A casa algarvia do século XX - Uma interpretação iconológica e tipológica

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Universidade Lusíada do Porto

A casa algarvia no século XX Uma interpretação iconológica e tipológica

Carlos Eduardo Vieira Franco

Dissertação para obtenção do Grau de Mestre Orientação: Prof.ª Doutora Suzana Faro Co-orientação: Prof. Arq. João Rapagão

Porto, 2011



Agradecimentos

Agradeço, em primeiro lugar, à minha família mais próxima (Mãe e Irmã) por todo o apoio e compreensão durante esta etapa difícil onde, de uma forma ou de outra, representaram uma base moral sólida, necessária durante todo o processo. Aos restantes familiares, pela partilha de conhecimentos, valores e conselhos que ajudaram no desenvolvimento do tema. A todos os amigos e colegas pelo incentivo ao longo destes anos e pelas tertúlias realizadas, sobre o tema, durante todo o processo. Ao Darryl e à Margarida que foram, sem dúvida, muito importantes, estabelecendo críticas construtivas que ajudaram a clarificar certos aspectos do tema escolhido. À Cláudia, ao Hugo e à Susana, sobretudo, pelo apoio na fase final deste processo. Gostaria também de agradecer ao Arq. Marc Koehler e à Arq.ª Célia Amado que, para além de me terem proporcionado uma experiência de trabalho durante o processo, representando uma oportunidade ímpar de crescimento profissional e pessoal, aconcelharam e forneceram material bibliogáfico que contribuiu de forma decisiva para a elaboração desta dissertação. Um agradecimento muito especial aos meus orientadores, Prof.ª Doutora Suzana Faro e Prof. Arq. João Paulo Rapagão que acompanharam todo o processo desde a sua fase inicial e souberam dar toda a atenção, cuidado e rigor na orientação desta dissertação, com a paciência necessária para me corrigirem vezes sem conta, contribuindo para a sua finalização consistente e coerente.

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A casa algarvia do século xx Uma interpretação iconológica e tipológica

Índice

Resumo e palavras chave..............................................................................VII Abstact and key words.................................................................................VIII Introdução..................................................................................................09

1. Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais que contribuíram para o desenvolvimento das primeiras casas na região.................................................17 1.1. Lugar, contexto geográfico e condicionantes naturais ................................21 1.2. História e cultura, os povos ancestrais e as suas habitações .......................27 2. A criação vernacular e popular ....................................................................43 2.1. O povo algarvio e a sua identidade vernacular ........................................47 2.2. Caracterização geral da casa popular algarvia do século XIX .......................53 2.2.1. Caso de estudo - casa popular urbana ..........................................61 2.2.2. Caso de estudo - casa popular rural .............................................71 3. A transformação disciplinar do século XX ......................................................81 3.1. A industrialização, o modernismo e a identidade nacional do Estado Novo no Algarve..............................................................................................85 3.1.1. Caracterização geral da casa algarvia na primeira metade do século XX ...97 3.1.2. Caso de estudo - Casa em Alporchinhos ........................................105 3.2. O turismo e o pós-modernismo na região - contaminação da nova casa algarvia ..............................................................................................115 3.2.1. Caracterização geral da casa algarvia na segunda metade do século XX ..121 3.2.2. Caso de estudo - Casa na Quinta do Lago ....................................129 4. Permanências na identidade da tipologia local, transmitidas entre a casa popular do século XIX e a casa “popular” do século XX............................................139 4.1. Comparação tipológica e iconológica dos casos estudados .......................143 4.2. A casa algarvia durante a primeira década do século XXI......................149 Conclusão.................................................................................................155 Bibliografia.............................................................................................163 Bibliografia online.......................................................................................166 Créditos gráficos.........................................................................................167



A casa algarvia do século xx Uma interpretação iconológica e tipológica

Resumo

Esta dissertação pretende analisar o processo evolutivo da casa algarvia como objecto arquitectónico nas vertentes iconológica e tipológica, desde a arquitectura vernacular do século XIX, tendo em conta o seu contexto natural e o seu passado histórico e cultural, até ao final do século XX. A casa algarvia vernacular corresponde a um modelo arquitectónico com raízes numa cultura e identidade mediterrânica. Desde os materiais utilizados na sua construção até à sua configuração tipológica, o que a diferencia de outros modelos mediterrânicos é o carácter iconológico que nos proporciona uma imagem específica. Este factor, em particular, caracteriza a casa algarvia, e serve como referência para dar seguimento ao estudo tipológico e iconológico que se pretende. Durante o século XX, a casa algarvia sofre alterações tipológicas devido a factores de carácter histórico, político, cultural e social. Contudo, apesar destas transformações serem notórias, continuam a reproduzir-se modelos com referências iconológicas historicistas que tentam estabelecer uma ligação com o passado popular vernacular utilizando, na maioria dos casos, apenas, ícones regionais para a sua integração identitária na região. Deste modo, procura averiguar-se se o modelo reproduzido se apresenta como a evolução lógica da casa algarvia, ou se se trata de uma evolução coerente ou consequente, do tempo e dos factores que atravessam o século XX e projectam o século XXI. Consequentemente, torna-se pertinente analisar a evolução dos dois últimos séculos, compreendendo de que modo a relação de identidade é estabelecida entre o modelo habitacional do final do século XX e o modelo popular do século XIX. Uma vez caracterizadas as transformações ocorridas, as conclusões contribuirão para uma reflexão acerca do futuro modelo da casa no Algarve para o século XXI.

Palavras chave: Algarve, Arquitectura, Casa, Iconologia, Tipologia

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Abstract

This dissertation aims to analyse the algarvean house as an architectural object, in its iconological and typological slope, during its evolutionary process since the vernacular nineteenth century architecture, having in mind its natural context and its historical and cultural past, untill the end of the twentieth century. The vernacular Algarve house is an architectural model, which finds its roots in a mediterranean culture and identity. In what concerns the building materials and the typological configuration, what distinguishes the algarvean house from the others is its iconic nature, that gives us a specific image. This factor, in particular, characterizes the algarvean house, and serves as reference to follow up its typological and iconic evolution study. During the twentieth century, the algarvean house suffers typological alterations due to historical, political, cultural and social factors. However, despite the fact of these alterations being evident, they still reproduce themselves in historicist iconic references, trying to establish a connection with the vernacular popular past just using, in most part of the cases, regional icons for its identitary integration in the region. Thus, this study looks forward to know if the model presents itself as a logical evolution of the house in the Algarve, or if it reflects the consequences, time and factors that go trougth the twentieth century and project themselfs on the XXI century. It is relevant to analyse this evolution throughout the century. The goal is to understand how the relation of identity is established, between the habitational model of the late twentieth century and the popular model of the late nineteenth century. The occurred transformations must be, therefore, chacterized, in an attempt of achieving a conclusion which allows a reflection on the future model of the XXI century Algarvean house.

Key words: Algarve, Architecture, House, Iconology, Typology

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A casa algarvia do século xx Uma interpretação iconológica e tipológica

Introdução

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A casa popular algarvia apresenta-se como um modelo arquitectónico muito específico, tanto pela sua materialidade e espacialidade, como pelo seu carácter simbólico e iconológico. Por tudo isso, já foi alvo de vários estudos demonstrativos da sua unicidade e de todo um conjunto de factores que a tornam um modelo habitacional particular no panorama arquitectónico do nosso país. Estas características únicas, fruto de aculturações e consequentes alterações ao longo dos anos, contribuem para a transformação da casa algarvia e da sua essência durante o século XX, sem que exista uma percepção consciente, por parte dos populares, desta modificação descaracterizadora. Torna-se, portanto, pertinente identificar e analisar os factos que contribuíram para esta mudança e, ao mesmo tempo, demonstrá-los apresentando exemplos da sua evolução arquitectónica, coerentes com o seu passado popular e com o tempo em que são construídos. Define-se, então, como objectivo desta dissertação, o estudo das modificações mais significativas ocorridas na casa do Algarve desde o modelo vernacular popular até ao modelo desenvolvido durante o século XX, caracterizando-as tanto a nível tipológico como iconológico. Este estudo aborda essencialmente duas questões: a primeira, prende-se com a evolução e transformação tipológica ocorrida no Algarve durante o final do século XIX e todo o século XX, e a segunda relaciona-se com a propagação da imagem iconológica da casa popular nos modelos actuais. Pretende-se, com isto, uma reflexão acerca da possível descontextualização sociocultural da mesma, em relação à região e ao seu passado vernacular, e acerca do modo como essa imagem popular poderá influenciar a construção de novas tipologias. Iconologicamente, a casa algarvia distingue-se pelo uso de alguns elementos simbólicos que fazem desta habitação uma excepção. A utilização desses ícones é uma característica do modelo popular, no entanto, existe na região algarvia uma diferença iconológica nas casas actuais, vista por todos como parte da sua identidade local. A imagem que as tipologias nos transmitem, hoje, apenas é traduzida pela utilização de alguns elementos simbólicos populares regionais, fruto de interpretações variadas. Introdução

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Contudo, a utilização destes elementos simbólicos pode não ser suficiente para tornar a tipologia coerente com o seu meio envolvente, nomeadamente com o seu passado cultural, bem como com o seu antepassado popular vernacular, o qual serve como referência na construção do novo modelo. O modelo tipológico actual desenvolve-se na segunda metade do século XX e prolonga-se para o século XXI, sendo a industrialização dos sistemas construtivos e o turismo duas das causas mais significativos para a sua reprodução e propagação. Em conjunto, estes dois factores afectam directamente o desenvolvimento da casa algarvia na região, levando ao aparecimento de um novo modelo de habitação que tenta responder às necessidades e aos desejos pretendidos. A casa de férias surge no contexto algarvio como resultado destas necessidades e desejos. Este modelo tornase uma referência que acaba por influenciar as casas da população residente. Deste modo, existe uma transformação na tipologia tradicional algarvia que pode alterar completamente a essência da sua natureza, levando à descontextualização dos modelos que se projectem no futuro, com base nesta nova interpretação. Para o estudo do tema proposto, a dissertação foi dividida em quatro capítulos distintos que se desencadeiam segundo uma ordem que se considera útil à investigação. Pretende-se, com isto, a caracterização geográfica e natural, e a contextualização histórica da região do Algarve até aos finais do século XIX, onde é analisada a casa vernacular popular algarvia. Posteriormente, é feito um estudo sobre a transformação disciplinar do século XX, para demonstrar as alterações ocorridas na tipologia em estudo durante essa época. Estas abordagens culminam com uma reflexão sobre os modelos analisados, de forma a, através das comparações estabelecidas, conseguir determinar as características essenciais da casa algarvia, bem como as alteradas, inserindo-as sempre num contexto nacional e regional. Estas características são determinantes para estabelecer uma relação entre o modelo iconológico e tipológico vernacular algarvio e fixar a repercussão da sua interpretação nos modelos actuais.

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Introdução


Assim, no primeiro capítulo, é feita uma abordagem sobre o Algarve, de forma a conseguir conhecê-lo enquanto lugar, de um modo abrangente, vincando determinados factores que mostram a sua particularidade enquanto região. Desta maneira, começase por caracterizar e contextualizar a região algarvia sob o ponto de vista geográfico, observando as suas características climatéricas e morfológicas, condicionantes para a implantação das primeiras povoações e para as primeiras construções. Posteriormente, recorre-se a uma breve descrição histórica, civilizacional e cultural, onde são retratados os povos que viveram na região, assim como as alterações tipológicas e iconológicas que introduziram na casa no Algarve durante a sua ocupação. No segundo capítulo, faz-se uma abordagem sobre a identidade do povo algarvio no final do século XIX, de forma a entender como é que esta se manifesta na sociedade local, e qual a sua repercussão nos modelos habitacionais regionais. De seguida, analisam-se diversos exemplos da aquitectura popular existentes e caracterizadores da região, de forma a entender quais os traços gerais que definem o modelo tipológico e iconológico vernacular algarvio. Para concluir este capítulo, são referidos e estudados dois casos específicos que pretendem demonstrar as semelhanças ou diferenças entre uma casa rural e uma casa urbana no Algarve. Esta comparação é imprescindível para uma visão alargada dos modelos em estudo, dado que define um retrato fiel do modelo da casa algarvia dos finais do século XIX, com os seus valores iconológicos e tipológicos. O terceiro capítulo aborda o século XX em quatro temas, demonstrando os factores catalisadores da alteração no modelo da casa algarvia. Nos dois primeiros, correspondentes à primeira metade do século, são abordados os avanços tecnológicos na construção e a propagação de um estilo nacionalista promovido, em grande parte, pelo Estado Novo. No seguimento do estudo destes temas, é analisada uma tipologia que corresponde a um modelo exemplar, onde se registam algumas das alterações mais evidentes na casa no Algarve dos meados do século XX. O terceiro e quarto temas, abordam a segunda metade deste século, onde se regista o despoletar do fenómeno do Introdução

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turismo na região e o desenvolvimento da sociedade de consumo pós-moderna, onde a imagem é valorizada. Nesta realidade, a interpretação dos valores e elementos iconológicos e a transformação da organização e composição tipológica, torna-se corrente. Estes factores são preponderantes na contaminação e alteração do modelo arquitectónico no Algarve e, por isso, aqui referenciados e explicados. Como caso específico, é caracterizado, também, um modelo exemplar da década de 80 do século XX, uma vez que encerra os princípios que permitem a compreensão destas alterações tipológicas e iconológicas. O quarto e último capítulo consiste numa síntese, comparação e reflexão sobre os casos apresentados e estudados nos capítulos anteriores, e na apresentação de alguns modelos que se propagam no início do século XXI. Pretende-se cruzar e comparar as informações recolhidas nesses exemplos, demonstrando as relações mais ou menos perceptíveis que ajudam a apreender e estabelecer o que mudou, evoluiu ou transformou na casa algarvia durante o último século, e demonstrar quais os valores que subsitem actualmente. Com isto, devem retirar-se as ilações essenciais sobre as possíveis relações estabelecidas, bem como as influências entre os modelos vernaculares populares do século XIX e as novas formas da actualidade. A conclusão deve revelar se existe, ou não, uma descontextualização cultural da casa algarvia no final do século XX, e se as transformações tipológicas e as apropriações iconológicas ocorridas se baseiam apenas na imagem vernacular ou se reflectem uma evolução coerente e lógica, marcando determinantemente a identidade deste novo modelo. Essas conclusões devem permitir uma reflexão mais aprofundada sobre a possível evolução do modelo de casa algarvia para o século XXI. São poucos os autores e as obras que abordam especificamente este tema, no entanto, podem enquadrar-se neste conjunto alguns nomes que foram importantes para o estudo e a caracterização da casa algarvia, desde as suas origens. Por exemplo, o arqueólogo Estácio Veiga, impulsionador e responsável por grande parte dos 14

Introdução


levantamentos e achados arqueológicos na região, os arquitectos Artur Pires Martins, Celestino de Castro e Fernando Torres, responsáveis pelo estudo e caracterização da arquitectura popular na zona do Algarve durante o estudo sobre a Arquitectura Popular em Portugal, bem como o arquitecto Manuel Fernandes, responsável por grande parte das publicações actuais sobre a casa e arquitectura no Algarve. Contudo, a questão que esta dissertação distingue ainda não foi muito aprofundada. A maior parte dos estudos e análises existentes dedica-se à composição, materialização e caracterização da casa popular algarvia, sem nunca comparar essas informações com o desenvolvimento do modelo habitacional durante o século XX. Assim, o cruzamento destas informações torna o presente estudo um contributo para uma melhor compreensão acerca da evolução da casa no Algarve, tendo em conta todas as suas problemáticas. Para a investigação em estudo foram utilizados diferentes recursos, procurando a sua adequação ao tema, bem como a abrangência e diversidade na análise. Juntos e interligados, ajudam a desenvolver uma caracterização que parte da abordagem geral da região para os diferentes casos particulares estudados. Para tal, utilizaram-se levantamentos gráficos e fotográficos de modelos de interesse, assim como esquemas que ajudam a compreender os casos investigados e as suas características tipológicas e iconológicas. Foi analisada, igualmente, a escassa bibliografia existente dedicada ao tema, os documentos e artigos que se encontram publicados e toda a bibliografia que permitiu fazer a abordagem histórica e geográfica, bem como a crítica teórica alusiva ao século XX. Ressalta-se, ainda, a experiência e vivência do local em estudo, a observação da sua evolução durante os últimos anos, os diálogos que foram estabelecidos durante todo esse tempo com as pessoas locais e com alguns turistas, e a visita aos modelos seleccionados e analisados.

Introdução

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1 Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais que contribuĂ­ram para o desenvolvimento das primeiras casas na regiĂŁo

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“Um só distrito, Faro em capital e a província é mar, é serra, é barrocal. Deramlhe os Árabes nome: Al Garb, chamando-lhe assim o «país do lado que o Sol se põe». (…) Partilha-se a província no sentido Norte-Sul em três regiões naturais onde gentes, culturas, pedras e socalcos se distinguem” (Alves, 1989:5). Neste primeiro capítulo pretende-se descrever a região algarvia, de modo a perceber que lugar é este e em que contexto territorial e cultural se insere. Esta abordagem consiste, em primeiro lugar, no estudo dos factores geográficos e climatéricos presentes na região e, em segundo lugar, no estudo histórico, civilizacional e cultural da mesma. Os factores geográficos e climatéricos são fundamentais para perceber onde os povos primitivos se estabeleceram e como eram feitas as suas edificações. Por norma, as primeiras construções estavam directamente relacionadas com o meio envolvente, ou seja, eram construídas com os materiais existentes no local e adequavam-se ao clima predominante. Os factores históricos, civilizacionais e culturais proporcionam uma caracterização específica do tipo de edifício que se pretende estudar, a casa, e motivam a execução e propagação de modelos de habitação que definem a identidade da região em estudo. Contudo, o objectivo destes estudos não consiste numa análise exaustiva no campo da geografia, nem numa explanação histórica da região, mas sim numa contextualização que facilite o entendimento de uma simbiose de factores naturais e culturais que promovem a construção de um modelo de habitação. Deste modo, são apenas analisados os factores que influenciam directamente a construção das habitações ancestrais e o modo como estas se desenvolvem durante as ocupações territoriais feitas pelos diferentes povos de que há registo. Caso não existam registos que permitam uma análise correcta do modelo tipológico na região, recorre-se ao estudo das condicionantes sociais e culturais, na tentativa de perceber como se poderiam desenvolver as tipologias de habitação durante esse período de tempo. Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais

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2 Fig.1 - Mapa da Europa mediterrânica e Norte de África, com o Algarve assinalado Fig.2 - Relação entre o Algarve, o Atlântico e África

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1.1 Lugar, contexto geográfico e condicionantes naturais

Localizado na extremidade Sudoeste da Europa, o Algarve situa-se numa posição estratégica que privilegia a existência de características geográficas e climatéricas específicas e, também, contribui para as relações culturais e comerciais com as civilizações próximas. Numa primeira análise, podem destacar-se alguns factos importantes para a sua definição enquanto lugar, e de que modo estes factos influenciam as primeiras construções de que há registo na região. A configuração actual do Algarve, como se pode observar na fig.2, corresponde a uma forma rectangular, onde o Oceano Atlântico envolve toda a sua costa Sul e Oeste, a Norte fica a actual região do Alentejo, e a Este a vizinha Espanha, separada pelo Rio Guadiana. Apesar de nos tempos primitivos não existirem estas fronteiras territoriais, pode depreender-se que é uma região que se relaciona directamente com o mar, desde sempre. Partindo deste princípio, deduz-se que as primeiras povoações ali fixadas, teriam procurado esta relação para se implantarem ao longo de toda a costa e, a partir daí, começarem o seu desenvolvimento. Esta simbiose entre a região e o mar favorece a utilização de recursos inerentes ao mesmo por parte dos primeiros povos, tornando-se importante para o seu sustento e, posteriormente, para o seu desenvolvimento cultural e comercial, servindo como meio de ligação com outras civilizações. Ao observar a fig.2, entende-se que a localização geográfica do Algarve privilegia um relacionamento directo com o Sul de Espanha e consequentemente com o Mar Mediterrâneo e com o Norte de África, o que define uma zona de acção fundamental para as relações culturais e comerciais futuras. Deste modo, começa a traçar-se o caminho para o desenvolvimento cultural da região e para a sua caracterização enquanto lugar. Contudo, a localização geográfica do Algarve não proporciona, apenas, a relação directa com o mar ou com as povoações envolventes, também favorece determinadas características geológicas e climatéricas que determinam a especificidade do lugar e dos povos que o habitam. Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais

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- Genozoico e Antropozoico - Mesozoico - Paleozoico - Maciço Eruptivo de Monchique

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Fig.3 - Mapa geológico do Algarve Fig.4 - Foto aérea caracterizadora da serra algarvia Fig.5 - Foto aérea caracterizadora do barrocal algarvio Fig.6 - Foto aérea caracterizadora do litoral algarvio

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Sinteticamente, e segundo o conceito de alguns autores, desde Silva Lopes (1841) até Lautensach (1932-1937), pode dizer-se que o Algarve se subdivide em três grandes faixas horizontais (Antunes, 1988: 124), a serra, o barrocal e o litoral, às quais correspondem constituições de solo diferentes, caracterizadoras da paisagem natural de cada zona, como se pode observar nas figs.4, 5 e 6. Analisando o mapa geológico da fig.3, percebe-se que cada uma destas faixas está relacionada com um período diferente, a serra com a era do Paleozóico, o barrocal com a era do Mesozóico e o litoral com a era do Antropozóico que coincide com o aparecimento do Homem na história da Terra1. A constituição do solo destas diferentes zonas pode caracterizar-se da seguinte maneira: na serra, encontra-se o xisto, os doleritos e alguma rocha designada por foiaíte como é o caso do maciço eruptivo de Monchique; no barrocal, encontram-se os terrenos mais férteis para o cultivo, mas também os afloramentos calcários, os grés, as margas, as argilas; no litoral, encontram-se os solos mais arenosos, mas também os calcários e os argilosos (Antunes, 1988: 173). Estas diferentes constituições, para além de caracterizarem geologicamente a região em estudo, servem de base às primeiras construções. Os materiais utilizados são, maioritariamente, retirados do solo. Tal como acontece com a constituição do solo, as condicionantes climatéricas são, também elas, importantes para a definição do Algarve enquanto lugar. Em traços gerais, os factores climáticos determinam e condicionam a habitabilidade de um lugar, que, em situações extremas se torna praticamente inabitável. Neste caso, a sua localização geográfica proporciona excelentes condições de habitabilidade, que por sua vez afectam directamente a habitação, trabalho, psicologia e modo de vida dos povos locais (Antunes, 1988: 159). 1 Estas eras correspondem a grandes intervalos de tempo divididos em períodos que se subdividem em épocas e idades. Cada uma dessas subdivisões correspondem a algumas importantes alterações ocorridas na evolução da Terra. Ministério das Minas e Energia - Geografia geral [em linha] Eras Geológicas [consult. em 16 de Maio de 2011]. Disponível em http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/sala_de_aula/geografia/geografia_geral/formacao_da_terra/eras_geologicas Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais

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8 Fig.7 - Mapa da insolação em Portugal Fig.8 - Mapa das temperaturas mÊdias em Portugal

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“Esta província, dada a sua situação geográfica, apresenta condições climáticas muito particulares. Entalada entre o Oceano, para onde desce em declives suaves, e as montanhas que a protegem dos ventos do Norte e quase a isolam, goza na sua maior extensão, desde o Cabo de S. Vicente até à Foz do Guadiana, de uma excelente exposição a Sul, que, com as condições geográficas, constituem os factores caracterizadores do seu clima, o qual além de mediterrâneo, se aproxima do tipo sub-tropical, dadas as influências exercidas pelos ventos vindos do continente Africano” (Antunes, 1988: 159). Actualmente, o Algarve apresenta uma temperatura média do ar que ronda os 17,7ºC anuais, onde o mês de Janeiro regista a média mais baixa, 12ºC, e o mês de Agosto a média mais alta, 30ºC, contando com cerca de 3.000 horas de sol durante todo o ano. A água do mar mantém uma temperatura que ronda os 14ºC em Janeiro e os 22ºC em Agosto2. É a região do país que recebe mais horas de sol durante todo o ano e que mantém a temperatura média anual mais alta. Em suma, as características geográficas, geológicas e climatéricas originam condicionantes que são determinantes no desenvolvimento das tipologias de habitação, desde os primeiros povos até à contemporaneidade na região. ”O homem, com o seu engenho, cria os meios de adaptação ao ambiente que o rodeia, procurando o mais produtivo aproveitamento da terra e a técnica mais adequada à construção do seu abrigo, de acordo com as condições geológicas e climáticas” (Antunes, 1988: 162). O facto de se recorrerem do material geológico local para a construção das tipologias, proporciona uma característica específica forte que contribui para marcar o início da identidade algarvia e a consequente caracterização do lugar. Contudo, para a identidade regional do Algarve ficar completa, é necessário abordar o seu carácter histórico e cultural.

2 O tempo em Albufeira e o clima no Algarve - Albufeira.com. 2005 [em linha] O clima em geral e estatísticas [consult. em 12 de Novembro de 2009]. Disponível em http://albufeira.com/tempo/default.asp

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Adega / lagar Habitação Galinheiro Armazém / Outros Fig.9 - Casas de planta circular com paredes de materiais vegetais pertencentes à Idade do Bronze, localiGalinheiro Armazém / Outros Pocilga Cisterna / recolha de àguas zadas na região de Castro Verde, estação arqueológica Neves II (Desenho do atelier Varela Gomes) Pocilga Cisterna / recolha de àguas Fig.10 - Ampliação da planta das casas apresentadas, com a indicação da escala e do Norte geográfico

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1.2 História e cultura, os povos ancestrais e as suas habitações

Apesar de não se saber ao certo quais foram os primeiros povos que ocuparam a região, há vestígios da permanência de populações que remontam a 4000 anos a.C., correspondendo à era do Neolítico. Embora pouco se saiba destas povoações, Estácio Veiga, arqueólogo, identifica e caracteriza vestígios de habitações desta época. “Em Paniachos, na Quinta do Freixo, a 3km de Alte, foi identificado um povoado atribuído a este período, com vestígios de casas de planta circular ou elipsoidal, fundações de pedra e argamassa de terra” (Veiga cit. in Raposo, 1995: 17). Existem também vestígios deixados por povos da Idade do Cobre e da Idade do Bronze que comprovam a sua permanência, até ao século VIII a.C.. Esta ocupação deve-se, também, ao facto de existir abundância destes metais na região. “Na zona meridional do actual território português, aqueles povos de agricultores e pastores fabricavam sobretudo artefactos de cobre, dada a riqueza do minério na região, o que fomentou as trocas comerciais” (Raposo, 1995: 17). Desta forma, considera-se que o início do comércio regional se dá por estas épocas, devido à abundância que a região tinha deste tipo de minérios e à procura dos mesmos por parte de outros povos. Apesar da tecnologia ter evoluído bastante desde a era do Neolítico, as habitações destas povoações pouco diferem das identificadas nos povos anteriores, como se pode observar na seguinte transcrição. “As habitações destas populações, segundo vestígios encontrados em outras zonas do Sudoeste da Península, tinham planta circular ou oval, paredes e cobertura de materiais vegetais (troncos de árvore, caniço e colmo) e, por vezes, fundações e paredes baixas em pedra” (Gomes cit. in Raposo, 1995: 18). Comparando com a descrição das habitações neolíticas, nota-se que a evolução é quase nula, tanto na forma como nos materiais utilizados. Este cenário mantém-se até à Idade do Bronze final, quando as actividades comerciais se intensificam, dando origem à criação dos primeiros centros urbanos no litoral algarvio. Segundo o geógrafo português Orlando Ribeiro, o Algarve engloba-se na vasta região que designou como “Portugal mediterrâneo”, denominando-o como a “última RiAlgarve - condicionantes naturais, sociais e culturais

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Adega / lagar Adega / lagar Habitação Habitação Adega / lagar Habitação Armazém Outros rectangular, com paredesGalinheiro Fig.11 - Casas de /planta de taipa sobre fundações de pedra, pertencentes à Idade Galinheiro Galinheiro Armazém / Outros Armazém / Outros Armazém / Outros do Ferro, localizadas naderegião estação arqueológica Galinheiro Neves II (Desenho do atelier Varela Cisterna / recolha àguas de Castro Verde, Pocilga Pocilga Cisterna / recolha Cisterna de àguas / recolha de àguas Pocilga Gomes) Cisterna / recolha de àguas Pocilga Fig.12 - Ampliação da planta das casas apresentadas, com a indicação da escala e do Norte geográfico

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viera mediterrânea”, à qual se junta a Andaluzia e o Norte de África, formando o “prémediterrâneo” (Ribeiro cit. in Arruda, 1999: 21). As condições geográficas do Algarve permitem a existência de vários portos marítimos, muito importantes para as trocas comerciais entre os povos do Mar Mediterrâneo, através de rotas marítimas. Fernand Braudel assinala este facto afirmando que “o mediterrâneo é afinal o conjunto de rotas de mar e terra, e quem diz rotas diz cidades, desde a mais humilde à mais imponente, todas elas interligadas. Rotas e mais rotas, ou seja, todo um sistema de circulação” (Braudel cit. in Arruda, 1999: 21, 22). Estes factos vão influenciar, de forma marcante, o modo como se constrói na região durante o período da Idade do Ferro, então ocupada pelos fenícios, até à vinda do Império Romano. “Datam deste período as primeiras casas de planta rectangular, de paredes de taipa ou adobe, fundações de pedra argamassada com barro, cobertura inclinada, de uma só água, de colmo sobre estrutura de troncos de madeira, por vezes revestida a barro. Este processo construtivo, originário das antigas civilizações do Mediterrâneo Oriental, tornou-se comum a toda a região mediterrânica” (Gomes cit. in Raposo, 1995: 19). Percebe-se então que até e durante a Antiguidade Clássica se vivia uma cultura predominantemente mediterrânica, influência cultural que vai marcar diferenças profundas entre o Algarve e o resto do país. Orlando Ribeiro assinala esta diferença cultural entre a região e o Norte de Portugal, denominando-a de “civilização do barro” em oposição à “civilização do granito”, respectivamente (Ribeiro cit. in Correia, 1989: 137). Esta caracterização deve-se ao facto das construções regionais utilizarem a argila, na sua constituição, como demonstrado nos primeiros exemplos dos povos fenícios. A argila ou barro fazem parte dos materiais predominantes na região e são utilizados pelos povos para a construção não só das habitações, mas também de todos os edifícios necessários ao bom funcionamento das sociedades que habitam o lugar. Após o período fenício, a região vai-se integrando e relacionando com o munAlgarve - condicionantes naturais, sociais e culturais

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Pólos urbanos pré-romanos Ligações terrestres Ligações por rio

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13 Fig.13 - Mapa representativo dos pólos urbanos pré-romanos no Algarve e suas ligações (trabalho gráfico sobre o mapa, efectuado pelo candidato)

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do urbano mediterrânico, com as sucessivas passagens dos povos que dominaram a Península Ibérica até a colonização romana. Os romanos dominam toda a Hispânia durante oito séculos, desde o século II a.C. até ao século VI d.C., impulsionando o desenvolvimento regional de uma forma marcante (Alarcão, 1990: 345). De facto, com a colonização romana, a rede de centros urbanos existentes é hierarquizada. São melhoradas as ligações terrestres com o Norte da Península Ibérica, através da pavimentação de caminhos e da construção de pontes, e são melhoradas as ligações marítimas com a Europa romana, com a criação e melhoramento dos portos marítimos nas cidades costeiras. Contudo, o melhoramento das ligações entre a região e o Norte da Península Ibérica não são suficientes para fortalecer os laços entre ambas as zonas, como se pode ler na seguinte transcrição: “(…) os registos oficiais dos itinerários antigos assinalam duas vias principais: que ligavam Pax Ivlia (Beja) – o grande centro administrativo do Sul do actual território português – a Ossobona (Faro), quer por Myrtilis (Mértola), Baesuris (C. Marim), Balsa (T. de Aires), quer através da serra, por S. Brás de Alportel/Barranco do Velho/Ameixial” (Fabião, 1999: 46). As escassas ligações por terra resumem-se, apenas, a duas vias pré-romanas de maior importância, que foram reaproveitadas, ligando as cidades de Faro e Portimão à cidade de Beja. Deste modo, as conexões por mar e por rio, já existentes, continuam a ter um papel fundamental no desenvolvimento cultural do Algarve. A região continua a estabelecer contacto com os povos da Andaluzia, do Mar Mediterrâneo e do Norte de África, mesmo durante a ocupação romana. Paralelamente à promoção do contacto com os povos supracitados, a reestruturação urbana ocorre por toda a região. Porém, poucas foram as urbes construídas de raiz. Tal deve-se ao facto de já existirem centros urbanos de grande importância no Algarve. Coexistem célticos, túrdulos e cónios, e a cada um desses povos está associada uma “cidade estado” posteriormente adoptada pelos romanos (Alarcão, 1990: Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais

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Fig.14 - Ruínas do santuário de água de Milreu Fig.15 - Pormenor decorativo relativo ao frigidarium de Milreu Fig.16 - Planta da villa de Milreu Fig.17 - Fachada Leste (reconstituída) do santuário de água de Milreu

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358). Por norma, estas cidades situavam-se em locais estratégicos para o comércio. Para além destas adaptações urbanas, os romanos introduzem o conceito de villae, ou seja, conjunto de infra-estruturas que visam dinamizar as zonas rurais, onde se localizavam. Um dos exemplos de villa existentes no Algarve e que ainda pode ser observado é o das ruínas de Milreu perto da vila de Estói, a 8 km a Norte de Faro, cujas alterações datam dos séculos III e IV d.C.. Esta villa localizava-se na zona correspondente ao Barrocal algarvio, onde os terrenos eram melhores para a agricultura, e foi construída com o intuito de desenvolver e dinamizar a zona onde se insere. Faziam parte da sua constituição todos os elementos e compartimentos necessários ao desenvolvimento rural, desde a casa do proprietário e responsável pela exploração das terras, até às habitações para os trabalhadores, assim como todas as construções necessárias para a vida diária dos seus habitantes. No caso apresentado, encontram-se também um santuário, um lagar e as termas. Contudo, não existem dados suficientes para análise da tipologia geral da casa romana no Algarve, apenas uma breve descrição que, associada às figuras apresentadas, poderá recriar uma imagem sugestiva do modelo. “Generaliza-se a casa de planta rectangular, agora com paredes de pedra talhada e aparelhada ou de tijolo. Com a aplicação do barro cozido à construção, é também introduzido o uso da telha em vez da cobertura de colmo e do ladrilho em vez do pavimento em terra batida” (Raposo, 1995: 20). Existe uma série de inovações de carácter construtivo nas tipologias de habitação, sobretudo o tratamento do material. A terra crua deixa de ser utilizada na construção das paredes e o colmo na construção dos telhados, e passa-se a utilizar o tijolo cozido e a telha cozida, conferindo maior resistência e durabilidade às construções. Este pode ser considerado o primeiro passo para a industrialização dos materiais de construção.

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19 Fig.18 - Planta esquemática da medina da cidade de Albufeira Fig.19 - Antiga nora de inspiração árabe, utilizada para retirar água do poço e regar os campos

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A queda do Império Romano do Ocidente está associada aos inícios do século V d.C., quando se verificaram algumas invasões bárbaras de suevos, vândalos e alanos (Alarcão, 1990: 345). Posteriormente, a região passa para o controlo dos visigodos, no entanto, não existem registos de grandes alterações na organização económica ou nas características do povoamento, impostas por este povo na região, que devam ser mencionadas (Nobre, 1989: 20). O Algarve é conquistado pelo povo muçulmano por volta de 711 d.C. e é durante a sua permanência que a região mais prospera. Mais uma vez, devido ao posicionamento geográfico do Algarve, a actividade piscatória e o comércio marítimo, desta vez com o resto do mundo islâmico, são favorecidos o que vai proporcionar uma rápida introdução da cultura árabe na região. Esta nova aculturação vai afectar significativamente o desenvolvimento urbano e rural do Algarve. No espaço rural, a introdução de novas tecnologias na agricultura, como as noras, a charrua com relha e os sistemas de rega, vão possibilitar o desenvolvimento de zonas até então pouco desenvolvidas, despoletando uma maior produtividade agrícola (Nobre, 1989: 21). No espaço urbano, as alterações são ao nível da sua configuração, com a criação de medinas nas cidades mais importantes da região, para defesa do local. “A medina era o conjunto de todo o núcleo urbano amuralhado, com bairros residenciais, quase sempre bem demarcados por etnias, e os arrabaldes, por vezes também protegidos” (Catarino, 1999: 97). Na fig.18 pode-se observar a planta esquemática da medina de Albufeira. Actualmente ainda se mantém a mesma configuração de ruas, apesar de grande parte do património muçulmano se ter diluído com o passar dos tempos. Em relação às tipologias construídas, é importante referir que existem, neste período, alterações significativas no desenvolvimento da arquitectura local, com uma maior incidência nos edifícios de carácter religioso e habitacional, que se desenvolvem de acordo com a cultura árabe. As habitações muçulmanas traduzem-se em casas com pátio, onde todas as divisões se abrem para o interior, e fecham-se para a rua garantindo uma maior privacidade do espaço habitacional. As poucas aberturas que Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais

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20 Fig.20 - Parte das ruínas da alcáçova de Silves, com as fundações de uma casa pátio muçulmana

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existem para o exterior são protegidas por adufas ou reixas3. Apesar de não existirem exemplos vivos destas tipologias no Algarve, as seguintes transcrições ajudam a uma melhor compreensão da tipologia muçulmana existente na região. “A planta rectangular organiza-se em torno de um pátio interior fechado, com cisterna abastecida por um sistema de recolha das águas pluviais. Um pequeno vestíbulo dá acesso ao pátio interior e daí às restantes divisões. Nas casas mais ricas e urbanas existe uma casa de banho com latrina, à qual se acede pelo pátio. É introduzida a açoteia ou varanda, que os muçulmanos utilizam na cobertura das suas casas nas regiões áridas do Norte de África e que se adapta facilmente ao clima de chuvas escassas do litoral e do barrocal algarvio e aos modos de vida dos habitantes (secagem de frutos e de pescado)” (Gomes cit. in Raposo, 1995: 23). Pode ainda acrescentar-se que, para a construção das habitações muçulmanas, utilizam-se os materiais existentes no local, nomeadamente, a argila em forma de taipa. Assim como fizeram os povos ancestrais que viveram na região, e como era prática corrente por todo o mar mediterrâneo, os árabes continuavam a utilizar este método construtivo, não só por se adaptar bem ao clima quente e seco da região, mas também porque evitava o transporte de material através de grandes distâncias. A integração das construções na paisagem envolvente era, nestes casos, uma consequência material e visual. Estas novas tipologias, com todas as suas características inerentes, contribuem muito para a origem da casa popular algarvia. As técnicas e os sistemas construtivos introduzidos pelo povo muçulmano, continuam a ser utilizados em tempos posteriores, não só devido ao seu rigor técnico, facilmente reproduzido e executado, como também devido às vantagens que este modelo oferece, face às condicionantes naturais, 3 Portadas constituídas por um ripado de madeira cruzado, que servem de protecção nos vãos de janelas ou postigos das portas de entrada. É um elemento de defesa da intimidade da habitação, aparecendo na maior parte das vezes, no piso térreo, junto dos arruamentos. Permite a ventilação e arejamento dos compartimentos, sem que o seu interior seja devassado, e serve também de protecção solar (Antunes, 1988: 238). Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais

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Fig.21 - Rua muçulmana na cidade de Tetouan, Marrocos Fig.22 - Rua inserida no interior da antiga medina da cidade de Albufeira, Algarve Fig.23 - Ruínas do Castelo de Paderne, um dos últimos castelos muçulmanos a ser conquistado Fig.24 - Ruínas da ermida cristã no interior do Castelo de Paderne

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geográficas e geológicas do Algarve. Deste modo, os valores culturais muçulmanos expressam-se na região algarvia, deixando vestígios na malha urbana das cidades ocupadas, bem visíveis até aos dias de hoje. Esse facto é perceptível nas semelhanças existentes entre uma rua da cidade marroquina de Tetouan e uma rua da cidade algarvia de Albufeira, apresentadas nas figs.21 e 22, respectivamente. Em meados do século XIII, mais propriamente em 1249, D. Afonso III toma Faro, Albufeira, Porches e Silves, marcando o fim da reconquista portuguesa (Rodrigues, 1994: 37). Começa, então, uma nova era que se vai prolongar até aos dias de hoje, onde novas influências culturais se vão misturar com as já existentes, dando origem a uma aculturação que vem caracterizar a identidade do povo algarvio. Esta mudança de poder regional é bastante significativa, pois vai alterar o panorama do futuro da região. A partir deste momento, está definido um novo rumo na evolução cultural identitária do povo local, passando este a ter menos contacto com a cultura muçulmana e mais contacto com a cultura do Norte da Europa. Este facto vai reflectirse, não só na cultura local como também no modo de construir e de habitar na região. Logo após a Reconquista, não existem grandes alterações nas tipologias de habitação a registar. Os núcleos urbanos existentes estão bem consolidados e servem de guarida para os cristãos durante os primeiros tempos. As zonas onde se encontravam os núcleos urbanos eram pontos estratégicos para a defesa do território, logo, a sua ocupação era importante para a manutenção e salvaguarda da região que acabara de ser reconquistada. A ocupação dos aglomerados existentes ajudou à preservação patrimonial do que restou da destruição sofrida nas batalhas travadas, e a adaptação das antigas estruturas às novas necessidades, fez com que se mantivessem parte das tipologias existentes, bem como dos métodos construtivos locais. Ao serem conquistados, os castelos eram doados a quem o rei decidia por bem doar. O Castelo de Albufeira, por exemplo, foi doado à Ordem de Avis a 1 de Março de 1250, (Serrão, 1990: 138) e o Castelo de Paderne foi doado por D. Dinis a 1 de Janeiro de 1305 (Nobre, 1997: 6). Como se pode observar nas figuras apresentadas, o Castelo de Paderne (fig.23), um Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais

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25 Fig.25 - Plano geral de Vila Real de Santo António e sua área adjacente, séc. XVIII

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dos últimos castelos muçulmanos a ser conquistado, ao passar para o domínio cristão, recebeu no seu interior uma ermida cristã, por volta de 1320 (fig.24) (Nobre, 1997: 6). No entanto, com o passar dos séculos, existe uma série de flagelos que ocorrem na região entre o período do final do século XIV ao século XVIII, como destaca José Horta Correia, que vai contribuir para uma perda e descaracterização de grande parte do património encontrado após a conquista. “Em primeiro lugar as sucessivas ondas de povos dominadores, depois a pirataria mourisca e inglesa durante os séculos XV, XVI e XVII flagelaram sobretudo as zonas mais populosas do litoral. Como área sísmica, sofreu o Algarve terramotos sucessivos de que se devem salientar sobretudo os de 1531, 1551, 1722 e 1755” (Correia, 1989: 137). De facto, apesar de todas as batalhas, saques e flagelos, o Grande Terramoto de 1755 acaba por ser o maior responsável pela perda quase total de património e vestígios culturais ancestrais. Em parte, o facto das construções serem feitas em terra, terá sido significativo para a perda de património construído, como se pode ler na transcrição histórica sobre a vila de Albufeira, uma das mais afectadas: “A vila de Albufeira e respectivo termo sofreram danos irreparáveis aquando o terramoto, em Novembro de 1755. (…) O bairro de Sant´Ana composto de sete ruas ladeadas de casas ficou completamente destruído. (…) Ficaram desfeitas as fortificações da Baleeira, da Medronheira, assim como parte da muralha, do castelo e as habitações localizadas no interior daquele” (Nobre, 1989: 43). Deste modo, chega-se ao século XVIII com grande parte do território descaracterizado, à espera de intervenções nos centros urbanos existentes, para os repovoar com os habitantes que sobreviveram a tamanha catástrofe. O caso de Vila Real de Santo António (fig.25) é um exemplo contruido de raiz. “Esta medida visava, ao mesmo tempo, dotar a zona de uma povoação condizente com a enorme reforma que se operava, à luz dos mais modernos conceitos de Cidade Europeia, e por forma a incrementar igualmente a organização política, administrativa, religiosa e de defesa” (Figueiras, Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais

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1999: 27). Nas restantes cidades, não houve planificações deste tipo, ou com esta escala. O facto de parte dos populares ser de origem muçulmana e transportar com eles o conhecimento das técnicas construtivas, e o facto dessas mesmas técnicas serem de rápida execução e se traduzirem numa construção relativamente barata, contribui para a proliferação do tipo de edificações baseadas no modelo muçulmano, mas agora com influências portuguesas. Esses modelos vão dar início a uma nova etapa na construção algarvia, pois ficaram conhecidos por terem cariz popular e por atribuírem uma identidade à região.

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2 A criação vernacular e popular

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Define-se como criação vernacular e popular, o conjunto das construções de carácter permanente existente na região do Algarve, feitas pela mão do povo local que, posteriormente, acabam por identificar e caracterizar a região. De todo este universo construído, destaca-se para análise a casa popular algarvia e os factores que condicionam o seu desenvolvimento durante o século XIX. É durante este século que ocorrem mudanças significativas na estabilidade política, económica, cultural e social do povo algarvio. Estas alterações proporcionam as condições necessárias para a construção e afirmação da identidade da população algarvia, e a consequente caracterização da casa popular. Para o estudo e compreensão destas mudanças, numa primeira fase, procurase descrever as especificidades da população local. Serão analisadas as actividades económicas exercidas durante esta época, bem como as influências e aculturações adquiridas do passado histórico e cultural vivido na região. De seguida, a investigação volta-se para o objecto arquitectónico, e será feita uma descrição da casa popular algarvia, com base nos levantamentos já efectuados por diferentes autores. Este capítulo integra ainda a análise e a comparação de duas casas vernaculares regionais, seculares, localizadas em diferentes situações, uma inserida no meio urbano, outra em território rural. Ambos os casos apresentam características iconológicas e tipológicas regionais, apesar das diferentes localizações e das diferentes utilizações por parte dos proprietários. Pretende-se, portanto, compreender de que modo a casa algarvia se apresenta no final do século XIX, tendo em conta os factores e as aculturações já referidas e demonstrando quais as suas características mais marcantes.

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26 Fig.26 - Loulé, popular algarvia produzindo alcofas a partir de palmas secas “O aproveitamento do esparto e da palma são das mais importantes actividades transformadoras do Algarve nos séculos XIII a XVIII” (Raposo, 1995: 30)

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2.1 O povo algarvio e a sua identidade vernacular

“A partir do último quartel do século XVIII, o crescimento estagna em Alte e em todo o Algarve, em consequência da crise de 1760. Vários factores concorrem para a regressão da produção agrícola, nomeadamente da cerealífera e da população rural. É a cristalização do poder nas mãos da pequena nobreza local e a irregularidade comercial; é o aumento populacional das décadas anteriores, associado à falta de terras para expandir as sementeiras e ao cansaço dos solos agrícolas, cultivados muitos anos sem descanso; é o uso de técnicas rudimentares (utiliza-se o arado, a charrua ainda não fora introduzida e não se estrumam suficientemente os solos) e a falta de inovação técnica e de culturas; são os maus anos agrícolas e as secas frequentes” (Raposo, 1995: 34). Na generalidade, o povo algarvio viu-se obrigado a voltar para actividades de subsistência durante a estagnação dos finais do século XVIII. Na orla marítima, a população passou a viver essencialmente da pesca e da produção de sal, e no meio rural, apesar das dificuldades, continuou a cultivar cereais e árvores de fruto sequeiras como as amendoeiras, figueiras, alfarrobeiras e oliveiras (Antunes, 1988: 126). Existia ainda uma grande ligação ao passado ancestral muçulmano, tanto nas actividades de subsistência exercidas pelos populares, como nos utensílios agrícolas usados, como por exemplo, a charrua e os sistemas de rega. As árvores de fruto cultivadas, foram também elas trazidas pelos árabes (Antunes, 1988: 126). Com isto, pretende-se vincar duas coisas na identidade do povo algarvio da época em questão: a primeira, trata-se notoriamente de um povo ruralizado, que retira da natureza a sua subsistência, e para isso utiliza técnicas e tecnologias ancestrais; a segunda, continua a ser evidente a sua conectividade com a cultura muçulmana, o que contribui para a sua caracterização identitária e tem reflexo nas suas habitações. Nos finais do século XVIII e inícios do século XIX, reconhecem-se as vantagens dos materiais e das técnicas construtivas utilizadas pelos muçulmanos, que garantem uma construção simples, rápida, económica e eficaz contra o clima existente. Como se A criação vernacular e popular

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28 Fig.27 - Construção de parede exterior em taipa Fig.28 - Construção de cobertura em travejamento de madeira, com telha de cano simples Fig.29 - Fabrico manual de tijolo de adobe

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pode observar nas figs.27, 28 e 29, imagens registadas já durante o século XX, estas técnicas permanecem presentes no saber popular algarvio e são utilizadas na construção das suas habitações. Ao analisar a seguinte descrição da casa árabe no Algarve, baseada nos achados arqueológicos da alcáçova de Silves, pode-se depreender que as semelhanças construtivas entre os dois modelos tipológicos são evidentes: “As casas muçulmanas eram habitualmente edifícios de um só piso, embora existissem também as que tinham aposentos superiores. (...) Também existiam casas com açoteias, cujo costume ainda persiste no Algarve, mas eram mais usuais as que tinham um telhado de uma ou duas águas, cujas telhas assentavam directamente sobre um travejamento de madeira. Os tectos seriam normalmente de telha vã ou eram forrados com caniços, unidos com argila, técnica que ainda hoje pode observar-se em algumas casas do Algarve” (Catarino, 1999: 99). Os modelos resultantes da utilização destas técnicas e materiais traduzem-se, formalmente, nas denominadas casas elementares: tipologias, normalmente, de um só piso, com telhado de uma ou duas águas, poucas aberturas de pequenas dimensões para o exterior, sem elementos decorativos, nem chaminé. A simplicidade do modelo acaba por lhe conferir a sua denominação de elementar. É uma tipologia de cariz rudimentar, mas essencial para a população local. Podem-se observar dois exemplos deste tipo de habitações nas figs.30 e 31. É aqui que se encontra a conexão com a civilização do barro, que distingue o povo algarvio dos povos do restante país. Esta é, de todas as características, a mais vincada e visível na identidade local. Para além dessas características muçulmanas visíveis na constituição dos modelos habitacionais, a população algarvia ainda depende dos campos e da produção de frutos secos e cereais, bem como da actividade piscatória de subsistência e da produção de sal, como já foi descrito. É portanto uma população marcadamente rural, que vive essencialmente do mar e da terra, e constrói a sua vivência em simbiose com A criação vernacular e popular

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31 Fig.30 - Casa elementar, no adro da Igreja de Alferce, Serra de Monchique Fig.31 - Casa elementar, ao largo do adro da Igreja Matriz de Albufeira

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ambos. Esta é outra característica forte na identidade vernacular, a forma como as populações se relacionam e interagem com o seu meio envolvente, demonstra um saber estar e respeitar a natureza, de que tanto dependem. “Apesar de tudo, não é apenas no ambiente dos povoados, na luminosidade da atmosfera, que devemos buscar a sua individualização; é no elemento humano, na população, estruturada na sua actividade económica de pesca ou de agricultura, que seguramente encontraremos essa individualização” (Antunes, 1988: 135).

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N

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Zona pública / social Zona social Zona pública / social Zona privada Zona íntima Zona privada Zona semi-pública Zona mista Zona semi-pública

Entradaprincipal principal distribuição Entrada principal Entrada // distribuição Acessoààaçoteia açoteia Acesso

Acesso ao quintal / Entrada secundária

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Fig.32 - Mapa esquemático representativo das tipologias de habitação existentes no Algarve Fig.33 - Habitação do Baixo Algarve Fig.34 - Análise tipológica da habitação do Baixo Algarve Fig.35 - Habitação do Algarve Central Fig.36 - Análise tipológica da habitação do Algarve Central

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2.2 Caracterização geral da casa popular algarvia do século XIX

É durante o século XIX que a casa popular algarvia atinge o máximo da sua especificidade iconológica, devido a factores de ordem geográfica, económica e social. Esta individualização simbólica contribui, de forma marcante, para a caracterização da tipologia e da sua identidade enquanto modelo arquitectónico de referência para o futuro. Pretende-se, portanto, caracterizar a casa popular algarvia de modo a retirar apontamentos sobre a sua identidade e simbolismo iconológico, atingindo as ilações necessárias ao desenvolvimento do estudo proposto. Inicia-se esta análise com a observação do mapa tipológico das habitações algarvias, efectuado durante a segunda metade do século XX4, onde estão demonstrados, resumidamente, os diferentes aglomerados existentes no Algarve, a sua localização e as características básicas das tipologias aí existentes. Este mapa, reproduzido na fig.32, sintetiza esses aglomerados através de ícones representativos dos modelos tipológicos, correspondentes a cada zona. Segundo o mapa tipológico, o Algarve apresenta poucas diferenças nos tipos de habitação existentes. Com a excepção do aglomerado do Alto de Monchique e de Olhão, onde as tipologias são realmente diferentes, a grande maioria dos modelos corresponde à tipologia de cobertura mista ou de cobertura de duas águas com anexos, e estes situam-se sobretudo no Algarve Central e no Baixo Algarve. Nas figs.33 e 35, esses modelos estão esquematizados com mais alguns detalhes, e é sobre eles que a análise seguinte vai incidir. A sua configuração e materialização são semelhantes à das casas árabes. O que muda é a organização funcional quando desaparece o pátio e todos os compartimentos passam a ser cobertos. O acesso às divisões, nestes casos, passa a ser feito através do corredor central, como no exemplo da fig.36, ou através de um compartimento social, na tipologia da fig.34. No caso da tipologia característica do Algarve Central, a entrada é efectuada através de um corredor que distribui para as zonas íntimas, situadas na frente da 4 Estudo posteriormente publicado com o nome - Arquitectura Popular em Portugal, 3º volume, zona 5 e zona 6. 3ª ed. Lisboa: Associação dos Arquitectos Portugueses (AAP), 1988 A criação vernacular e popular

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37 Fig.37 - Habitação popular, com as características iconológicas mais frequentes nos finais do século XIX, no Algarve

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habitação, correspondentes aos quartos, e conduz para a zona social situada nas traseiras da habitação que, por sua vez, faz ligação com o armazém e com a açoteia. Na tipologia do Baixo Algarve, a entrada efectua-se directamente para uma das zonas sociais da habitação, e é através desta que se tem acesso às restantes divisões da casa. As zonas íntimas não estão necessariamente relacionadas com a frente da habitação, como no exemplo do Algarve Central apresentado. Neste caso, um dos quartos aparece no interior da habitação, sem nenhuma abertura para o exterior. Estas características são uma generalização da tipologia encontrada em cada uma dessas mesmas zonas, e não uma regra que possa ser aplicada a todos os modelos regionais do mesmo tipo. Ou seja, esta análise não pretende afirmar que todos os modelos deste género têm uma configuração igual. Como se pode constatar no exemplo apresentado na fig.37, o modelo tipológico corresponde à tipologia de cobertura mista identificada no Algarve Central, no entanto, a configuração do interior não corresponde à que a generalidade desse modelo apresenta. Não existe um corredor central de distribuição, as zonas íntimas não se encontram na frente da habitação, nem as zonas sociais nas traseiras da mesma. A organização funcional deste exemplo relaciona-se mais com a apresentada nos modelos do Baixo Algarve, e o conjunto de elementos iconológicos não. Esta tipologia situa-se no meio rural e surge como um elemento isolado na paisagem. Não existem vizinhos, logo, a habitação não se volta para o interior como no exemplo árabe. Pode, então, concluir-se que houve uma evolução do modelo tipológico muçulmano para este novo modelo algarvio, onde os métodos construtivos são idênticos, mas a organização funcional e a compartimentação sofre transformações, seguindo uma nova cultura e o conjunto das necessidades dessa nova sociedade. Os aspectos iconológicos presentes nas tipologias começam a sobressair e apresentam-se como elementos importantes na caracterização simbólica da tipologia popular algarvia. Nos casos demonstrados podem observar-se dois desses elementos A criação vernacular e popular

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39 Fig.38 - Exemplo de uma janela com reixas de madeira e cantaria em pedra Fig.39 - Habitação do século XIX, com telhados em pirâmide e cantaria em pedra envolvendo os vãos, localizada em Tavira

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nas habitações, possivelmente os mais característicos: a chaminé e a platibanda. A chaminé surge associada ao modelo tipológico do Baixo Algarve e a platibanda à tipologia do Algarve Central. Estas associações têm uma explicação lógica, uma vez que a platibanda serve de guarda para a açoteia e que a chaminé, mais evidente no modelo rural, surge devido à necessidade de existir uma zona de fogo na habitação que permita o aquecimento durante os períodos de frio existentes no interior algarvio. Embora existam em menor número ou correspondam a exemplos específicos de determinadas localidades, encontram-se outros elementos considerados iconológicos em tipologias de habitação algarvias, nomeadamente as adufas ou reixas, de inspiração árabe, os telhados em tesoura ou pirâmide e os vãos guarnecidos a cantaria de pedra. Alguns destes elementos são observáveis nas figs.38 e 39. As adufas ou reixas eram portadas feitas de ripas de madeira ou ferro cruzado, formando um rendilhado que, para além de originarem um efeito decorativo nos vãos das tipologias, também tinham um lado funcional5. Os telhados de tesoura ou em pirâmide acabam por definir uma imagem característica que se associa a uma localidade, neste caso, Tavira, pelo facto de existirem em grande número nessa zona. Para além disso, cumprem uma parte funcional e permitem a acumulação do calor na zona mais elevada da cobertura, mantendo a zona habitável mais fresca. Os vãos guarnecidos em pedra acabam por ser característicos da arquitectura do Sul do país, com influências da arquitectura chã, mas podem encontrar-se um pouco por todo o território nacional. No caso concreto do Algarve, não só servem o propósito decorativo, atribuindo uma maior expressão aos vãos, como também têm o intuito de fortalecer estruturalmente os mesmos. Portanto, os elementos simbólicos que posteriormente acabam por identificar e caracterizar a cultura algarvia, cumprem, primordialmente, um papel funcional e fazem parte de uma série de aculturações regionais, introduzida pela passagem de diferentes povos na região. Uns vão ficando, tornando-se cada vez mais significativos, 5

A sua função já foi explicada no primeiro capítulo, pág.35. A criação vernacular e popular

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Fig.40 - Palacete dos finais do século XIX, tipologia de dois pisos, com platibanda balaustrada Fig.41 - Habitação popular dos finais do século XIX, tipologia de um piso com platibanda e chaminé decoradas Fig.42 - Pormenor da platibanda balaustrada de um palacete dos finais do século XIX Fig.43 - Pormenor decorativo da platibanda da habitação popular dos finais do século XIX

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outros não, mas todos contribuem para caracterizar a arquitectura regional e, de certo modo, atribuem-lhe uma identidade. A partir da segunda metade do século XIX, começa a emergir uma classe média alta burguesa, associada à indústria e a profissões liberais que promovem os palacetes como habitação própria (fig.40). O aparecimento deste novo modelo habitacional, associado à era industrial, vai consequentemente influenciar o modelo popular. Os novos materiais construtivos utilizados na construção destas tipologias, vêm facilitar a construção e execução dos elementos decorativos, como é o exemplo da platibanda balaustrada representada na fig.42, influenciando a tipologia popular, representada nas figs.41 e 42. Segundo José Manuel Fernandes, “Um dos elementos mais visíveis desta transformação, por uso de materiais e técnicas industriais mais modernas, foi, nas cimalhas dos edifícios, o aparecimento de uma platibanda, ou seja, de um murete ou balaustrada de alvenaria, ao longo da fachada, com aproximadamente um metro de altura, escondendo para o exterior o remate inferior do telhado (e o seu beiral). Peça construtiva afirmativa, a platibanda alteava a construção, dando-lhe mais imponência e significado visual, logo, de um modo simbólico, mais «status» social” (Fernandes, 2008: 49). Quanto mais rico fosse o proprietário, mais decorada e trabalhada era a chaminé e/ou a platibanda da sua casa. Criava-se, assim, uma diferenciação nas classes sociais, visível através do tipo de decoração existente na habitação de cada família. A demonstração de riqueza, aliada ao gosto popular pelo decorativismo, faz com que surjam exemplos dos mais diversos, por vezes muito exagerados. É o início do processo decorativo alegórico, carregado de simbolismo, da casa popular algarvia, que lhe vai conferir uma identidade visual forte. Isto, acaba por contribuir para a subvalorização dos seus aspectos materiais e funcionais mais consistentes e a consequente perda de valores construtivos.

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44 Fig.44 - Habitação urbana em estudo, mostrando a sua situação actual

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A criação vernacular e popular


2.2.1 Caso de estudo - casa popular urbana

A casa urbana em análise situa-se no Rossio da cidade de Albufeira, zona circundante ao antigo centro urbano, a poucos metros do mar e com relativa proximidade a zonas que serviam para cultivo, no passado. A população que residia nesta área, normalmente, dividia as suas actividades de subsistência entre a pesca e a agricultura. Esta é uma prática comum a alguns povoados do litoral algarvio nos meados do século XIX que, deste modo, maximizavam a sua produção agrícola e tiravam proveito do mar, aumentando a variedade dos produtos para consumir e comercializar. Os antigos proprietários desta habitação estavam ligados a produção agrícola. Deslocavam-se aos terrenos de cultivo situados na próximidade do Rossio, e viviam nesta habitação. O caso de estudo remete para meados do século XIX e, ao longo dos anos, sofre algumas alterações. É uma casa de construção popular e constitui um exemplo iconológico que pode enquadrar-se na tipologia de habitação do Baixo Algarve, com cobertura de duas águas e anexos. Ao mesmo tempo, apresenta uma pequena açoteia e não está situada no meio rural como a maioria dos exemplos correspondentes ao Baixo Algarve, descritos no capítulo anterior. Apesar do exemplo escolhido estar actualmente descaracterizado, continua a ser um modelo de referência da arquitectura vernacular popular, apresentando certas especificidades tipológicas interessantes para o estudo em questão. A combinação de diferentes características correspondentes a alguns modelos regionais está presente nesta tipologia. Este facto é fundamental para uma contextualização coerente dos modelos de habitação algarvios, do ponto de vista formal e funcional, e posterior comparação tipológica. A habitação situa-se numa matriz urbana densa e os seus limites físicos são confinados por uma rua a Sul, um logradouro vizinho a Norte e um edifício adjacente a Oeste. Dentro dos limites físicos do lote, a tipologia comunica directamente com o quintal que funciona como um pátio intramuros, onde coexiste uma série de actividades relacionadas com a habitação e os seus habitantes. Neste caso específico, A criação vernacular e popular

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10m N N 10m

2m2m

0 0

2m

0

10m

N

Habitação Habitação Habitação

Latrinas Latrinas Horta/pomar

Armazém / Outros Armazém/outros Habitação Armazém / Outros

Latrinas Galinheiro Latrinas Galinheiro

Armazém // Outros Cisterna/recolha de águas Cisterna recolha àguas Cisterna / recolha de de àguas

Envolvente construida Envolvente construida Envolvente construída Envolvente construida

Galinheiro Galinheiro

Cisterna / recolha de àguas

45

Acesso público

2m

0

2m 0

0

2m

10m

N

10m 10m

Latrinas

Armazém / Outros

Galinheiro

Habitação Habitação

Armazém Outros Cisterna / recolha de/àguas Armazém / Outros

Cisterna / recolha de àguas

Cisterna / recolha de àguas

46

N

Habitação

Horta / Pomar Adega / lagar

Envolvente construida

Envolvente construida

Galinheiro

Galinheiro

W.C.

Pocilga

Fig.45 - Localização geográfica da habitação em estudo (foto aérea actual) Fig.46 - Planta esquemática do conjunto habitacional em estudo, identificando as diferentes áreas e anexos

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A criação vernacular e popular


encontram-se alguns compartimentos destacados da habitação que normalmente estão associados às tipologias rurais, por exemplo, a latrina, o galinheiro e um pequeno armazém. Existe também uma cisterna, elemento fundamental para o armazenamento da água da chuva, pois não havia, ainda, água canalizada na cidade. A casa corresponde, apenas, a um volume simples que ocupa quase metade da área total da parcela. No esquema demonstrado na fig.46, pode observar-se o modo como a casa se relaciona com a rua, com os anexos e com o quintal. Do lado Nascente, situam-se a horta, algumas árvores de fruto e a cisterna. Ao centro, entre a habitação e a horta, encontram-se os anexos de apoio a ambas, aos quais se acrescenta um outro que tem uma utilização mista. Este compartimento apresenta uma açoteia na sua cobertura e, formalmente, está integrado na habitação. Esta é uma particularidade interessante que se reflecte na composição da habitação. Na fachada principal da tipologia, aparece integrado como se fosse uma divisão da habitação, com uma janela para a rua. No entanto, tem uma entrada independente para o quintal e não existe qualquer comunicação interna com a casa. Possivelmente, teria feito parte da tipologia em tempos antigos, contudo, não é possível afirmar tal situação. A organização espacial do conjunto da habitação, anexos e quintal, facilita a funcionalidade do mesmo e proporciona a separação das diferentes zonas de acção, por espaços bem definidos. O facto das zonas de serviços estarem destacadas da habitação, neste modelo tipológico, permite uma separação entre as funções domésticas e as funções realizadas no exterior. Estas, estão ligadas à produção de alimentos em pequena quantidade para consumo próprio e à recolha e armazenamento de água da chuva. A latrina, que também dispõe de lavabos, dá apoio a ambas as áreas do conjunto tipológico, deste modo, este compartimento considerado menos nobre, fica de fora da parte habitacional. Esta condição tem raízes nos tempos árabes. A sua separação da parte habitacional continua a ser bastante frequente durante o século XIX, tanto no modelo urbano, como no rural.

A criação vernacular e popular

63


7

2

2 1

0

1m

N

4m

1m

0

4m

N 0

1m

4m

N

pública / social Zona social Zona públicaZona / social

Entrada principal / distribuição Entrada principal / distribuição Entrada principal

1 Entrada/distribuição Entrada / corredor de distribuição

5 Galinheiro Forno a lenha

privada Zona íntima Zona privadaZona

Acesso açoteia Acesso à açoteia Acesso àà açoteia

2 Quartos Quartos

6 Fumeiro Armazém/outros

Zona semi-pública Zona mista Zona semi-pública

3 Zona Zona de estar de/ refeições estar/refeições Acesso ao quintal / Entrada secundária Entrada secundária 4 Cozinha Cozinha

1m

0

4m

47

N

Zona pública / social

Entrada principal / distribuição

Zona privada

Acesso à açoteia

Zona semi-pública

Acesso ao quintal / Entrada secundária

5

4

5

3

6

2

2 6

1

0

7 Armazém

1m

4m

48

N

1 Entrada / corredor de distribuição

5 Galinheiro

2 Quartos

6 Armazém / Outros

3 Zona de estar / refeições

Fig.47 - Planta esquemática da habitação em estudo, identificando as zonas: social, íntima e mista 4 Cozinha Fig.48 - Planta esquemática da habitação em estudo, identificando os diferentes compartimentos

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A criação vernacular e popular


Em relação à organização espacial e funcional interior, este modelo pode ser enquadrado na tipologia do Algarve Central, edifício com uma fachada principal onde se encontra a entrada, pela qual, através de um corredor central situado a eixo da habitação, se acede às restantes divisões. Os quartos são os compartimentos que estão em contacto directo com a rua, à excepção de um quarto provisório destinado a visitas que, quando não é ocupado, serve de arrumos. As restantes divisões resumem-se à cozinha e área de refeições que também serve de área de convívio. Estes compartimentos voltam-se para o interior do logradouro, garantindo um contacto directo para com o mesmo e uma maior privacidade em relação à sua envolvente urbana. Neste caso específico, pode-se aceder à habitação de duas formas: uma, pela entrada principal; a outra, através de uma entrada secundária localizada entre o quintal e a habitação. De facto, a particularidade observada consiste no facto de ambos os acessos conduzirem, de um modo directo, à zona social da habitação, revelando, de certa forma, a importância desta área na sociedade algarvia da altura. A habitação pode ser dividida em três zonas distintas: a zona social, onde se inserem a cozinha, a área de refeições e de convívio, o espaço exterior que serve de zona de estar e de comunicação entre a habitação, o quintal e os anexos; a zona mista, onde se insere o compartimento de utilização mista, posteriormente transformado em quarto quando a família cresce; e a zona íntima, correspondente aos quartos. A disposição das zonas e a sua dimensão, como está demonstrado na fig.47, revela determinadas características da casa popular algarvia. A habitação cumpre, apenas, o seu papel primordial de abrigo e permite a confecção e consumo dos alimentos. Todas as outras actividades são efectuadas no exterior ou nos anexos situados no quintal, o que contribui para que as dimensões dos compartimentos habitacionais sejam reduzidas ao tamanho essencial para o desempenho das funções predestinadas. A implantação da casa vernacular algarvia, por norma, tem sempre em consideração a exposição solar, (Antunes, 1988: 162) excepto em certos casos situados no A criação vernacular e popular

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Verão

Inverno

49 0

1m

4m

0

1m

4m

50

0

1m

4m

Fig.49 - Entrada de luz solar nos períodos de Inverno e de Verão, através dos vãos da fachada Fig.50 - Esquema demonstrativo do efeito que as ondas de calor exercem na tipologia Fig.51 - Esquema demonstrativo da recolha das águas da chuva

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A criação vernacular e popular

51


meio urbano, limitados pela configuração e disposição da sua matriz. Neste caso, a habitação está condicionada pela envolvente mas, mesmo assim, a configuração urbana permite que a maioria das aberturas estejam voltadas para Sul. Assim, consegue-se aproveitar o máximo da disposição solar. Os vãos são os essenciais e são de pequenas dimensões, evitando a entrada de calor, excessiva durante os meses de Verão, invertendo-se a situação no Inverno, como demonstrado na fig.49. As zonas sociais situadas no interior da habitação são lugares menos iluminados mas mais frescos. A luz que chega a estes espaços é indirecta, proveniente do postigo da porta de entrada, conduzida através do corredor central, e da porta lateral de acesso ao quintal. Aqui, os materiais utilizados na construção são a taipa nas paredes exteriores e interiores, a madeira no travejamento da cobertura, a cana no revestimento interior da cobertura e a telha de cano simples, feita em argila, no revestimento exterior da mesma. Os materiais adoptados, para além de permitirem uma construção rápida e simples, são muito eficazes contra o clima que a região enfrenta. A taipa permite um bom isolamento térmico ao calor excessivo exterior, e mantém a temperatura estável no interior durante os meses mais quentes (Antunes, 1988: 176). A cobertura simples, que tem na cana o seu isolamento, (Antunes, 1988: 182) permite a circulação de ar, o que, aliado ao facto da casa ter um pé direito alto, garante a permanência do calor do tecto e a sua evacuação para o exterior. O aproveitamento da água da chuva é essencial na região, como já foi visto. No caso em estudo, o sistema de recolha de água está integrado na própria habitação. Corresponde a um elemento denominado de caleira que está embutido entre o beiral e o remate do telhado, ficando invisível do lado da rua (fig.51). Este elemento recolhe a água da chuva proveniente da cobertura e encaminha-a para um sistema de canos cerâmicos que, por sua vez, a conduz até à cisterna. É um sistema pouco usual que demonstra o carácter criativo popular, mediante a sua necessidade. Observando a imagem da habitação em estudo, sobressai a falta de alguns eleA criação vernacular e popular

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52

53 Fig.52 - Detalhe do beiral da habitação em estudo Fig.53 - Vão da habitação em estudo guarnecido a pedra

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A criação vernacular e popular


mentos iconológicos associados à casa popular do Algarve Central, apesar da sua localização e da sua organização funcional nos remeterem para este modelo. Este exemplo não tem platibanda, apresentando um beiral bem definido que serve de remate superior à sua fachada. Nos finais do século XIX, a platibanda era, sobretudo, utilizada nas habitações de cobertura mista ou de açoteia e não nas que apresentavam coberturas de duas águas. Apesar deste modelo apresentar uma pequena açoteia, acessível do exterior, é a continuação do beiral que faz de guarda e remate a esse espaço. O beiral também tem a sua importância decorativa no conjunto, mas é utilizado sobretudo por uma questão funcional para recolha de água da chuva. A decoração do beiral pode recorrer à cor, mas destaca-se mais pela expressão que tem, sobressaindo da fachada plana. Por vezes, os remates dos cantos são trabalhados, pormenor que dá origem ao que se chama de pombinha. Neste exemplo, o beiral apresenta um certo detalhe e relevância na quantidade de frisos existentes, mas não apresenta nenhuma pombinha. Outro elemento iconológico em falta neste exemplo é a chaminé. O fumo da cozinha era expelido por uma passagem existente na parede ou por telhas ligeiramente levantadas. Nesta época, a sua utilização não era, ainda, um caso muito generalizado. A chaminé algarvia começa a surgir, principalmente no meio rural, geralmente associada à lareira ou à zona de fogo na habitação. Contudo, existe um elemento característico da casa algarvia dos finais do século XIX aqui presente: os vãos guarnecidos em pedra. Estas molduras são muito simples, apresentam uma forma em arco no topo do vão e não contêm nenhum elemento decorativo talhado. Na imagem apresentada na fig.53, pode ver-se em detalhe um dos vãos. Actualmente, a pedra da moldura está adulterada, pintada de branco, mas normalmente apresenta alguma cor ou, por outro lado, mantém a pedra natural aparente.

A criação vernacular e popular

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54 Fig.54 - Habitação rural em estudo, mostrando a sua situação actual

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A criação vernacular e popular


2.2.2 Caso de estudo - casa popular rural

A casa rural em estudo situa-se na freguesia de Boliqueime, pertencente ao concelho de Loulé. A área onde a tipologia está implantada é uma zona rural que se apresenta com algumas habitações dispersas, correspondentes a casas de agricultores, envolvidas pelas suas parcelas de terreno agrícola. Como já foi referido, o povo algarvio divide as suas tarefas diárias entre o campo e o mar, apesar da maioria se dedicar à agricultura. No final do século XIX, grande parte da população opta por procurar terrenos férteis, afastados do mar, para se implantar e desenvolver a sua actividade. Este é, a nível económico, um dos factores catalisadores para o desenvolvimento do interior do Algarve. Contudo, a dispersão dos modelos tipológicos, consoante a parcela de terreno disponível, leva a um desenvolvimento urbano não planeado com consequências futuras para a região. As habitações rurais reflectem a essência do estilo popular algarvio na concepção tipológica, pois não estão condicionadas por nenhuma matriz urbana, nem por nenhuma envolvente construída que afecte directamente a sua implantação. A liberdade é total, apenas limitada pelas características dos materiais utilizados e pelo gosto, sabedoria e necessidade do proprietário. Em suma, as únicas condicionantes físicas para a construção e implantação do modelo tipológico rural são as características dos materiais utilizados, a dimensão e a localização do terreno envolvente e o acesso ao mesmo. A habitação analisada remete para os finais do século XIX e, segundo o quadro tipológico apresentado no subcapítulo anterior, pode ser enquadrada em dois modelos anteriormente identificados: no do Algarve Central, de cobertura mista com platibanda, e no do Baixo Algarve, pela existência de chaminé e de anexos adjacentes que servem de apoio à actividade agrícola. Esta mistura de elementos tipológicos e iconológicos é frequente na região algarvia, como também é exemplo o caso de estudo anterior, mas, mesmo assim, não deixa de estar associada à generalização efectuada e demonstrada (Antunes, 1988: 227). A criação vernacular e popular

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2m

0

10m

N

Habitação Habitação

Adega / lagar Adega/lagar

Armazém / Outros Armazém/outros

Latrinas Latrinas

Cisterna / recolha de àguas Cisterna/recolha de águas

Pocilga / galinheiro Pocilga

55

Acesso público

Acesso privado

00

00 2m 2m

2m 2m

10m N10m 10m N

Habitação

Habitação Habitação Habitação Armazém / Outros Armazém / Outros Armazém Outros Armazém // Outros Cisterna / recolha de àguas recolha CisternaCisterna recolha/ de de àguasde àguas Cisterna // recolha àguas

56

N Horta / Pomar

Adega / Adega lagar / lagar

Envolvente construida

Galinheiro

Latrinas Galinheiro W.C. Galinheiro galinheiro Pocilga /Pocilga

Fig.55 - Localização geográfica da tipologia em estudo (fotografia aérea actual) Fig.56 - Planta esquemática do conjunto habitacional em estudo, identificando as diferentes áreas

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A criação vernacular e popular


Como se pode observar na fig.55, este caso de estudo não existe em nenhuma matriz urbana reguladora. As habitações existentes situam-se dispersas e os únicos acessos são os caminhos que circundam os seus terrenos envolventes. Esta tipologia localiza-se no topo Norte do terreno que lhe pertence, próximo do acesso principal, deixando toda a parte Sul para o desenvolvimento da produção agrícola. Os compartimentos construídos correspondem a uma série de volumes, cada um com a sua função, ficando a parte habitacional resumida a apenas um desses volumes. Na fig.56 podem-se distinguir as diferentes funções existentes em cada uma das construções. Formalmente, a tipologia de habitação apenas se destaca do conjunto pelo seu carácter decorativo e, neste caso, também é o único elemento que possui uma açoteia. Embora exista esta distinção formal entre o volume habitacional e os restantes, estes devem ser considerados como um conjunto onde todos os elementos construídos são indispensáveis para a habitabilidade, desenvolvimento e funcionalidade do local. Neste caso, a casa é o primeiro edifício que se apresenta ao visitante, quando se acede ao terreno, fazendo a recepção de quem chega. O acesso privado é efectuado entre a tipologia e um pequeno eirado com cisterna que serve para a seca dos frutos, como zona de descanso e como meio de recolha de água da chuva. Existem três armazéns, onde um serve de pocilga, outro serve de fumeiro e contém um forno a lenha, e o outro serve para guardar os produtos agrícolas e os utensílios. Conectado com este último armazém, está um lagar e uma adega. Estes volumes estão dispostos em torno de um átrio comum que serve de local para cargas e descargas dos bens agrícolas produzidos. Em proporção, o conjunto composto pelos armazéns, lagar, adega, pocilga e galinheiro, é maior que a habitação em conjunto com as latrinas, o que se deve às imposições funcionais que surgem no meio rural. Os bens agrícolas produzidos têm de ser guardados e transformados, como é o caso do azeite, do vinho, dos figos e das A criação vernacular e popular

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7

2

2 1

1m1m

0 0

4m4m

NN 0

Zona pública / social Zona pública / social Zona social Zona privada Zona privada Zona íntima

1m

4m

N

Entrada principal / distribuição Entrada principal Entrada principal / distribuição

1 Entrada/distribuição Entrada / corredor de distribuição

5 Forno Forno a lenha a

Acesso Acesso à açoteia Acesso àà açoteia açoteia

2 Quartos Quartos

6 Fumeiro Fumeiro

3 Zona Zona de estar de/ refeições estar/refeições

7 Armazém Armazém

Zona semi-pública Zona semi-pública Zona mista

4 Cozinha Cozinha

1m

0

4m

57

N

Zona pública / social

Entrada principal / distribuição

Zona privada

Acesso à açoteia

Zona semi-pública

5

6

4

3

7

2

2 1

0

1m

4m

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N

1 Entrada / corredor de distribuição

5 Forno a lenha

2 Quartos

6 Fumeiro

3 Zona de estar / refeições

7 Armazém

Fig.57 - Planta esquemática da habitação em estudo, identificando as zonas: social, íntima e mista 4 Cozinha Fig.58 - Planta esquemática da habitação em estudo, identificando os diferentes compartimentos

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A criação vernacular e popular

lenha


amêndoas. Precisam, por isso, de uma área de armazenamento e transformação com alguma dimensão. Os animais criados para o consumo também necessitam do seu espaço, logo, os anexos construídos cumprem as dimensões necessárias para albergar a quantidade que os proprietários criam. Analisando os esquemas apresentados nas figs.57 e 58, observa-se que a tipologia se organiza funcionalmente segundo o modelo de habitação do Algarve Central, com um corredor situado no eixo central, por onde se entra e se acede às restantes divisões da casa. Pode-se dividir esta tipologia em três zonas distintas: íntima, correspondente aos quartos que ficam associados à fachada principal; mista, onde se inserem o armazém, o fumeiro e o forno de lenha; social, onde se encontram a cozinha, a zona de refeições e convívio em conjunto com o acesso vertical à açoteia. A zona de refeições e de convívio familiar continua, neste modelo, a localizar-se no interior. Assim, a habitação fica resguardada do calor excessivo do exterior e proporciona mais privacidade aos seus utilizadores, apesar de se situar isolada no meio rural. Existem três acessos que conduzem à zona social: o principal, através do corredor central; o secundário, por uma porta lateral de acesso directo à cozinha; e o terciário, através do armazém adjacente à habitação. Mais uma vez, fica demonstrada a importância que o espaço social tem na sociedade algarvia, na época em questão. A construção deste modelo funcional é recorrente nos finais do século XIX, sobretudo, nas tipologias do Algarve Central, demonstrando, de certa forma, a ligação à cultura muçulmana ainda presente6. Apesar do seu carácter vernacular, a proliferação deste tipo de habitação surge como um modelo estandardizado que se repete inúmeras vezes e que, posteriormente, se caracteriza como tipologia popular, reflexo do povo e da sua identidade. Mas, não é só na organização funcional que esta habitação recebe influências e 6 Para uma melhor compreensão, verificar a citação sobre a casa muçulmana no Algarve, apresentada anteriormente na pág. 35. A criação vernacular e popular

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Verão

Inverno

0

1m

4m

0

1m

4m

59

60

0

1m

4m

Fig.59 - Entrada de luz solar nos períodos de Inverno e de Verão através dos vãos da fachada Fig.60 - Esquema demonstrativo do efeito que as ondas de calor exercem na tipologia Fig.61 - Esquema demonstrativo da recolha das águas da chuva

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A criação vernacular e popular

61


referências do passado. A sua implantação também tem em consideração a disposição solar. Neste tipo de habitação, correspondente à tipologia rural dispersa, a entrada e os vãos ficam voltados a Sul e a fachada Norte, por norma, não tem qualquer vão para o exterior. As aberturas estão resumidas às essenciais e são de pequenas dimensões, como acontece no caso urbano analisado, servindo os mesmos propósitos de controlo de entrada de luz e calor. A luz do sol entra directamente nos quartos e no corredor de distribuição, através do postigo da porta de entrada. A partir do corredor, é encaminhada indirectamente para a zona social, iluminando-a, sem que exista um sobreaquecimento causado pela entrada directa dos raios solares. A parte social recebe ainda iluminação natural através da porta lateral e da porta de acesso à açoteia. Quando necessário, ambos os postigos podem ser encerrados, bloqueando a entrada de luz e de sol na divisão. Neste caso, assim como no exemplo urbano anterior, os materiais utilizados na construção são os mesmos: a taipa; a telha de cano simples; a madeira no travejamento; a cana no forro interior do telhado; o tijolo de adobe na constituição da cobertura do armazém, correspondente à açoteia. Como se tenta demonstrar na fig.60, a utilização deste tipo de materiais e o modo como são empregues, ajuda a reflectir o calor excessivo do exterior e facilita a saída do mesmo através da cobertura. Para a recolha e armazenamento de água da chuva, são utilizados alguns elementos, vestígios muçulmanos que corroboram o passado histórico da região: a açoteia, a eira e a cisterna. A recolha de água é feita através da açoteia e da eira e, posteriormente, é encaminhada para a cisterna onde fica armazenada. Deve ser acrescentado que os elementos de recolha têm uma dupla funcionalidade. Quando não chove, e sobretudo nos meses de Verão, servem para estender as esteiras de cana onde se secam os figos, as alfarrobas e as amêndoas. Esta dupla funcionalidade, tanto da eira como da açoteia, já era utilizada pelos muçulmanos, e mantém-se até aos dias de hoje em alguns casos. A criação vernacular e popular

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62

63 Fig.62 - Detalhe da platibanda da habitação em estudo Fig.63 - Chaminé de balão da habitação em estudo Fig.64 - Vão da habitação guarnecido a pedra

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A criação vernacular e popular

64


Associados a estes factores tipológicos e construtivos, estão elementos iconológicos que formalizam a imagem da habitação, atribuindo-lhe uma identidade simbólica. As figs.62, 63 e 64 constituem exemplos ilustrativos destes simbolos: a platibanda decorada, a chaminé de balão pintada com motivos decorativos e os vãos guarnecidos em pedra calcária trabalhada. Para além destes elementos servirem plenamente as suas funções, estabelecem um diálogo com o mundo exterior, expressando uma imagem facilmente assimilável e assinalável. A platibanda começa a ser um elemento caracterizador da tipologia de habitação algarvia nos finais do século XIX, sobretudo devido aos seus motivos decorativos. Neste caso, apresenta apenas umas faixas horizontais, com algum relevo, intercaladas por elementos verticais que quebram a horizontalidade do elemento, criando uma certa dinâmica e ritmo. Os motivos decorativos dependem do gosto pessoal do proprietário, das suas crenças e do dinheiro disponível para pagar quem os reproduz7. Este facto vai gerar uma grande diversidade na imagem das tipologias algarvias, demonstrando a individualidade de cada uma e, ao mesmo tempo, contribuindo para a caracterização da identidade regional. A chaminé desempenha um papel semelhante para a caracterização da tipologia algarvia. O exemplo apresenta uma chaminé de balão. Esta configuração é usual na região e encontra-se, sobretudo, no Algarve Central e no Sotavento Algarvio (Antunes, 1988: 234). Este tipo de chaminé apresenta uma forma cúbica no topo que protege a saída do fumo, dos ventos predominantes; frequentemente, é nesse remate que são pintados os motivos decorativos. Mais uma vez, esses motivos dependem do gosto do proprietário e da sua disponibilidade financeira. Neste caso, toda a chaminé é pintada de cor diferente da habitação, formando claro contraste visual entre o elemento e o restante conjunto arquitectónico.

7 Chagas, José das - A Avezinha jornal algarvio. 2009 [em linha] As platibandas da cidade de Albufeira [consult. em 20 de Fevreiro de 2010]. Disponível em http://www.jornalavezinha.com/index.asp?idEdicao=197&i d=9231&idSeccao=1739&Action=noticia A criação vernacular e popular

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Os vãos são guarnecidos, a pedra aparente talhada, com elementos decorativos no topo de cada um. Por vezes, são pintados, o que, segundo alguns populares antigos, evitaria a entrada de insectos no interior das habitações através da porta ou janelas. O facto de se utilizar a pedra calcária facilita a escultura de elementos decorativos, sobretudo no lintel superior, originando assim uma certa diversidade, tal como a chaminé e a platibanda. Neste caso, o lintel superior apresenta um arco muito suave, rematado no topo com uma figura geométrica central e uma saliência no limite superior, tornando-o deste modo mais rico e expressivo. Em resumo, existem algumas diferenças entre os casos analisados, sobretudo iconológicas, como a chaminé e a platibanda, que apenas se encontram no modelo rural. Contudo, as semelhanças tipológicas encontradas acabam por sobressair em relação às diferenças. Ambas as tipologias apresentam o mesmo modelo de organização funcional, são construídas com os mesmos materiais e utilizam as mesmas técnicas construtivas. As suas proporções, excluindo os anexos, são praticamente idênticas, apesar de uma se situar no campo e outra na cidade, em duas localidades e realidades diferentes. Assim sendo, pode-se afirmar que a essência das tipologias populares analisadas provém, em grande parte, da sua configuração, constituição e organização espacial. Os elementos iconológicos, nos finais do século XIX, são, ainda, parte da individualização do objecto arquitectónico por parte dos seus proprietários, revelando os seus gostos, crenças e poder económico, e só posteriormente passam a traduzir uma identidade regional.

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A criação vernacular e popular


3 A transformação disciplinar do século XX

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O século XX, no Algarve, corresponde a um período de tempo onde ocorrem alterações profundas na região, saindo da marginalidade territorial que a acompanha durante o século XIX, onde as actividades de subsistência são a pesca e a agricultura, para reconhecimento e interesse nacional e internacional como destino turístico de férias. É um século importante para o Algarve e para a economia regional e nacional, onde se registam as maiores alterações físicas na paisagem natural, nas cidades e nas tipologias de habitação. A introdução de novos materiais na construção civil regional, como o betão armado e o tijolo industrial, e a estandardização e reinterpretação dos elementos arquitectónicos iconológicos, são condicionantes físicas directas para a transformação do modelo tipológico algarvio. Em conjunto com esta evolução tecnológica, a introdução do novo modelo de casa de férias, pelo turista estrangeiro e pelo emigrante regressado a casa, acaba por contaminar a casa algarvia e a sua configuração, alterando a sua essência. Por tudo isso, estas alterações devem aqui ser retratadas e analisadas. Para se poderem caracterizar as modificações tipológicas ocorridas, o século XX é analisado em duas partes: a primeira, até aos anos 60, demonstrando a importância do modernismo no Algarve, condicionado pelo Estado Novo, na transformação e propagação da casa algarvia; a segunda, até finais dos anos 90, focando a importância do turismo de massas e do pensamento pós-moderno da sociedade de consumo desta época, na contaminação da nova tipologia da casa algarvia. É feita uma contextualização do modelo tipológico algarvio nas duas partes do século XX, referindo uma série de casos que demonstram, na generalidade, a que se tipifica na região. De seguida, é analisado, em cada uma dessas partes, um caso específico concebido por arquitectos que demonstre as qualidades tipológicas e iconológicas, reinterpretadas, que concernem o estudo em questão.

A transformação disciplinar do século XX

83


Anos

Nº de habitantes

1864

117 310

1878

203 939

1890

230 275

1900

257 378

1911

276 074

1920

270 592

1930

295 660

1940

319 625

1950

328 231

65

Indústrias

Nº de fábricas

Nº de motores

Potência (HP)

Nº de operários

Metalúrgicas

6

7

172,5

45

Cerâmicas

2

2

32

45

Químicas

3

2

16

15

Alimentares

41

50

659

3 206

Têxteis

15

1

27

340

Corticeira e mobiliária

22

5

118

1 244

Gráficas

3

7

110,5

124

TOTAL

92

77

1 135

5 019 66

Fig.65 - Quadro demontrativo do número de habitantes efectivos no Algarve entre 1864 e 1950 Fig.66 - Principais indústrias, no Algarve, em 1911

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3.1 A industrialização, o modernismo e a identidade nacional do Estado Novo no Algarve

O Algarve chega ao século XX como uma região próspera, apesar do isolamento geográfico que se manteve durante séculos, por falta de vias de comunicação com o Norte do país. A crescente industrialização, iniciada no final do século XIX, ajuda a promover o desenvolvimento da região e a consequente prosperidade económica regional. No entanto, acaba por não ser um factor extremamente relevante para o futuro. Analisando os quadros apresentados nas figs.65 e 66, nota-se um crescimento constante da população em termos globais na região, desde o final do século XIX até meados do século XX, a par do crescimento da indústria. Em 1911, o Algarve contava com, aproximadamente, 92 fábricas que empregavam cerca de 5019 funcionários. Comparando estes dados com o número de habitantes residentes durante a mesma década, 276074, percebe-se que apenas uma pequena minoria da população trabalha directamente nas fábricas; a restante população continua ligada à produção agrícola e à pesca. Indirectamente, estas actividades estavam relacionadas com a indústria, como se pode observar no quadro da fig.66. A maioria das fábricas existentes era de transformação alimentar, ou eram conserveiras ou eram transformadoras de frutos secos, estando por isso ligadas às actividades praticadas pela maioria da população algarvia. Deste modo, a indústria acaba por desempenhar um papel inicial importante no desenvolvimento da economia algarvia, pois era através da industrialização que se podiam transformar os produtos locais, e exportar as conservas de peixe, as compotas de doce, a farinha e o xarope de alfarroba. No entanto, a indústria não vai apenas afectar a economia local. Vai afectar também as cidades onde se implanta, as suas envolventes, os meios de comunicação entre elas, e a própria construção local. Começa-se a ter uma noção de urbanidade e, paralelamente, a preocupação e a necessidade de planificar a urbe. Surgem, com isto, grandes mudanças nas cidades. “O urbanismo do início do século apoia-se em elementos de composição urbana, que concretizam os princípios de racionalização, ordenamento e planeamento. As vias, A transformação disciplinar do século XX

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68 Fig.67 - Fábricas de conserva de peixe em Vila Real de Santo António - foto tirada nos anos 30 do século XX Fig.68 - Habitações burguesas na Avenida da Praia da Rocha, no ano de 1913

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elementos que não só estabelecem as necessárias ligações intra e inter-urbanas, como também introduzem uma componente de utilização do espaço pela população. (…) O Caminho-de-Ferro revoluciona o sistema de transportes, permitindo deslocar grandes quantidades de mercadorias, armazená-las em edifícios com grandes naves e distribui-las pelas indústrias e mercados abastecedores. O ferro enquanto material de construção tem um papel decisivo neste processo – com ele constroem-se os comboios, as linhas de caminho de ferro, as pontes e viadutos, as estruturas das coberturas dos armazéns e fábricas, os mercados. Os complexos industriais articulam-se com os terminais ferroviários e com os chamados Bairros Operários” (Paula, 1999: 453 e 454). Como se pode verificar, estas alterações no tecido urbano, juntamente com a introdução de novas técnicas e materiais de construção, começam a revolucionar a paisagem urbana algarvia. Com efeito, esta revolução industrial de pequena escala, acaba por alterar, posteriormente, os métodos construtivos regionais utilizados até então, afectando directamente as tipologias de habitação na sua concepção. A industrialização dos materiais e a sua utilização, vem permitir uma construção rápida, eficiente e que pode atingir grandes dimensões. Estas características favorecem a sua utilização na construção algarvia, sobretudo, por parte dos industriais endinheirados. Como se pode observar na fig.68, são bastantes os exemplos de tipologias burguesas, de grandes dimensões, que começam a aparecer no Algarve. Estes modelos apresentam uma configuração diferente dos modelos populares, onde deixam de ser utilizados os materiais e as técnicas vernaculares. Mais uma vez, quem tinha mais dinheiro usufruía das melhores tecnologias e demonstrava o seu poder económico através da construção da sua casa. Apesar da versatilidade construtiva que os novos materiais proporcionam, acabam por não ser utilizados pela grande maioria da população algarvia. Os custos da utilização do betão armado ou do ferro na construção são ainda elevados e, por isso, são apenas utilizados na construção de edifícios de grande porte, públicos e privados, A transformação disciplinar do século XX

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69 Fig.69 - Hotel Viola na Praia da Rocha no ano de 1915

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ou em casas de burgueses. Esta condição prolonga-se até meados do século XX, reflectindo-se na evolução da região. Uma das causas apontadas para este facto prende-se com o desenvolvimento tardio do Modernismo em Portugal. “Ao nível da arquitectura a sua chegada é tardia. Nos finais dos anos 20 ainda não havia em Portugal edifícios conotados com este movimento, exceptuando algumas obras de Pardal Monteiro e Norte Júnior, que são mais exemplos dum Art Nouveau tardio que do novo movimento moderno, ainda muito ligado à construção metálica e à utilização do azulejo nos elementos decorativos. A chegada do Modernismo à arquitectura processa-se por mãos dos contactos pessoais de arquitectos portugueses com os seus colegas europeus, concretamente, com Cristino da Silva em Paris, Raul Lino e Jorge Segurado na Alemanha, Pardal Monteiro na URSS ou Keil do Amaral na Holanda. A partir de 1925 podemos considerar que o Movimento se estabelece como corrente arquitectónica, principalmente na construção de prédios de rendimento, realizados por um grupo restrito de arquitectos ligados a promotores privados” (Paula, 1999: 571). Visto isto, pode-se dizer que estamos perante um estilo moderno passivo cuja vertente mais revolucionária, de novas tendências e teorias, chega ao Algarve tardiamente. De facto, na região algarvia, está bem presente o tradicionalismo na arquitectura do início do século XX até meados do mesmo, e apenas alguns casos se destacam da generalidade. Os edifícios são construídos segundo métodos tradicionais e o betão armado começa a surgir apenas para cumprir funções estruturais, proporcionando maior estabilidade nas construções. No entanto, a imagem das edificações continua a manter-se pouco alterada, como se pode observar no edifício apresentado na fig.69, o Hotel Viola situado na Praia da Rocha, que reproduz uma imagem muito tradicionalista, fazendo lembrar uma casa popular com platibanda. Entretanto, durante a década de 1930, a indústria entra em decadência, e a A transformação disciplinar do século XX

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70 Fig.70 - Postal ilustrado da cidade de Albufeira (Nascente), na década de 30 do século XX

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população sofre consequências a nível económico que vão afectar, mais uma vez, o desenvolvimento da arquitectura na região. O empobrecimento geral da população leva, consequentemente, à procura de soluções económicas para a construção, sobretudo das habitações, continuando, deste modo, a utilizar-se os métodos construtivos tradicionais vernaculares. Assim, a imagem das construções fica condicionada ao tradicionalismo algarvio e continua a propagação da identidade popular algarvia nos edifícios. Como se pode observar na fig.70, referente à cidade de Albufeira na década de 1930, a maioria das construções existentes apresentam um carácter tradicional homogéneo, que se traduz em casas de um ou dois pisos, com aberturas pequenas, telhados de duas águas e pintadas de branco. Apenas os moinhos de vento e as torres das igrejas se destacam formalmente no conjunto urbano. Durante esta decadência económica, que acaba por afectar o país inteiro, o Estado Novo (1933-1974) começa a consolidar-se, acabando por governar Portugal durante 40 anos, aproximadamente. Este facto vai, também, influenciar o desenvolvimento da arquitectura nacional e regional e contribuir para a sua transformação, estagnando por completo o Movimento Moderno. “Nos finais dos anos 30, com o endurecimento da ditadura, surge um estilo oficial, nacionalista, revivalista, figurativo e monumentalista, influenciado por países como a Itália e a Alemanha, que marca o fim do Modernismo como corrente. O Modernismo foi, assim, uma breve aventura em Portugal, já que, absorvido pelo nacionalismo, numa altura que o Estado Novo lança a política de obras públicas, fazendo face à crise instalada e como forma de tomar as rédeas do processo de construção e urbanização, perde o seu carácter inovador e revolucionário” (Paula, 1999: 571). Face a esta realidade, o Estado Novo, atento a qualquer avanço modernista, actua, de modo a manter uma arquitectura concordante com a ideologia defendida, como é possível entender através da seguinte citação. “Decidido então, nos finais da década de trinta, na fase fascizante do Estado Novo (guerra civil de Espanha, criação A transformação disciplinar do século XX

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72 Fig.71 - O estilo “Português Suave”: a simetria e hierarquia estão presentes neste exemplo Fig.72 - O estilo “Português Suave”: os telhados de influência oriental, o frontão e o esboçar de uns cunhais em pedra

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da Mocidade e da Legião Portuguesas), que o regime devia ter uma arquitectura que expressasse os seus valores, a maioria dos arquitectos modernistas deram uma voltaface e criaram um novo figurino, que passou a ser praticamente obrigatório nas encomendas do Estado e que mais tarde passou a ser conhecido como «português suave»” (Rosas, 1996:62). A influência do Estado na arquitectura começa, então, por ser demonstrada em edifícios de carácter público. Os princípios estadistas subvertem os conceitos modernistas, e começa a surgir uma arquitectura com um carácter nacionalista. A intenção da sua criação, é a união do povo português através de uma arquitectura que o caracterize, ou que demonstre ser portuguesa, evocando ao mesmo tempo a figura do Estado. “O estilo nacionalista tem por base um carácter essencialmente político, manifestando-se na ordem, simetria, hierarquia e uniformização. Utiliza princípios e elementos do Modernismo, introduzindo-lhes os estilos considerados genuinamente portugueses, como o Manuelino ou o Pombalino” (Paula, 1999: 572). Nas figs.71 e 72, podem-se observar dois exemplos deste novo estilo arquitectónico, onde os princípios de simetria, hierarquia, ordem, assim como os elementos historicistas Manuelinos e Pombalinos, se reúnem num único edifício. Nestes casos, encontramos ainda elementos de referência ao Oriente, nos beirais dos telhados, relembrando a colónia portuguesa de Macau. Esta caracterização tipológica começa a ser reproduzida, um pouco por todo o país, nas escolas, tribunais, edifícios estatais e, também, nos bairros sociais. As obras públicas que o governo promove também contemplam a criação de bairros sociais, com a intenção de alojar as classes trabalhadoras menos favorecidas da sociedade da altura, (Rosas, 1996:62) no caso do Algarve, pescadores e alguns operários fabris. Os bairros sociais, em conjunto com as escolas primárias, surgem na A transformação disciplinar do século XX

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74 Fig.73 - Maquete do Bairro Social da Fuseta, Olhão: proposta do arquitecto Carlos Ramos Fig.74 - Escola Primária, da época do Estado Novo

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região algarvia como os primeiros exemplos desta arquitectura que procuram integrarse na arquitectura regional, sem perderem o carácter estadista. É uma tentativa que acaba por ser bem sucedida, pois para além de todos os elementos considerados nacionalistas e estadistas, são também adaptados elementos considerados regionais, procurando a tradição e o mundo rural caracterizador (Rosas, 1996:62). No caso do Algarve, são retiradas influências à arquitectura vernacular algarvia e ao seu dicionário histórico e arquitectónico, para uma melhor integração local. Nas imagens apresentadas nas figs.73 e 74, correspondentes a um bairro social em Olhão e a uma escola primária, observam-se algumas das influências mencionadas. O bairro reproduz um modelo de habitação inspirado na casa com pátio muçulmana e nas casas de açoteia características de Olhão. A escola primária, por ser um equipamento público, segue uma tipologia mais estandardizada, que pode ser implantada em várias cidades da região, por conseguinte, identificam-se elementos com um carácter mais abrangente como o telhado tradicional de quatro águas, a

chaminé

algarvia e uma sugestão de arcos sobre os vãos, que podem remeter para os arcos árabes. Pretende-se, assim, manter a identidade algarvia no edifício, propagando uma imagem baseada em elementos e referências históricas nacionais e locais. Pode, então, concluir-se que durante a primeira metade do século XX, no Algarve, as alterações introduzidas, bem como as adversidades vividas, foram importantes para a propagação e afirmação da cultura e identidade local, mantendo-se esta muito ligada às suas origens tradicionais.

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75 Fig.75 - Modelo tipológico algarvio do início do século XX

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3.1.1 Caracterização geral da casa algarvia na primeira metade do século XX

Neste subcapítulo, pretende-se analisar de que modo os factores que ocorreram durante a primeira metade do século XX interferem, especificamente, na tipologia de habitação algarvia e quais são as consequentes transformações tipológicas. Interessa estudar a generalidade dos modelos, focando alguns casos específicos, para demonstrar a evolução tipológica e iconológica ocorrida na região. Começa-se a análise desde o início do século, incidindo o estudo na casa algarvia. “Com o dealbar de 1900, a arquitectura algarvia, acompanhando o que sucedeu pelo País fora, acentuou a tendência para a construção de obras ecléticas, em que a dispersão por vários estilos e a sua sugestão no mesmo edifício se tornou uma «moda». (…) Mais uma vez o Algarve se interessou por esta tendência, que vinha sem dúvida ao encontro do gosto regional pelo precioso e pelo miniatural e detalhado” (Fernandes, 1999: 373). Continuam a praticar-se métodos construtivos tradicionais na grande maioria das habitações populares, e começa a notar-se a difusão dos elementos decorativos nas tipologias. A execução das platibandas e chaminés em betão armado, devido ao desenvolvimento dos processos industriais, vai permitir uma construção rápida e a consequente estandardização destes elementos. Como resultado, obtém-se a proliferação dos mesmos por toda a região e a consequente massificação da imagem iconológica regional. Não existem grandes diferenças tipológicas nos modelos habitacionais populares, entre as primeiras décadas do século XX e as últimas décadas do século XIX. Apenas os motivos decorativos são alterados, seguindo a tendência da Arte Nova presente na época. Com a excepção dos palacetes burgueses, as habitações da grande maioria da população continuam a seguir as tendências vernaculares nos métodos construtivos e na organização espacial. Na fig.75, observa-se uma tipologia algarvia do início do século XX. Neste caso, o modelo tipológico é idêntico ao caso de estudo rural analisado no capítulo anterior, onde ainda permanecem os elementos iconológicos principais da A transformação disciplinar do século XX

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76 Fig.76 - Postal ilustrado da zona do Rossio, Albufeira, na década de 1920

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habitação algarvia: a chaminé, a platibanda, as molduras dos vãos em pedra, a açoteia e mesmo os aspectos funcionais e organizacionais do espaço. Este tipo de habitação, ou pelo menos os seus símbolos iconológicos, são difundidos pela região e a sua propagação dura até meados do século XX. Observando a fotografia da vila de Albufeira na década de 1920 representada na fig.76, encontra-se uma grande homogeneidade formal na paisagem urbana. As habitações apresentam-se, maioritariamente, com um piso e quase todas possuem os elementos iconológicos característicos. Ao mesmo tempo, existe uma individualização do objecto arquitectónico, através dos motivos decorativos presentes em cada um, bem como na sua cor, na qual, apesar de ser uma fotografia a preto e branco, é possível distinguir as várias tonalidades existentes nas habitações. Estes factores podem ser associados ao Modernismo sentido e vivido na região nesta altura. Observa-se ainda a contrução de uma habitação que ainda utiliza a taipa como elemento construtivo, o que condiciona fortemente a tipolgia existente. “No Algarve podemos falar de um Modernismo «efémero e garrido»: é patente nas habitações urbanas a habitual preferência pelo uso da cor e dos elementos decorativos, nomeadamente nas fachadas, que prolonga no fundo a tradição anterior, do século XIX e da Arte Nova” (Fernandes, 2005: 87). Esta imagem acaba por ser cultivada, acarinhada e promovida para lá da década de 1920. A grande diferença que existe em relação à tipologia popular, é que agora a casa algarvia começa a deixar de ser construída pelos populares e passa a ser reproduzida por técnicos e construtores, multiplicando deste modo, exponencialmente, o modelo de casa algarvia e a sua imagem iconológica na região. Avançando no século XX, para lá da década de 1930, começam a aparecer casos de habitações que recebem influências da arquitectura do Estado Novo, reproduzidas por arquitectos que seguem a sua ideologia, e apresentam-se como excepções no paA transformação disciplinar do século XX

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78 Fig.77 - Tipologia de habitção moderna na década de 1930, Albufeira Fig.78 - A Casa do Poeta, da autoria de Jorge de Oliveira, 1944, Faro

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norama popular, apesar de recorrerem a elementos rurais. “Na habitação individual, recorre-se a um também desconexo uso de elementos de arquitectura regional, privilegiando os de sentido mais ruralizante” (Rosas, 1996: 62). Este novo estilo, começa a ser reproduzido, sobretudo, nas habitações das famílias de classe social mais abastada, tal como havia acontecido com os palacetes nos finais do século XIX. Nos exemplos apresentados nas figs.77 e 78, encontram-se dois modelos de habitações modernas que seguem estes princípios. A exemplificada na fig.77 retira referências à habitação de açoteia vernacular e ao seu carácter monolítico, com um só piso. A da fig.78 reproduz a casa portuguesa, com os telhados de beirais, arcos e alpendres, onde pode, ainda, observar-se a chaminé algarvia. Outra grande diferença tipológica existente entre este tipo de habitações e o tipo de casas populares mais corrente, para além da imagem, é a configuração que estas passam a ter. Normalmente, estão implantadas nas imediações das cidades e possuem um terreno circundante. Além disso, a sua escala é maior que a do modelo popular e a organização espacial e funcional é, agora, diferente e serve um novo propósito: o lazer. Este é um facto muito importante, pois as novas tipologias passam a ser pensadas e concebidas para uma utilização diferente, para o desfrute do seu utilizador nos tempos livres depois do trabalho e nos fins-de-semana, e, em alguns casos, nas férias. Nas décadas de 1940 e 1950, este conceito de casa de férias começa a surgir com mais frequência na região. É o início de um processo que vai alterar completamente o conceito das tipologias de habitação no Algarve e, consequentemente, a paisagem construída na região. O novo modelo de habitação acaba por se integrar, sobretudo, através da reinterpretação de símbolos iconográficos regionais levando a uma descontextualização popular dos mesmos. No entanto, não são os populares os impulsionadores deste modelo habitacional, mas sim os primeiros turistas que procuram construir a sua residência de férias no Algarve. Paralelamente, o mercado imobiliário começa a A transformação disciplinar do século XX

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Fig.79 - Casa numa cidade do Algarve, por Raul Lino

Cisterna / recolha de àguas

Fig.80 - Casa no Sul, por Raul Lino

Árvores

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Fig.81 - Planta da tipologia apresentada na fig.79 Fig.82 - Planta da tipologia apresentada na fig.80

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despertar, para tentar responder à procura que, neste momento, consiste nesse tipo de construção. Os arquitectos da época começam mesmo a realizar alguns estudos no sentido de satisfazer este novo conceito habitacional. Alguns projectos apresentados pelo arquitecto Raul Lino, um modernista dentro da tradição nacional, correspondentes às figs.79 e 80, sugerem como deveria ser a casa algarvia, de férias, em meados do século XX. Uma casa que se adequa às novas necessidades dos utentes e procura uma integração no meio local, mas mantém um carácter muito tradicional. Em ambos os exemplos, as habitações são destinadas à utilização temporária. Uma, apresenta uma forma muito simples, quase cubista, onde sobressaem a chaminé, o alpendre e a arcada, remetendo mais uma vez para a imagem da casa elementar de açoteia. A outra, está marcada pela existência dos beirados e telhados, em conjunto com os vãos guarnecidos a pedra, pela arcada, pelo alpendre e pela barra colorida na base, contornando o vão da arcada. Esta imagem remete para a tipologia portuguesa introduzida pelo Estado Novo. Esta diversidade aparente no novo modelo de habitação, tenta resolver o problema da procura, por parte dos diferentes turistas. As diferentes nacionalidades e os diferentes gostos motivam o aparecimento de uma diversidade tipológica muito grande. A mescla de influências culturais vai conduzir ao aparecimento de vários casos com uma base iconológica comum, contribuindo para a contaminação dos modelos vindouros. Esta tipologia começa a fazer parte do imaginário do turista que procura a região para passar férias, alimentando assim a proliferação deste tipo de casa por toda a região.

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83 Fig.83 - Casa em Alporchinos, por Pitum Keil do Amaral, na década de 1960

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3.1.2 Caso de estudo - Casa em Alporchinhos

O caso de estudo seleccionado corresponde a uma casa de férias da década de 60 do século XX, localizada em Alporchinhos, na freguesia de Porches, pertencente ao concelho de Silves. Esta habitação foi projectada pelo arquitecto Pitum Keil do Amaral, filho do já referido arquitecto Francisco Keil do Amaral, um dos arquitectos que participou no levantamento da Arquitectura Popular em Portugal, que é, nesta época, um dos arquitectos de referência em Portugal (Fernandes, 2005: 116). A tipologia surge como um bom exemplo de arquitectura moderna, conseguindo conciliar os traços tradicionais da arquitectura vernacular com as técnicas e tendências modernistas da época. A localização destas habitações destinadas a férias é, normalmente, em locais privilegiados, junto do mar e da praia. Nesta década, não existem leis que regulem a implantação deste tipo de construções, por isso, estas começam a surgir um pouco por toda a parte, em locais paradisíacos e estratégicos do ponto de vista paisagístico. Em oposição às habitações dos populares algarvios, estas novas tipologias começam a ocupar os terrenos costeiros deixados ao abandono, por não serem bons para o cultivo. A população, no geral, procura os terrenos mais afastados do mar para se implantar. O facto dos terrenos costeiros não serem propícios para a agricultura, leva ao êxodo litoral dos populares e proporciona a venda destes terrenos aos turistas, para a construção da sua casa de férias. O caso em estudo foi construído afastado do meio urbano mais próximo, Armação de Pêra, perto da Praia das Gaivotas, o que proporciona condições únicas para o lazer e relaxe, durante o período de férias. A área circundante era muito pouco povoada na altura da sua construção, como se pode observar na fig.83. A habitação surge rodeada pela natureza, estabelecendo uma simbiose entre a paisagem e o objecto arquitectónico. Parte da natureza envolvente corresponde ao lote para construção, permitindo uma liberdade construtiva na implantação da habitação, seguindo estratégias semeA transformação disciplinar do século XX

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Fig.84 - Vista aérea do local de implantação do caso de estudo Habitação Habitação Cisterna // recolha recolha de de àguas Cisterna

Fig.85 Planta esquemática da habitação em estudo, identificando o lote de terreno envolvente Acesso àà-cobertura cobertura Acesso Árvores Árvores

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lhantes às dos seus antepassados vernaculares, na procura por melhor disposição solar. Como se pode observar na fig.84, a habitação está localizada entre a rua e a falésia, ficando voltada para a praia. Esta condicionante geográfica concede à habitação uma relação visual directa com o mar, mesmo nos dias de hoje. A falésia entre a habitação e o mar faz com que este eixo visual permaneça livre. “A casa da Senhora da Rocha surge, no seu partido geral de contornos orgânicos, quase como um «crustáceo» que aflora a falésia. Os muros e os muretes são tentáculos, e o corpo a casa - coberta por açoteia, à qual se acede por escada externa, a partir de um pátio que o muro branco e curvo define” (Fernandes, 2008: 110). A existência de terreno envolvente à tipologia condiciona, também, a proximidade das habitações vizinhas. A construção deste novo tipo de habitações acontece, quase sempre, no centro do lote correspondente. Deste modo, a tipologia fica afastada dos limites do terreno, que para além de proporcionar uma maior liberdade para a implantação do volume, lhe confere uma maior privacidade. A fig.85 corresponde a um esquema que revela qual é a relação que a casa estabelece com a sua envolvente directa. Aqui, pode observar-se que a tipologia se afasta da rua, separada por dois muros baixos, e volta-se para a falésia, proporcionando uma maior intimidade no espaço destinado ao lazer dos seus moradores. Uma das grandes diferenças assinaláveis na implantação entre este novo tipo de habitação e a tipologia popular é que o terreno envolvente já não se destina à produção de subsistência. Apesar do espaço correspondente ao lote ser de dimensões razoáveis, não existem hortas, árvores de fruto, nem qualquer outra actividade relacionada com a sustentabilidade dos seus moradores. O espaço envolvente destina-se, em grande parte, ao usufruto e, neste caso, também é utilizado para estacionar o carro. É de notar que, apesar de ainda não existir um compartimento específico para o automóvel, começa a ser dada uma certa importância para o integrar no conjunto arquitectónico. O acesso à rua é pensado para poder entrar um automóvel e o prolongamento desse acesso para o interior do terreno, mais especificamente para a parte A transformação disciplinar do século XX

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1 Entrada Entrada / corredor de distribuição 1 Entrada / corredor de/distribuição Entrada principal / distribuição Entrada principal / distribuição Entrada principal distribuição

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Zona semi-pública Zona semi-pública Zona mista

5 Forno a lenha 5 Forno a lenha Zona de refeições

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3 Zona Zona de estar / refeições 3 Zona de estar / de refeições estar

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3 estar Zona de3 estar Zona de Zona de estar 4 Cozinha Fig.86 Esquema 4 - Cozinha Cozinha

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representativo das diferentes zonas existentes na tipologia em estudo

Fig.87 - Esquema representativo dos diferentes compartimentos da tipologia em estudo

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sanitária


lateral da habitação, permite o parqueamento do veículo, afastando-o do campo de visão da zona mais social da habitação. Na fig.86 percebe-se o funcionamento e a organização da casa em estudo. As zonas social, mista e íntima estão organizadas no seguimento de um eixo longitudinal que percorre a habitação, com um princípio, meio e fim. A chegada e entrada é feita directamente para a zona social, que corresponde à sala de estar e à sala de refeições. Seguidamente, surgem as áreas mistas, denominadamente, a cozinha, a instalação sanitária e um compartimento que pode servir diferentes utilizações. No final deste eixo, surge a zona íntima com os quartos. A organização funcional deste modelo tipológico segue uma sistematização que visa dar resposta ao estilo de vida moderno, aliado ao modo de vida em férias. Os compartimentos existentes permitem a perfeita utilização da tipologia, respondendo às necessidades básicas para habitar temporariamente um espaço. A flexibilidade do espaço é pensada e traduzida através de um compartimento que pode ter várias funções, como, por exemplo, prolongar a sala de estar, o espaço de trabalhar, ou de dormir. A habitação procura ser mais versátil e dar resposta aos tempos modernos e às necessidades dos seus utilizadores, que podem variar constantemente. É dada especial importância à zona social da tipologia. Neste caso, a sala de refeições comunica directamente com a sala de estar, e ambas comunicam directamente com o átrio exterior. Esta relação transforma a zona social em espaço central da habitação, como ocorre no modelo tipológico vernacular, com uma diferença, a cozinha já não faz parte deste conjunto e surge agora como um compartimento isolado, funcional, seguindo um pouco a teoria de “máquina de habitar” de Le Corbusier. A confecção das refeições deixa de ser o tema central na reunião familiar. Esse facto revela uma mudança no comportamento social da época, fruto da evolução da sociedade e da assimilação de determinados conceitos modernos. Contudo, esta tipologia ainda revela alguns conceitos tradicionais vernaculares, reinterpretados e reutilizados, sobretudo A transformação disciplinar do século XX

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Fig.88 - Esquema demonstrativo da entrada de luz solar nos períodosVerão de Inverno e de Verão Verão

Fig.89 - Esquema demonstrativo da recolha de água da chuva para Inverno a cisterna Inverno

Fig.90 - Esquema demonstrativo do efeito das ondas de calor na tipologia

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na adaptação ao meio e às condições naturais existentes. Esses ensinamentos são valiosos para um enquadramento da habitação na região do Algarve. Como se pode observar no esquema da fig.88, apesar de existir um muro que protege a habitação da rua, este não bloqueia a entrada de luz solar para o átrio ou para a zona social da habitação. Todos os compartimentos recebem luz natural directa através da disposição dos vãos: os quartos, de Nascente; a sala de estar e de refeições, de Nascente e de Sul; a cozinha e a instalação sanitária, de Poente. Deste modo, é garantida a salubridade dos compartimentos e a sua adequada utilização, do ponto de vista do funcionamento e da vivência do espaço. As aberturas são de pequenas dimensões e são protegidas por portadas de madeira exteriores8, o que permite a entrada controlada do sol. Deste modo, as temperaturas no interior da habitação são, também elas, controláveis. O facto de existirem menos aberturas do lado Poente, ajuda também a uma menor incidência solar no período da tarde, quando o sol atinge uma temperatura mais elevada, garantindo um ambiente mais fresco no interior da habitação. A utilização dos novos materiais na construção, também ajuda a garantir algum conforto térmico no interior da habitação. Neste caso, utilizam-se o tijolo industrial e o betão armado. A materialização deste modelo arquitectónico segue a tendência modernista verificada no Algarve, durante a primeira metade do século XX. As origens culturais da arquitectura em terra são agora uma memória presente, apenas, em alguns modelos de origem popular. Outro factor associado à sustentabilidade e ao modelo popular que começa a ser subvalorizado nesta época, é a recolha e armazenamento da água da chuva. Neste caso, existe uma cisterna e um pequeno eirado envolvente que faz a recolha e a encaminha para o seu interior. Apesar de já não servir para a rega agrícola, a água 8 As portadas modernas acabam por servir o mesmo propósito das reixas, mas apresentam-se com um desenho e configuração diferente desse modelo antecessor. A transformação disciplinar do século XX

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91

92 Fig.91 - Entrada da habitação, escada de acesso à açoteia e cisterna Fig.92 - Ícones presentes na tipologia em estudo, como reintrepertação da chaminé e da platibanda

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recolhida pode ser consumida e utilizada na rega do jardim ou na lavagem do carro. Embora a água canalizada seja uma realidade, continua a existir a preocupação do arquitecto em manter este sistema vernacular, muito característico e precioso na região. Na generalidade dos casos, é um recurso que começa a ser menosprezado nas novas construções e prolonga-se até aos dias de hoje. “A casa assume aqui a dominante horizontal e uma forma «lisa» [temas modernos por excelência], cruzadas com o sentido orgânico, curvilíneo, intimista [temas de articulação e humanização], e com a assunção do muro como tema gerador, articulado com o pátio, o poço e o terraço sobreelevado [os temas vernáculos]” (Fernandes, 2008: 110). Conjuntamente com esta imagem elementar da volumetria, surgem dois elementos iconológicos já conhecidos e referenciados: a chaminé e a platibanda. Estes símbolos regionais, apesar de sofrerem alterações relativamente à sua forma ou função primordial, bem como na carga decorativa e nos valores a ela associados, surgem como referência à identidade regional característica nas habitações algarvias. Neste caso, a decoração da chaminé já não é demonstrativa da riqueza do proprietário e limita-se a promover a imagem icónica da chaminé algarvia. A platibanda não serve de guarda à açoteia, e o seu efeito surge através da extensão de parte da fachada sobre o muro lateral. Estes elementos surgem como uma crítica à estandardização dos ícones algarvios e à sua repetição, onde todo o sentido e carácter único existente nos tempos vernaculares deixa de existir. Nesta tipologia, os elementos iconológicos populares são mantidos como parte da cultura local, mas sofrem uma transposição para a contemporaneidade, coerente com os restantes valores tratados pelo arquitecto. São valores locais e regionais respeitados e que marcam a sua genuinidade, parte da interpretação pessoal do arquitecto, assim como acontecia no modelo vernacular popular.

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93 Fig.93 - Construção do Hotel Sol e Mar, situado na Praia do Túnel de Albufeira, em postal ilustrado da “Colecção Passaporte”, da década de 1960

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3.2 O turismo e o pós-modernismo na região - contaminação da nova casa algarvia

“O eclodir do turismo massificado no Algarve, embora já prenunciado nos finais dos anos 1950, verificou-se sobretudo, com enorme intensidade, ao longo da década seguinte – quando se pode falar de uma verdadeira «revolução» da paisagem litoral algarvia, para o bem e para o mal” (Fernandes, 2005: 109). Estamos perante uma modificação na paisagem e na cultura algarvia, sem antecedentes. O turismo proporciona não só uma modificação na paisagem devido às novas construções para receber os turistas, mas também uma contaminação na cultura algarvia que começa a receber influências de todo o mundo. As novas infra-estruturas para receber e servir o turismo de massas na região começam a aparecer, sobretudo, no litoral, ao longo da costa Sul do Algarve. As praias tornam-se na maior atracção turística da região, logo, as cidades costeiras são as que sofrem maior transformação. Interessa referir que até à década de 1950, parte da população algarvia migra para o interior e mesmo para o Alentejo, em busca de trabalho agrícola. Mas, com o agravamento da crise económica, muitos vêem-se obrigados a emigrar para fora do país, como explica este pequeno excerto: “A partir dos anos cinquenta, logo que se desbloqueiam as medidas restritivas de âmbito nacional e internacional, a emigração volta a ser a única saída para a crise do País, incapaz de se renovar” (Raposo, 1995: 51). Ao contrário, o litoral prospera, e quem fica na região procura um novo caminho para o desenvolvimento económico. Na fig.93, pode-se observar um exemplo de uma infra-estrutura construída com esse propósito. O Hotel Sol e Mar, em Albufeira, é o primeiro de muitos na cidade e um dos primeiros na região. Surge na década de 1960, com o intuito de dinamizar a cidade onde se insere, oferecendo condições para receber uma grande quantidade de turistas, ao longo de todo o ano. A criação de grandes empreendimentos hoteleiros pode ser considerado o primeiro passo para o acolhimento do turismo de massas no Algarve, mas não o único e, possivelmente, nem o mais importante. O passo mais significativo para a vinda de turistas estrangeiros para o A transformação disciplinar do século XX

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94

95 Fig.94 - Fotografia da inauguração do Aeroporto Internacional de Faro em 1965 Fig.95 - Reprodução da chaminé algarvia na Aldeia das Açoteias, na década de 1960 Fig.96 - Postal ilustrado do Algarve da década de 1970

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Algarve foi a construção do Aeroporto Internacional de Faro, em 19659. Desta forma, a região assume-se como um destino turístico e surge na rota aérea internacional como mais um local de férias para milhares de turistas de todo o Mundo. Os aldeamentos, apartamentos de férias, apart-hotéis, hotéis e habitações expandem-se por toda a região e promovem uma imagem baseada na cultura popular algarvia, adulterada pelos mecanismos modernos da sistematização dos elementos iconológicos, e pelo gosto e o imaginário de quem os projecta, promove e procura. Esta recriação tem o intuito de cativar o turista estrangeiro, mostrando a especificidade regional através dos modelos construídos. Durante a década de 1970, assiste-se à afirmação deste tipo de construções, como caracterizadoras da identidade local. Os elementos iconológicos como a chaminé e a platibanda passam a ser símbolos internacionais da região e acabam por servir de imagem de referência e propaganda turística em conjunto com as praias, a paisagem natural e a ruralidade regional, ainda muito presente nesta década. Como se pode observar nos exemplos demonstrados nas figs.95 e 96, respectivamente, da década de 1960 e de 1970, a imagem da chaminé é recriada num aldeamento turístico na Aldeia das Açoteias, e aparece em conjunto com a praia e duas imagens que remetem para a actividade da pesca e para a ruralidade do interior algarvio, num postal ilustrado alusivo à região. É uma tentativa clara de promover a imagem do Algarve rural e pitoresco para o exterior, o que, de certa forma, contribuiu para a promoção da imagem tradicional na arquitectura algarvia das décadas seguintes, sobretudo no campo da habitação. Após a revolução de 1974, o país entra numa nova era. Uma época pós-moderna, liberal, mais voltada para o consumo, onde a imagem passa a ser fundamental para a sociedade emergente. Isto vai, de certa forma, motivar ainda mais a propagação da 9 Aeroporto de Faro. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2011. [consult. em 04 de Maio de 2011]. Disponível em http://www.infopedia.pt/$aeroporto-de-faro A transformação disciplinar do século XX

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97 Fig.97 - Condomínio privado do final da década de 1990, onde coexistem habitantes temporários e permanentes

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imagem iconológica promovida durante a década de 1970, e prolongá-la para o século XXI. Em conjunto com esta disseminação iconológica, a construção atinge níveis exacerbados, com repercussões até aos dias de hoje, já que na década de 80 do século XX o número de fogos aumenta 50%10, o que contribui de forma significativa para a descaracterização da região. Este desenvolvimento abrupto, também está directamente ligado ao facto de Portugal ter aderido a União Europeia (1986), seguindo uma politica de financiamento prevista para o desenvolvimento de pequenas regiões (Fernandes, 2005: 119). Na década de 1990, começam a aparecer planos reguladores que tentam controlar a construção desmesurada. No entanto, não surtem o efeito desejado, visto que o nível de crescimento nesta área atinge 30%, muito acima da média nacional11. No entanto, são impostas regras para a construção dos alojamentos familiares ou colectivos que são implementados. Estes são condicionados, desde o volume de construção até ao número de pisos e, inclusivamente, a imagem que o edifício ou conjunto de edifícios proporciona. Assim, a construção destas novas infra-estruturas contribui fortemente para o fenómeno da propagação da imagem popular algarvia, uma vez que recorre a elementos considerados populares. Perante uma sociedade de consumo motivada por estímulos visuais, é fácil depreender que ocorre uma relação recíproca de causa/efeito, onde a imagem promovida é influenciada pela construção existente, fomentando, por sua vez, a imagem que se pretende. Este facto vai ser determinante para a transformação da habitação do final do século XX. No exemplo apresentado na fig.97, estão resumidos os princípios caracterizadores proporcionados e motivados por este novo tipo de construções. Aqui, pode observar-se a reprodução e multiplicação de elementos iconológicos, decorativos, como as chaminés, as platibandas ou mesmo as molduras dos vãos. A sua utilização e aplicação 10 Comissão de Cordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve (CCDRA) - Protalgarve. 2006 [em linha] Volume II - Caracterização e diagnóstico. Anexo - O, pág. 9 [consult. em 1 de Junho de 2009]. Disponível em http://www.territorioalgarve.pt/Download.aspx 11 Idem A transformação disciplinar do século XX

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avulsa, desarticulada e descontextualizada, retira-lhes todo o significado. Não passam de casas geminadas vulgares e normais, as quais, se lhes fossem retirados todos os elementos decorativos, seriam tipologias correntes pertencentes a todo o lugar ou a lugar nenhum. Este tipo de casas é adoptado por grande perte dos construtores e promotores imobiliários, pois permite uma rentabilização maior do espaço onde se inserem, da estrutura e da cobertura. A casa geminada é uma tipologia que oferece uma mistura de casa isolada com apartamento, onde os seus habitantes disfrutam dessa simbiose que desvirtualiza os dois modelos. Pode ser considerada uma casa gémea, pois normalmente a sua configuração interior é igual e simétrica, minimizando os custos de infraestruturas. O conjunto formado por várias casas deste tipo formam os denominados condomínios, que surgem em grande escala na década de 1990.

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3.2.1 Caracterização geral da casa algarvia na segunda metade do século XX

O processo iniciado na década de 1960, com o aparecimento da casa de férias, ganha força nos dez anos seguintes e propaga-se a um ritmo incrível. Com a chegada de milhares de turistas ao Algarve, com o fenómeno do êxodo rural e com o regresso dos emigrantes, no final da década de 1970, a construção de habitações no litoral dispara. Estes factores, aliados aos anteriormente descritos, vão afectar directamente a casa da população algarvia. O facto de grande parte dos turistas serem sobretudo estrangeiros, e dos emigrantes regressados serem, também, oriundos de outros países, contribui marcadamente para novas influências sobre a imagem local das suas habitações de férias e para residência permanente. O novo modelo traduz uma linguagem arquitectónica inspirada nas tendências absorvidas nos países estrangeiros. No litoral, a influência é exercida pelas casas dos turistas que procuram, preferencialmente, a costa algarvia. No meio rural, são os emigrantes que exercem maior influência, pois a grande maioria partiu daí, e é aí que regressa. “Portadores de novas práticas e de novas mentalidades de influência urbana, este retorno periódico provoca alterações no modo de vida rural, o que se reflecte na construção de um novo tipo de casa” (Raposo, 1995: 54). Este novo modelo de habitação vai gerar, essencialmente, dois factos: o primeiro, é a propagação da tipologia nos terrenos costeiros e do interior, sem qualquer planeamento urbano, o que conduz a uma dispersão das habitações pelo território, afectando a paisagem, a ordem e o equilíbrio de grande parte do mesmo; o segundo, é o estímulo gerado por estas tipologias na população algarvia que tenta reproduzir as suas habitações, com base nesta nova influência. O modelo tenta integrar-se na paisagem algarvia através de artefactos ou semelhanças puramente formais que recriam, de certo modo, a habitação tradicional do Algarve, com todos os seus símbolos iconológicos, tentando reproduzir a linguagem arquitectónica popular. No entanto, o modelo arquitectónico reproduzido acaba por recriar uma série de fragmentos das culturas ancestrais, descontextualizados e descaracterizados, que A transformação disciplinar do século XX

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98

99 Fig.98 - Casa para residência permanente, com influências da casa de férias, da década de 1980 Fig.99 - Casa para residência permanente, com diferentes influências misturadas no modelo, dos finais da década de 1980

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adulteram a sua essência. Como menciona Josep Maria Montaner: “Ao longo do século XX, a arte e a arquitectura começam a se relacionar com a cultura do fragmento, (…). Existe uma relação entre a aceitação da realidade – uma realidade cada vez mais fragmentada, descontínua e descentralizada – e a aceitação paulatina das teorias da complexidade e da cultura do fragmento. Isso admite um tipo de formas artísticas híbridas, compostas pela confluência de fragmentos heterogéneos” (Montaner, 2002: 186). Entende-se, portanto, que a cultura do fragmento pode ser a explicação teórica para o aparecimento deste novo modelo de habitação, durante a década de 1980, na região algarvia. Os exemplos apresentados nas figs.98 e 99 combinam uma série de elementos e fragmentos que acabam por resultar na agregação de gostos e tendências, num só objecto arquitectónico. Na primeira imagem, existe uma tentativa de recriar a casa algarvia com telhados de uma ou duas águas com chaminé algarvia e com alpendre, mas com uma escala maior; na segunda imagem, existe um frontão neoclássico, com colunas, uma balaustrada que remete para a platibanda dos palacetes do século XIX, uma cobertura em telha que segue a forma desarticulada da habitação e, ainda, alguns dos vãos com molduras coloridas que remetem para a arquitectura popular. Aqui, a junção e incorporação de excertos arquitectónicos de diferentes épocas e culturas, resulta numa imagem demasiado híbrida e heterogénea. A mudança na imagem deste novo modelo, associada à escala e ao facto de se construir num lote circundante, predestinado para tal, são as características mais marcantes da tipologia em questão. Estas construções estão normalmente incluídas em planos de pequenos loteamentos, onde são definidos todos os parâmetros necessários para a sua edificação. O planeamento urbano é, neste caso, o resultado da soma de operações urbanísticas isoladas, não articuladas ou relacionadas, sem estratégia territorial nem respeito pelos valores naturais, morfológicos e tipológicos. Não há uma ideia para o conjunto mas, antes, recortes somados e dispersos, sem critério, sem disciplina, à vontade dos promotores imobiliários.

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100 Fig.100 - Habitação unifamiliar da década de 1990 - exemplo construído numa urbanização, onde é promovida a venda das tipologias para residência temporária ou permanente

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O que sucede, aliado a estas novas influências e condicionantes, é o despoletar da descaracterização da tipologia tradicional e o aparecimento de uma tipologia heterogénea, no panorama algarvio durante a década de 1980. A reprodução deste novo modelo, originado pelo fenómeno associado ao turismo, torna-se muito frequente, passando a ser reproduzido não só nas casas destinadas a férias, mas também nas de carácter permanente. Os populares, em geral, aceitam bem este modelo que expressa uma identidade própria e exibe símbolos ou certas nuances tradicionais, que remetem para a imagem popular algarvia, de forma a integrar-se na memória colectiva, agora um pouco anestesiada pelas novas influências e pela imagem que elas reproduzem. Este pode ser o caminho para a descontextualização do modelo de habitação algarvio do século XX. As suas bases são frágeis, o novo modelo acaba por se basear apenas na simulação e recriação de desejos e elementos que tentam parecer regionais. “Neste resvalo para uma cultura da simulação, o papel da imagem altera-se e deixa de reflectir a realidade, passando a disfarçar e perverter a mesma realidade. Destituídos da própria realidade, resta-nos um mundo de imagens, de hiper-realidade, de puro simulacro. A desanexação destas imagens da sua complexa situação cultural de origem, descontextualiza-as” (Leach, 2005: 18). Esta mistura de ícones e formalismos transmite uma imagem, puramente simulada, que tenta conservar as características populares e disfarçar a construção descaracterizada que se esconde por detrás dela. Apesar da origem dos símbolos e dos elementos utilizados pertencer à região em questão, a sua adaptação ao novo modelo acaba por descontextualizá-los. O exemplo apresentado na fig.100 corresponde a um modelo tipológico que pode ser considerado falso moderno ou falso contemporâneo. Neste caso, apenas os ícones, as cores e os símbolos estabelecem uma associação imagética com as tipologias populares algarvias. A imagem do conjunto apenas imita o popular, sem lhe atribuir nenhum significado cultural. Este acaba por ser o factor determinante para a aceitação e proliferação deste modelo tipológico, e a sua propagação prolonga-se até ao final da década de 1990, estendendo-se mesmo para o século XXI. A transformação disciplinar do século XX

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101

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Fig.101 - Planta do piso térreo de uma casa algarvia, finais do século XX Fig.102 - Planta do primeiro piso Fig.103 - Alçado Norte Fig.104 - Alçado Sul

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A transformação disciplinar do século XX


A organização espacial e funcional deste tipo de casa também é descaracterizada e descontextualizada. Como se pode observar nas figs.101, 102, 103 e 104, correspondentes a uma casa do final do século XX, não existe nenhum padrão construtivo ou conceptual que se relacione com o seu passado cultural ou patrimonial. As diferentes zonas da habitação estão dispostas segundo uma organização funcional de optimização de infraestruturas, e não segundo a relação com a envolvente ou a relação entre espaços. Não se procura a melhoria da qualidade dos compartimentos nem uma melhor vivência do espaço, apenas maior quantidade e maior área construída. Na descrição encontrada no site que faz a promoção e comercialização desta casa pode depreender-se isso mesmo. “Esta casa implantada num lote de 3170m2 tem dois pisos com uma área útil de 301m2. No rés-do-chão existem 2 salas, 3 quartos, 3 casas de banho, vestíbulo, uma cozinha espaçosa com duas áreas anexas para arrumações, uma sala para serviços, e uma garagem. No primeiro piso, mais dois quartos, tendo um deles uma divisão roupeiro, duas casas de banho e dois agradáveis terraços. Anexo ao terraço do lado Sul da casa encontra-se ainda uma piscina, envolvida pelo jardim da casa”12. No entanto, e apesar de este ser o panorama generalizado no Algarve durante a segunda metade do século XX, existem modelos de referência, sobretudo projectados por arquitectos, que tentam contrariar esta tendência. Apesar dos poucos exemplos existentes na região, conseguem-se encontrar alguns que devem ser referenciados. A sua introdução nem sempre é socialmente bem aceite, pois choca com os estereótipos instalados colectivamente, cultivados pelo modelo da casa do emigrante, fortemente enraizados na região. Contudo, devem ser vistos como forma de consciencialização para a população e de crítica ao que acontece na realidade algarvia. O caso de estudo que se segue é, nesse sentido, um óptimo exemplo e foi, por isso, seleccionado para análise. 12 Texto descritivo, promocional, da habitação apresentada. Quinta das Raposeiras II. 2002 [em linha] Lote 9 - Vivenda nas Raposeiras II [consult. em 5 de Abril de 2011]. Disponível em http://www.fmm.pt/ imobiliario/imob3.html A transformação disciplinar do século XX

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105 Fig.105 - Casa na Quinta do Lago, do arquitecto Eduardo Souto Moura. O projecto é de 1984 e a construção é de 1989

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3.2.2 Caso de estudo - Casa na Quinta do Lago

A tipologia em estudo fica situada na Quinta do Lago, em Almancil, Loulé. A Quinta do Lago é um empreendimento turístico que surge na década de 1970, promovendo habitações de luxo para um turismo muito exclusivo. No caso concreto da Quinta do Lago, o facto do empreendimento se localizar num Parque Natural onde se pode disfrutar da natureza e de um ambiente repousante, em conjunto com os campos de golfe criados para atracção turística, tornam-se as principais características promocionais para a posterior venda de lotes de construção13. Consequentemente, o empreendimento sofre um grande crescimento para poder responder à procura existente de clientes exigentes. Na década de 1980, este conceito já está bastante enraizado no Algarve. O caso de estudo é um projecto do arquitecto Eduardo Souto Moura, um dos mais conceituados arquitectos portugueses do seu tempo, nacional e internacionalmente. Este modelo habitacional surge no contexto pós-moderno e apresenta-se como uma reinterpretação pessoal do arquitecto do que deve ser a casa algarvia, à semelhança do modelo projectado por Keil do Amaral, analisado anteriormente. A procura de referências no passado, interpretando-as e transformando-as à imagem do presente são, neste caso, bem conseguidas. A tipologia apresenta-se, ela própria, como uma crítica à arquitectura que é praticada na região durante esta época. É contrariada a tendência de propagação da imagem tradicionalista, fragmentária, da casa do emigrante e é apresentado um modelo em conformidade com o pensamento de Le Corbusier recorrendo à utilização de alguns elementos iconológicos regionais. Segundo um excerto do próprio arquitecto: “Tipologicamente, a construção surgiu do cruzamento de uma certa arquitectura do Sul, e por estranho que pareça, com algumas casas chinesas. (…) Também não foram indiferentes algumas obras já cons13 Excerto sobre o local onde se insere o caso de estudo. Quinta do Lago. 2011 [em linha] História [consult. em 16 de Maio de 2011]. Disponível em http://www.quintadolagogolf.com/pt/the-story/the-history/ A transformação disciplinar do século XX

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0

2m

10m

N

Habitação 0

2m

10m

Entradas de luz

N

Páteos Piscina

Habitação Habitação

Acesso à cobertura Acesso à cobertura

Pátios Páteos

Árvores Árvores

Piscina Piscina Acesso à cobertura Árvores

106

0

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10m

N

107 Habitação Páteos Piscina Fig.106 - Localização geográfica da tipologia em estudo (fotografia aérea actual) Acesso à cobertura Árvores

Fig.107 - Planta esquemática da habitação em estudo, identificando os pátios e as entradas de luz

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A transformação disciplinar do século XX


truídas. Redesenhamos sempre o nosso passado para o bem e para o mal. Durante o projecto ainda tivemos que recorrer a algumas imagens de Corbusier para segurar pontos débeis... (...) A utilização de modelos e referências surgiu mais como rectificação e confirmação à proposta inicial do que como imagens a perseguir”14. A implantação desta habitação está fortemente condicionada pelo plano da urbanização da Quinta do Lago. Neste empreendimento, tudo é planeado ao pormenor para que o luxo e especificidade que se pretendem se mantenham. As ruas planificadas dão acesso a todas as infra-estruturas existentes, sem interferir com o sossego nas habitações. O campo de golfe é projectado com o intuito de promover a actividade principal no empreendimento e, ao mesmo tempo, cria espaço verde envolvente. As habitações estão inseridas em lotes organizados próximo do golfe e, grande parte, não tem nenhuma barreira física delimitativa. Como se pode observar na fig.106, o caso de estudo situa-se frente a um dos percursos do campo de golfe, entre dois outros lotes e com acesso directo através de uma das ruas existentes. Os lotes são numerados e têm, aproximadamente, a mesma dimensão, dependendo da sua localização e preço. Neste tipo de loteamento, as tipologias estão condicionadas na sua volumetria, área de implantação, número de pisos e caracterização. A disposição no terreno deste modelo privilegia a privacidade da zona de lazer, e dos seus moradores em relação ao acesso público. Para além de existir um afastamento considerável entre a habitação e a rua, as aberturas da casa ficam viradas para o interior do lote ou para os pátios, e a zona de lazer fica resguardada pela própria tipologia. Entre os vizinhos, a privacidade é mantida com a colocação de algumas árvores e vegetação que criam uma cortina verde, resguardando o espaço social de cada casa. A orientação de cada uma das tipologias acaba por também favorecer essa privacidade, através de pequenas rotações. 14 Artigo cedido pelo atelier de arquitectura Souto Moura - Arquitectos Lda., em resposta a um pedido de informação sobre o projecto, através de e-mail, em 18/06/2009. A transformação disciplinar do século XX

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5

5

5

3 2

1m1m

0 0

4m4m

NN

0

2m0

2m

2

2

2

10m

N 10m

N

Zona pública / social Zona pública / social Zona social

1 Entrada1/ zona de distribuição Entrada / zona de distribuição Entrada/distribuição Entrada principal / distribuição Entrada principal / distribuição Entrada principal

5 W.C. 5 W.C. Instalação

Zona privada Zona privada Zona íntima

Quartos Acesso à açoteia Acesso Acesso àà açoteia cobertura2 Quartos2 Quartos

Lavandaria 6 Lavandaria 6 Lavandaria

Zona semi-pública Zona semi-pública Zona mista

0

2m

10m 3 Zona de3 estar / refeições Zona de N estar refeições Zona de /estar

4 Cozinha4 Cozinha Cozinha

0 0

2m

10m

N

2m

10m

N

9 Páteos 9 sanitária

7 Escritório 7 Escritório Escritório 8 Garagem 8 Garagem Garagem

1 Entrada / zona de distribuição

5 W.C.

2 Quartos

6 Lavandaria

3 Zona de estar / refeições

7 Escritório

4 Cozinha

8 Garagem

9 Páteos Pátio

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Zona pública / social

Entrada principal / distribuição

Zona Zona privada pública / social Zona semi-pública Zona privada 6 5 Zona semi-pública

Acesso à cobertura Entrada principal / distribuição Acesso à cobertura 8

9

9 9 5

7

4 1 5

5

5

3 2

2m

0 0

2m Zona pública / social

2

10m

N

10m

N

2

2

109

Entrada principal / distribuição

Zona privada Acesso à cobertura 1 Entrada / zona de distribuição 5 W.C. 9 Páteos Fig.108 - Planta esquemática da habitação em Zona semi-pública 2 Quartos 6 Lavandaria

estudo, identificando as zonas social, íntima e mista

3 Zona de estar 7 Escritório / refeições Fig.109 - Planta esquemática da habitação em estudo, identificando os diferentes compartimentos 4 Cozinha

132

8 Garagem

A transformação disciplinar do século XX

Páteos


Analisando a planta da fig.107, observam-se três factos interessantes que se destacam das tipologias analisadas anteriormente. O tema dos pátios é recuperado, a luz é tratada com a devida importância, existindo clarabóias de iluminação que servem as zonas menos iluminadas da habitação, e a área exterior incorpora uma piscina. Estamos perante uma tipologia que busca referências nos modelos dos antepassados muçulmanos da casa pátio e, ao mesmo tempo, procura a sua reinterpretação e adaptação aos tempos modernos e às necessidades presentes sustentados na cultura arquitectónica. O espaço envolvente à habitação é, assim como no caso de estudo de Alporchinhos, destinado ao lazer. Neste caso, em vez de uma cisterna para recolha de água da chuva, existe uma piscina para desfrute dos utentes. De uma forma geral, a divulgação e implantação das piscinas nas tipologias de férias torna-se corrente e passa a ser um pré-requisito na construção deste novo modelo de habitação. Existem novos compartimentos adicionados ao programa habitacional. Neste caso, destacam-se a lavandaria, o escritório e o lugar de estacionamento. Estas novas funções, introduzidas ao longo do século XX, estão finalmente implantadas em praticamente todos os modelos habitacionais desta época. A introdução da garagem como parte da habitação é a alteração mais significativa a referir. O automóvel já está implementado na sociedade e passa a ser o utilitário de eleição dos consumidores, logo, começa a ser integrado um compartimento na habitação destinado a guardá-lo. Faz parte do conforto exigido pela sociedade do final do século XX que o estacionamento seja coberto e o mais próximo possível da habitação, de preferência com acesso directo ao interior da mesma. Neste caso, é isso que acontece. Outro facto relevante na evolução deste modelo, é o número de quartos existentes e a sua autonomia em relação à habitação, onde cada quarto dispõe de instalação sanitária própria. Todos têm uma dimensão idêntica, não existindo hierarquia entre eles. A repetição, racionalidade e funcionalidade características do modernismo, estão presentes neste exemplo. Os módulos dos quartos estão dispostos em sequência, têm A transformação disciplinar do século XX

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Verão

Inverno

2m

0

10m

110 Verão

Inverno

2m

0

2m

0

10m

2m

0

10m

10m

111

0

2m

10m

Fig.110 - Esquema demonstrativo da entrada de luz solar nos períodos de Inverno e de Verão Fig.111 - Esquema demonstrativo da recolha e evacuação da água da chuva Fig.112 - Esquema demonstrativo do efeito das ondas de calor e da sua evacuação do interior

0

134

2m

10m

A transformação disciplinar do século XX

112


o acesso através do mesmo corredor e estão todos virados para o mesmo lado. Os pátios estruturam e relacionam partes do programa, nomeadamente, a entrada social, a entrada de serviço e a zona mista que incorpora a área de serviços. Deste modo, estabelecem a ligação entre algumas divisões da habitação e servem, também, para a ventilação e iluminação dessas divisões. A entrada principal é efectuada através do pátio maior para um pequeno átrio de distribuição, a partir do qual se acede directamente à sala de estar, à cozinha ou ao corredor que conduz aos outros compartimentos da habitação. A forma como o autor estrutura a entrada na habitação remete para a organização espacial da tipologia muçulmana (Catarino, 1999: 99). Existe uma separação bem distinta das zonas social, mista e íntima. Formalmente, estão divididas por secções dispostas segundo um organigrama funcional, interligadas pelo átrio e corredor de distribuição. No esquema da fig.108, observam-se as relações entre as diferentes zonas, a sua disposição funcional e dimensional. O eixo da entrada principal divide as zonas mistas, ficando a cozinha, lavandaria e arrumos do lado Poente, e a instalação sanitária principal, o escritório e a garagem a Nascente. O corredor de acesso e de distribuição separa e dá acesso aos quartos e a uma das zonas mistas. A zona social fica directamente relacionada com o eixo principal da entrada, como acontece em todos os exemplos analisados anteriormente. A formalização da tipologia, apesar das restrições existentes, tenta tirar o melhor partido da entrada de luz solar em todos os compartimentos. Como já foi referido, existem clarabóias na cobertura que levam a iluminação natural às zonas menos iluminadas da tipologia, e os pátios também acabam por cumprir esta função. Na fachada Sul, onde se encontra o grande vão com vidro correspondente aos quartos e à zona social, a entrada de luz solar é directa e é controlada pelo recuo do vidro em relação ao topo da laje, formando uma protecção, como demonstra o esquema da fig. 110. Nesta habitação, não existe aproveitamento da água da chuva. A água que cai A transformação disciplinar do século XX

135


113

114

115 Fig.113 - Entrada para a garagem, onde se podem observar alguns volumes da cobertura Fig.114 - Entrada principal e conjunto de volumes puros localizados na cobertura Fig.115 - Fachada Sul da casa

136

A transformação disciplinar do sÊculo XX


na cobertura é encaminhada para o exterior da habitação, mais concretamente para o terreno envolvente, e a que cai nos pátios é recolhida através de um sistema de recolha de águas pluviais. A vertente sustentável existente nos antepassados analisados é esquecida. Existe uma despreocupação, neste caso, em relação ao aproveitamento do recurso hídrico proveniente da natureza, que continua a ser escasso na região. Para a construção desta tipologia, são utilizados materiais e tecnologias actuais. É utilizado o betão armado na concepção da volumetria exterior da habitação, o que permite uma maior plasticidade e liberdade construtiva, e no interior são utilizadas paredes de alvenaria15. A utilização do betão armado permite a execução do grande vão existente na fachada Sul da habitação, e também permite a execução dos elementos que assentam na cobertura do edifício. Em termos de isolamento térmico, o betão armado funciona como uma caixa protectora e ajuda a manter o calor no exterior. Aliado a este facto, alguns dos elementos existentes na cobertura, mais propriamente as clarabóias e o paralelepípedo que se situa sobre o corredor de circulação, facilitam a circulação do ar no interior e a consequente extracção do calor pela cobertura, como demonstra o esquema apresentado na fig.112. Esta tipologia, apesar de depurada, apresenta símbolos que podem ser considerados iconológicos. De uma forma sintética esta casa resume uma série de formalismos que remetem para a casa ancestral do Algarve. A sua imagem sugere uma casa de um só piso, com açoteia e mirante, associada à casa vernacular algarvia de Olhão. Além disso, os elementos puros e brancos na cobertura, à imagem de Le Corbusier, remetem para influências regionais ancestrais: a cúpula para as origens árabes, a pirâmide para os telhados de Tavira, o paralelepípedo para o mirante, e a chaminé, sem estar decorada, ganha o protagonismo existente no modelo vernacular. O facto é que, apesar de estilizados e depurados, os símbolos aqui existentes 15

Segundo os desenhos construtivos cedidos pelo atelier de arquitectura Souto Moura - Arquitectos Lda.,

em resposta a um pedido de informação sobre o projecto, através de e-mail, em 18/06/2009. A transformação disciplinar do século XX

137


apresentam um carácter iconológico de origem, ou inspiração vernacular. Apesar da sua aplicação não ser exclusivamente formal, são fruto da reinterpretação dos ícones regionais pelo arquitecto. Neste caso, estes símbolos acabam por caracterizar e identificar a tipologia, atribuindo-lhe uma identidade regional. Sem eles, a tipologia apresentava-se como um simples volume que pode ser adaptado a qualquer parte do mundo.

138

A transformação disciplinar do século XX


4 Permanências na identidade, transmitidas entre a casa popular do século XIX e a casa popular do século XX

139



Neste último capítulo, pretende perceber-se o caminho evolutivo que a casa algarvia seguiu a nível tipológico e iconológico e quais foram as contaminações ao longo deste processo, desde a arquitectura vernacular até ao final do século XX. São, portanto, comparados os modelos analisados anteriormente, revelando as alterações formais, funcionais e estéticas existentes, assim como as influências e permanências presentes. Esta comparação permite traçar uma ideia deste processo evolutivo, durante o último século. Os modelos comparados correspondem às casas populares do século XIX analisadas no segundo capítulo, e às casas concebidas e desenvolvidas por arquitecto do século XX, analisadas no terceiro capítulo. Esta escolha permite uma avaliação mais coerente do desenvolvimento da casa algarvia na região, segundo as tendências, formalizações e interpretações arquitectónicas feitas em diferentes décadas, por diferentes autores. Após esta análise comparativa é efectuada uma reflexão, mais abrangente, sobre a realidade dos primeiros anos do século XXI, mostrando um retrato da realidade, visto que a grande maioria das tipologias não são feitas por autores. Os casos mencionados visam gerar uma crítica construtiva, sempre sustentada em teorias de críticos de arte e de arquitectura, para que desta forma seja uma análise coerente e consistente. Esta reflexão contribui para a conclusão deste estudo, deixando em aberto uma possível evolução do modelo tipológico e iconológico para o século XXI.

Permanências na identidade da casa popular

141


10m

N N

Escala dos esquemas

Adega / lagar Adega/lagar Latrinas Latrinas

0

Pocilga / galinheiro Galinheiro/pocilga

2m

10m

Habitação Cisterna / recolha de àguas

Pátios Páteos

Acesso à cobertura Árvores

Piscina Acesso à cobertura Árvores

N

10m

0

Horta / Pomar 0

ecolha de àguas

ecolha de àguas

10m

2m Habitação Habitação Armazém/outros Armazém / Outros Armazém/outros Cisterna/piscina Cisterna / recolha de àguas Cisterna/piscina Habitação

0

Outros

Outros

2m

0

2m

10m

Galinheiro W.C.

Habitação

Envolvente construida N Latrinas

Envolvente construida

Galinheiro

Armazém / Outros

116 2m

118

N

10m

Habitação Cisterna / recolha de àguas Acesso à cobertura Árvores

Cisterna / recolha de àguas

0

2m

10m

N

Habitação Cisterna / recolha de àguas Acesso à cobertura Árvores

0 10m

2m

10m

N Habitação Armazém Adega / Outros / lagar

N 2m 0 117 Adega / lagar

Latrinas

Habitação

Entradas de luz Pocilga / galinheiro Cisterna -/Galinheiro recolha de àguas popular urbana, Fig.116 Tipologia século XIX

Pocilga

119

N

10m 0

2m

Páteos

Piscina

Fig.117 - Tipologia popular rural, século XIX Acesso à cobertura Árvores

Fig.118 - Casa em Alporchinhos, década de 1960 Fig.119 - Casa na Quinta do Lago, década de 1980

142 Permanências na identidade da casa popular

Habitação Páteos Piscina Acesso à cobertura Árvores

10m

N

N


4.1 Comparação tipológica e iconológica dos casos estudados

Para uma melhor percepção das diferenças entre os objectos arquitectónicos, devem ser observados os esquemas e imagens que são apresentados ao longo deste capítulo. Os desenhos estão dispostos segundo ordem cronológica, apresentados à mesma escala e com a indicação do Norte geográfico. A comparação é feita segundo uma sequência ordenada por diferentes valores: implantação e caracterização do terreno envolvente; compartimentos de apoio adjacentes e suas funções; formalização e dimensão do modelo tipológico; organização funcional e espacial da tipologia; imagem e símbolos iconográficos. Os quatro casos de estudo apresentam diferentes implantações com condicionantes envolventes distintas, como se pode observar. Estas discrepâncias advêm de factores de carácter urbano, natural e social, e influenciam directamente a disposição da tipologia no terreno. A tipologia da fig.116 situa-se inserida na malha urbana, situação que condiciona a sua dimensão e o seu posicionamento. Na fig.117, a tipologia está situada numa zona rural onde a construção existente é dispersa, e os terrenos envolventes são de grandes dimensões, por isso, não existem condicionantes especias que afectem a sua implantação. A fig.118 reflecte uma das primeiras mudanças na inserção no terreno das casas no Algarve. Neste caso, a habitação está envolvida pelo lote correspondente, delimitado por muros, o que lhe confere uma maior liberdade conceptual e posicional. Esta mudança também está presente no caso da fig.119, mas com uma diferença: este modelo está inserido numa urbanização que prevê este tipo de situações. Assim, o projecto já é efectuado segundo as condicionantes existentes. No entanto, existe algo de comum entre alguns dos objectos arquitectónicos em estudo. Os casos das figs.117, 118 e 119, apresentam uma implantação que tem em conta a disposição solar. Nestes casos, a maioria dos seus vãos são orientados para a mesma direcção, Sudeste. Observando atentamente, o caso da fig.117, volta a sua fachada principal, o da fig.118, volta a sua entrada e zona de lazer, e o caso da fig.119, volta a sua fachada envidraçada e a zona de lazer. O único caso que apresenta uma orientação diferente é o apresentado na fig.116. Isto deve-se ao facto desta tipologia Permanências na identidade da casa popular

143


1m

0

4m

N

Zona pública / social Zona social

Entrada principal / distribuição Entrada principal

Zona privada Zona íntima

Acesso à açoteia Acesso à cobertura

Escala dos esquemas 0

2m

10m

N

Zona semi-pública Zona mista Zona pública / social

Entrada principal / distribuição

Zona privada

Acesso à cobertura

Zona semi-pública

1m

0

0

2m

10m

N

Habitação

4m

N

120

Zona pública / social

Entrada principal / distribuição

Zona privada

Acesso à açoteia

Zona semi-pública

Horta / PomarAcesso ao quintal / Entrada secundária

Armazém / Outros

Galinheiro

Cisterna / recolha de àguas

W.C.

2m

0

Habitação Envolvente construida Cisterna / recolha de àguas Acesso à cobertura

N

10m

2m

0

122 10m

N

Árvores

Zona pública / social

Acesso à cobertura

Zona privada

Entrada

Zona semi-pública

0

1m

4m

N

Zona pública / social

Entrada principal / distribuição

Zona privada

Acesso à açoteia

Zona semi-pública

0

2m

10m

121

N

Habitação

Adega / lagar

Armazém / Outros

Galinheiro

Cisterna / recolha de àguas

Pocilga

0

2m Habitação Entradas de luz

10m

0

123

N 2m

10m

N

Páteos Piscina

Acesso à cobertura Fig.120 - Tipologia popular urbana, século XIX Árvores

Fig.121 - Tipologia popular rural, século XIX Fig.122 - Casa em Alporchinos, década de 1960 Fig.123 - Casa na Quinta do Lago, década de 1980

144 Permanências na identidade da casa popular

Zona pública / social

Entrada principal / distribuição

Zona privada

Acesso à cobertura

Zona semi-pública


estar condicionada pela envolvente urbana directa, ao contrário das restantes. Outra diferença que sobressai nos modelos analisados é a existência de compartimentos exteriores na proximidade da tipologia da habitação, nos conjuntos populares, e a inexistência dos mesmos nos modelos mais recentes. Normalmente, os anexos estavam associados às actividades agrícolas e à criação de animais para consumo e essas actividades deixam de fazer parte do quotidiano dos utilizadores dos modelos tipológicos mais contemporâneos. Nos modelos populares, existe ainda um compartimento exterior que corresponde à latrina e lavabos. Nas tipologias mais recentes, deixa de existir esse compartimento no exterior, passando a ser integrado na habitação com o nome de instalações sanitárias. As cisternas desaparecem à medida que o modelo habitacional vai evoluindo, aparecendo a piscina no seu lugar. Estas mudanças estão relacionadas, sobretudo, com a mudança do estilo de vida da sociedade, ao longo das épocas analisadas e com a evolução das redes de infra-estruturas de água. Analisando a formalização e dimensão das tipologias de habitação, observa-se que existe um aumento de área habitável ao longo da sua evolução. Comparativamente, nos modelos populares, a área habitável é praticamente idêntica. O facto de se construir com materiais e técnicas tradicionais condiciona a dimensão da tipologia. Além disso, a utilização do espaço habitável é reduzida à essencial, condicionandoa formalmente. Com a implementação do betão armado na indústria da construção, existe uma maior liberdade conceptual para a formalização dos objectos arquitectónicos (Richards, 1961: 40), assim, os casos mais contemporâneos apresentam diversidade formal e maior escala. Contudo, o factor material não é o único responsável pelo aumento da área dos novos modelos. O factor económico, a evolução do espaço social e a integração de diferentes utilizações na habitação, são preponderantes para o aumento de escala destas tipologias mais recentes. Nos esquemas apresentados nas figs.120, 121, 122 e 123, são bem visíveis as diferenças de escala entre os modelos analisados. As tipologias populares são, aproPermanências na identidade da casa popular

145


124

126

125

127

Fig.124 - Casa popular urbana, século XIX, imagem iconológica Fig.125 - Casa popular rural, século XIX, imagem iconológica Fig.126 - Casa em Alporchinos, década de 1960, imagem iconológica Fig.127 - Casa na Quinta do Lago, década de 1980, imagem iconológica

146 Permanências na identidade da casa popular


ximadamente, da dimensão da zona social da casa na Quinta do Lago, e existe uma razão para que isso aconteça. Ao longo da evolução tipológica, a zona social mantém a sua importância dentro da habitação, mas destaca-se da cozinha e funciona como espaço isolado, onde se passam a realizar todas as actividades sociais relacionadas com o lazer, levando a um aumento da sua área. A cozinha passa a funcionar independente e fechada, como uma zona para confecção de alimentos. Existe um aumento significativo do conjunto dos compartimentos correspondentes à zona mista, desde o modelo popular. Este aumento prende-se com questões de ordem funcional e organizacional. Os compartimentos integrados e considerados mistos, que no passado popular correspondiam, sobretudo, a zonas de armazenamento, correspondem nos casos mais modernos a outros compartimentos, como por exemplo, instalações sanitárias, garagem automóvel, cozinha, escritório, lavandaria e arrumos. As zonas íntimas, nos casos modernos, também aumentam de escala e, no modelo dos anos 80, cada quarto dispõe de instalação sanitária própria. Estas modificações são significativas e prendem-se, sobretudo, com a evolução do tempo e da sociedade, bem como com as novas necessidades e exigências. Independentemente da evolução do tempo e da sociedade, com os seus valores, os símbolos da arquitectura popular algarvia continuam presentes nas tipologias analisadas. Nos casos populares, encontram-se alguns ícones em ambos, mas não existe uma correspondência iconológica muito directa. São, contudo, exemplos que se enquadram no modelo tipológico vernacular algarvio, através de factores de ordem material e funcional. Os modelos mais recentes são obras de autor, e como tal reflectem a sua interpretação e materialização dos ícones e símbolos existentes na região, o que leva a que existam referências iconológicas regionais, apesar de estilizadas e simplificadas. No entanto, não são apenas os símbolos que são interpretados, alguns aspectos ancestrais que se prendem com a formalização da tipologia também estão presentes nos modelos de autor. Ambas as tipologias são de um só piso, possuem acesso à cobertura, são de cor branca, e reinterpretam valores ancestrais, como o caso da cisterna com Permanências na identidade da casa popular

147


eirado, ou do pátio, fazendo lembrar as casas caiadas da antiguidade vernacular. Nas tipologias analisadas, há um avanço tecnológico e técnico entre os modelos do século XX e os modelos populares, tanto no aspecto material como no funcional. Apesar dos elementos ancestrais ligados à sustentabilidade desaparecerem com o evoluir da tipologia, recuperam-se os elementos essenciais para o seu enquadramento na região, sem que se perca o seu carácter evolutivo. Este é o factor mais significativo que diferencia as tipologias de autor analisadas, das restantes demonstradas na caracterização da casa algarvia na segunda metade do século XX. Existe uma evolução coerente com o pensamento arquitectónico presente na época, em que cada modelo é projectado e construído, e os elementos iconológicos são integrados juntamente com o conceito arquitectónico.

148 Permanências na identidade da casa popular


4.2 A casa algarvia durante a primeira década do século XXI

“Segundo uns, deve-se construir com os olhos postos no passado, e a aplicação, embora estilizada, dos antigos elementos regionais que já prestaram as suas provas resistindo ao tempo é indispensável para garantir uma certa expressão característica, um certo pitoresco, e, desse modo, um completo acerto. Segundo outros, tantos e tão variados factores – técnicos e espirituais, económicos e sociais, geográficos e climatéricos – influem no modo de construir e na expressão dos edifícios, que estes não podem deixar de variar quando qualquer daqueles factores varia, e de ter uma evolução muito mais profunda e complexa do que essa de utilizar os velhos elementos decorativos e construtivos. A verdadeira expressão regional das construções deverá ser, portanto, a resultante de todos os factores que ordenam a vida de determinada região, ou determinado momento, e nunca o simples revestimento decorativo com motivos típicos, por mais característicos que sejam” (Amaral cit. in CML, 1999: 113). Infelizmente, a grande maioria dos casos existentes não segue esta via e as referências que apresentam baseiam-se na reprodução de elementos iconológicos, híbridos e desarticulados com a tipologia onde se inserem. Apesar de existirem autores que defendem e preferem a existência de elementos híbridos, ambíguos, distorcidos, convencionais, redundantes, perversos, inconsistentes e equívocos na arquitectura (Venturi cit. in Montaner, 2002: 125), essa preferência traduz-se na caracterização puramente formal do objecto arquitectónico. A imagem que daí resulta acaba por distorcer e descurar o que realmente interessa no espaço construído, contribuindo para uma descaracterização total do mesmo. A busca incessante de recriar o passado algarvio através de artefactos visuais, fruto do imaginário de promotores, construtores, técnicos e clientes, gera um ambiente fantasiado, onde se cultiva o apreço pela imagem reproduzida por estes modelos. No entanto, essa liguagem imagética acaba por caracterizar as tipologias da região do Algarve e as diferenciar de outras, no panorama nacional e internacional. É, portanto, uma questão ambígua que não deve ser desconsiderada, onde a identidade ancestral Permanências na identidade da casa popular

149


128

129 Fig.128 - Panfleto imobiliário de promoção e comercialização de casas algarvias no ano de 2010 (frente) Fig.129 - Panfleto imobiliário de promoção e comercialização de casas algarvias no ano de 2010 (verso)

150 Permanências na identidade da casa popular


dá lugar a uma nova identidade. O desejo associado a este tipo de habitações pode ter origem no fenómeno que o autor Neil Leach caracteriza como “anestética” (Leach, 2005). No seu livro, é desenvolvida uma nova crítica que aborda a influência e a consequência que a crescente preocupação com a imagem, proporcionada pela arquitectura, exerce sobre a sociedade de consumo dos finais do século XX. Pode-se assimilar que a imagem da casa de luxo, promovida para turistas endinheirados e emigrantes que procuram ostentar a riqueza conquistada, associada aos fragmentos iconológicos que fazem parte da memória colectiva e do gosto ancestral pelo factor decorativo, acaba por inebriar a mentalidade da população geral. Por tudo isso, este modelo passa a ser desejado e os populares procuram reproduzi-lo ou adquiri-lo. A promoção feita para a venda de casas algarvias, expressa no panfleto publicitário apresentado nas figs.128 e 129, explora a vertente iconológica da tipologia de habitação e apresenta uma série de estímulos visuais que tentam cativar o espectador para a compra do modelo. A chaminé surge em primeiro plano, em conjunto com uma série de designações técnicas que apenas descrevem alguns luxos que a habitação contém, descuidando a sua materialização ou a qualidade do espaço construído. Na parte posterior, estão retratadas várias imagens, onde o conjunto de casas surge intercalado com imagens de lazer e paisagens que remetem para uma sensação de bem-estar, concorrendo para a criação da felicidade do Homem. Pretende-se promover uma imagem ilusória de perfeição, onde as qualidades do espaço construído nunca são postas em causa. Mais uma vez, citando Neil Leach, percebe-se que este caminho pode não ser o mais correcto e coerente para o futuro desenvolvimento das habitações: “As consequências disto são profundas. O facto de se privilegiar a imagem levou a uma compreensão empobrecida do espaço construído, transformando o espaço social numa abstracção fetichizada. A vivência directa foi reduzida a um sistema de significação Permanências na identidade da casa popular

151


130 Fig.130 - Casa no Algarve, em Alcantarilha, promovida para aluguer durante o perĂ­odo de fĂŠrias

152 PermanĂŞncias na identidade da casa popular


codificado, e com a crescente valorização da percepção visual, reduziu-se proporcionalmente outras formas de percepção sensorial” (Leach, 2005: 25,26). O processo evolutivo da tipologia segue o rumo da globalização. São implementados os materiais industrializados e são produzidos modelos em massa com especificidades regionais, baseadas em elementos iconológicos vernaculares, misturados com fragmentos de outras culturas. Esta mistura desarticulada formaliza as denominadas “casas dos emigrantes” (Dias, 2006: 33) que o arquitecto Manuel Graça Dias caracteriza como um dos fenómenos com maior ocorrência no nosso país. De facto, ao procurar no motor de busca de imagens da internet por vivenda Algarve, a imagem que surge em primeiro lugar é a apresentada na fig.130, o que pode reflectir o cultivo e apreço por este modelo tipológico na região ou, pelo menos, a sua divulgação e promoção. “«A imagem mata», como afirma Henri Lefebvre, e não pode substituir a riqueza da experiência vivida” (Leach, 2005: 26). Neste contexto, surgem os casos de estudo de autor analisados, que recorrem à interpretação de ícones regionais e nos quais coexistem, em harmonia, valores ancestrais com conceitos arquitectónicos do século XX. É, consequentemente, possível manter a identidade, sem rendição à simples reprodução de imagens.

Permanências na identidade da casa popular

153



A casa algarvia do século xx Uma interpretação iconológica e tipológica

Conclusão

155



O Algarve apresenta características naturais, culturais e sociais próprias que favorecem a criação de uma identidade regional, caracterizadora do povo algarvio e das suas habitações. A localização geográfica da região, não só proporciona condições de habitabilidade únicas que favorecem um tipo de vivência dependente dos factores climatéricos, geológicos e geográficos, como também proporciona um conjunto de relações culturais que contribuem para o desenvolvimento erudito do povo local. O facto do Algarve se situar na proximidade do mar, das rotas marítimas do mediterrâneo e do Norte de África, define uma tendência que se reflecte na materialização das construções locais, tornando-as num caso invulgar e singular na construção nacional. Estas especificidades contribuem, de um modo geral, para que a população, no final do século XIX, seja associada à civilização do barro, pois apresenta sinais de culturas ancestrais muito fortes na construção tipológica e iconológica, especialmente da cultura mediterrânica e da árabe. As casas vernaculares algarvias adoptam técnicas construtivas, modelos e símbolos que remetem para as culturas mencionadas, com alterações, apropriações

e

expressões próprias do povo local que habita a região até, e durante, o século XIX. É nesta simbiose que se geram as particularidades tipológicas e iconológicas presentes nas habitações regionais, que tanto as caracteriza e identifica como casas populares algarvias. Estas reflectem não só as aculturações ancestrais, como também os gostos dos populares, o que as torna num modelo individualizado, não existindo dois casos iguais. Assim, pode falar-se de valores que transmitem uma identidade cultural regional através da sua materialidade, organização funcional e espacial, e uma identidade individual no uso dos elementos iconológicos, onde a imagem do conjunto de ícones sobressai, visualmente, relativamente à constituição material e funcional do objecto arquitectónico. Durante o século XX, a civilização do barro começa a extinguir-se perante uma emergente civilização industrializada, moderna, que ganha protagonismo na região a partir da década de 1920. A industrialização dos processos construtivos, associada ao Conclusão

157


aparecimento de novos materiais de construção, constitui um dos factores mais importantes para a quase extinção da construção em terra e para a alteração tipológica e iconológica das habitações. Os elementos iconológicos passam a ser estandardizados e a sua propagação ocorre por toda a região, com uma diferença: deixam de ser elementos únicos que reflectem a especificidade do gosto e as posses económicas do proprietário de cada casa, e passam a ser ícones reproduzidos com a intenção de afirmar a identidade regional. As tipologias, no geral, mantêm a sua organização funcional durante as primeiras décadas do século XX, no entanto, começam a surgir algumas casas burguesas, inspiradas em palacetes historicistas, que influenciam as casas dos populares, o que acaba por alterar a essência da tipologia local. Este é um ponto fulcral de viragem na caracterização identitária da casa algarvia. Pode, portanto, considerar-se que existe uma contaminação do modelo tipológico devido à industrialização e à introdução dos novos materiais na construção, deixando assim de ser um modelo de origem popular, para passar a ter referência popular. No entanto, estes não são os únicos factores geradores de tais transformações. O Estado Novo com as suas políticas arquitectónicas ruralizantes, contribui para que exista um bloqueio ao Modernismo, e um consequente atraso na evolução da arquitectura nacional e local. Posteriormente, o aparecimento do turismo na região, responsável pelo surgimento da casa de férias, torna-se o grande impulsionador da propagação da nova casa algarvia, e os promotores imobiliários tornam-se os seus divulgadores. A introdução do modelo de casa de férias que traduz o gosto e o imaginário do turista estrangeiro, em conjunto com a reutilização de elementos tipológicos e iconológicos regionais, vêm alterar a essência da casa algarvia, por completo. Esta tendência ganha uma maior expressão durante os anos 80 do século XX e propaga-se até ao século XXI. Numa época em que se vive do consumo e da imagem, a reprodução deste novo modelo em grande número aumenta o mercado da oferta, o que acaba por motivar a própria procura. É um fenómeno recíproco que cultiva o gosto por este modelo, onde são mantidos valores regionais, sobretudo iconológicos, adulterados por técnicos 158

Conclusão


desqualificados ou reinterpretados por técnicos qualificados, para o bem e para o mal. De facto, a imagem que estes novos modelos transmitem, observada de um modo geral, acaba por reflectir uma grande homogeneidade formal, tal como no passado vernacular, mas não transmite especificidade e identidade. A base para a sua concepção é deturpada pelas políticas do Estado Novo durante a ditadura e pela introdução do novo modelo de casa de férias e de casa de emigrante. Esta nova tipologia apresenta algumas variações funcionais e organizacionais que acabam por ser descontextualizadas, e os elementos iconológicos utilizados são estandardizados. Na sua origem, esta recriação vernacular acaba por ser falsa, mas a propagação deste modelo em grande escala, atribui uma identidade característica a estas novas tipologias regionais. É falível dizer que a nova casa reflecte a identidade do povo algarvio. Reflecte, antes, uma nova identidade baseada na contaminação multicultural, importada com o turismo e com o regresso dos emigrantes, vivida ao longo do século XX e que ainda se encontra em transformação no século XXI. Consequentemente, é importante reflectir sobre esta evolução tipológica para perceber de que modo se pode alterar o futuro da casa na região do Algarve. Não se deve continuar a reproduzir um modelo de habitação descontextualizado e despreocupado com a sua integração física, que apenas estabelece uma relação cultural com o seu passado popular através de marcos tipológicos e símbolos iconológicos. Tal é importante, mas não suficiente. Responder às preocupações urbanísticas e ecológicas inerentes ao século XXI, e às necessidades da sociedade contemporânea, devolvendo ao modelo uma evolução coerente, torna-se urgente, tal como foi demonstrado através dos casos de estudo. É fundamental reavaliar os métodos construtivos, viáveis e sustentáveis, utilizados na casa vernacular algarvia, e retirar valiosas lições para utilizar no futuro. Não se pretende com esta afirmação recuar à construção em terra. Deve-se retirar as vantagens existentes neste tipo de construção que, como foi demonstrado, prevalece na Conclusão

159


região durante muitos séculos e sofre alterações a partir da segunda metade do século XX. A solução deve passar pela utilização das novas tecnologias em simbiose com os materiais ancestrais, desenvolvendo-se um método construtivo mais eficiente para a região em questão. Assim, o saber ancestral baseado na economia dos recursos e no aproveitamento maximizado do espaço deve ser tido em conta. A integração na paisagem, a orientação e exposição solar, a recolha e o aproveitamento da água da chuva, o pátio, a açoteia e, mesmo, a dimensão e organização dos modelos habitacionais são valores ancestrais de máxima importância no que concerne às tipologias vernaculares. Porém, os novos modelos tipológicos devem ir mais além. A experiência e a vivência do espaço construído, neste caso, da habitação, são factores importantes para o bemestar do seu habitante, por isso, não devem ser esquecidos nem menosprezados durante a sua concepção. Conscientes da necessidade de minimizar o impacto na paisagem natural e urbana, os técnicos qualificados têm a responsabilidade de, na fase de estudo e projecto, calcular ponderadamente os recursos utilizados na sua construção e manutenção, alertando e aconselhando os clientes, consciencializando-os para os problemas e as maisvalias a eles associados. Não é coerente que uma habitação para férias gaste mais recursos e exija uma maior manutenção do que uma habitação de carácter permanente. Não é, ainda, lógico que uma habitação, para férias ou para residência permanente, seja construída menosprezando todos estes valores e ensinamentos ancestrais bem como os conceitos contemporâneos que a arquitectura transmite, e se integre, apenas, com base na imagem vernacular dos modelos populares. Essa imagem popularizada não pode servir para camuflar uma construção de qualidade duvidosa, que não oferece novas vantagens nem transmite novos conceitos. Apenas se repete um sistema construtivo, revestido por acabamentos de qualidade, ou de luxo, como se pode ler em muitos dos panfletos imobiliários promocionais, que mais uma vez servem para desviar da verdade que é o espaço. Esta qualidade não se atinge através de artefactos, mas sim de conceitos arquitectónicos que se transfor160

Conclusão


mam, posteriormente, em espaço construído oferecendo ao seu habitante a verdadeira qualidade de habitabilidade. Alcançadas as anteriores conclusões, torna-se adequado reformular o conceito de casa algarvia, tanto no aspecto tipológico e iconológico, como nos valores e características ecológicas que este novo modelo pode recuperar do seu passado vernacular, sem nunca esquecer as necessidades, vivências, relações, utilizações e valores, contemporâneos à sociedade do século XXI. A casa, como objecto arquitectónico que é, onde se sintetizam e formalizam os conceitos mais básicos da arquitectura, deve ser fruto de um estudo congruente e consistente acerca de todos os factores que influem directamente na sua concepção. Deve, também, reflectir o pensamento arquitectónico contemporâneo à sua construção. Deste modo, a evolução do modelo torna-se reflexo do seu tempo, onde a utilização, experiência e vivência do espaço construído devem ser exigências pré-estabelecidas e não espelho de modelos de habitação inconsistentes e obsoletos. Deste modo, o modelo de casa algarvia pode seguir uma evolução espacial e temporal equilibrada, culta e coerente com o seu antecedente cultural e popular.

Conclusão

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Créditos gráficos

Fig.1 – Google Earth Fig.2 - Google Earth Fig.3 – in ANTUNES, Alfredo Mata et al - Arquitectura Popular em Portugal, 3º volume, zona 5 e zona 6. 3ª ed. Lisboa: Associação dos Arquitectos Portugueses, 1988, pág. 174 Fig.4 – Google Earth Fig.5 – Google Earth Fig.6 – Google Earth Fig.7 – Agência Portuguesa do Ambiente - Mapa de Insolação em Portugal. 2007 [em linha] Atlas do Ambiente [consult. em 08 de Julho 2010]. Disponível em http://www. iambiente.pt/atlas/est/index.jsp?zona=continente&grupo=&tema=c_insolaçao Fig.8 – Agência Portuguesa do Ambiente - Mapa de Insolação em Portugal. 2007 [em linha] Atlas do Ambiente [consult. em 08 de Julho 2010]. Disponível em http://www. iambiente.pt/atlas/est/index.jsp?zona=continente&grupo=&tema=c_temperatura Fig.9 – in RAPOSO, Isabel - Alte na roda do tempo. 1ª ed. Alte: Casa do Povo de Alte, 1995, pág. 18 Fig.10 - Esquema da planta da tipologia feito em InDesign pelo candidato Fig.11 – in RAPOSO, Isabel - Alte na roda do tempo. 1ª ed. Alte: Casa do Povo de Alte, 1995, pág. 19 Fig.12 - Esquema da planta da tipologia feito em InDesign pelo candidato Fig.13 – in MARQUES, Maria da Graça (cordenadora) - O Algarve da antiguidade aos nossos dias. Lisboa: Edições Colibrí, 1999, pág. 36, posteriormente trabalhada em Photoshop pelo candidato Fig.14 – in MARQUES, Maria da Graça (cordenadora) - O Algarve da antiguidade aos nossos dias. Lisboa: Edições Colibrí, 1999, pág. 314 Fig.15 – in MARQUES, Maria da Graça (cordenadora) - O Algarve da antiguidade aos nossos dias. Lisboa: Edições Colibrí, 1999, pág. 313 Fig.16 – in MARQUES, Maria da Graça (cordenadora) - O Algarve da antiguidade aos nossos dias. Lisboa: Edições Colibrí, 1999, pág. 54 Fig.17 – in MARQUES, Maria da Graça (cordenadora) - O Algarve da antiguidade aos nossos dias. Lisboa: Edições Colibrí, 1999, pág. 55 167


Fig.18 – in AMADO, Adelaide - A carta de doação de Albufeira à Ordem de Avis 1250. Albufeira: Câmara Municipal de Albufeira, 1997, pág. 35 Fig.19 – in FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Ana - A casa popular do Algarve - espaço rural e urbano, evolução e actualidade. Faro: Comissão de Cordenação e Desenvolvimento do Algarve (CCDRA), 2008, pág. 144 Fig.20 – Aspecto da Alcáçova do Castelo de Silves - Panorâmio. 2008 [em linha] Publicada por Jordana Gois [consult. em 10 de Janeiro de 2010]. Disponivel em http:// www.panoramio.com/photo/11121410 Fig.21 – Fotografia de uma rua em Tetouan - Arquivo de viagens. 2008 [em linha] Blog escrito por Luisa [consult. em 09 de Agosto 2009]. Disponivel em http://arquivodeviagens.files.wordpress.com/2008/05/tetouan3.jpg Fig.22 – Fotografia do arco da travessa da igreja velha - Portal do Municipio de Albufeira. 2005 [em linha] Património histórico do concelho de Albufeira [consult. em 09 de Agosto de 2009]. Disponivel em http://www.cm-albufeira.pt/NR/rdonlyres/D77C01EA7408-4919-85CE-703D6461A554/0/A_arcotravessa.jpg Fig.23 – in NOBRE, Idalina Nunes - Breve história de Albufeira. Albufeira: Câmara Municipal de Albufeira, 1989, pág. 18 Fig.24 – Fotografia da Ermida do Castelo de Paderne - Blog Rosa dos Ventos. 2004 [em linha] Categoria de Monumentos [consult. em 03 de Abril de 2010] Disponivel em http://www.icicom.up.pt/blog/rosadosventos/ermida1.jpg Fig.25 – Plano geral de Vila Real de Santo António - SkyscraperCity. 2007 [em linha] Post por Professor Godin [consult. em 08 de Abril de 2010]. Disponivel em http://www. skyscrapercity.com/showthread.php?t=508022 Fig.26 – in ALVES, Afonso Manuel; LIMA, Luís Leiria de - Algarve terras do sul. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1989, pág. 58 Fig.27 – in ANTUNES, Alfredo Mata et al - Arquitectura Popular em Portugal, 3º volume, zona 5 e zona 6. 3ª ed. Lisboa: Associação dos Arquitectos Portugueses, 1988, pág. 175 Fig.28 – in ANTUNES, Alfredo Mata et al - Arquitectura Popular em Portugal, 3º volume, zona 5 e zona 6. 3ª ed. Lisboa: Associação dos Arquitectos Portugueses, 1988, pág. 175

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Fig.29 – in ANTUNES, Alfredo Mata et al - Arquitectura Popular em Portugal, 3º volume, zona 5 e zona 6. 3ª ed. Lisboa: Associação dos Arquitectos Portugueses, 1988, pág. 175 Fig.30 – in FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Ana - A casa popular do Algarve - espaço rural e urbano, evolução e actualidade. Faro: Comissão de Cordenação e Desenvolvimento do Algarve (CCDRA), 2008, pág. 32 Fig.31 – Fotografia tirada pelo candidato, 2008 Fig.32 – in ANTUNES, Alfredo Mata et al - Arquitectura Popular em Portugal, 3º volume, zona 5 e zona 6. 3ª ed. Lisboa: Associação dos Arquitectos Portugueses, 1988, pág. 226 Fig.33 – in ANTUNES, Alfredo Mata et al - Arquitectura Popular em Portugal, 3º volume, zona 5 e zona 6. 3ª ed. Lisboa: Associação dos Arquitectos Portugueses, 1988, pág. 227 Fig.34 – in ANTUNES, Alfredo Mata et al - Arquitectura Popular em Portugal, 3º volume, zona 5 e zona 6. 3ª ed. Lisboa: Associação dos Arquitectos Portugueses, 1988, pág. 227, posteriormente trabalhada pelo candidato em Illustrator Fig.35 – in ANTUNES, Alfredo Mata et al - Arquitectura Popular em Portugal, 3º volume, zona 5 e zona 6. 3ª ed. Lisboa: Associação dos Arquitectos Portugueses, 1988, pág. 227 Fig.36 – in ANTUNES, Alfredo Mata et al - Arquitectura Popular em Portugal, 3º volume, zona 5 e zona 6. 3ª ed. Lisboa: Associação dos Arquitectos Portugueses, 1988, pág. 227, posteriormente trabalhada pelo candidato em Illustrator Fig.37 – in FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Ana - A casa popular do Algarve - espaço rural e urbano, evolução e actualidade. Faro: Comissão de Cordenação e Desenvolvimento do Algarve (CCDRA), 2008, pág. 20 Fig.38 – in FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Ana - A casa popular do Algarve - espaço rural e urbano, evolução e actualidade. Faro: Comissão de Cordenação e Desenvolvimento do Algarve (CCDRA), 2008, pág. 141 Fig.39 – in FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Ana - Arquitectura no Algarve - dos primórdios à actualidade, uma leitura de síntese. Faro: Comissão de Cordenação e Desenvolvimento do Algarve (CCDRA), 2005, pág. 73 Fig.40 – in FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Ana - A casa popular do Algarve - espaço rural e urbano, evolução e actualidade. Faro: Comissão de Cordenação e Desenvolvimento do Algarve (CCDRA), 2008, pág. 100

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Fig.41 – in FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Ana - A casa popular do Algarve - espaço rural e urbano, evolução e actualidade. Faro: Comissão de Cordenação e Desenvolvimento do Algarve (CCDRA), 2008, pág. 50 Fig.42 – in FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Ana - A casa popular do Algarve - espaço rural e urbano, evolução e actualidade. Faro: Comissão de Cordenação e Desenvolvimento do Algarve (CCDRA), 2008, pág. 59 Fig.43 – in FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Ana - A casa popular do Algarve - espaço rural e urbano, evolução e actualidade. Faro: Comissão de Cordenação e Desenvolvimento do Algarve (CCDRA), 2008, pág. 8 Fig.44 – Fotografia tirada pelo candidato, 2008 Fig.45 – Google Earth, posteriormente trabalhada em Photoshop pelo candidato Fig.46 – Esquema do conjunto e envolvente feito em Illustrator com base no levantamento, ambos efectuados pelo candidato Fig.47 – Esquema da planta da tipologia feito em Illustrator com base no levantamento, ambos efectuados pelo candidato Fig.48 – Esquema da planta da tipologia feito em Illustrator com base no levantamento, ambos efectuados pelo candidato Fig.49 – Esquema do corte da tipologia feito em Illustrator com base no levantamento, ambos efectuados pelo candidato Fig.50 – Esquema do corte da tipologia feito em Illustrator com base no levantamento, ambos efectuados pelo candidato Fig.51 – Esquema do corte da tipologia feito em Illustrator com base no levantamento, ambos efectuados pelo candidato Fig.52 – Fotografia tirada pelo candidato, 2008 Fig.53 – Fotografia tirada pelo candidato, 2008 Fig.54 – Fotografia tirada pelo candidato, 2008 Fig.55 – Google Earth, posteriormente trabalhada em Photoshop pelo candidato Fig.56 – Esquema do conjunto e envolvente feito em Illustrator com base no levantamento, ambos efectuados pelo candidato

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Fig.57 – Esquema da planta da tipologia feito em Illustrator com base no levantamento, ambos efectuados pelo candidato Fig.58 – Esquema da planta da tipologia feito em Illustrator com base no levantamento, ambos efectuados pelo candidato Fig.59 – Esquema do corte da tipologia feito em Illustrator com base no levantamento, ambos efectuados pelo candidato Fig.60 – Esquema do corte da tipologia feito em Illustrator com base no levantamento, ambos efectuados pelo candidato Fig.61 – Esquema do corte da tipologia feito em Illustrator com base no levantamento, ambos efectuados pelo candidato Fig.62 – Fotografia tirada pelo candidato, 2008 Fig.63 – Fotografia tirada pelo candidato, 2008 Fig.64 – Fotografia tirada pelo candidato, 2008 Fig.65 – in MARQUES, Maria da Graça (cordenadora) - O Algarve da antiguidade aos nossos dias. Lisboa: Edições Colibrí, 1999, pág. 430 Fig.66 – in MARQUES, Maria da Graça (cordenadora) - O Algarve da antiguidade aos nossos dias. Lisboa: Edições Colibrí, 1999, pág. 401 Fig.67 – in MARQUES, Maria da Graça (cordenadora) - O Algarve da antiguidade aos nossos dias. Lisboa: Edições Colibrí, 1999, pág. 539 Fig.68 – in MARQUES, Maria da Graça (cordenadora) - O Algarve da antiguidade aos nossos dias. Lisboa: Edições Colibrí, 1999, pág. 622 Fig.69 – in MARQUES, Maria da Graça (cordenadora) - O Algarve da antiguidade aos nossos dias. Lisboa: Edições Colibrí, 1999, pág. 622 Fig.70 – in Postal ilustrado da colecção do Arquivo Histórico Municipal de Albufeira Fig.71 – in MARQUES, Maria da Graça (cordenadora) - O Algarve da antiguidade aos nossos dias. Lisboa: Edições Colibrí, 1999, pág. 620 Fig.72 – in MARQUES, Maria da Graça (cordenadora) - O Algarve da antiguidade aos nossos dias. Lisboa: Edições Colibrí, 1999, pág. 620

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Fig.73 – in FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Ana - Arquitectura no Algarve - dos primórdios à actualidade, uma leitura de síntese. Faro: Comissão de Cordenação e Desenvolvimento do Algarve (CCDRA), 2005, pág. 90 Fig.74 – in MARQUES, Maria da Graça (cordenadora) - O Algarve da antiguidade aos nossos dias. Lisboa: Edições Colibrí, 1999, pág. 619 Fig.75 – in FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Ana - A casa popular do Algarve - espaço rural e urbano, evolução e actualidade. Faro: Comissão de Cordenação e Desenvolvimento do Algarve (CCDRA), 2008, pág. 21 Fig.76 – in Postal ilustrado da colecção do Arquivo Histórico Municipal de Albufeira Fig.77 – in FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Ana - Arquitectura no Algarve - dos primórdios à actualidade, uma leitura de síntese. Faro: Comissão de Cordenação e Desenvolvimento do Algarve (CCDRA), 2005, pág. 87 Fig.78 – in FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Ana - A casa popular do Algarve - espaço rural e urbano, evolução e actualidade. Faro: Comissão de Cordenação e Desenvolvimento do Algarve (CCDRA), 2008, pág. 108 Fig.79 – in LINO, Raul - Casas Portuguesas. 1ª ed. Lisboa: Valentim de Carvalho, 1933, Ilustrações fig. 21 Fig.80 – in LINO, Raul - Casas Portuguesas. 1ª ed. Lisboa: Valentim de Carvalho, 1933, Ilustrações fig. 21 Fig.81 – in LINO, Raul - Casas Portuguesas. 1ª ed. Lisboa: Valentim de Carvalho, 1933, Ilustrações fig. 19 Fig.82 – in LINO, Raul - Casas Portuguesas. 1ª ed. Lisboa: Valentim de Carvalho, 1933, Ilustrações fig. 17b Fig.83 – Casa Pitum Keil do Amaral - Alporchinhos - SkyscraperCity. 2007 [em linha] Post por Professor Godin [consult. em 09 de Agosto de 2009]. Disponivel em http:// www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=430489 Fig.84 – Google Earth, posteriormente trabalhada em Photoshop pelo candidato Fig.85 – Esquema do conjunto e envolvente feito em Illustrator com base no levantamento, ambos efectuados pelo candidato

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Fig.86 – Esquema da planta da tipologia feito em Illustrator com base no levantamento, ambos efectuados pelo candidato Fig.87 – Esquema da planta da tipologia feito em Illustrator com base no levantamento, ambos efectuados pelo candidato Fig.88 – Esquema do corte da tipologia feito em Illustrator com base no levantamento, ambos efectuados pelo candidato Fig.89 – Esquema do corte da tipologia feito em Illustrator com base no levantamento, ambos efectuados pelo candidato Fig.90 – Esquema do corte da tipologia feito em Illustrator com base no levantamento, ambos efectuados pelo candidato Fig.91 – Casa Pitum Keil do Amaral - Alporchinhos - SkyscraperCity. 2007 [em linha] Post por Professor Godin [consult. em 5 de Abril de 2011] Disponivel em http://www. skyscrapercity.com/showthread.php?t=430489 Fig.92 – Fotografia tirada pelo candidato, 2009 Fig.93 – in AMADO, Adelaide; NOBRE, Idalina Nunes - Albufeira-Imagem do Passado. Albufeira: Câmara Municipal de Albufeira, 1997, pág. 92 Fig.94 – in MARQUES, Maria da Graça (cordenadora) - O Algarve da antiguidade aos nossos dias. Lisboa: Edições Colibrí, 1999, pág. 656 Fig.95 – in FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Ana - Arquitectura no Algarve - dos primórdios à actualidade, uma leitura de síntese. Faro: Comissão de Cordenação e Desenvolvimento do Algarve (CCDRA), 2005, pág. 117 Fig.96 – Postal do Algarve - O meu mundo em postais blogspot. 2008 [em linha] Publicado por Teresa Cruz [consult. em 09 de Agosto de 2009] disponivel em http:// omeumundoempostais.blogspot.com/2008/07/algarve_16.html Fig.97 – Casa de férias no Algarve - Manta Rota - OLX classificados. 2010 [em linha] [consult. em 24 de Novembro de 2010] Disponivel em http://mantarota.olx.pt/casaferias-algarve-setembro-mantarota-praia-da-lota-iid-105538776 Fig.98 – Fotografia tirada pelo candidato, 2009 Fig.99 – Fotografia tirada pelo candidato, 2009 Fig.100 – Fotografia tirada pelo candidato, 2009 173


Fig.101 – Quinta das Raposeiras II. 2002 [em linha] Lote 9 - Vivenda nas Raposeiras II [consult. em 5 de Abril de 2011] Disponível em http://www.fmm.pt/imobiliario/ lote9_fotos3.html Fig.102 – Quinta das Raposeiras II. 2002 [em linha] Lote 9 - Vivenda nas Raposeiras II [consult. em 5 de Abril de 2011]. Disponível em http://www.fmm.pt/imobiliario/ lote9_fotos4.html Fig.103 – Quinta das Raposeiras II. 2002 [em linha] Lote 9 - Vivenda nas Raposeiras II [consult. em 5 de Abril de 2011]. Disponível em http://www.fmm.pt/imobiliario/ lote9_fotos1.html Fig.104 – Quinta das Raposeiras II. 2002 [em linha] Lote 9 - Vivenda nas Raposeiras II [consult. em 5 de Abril de 2011]. Disponível em WWW:URL: http://www.fmm.pt/ imobiliario/lote9_fotos2.html Fig.105 – Fotografia tirada pelo candidato, 2010 Fig.106 – Google Earth, posteriormente trabalhada em Photoshop pelo candidato Fig.107 – Esquema do conjunto e envolvente feito pelo candidato em Illustrator com base nos desenhos gentilmente cedidos pelo atelier Souto Moura - Arquitectos Lda. Fig.108 - Esquema da planta da tipologia feito pelo candidato em Illustrator com base nos desenhos gentilmente cedidos pelo atelier Souto Moura - Arquitectos Lda. Fig.109 - Esquema da planta da tipologia feito pelo candidato em Illustrator com base nos desenhos gentilmente cedidos pelo atelier Souto Moura - Arquitectos Lda. Fig.110 - Esquema do corte da tipologia feito pelo candidato em Illustrator com base nos desenhos gentilmente cedidos pelo atelier Souto Moura - Arquitectos Lda. Fig.111 - Esquema do corte da tipologia feito pelo candidato em Illustrator com base nos desenhos gentilmente cedidos pelo atelier Souto Moura - Arquitectos Lda. Fig.112 - Esquema do corte da tipologia feito pelo candidato em Illustrator com base nos desenhos gentilmente cedidos pelo atelier Souto Moura - Arquitectos Lda. Fig.113 - Fotografia tirada pelo candidato, 2010 Fig.114 - Fotografia tirada pelo candidato, 2010 Fig.115 - Fotografia tirada pelo candidato, 2010

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Fig.116 - Esquema do conjunto e envolvente feito em Illustrator com base no levantamento, ambos efectuados pelo candidato Fig.117 - Esquema do conjunto e envolvente feito em Illustrator com base no levantamento, ambos efectuados pelo candidato Fig.118 - Esquema do conjunto e envolvente feito em Illustrator com base no levantamento, ambos efectuados pelo candidato Fig.119 - Esquema do conjunto e envolvente feito pelo candidato em Illustrator com base nos desenhos gentilmente cedidos pelo atelier Souto Moura - Arquitectos Lda. Fig.120 - Esquema da planta da tipologia feito em Illustrator com base no levantamento, ambos efectuados pelo candidato Fig.121 - Esquema da planta da tipologia feito em Illustrator com base no levantamento, ambos efectuados pelo candidato Fig.122 - Esquema da planta da tipologia feito em Illustrator com base no levantamento, ambos efectuados pelo candidato Fig.123 - Esquema da planta da tipologia feito pelo candidato em Illustrator com base nos desenhos gentilmente cedidos pelo atelier Souto Moura - Arquitectos Lda. Fig.124 - Fotografia tirada pelo candidato, 2008 Fig.125 - Fotografia tirada pelo candidato, 2008 Fig.126 - Fotografia tirada pelo candidato, 2009 Fig.127 - Fotografia tirada pelo candidato, 2010 Fig.128 – Panfleto informativo cedido pela Imobiliária Santomero em Albufeira, 2010 Fig.129 – Panfleto informativo cedido pela Imobiliária Santomero em Albufeira, 2010 Fig.130 – Vivenda de férias no Algarve - Alcantarilha - OLX classificados. 2009 [em linha] [consult. em 10 de Abril de 2010]. Disponivel em http://images01.olx.pt/ ui/1/13/34/5910934_1.jpg

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Porto, Junho de 2011



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