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Lesão do Ligamento Cruzado Anterior em jogadores de Andebol
Lesão do ligamento cruzado anterior em jogadores de andebol: uma revisão sistemática
Injury of the anterior cruciate ligamente in handball players: a systematic review
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Luís Duarte Silva1,2,3, Artur Costa Santos1, Filipe Torres1, José Nóvoa1, Bruno Correia1, Álvaro Botelho1
1.Serviço de ortopedia 2 - Centro Hospitalar Universitário Algarve; ².Clínica do Dragão ³.Espregueira-Mendes Sports Centre, FIFA Medical Centre of Excellence
luisduartesilva.research@gmail.com
Resumo
Introdução: O andebol conta com uma taxa elevada de lesões em momentos de competição. As lesões do ligamento cruzado anterior, devido à sua severidade, estabelecem-se como lesões com bastante relevância para qualquer desportista.
Objetivo: O objetivo principal desta revisão sistemática for identificar a taxa de incidência e características desta lesão em atletas praticantes de andebol. Como objetivo secundário pretendeu-se avaliar a efetividade de programas de prevenção na redução da incidência de lesões do ligamento cruzado anterior.
Metodologia: Foi realizada uma pesquisa na Pubmed com o intuito de procurar artigos que reportassem a incidência de lesão do ligamento cruzado anterior em atletas de andebol, como também identificar artigos que avaliassem a efetividade dos programas de prevenção desta lesão.
Resultados: Dez estudos cumpriram estes critérios e foram incluídos para análise. Sete estudos (15 épocas e um total de 845 equipas) avaliaram a taxa de incidência de lesão do ligamento cruzado anterior em atletas de andebol e mostraram uma incidência baixa (entre 0,5% a 4% de todas as lesões), com uma maior incidência no sexo feminino e por mecanismo de não contacto. Três estudos (161 equipas e 2352 atletas) avaliavam a efetividade de programas de prevenção, sendo que apenas um destes estudos mostrou efetividade em reduzir significativamente a incidência de lesões do ligamento cruzado anterior.
Conclusão: As lesões do ligamento cruzado anterior no andebol são mais requentes no sexo feminino durante o momento competitivo e sem situações de contacto. A efetividade dos programas de prevenção ainda não está comprovada.
Palavras Chave:
Ligamento cruzado anterior; Andebol; Prevenção de lesões
Abstract
Background: Handball has a high rate of injuries during competition. Injuries of the anterior cruciate ligament, due to their severity, are considered as injuries with great relevance for any athlete.
Purpose: The main objective of this systematic review was to identify the incidence rate and characteristics of this injury in handball players. As a secondary objective, it was intended to evaluate the effectiveness of prevention programs in reducing the incidence of anterior cruciate ligament injuries.
Methods: A search was conducted at Pubmed to search for articles that reported the incidence of anterior cruciate ligament injuries in handball players, as well as to identify articles that evaluated the effectiveness of prevention programs of this injury.
Results: Ten studies met these criteria and were included for analysis. Seven studies (15 seasons and a total of 845 teams) evaluated the incidence rate of anterior cruciate ligament injuries in handball players and showed a low incidence (between 0.5% to 4% of all injuries), with a higher incidence in females and by noncontact mechanism. Three studies (161 teams and 2352 athletes) evaluated the effectiveness of prevention programs, with only one of these studies showing effectiveness in significantly reducing the incidence of anterior cruciate ligament injuries.
Conclusion: Anterior cruciate ligament injuries are more frequent in female in handball players during the competitive moment and without contact situations. The effectiveness of prevention programs has yet to be proven.
Keywords:
Anterior cruciate ligament; Handball; Injury prevention
Introdução
O andebol é um desporto coletivo indoor de contato, praticado em 209 federações nacionais e por mais de 28 mil clubes e 27 milhões de jogadores em mais de 128 mil equipas1. É um desporto caracterizado por um contato físico corporal intenso que predispõe os atletas a uma elevada incidência de lesões. É um desporto caraterizado por corrida intermitente com mudanças de direção rápidas e situações de jogo de um para um, que coordenam diversos gestos técnicos como o remate, passe e o drible. A epidemiologia das lesões de andebol (63.4 lesões por 1000 atletas/ano) é elevada quando comparada com outros desportos, sendo que é o desporto com a segunda maior taxa de lesões desportivas2. A incidência de lesões desportivas no andebol não mostra grandes diferenças entre o sexo masculino e feminino quando comparados os vários seguimentos anatómicos. Quando consideradas competições de alto nível desportivo (campeonato Europeu, campeonato Mundial e Jogos Olímpicos), as lesões do joelho representam uma média de 11,5% em atletas do sexo masculino e 10,5% em atletas do sexo feminino3-7. A incidência de lesões é parece ser maior em momentos de jogo8,9 comparado com momentos de treino, especialmente durante momentos ofensivos10-12. Sendo um desporto de contato, este tipo de lesões representa cerca de 40 a 84% de todas as lesões3,13-16. As lesões de não contato são menos comuns e estão maioritariamente relacionadas com lesões do membro inferior que envolvem gestos como o salto, aterragem e mudanças de direção (Figura 1). No entanto, as lesões de não contato estão usualmente associadas a lesões mais severas (i.e. com uma maior tempo de paragem). Sendo a lesão do ligamento cruzado anterior uma das principais lesões devido ao tempo extenso de recuperação e a elevada taxa de recidiva17. Figura 2 e 3 exemplificam imagens intraoperatórias de artroscopia onde está presente uma lesão do ligamento cruzado anterior e respetiva intervenção cirúrgica. Devido a esta elevada relevância da lesão do ligamento cruzado anterior, o objetivo principal desta revisão sistemática foi identificar a taxa de incidência e características desta lesão em atletas praticantes de andebol. Como objetivo secundário pretendeu-se avaliar a efetividade de programas de prevenção na redução da incidência de lesões do ligamento cruzado anterior.
Material e Métodos
Foi realizada uma pesquisa bibliográfica na base de dados Pubmed no dia 19 de Dezembro de 2020 sem restrições de tempo ou linguísticas. A estratégia de pesquisa incluiu as palavras-chave “anterior cruciate ligament”, ACL e handball. Os operadores Booleanos [AND e OR] foram usados para combinar as palavras-chave e o descritor [Tiab] no termo handball para restringir a pesquisa a este termo. Como critério de inclusão para estudos de incidência de lesão do ligamento cruzado anterior consideraram-se estudos transversais e longitudinais (retrospetivos e prospetivos) que analisassem a incidência de lesões do ligamento cruzado anterior em atletas amadores e/ou profissionais de andebol. Foram também incluídos estudos longitudinais (de coorte com grupo de controlo ou randomizados controlados) que analisassem a efetividade de programas de prevenção na incidência de lesões do ligamento cruzado anterior em atletas de andebol. Apenas foram considerados estudos para inclusão que fossem escritos na língua portuguesa, espanhola, francesa e inglesa. Excluíram-se todos os estudos de revisão e estudos que analisassem atletas de vários desportos, mas que não realizavam analise de subgrupo para atletas de andebol. Não foram excluídos estudos com base na idade dos atletas. Adicionalmente foi realizada uma pesquisa manual nas listas de referências dos estudos incluídos e revisões relevantes para o tema para identificar outros possíveis artigos relevantes que pudessem eventualmente não resultar da pesquisa bibliográfica.
Figura 1. No decurso da prática do andebol esta movimentação que a imagem expressa é o mecanismo mais comum de lesão do ligamento cruzado anterior. Verifica-se que o joelho se encontra em ligeira flexão, rotação externa e valgo. (Imagem do autor)
Figura 2. Imagem de artroscopia do joelho na qual se pode verificar uma rotura do ligamento cruzado anterior, do qual apenas se verifica a presença algumas fibras que ainda restam (seta azul) sem significado funcional. Esta rotura entre a tíbia (seta verde) e o fêmur (seta laranja), é aferida intrarticularmente com instrumento cirúrgico na artroscopia (vertente esquerda da imagem), no caso utilizando uma ponteira de Shaver. (Imagem do autor) Figura 3. Iimagem de artroscopia do joelho na qual se pode verificar o posicionamento da plastia do ligamento cruzado anterior com isquiotibiais (seta azul) no seu trajeto entre a tíbia (seta verde) e o fêmur (seta laranja). (Imagem do autor).
Quadro I – Fluxograma de PRISMA.
Resultados
A pesquisa bibliográfica resultou em 101 títulos e resumos e a pesquisa complementar resultou em 8 novos estudos não identificados na base de dados. Após a leituras dos títulos e resumos foram selecionados 23 artigos para ler na íntegra e aplicar os critérios de elegibilidade. Dez estudos cumpriram os critérios de elegibilidade e foram incluídos nesta revisão. A Figura 2 mostra o fluxograma de PRISMA com os resultados da pesquisa e o processo de elegibilidade dos estudos. Sete estudos reportavam a incidência de lesões compreendiam um total de 15 épocas e um total de 845 equipas (Tabela 1). Quatro estudos estudaram a incidência de lesões em geral no andebol fornecendo dados para o ligamento cruzado anterior, e outros três estudos focaram apenas em lesões deste ligamento. A taxa de lesão do ligamento cruzado anterior foi de 0% a 3% de todas as lesões (n=13). Nos estudos específicos de lesão do ligamento cruzado anterior, foi registado um total de 128 lesões do ligamento cruzado anterior. Separando por sexo, 38 ocorreram em atletas do sexo masculino e 90 em atletas do sexo feminino (sendo que um dos estudos era apenas em atletas femininas, reportando um total de 13 lesões do ligamento cruzado anterior).
Quadro II – Características dos estudos sobre incidência de lesões do ligamento cruzado anterior Legenda: RR = risco relativo; * Calculado com base em percentagens
Quadro III – Características dos estudos sobre prevenção de lesões do ligamento cruzado anterior Legenda: OR = odds ratio;
Dois destes estudos reportaram o mecanismo e momento da lesão, sendo que a maioria das lesões ocorreu pelo mecanismo de não contacto (75% a 89%) e durante momentos competitivos de jogo (75% a 86%). Os dois estudos que incluíram ambos atletas do sexo masculino e feminino mostraram um maior risco de lesão do ligamento cruzado anterior em atletas do sexo feminino.
Três estudos analisaram a efetividade de um programa de prevenção de lesões e reportaram a incidência para o ligamento cruzado anterior (Tabela 2). Foram incluídas 161 equipas e 2352 atletas (n=1195 no grupo de controlo e n=1157 no grupo de intervenção). Foram registadas um total de 75 lesões do ligamento cruzado anterior (2% a 4% de todas as lesões), 43 no grupo de controlo e 35 no grupo de intervenção. Um estudo demonstrou uma redução estatisticamente significativa na redução das lesões do ligamento cruzado anterior no grupo de intervenção, e os outros dois estudos não mostraram diferenças estatisticamente significativas.
Discussão
A incidência de lesão do ligamento cruzado anterior em atletas de andebol é baixa (entre 0,5% a 4% de todas as lesões). Embora seja reportado na literatura que a incidência de lesões no andebol é semelhante entre sexos, as lesões do ligamento cruzado anterior são claramente mais frequentes no sexo feminino. Apesar das lesões em jogadores de andebol ocorrer mais frequentemente por mecanismo de contacto, tal como sugerido na literatura, a lesão do ligamento cruzado anterior ocorre maioritariamente por mecanismo de não contacto e com mais frequência em momentos de competição desportiva. A lesão do ligamento cruzado anterior apresenta uma severidade considerável devido ao demorado tempo de recuperação e à elevada taxa de reincidência (21% para os atletas jovens com menos que 25 anos e que retomam a praticar desporto, independentemente do desporto praticado)17. De facto, Bon et al.22 entrevistaram 51 atletas de andebol de competição e cerca de um quarto destes afirmam que a lesão pior que tiveram na carreira foi a lesão do ligamento cruzado anterior. Neste sentido, torna-se de extrema relevância aplicar medidas preventivas para reduzir o risco de lesão deste ligamento. As medidas preventivas compreendem usualmente programas de prevenção baseados em exercício neuromuscular para prevenir lesões do membro inferior.
Quando avaliado a efetividade destes programas neuromusculares na incidência de lesões do ligamento cruzado anterior, apenas um estudo mostrou uma redução significativa, sendo que os outros dois estudos não mostraram uma redução significativa da aplicação dos programas de prevenção quando comparados com grupos de controlo.
Uma das principais limitações desta revisão prende-se com o facto de a maioria dos estudos não subagrupar a incidência das lesões do ligamento cruzado anterior entre todas as lesões reportadas, o que levou à exclusão de vários estudos potencialmente incluíveis.
Estudos futuros devem ter em conta que devem reportar a incidência de lesão do membro inferior separadas por tipo de estrutura lesionada. Para além disso, existe necessidade de novos estudos que avaliem a implementação de novas e mais eficazes estratégias de prevenção do ligamento cruzado anterior em atletas de andebol.
Conclusão
As lesões do ligamento cruzado anterior são pouco frequentes no andebol e a sua incidência é maior no sexo feminino e em momentos de jogo, sendo que o mecanismo de lesão é maioritariamente de não contacto. A evidencia científica não é concordante relativamente à efetividade dos programas de prevenção na redução de lesões do ligamento cruzado anterior.
Referências:
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Alterações radiológicas na COVID-19 – Experiência de uma primeira vaga da pandemia
Radiographic findings in COVID-19 – Experience of a first wave of the pandemic
José Maia de Sousa1, Cláudia Queirós1, Cátia Saraiva2
1. Serviço de Medicina Interna da Unidade Hospitalar de Portimão, Centro Hospitalar e Universitário do Algarve – Unidade de Portimão 2. Serviço de Pneumologia da Unidade Hospitalar de Portimão, Centro Hospitalar e Universitário do Algarve – Unidade de Portimão
claudiaq1991@gmail.com
Resumo
A 2 de Março de 2020 Portugal registou o seu primeiro caso de infeção por SARS-CoV-2. O primeiro caso no Algarve foi registado seis dias depois. O decurso da pandemia nesta região, embora com menor número de casos relativamente ao resto do país, mobilizou vários profissionais de saúde que acompanharam diariamente a evolução da doença e adquiriram experiência e competências que lhes permitiram promover melhores cuidados para os futuros doentes com COVID-19. Neste artigo, os autores têm como objetivo reunir e comentar uma seleção de exames radiológicos de doentes com infeção a SARS-CoV-2 confirmada laboratorialmente, internados no Centro Hospitalar e Universitário de Algarve, na Unidade Hospitalar de Portimão, durante o período de Março a Maio de 2020. Nesta primeira fase da pandemia, à medida que se promovia a assistência hospitalar aos doentes COVID-19, o conhecimento acerca da patologia em concreto dava os seus primeiros passos e, naturalmente, que este trabalho reflete esta realidade.
Abstract
On March 2, 2020 Portugal registered its first case of infection by SARS-CoV-2. The first case in the Algarve was registered six days later. The course of the pandemic in this region, although with fewer cases compared to the rest of the country, mobilized several health professionals who daily monitored the evolution of the disease and acquired experience and skills that allowed them to promote better care for future patients with COVID -19. In this article, the authors aim to bring together and comment on a selection of radiological examinations of patients with laboratoryconfirmed SARS-CoV-2 infection, admitted to the Centro Hospitalar e Universitário de Algarve, at the Portimão Hospital Unit, from March to May 2020. In this first phase of the pandemic, as hospital care was promoted to COVID-19 patients, knowledge about the pathology in concrete took its first steps and, naturally, this work reflects this reality.
Palavras Chave:
COVID-19; Alterações Radiológicas; Primeira vaga; Algarve
Keywords:
COVID-19; Radiographic findings; First wave; Algarve
Introdução
Em Dezembro de 2019, na cidade de Wuhan, foram relatados os primeiros casos de coronavirus disease 2019 (COVID-19) causada por um vírus de RNA – severe acute respiratory syndrome coronavírus 2 (SARS-CoV-2).1 A 11 de Março de 2020 a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou esta doença como pandemia, na altura com 118.319 casos confirmados em todo o mundo.2
A 2 de Março de 2020, Portugal registou o seu primeiro caso de infeção por SARS-CoV-2. O primeiro caso no Algarve foi registado a 8 de Março, no concelho de Portimão. O decurso da pandemia nesta região, embora com menor número de casos relativamente ao resto do país, mobilizou vários profissionais de saúde que acompanharam diariamente a evolução da doença e adquiriram experiência e competências que lhes permitiram promover melhores cuidados para os futuros doentes com COVID-19.
A febre é o sintoma mais comum seguido pela tosse seca, dispneia, fadiga e cefaleias.3,4 A confirmação do diagnóstico é laboratorial, por reverse transcription polymerase chain reaction (RT-PCR).4 Com o aumento dos casos de infeção em todo o mundo, os exames de imagem têm vindo a mostrar-se cada vez mais importantes no diagnóstico e seguimento desta doença. A Tomografia Computorizada (TC) de tórax é mais sensível quando comparada com a radiografia.5 O padrão mais comum encontrado na TC são as opacidades em vidro despolido, com preferência pelos lobos pulmonares inferiores, maioritariamente nas regiões periféricas.4,6
Apesar de útil no diagnóstico e seguimento destes doentes, a TC apresenta desvantagens, por estar associada a maior risco de contaminação do ambiente ao mobilizar mais profissionais e contaminando circuitos hospitalares, e obrigando a um aumento do tempo entre exames devido à necessária descontaminação.5 Neste sentido, alguns hospitais internacionais têm dado relevância à utilização da radiografia de tórax, por ser um exame de baixo custo e transportável até ao doente.5 A respetiva sensibilidade e especificidade ainda não são totalmente conhecidas. Contudo, vários estudos compararam e analisaram radiografias de doentes com COVID-19, tendo sido definidos padrões com maior associação à doença.7
O padrão mais comumente relatado é o de opacidades bilaterais e multifocais, de distribuição predominantemente periférica e com preferência para os lobos inferiores.7 Outras manifestações menos frequentes incluem derrame pleural, pneumotórax, consolidação unilateral ou padrão reticular.8 Doentes em estádios iniciais da doença podem apresentar radiografia torácica normal, apenas desenvolvendo manifestações imagiológicas com o decorrer e agravamento da doença.7,8
Recentemente foi publicada no Journal of Thoracic Imaging uma proposta de modelo classificativo das alterações radiológicas da Covid-19.7 Foram assim definidos quatro grupos: 1. Typical appearance: Opacidades bilaterais, multifocais e periféricas, de morfologia arredondada e com predomínio nos lobos inferiores;
2. Indeterminate appearance: Ausência dos achados típicos e alterações unilaterais, centrais ou com predomínio nos lobos superiores;
3. Atypical appearance: Pneumotórax, derrame pleural, consolidação lobar, massa ou nódulos solitários do pulmão, nódulos difusos e pequenos ou cavitações;
4. Negative for pneumonia: Ausência de opacidades pulmonares.
Neste artigo, os autores têm como objetivo reunir e comentar uma seleção de exames radiológicos de doentes com infeção a SARS-CoV-2 confirmada laboratorialmente, internados no Centro Hospitalar e Universitário do Algarve, na Unidade Hospitalar de Portimão, durante o período de Março a Maio de 2020.
Material e Métodos
A Unidade Hospitalar de Portimão, que pertence ao Centro Hospitalar Universitário do Algarve, abriu a Unidade COVID-A para internamento de doentes com suspeita de infeção pelo SARS-CoV2 e, a 14 de Março de 2020, foi internado o primeiro doente positivo nessa enfermaria. Posteriormente foi activada uma segunda unidade de internamento – COVID-B, dado o aumento crescente de casos, perfazendo um total de 20 camas. Realizámos uma análise retrospetiva e descritiva dos exames radiográficos realizados a 6 doentes com COVID-19, admitidos nesta Unidade Hospitalar durante a primeira vaga da pandemia, de Março de 2020 a Maio de 2020. Os doentes foram identificados através da base de dados criada para o internamento COVID-19, realizando-se uma recolha de dados clínicos e imagiológicos, garantindo o anonimato de todos os doentes incluídos.
Casos Clínicos
Foram analisados 6 doentes, sendo 3 do sexo feminino e 3 do sexo masculino.
Caso I
Mulher de 89 anos, deu entrada no SU ao 4º dia de sintomas com imagem de opacidades periféricas bilaterais e multifocais. Inicialmente com uma localização predominantemente nos lobos inferiores (1A), sendo que ao 6º
A
dia, houve progressão dos achados radiográficos para quase a totalidade da periferia pulmonar bilateralmente (1B). Ao 8º dia, verificaram-se opacidades generalizadas de praticamente toda a extensão dos campos pulmonares (1C). Ao 22º dia evidencia-se o início da resolução das opacidades (1D), sendo evidente a melhoria ao 39º dia (1E), momento da alta clínica. A radiografia do tórax realizada em ambulatório após 4 meses da doença mostrou resolução completa das imagens previamente descritas (1F).
B C
D E
Figura 1. Evolução radiológica prolongada mas favorável, de uma mulher de 89 anos com COVID-19
F
Caso II
Mulher de 88 anos, internada ao 4º dia de sintomas, apresentando opacidades bilaterais e periféricas (2A), que foram agravando em consonância com o agravamento do estado clínico. Ao 7º dia apresentavam uma maior dispersão (2B). Ao 9º dia de internamento, com
A B
toda a extensão dos campos pulmonares obliterada por opacificações (2C), a doente faleceu por insuficiência respiratória (ARDS).
C
Figura 2. Evolução rapidamente desfavorável de pneumonia bilateral a SARS-CoV-2
Caso III
Homem de 51 anos, que deu entrada no hospital ao 5º dia de sintomas, com presença de padrão reticular associado a opacidades periféricas bilaterais, com predomínio nas bases (3A). Ao 8º dia de doença as opacidades bilaterais e multifocais eram mais evidentes (3B). Com a melhoria clínica e à data da alta
A
(dia 13 de sintomas), verificou-se melhoria da imagem com resolução quase completa dos achados previamente descritos (3C).
B C
Figura 3. Evolução favorável de pneumonia a COVD-19, em homem de 51 anos, com padrão radiológico inicial atípico