inclusive, diversas autoridades locais do Brasil: o ICLEI congrega 24 membros brasileiros (municípios: Alta Floresta, Apuí, Bauru, Belo Horizonte,

Betim, Lucas do Rio Verde, Contagem, Curitiba, Goiânia, Guarulhos, Itu, Manaus, Mariana, Porto alegre, Rio de Janeiro, Santa Maria, Santo André, São Carlos, São Paulo, Sorocaba, Tailândia e Volta Redonda, além do Estado de Minas Gerais e de São Paulo); a rede nrg4SD, seis (Estados: Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Goiás; além da Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente – Abema); e a CGLU, 18 (municípios: Aracaju, Brasília, Belo Horizonte, Contagem, Florianópolis, Fortaleza, Guarulhos, Itagui, Manaus, Otavalo, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Santo André, São Carlos e Várzea Paulista; além da Federação Catarinense de Municípios, da Frente Nacional de Prefeitos, da Confederação Nacional de Municípios e do Mercociudades). Essas redes têm, inclusive, pessoal designado especificamente para acompanhar as reuniões de negociação intergovernamental e delas participar ativamente, levando as demandas e contribuições de seus membros às organizações multilaterais. Analisa-se, a seguir, como se deu esta participação na negociação dos ODS. 4 A PARTICIPAÇÃO DAS AUTORIDADES LOCAIS NO PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO DA AGENDA DE DESENVOLVIMENTO PÓS-2015 Tal como garantiu a Agenda 21 e determinou o documento final da Rio+20, os termos de negociação permitiram amplo espaço para a participação de distintos setores da sociedade e de grupos principais. De fato, a negociação intergovernamental, conduzida ao longo de três anos, superou quaisquer outros processos das Nações Unidas, no que se refere a engajamento social. Entre outros, dá-se destaque ao fato de que os presidentes da negociação do Grupo de Trabalho Aberto, Embaixadores Macharia Kamau (Quênia) e Csaba Körösi (Hungria), permitiram a presença de representantes da sociedade em todas as fases do processo, mesmo durante as rodadas de negociação conhecidas como Informal informals, que, via de regra, ocorrem a portas fechadas. Além disso, organizaram sessões exclusivas entre Estados-Membros e representantes dos Grupos Principais, com duração de duas a três horas, algo bastante incomum nos meios onusianos. Para exemplificar o ambiente participativo estimulado pelos Embaixadores, destaca-se a organização de reuniões matutinas diárias com os representantes da sociedade civil e outros grupos de interesse, durante as rodadas de negociação. Desta forma, garantiram que os diversos grupos principais pudessem compartilhar seu ponto de vista sobre os variados temas e objetivos propostos. Além disso, o Major Groups Programme gerava compilados periódicos de todos os pontos sugeridos por esses representantes, como ferramenta para subsidiar as negociações intergovernamentais121.

118. www.iclei.org 119. www.nrg4sd.org 120. www.uclg.org 121. Registros desse engajamento dos grupos principais e de outras partes interessadas podem ser encontrados no link <https://sustainabledevelopment.un.org/index. php?menu=1565>. 177


As redes e associações de autoridades locais utilizaramse desta oportunidade de maneira estruturada, trazendo sugestões concretas. Como exemplo, destacou-se a Campanha por um ODS urbano (“UrbanSDG Campaign”), uma iniciativa da Rede para Soluções em Desenvolvimento Sustentável (Sustainable Development Solutions Network), em parceria com ICLEI, nrg4SD, Cities Alliance, Metropolis, UCLG, entre outros, para apresentar contribuições para os aspectos urbanos e subnacionais durante o processo de negociação. Outras iniciativas que também tiveram destaque na promoção de uma abordagem urbana e territorial incluem a Coalizão Communitas para Cidades e Regiões Sustentáveis122 e a já mencionada Força-Tarefa Global de Governos Locais e Regionais (Global Taskforce of Local and Regional Governments)123. Todos esses esforços contribuíram, finalmente, para a inclusão no texto final da declaração do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 11: “Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”. Com vistas aos desafios e às oportunidades que as cidades e territórios provêm ao desenvolvimento sustentável, os Estados-Membros da ONU foram convencidos da importância do tópico, e no fim da negociação dos Objetivos, havia um objetivo individual para as questões urbanas. Por outro lado, a pauta das autoridades locais e suas associações não apenas enfocou esta questão. A própria agenda pós-2015 e todos seus ODS apresentam um caráter integrado, e necessitam de ações concretas localmente, que dependem das competências de governos municipais e estaduais. Por exemplo, o Objetivo com enfoque no empoderamento da mulher (ODS 5), tem relação direta com as metas do Objetivo sobre saúde (ODS 3), de educação (ODS 4) e outros. Além disso, nesse mesmo exemplo, as instalações sanitárias e serviços prestados por governos subnacionais terão papel fundamental para alcançar esses objetivos interconectados. Da mesma forma, percebe-se como a maioria dos ODS apresentam vantagens e oportunidades distintas quando estas são traduzidas às dinâmicas urbanas; ou, ainda, às circunstâncias específicas de cada território. Assim, passadas as negociações, as autoridades locais devem continuar a participação no processo de implementação da agenda. Em colaboração e coordenação com governos nacionais e os diversos atores da sociedade civil, os governos subnacionais terão papel fundamental na implementação e no monitoramento da Agenda 2030, em cidades e regiões. Suas competências em planejamento, legislação e execução de ações e projetos em diversas áreas, desde infraestrutura até a provisão de serviços públicos universais, devem ser consideradas na implantação concreta e local dessa agenda global. 5 COMO AS AUTORIDADES LOCAIS PARTICIPARÃO DOS PRÓXIMOS PASSOS NO BRASIL? Conforme ressalta o Relatório do Secretário-Geral da

ONU, lançado no fim de 2014 sobre o progresso das negociações, a implementação dos ODS não poderá ocorrer sem a colaboração com autoridades locais: “Muitos dos investimentos para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ocorrerão no âmbito subnacional e serão liderados pelas autoridades locais.”124 (tradução livre) Para alcançar esses objetivos e metas ambiciosos, os governos nacionais poderão colaborar e envolver a sociedade num processo constante de implementação e revisão coletiva dos ODS. Sobretudo, para as ações urbanas e territoriais, mecanismos multiníveis envolvendo governos subnacionais e atores locais relevantes podem melhorar a coerência no desenho das estratégias de implementação dessa nova agenda. Para alcançar esses objetivos e metas ambiciosos, os governos nacionais poderão colaborar e envolver a sociedade num processo constante de implementação e revisão coletiva dos ODS. Sobretudo, para as ações urbanas e territoriais, mecanismos multiníveis envolvendo governos subnacionais e atores locais relevantes podem melhorar a coerência no desenho das estratégias de implementação dessa nova agenda. Por outro lado, territórios e cidades apresentam circunstâncias geográficas, sociais, culturais e econômicas diversas e específicas. Portanto, governos subnacionais precisarão realizar diagnósticos para entender melhor a situação e a necessidade de seu contexto para cada ODS abordado pela Agenda. Dessa maneira, é importante realizar diagnósticos para identificar os vácuos e prioridades das áreas abordadas, estabelecendo uma estratégia particular para a implementação da agenda voltada ao estado ou à cidade que administra. Conforme foi colocado pelos representantes das autoridades locais em discurso durante sessão de negociação da Agenda Pós-2015, entre 18 e 22 de maio de 2015, que tratou sobre o acompanhamento e a revisão da Agenda, governos municipais e estaduais são os entes governamentais mais próximos da população. Assim, podem ajudar a estruturar uma agenda voltada para a ação, e moldar de maneira conjunta as atividades de implementação nos próximos anos.125 Ainda segundo a declaração do grupo principal de autoridades locais, seria de vital importância garantir o envolvimento de atores nos âmbitos nacionais, continentais e globais. Entretanto, as estratégias para o desenvolvimento sustentável nacionalmente devem estar alinhadas com as estratégias e os planos de governos subnacionais, para alcançar maior coesão territorial e coerência das ações em cada país, região e também globalmente. O documento acordado entre as nações, adotado depois de longo processo de negociação, sintetiza todas essas discussões e determina o caminho que os implementadores

122. www.communitascoalition.org 123. www.gtf2016.org 124. Relatório-Síntese do Secretário-Geral da ONU (2014, parágrafo 94). 125. Grupo Principal das Autoridades Locais, p. 1 178


devem seguir. “Transformando nosso mundo: a agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” fornece a ponte para completar o que os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio não puderam alcançar. Essa nova proposta aborda, inclusive, questões fundamentais que ficaram de fora dos esforços iniciais, como, por exemplo, as desigualdades existentes dentro dos países e os efeitos ambientais do desenvolvimento. Relembra-se, aqui, que situação parecida se deu com a Agenda 21, documento bastante ambicioso de quase 500 páginas e para a qual foi desenvolvida a Agenda de Desenvolvimento Local, em diversas regiões. Nesse processo, as autoridades locais de cada país eram encorajadas para que estabelecessem uma “Agenda 21 local” para a comunidade126. No entanto, o novo documento “Transformando nosso mundo” apresenta uma linguagem mais concisa, orientada nas ações que devem guiar essa transformação. Não apenas focalizado no desenvolvimento urbano sustentável, o documento cita, também, em sua Declaração, a respeito dos meios de implementação: Parágrafo 45. Governos e instituições públicas também trabalharão em estreita colaboração na implementação, com autoridades regionais e locais, instituições subregionais, a academia, organizações filantrópicas, grupos voluntários e outros127. (tradução livre) Logo em seguida, o documento convoca para a ação diversos setores que deverão ser envolvidos nessa desafiadora jornada em busca de modelos sustentáveis para o desenvolvimento. Especificamente, o parágrafo 52 reconhece a necessidade de colaboração com autoridades locais para a implementação da agenda. Além disso, o documento também chama a atenção para os processos levados a cabo em âmbito subnacional, como forma de endereçar os diversos desafios específicos e internos a cada país. Mais especificamente, durante a sessão que a aborda os mecanismos de revisão e monitoramento (“Follow-up and Review”), o documento expressa que: Parágrafo 77. Nós nos comprometemos a nos engajar plenamente na condução regular e inclusiva de análises de progresso no âmbito subnacional, nacional, regional e global. [..] Parágrafo 79. Nós também encorajamos Estados-Membros a conduzir análises de progresso regulares e inclusivas nos âmbitos nacionais e subnacionais que sejam liderados pelos países e orientados a eles. Essas análises devem utilizar-se de contribuições de populações indígenas, da sociedade civil, do setor privado e de outras partes interessadas, em linha com circunstâncias, políticas e prioridades nacionais. [...] (tradução livre) Essas passagens confirmam como o quadro estrutural que

a ONU agora estabelece para o horizonte 2030 reconhece a importância da participação de governos locais e estaduais, também em complementaridade aos esforços nacionais. Particularmente, no âmbito brasileiro, com base no reconhecimento que o processo confere aos governos de todos os níveis, é importante analisar os principais desafios que acometem as unidades federativas do país. Em outras palavras, é importante verificar os principais passos que devem ser adotados pelos governos estaduais e municipais. Em colaboração e coordenação com o governo federal, as ações desses governos podem aumentar a eficiência e o potencial transformador da agenda no Brasil, uma vez que oferecem alternativas concretas e adaptadas às necessidades e condições específicas de cada área deste grande país. 6 OS DESAFIOS NO ÂMBITO LOCAL Com o desenho-quadro e acordo finalizados, a comunidade internacional agora se volta para uma questão ainda mais fundamental: como garantir que essas decisões e declarações políticas saiam do papel e se tornem ações concretas de implementação? Uma lista de 17 objetivos a serem alcançados, que prevê nada menos que 169 metas, impõe a necessidade de organização de uma estrutura que combine novas ações com os programas já em andamento. Antes mesmo de se debruçar sobre cada um dos ODS, é importante refletir sobre o arranjo institucional e os mecanismos de governança que possibilitem um bom desempenho das autoridades locais neste processo. Enquanto governos nacionais fornecem apoio, financiamento, direção e estratégias amplas, as autoridades locais são responsáveis pela implementação concreta e local. Particularmente, no Brasil, o governo federal toma a dianteira sobre essas discussões ao promover uma plataforma para esclarecimento e diálogo entre os entes federativos com relação à Agenda 2030. O Grupo de Trabalho Interministerial sobre a Agenda para o Desenvolvimento Pós-2015, criado por meio da Portaria Interministerial nº 116, de 19 de fevereiro de 2014, tem como competência a promoção da interlocução entre os órgãos e as entidades federais, estaduais, municipais e a sociedade civil sobre a Agenda para o Desenvolvimento Pós-2015. Nesse processo de começar a implementação dos ODS localmente, faz-se necessário refletir em quais tópicos os estados e municípios brasileiros devem centrar-se para possibilitar a implementação dos ODS em sua respectiva esfera de governo. Com base nos elementos levantados pela nrg4SD128, seguem, abaixo, alguns exemplos dos principais desafios que poderão ser abordados por esses governos: (i) Abordagem territorial para os ODS: cada estado, cada município brasileiro apresenta realidades e

126. Agenda 21, parágrafo 28.2 (a). 127. Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable Development, parágrafo 45. 128. Nrg4SD, p. 2-8. 179


composições geográficas, sociais, econômicas e ambientais complementarmente diversas. Um exercício inicial deve identificar quais objetivos e metas são considerados prioritários e mais relevantes para aquela área. Além disso, as instituições e políticas públicas já em andamento devem ser integradas aos novos esforços para garantir coesão e eficiência das ações em cada território. (ii) Parcerias com multi-stakeholders: a real transformação para caminhos sustentáveis requer a colaboração entre diferentes atores da sociedade. Os governos subnacionais devem estudar mecanismos e plataformas para colaboração com variados setores, como as universidades e institutos de pesquisa, empresas privadas e setor industrial, organismos públicos, ONGs, comunidades locais, organizações internacionais, entre outros. O estabelecimento de Conselhos e Consultas Públicas confere legitimidade ao processo por meio da participação da sociedade. (iii) Sociedade civil, comunicação e conscientização: especificamente a sociedade civil é um ator primordial na implementação e conquista dos ODS. A agenda internacional pode apresentar diretrizes amplas e com linguagem complexa, de forma que os governos subnacionais devem explorar seus canais de comunicação e campanhas públicas para explicar e facilitar o entendimento da agenda. Isso garantirá maior propriedade e mobilização da sociedade civil no processo de definição e implementação da agenda. (iv) Financiamento e aporte de recursos: para alcançar os ODS em âmbito local é preciso um extenso levantamento dos recursos que serão necessários para as ações planejadas. O acesso a recursos internacionais e também domésticos deve ser previsto pelo governo federal. Da mesma forma, planos de ação integrados devem estar refletidos nos respectivos orçamentos públicos e planos plurianuais de cada entidade. (v) Coordenação e harmonização multinível: a cooperação entre todos os níveis de governo será necessária para se criar o cenário capaz de alavancar ações pelo desenvolvimento sustentável. Por exemplo, governos estaduais podem fornecer arranjos institucionais e planejamento regional, além de auxiliar na capacitação de municípios a respeito dos novos Objetivos e metas. (vi) Integração temática na estrutura de cada governo: os ODS referem-se a uma gama imensa e interconectada de temas e conteúdos técnicos. Desta forma, torna-se impossível que, por exemplo, uma Secretaria de Meio Ambiente, de Transporte, Finanças ou Desenvolvimento Social implementem ações isoladas. Planos abrangentes e em longo prazo devem ser estabelecidos em cada governo, prevendo a coordenação entre os múltiplos departamentos e institutos internos aos governos municipais e estaduais. Grupos de trabalho e comitês intersecretariais podem auxiliar na coerência interna e na necessária integração temática. (vii) Indicadores e dados: A necessidade de produzir dados desagregados não pode ser ignorada; assim, para garantir o fornecimento de informações subnacionais, estados e municípios devem subsidiar as informações e relatórios nacionais. Diversos governos subnacionais

possuem agências próprias de estatísticas, que devem ser integradas aos esforços coordenados nacionalmente, por exemplo, pelo IBGE. O uso de métricas e metodologias comuns na aplicação de indicadores e no levantamento de dados pode facilitar enormemente a coordenação e a integração de dados nacionais. Por fim, ainda é relevante refletir sobre o aspecto regional; tratando-se de uma agenda global, os governos subnacionais brasileiros poderiam se beneficiar, particularmente, de uma maior integração e colaboração com organizações voltadas à América Latina, a exemplo da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe da ONU (Cepal). Além disso, as diferentes agências e programas da ONU terão um papel fundamental para desempenhar nesse aspecto, seja de apoio técnico, organizacional seja financeiro, agências como PNUD, PNUMA e outras instituições possuem uma estrutura regional que pode facilitar e aprimorar os esforços e capacidades das autoridades locais no Brasil. 7 CONCLUSÃO Como demonstrado, as autoridades locais vêm ganhando espaço nos foros internacionais de discussão relacionados aos ODS. Assim como atuaram fortemente na negociação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, será de grande valia para a sociedade que as autoridades locais participem, também, da fase ainda mais desafiadora que se iniciou em setembro de 2015, com a implementação dos ambiciosos objetivos acordados. Certamente, as autoridades locais terão um papel fundamental para desempenhar no sucesso dos objetivos, em 15 anos. A comunidade internacional e os governos nacionais necessitarão da colaboração e da participação ativa dos distintos setores da sociedade, na definição e tomadas de ações que nos levem a um futuro melhor, que todos nós queremos. Seria uma oportunidade perdida não aproveitar o potencial de um modelo inovador, que leve em consideração as responsabilidades e capacidades de governos subnacionais e locais para prover serviços básicos e planejar cidades e territórios ao redor do mundo. Assim, será importante que lhes seja dado o necessário apoio. Por exemplo, podem ser considerados comitês internacionais consultivos formados com a participação de governos locais e subnacionais, como ocorre, atualmente, no processo intergovernamental relacionado à Convenção de Diversidade Biológica. Também no âmbito federal, governos nacionais devem prever a participação dos municípios e estados em seus comitês nacionais de implementação e monitoramento dos ODS, para, efetivamente, engajá-los no desenho e na aplicação da estratégia nacional. O Brasil já deu um importante primeiro passo nesse sentido, ao ampliar o escopo do Grupo de Trabalho Intersecretarial para a Agenda Pós-2015, conferindo-lhe a incumbência de coordenar os esforços de diálogo com os diversos entes federativos. Agora, espera-se que tal postura inclusiva seja ainda expandida, de maneira a garantir ampla participação das autoridades locais também na fase de implementação. 180


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foto: rawpixel.com

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