Contos andarilhos

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Agrupamento de Escolas de Alfena, Campo, Ermesinde, S. Lourenรงo, Vallis Longus e Valongo


Contos Andarilhos

Projeto de parceria Câmara Municipal de Valongo – Biblioteca / Agrupamento de Escolas do Concelho - Bibliotecas Escolares com o objetivo de fomentar uma interação com a comunidade do ensino básico do concelho, tendo por base as tradições locais, tais como o Brinquedo, a Ardósia, a Estação de Ermesinde, a Fábrica da Cerâmica, a Serra de Valongo e o Linho. A recuperação das práticas e saberes tradicionais, contribuindo para incorporar os processos da memória na construção de uma identidade coletiva fundada no presente e orientada para o futuro.

Agradecimentos:

Joaquim Penela; Armando Pedroso, António Moreira e Joaquina Gonçalves; Gabriel Lopes, Ricardo Ferreira e Daniel Nogueira (AVAFER – Associação Valonguense dos Amigos da Ferrovia); Jacinto Soares e Libório David; Joaquim Marques; Rancho Santo André de Sobrado; Sílvia Silva.

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Título: Conto andarilho Velhos brinquedos, novos sonhos… Autores: Alunos do 3.º ano do Agrupamento de Escolas de Alfena Supervisão e revisão: Docentes do 1.º ciclo e Biblioteca Escolar Editor: Agrupamento de Escolas de Alfena Local: Alfena, Valongo Data: março 2015 4


Velhos brinquedos, novos sonhos…

Aquele dia tinha sido muito frio. Pelas ruas, as pessoas cruzavam-se, na sua vida diária, agasalhadas como convém durante o mês de janeiro. As festividades natalícias e de ano novo tinham passado, mas, em Alfena, cidade do concelho de Valongo, havia motivo para orgulhosos e importantes festejos. Inaugurava-se, nessa noite, o Museu do Brinquedo de Alfena. Como tinha sido sonhado, tantas vezes imaginado e desejado pelos alfenenses ligados à antiga tradição da construção de brinquedos! Após longos meses de planeamento, recolha e montagem, os brinquedos que tinham feito as delícias de muitos meninos e meninas tinham, finalmente, um lugar onde estariam expostos para satisfação de todos. Observando-os, seria possível conhecer os acontecimentos da história do país

e

do

mundo

influenciaram

os

que

materiais

usados no seu fabrico e a conceção

dos

próprios

brinquedos, todos eles ligados à vida do dia-a-dia. O local escolhido, casa antiga recuperada, tinha várias salas, cada uma dedicada a um tipo de brinquedo. Havia a Sala do Brinquedo de Lata, a Sala do Brinquedo de Madeira e a Sala do Brinquedo de Plástico. Pelas paredes, viam-se fotografias: artesãos a trabalhar, fábricas, oficinas e brinquedos. Havia, ainda, um grande salão, onde seriam realizadas sessões de construção de brinquedos ou de narração de histórias sobre eles, orientadas pelos artesãos ainda existentes. Pois nessa noite estrelada, debaixo de um luar frio de janeiro, inaugurou-se o Museu do Brinquedo de Alfena. Todos quiseram estar na inauguração. O senhor presidente da Câmara e o senhor presidente da Junta de Freguesia fizeram discursos e 5


até o senhor padre ajudou com a sua bênção. De seguida, todos puderam visitar a exposição. Para os mais novos, tudo era novidade, muito diferente das bonecas, dos carros, tablets ou playstations com que ocupavam os tempos livres. Os mais velhos, alguns com lágrimas nos olhos, reconheciam alguns dos seus brinquedos e lembravam-se das suas brincadeiras. - Olha ali! Quando fiz sete anos, o meu pai deu-me um camião igual a este! - Vê, filha, aquele fogão e a máquina de costura. Era assim que eu brincava com as minhas amigas. - Corria as ruas todas com o meu arco tocado pela vareta. Era uma festa! Às vezes, fazíamos corridas de arcos. E foi assim até à hora do fecho. Aos poucos, o espaço foi ficando vazio. Por fim, desligaram-se as luzes e fechou-se a porta. Ficou tudo escuro e silencioso. De repente, um vento leve correu as salas à medida que o luar entrava pelas janelas e ouviu-se um barulho semelhante ao bater de asas. - Ah! Finalmente posso esticar as minhas asinhas! Já estava cansada de estar quieta. Ó ciclista, não queres dar uma voltinha comigo? Não me ouves? Anda passear! - O que é, pombinha? Passear? Mas nós temos de estar

aqui

sermos

quietinhos admirados

para pelas

pessoas. - Oh! Estou farta de estar quietinha, quero passear, voar, ver coisas… - Mas nós somos brinquedos. Somos coisas. Tu e eu somos feitos de madeira. Olha à tua volta. O que vês? 6


- Brinquedos, muitos brinquedos! Eh! Acordem! Quero companhia, quero conversar! Com tanta gritaria, os brinquedos do museu começaram lentamente a despertar. Esticaram as cabeças, giraram as rodas, espreguiçaram-se e ficaram muito espantados a olhar uns para os outros. O ciclista, furioso, disse para a pomba: - Olha o que tu fizeste! Acordaste todos os brinquedos do museu. Agora nunca mais terei sossego! Acabaram-se as minhas sestas… Ao ver o seu amigo tão chateado, a pomba ficou muito arrependida e sentiu-se mal com a sua atitude. Resolveu então tentar acabar com aquela barafunda. Encheu-se de coragem, bateu as asas com toda a força e, para seu espanto, conseguiu levantar voo. O ciclista ficou assustadíssimo e quase entrou em pânico. Começou a pedalar e disse: - Eu apanho-te! Eu apanho-te! - ganhou velocidade, subiu uma rampa e caiu por cima da sua companheira. Só pararam no chão gelado do museu! Catrapum! O silêncio tornou-se ensurdecedor. O ciclista levantou-se com a sua bicicleta e viu que a pomba se tinha magoado na asa com alguma gravidade. - Companheira, estás bem? – perguntou o ciclista. - Não me sinto muito bem. Acho que parti a asa esquerda. O

ciclista

pediu

a

um

cavaleiro para ir o mais depressa possível chamar a ambulância à sala dos brinquedos de lata, para socorrer a acidentada. Pelo caminho, a ambulância, que ia devagarinho, encontrou um carro telecomandado, que tinha sido esquecido por uma criança, aquando da inauguração da exposição. - Onde vais? – perguntou o carro telecomandado, que acordou com o “tinoni” da ambulância. 7


- Vou buscar o veterinário à sala dos brinquedos de plástico, para socorrer a pomba. - Não, quem vai sou eu! Eu sou um carro telecomandado com tecnologia de ponta. Tenho superpoderes. O meu motor é de nitro, as minhas rodas são anti derrapagem e tenho superinteligência, portanto vou eu. O carro arrancou com a sua super velocidade e rapidamente chegou ao seu destino. Na entrada da sala dos brinquedos de plástico, com os seus faróis de raios X, detetou rapidamente o veterinário chefe e pediu-lhe ajuda. - Senhor Doutor, por favor venha com a sua equipa ajudar a pomba de madeira. Ela partiu uma asa. O veterinário reuniu a sua equipa laranja de enfermagem e, com grande reboliço, pegaram nas malas. -

Enfermeiros,

esqueçam

do

não

gesso

se cola.

Marchem! Um, dois! Um, dois! - Subam para a minha mala, há espaço para todos. – disse o carro. – Eu levo-os rapidamente com a minha telecinésia. Entretanto, ouviu-se uma voz muito aflita e nervosa: - Esperem, esperem, eu não consigo entrar, eu sou muito gordo! - disse um enfermeiro, que vinha muito devagar e ofegante. - Não há problema! Com os meus superpoderes eu transformo-te em enfermeiro borracha elástica. - respondeu o carro telecomandado. - Que fixe, vamos lá! – disse o enfermeiro, que começou a transformar-se. O enfermeiro começou a esticar-se, ficou maleável e iniciou a sua entrada para a 8


mala do carro, preenchendo os espaços vazios que existiam. - Estão todos? Agarrem-se, vamos partir! O carro ligou o nitro, acelerou, acelerou, acelerou e ganhou super velocidade. Colocou as rodas de lado, encostou-as à parede e, para espanto de todos os brinquedos de plástico, começou a voar. O carro foi pelo ar a toda a velocidade e só parou junto à sala onde ficava o hospital dos brinquedos. Mal parou, veio logo um outro enfermeiro com uma maca de rodas para onde mudaram a pomba. Aquela sala era um verdadeiro hospital: tinha carros de madeira e de latão sem rodas, bonecas de cartão sem cabeça, outras de plástico sem braços, piões com o bico de ferro todo amassado, ciclistas de metal todos torcidos, esfolados, arranhados, em muito más condições. Também havia um local da sala só para animais e foi para esse lugar que levaram a pomba. Estava lá uma zebra de madeira que tinha perdido as riscas pretas e estava à espera

do

médico

pintor.

Berrava desesperada. Sentia-se muito

infeliz pois

todos

lhe

chamavam égua branca e ela não gostava nada. Na maca do lado esquerdo também estava um crocodilo que tinha partido os

dentes

conseguia

todos comer,

e

não

nem

falar

direito. Escorriam-lhe as lágrimas pelo focinho abaixo e não eram as que se dizem de crocodilo… Quase ninguém o entendia. Havia também outras aves como águias, falcões, canários, andorinhas e papagaios com o mesmo problema da pomba: tinham partido as suas asas. A pomba começou a ficar desesperada, pois, ao ver que só havia um médico veterinário e tantas aves com o mesmo problema, pensou que ia demorar muito tempo até conseguir curar a sua asa. Não ia sair dali tão cedo!… Que desespero! 9


A pomba gritava cheia de dores e medo por estar naquele local tão assustador, pois só via brinquedos tristes, em sofrimento, porque estavam magoados. - Ai, ai, ai, que me dói tanto o meu lado esquerdo! Ao seu lado, estava o falcão de chapa com uma pata partida, que tentou acalmar a pomba. - Acalma-te, pombinha, fecha os olhos e vais ver que tudo se vai resolver. - Eu não consigo, porque me dói imenso e ninguém me vem tratar. - Tens de ter calma, pois estamos todos à espera do médico veterinário, que é só um, e, por isso, temos de esperar. Se conseguires ficar mais calma é melhor. E o falcão começou a falar com a pomba acerca das suas vivências e aventuras. O falcão perguntou à pombinha onde vivia. A pomba disse que vivia na sala dos brinquedos de madeira, mas que já tinha estado numa cidade muito grande que pertencia a um país estrangeiro. O falcão, muito curioso, disse entusiasmado: - Conta-me essa tua aventura, contas? A pombinha, já esquecida das suas dores, começou a descrever a sua vida… “Certo dia, estava eu na banca do artesão que me fez, muito luzidia e cheia de cores, quando uma menina muito loira ficou parada a olhar para mim. Gostei logo dela e pensei para mim que devia ser uma boa companheira de brincadeiras. Ela não tirava os olhos de mim e eu dela. De repente, ouvi chamar: - Maria, vamos embora!- era a sua mãe. Mas a Maria continuava sem arredar pé, encostada à banca, de olhos fixos em mim. Até que a mãe se aproximou dela e ela lhe disse muito baixinho: - Mãe, olha que linda pombinha! Parece verdadeira. Posso levá-la para nossa 10


casa? - Não, – respondeu a mãe com severidade - amanhã vamos partir para França e nas malas já não cabe mais nada. Vamos embora! Mas a pequena Maria não conseguia afastar-se e começou a deitar uma pequena lágrima. E muito baixinho, repetia: - Ela é tão linda, tão linda! Deixa-ma levar como recordação de Portugal, mãe! Perante este pedido, a mãe acabou por fazer a vontade à Maria e eu lá parti para França, no meio das peúgas e vestidos. Naquela grande cidade de Paris, para onde fomos viver, tudo era estranho e diferente. Maria não conhecia ninguém e eu tornei-me a sua companheira inseparável. Ora íamos para o parque, onde eu batia as minhas asas com toda a força, ora íamos até ao pé do rio, onde o vento soprava, e eu, com a ajuda da Maria, girava as minhas rodas sem parar. E foi assim durante muitos anos, até que a Maria cresceu e voltou para Portugal. Mas não se esqueceu de mim! Voltei a fazer a viagem de regresso, de novo no meio das peúgas e vestidos. Entretanto, a minha dona arranjou um emprego que a faz andar sempre de um lado para o outro, a viajar de país em país, pelos cinco continentes. Como soube que tinha sido inaugurado este museu, resolveu colocar-me aqui, para eu não estar sozinha e poder mostrar a minha beleza a todas as crianças que gostam de visitar museus.” - Que bela história que viveste com a tua dona e amiga Maria! – disse o falcão. Nesse

momento,

apareceu

o

médico para tratar dos brinquedos que estavam naquele sítio A pomba já estava mais descansada; já não sentia tantas dores por ter estado distraída com o falcão, que lhe parecia muito simpático. Ela estava muito admirada, a olhar para o médico, pois a espera tinha sido curta. O 11


relembrar da história da sua vida fizera com que o tempo passasse rápido. Lançou um olhar de agradecimento ao falcão e murmurou baixinho: - Obrigada por me teres ajudado a recordar a minha vida, pois isso fez-me esquecer o sofrimento… - Não tens de quê, é sempre bom ouvir uma história de amizade sincera; hoje em dia as pessoas não sabem o que é dedicação. O diálogo foi interrompido pela azáfama do médico que, rapidamente mas com muito jeitinho e carinho, tratou da asa da pomba. Tirou-lhe um raio-X, aplicou-lhe uma cola mágica e, depois, com uma liga, enrolou-lhe a asa e disse - lhe que não podia voar durante algum tempo. A águia e o falcão, sempre preocupados e dedicados, logo se disponibilizaram para a ajudar e, ao mesmo tempo, vigiá-la. Quando o ciclista viu que a pomba estava melhor, ficou muito contente e animado. Os outros brinquedos também ficaram recuperados. O crocodilo já podia falar e comer, a zebra sem riscas já tinha riscas, os carros já tinham rodas; enfim, todos estavam a ser tratados

e

podiam

finalmente

regressar aos seus lugares, nas salas do Museu que lhes estavam destinadas,

onde

poderiam

ser

apreciadas fazendo as delícias das crianças e a alegria dos adultos. Os brinquedos, felizes, foram acolhidos pelos companheiros com simpatia e saudade. Entretanto, na sala dos brinquedos de chapa, o carro dos bombeiros queixou-se da buzina que estava avariada. Por transmissão de pensamentos, um dos artesãos, que já tinha trabalhado na fábrica dos brinquedos de chapa, ouviu o carro e foi buscar as ferramentas para o consertar. Dedicou-se então ao trabalho e foi relembrando o passado: “ Há muitos anos atrás, em mil novecentos e pico, os brinquedos de chapa e madeira faziam parte da tradição de Alfena e, muitas vezes, eram aproveitadas latas para o seu fabrico. Estes brinquedos eram fabricados manualmente e geralmente por uma 12


família. Era uma herança familiar...! Eram melhores do que os de hoje, porque, embora fossem feitos com materiais impróprios, segundo as normas europeias, não incentivavam à violência…Só mais tarde apareceram os brinquedos em plástico…Hoje, só fazem parte de coleções ou, então, estão aqui expostos neste museu. Fazem parte do que é velho…” O carro dos bombeiros sentiu-se molhado e, então, reparou nas lágrimas que caiam do rosto do idoso, como se o mexer naqueles brinquedos o fizesse recordar a sua infância. Nos expositores, os brinquedos sentiram-se emocionados com o carinho e simpatia que aquele idoso sentia na presença deles. Resolveram logo que, a partir desse momento, iriam explorar mais a sua própria história. Assim, no dia seguinte, os brinquedos reuniram-se para, em conjunto, descobrirem um pouco mais da sua história. Para tal, pediram a ajuda do senhor idoso que no dia anterior se tinha emocionado, pois acharam que o carinho demonstrado e a emoção que sentiu poderiam ser uma ótima ajuda. O senhor informou-os de que o fabrico de brinquedos de madeira tinha surgido durante a segunda guerra mundial, pois, com a guerra, a chapa de Flandres tinha escasseado e, desse modo,

não

brinquedos

podiam de

produzir

chapa

de

os que

necessitavam. Ao longo dos anos, a indústria dos brinquedos também se foi ressentindo com os problemas económicos evolução

do da

país

e,

tecnologia

com

a

e

o

aparecimento de brinquedos mais sofisticados, os brinquedos de chapa, plástico e madeira começaram a ser produzidos em muito menor quantidade e, basicamente, para lojas de artesanato e de produtos de coleção. “E foi assim, meus amigos, que se pensou criar um museu para vos expor e, deste modo, poder dar visibilidade a um espólio muito rico de brinquedos e poder mostrar um património escondido.” – rematou o artesão, comovido.

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No final, os brinquedos, todos juntos, resolveram criar uma canção que lembrasse e reforçasse a sua história, e que fosse cantada com a música do Hino da Alegria. De um passado já remoto Todos nós fazemos parte Somos brinquedos de família De diferentes gerações

Somos de chapa, Folha e lata Fogões, bonecos, Carros de bombeiros, Máquinas de costura E gaitas de primeira… Em Alfena foi o nosso primeiro momento. E os brinquedos de madeira os artesãos cativou.

Com cores berrantes, rosas e fushias fazem-se pombas e camiões os ciclistas e andarilhos fazem os sonhos das crianças…

Na porta do Museu do Brinquedo, em Alfena, pode ler-se esta canção, uma história de vida que marca a contribuição desta terra para “ a história do brinquedo “ no mundo inteiro. Lá dentro, vivem os brinquedos, orgulhosos do seu passado e curiosos quanto ao futuro.

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Testemunho em Pedra (Escola Básica da Azenha)

Naquela altura, viviam-se tempos difíceis. O inverno tinha sido rigoroso e o trabalho nas pedreiras de lousa, na Carvoeira, tornava-se cada vez mais árduo e cansativo. Para a família Nogueira, não estava a ser melhor. O senhor António, chefe de família e mineiro de profissão, sentia-se cansado, havendo alturas em que quase não tinha forças para se levantar e enfrentar mais um dia naquela escuridão húmida da pedreira. Também a senhora Amélia, mulher do senhor António, trabalhava de sol a sol, para ajudar a sua família. Gostava do que fazia, com gosto e afinco e, das suas mãos, com a ajuda da tupia, saíam as lousas e as penas que eram usadas pela garotada na escola. Em idade de andar na escola, estavam também os seus três filhos José, Maria e Pedro. Este era o mais velho e, vendo as dificuldades pelas quais passava a sua família, achou que era hora de arranjar um trabalho nas minas, tal como o pai. Já as conhecia bem assim como o trabalho difícil e arriscado que lá se fazia, pois aqueles enormes buracos pareciam labirintos. Desde tenra idade que se deslocava àquele lugar para levar o almoço ao seu pai: uma sopa e um naco de pão que retemperava as forças para a continuação de mais um dia de trabalho. Estava tudo tratado. Seu pai tinha já falado com o encarregado da mina e Pedro começaria o seu trabalho ainda naquela semana. Sentia-se ansioso e até um pouco assustado. A sua função seria a de“ moço dos picões”, tarefa de grande responsabilidade para um gaiato de apenas doze anos. Delegou então a sua anterior tarefa à irmã do meio, Maria. Seria ela a levar, diariamente, o almoço, ao seu pai e agora também a Pedro, que trabalhavam na mina, e ajudaria a sua mãe a tomar conta do seu irmão mais novo, José.

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(Escola Básica de Balselhas)

O tão esperado dia chegou! De manhã bem cedo, Pedro acordou, ainda meio estremunhado, vestiu umas roupas velhas, calçou umas botas, já bem gastas, e foi ter com o seu pai. Puseram-se a caminho da mina, mas fizeram – no em silêncio (quase se ouvia o bater acelerado do coração do Pedro…!). O rapaz experimentava diferentes sensações: sentiase feliz, porque iria contribuir para melhorar a vida da sua família; esperançoso de aprender com facilidade a sua tarefa e vir a ser reconhecido como um bom mineiro; contudo, sentia receio, pois sabia bem ser um trabalho muito penoso e perigoso. Eram muitos os relatos de mortes de mineiros, devido a derrocadas inesperadas que aconteciam no interior daqueles tenebrosos buracos. Chegados à mina, o senhor António levou o filho até ao encarregado. Este deu-lhe as boas vindas e apressou-se a entregar-lhe o utensílio necessário para poder desempenhar a sua função e que durante muitas horas iria ser a sua companhia: uma canhola, o que vulgarmente chamamos de picareta. Depois, o encarregado apontou, indicando a Pedro, onde estava o seu grupo de trabalho. O rapaz despediu-se do pai e juntou - se aos outros, agora seus colegas de profissão. Esse grupo chamado de “moços dos picões”, rondava as duas dezenas e era constituído pelos homens mais novos. Depois de, uma breve saudação envergonhada aos colegas, pois a sua idade ainda lhe permitia uma certa timidez, reparou que entre eles se encontrava Alberto, antigo colega dos tempos de escola, que pareciam já tão distantes! De repente, ouviu-se o soar estridente da sirene das minas, que Pedro tão bem conhecia, a anunciar as oito da manhã em ponto: estava na hora de começar a labuta! Naquele preciso momento, o gaiato sentiu as pernas tremerem, começava agora uma nova vida…

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(Escola Básica de Moirais)

Juntos aproximaram-se da mina que tinham que explorar. Pedro, ansioso e receoso, olhou para aquele buraco fundo e negro. As pernas tremiam-lhe e o friozinho na barriga fazia-se sentir. Alberto, apercebendo-se que o amigo estava pouco confortável, chegou-se a ele e encorajou-o dizendo que lá em baixo iria sentir-se melhor pois o trabalho, apesar de duro, era realizado em equipa. Ouvindo o colega, Pedro ganhou coragem e pensou para si próprio “Vá lá, Pedro! Não deve ser assim tão mau!”. O grupo dos “moços dos picões” desceu pelas escadas íngremes e pouco seguras do hostial que permitiam o acesso ao fundo da mina. Lá em baixo, era tudo mais assustador! Trabalhavam arduamente e com pouca luz. O gaiato parou para observar os mineiros experientes a partirem aquela rocha escura que podia ser dividida em placas, criando bancos nas paredes da pedreira e tentando encontrar levantes cuja qualidade compensasse tão incomensurável esforço! Essas placas iriam servir para fazer quadros escolares, penas e pequenas lousas que cumpriam, na altura, as funções dos cadernos atuais! Que saudades sentiu o Pedro dos tempos passados na escola, das histórias encantadoras e dos belos desenhos concebidos naquele quadro mágico! Que bom era poder lá estar, de novo e voltar a ser criança sem preocupações… Tão absorto estava naquelas recordações agradáveis que até se esqueceu do local onde se encontrava. Nesse momento, despertou ao som aflitivo de uma sirene. Era um aviso, um aviso de que algo não correra bem. Pedro e os restantes colegas de profissão, assustados e temerosos, tentaram perceber o que se passava. Os mineiros mais experientes, com a calma esperada em situações de risco, explicaram o que havia ocorrido: do lado oposto ao que se encontravam, aconteceu uma derrocada deixando alguns mineiros sem acesso ao exterior. Era preciso ajudá-los!

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(Escola Básica do Outeiro)

Rapidamente, o encarregado acionou os meios de socorro e todos se reuniram no ponto de encontro habitual. Lá, Pedro, um pouco confuso com toda aquela agitação, não sabia muito bem o que fazer e tentava vislumbrar o pai. O entoar das sirenes dos bombeiros fizeram-se ouvir na freguesia e todos os esforços se reuniram para desobstruir a “boca” da mina. Com toda aquela confusão, Alberto é portador de uma má notícia para Pedro: o seu pai estava preso no interior da mina. Cabisbaixo, o gaiato inexperiente começa a chorar mas logo é confortado com uma palmada nas costas pelo encarregado que lhe diz que vai correr tudo bem. Depressa se juntaram as famílias na esperança de verem os seus mineiros são e salvos e os bombeiros, já de corda à cintura, preparavam-se para entrar na mina. O tempo passava e a esperança diminuía a passos largos. Notícias do interior da mina tardavam a chegar… Soterrados, os mineiros começavam a desesperar com a falta de oxigénio, de comida e de cuidados para com os sinistrados, mas continuavam agarrados à “chama da vida”, continuavam a lutar pela vida… com os pés na cova! A noite chegou e as famílias regressam às suas casas. A senhora Amélia tentava reconfortar os seus filhos rezando para que tudo corresse bem. O sol amanheceu e Pedro ainda não tinha conseguido pregar olho. Os pensamentos tenebrosos assolavam-lhe a mente. Não conseguia deixar de pensar no pai “enterrado” naquela escuridão húmida das minas. Os primeiros raios de sol iluminavam a serra de Santa Justa e recomeçavam o trabalho de resgate dos mineiros. O encarregado tinha feito o ponto da situação ao resto dos trabalhadores e familiares dizendo que esperavam atingir o local onde os sinistrados se encontravam antes do final do dia.

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(Escola Básica da Retorta)

Pedro respirou de alívio. As informações dadas pelo encarregado vieram amenizar um pouco a sua dor e redobraram a esperança de, até ao fim do dia, poder dar um forte abraço ao seu pai. Com a ausência forçada, Pedro sente, pela primeira vez, a falta da sua figura forte, maciça, mas inexplicavelmente afável e protetora. Apesar das boas novas, a angústia pairava no ar. As notícias embora animadoras, eram insuficientes para restabelecer a calma dos corações das famílias destes trabalhadores. Depois de um árduo dia de trabalho, bombeiros e mineiros conseguiram finalmente desobstruir a parte da mina que tinha ficado isolada pela derrocada e onde os mineiros se encontravam soterrados. Quando finalmente a equipa de resgate chegou aos mineiros presos, nem tudo correu como seria desejado. Nem todos se encontravam de boa saúde, havendo alguns que necessitavam de socorro urgente, pois ficaram feridos pela derrocada e com problemas respiratórios devido à privação de oxigénio e à humidade da própria mina. Felizmente (desta vez) não havia vítimas mortais a lamentar. Pedro aguardava, ansiosamente, avistar o pai, mas esse momento tardava em chegar, aumentando o receio, de que algo de mal lhe pudesse ter acontecido. Os mineiros feridos foram transportados para o hospital, onde receberem os cuidados de que necessitavam. Depois de várias horas de resgate, o senhor António foi o último a sair são e salvo, qual comandante a abandonar o seu barco! António tornou-se o herói deste salvamento, pois com a sua astúcia, perspicácia e sabedoria adquirida por anos de experiência, conseguiu que todos os seus companheiros mantivessem a calma, reduzindo desta forma o consumo de oxigénio e permitindo a sobrevivência de todos eles. Pedro ao ver o pai, não se conseguiu conter, correndo e saltando para os seus braços. Restabelecido do susto, Pedro regressou a casa com a restante família. Ao jantar, o senhor António, partilhou com a família os momentos difíceis que viveu com os seus companheiros. Mas a vida tinha que continuar, e no dia seguinte, bem cedo, Pedro e o pai, regressaram ao trabalho na mina, pois a sobrevivência da família disso dependia. Lá chegados, o gaiato, sentia-se bastante orgulhoso do pai, pelo ato heroico do dia anterior. Pedro só pensava em vir a ser um mineiro valente e corajoso como o seu pai. 24


A sirene toca para que todos comecem a labutar. Ouve-se a canção do mineiro, como forma de agradecimento a Deus, por todos terem sobrevivido à derrocada do dia anterior: “Desgraçado do mineiro que anda debaixo do chão acontece uma desgraça lá fica sem confissão!” Os anos passaram, e Pedro sempre trabalhou lado a lado com o seu pai, até que um dia, uma triste notícia chegou a casa da família Nogueira, o pai sofria de Silicose, uma doença causada pela inalação do pó da lousa e do fumo do gasómetro, tendo ficado gravemente doente, abandonando mesmo o trabalho na mina. Apesar da doença do pai, Pedro continuou a trabalhar na mina da Carvoeira, tendo mais tarde vindo a tornar-se encarregado da mesma. Os desafios da vida, fizeram com que Pedro, ainda muito novo, tivesse que deixar a escola que ele tanto adorava, para ir trabalhar com o pai nas minas e ajudar a sustentar a família. Apesar do trabalho árduo e perigoso que é a vida de um mineiro, Pedro “abraçou” esta profissão com o empenho e respeito que ela merecia, pois, mesmo depois de a ter abandonado (porque a idade já não lhe permitia continuar o seu querido trabalho) era sempre com muito carinho e saudade que o ouvíamos contar as suas aventuras e desventuras enquanto mineiro, nas minas da Carvoeira, na freguesia de Campo.

Fim Autores: Turma de 3º ano da Escola Básica da Azenha – Profª Ângela Turma de 3º ano da Escola Básica de Balselhas – Profª Cândida Sousa Turma de 3º ano da Escola Básica de Moirais – Profª Cândida Silva Turma de 3º ano da Escola Básica do Outeiro - Profª Helena Turma de 3º ano da Escola Básica da Retorta- Profª Susana

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Glossário da Lousa BANCO – corte nas paredes da pedreira CABRITA - pedaços de lousa CANHOLA – alvião ou picareta CARVOEIRA – antigo nome do lugar da Azenha ENTULHEIRO – homem que arrastava o entulho GASÓMETRO - candeeiro cuja iluminação era produzida através do gás HOMEM DA MACACA – homem que recebia, no exterior, os sinais do interior da mina HOSTIAL - parede lateral da mina LEVANTE – lugar onde a pedra acaba e começa outra LINHA DE VIDA – cabo de segurança para mineiros MOÇO DA SOGA – rapaz que orientava os bois quando puxavam a lousa do interior da pedreira PALMETA – rachador de lousa (tipo faca) SILICOSE – doença pulmonar provocada pela inalação do pó da lousa e pelo fumo dos gasómetros SINAIS – dados através de um arame ligado a uma campainha. O número de toques

estava relacionado

com um certo tipo de mensagem SOGA – corda que amarrava os bois a par SOLETE - peça de lousa usada como telha SOLETEIROS - homens que faziam os soletes TUPIA - máquina que abre rasgos na madeira para lousas escolares TURBINEIRO – homem que trabalhava com as máquinas VAGONETA – contentor para pedra (que circulava em cima das linhas) XAGÃO - espécie de tanque para juntar água no fundo da pedreira

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Expressões “Ao correr

da fêvera” – ao longo do veio da pedra

“Lousa como seda” – muito lisa e macia (1ª qualidade) “Filão falido” – lousa “má”

Curiosidades 

A lousa vai a uma profundidade de cerca de 120m.

Pedreiras iam até 110m de profundidade.

Havia mineiros de 1ª e 2ª categorias.

Exploração faz-se desde 1865.

Empresas: Companhia Velha Pereira Gomes Labreda Paulino

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Viajando pelos carris A viagem estava a chegar ao fim… Lisboa ficou para trás, a cerca de duas horas de viagem. Em Campanhã pararam para almoçar e, mais tarde, apanhar o comboio que as levará até Ermesinde. A avó Arminda e a neta Rita estão ansiosas para chegar ao seu destino. A avó está inquieta para rever a sua cidade natal que deixou aos vinte e dois anos para viver com o marido e a neta quer conhecer a cidade de que a avó fala tanto. Está um dia lindo de primavera! O sol brilha no céu azul e uma brisa suave bate-lhes no rosto. Rita, sorridente e feliz, com os seus cabelos loiros e longos esvoaçando de um lado para o outro, de olhos grandes e azuis como o céu, olhava para tudo o que a rodeava, perante tanta beleza existente naquela estação de Campanhã. Esta jovem de vinte e dois anos sentia-se impaciente pela chegada do comboio que a levaria a Ermesinde, cidade completamente desconhecida para ela. A avó com os seus setenta e dois anos, de bochechas avermelhadas e rechonchudinhas, seguia num passo lento, de mão dada com a sua carinhosa neta.  Avó, já temos bilhetes para o próximo comboio?  Sim, comprei-os em Santa Apolónia.  Vamos ver no placar eletrónico o horário dos comboios para Ermesinde.  Como isto está tão diferente! No meu tempo, há cinquenta anos atrás, isto não existia.  Então como é que as pessoas sabiam dos horários dos comboios?  Os horários eram impressos em papel e depois colados em placares feitos de madeira. Os passageiros rodavam o placar até encontrarem o horário pretendido.  Bem, devia ser muito complicado. Hoje em dia não seria possível usarmos esse método! Alguns minutos depois…  Avó, acabou de dar entrada na linha dois o comboio com destino a Ermesinde. Anda que eu ajudo-te a subir.  Sim, querida neta, os anos passaram por mim e deixaram-me estas pernas cansadas e frágeis. Obrigada pela tua ajuda. Sem ti não conseguiria realizar este meu desejo de voltar à terra onde nasci. 30


Assim, entraram no comboio e sentaram-se num lugar junto de uma das janelas. As portas fecharam e o comboio iniciou a sua viagem.

A avó estava deslumbrada com todas as modificações que podia avistar através daquela grande janela: edifícios muito altos, casas modernas com grandes jardins, autoestradas, escolas novas, parques infantis…  Tenho sede! - exclama a jovem.  Não tenho água comigo, vais ter de esperar até chegarmos ao nosso destino. Quando eu tinha a tua idade, apareciam nos comboios pessoas que vendiam água.  O quê?! Pessoas a vender água?!  Sim, elas entravam no comboio e diziam “Água da Ermida! Bilha e água quinze tostões!”  Avó, isso era muito engraçado! Alguma vez compraste?  Sim, apesar de quinze tostões ser muito dinheiro para a altura em que vivíamos! O tempo passa depressa. No comboio ouve-se uma informação: “Próxima estação Ermesinde”.  Já estamos perto da tua terra! Olha pela janela. A avó olha para todo o lado e não reconhece nada. Os terrenos que antigamente eram utilizados para agricultura deram lugar à construção. Agora a avó observa prédios altos e quase não vê terrenos agrícolas.

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Finalmente, o comboio para na estação. São dezasseis horas. O sol continua a brilhar no céu.  Que bela estação! Nunca imaginei que Ermesinde tivesse uma estação tão moderna!- comentou a Rita ao sair do comboio.  Como isto está bonito! Não tem nada a ver com a estação que eu costumava frequentar quando ia à cidade do Porto. E que saudades dos pregões das vendedeiras que, com cestas enfiadas nos braços, apregoavam “Olha a regueifa, quem quer comprar a regueiiiiiifa!”. Este pequeno negócio fazia-se através das janelas das carruagens.

Devagar, saíram da estação em direção a uma pastelaria. Para espanto da avó, todo o espaço à frente da estação está completamente diferente: as casas foram substituídas por uma praça com uma estátua em memória dos antigos chefes de estação. À volta da praça veem-se edifícios altos e logo em frente à estação uma esplanada.  Rita, vamos para aquela esplanada.  Sim, avó, estou cheia de sede! Eu bebo uma água e tu bebes um chazinho. Na esplanada, a avó Arminda, a olhar para a estação, começa a descrever à neta como era a estação antiga:  Rita, gostava de poder mostrar-te algumas imagens da estação antiga. Podíamos pesquisar na internet para ver se encontramos fotografias da antiga estação. Lembro-me que era parecida com uma casa um pouco grande e baixa. À frente passava o elétrico e havia uns pequenos canteiros e alguns táxis. Este lugar, onde estamos agora a descansar 32


era a continuação daquela rua atrás de nós. Aqui do lado esquerdo, havia várias casas, algumas que eram moradias e outras que serviam para o comércio.

De repente, a avó para de falar e fica a observar uma pessoa que se sentou na mesa ao lado.  O que se passa, avó?  Sabes, pareceu-me reconhecer aquela senhora. Por sua vez, aquela senhora também deteve o seu olhar na avó Arminda, ganhou coragem e disse-lhe:  Desculpe, parece que a conheço.  Eu também tive a mesma sensação. - disse a avó. - Mas, sabe, há muito tempo que não venho a Ermesinde. Nasci aqui, mas aos vinte e dois anos fui morar com o meu marido para Lisboa. Chamo-me Arminda. E a senhora?  O meu nome é Carlota. Também sou natural de Ermesinde e vivi sempre nesta terra. Está muito diferente e agora, desde 1990 que é cidade.  De facto, estou com muita dificuldade em reconhecer os lugares. Quero visitar tudo, até mesmo a escola primária da Bela onde andei.  Oh! Eu também andei nessa escola. Provavelmente é daí que nos conhecemos. Eu era conhecida por “Pintas”, pois em pequena tinha muitas sardas! 33


 E eu era a Minda.  Ah! - exclamaram as duas em coro.  Esta é a minha netinha Rita. Veio comigo para conhecer Ermesinde.  Olá. Estás a gostar?  Sim. Estou admirada com tudo isto. Lembro-me de tudo o que a minha avozinha falava desta terra, mas aquilo que estou a ver parece ser diferente. Mas toda esta mudança também deve ter a ver com o facto de esta estação que une as Linhas do Minho, do Douro e de Leixões, que servem a cidade de Ermesinde. Lembro-me bem de a avó explicar que os comboios eram puxados por máquinas a vapor, faziam muito fumo e um barulho bastante estridente, quando percorriam os longos carris de metal. Para a época eram um meio de transporte muito rápido mas, mesmo assim, demoravam dois a três dias a chegar ao destino.  Meu Deus, tanto tempo! - exclamou a Carlota. - A construção da Linha do Douro começou no final do século XIX! Foi o comboio que permitiu que esta cidade se desenvolvesse e se tornasse naquilo que é hoje. Foi este desenvolvimento que impôs a modernização da estação. Temos uma cidade com uma grande população e, por isso, foi necessário remodelar a estação. A construção da atual estação começou em 1997 e foi concluída em 2001. Arminda e Rita ouviam atentamente as explicações de Carlota, quando o som dum comboio as faz olhar para o relógio. A avó olhou para o relógio e viu que já se fazia tarde. Tinham que se dirigir a uma pensão ali perto para se alojar. Então a avó sugeriu:  Podemos combinar para amanhã encontrarmo-nos e juntas visitar a cidade. O que achas Carlota? Gostava de ter a ajuda de alguém que me explique o que mudou e ajudarme a reconhecer os lugares.  Terei muito gosto. Vai ser bom rever contigo a nossa cidade. - respondeu Carlota. Assim, as duas amigas despediram-se e a Rita ficou alegre por saber que iria ter uma visita guiada à cidade da sua avó. De seguida, dirigiram-se à pensão. Quando chegaram ao local onde iam jantar e passar aquela noite, a avó explicou à sua neta Rita:  A pensão Abê é das mais antigas e conhecidas de Ermesinde. Já existe desde 1955! Nunca a vi por dentro, mas senti sempre vontade de a conhecer. Por isso é que escolhi este local para nos alojarmos. Espero que te agrade! 34


 Claro que me vai agradar, avó! Também sinto vontade de conhecer a pensão mais próxima da estação do comboio. Deve ter sido sempre muito movimentada! Chegaram à pensão Abê e a avó fez a reserva de um quarto e escolheu o que iam jantar. Passaram uma noite agradável e confortável. No dia seguinte, Rita e a sua querida avó levantaram-se cedo e resolveram

dar

um

passeio.

Caminharam em direção à estação, pois tinham combinado encontraremse lá com a Carlota para visitarem o Parque Urbano. Assim que chegaram àquele belo local, a avó ficou maravilhada com tudo o que viu: um grande lago com uma estátua, um restaurante com uma bonita esplanada, dois parques infantis e jardins coloridos. Mas o que mais chamou a sua atenção foi o imponente edifício mesmo à entrada do parque. A avó leu o que estava escrito à entrada do edifício - “Fórum Cultural de Ermesinde”- e exclamou:  Este edifício é a antiga Fábrica da Telha! Recordo-me perfeitamente dela! Como está diferente!  O que é que sabes dessa fábrica, avó? – perguntou a neta com curiosidade.  Recordo-me de o meu pai me contar que ela foi construída em 1910 e que se produziam aqui produtos de barro vermelho, porque esta era uma zona em que abundava esta matéria-prima. – explicou a simpática senhora.  E que produtos eram esses? – quis saber a Rita.  Uma variada gama de produtos cerâmicos: barro de grés, azulejos, ladrilhos, mosaicos cerâmicos, louça sanitária, peças de porcelana para isolamento de eletricidade de alta tensão e produtos de barro vermelho. 35


Durante alguns minutos a avó admirava aquele edifício tentando encontrar traços da antiga fábrica.

 E o teu pai também trabalhou aqui, avó? – quis saber a Rita.  Sim, o meu pai e uma grande parte da população de Ermesinde. A proximidade do caminho-de-ferro permitia que o comboio viesse até aqui para recolher os produtos que a fábrica produzia e levá-los a várias partes do país.  De facto, o comboio deve ter sido muito importante para o desenvolvimento de Ermesinde. – comentou a neta.  Sim, foi muito importante – confirmou a Carlota. – Permitiu não só a deslocação de população de e para Ermesinde, como também a entrada de matérias-primas e a saída dos produtos fabricados nas várias fábricas entretanto criadas na povoação. Ermesinde cresceu tanto que, em 1938, foi elevada à categoria de vila.  E quando partiste para Lisboa, avó, a fábrica ainda existia?  Sim, existia. Mas já vivia tempos difíceis. Soube mais tarde que encerrara em finais dos anos 70 e que o edifício e os seus terrenos estavam ao abandono. – recordou a avó com alguma tristeza.  Ah, mas depois tudo se resolveu! – disse com entusiasmo a Carlota. – Em 1995, o então Presidente da Câmara, Dr. Fernando de Melo, comprou estes terrenos e construiu este parque, e o edifício que antigamente era a fábrica da telha ainda conserva algumas partes da época. Vamos entrar e vê- las! – sugeriu a amiga.

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A avó aceitou com agrado a sugestão e a Carlota conduziu-as à Galeria Museológica, situada no rés-do-chão, onde ainda existia o antigo forno cerâmico da fábrica. A avó ficou encantada e quis conhecer todo o Fórum Cultural. Terminada a visita ao Parque Urbano, continuaram o seu passeio e caminharam em direção ao Jardim Vila Beatriz. Quando lá chegaram, entraram para visitar aquele espaço recuperado pela Câmara para o funcionamento de uma Biblioteca e Centro de Monitorização. Visitaram também todo o espaço envolvente. Sentaram-se num dos bancos do jardim e, perante tão bela paisagem, recordaram tempos felizes da juventude. A neta ouvia deliciada as recordações das duas senhoras e ficou a saber que a sua avó dava belos passeios de comboio para o Porto e arredores. Com a estação do caminho-deferro tão perto de casa, não havia frio nem chuva que impedisse as jovens de irem na maravilhosa locomotiva onde houvesse festa ou romaria. Já um pouco cansada das pernas e da emoção do regresso à sua terra, a avó quis descansar. Almoçaram as três num dos vários restaurantes junto à estação. E que belo almoço! Enquanto se deliciavam com a sobremesa, conversavam sobre o que tinham visto até então, ao mesmo tempo que pensavam e combinavam o que iam fazer da parte da tarde. Todas elas estavam encantadas com o passeio. A avó porque estava a recordar e vivenciar locais da sua infância e que agora estavam bem diferentes; a neta por estar a conhecer a cidade de Ermesinde e estar impressionada com o que via; e a Carlota porque 37


estava a ter oportunidade de percorrer as artérias e principais locais da cidade em tão boa companhia. Quando saíram do restaurante, ouviram um comboio a chegar à estação. Tal facto despoletou na avó um desejo: o de visitar a Escola da Bela, onde tinha andado quando era criança. E espontaneamente sugeriu:  Porque não vamos agora visitar a Escola da Bela? No meu tempo, íamos de comboio para lá, saíamos no apeadeiro da Travagem e depois seguíamos a pé, o que era um saltinho. Gostava mesmo de a revisitar.  Para mim seria ótimo conhecer a Escola onde tu andaste! – retorquiu a neta - Isto se a Carlota não se importar de nos acompanhar. – continuou.  Estou ao vosso dispor, é um prazer mostrar-vos esta bela cidade. – confidenciou a Carlota revelando total disponibilidade para continuar esta jornada que às três tanto entusiasmava. Dirigiram-se à bilheteira para comprar o bilhete de ida e volta. A avó Arminda disse baixinho para as suas duas companheiras de viagem:  Sabem… ainda bem que aqui ainda há bilheteira com pessoas a venderem os bilhetes. Para falar verdade, tenho que vos dizer que não gosto muito daquelas estações onde se tem de utilizar as máquinas para comprar os bilhetes. Isso é mais para os jovens, aqui como a minha neta. De facto, estas novas tecnologias, a mim, atrapalham-me e confundem-me um bocado. E eu prefiro claramente o contacto humano e conversar com alguém, nem que seja por breves segundos, do que ter pela frente uma máquina. Passaram para a linha número três e pouco tempo depois chegou o comboio que as levaria até ao desejado destino. No curto percurso, a avó pode ver exteriormente a nova Igreja Matriz, com uma arquitetura moderna e atual. Em simultâneo, a avó Arminda e a amiga Carlota disseram:  Já estamos a chegar… é um saltinho… é o apeadeiro logo a seguir a Ermesinde! Deslocaram-se a pé até à Escola ao mesmo tempo que iam observando tudo o que as rodeava. Chegadas à escola, a avó Arminda ficou surpreendida do quão diferente e grande estava a sua Escola e os arredores.

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 Ainda te lembras do nome da tua professora? – questionou a neta.  Lembro-me perfeitamente. Era uma senhora que na altura já tinha alguma idade pelo que provavelmente agora já não está entre nós. Chamava-se Fátima e era muito exigente connosco. Mas aprendemos muito com ela e via-se que tinha muito gosto em nos ensinar. Seguiram em direção ao local onde tinha morado a avó. Mas naquele local agora estava construído um prédio. A avó referiu:  Eu morava aqui. Na altura era uma pequena casa. Tinha um pequeno quintal onde os meus pais, com a ajuda dos filhos, plantavam alguns legumes que depois faziam parte das nossas refeições. A neta estava encantada com tudo o que ouvia. Demoraram algum tempo a observar a escola e tudo o que a rodeava.  O tempo passa depressa, está na hora de regressarmos. Dirigiram-se então novamente ao apeadeiro, onde apanharam o comboio de regresso a Ermesinde. A avó Arminda comprou o bilhete para a viagem do dia seguinte de regresso a Lisboa. Despediram-se, a avó e a neta agradeceram a estimada companhia que tinham tido neste passeio pela cidade de Ermesinde e acordaram que iam trocar correspondência no futuro. Arminda e Rita dirigiram-se então à pensão para jantarem, descansarem e restabelecerem energias para, no dia seguinte, fazerem a viagem de comboio de regresso a Lisboa. 39


O PEDAÇO DE BARRO

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A Antiga Fábrica de Cerâmica Era uma vez um bocado de barro que não queria ser usado para jarros, pratos, canecas… Então, lembrou-se que gostava de ser feito de plástico. Podia ser, por exemplo, uma garrafa, que viajasse por todo o mundo… Chamou o primo plástico e perguntou-lhe como seria se fosse uma garrafa. O primo respondeu que era muito aborrecido, pois estava sempre a levar com água. Então, teve uma ideia: «E se eu fosse um azulejo?». Resolveu então visitar uma antiga fábrica que existiu na cidade de Ermesinde. Quando lá chegou, reparou que a fábrica agora se tinha transformado num Fórum Cultural muito importante para a cidade. Começou a imaginar como seria aquela fábrica no tempo em que ainda havia operários a trabalhar…

Imaginou que a fábrica de cerâmica era muito grande, feita de tijolos, com portas em forma de arcos e com grandes chaminés. No interior, imaginou os operários (oleiros, louceiros, formistas, pintores, vidreiros...) a trabalharem com o barro para fazer telhas, tijolos, estátuas, louças... O barulho das máquinas e o calor dos fornos tornavam a fábrica no centro mais ativo e produtivo da 41


região. O bocado de barro, esquecendo o desejo de ser um azulejo, ficou entusiasmado com a ideia de ser moldado e transformado numa telha. Pensou que entrar no forno seria um momento especial na vida de um pedaço de cerâmica. Depois de pronto seria levado no comboio para ser transportado para outras regiões do país. Decidido a transformar-se numa telha, pensou que deveria procurar um operário para o ajudar. Como estava no Fórum, foi perguntar a um funcionário se o podia informar. Este contou-lhe que conhecia um antigo operário que vivia numa casa perto dali. Todo contente foi ao encontro desse senhor...

Determinado a mudar de vida, o pedaço de barro atravessou pela estação ferroviária para chegar à casa do ex-operário da antiga fábrica da cerâmica, aproveitando para contemplar as marcas do progresso trazidas pela remodelação da ferrovia. Logo que o ex-operário, o Sr. José, assomou à porta, o pedaço de cerâmica apressou-se a perguntar: -Será que é capaz de me transformar numa telha? Por favor... -Meu rapaz, estou velho e cansado e já perdi o engenho há muito tempo... -A nossa verdadeira vocação corre para sempre nas nossas veias, só temos que acreditar em nós! - afirmou o pedaço de barro, com convicção. -A tua fé acabou de me convencer. Vou convocar outros ex-colegas de trabalho para me 42


ajudarem, já que para vestires uma nova roupagem precisas de passar por vários processos de transformação. Enquanto esperavam pelos colaboradores, o Sr. José convidou o pedaço de barro a fazer uma viagem no tempo, através da memória. Num ápice, o pedaço de barro era outra vez matéria-prima, ou seja, remontou às suas origens na pele de solo argiloso que, apesar de humilde, pulava de excitação e desejo de ser extraído pela tromba de uma gigantesca máquina escavadora, para depois ser transportado num potente camião...

Depois daquela viagem no tempo às suas origens, o pedaço de barro, que parecia ser muito especial, quer pela cor, quer pelo cheiro e macieza, estava cada vez mais ansioso por concretizar o seu sonho. Entretanto, começaram a chegar os colaboradores do Sr. José que, apesar de se sentirem velhos e cansados, resolveram aceder ao seu pedido.

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Ao saberem em concreto o desejo daquele humilde pedaço de barro os antigos operários da fábrica da telha ficaram um pouco atrapalhados. Resolveram então ir novamente ao

fórum tentar pesquisar uma forma de arranjar um forno onde pudessem cozê-lo depois de o terem devidamente moldado na forma que pretendia. Quando lá chegaram, o Sr. José explicou o problema aos trabalhadores do Fórum e pediu-lhes que o ajudassem a realizar o sonho do pedaço de barro, porque a cada dia que passava este ficava mais desanimado e parecia difícil concretizar o seu sonho. Os funcionários disponibilizaram computadores com internet e ajudaram os antigos operários a pesquisar como construir um forno e encontraram algumas formas de o construir. Porém, para eles, isso era uma missão impossível, pois era muito difícil arranjar os recursos necessários para o efeito. Estes trabalhadores empenhados fizeram uma nova pesquisa, agora com a intenção de descobrir onde existiria um forno que pudesse servir para transformar o pedaço de barro em telha. Finalmente, um dos trabalhadores, o Sr. Teotónio, que era perito em investigações, porque gostava muito de ler, fez uma grande descoberta, que imediatamente comunicou aos seus colegas com grande entusiasmo: - Queridos colegas! Descobri! Eu descobri…

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- Descobriste o quê? – perguntou o Sr. Filinto, muito curioso. - Descobri que em todas as escolas secundárias existe um forno especial, que pode servir para cumprirmos a nossa missão. – disse o Sr. Teotónio. E lá foram eles para a escola secundária ali próxima. Ao chegar à beira do portão da Escola Secundária, o grupo de amigos dirigiu-se ao porteiro e pediu para falar com o senhor Diretor. O porteiro ficou muito espantado ao ver aquele grupo tão estranho e, um bocado malhumorado, chamou uma funcionária para os acompanhar à Direção. O Diretor também se admirou ao ver aqueles idosos, mas ouviu com atenção o que eles tinham para dizer. Aceitou o pedido, embora duvidasse que eles conseguissem fazer o que pretendiam. Um professor de Educação Tecnológica ofereceu-se para lhes mostrar o forno da escola. Quando chegaram à beira do forno, os antigos trabalhadores da fábrica da telha, olharam uns para os outros e disseram: - Ora bolas! Caminhamos tanto, com tanto esforço, para nada! As telhas não cabem na porta deste forno!! - E eu que tanto queria realizar este sonho! - disse o pedaço de barro abatido. Os trabalhadores tentaram animar o pedaço de argila dizendo que iam ver se havia fornos maiores noutra escola, mas um aluno do 9º ano, o João Pedro, apaixonado por história e arqueologia, ouviu a conversa, chegou à beira deles e disse: - Estive a ouvir a vossa conversa e talvez possa ajudar. O meu tio Joaquim que mora perto de Aveiro trabalha numa fábrica de louça. Pode ser que ele arranje forma de os deixar cozer lá as telhas… Só tenho de pedir ao meu pai para lhe ligar. E tu, ó argila, porque é que estás tão desanimada? Lembra-te que foste e és muito importante para a vida dos homens. Há muitos milhares de anos que os homens descobriram a tua utilidade e aprenderam a misturar-te com água, a modelar-te e a cozer-te para fazer recipientes para se alimentarem, para guardar os líquidos (como as lucernas ou candeias de azeite 45


que os alumiava de noite), para fazerem peças decorativas... Anima-te! E se não conseguires ser telha há muitas outras coisas úteis em que te podes transformar! Ficaram todos novamente animados e foram, no seu lento caminhar, para a casa do Senhor José aguardar a resposta do João Pedro e… descansar. Pelo caminho, o Senhor Filinto ia sendo atropelado na passadeira por um condutor irresponsável que não respeitou os peões. Valeu-lhe o pedaço de barro que se pôs à frente das rodas e obrigou o carro a parar sem sequer o beliscar. Ficou o pedaço de barro um bocado amassado mas nada que não se pudesse arranjar com um pouco de água e alguma força de mãos. Ficou o senhor Filinto a resmungar contra os condutores apressados e descuidados e foi-se o condutor aborrecido por se ter distraído, mas agradecido por nada de mal ter acontecido. Pouco passava das 14h quando o telefone tocou. O pedaço de barro estava tão ansioso que até pediu para lhe deitarem um pouco de água para se refrescar. O João Pedro tinha boas notícias. O pai acabava de lhe dizer que o tio Joaquim tinha autorização para eles usarem o forno da fábrica da louça. O João Pedro, o senhor José, o senhor Teotónio, o senhor Filinto e o pedaço de barro foram logo para a estação e entraram no 1º comboio de passageiros e de mercadorias que parava em Aveiro. O pedaço de barro ia no vagão de mercadorias enquanto os amigos iam sentados nas carruagens de passageiros. Durante a viagem, os amigos aproveitaram para falar e ver a paisagem. A fábrica ficava próxima da estação. Foram recebidos pelo dono da fábrica. O senhor Orestes disse que já há muito tempo que a fábrica não fazia telha mas sim louça fina. Ia chamar o senhor Ambrósio que já estava reformado mas gostava muito da fábrica e ia lá muitas vezes. Tinha sido responsável, durante muitos anos pelo fabrico de telhas e por isso ia ajudar. O senhor Ambrósio quando chegou olhou para o pedaço de barro: - Que rico pedaço de barro. Já não há barro desta qualidade! Vou fazer de ti uma telha Lusa. É bonita e portuguesa. O senhor Ambrósio demorou 2 horas até encontrar o molde que estava arrumado no fundo do armazém cheio de pó. Hábeis e sensíveis mãos limparam-no muito limpinho. Também teve de encontrar o moinho para mexer a argila. Juntou água e outros 46


ingredientes secretos. O pedaço de barro estava deliciado com aquele tratamento. Depois de bem preparado foi deitado no molde e apertado numa prensa. - Ainda bem que sou um pedaço de barro e não um menino! O senhor Ambrósio explica: - Agora vais para o quentinho do forno que está a 1000 graus. Quando saiu do forno, o pedaço de barro agora telha, tinha um aspeto baço. Teria de passar por um processo de embelezamento como as pessoas que vão ao cabeleireiro. É a vitrificação. O senhor Ambrósio mergulhou a telha numa mistura de produtos químicos e saiu de lá coberta de uma substância branca leitosa. Foi de novo para o forno desta vez mais quente. Ao fim de várias horas, o senhor Ambrósio foi ao forno e quando viu a telha tão brilhante e perfeita exclamou: - Que linda telha! És bonita demais para ires para um telhado! De regresso a Ermesinde, o grupo e a nova telha vinham entusiasmados e muito felizes por terem conseguido realizar o sonho do pedaço de barro, mas, acima de tudo, estavam maravilhados com o excelente trabalho conseguido porque a telha era muito mais bonita e perfeita do que alguma vez tinham imaginado. Chegados à sua cidade, resolveram ir ao Fórum Cultural apresentar o resultado daquele esforço todo, para que pudessem ver que tinha valido a pena moldar e transformar o pobre pedaço de argila numa valiosíssima peça jamais vista em todo o mundo. Mal entraram no edifício, foi inevitável, todos ficaram espantados com tanta beleza e perfeição numa só telha. Nunca ninguém tinha visto nada assim. Como tal, os responsáveis pelo museu do Fórum convidaram, de imediato, a bela peça para que fizesse parte de uma exposição que iriam fazer sobre a antiga fábrica da cerâmica. É claro que ela aceitou com todo o gosto. Seria a oportunidade de mostrar que o esforço recompensa e de dar a conhecer o importante trabalho que está por trás das peças elaboradas nas fábricas de cerâmica por trabalhadores tão perfecionistas e dedicados à sua arte. Tudo foi preparado até ao pormenor: limparam o salão, poliram o chão, tiraram o pó das paredes, ajustaram as luzes, decoraram com flores e colocaram a telha em lugar de destaque, no meio de uma grande parede repleta de fotografias antigas onde se podia ver 47


como tinham sido feitas outras telhas suas parentes afastadas. A bela telha não cabia em si de felicidade. Estava mesmo ansiosa com toda aquela agitação. No dia da inauguração a telha brilhava mais do que nunca, com tantas luzes à sua volta. Havia jornalistas por todo o lado que filmavam tudo e não se cansavam de a fotografar. Mas o mais importante para a telha foi poder ser vista por centenas de crianças de todas as escolas das redondezas que também elas ficaram fascinadas com a sua história de vida. De tal forma que resolveram fazer um livro, contando tudo isto para que outras pessoas possam conhecer as aventuras vividas pelo pedaço de barro mais valioso à face da Terra, não só pela peça em que se transformou, mas também por nunca desistir do seu sonho.

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Baseado nas áreas curriculares de Estudo do Meio - Bloco 2 - À Descoberta dos Outros e das Instituições e Bloco 6 - À Descoberta das Inter-relações entre a Natureza e a Sociedade, Português, Oralidade e Leitura e Escrita e no trabalho de pesquisa efetuado por todas as turmas do 3º ano de escolaridade do Agrupamento de Escolas de São Lourenço, Ermesinde – Valongo: Turmas A e B – Escola Básica do Carvalhal Turmas C, D e E – Escola Básica da Costa Turma F – Escola Básica De Montes da Costa Turma G – Escola Básica das Saibreiras Turma H – Escola Básica de Mirante de Sonhos 

Professores envolvidos:

- Agostinha Maria Teixeira Pópulo - Margarida Maria Martins M. Silva Garcia - Maria Albertina Tavares Vieira - Maria Cândida Flores Roque Freitas - Maria Lurdes Trabulo Ferreira - Neuza Margarida Ferreira Pinto - Olívia Manuela Moreira P.P. Rodrigues - Paula Fernanda Baptista Guedes 

Em articulação com a Biblioteca Escolar

Professoras bibliotecárias:

- Maria da Conceição A. C. Ferreira - Maria de Fátima Lemos 

Ano letivo 2014_15

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Cuca - Macuca tanta hist贸ria me da铆s

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Título: Conto andarilho Cuca Macuca tanta história me dais… Autores: Alunos do 3.º ano da Escola Básica da Estação Local: Valongo Data: março 2015

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Cuca - Macuca tanta história me dais… ATO I Lendas

Entra a Musa com uma placa que assinala o início do espectáculo.

Avó – (Pousando as agulhas para melhor ouvir a história do neto)

A Avó encontra-se sentada numa cadeira a tricotar. É uma velhinha de ar muito simpático, cabelos brancos apanhados num cocuruto e manta axadrezada pelos joelhos.

Conta lá o que aprendeste Que histórias novas já sabes de cor Deixa esse banco, senta-te neste Quero-te perto para ouvir-te melhor

Avó – (Sorri quando o neto chega da escola) Olhem só quem apareceu A escola hoje já chegou ao fim? Digam lá como correu

Neto – (deixando a cadeira mais afastada e sentando-se perto da avó)

Venham sentar-se ao pé de mim!

Falamos sobre a Lenda da Susana Que deu nome a Suzão Falamos sobre a mina de ouro Romana E da sua exploração

Avó –

Ora conta lá então Essa lenda eu já conheço

Neto – (Pousa a mochila que trazia e sentase numa cadeira)

Mas quero ouvir a tua versão Aposto que é algo sem preço

Olá avozinha, Correu bem a Escolinha Hoje falamos sobre a nossa Terra Sobre Valongo e a sua Serra,

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CENA I Entra a Musa com uma placa onde se encontra escrito Cena I. Neto -

Susana – Não quero ficar para descobrir Qual o ser estranho que nos importuna Vamos juntos, vamos fugir, O amor será a nossa fortuna!

A Lenda começa com uma perseguição: De Susana e do seu pai Samuel

Domus e Susana ficam parados em estátua e

Os mouros acham mal ser-se Cristão

surge a Musa que os rodeia e começa a

E desejam-lhes uma morte cruel

cantarolar (música Paixão – Rui Veloso).

Surgem as personagens que constroem a história FALSA Neto –

Susana cansada de fugir Decide aos mouros juntar-se Deixa o pai a dormir E por Domus vai apaixonar-se Musa – Ela era aquela que ele mais queria

Susana – Fugi comigo mouro do meu coração Vamos juntos para aquele vale tão longo!

Para lhe dar algum conforto e companhia E era só com ela que ele sonhava andar Com tanto amor que ponderou se batizar.

Quando chegarmos será uma emoção, Chamaremos à terra Valongo.

A Musa para de cantar, afasta-se da cena. As personagens deixam de estar em estátua. Olham à sua volta como se procurassem algo, com um ar assustado. Entretanto, o neto recomeça a contar a sua história. Neto – Os zombies perseguiram o par Quase foram apanhados Correram até ficar sem ar

Domus – Cuidado minha amada Susana

Ficaram mesmo cansados

Aproxima-se um ser muito estranho

Chegaram a um vale muito longo

Será um zombie de barbatana?

O qual quiseram batizar

Ou um vampiro num rebanho?

Chamaram ao vale Valongo E ficaram lá a morar. 53


Domus e Susana ficam parados em estátua mas abraçados e a

Musa

Samuel – Esta fuga não se pode prolongar

aproxima-se

Temos de pensar num plano que a termine

novamente, cantando (música Paixão – Rui

Já sei! Um mouro vamos raptar

Veloso).

Que nosso Sonhor nos ilumine

Musa –

Aproximam-se do acampamento de Mouros e

Ai o que eles passaram, só por se amar Um mouro e uma cristã, um tinha de mudar. O amor levou Domus ao céu

vigiam Domus que se afasta do grupo para passear pelo bosque .

E por amar Susana ele se converteu.

CENA II Avó – (ri-se da versão da história do seu neto)

Susana – Mas que versão criativa!

Paizinho, um dos mouros de avizinha!

Tal como suspeitei que ias criar…

Vamos testar a nossa agilidade

Mas para uma tarde produtiva,

Do rapto nada adivinha,

A verdadeira Lenda te vou contar!

Será o bilhete para a liberdade.

Entram em cena Susana, seu pai Samuel, Domus, Mouros que perseguem Susana e Samuel. Samuel – Minha filha muito amada

Apanham Domus distraído e levam-no para

Susana do meu coração

longe do grupo.

Não queria esta cruzada

Amarram-no e escondem-no num casebre

Fugir dos mouros por ser cristão. Susana – Meu paizinho protector,

onde acaba por ficar sozinho com Susana. Passam dias escondidos juntos.

Também sinto a sua fadiga A noite será nosso cobertor Cale será nossa amiga. 54


Domus – Se ser Cristão me desse o direito

Musa –

Custou a Samuel aceitar,

De passear consigo ao luar

Que entre os dois o amor medrou

Então batizai-me senhora,

Teriam os seus planos de mudar

Pois meu coração está a palpitar!

E a fuga a três começou.

Susana – Parai já com os galanteios!

Os três juntos caminharam

Não me ireis enganar!

O Oriente foi a direcção,

Sei que estais a iludir-me,

A um belo vale chegaram

Para eu vos libertar.

A terra era Suzão.

Domus – Minha bela e gentil senhora

Era um vale belo e longo,

Amarrado passaria toda a vida

Que Susana logo batizou

Se me fosse permitido

Deu-lhe o nome – Valongo

Manter a sua companhia.

Nome que até hoje ficou!

Susana – Se for mesmo verdade Que desejais a minha companhia Então sereis batizado E serei sua toda a vida!

Susana liberta Domus e abraçam-se. As personagens ficam paradas como se o tempo tivesse

parado

e

surge

a

Musa

que

cantarolando a música Os Loucos de Lisboa de Rui Veloso..

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ATO II Minas de ouro

Cena I Neto – Além da lenda de Susana, Que dá o nome da nossa terra, Falamos sobre a mina lusitana O passado e presente da serra.

Cena II Avó – Meu tontinho quase acertaste Na versão real da história Mas nunca cá houve piratas

Falamos sobre os materiais, Que das minas eram extraídos Dos Fojos, buracos não naturais, Perigosos para distraídos.

Se não me atraiçoa a memória. Muito ouro foi extraído, E mais talvez haja escondido. Mas hoje é ardósia que sai das minas Que não são nada pequeninas.

Descobrimos que por a nossa Serra Por um dia ter tido ouro Esburacaram os romanos a terra À procura do tesouro.

Romano 1 – Estas Serras de Valongo Com intensidade vamos explorar, Vai ser um trabalho longo Mas muito ouro vamos retirar! Nem os piratas e a sua armada Os fizeram parar com isso, A serra ficou tão furada Que mais parece um queijo suíço.

Mas agora já foram embora, Quer piratas, quer romanos. Para visitas, marque hora. Tudo pronto? Aqui vamos! 56


Romano 2 – Com profundidade vamos escavar! E a escuridão vamos alcançar. Lucernas vamos utilizar São elas que nos vão iluminar.

Romano 2 – A rocha de quartzo, à superfície Terá então de se triturar Para isso usaremos uma lavaria Para o ouro, do quartzo se separar. Romano 5 – Esta terra terá um dia Muitos corredores ingremes e delgados Sorte ninguém ter claustrofobia E até gostarmos de espaços fechados

Romano 3 – Martelos, picaretas e punções Vamos usar nas nossas escavações. Sacos feitos em esparto ou couro Servirão para trazer muito ouro.

Romano 6 – E não interessa o aperto Alguns até são a céu aberto. Das paredes polvilhadas de ouro Romano 4 – E para nos ajudar

Arrancaremos o nosso tesouro!

Troncos de árvore vamos usar Roldanas para puxar,

Romano 7 – Será uma grande

Assim, menos nos vamos cansar.

exploração mineira. Vários vestígios deixaremos

Romano 1 – Mós e escórias de fundição

E de Alfena à Carvoeira

Também temos de construir,

Uma grande via construiremos!

Pois após a sua extração O minério precisa de reluzir. 57


Os romanos que falam, param à vez o movimento, mas mal a sua fala é Surge a Musa novamente e as luzes baixam, ficam as personagens quase na

completada, iniciam o vaivém das picaretas.

semi-escuridão e ouve-se a voz da Musa a cantarolar (Não há estrelas no Céu – Rui

Veloso).

Romanos

As

personagens

movimentam-se

dos

como

se

estivessem a picar a pedra.

Romano 3 – Fojos, túneis, poços e galerias Para visitarem não se percam dos guias Nós aproveitamos o vosso ouro, fomos

Musa – Não há estrelas aqui, a dourar nosso caminho. Por mais lucernas que tenha, está

matreiros Mas se souberem da história: não fomos os primeiros!

sempre muito escurinho. De que vale ter martelo, para poder escavar, Picaretas e punções para o ouro retirar.

Romanos 4 – Outros povos aqui escavaram, Todos o ouro procuraram.

A primavera na vila é bonita de se ver, Mas aqui o sol não brilha, nem sei se

É um minério de grande valor Que fazia escavar com muito furor.

está a chover. Para mim hoje é janeiro, está um frio de rachar. Querer ter o ouro todo, ainda me vai matar.

Faz-se silêncio e todas as personagens param por 3 segundos. Depois todo o movimento recomeça e enquanto fazem o movimento da picareta murmuram todos a parte da música: Hu-hu-hu-hu-hu, hu-hu-hu-hu-hu

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Cena III A musa passa pela boca de cena com a

A Musa aproxima-se da boca de cena e

placa que anuncia a Cena III

todas formar

Neto – A tua história avozinha

as a

personagens fila

dos

começam

a

agradecimentos

(Música: Primeiro Beijo ).

Sempre é mais real que a minha Foi assim que a professora contou

Musa – Contamos a nossa história

Mas da minha versão, a avó gostou?

E ela agora chega ao fim, Não é um musical

Avó – Adorei, meu contador de histórias

Mas vai acabar assim.

Mas a mentira da verdade devemos separar

O público não vai fraquejar,

Porque já reza outra história

Muitas palmas vão bater.

Que sem a verdade muito podemos

Não é para nos gabar,

desperdiçar.

Mas foi uma peça a valer!

Havia em tempos um mouro Que sabia bem o valor do ouro Ao ir embora alto falou Com tanto ardor que até rimou:

Mouro – Serra da Cuca Macuca, Que tanta pena me deixais Atirais com pedras às cabras, Não sabeis com que atirais!

Avó - Mas os romanos sabiam Que o valor das pedras não tinha par, Ainda mais do que agora valiam

Esta história está um pouco maluca! Porque usamos alguma imaginação! Mas fala-nos da serra de Cuca Macuca De sua riqueza e de sua exploração.

As personagens todas fazem a vénia e saem.

Para saber quanto: por 200 multiplicar.

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A Semente Especial

Texto pelos alunos do 3º ano das Escolas Básicas de Campelo, Fijós e Paço Ilustração pelos alunos da Educação Pré-Escolar do Agrupamento de Escolas de Valongo

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A Semente Especial Há poucas semanas, numa pequena vila nossa conhecida, chamada Sobrado, três primos: Tiago, Cátia e Maria foram passar a tarde de domingo a casa da tia-avó Madalena.

Durante as suas brincadeiras, o Tiago lembrou-se que estava a chegar o cortejo de Carnaval da escola e ainda não tinham as fantasias. Então, a Maria sugeriu: -E se fossemos nós próprios a fazê-las? - Boa ideia! – Disse a Cátia. -Mas como é que vamos fazer? – Perguntou o Tiago. Neste momento, a tia apercebeuse da conversa e ofereceu-se para os ajudar, pois já tinha sido costureira e guardava muitos restos de tecido no sótão. Eles aceitaram a ajuda dela sem pensar duas vezes e dirigiram-se logo para o sótão. Esta divisão da casa estava fechada há algum tempo. O chão de madeira rangia a cada passo das crianças. Uma lâmpada com uma luz muito fraca, suspensa no teto, iluminava aquele espaço. 61


Uma vez no sótão, os meninos começaram a procurar o que pretendiam, mas não foi fácil, pois havia muitas caixas e objetos antigos e estranhos espalhados por todo o lado. Passado algum tempo, já tinham encontrado vários tecidos, entre os quais um lençol enorme de linho que os chamou à atenção. A Cátia lembrou-se que o poderiam utilizar para se mascararem de fantasmas. Mas como nunca tinham visto um tecido igual àquele, foram ter com a tia. - Tia, que tecido é este, que nós não conhecemos? - Perguntou a Maria. - Este tecido foi-me oferecido pela minha mãe quando me casei. É um tecido feito de uma planta chamada linho. Para o fazer demorava-se muito tempo. Primeiro semeava-se a linhaça, logo no início da primavera. Depois de crescida, arrancava-se, ripava-se e era levada para o rio em molhos. A seguir, secava-se, malhava-se, moía-se, espadeBranqueamento Enlagamento

Arrinca

Arrinca

lava-se, limpava-se, fiava-se na roca, cozia-se ao lume, dobava-se e, por fim, tecia-se no tear. 62


- Ah! Agora já percebi. - Exclamou a Maria. - Dava muito trabalho só para fazer este tecido. Espadelagem

Dobagem e fiação

Tecelagem

Depois de ouvirem a explicação da tia, as meninas, entusiasmadas, pensavam na forma de criar a sua fantasia. Enquanto isso, o Tiago tentava abrir um baú antigo, feito de madeira e couro que se encontrava num cantinho escuro do sótão. Como não conseguia abri-lo, pediu ajuda às primas que também ficaram curiosas em saber o que estaria lá dentro. Após várias tentativas, conseguiram, por fim, abrir o baú com a ajuda de um ferrinho que encontraram no chão.

63


Estavam tão absorvidos e espantados com o que viam à sua frente, que não se aperceberam da chegada da tia que tinha ido buscar o kitde costura. - Que estão a ver aí no baú para estarem tão caladinhos e sem mexer em nada? Perguntou a tia-avó. - São tantas coisas e parecem tão antigas que não as queremos estragar – Disse o Tiago. A tia aproximou-se do baú e percebeu a admiração das crianças. Dentro encontraram inúmeras coisas: brincos,colares, pulseiras, roupas velhas, roupa de bugios e mourisqueiros e brinquedos antigos feitos de madeira ou de trapos. As bonecas eram feitas de trapos, com cabelo de lã, olhos de botões e a boca bordada de vermelho. As roupas também eram feitas à mão,com um toque especial de rendas e bordados.Os carrinhos eram feitos de madeira e pintados com cores alegres. Entretanto, pensaram que podiam reciclar para fazer os disfarces. - Tia, podemos utilizar algumas roupas para os nossos disfarces de Carnaval? - Perguntou a Cátia. - Claro que podem. Ficaria muito contente por ajudar. – Disse a tia.

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O Tiago encontrou umas jardineiras e uma camisa axadrezada e pensou fazer o disfarce de palhaço.A tia-avó pegou numa camisola velha colorida e transformou-a num grande laço. Encontrou uns sapatos velhos do tio e, pintando a cara, tinha o disfarce completo. A Maria pegou num vestido muito antigo, em alguns colares e numa carteira de verniz preto e pensou vestir-se de “senhora à moda antiga.” Só precisava que a tia fizesse uns pequenos arranjos. Cátia, como era muito prática, pediu à tia se podia ficar com o lençol branco de linho que cobria as roupas do baú. Fez-lhe uns buracos em forma de olhos e foi de fantasma. Felizes com os disfarces, foram explorar novamente o baú. Quando estavam os três debruçados sobre o baú, repararam num pequeno saquinho,lá bem no fundo do baú. A Maria pegou nele com muito cuidado e os três tentaram logo ver o que tinha dentro.

- O que é isto? - Disse o Tiago, muito admirado por não reconhecer aquelas pequenas bolinhas. - Acho que são sementes de linho! - Exclamou a tia. – Mas é melhor perguntarem ao vosso tio.

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- Podemos ir perguntar-lhe? - Disse a Cátia. - Sim podem, mas agasalhem-se porque está frio lá fora. O tio-avô Joaquim estava na sua horta a preparar a terra para uma nova cultura e viu os três sobrinhos a correr, cheios de pressa, com um saquinho na mão e exclamou: - Cuidado meninos, com tanta pressa ainda caem! - Olá tio. Como está?- Cumprimentou o Tiago. - Olá meninos, tudo bem convosco? Qual é o motivo de tanta correria? -Encontramos este saquinho de sementes no sótão. – Disse a Maria. - A tia pensa que são sementes de linho. – Acrescentou a Cátia. - Ora deixem cá ver mais aqui ao perto, os meus olhos já não são o que eram. O Tio Joaquim largou a enxada que tinha na mão, colocou os óculos, pegou no saquinho e observou com mais atenção aquelas pequenas sementes.

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- A vossa tia tem razão, istosão sementes de linho. Vocês sabem o que é?- Perguntou o tio aos três primos. - Mais ou menos… - Respondeu o Tiago, com alguma hesitação. - A tia explicou-nos que a planta do linho foi muito importante nos tempos antigos, depois de muito trabalho conseguia-se fazer tecidos e roupas. – Disse a Maria.

-Eu até vou fantasiada de fantasma com um lençol de linho, no Carnaval. Vai ser o máximo! - Exclamou a Cátia cheia de entusiasmo. - Tio, se lançarmos estas sementes à terra nasce a planta de linho? - Perguntou o Tiago. -Claro que sim, meninos, mas temos de esperar por tempos mais quentes. Agora voltem para casa. Está muito frio! Os três primos regressaram rapidamente para casa e, de imediato, foram para o sótão para explorarem mais um pouco as caixas e objetos que ainda não tinham conseguido ver. Durante imenso tempo organizaram brincadeiras do faz

de

conta

e

outros

jogossuper

diverti-

dos.Divertiram-se imenso. Na escola, aos colegas, não paravam de contar as suas aventuras no sótão da tia-avó Madalena, das maravilhosas descobertas que fizeram e das brincadeiras que inventaram.

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Quando o tempo ficou mais quente e a primavera chegou, os três primos voltaram a visitar a Tia Madalena e o Tio Joaquim. Quando os viu, a tia entregou-lhes o saquinho que eles tão bem conheciam e logo os mandou ir ter com o tio à horta. Ele tinha preparado um pedaço de terra para eles colocarem as sementes de linho. Muito entusiasmados, os três

primos semearam aquelas sementes. Ficaram, ainda, com maior curiosidade sobre aquela planta. - E agora tio, vai demorar muito a crescer? – Perguntou o Tiago.

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- Vão ter que ter calma, mas daqui a uns dias já se começa a ver qualquer coisa. Como era hora de almoço, os quatro foram para casa, onde a Tia Madalena os esperava com um almoço delicioso. Após o almoço, os primos só queriam ir brincar. O tempo quente que se fazia sentir lá fora fez com que escolhessem um bom passeio de bicicleta e um jogo de futebol no terraço da casa. Era tão divertido estarem ali que lembraram-se de pedir aos pais para, nas férias de verão, passarem, em casa dos tios, uma semana. Os pais autorizaram e disseram que se eles se portassem bem, podiam ficar mais do que uma semana. Os três primos ficaram muito contentes. E passaram os dias até às férias, a combinar como iriam ocupar o tempo. Entretanto, na horta, e para o encanto das três crianças, as sementes de linho germinaram e plantas com um caule esguio e estreito cresceram bastante, no cantinho da horta. - Oh! Que lindas flores!- Exclamou a Cátia. - São azuis claro!.- Disse a Maria - Eu acho que são azuis violeta!- Disse o Tiago.

FIM 69


70


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