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Sinhozinho Torres

FOTO DA IMAGEM ORIGINAL

PROJETO MEMÓRIA UNINDO A DESCENDÊNCIA BREJINA

BELO HORIZONTE – MINAS GERAIS 1ª EDIÇÃO – JANEIRO 2014

FINALIDADE, OBJETIVO, PROPÓSITO


Trabalho de pesquisa, transcrição e compilação de informações históricas, sociológicas e culturais de Brejo do Amparo (Município de Januária), localizado no Vale do São Francisco, Região Norte do Estado de Minas Gerais, incluindo a genealogia de famílias brejinas (naturais e adotivas) e a formação do acervo fotográfico de seus descendentes.

Iniciativa de Antônio Rodrigues Torres Filho (Sinhozinho Torres)

Endereço residencial Rua Sarah Carvalho Machado, Nº 368 Bairro Céu Azul Belo Horizonte (MG) 31580-130

Endereço eletrônico sinhozinho_torres@yahoo.com.br

Informática e Informatização: Maria das Dores Silva Torres Projeto Gráfico Digital: Charles Tôrres Teixeira Coordenação de Arte: Lígia Ribeiro Araújo Tôrres Revisão e Editoração Eletrônica: Charles Tôrres Teixeira Assistente de Revisão e Editoração Eletrônica: Lígia Ribeiro Araújo Tôrres Diagramação: Maria das Dores Silva Torres

- PROIBIDO TODO OU QUALQUER USO COMERCIAL –


“A doçura do Passado? O recordá-lo, porque recordá-lo é torná-lo presente, e ele nem o é, nem o pode ser – o absurdo, meu amor, o absurdo”. (Fernando Pessoa)

ÍNDICE


AGRADECIMENTOS INTRODUÇÃO NOSSO OBJETIVO REMINISCÊNCIAS DÉCADAS DE SAUDADE REENCONTRO COMEMORAÇÕES COMO TUDO COMEÇOU... PRIMOS IRMÃOS GENEROSA ACOLHIDA VIA CRUCIS ANGUSTIANTE ESPERA DEUS LHE PAGUE DONANA OLHAR SUPLICANTE COM AS PRÓPRIAS MÃOS NASCIMENTO E BATIZADO POR QUE SINHOZINHO? FORMAÇÃO RELIGIOSA VIDA DE COROINHA CASA PAROQUIAL ENTRE LIVROS E FOTOS MEU TEMPO REGIÃO DA POMPÉIA CARROÇÃO DO BRÁS FLORIDO JARDIM TEMPO CHUVOSO CLARÕES CELESTES MÊS DE DEZEMBRO CASA DE MEUS PAIS NOSSO QUINTAL GOIABADA CASCÃO CRIAÇÃO DE CAPRINOS PRESENTES E BRINQUEDOS MINHA TIMIDEZ PRIMEIRAS LEITURAS PRIMEIRAS DIVERSÕES ANIMAIS DOMÉSTICOS ÁGUA DE CISTERNA FORNO E FOGÃO URUCUZEIRO MOSQUITOS PERNILONGOS PADRES CAPUCHINHOS ERA DO RÁDIO PROGRAMAS RADIOFÔNICOS PROGRAMAS DE AUDITÓRIO QUERIDOS E ADMIRADOS GOSTO MUSICAL


CLÁSSICOS MAIS QUERIDOS ORQUESTRA RIBEIRO BASTOS GÊNEROS E ESTILOS MUSICAIS GREGÓRIO BARRIOS ERA DA TELEVISÃO PRIMEIRA TRANSMISSÃO OFICIAL PROGRAMAS INESQUECÍVEIS TELENOVELAS SESSÃO BANG BANG EMOCIONANTES SERIADOS AVENTURAS DE TARZAN MARIA-FUMAÇA MAQUETE DA IGREJA MINHA MÃE MEU PAI DESCENDÊNCIA DE MEUS PAIS PRESÉPIO MECÂNICO PRIMEIRA SEMANA SANTA NOSSO SENHOR DOS PASSOS NOSSA SENHORA DAS DORES USO DAS IMAGENS INSTRUMENTOS MUSICAIS SÃO GERALDO MAJELA QUASE UMA OBSESSÃO BOM GOSTO E TALENTO FÁBRICA DE SONHOS REDEMOINHOS DE VENTO HINOS QUE MAMÃE CANTAVA NAVANTINO ALVES CALENDÁRIOS CATÓLICOS NOSSO SANTO PADROEIRO NUNCA PERDEMOS O TREM... ORÍGEM DA NOSSA DEVOÇÃO CADERNETA CENTENÁRIA NOTÍCIA DE JORNAL SECULAR MEU TRABALHO NO SERTÃO VEREADOR BREJINO VESTIDO DE REI FESTA DE CAVALHADA AMIZADE E CONSIDERAÇÃO DESVENDANDO O MISTÉRIO ORÍGEM DAS FAMÍLIAS CARNEIRO ROCHA FAMÍLIA CARNEIRO ROCHA DE MACAÚBAS MARAVILHAS DO SERTÃO GERAIS GRANDIOSIDADE E MAGNIFICÊNCIA PEQUIZEIROS E BURITIZEIROS IMPORTÂNCIA DO PROJETO MEMÓRIA


FAMÍLIA CARNEIRO ROCHA DE RODA D’ÁGUA FAMÍLIA CARNEIRO ROCHA DE SERRAGEM VIAGEM INESQUECÍVEL FAMÍLIA TORRES DE CÔNEGO MARINHO PARENTESCO COM A FAMÍLIA RODRIGUES DA ROCHA PARENTESCO COM A FAMÍLIA RODRIGUES TORRES ENCONTRO ALTAMENTE POSITIVO NUM BARCO A VAPOR TOMARA QUE EU ESTEJA CERTO CORONEL ROCHA FAMÍLIA ROCHA CACIQUINHO PROFESSOR MANOEL AMBRÓSIO SEMANÁRIO “A LUZ” INTERESSE JORNALÍSTICO VALSA NOSSA SENHORA DO AMPARO - LETRA VALSA NOSSA SENHORA DO AMPARO - MÚSICA ORAÇÃO A NOSSA SENHORA DO AMPARO ORIGEM DESSA PIEDOSA DEVOÇÃO PARÓQUIAS BRASILEIRAS DE N. S. DO AMPARO MEMÓRIAS DE MEU PAI EM BUSCA DO ELO PERDIDO DISTANCIAMENTO INVOLUNTÁRIO NUMA ESPLENDOROSA MANHÃ... RECORDAÇÕES QUE O TEMPO NÃO APAGOU QUESTIONÁRIO CONVITE DOCUMENTAÇÃO FONTES

AGRADECIMENTOS “Eu gostaria de lhe agradecer pelas inúmeras vezes que você me enxergou melhor do que eu sou. Pela sua capacidade de me olhar devagar, já que nesta vida muita gente já me olhou depressa demais.” (Padre Fábio de Melo)

Inicialmente, agradeço a você que me honra com a sua leitura neste instante: Obrigado amigo! Obrigado amiga! Muitíssimo obrigado por tudo! Obrigado pela atenção, pela consideração, pela delicadeza, pela bondade, pela amizade e pela simpatia que sempre demonstrou ter por mim e por minha família. Agradeço, também, penhorada e antecipadamente, a quem puder ajudar-me, de alguma maneira, a levar avante os objetivos deste meu modesto trabalho.


Principalmente, enviando, por escrito, para os meus endereços (residencial ou eletrônico), constantes da folha de rosto deste livro, críticas, sugestões, informações e correções. Elas serão de grande utilidade. Por isso mesmo, serão muito bem-vindas! Disse modesto trabalho porque, não sendo profissional da literatura (quem me dera fosse...), não consigo expressar-me de modo correto, de maneira adequada, o que muito me deixa entristecido, pois assunto nunca me faltou... Aproveito a oportunidade para agradecer, enternecido, o extraordinário apoio recebido de meus primos Márcio Artur Tupiná, Esther Eustáquia Gonçalves Cezário, Eunice Monteiro Ojeda e das irmãs Maria do Amparo e Anísia Carneiro Rocha, fornecendo-me informações preciosas sobre nossos antepassados; de minha filha caçula, Maria das Dores Silva Torres (Dorinha), minha incansável, prestimosa, persistente e paciente professora de informática, sempre disposta a repassar-me os seus conhecimentos nessa área; de meu neto Charles Tôrres Teixeira e de sua amabilíssima esposa Lígia Ribeiro Araújo Tôrres, dedicados e competentes revisores e editores deste livro. A ajuda deles foi é e continuará sendo essencial para dar vida e vigor à sementinha que, no decorrer de dez longos anos, fora plantada por mim no coração e na mente de cada um de meus sobrinhos e primos, conseguindo transformá-la, através do amor, da humildade, da dedicação e da paciência, neste surpreendente e excepcional empreendimento que denomino Projeto Memória. A cada um, pois, a minha eterna e profunda gratidão. Finalmente, devo dizer que ficarei, vivamente, agradecido, a quem puder dar-me respostas precisas às indagações que faço no questionário existente no final desta obra. Para quem não tem quase nenhuma toda e qualquer informação, que puderem repassar-me, a respeito de nossos queridos ancestrais, tornar-se-á preciosa, para mim e para quantos comungam com os mesmos ideais aqui divulgados. Poderá vir (quem sabe) a resgatar uma parte de nossa fascinante história familiar que, porventura, ainda não nos tenha sido contada, devidamente.

INTRODUÇÃO

“Sou um só, mas ainda assim sou um. Não posso fazer tudo, mas posso fazer alguma coisa. E, por não poder fazer tudo, não me recusarei a fazer o pouco que posso.” (Edward Everett Hale)


A falta de um empreendimento anterior e a necessidade que sinto de reunir, para as atuais e futuras gerações, as informações coletadas por mim, ao longo do tempo, sobre a origem e as ramificações de centenárias e heróicas famílias brejinas, ligadas a mim por laços de consangüinidade, incentivaram-me a produzir, editar e distribuir este despretensioso e inusitado trabalho. Devido às dificuldades de localização, comunicação e persuasão de grande parte de nossos parentes, espalhados por diversos povoados do Grande Sertão Mineiro, de difícil acesso e por diversificadas cidades de Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal, São Paulo, Rio de Janeiro, vários outros Estados da Federação e, até mesmo, fora de nosso País (Canadá), a coleta de dados pessoais e familiares, através de troca de correspondência regular e usual, via Correio, tornou-se morosa e complexa, urgindo a divulgação dos elementos, até agora obtidos, objetivando estimular aqueles que ainda não entenderam a imensurável importância, histórica e sentimental, de sua participação no nosso Projeto Memória. Aqui está, pois, o primeiro resultado de nossos esforços. Trata-se de um trabalho modesto - torno a repetir sem fins lucrativos, sem técnica redacional ou vocábulos requintados. Ele deve ser considerado tão somente – pois é assim que eu o vejo – o primeiro passo, a primeira iniciativa, a primeira experiência sobre este fascinante assunto. Seu objetivo, primordial, é preencher a lacuna informativa até hoje existente em nosso meio familiar. Tem a finalidade, também, de encorajar nossos adolescentes a registrarem, através de textos e fotos, o cotidiano de seus familiares; principalmente, os relatos, históricos, de seus pais, avós e bisavós, se, ainda, tiverem a ventura, inigualável, de os terem em suas companhias. Ouçam, anotem ou gravem as memórias de nossos queridos ancestrais. Eles têm muito para nos contar. São verdadeiras preciosidades que necessitam de preservação. Mas, por favor, ajam rápido, antes que as mesmas se percam, irremediavelmente, com o passar, inexorável, do tempo... Prometo que as próximas edições do Projeto Memória serão mais aprimoradas e melhor documentadas. Estou trabalhando para isso dia e noite! Com grande entusiasmo! Com total dedicação! Entretanto, para que isso possa acontecer, preciso do seu precioso e imprescindível auxílio. Ajude-me divulgando o nosso Projeto Memória junto aos seus parentes mais próximos. Defenda a sua importância como história, como integração e como unificação de nossa parentela. E mais: se você possui título de eleitor, carteira de identidade, certidão de batismo, fotos e/ou certidões de nascimento, de casamento ou de óbito de seus pais, avós, bisavós ou trisavós, por favor, envie-nos pelo Correio, através de carta registrada, com AR. Eles serão copiados e devolvidos, em seguida, da mesma forma. Sua colaboração será muito bem-vinda! Será muito bem recebida por mim e por minha família! Dessa maneira, a sementinha que, agora, por mim, está sendo plantada, vai germinar, crescer, florescer e dar ótimos frutos. Assim o espero!


Assim o desejo! Será – tenho certeza – um excelente e justo tributo à memória de nossos queridos antepassados. O gravador, na minha adolescência (no lançamento deste livro estarei completando setenta e dois anos de idade), além de não possuir a tecnologia digital de hoje, não era acessível à grande parte do trabalhador de pequeno rendimento, na qual sempre estive incluído, não tendo tido, infelizmente, condições financeiras de adquiri-lo. Ademais, nessa época, levando-se em consideração a sua finalidade e as minhas necessidades mais prementes, com certeza, teria sido considerado um bem supérfluo, isto é, aquele cuja posse poderia esperar melhor oportunidade... Contudo, – aqui, pesarosamente, eu me penitencio – tivesse eu conseguido registrar, mesmo através de anotações sucintas, tudo o que tive a felicidade de ouvir de meus saudosos e queridos pais, nas suas inúmeras horas de recordações, devaneios e saudades, hoje, com absoluta certeza, teria eu uma verdadeira e emocionante saga sertaneja para lhes contar...

Esta era a jardineira que nos transportava de Montes Claros à Januária. A travessia do outrora caudaloso Rio São Francisco era feita em perigosa balsa. Foto tirada por Sinhozinho em 1958.


NOSSO OBJETIVO “Quando se sonha sozinho, é apenas um sonho. Quando sonhamos juntos, é o começo da realidade.” (D. Quixote)

Os descendentes das famílias brejinas dos Séculos XVIII, XIX e XX, originários de Brejo do Amparo, pequeno e deleitoso lugarejo existente na parte inferior da encosta da Serra do Brejo, distante seis quilômetros da Sede do Município de Januária (dos quais me ufano de fazer parte), de há muito não são mais os mesmos. Orgulhosos, entusiasmados, irmanados, hoje eles estão, plenamente, conscientes da grande importância que tiveram seus ancestrais no processo de fundação e desenvolvimento de Januária, grande município mineiro da região do Médio São Francisco. Espalhados por quase todos os rincões do território mineiro e nacional deixaram o obscurantismo histórico, a indiferença e a timidez de lado para recordar e comentar, com altivez, em suas reuniões familiares, os gloriosos feitos de nossos antepassados. Nos calçadões interioranos, ao pôr do sol, nas varandas, nas salas de visita, nos saraus, na roça ou nas cidades, sob a luz tênue e bruxuleante da candeia ou da resplandecente luz elétrica, observa-se um interesse incomum pela história (pouco divulgada) de Brejo do Amparo, no século XVIII, “considerado o maior empório comercial entre o Alto e o Médio São Francisco, de onde saíam boiadas para a região do Rio das Velhas”, segundo nos conta Carla Maria Junho Anastásia em seu livro “Vassalos Rebeldes” (pág. 67), e pela saga de suas primeiras famílias. Sinto imenso orgulho por ter tido a iniciativa de empunhar e levantar esta bandeira. Em junho de 2003, portanto, há dez anos passados, quando lancei a sementinha, em forma de um ideal, tive medo que ela caísse em terra infértil e não medrasse. Tive medo que lhe faltasse o calor humano necessário à sua germinação, crescimento, floração e frutificação. Tive medo de trabalhar sozinho e em vão nessa imensa seara. Graças a Deus, meu receio foi infundado e os resultados, desde então, têm sido magníficos. Ao longo desse tempo, desconfiados, apreensivos, receosos, observando e analisando cada iniciativa minha (como é próprio de todo sertanejo genuíno), aos poucos foram aderindo ao nosso Projeto Memória, sem pressa e sem pressão. Hoje, graças a Deus, são dezenas de obreiros trabalhando nesta excelente produção... Recordar, reviver, exaltar, louvar e homenagear nossos antepassados, ilustres ou desconhecidos do grande público, ao longo do tempo, é o grande objetivo do Projeto Memória, que não é só meu, mas, sim, de todos e de cada um dos descendentes da grande família brejina, que são seus filhos, netos, bisnetos, trinetos, tetranetos, pentanetos, hexanetos... Tenho certeza


que, de alguma forma, em algum momento de suas vidas, continuarĂŁo empunhando, com orgulho, a bandeira que hoje ĂŠ empunhada por mim.

Nossa Senhora do Amparo, Padroeira de Brejo do Amparo. Foto da imagem original, tirada por meu irmĂŁo Henrique em 1959.


REMINISCÊNCIAS

Passei minha infância e adolescência ouvindo, embevecido, mamãe contar histórias de sua terra e de sua gente. Quase toda manhã, enquanto executava suas tarefas domésticas, e nos seus raros momentos de descanso, no decorrer do dia, ela nos transmitia instantes de pura ternura e enlevo, ao recordar a sua juventude no Brejo do Amparo, ao lado de seus queridos pais, irmãos e avós. Como que exercitando a sua memória, citava, com freqüência, e incrível lucidez, nomes de logradouros e de familiares seus. ”Saco dos Bois” (hoje Município de Cônego Marinho), “Cochá” (hoje Município de Montalvânia), local onde meus avôs Cícero e Vicente tinham fazendas de criação de gado e de cavalos, “Lagoa do Sucuriu” (que já secou, infelizmente), onde se lavava a roupa da família, “minha avó Joana”, “minha avó Faustina” e “minha tia Emídia”, eram alguns desses nomes, inesquecíveis, que penetraram fundo na minha memória e no meu coração, para nunca mais saírem. Além de citar, evidentemente, com freqüência e com indisfarçável meiguice e veneração, os nomes de seus saudosos pais e de cada um de seus queridos irmãos. Esta era a maneira que mamãe encontrava para demonstrar o apreço e a saudade que sentia por seus entes queridos e por sua longínqua terra natal e de nos transferir conhecimentos sobre nossos antepassados. Sem perceber (ou foi intencional?), ela acabou implantando, em meu coração infanto-juvenil, o amor pela natureza, pela vida rural, pela simplicidade sertaneja e pelos nossos heróicos antecessores. Talvez, por isso, o meu grande entusiasmo por “Globo Rural”, “Viola Minha Viola”, “Terra de Minas”, “Arrumação”, “Sr. Brasil” e tantos outros programas centrados (ou fundamentados) na cultura caipira e rural, levados ao ar, nos finais de semana, pelas emissoras abertas de televisão.

DÉCADAS DE SAUDADE

Meus pais casaram-se às dezessete horas do dia 10 de janeiro de 1920, em domicílio de minha avó materna Ambrosina, em Brejo do Amparo, onde fixaram residência e tiveram os primeiros três filhos: Ermelinda, Ambrosina e Henrique. Em abril de 1926, após o falecimento de minha avó Ambrosina, mudaram-se para Januária, onde geraram mais dois filhos: Faustina e Cícero. No mês de setembro de 1928 transferiram-se, definitivamente, para a


encantadora Belo Horizonte, a então jovem Capital de Minas Gerais que, naquele ano, completava sessenta e nove anos de fundação (hoje tem 116 anos). Ao todo, mamãe teve quatorze filhos (incluindo dois abortos não intencionais), dos quais sou o caçula dos homens. Enquanto o casal lutava na Capital Mineira pela sobrevivência da família, dia após dia, com garra, coragem, obstinação e muito, muito sofrimento, os anos passavam impiedosos e céleres. Em 1957 já se tinham decorridos, desde que para aqui viera o casal de muda, quase três décadas longe de seu povo e de sua terra amada. Em virtude de carência financeira e de outros angustiantes obstáculos que, corajosamente, o casal enfrentava, retornar ao Grande Sertão Mineiro, para rever seus quatro irmãos que lá deixara (papai era filho único), passou a ser para mamãe uma utopia, ou seja, um desejo impossível de se realizar, do ponto de vista humano. Então, só lhe restava a nostalgia curtida na fé em Deus, na esperança de um futuro melhor, na humildade, na paciência, na resignação, na oração e na lida diária, virtudes que mamãe tinha de sobra. Enquanto isso, em Brejo do Amparo, em Roda D’Água, em Serragem, em Macaúbas e na Sede do Município, alguns de seus sobrinhos e primos nasciam, cresciam, casavam-se e multiplicavam-se, sem que deles ela tivesse nenhuma (ou quase nenhuma) notícia...

REENCONTRO

Porém, como para Deus nada é impossível, o sonho de mamãe realizou-se, miraculosamente, vinte e nove anos após a sua vinda para Belo Horizonte, por ocasião da Ordenação Sacerdotal e Primeira Missa de seu sobrinho Antônio, filho de João e de Laudelina, sua irmã (teria sido uma intercessão de Santo Antônio?). As solenidades religiosas foram realizadas na Catedral de Montes Claros e na bicentenária Igreja Matriz de Nossa Senhora do Amparo, de Brejo do Amparo, lamentável e irresponsavelmente, demolida no ano de 1968. Esse prodigioso fato teve início em 30 de novembro de 1957 e se estendeu até 08 de dezembro de 1957, festa da Imaculada Conceição de Nossa Senhora. Eu tive a grande honra e o imensurável prazer de acompanhar mamãe nessa e em outras viagens ao Brejo do Amparo e pude testemunhar a enorme felicidade que ela sentia, a cada viagem realizada, ao rever sua terra natal e sua gente querida. Foram dias memoráveis, horas inesquecíveis, minutos preciosos aqueles. Jamais se apagaram (nem se apagarão) da minha memória e do meu coração. Desde então, cinqüenta e seis anos foram consumidos pelo tempo implacável e inclemente. E muitos, muitos


acontecimentos se sucederam no decorrer desse período. Fatos bons e maus; alegres e tristes; ordinários e extraordinários.

Retorno de mamãe ao Brejo do Amparo, 29 anos depois de ter deixado sua terra natal. Por não gostar de ser fotografada, esta imagem foi feita sem o seu consentimento e precipitadamente, ficando, em conseqüência, desfocada. Foto tirada por Sinhozinho, em 1958.

COMEMORAÇÕES Dentre as ocorrências dignas de registro, transcorridas a partir de 1957, estão as Bodas de Ouro Matrimoniais de meus pais, em 10 de janeiro de 1970; o excepcional encontro de nosso primo Padre Antônio Gonçalves da Rocha com Sua Santidade o Papa João Paulo II, no Vaticano; a solenidade do Jubileu de Ouro de Vida Religiosa de Irmã Dorotéa Rodrigues Torres (minha irmã Ambrosina), em 11 de março de 1992; a celebração das Bodas de Ouro Matrimoniais de nossos primos Geraldo Gonçalves da Rocha e Francisca, em 26 de dezembro de 1993; os festejos comemorativos das Bodas de Diamante Matrimoniais (60 anos) de nossos primos Geraldo Gonçalves da Rocha e Francisca, em 26 de dezembro de 2003; a comemoração das Bodas de Ouro Sacerdotais de nosso primo Padre Antônio Gonçalves da Rocha (hoje Monsenhor), em 30 de novembro de 2007; a comemoração dos noventa anos de vida de nosso primo


Geraldo Gonçalves da Rocha, em 12 de julho de 2009; os festejos comemorativos dos noventa anos de vida de Ermelinda Torres da Cunha, nossa irmã primogênita, em 03 de setembro de 2011; a comemoração dos noventa anos de vida de Francisca de Oliveira Gonçalves (Vovó Chiquinha), esposa de nosso primo Geraldo Gonçalves da Rocha, em 04 de outubro de 2011; os festejos comemorativos das Bodas de Vinho Matrimoniais (70 anos) de nossos primos Geraldo Gonçalves da Rocha e Francisca, em 26 de dezembro de 2013; finalmente, o magnífico florescer dos troncos Leonilda da Rocha e Rodrigues Torres, origem de centenas de famílias e a rara e feliz oportunidade que estou tendo de agrupar, neste modesto e original Projeto Memória, sete abençoadas gerações...


Minha tia-avó materna Emídia Leonilda da Rocha e Marinho José Batista, progenitor do padrasto de papai e sogro (em primeiras núpcias) de Manoel Ambrósio, professor, jornalista, escritor e redator do jornal “A Luz”.

Juscelina Estrela (Jurcinha), filha de meus tios-avós Emídia Leonilda da da Rocha e Marinho José Batista, neta, por parte de mãe, de meus bisavós Lúcio José da Rocha e Joana Leonilda da Rocha.

COMO TUDO COMEÇOU

(1)


“O que sabemos é uma gota. O que ignoramos é um oceano.” (Isaac Newton)

A história das famílias Leonilda da Rocha e Rodrigues Torres teve início com a chegada de um grupo de portugueses, procedente de terras lusitanas, ao então Arraial de Brejo do Amparo, no início de 1800, liderado por José Fernandes da Silva. Sabe-se que esse grupo, posteriormente, fora encarregado de reedificar a Igreja de Nossa Senhora do Amparo, que se encontrava em péssimas condições. Dessa comitiva constavam José Antônio Serrão, José Luiz, um personagem conhecido como “Toco”, Tomaz, Inácio e Antônio Gaspar Torres (meu trisavô paterno e materno), tendo, todos eles, fixado residência no florescente Arraial, passando o líder do grupo a dedicarse ao comércio de escravos. Tendo Antônio Gaspar Torres se enamorado de Ana Rodrigues, filha de Antônio Rodrigues Ferreira, membro da extensa família Rodrigues Ferreira, originária da Vila Real de Queluz (hoje Município de Conselheiro Lafaiete), da então Província de Minas, local de diversos encontros dos Inconfidentes Mineiros, com ela se casou, gerando o casal os seguintes filhos: Silvestre Rodrigues Torres, Possidônio Rodrigues Torres, Faustina Rodrigues Torres e Francelina Rodrigues Torres. De Silvestre e Possidônio Rodrigues Torres, infelizmente, até o presente momento, não obtive informação alguma. Francelina Rodrigues Torres, provavelmente, foi a mulher de João Ribeiro, padrinho e tutor de papai, possibilidade, ainda, sem nenhuma comprovação. O que me leva a crer nessa hipótese é o fato de papai ter se referido, em suas memórias, também publicadas nesta edição, a uma sua tia chamada França e a seus primos (que suponho serem filhos da mesma) denominados Manuel, José, Joaquim, Francisco e Gabriel. Neste contexto, pergunto: não poderia a palavra França ser o hipocorístico de Francelina? Acredito que sim! Por outro lado, o fato de João Ribeiro ter sido padrinho e tutor de papai (que ficou órfão de pai quando ainda estava engatinhando), não sugere direitos e deveres de família, assumidos, justamente, por ter se casado com uma tiamaterna de meu avô Vicente?

PRIMOS IRMÃOS

Faustina Rodrigues Torres (minha bisavó paterna e materna) casou-se com Antônio Rodrigues Ferreira da Costa, tendo o casal gerado os seguintes filhos: Pedro Rodrigues Torres, Vicente Rodrigues Torres (meu avô paterno) e Ambrosina Rodrigues Ferreira (minha avó


materna). Vicente Rodrigues Torres casou-se com Hermenegilda Alves de Souza, de cuja ascendência desconheço até o momento. Desse consórcio nasceu um único filho, Antônio Rodrigues Torres, meu pai. Ambrosina Rodrigues Ferreira casou-se com Cícero José da Rocha, filho de Lúcio José da Rocha e Joana Leonilda da Rocha, gerando os seguintes filhos: Andrelina, Antônia (minha mãe), Benedito, José, Laudelina, Lúcio e Maria, todos com o sobrenome Rodrigues da Rocha. Meus pais, como ficou explícito acima, eram filhos de dois irmãos (Vicente e Ambrosina). Conseqüentemente, tinham os mesmos avós, bisavós e trisavós, sendo, portanto, primos em primeiro, segundo e terceiro graus. De meu tio-avô Pedro Rodrigues Torres não tenho notícia alguma, até o momento. Suponho ser ele a origem da Família Torres residente na cidade norte mineira de Cônego Marinho. Entretanto, por falta de documentação, ainda não consegui comprovar essa hipótese. Não tenho dúvida alguma, entretanto, que Antônio Ferreira Torres, conhecido por Antonino, pai de Manoel Nonato (e de mais nove filhos), Prefeito da mesma cidade, por dois mandatos consecutivos, era primo de meus pais. Só não consegui demonstrar, ainda, em que grau... Para tanto, estou me apoiando não somente nas afirmações de mamãe que, por si só, são irrefutáveis, como, também, na de vários primos de primeiro grau, ainda vivos, que, da mesma forma que eu, ouviram essa afirmação, diretamente, de seus progenitores.


Fachada da Igreja Matriz de Brejo do Amparo, do tempo de nossos trisav贸s, irresponsavelmente, demolida em 1968. Foto tirada por Sinhozinho em 1958.


Lado esquerdo da tricentenária Igreja Matriz de Brejo do Amparo, vendo-se ao fundo a majestosa e altaneira Serra do Brejo. Foto tirada por Sinhozinho em 1958.

GENEROSA ACOLHIDA

(2)

No mês de setembro de 1928, mês da primavera, das temperaturas elevadas e dos temporais, meus pais e cinco filhos pequenos deixaram a cidade de Januária, no Vale do São Francisco, Norte de Minas Gerais, viajando de vapor até Pirapora e, de trem de ferro, dessa cidade até Belo Horizonte. O ramal ferroviário já existia desde 1919 e saia da estação de Corinto, sendo a cidade dos “peixes que pulam” o ponto terminal da linha. A saudosa Maria-Fumaça que trouxe meus pais era administrada pela então Estrada de Ferro Central do Brasil e a sua composição fazia parte do chamado Trem do Sertão que ia de Belo Horizonte até Montes Claros e de lá, através de baldeação, para Salvador, Capital da Bahia, a cidade mais populosa do nordeste. Talvez, por isso, seus passageiros (mesmo os mineiros) eram apelidados de “baianos”. A composição de Pirapora deixava a cidade às 5,40 e chegava em Belo Horizonte por volta das 23 horas. No total, a viagem de meus pais de Januária até a Capital Mineira durou seis dias. Meus pais escolheram esta cidade para morar pensando no futuro dos filhos e em busca de melhores condições de vida, emprego e assistência médica. Inicialmente, foram morar, de favor, na casa de Antônio Ferreira, conterrâneo e amigo da família, em Venda Nova, que, generosa e gentilmente, os acolheu durante um


mês, sem nada lhes cobrar pela hospedagem. Mas quem era esse generoso homem que merece todo o nosso respeito e estima? Antônio Ferreira era o pai de João Ferreira da Cruz, esposo de Maria Antônia Carneiro, conhecida, na Roda D’Água, onde residia, por “Maria Ferreira”. Ela era irmã de Elísia Antônia Carneiro, Joana Antônia Carneiro e Gerônima Antônia Carneiro. As quatro eram filhas de Guna Gomes Carneiro e Januário (não consegui identificar seu sobrenome) e netas de Alonso Gomes e Gerônima Gomes Carneiro, casal que deu origem às famílias Carneiro Rocha. As duas últimas (Joana e Gerônima) foram esposas de meu tio materno Lúcio Rodrigues da Rocha. Nessa época, o povoado de Venda Nova pertencia à vizinha Sabará, uma cidade histórica, fundada (entre 1672 e 1678) pelos bandeirantes Bartolomeu Bueno e Manoel de Borba Gato e era desprovido de quase tudo. Mesmo assim, meus pais resolveram permanecer morando nele, enfrentando o seu desconforto com heroísmo, por absoluta ausência de opção. Somente em 1948, quando meus pais já residiam há mais de uma década em Belo Horizonte, é que o vilarejo foi anexado à Capital Mineira.

VIA CRUCIS

Tendo acomodado sua esposa e filhos em abrigo seguro e aconchegante, todos os dias, de segunda a sábado, às duas horas da madrugada, sob a claridade pálida da lua ou da tênue luz das estrelas, com o tempo bom ou ruim, papai pegava a sua marmita e a garrafa de vidro com café - que mamãe já lhe preparara - dava adeus aos seus queridos e seguia para a antiga Estrada de Venda Nova com o semblante carregado e o coração apertado. Seu destino era Belo Horizonte e sua missão era procurar trabalho para o sustento de sua família. Ele sofria, por antecipação, porque previa que o novo dia seria igual a tantos outros já vividos por ele: de muita ansiedade, aflição, suor, lágrimas e cansaço físico e mental. Mas, mesmo assim, nada o detinha e nada o fazia desesperar. Sua responsabilidade para com a família lhe dava ânimo e destemor para poder vencer os quase vinte quilômetros de chão até a Capital. Por volta das cinco horas da manhã, finalmente, conseguia ele sentar-se na calçada do Mercado Municipal (hoje Mercado Central), em frente à Secretaria de Estado da Saúde (atual Minascentro) para, então, se descansar e poder fazer o seu desjejum, tomando o seu primeiro gole de café. Em seguida, passava o dia todo perambulando pela cidade à procura de seus conterrâneos, amigos e conhecidos, a fim de pedir emprego a uns e cobrar empenho ou promessas de ajuda a outros, muitas vezes, enfraquecido pela fome, pela sede, pela fadiga, banhado em suor e


transfigurado atormentava.

pelo

esgotamento

físico

e

pela

aflição

que

o

ANGUSTIANTE ESPERA

Depois de um ano inteiro de andanças sem fim, cobranças desesperadas e angustiante espera, finalmente, papai passou a ter compensações. A atividade remunerada (embora de salário modesto e transitório), com a ajuda de Deus, nunca mais lhe faltou. Apesar de mal alimentado, da fadiga imposta pelas caminhadas forçadas e da contínua perda de sono e de massa corporal, era sorrindo de felicidade que, nos fins de semana, voltava ele para Venda Nova, ao pôr do sol, equilibrando, na cabeça, um saco de linhagem cheinho de mantimentos. Seu peso, desconforme, nada significava para ele, em vista da satisfação e do alívio que daria à mamãe e aos meus irmãozinhos ao chegar em casa, na boquinha da noite. Naquele momento, suas dores e preocupações eram suplantadas pela alegria intensa que percebia nas manifestações de gratidão a Deus e de carinho de seus familiares e pela sensação que lhe dava o dever cumprido. Trabalhando na profissão de bombeiro-hidráulico, papai esteve empregado em diversas oficinas mecânicas de propriedade particular. Como empregado municipal, por dois anos, teve a oportunidade de participar da troca dos encanamentos de Venda Nova. Durante dois anos, também, papai trabalhou numa fábrica de parafusos. Seu primeiro emprego estadual foi na Polícia de Focos e Mosquitos, popularmente conhecido, na época, como “Mata Mosquito”, hoje equivalente ao Agente Municipal de Combate à Dengue. Nesse emprego, que exigia caminhada contínua durante todo o dia, debaixo de sol causticante ou chuva molhadeira, papai trabalhou no período de cinco anos, deixando-o para assumir o cargo de Porteiro, na Secretaria de Estado da Saúde, no qual se aposentou depois de trinta anos de serviço público estadual.


Lado direito da tricentenรกria Igreja Matriz de Brejo do Amparo. Foto tirada por Sinhozinho em 1958.


Retábulo de madeira da Igreja histórica (demolida) de Nossa Senhora do Amparo, de Brejo do Amparo (MG). Foto tirada por meu irmão Henrique em 1959.

DEUS LHE PAGUE DONANA Durante os quatro anos que meus pais moraram em Venda Nova, papai palmilhou as três léguas da estrada de terra, que nem mesmo cascalho tinha, que ligava aquele povoado ao Centro da Capital (hoje a moderna Avenida Presidente Antônio Carlos), duas vezes ao dia, seis dias por semana. Eram três horas de caminhada acelerada e extenuante na vinda para a cidade e mais três horas na volta para casa. Alguns trechos da estrada eram percorridos com os pés descalços, a fim de economizar o único calçado que possuía.


Nessa ocasião, na Região da Pampulha, à beira da estrada de terra por onde papai transitava, havia uma casinha modesta, habitada por um casal de idosos, felizes, simpáticos, boníssimos e prestativos. A brandura do casal cativou papai desde o primeiro instante. E a mansidão de papai e a sua visível situação de penúria, também, tocaram, profundamente, e de imediato, os corações dos bons velhinhos. Diria, sem medo de errar e sem pedantismo, que foi amor à primeira vista... O homem era conhecido na região por Manoel Português e a mulher por Donana. Ela ganhava o pão de cada dia como Cartomante e passava o dia atendendo seus numerosos clientes, quase sempre tropeiros, carroceiros e caminheiros, como papai. Sua casa, aberta a todo mundo, indistintamente, passou a ser para papai o mesmo que um oásis para os viajantes do deserto. Quando o horário e seus compromissos permitiam, ao passar pela habitação dos bons velhinhos papai nunca deixava de adentrá-la, por alguns instantes, para cumprimentar o venturoso casal. À sua sombra descansava os pés inchados, refrescava seu corpo encharcado de suor e criava laços de amizade. Ao retirar-se, nunca saia sem antes beber um delicioso copo de leite e comer um pedaço de saborosa panhoca, sempre oferecidos por Donana com um largo e belo sorriso e palavras de consideração e estímulo. Encantado e enternecido com a extremosa benevolência dos velhinhos, na hora de deixar a residência do casal papai se despedia, agradecido e emocionado, sempre com as mesmas palavras que brotavam do fundo de sua alma: “Deus lhe pague Donana, Deus lhe pague...”. Em seguida, com os olhos marejados de lágrimas e com a voz embargada pela emoção, mas com a saúde física e mental revigoradas, retomava a caminhada pela estrada poeirenta e tortuosa, rumo ao seu destino.

OLHAR SUPLICANTE

Durante as suas caminhadas, obrigatórias, de vinda a Belo Horizonte e volta para casa, necessariamente, papai tinha que passar pelo Bairro Lagoinha, na região noroeste da Capital, habitado por imigrantes italianos, onde havia uma Igreja Católica (hoje Santuário), construída em 1914, dedicada a Nossa Senhora da Conceição, cuja festa acontece na cidade no dia 8 de dezembro, dia de feriado municipal. Católico fervoroso e praticante, e mariano por devoção, nas suas horas de aflição e desesperança, cansado da sofrida vida que levava, ao avistar, de longe, a torre do belo templo, seu coração sempre batia forte ao mesmo tempo em que seus lábios dirigiam fervorosas súplicas à Santíssima Mãe de Deus, pedindo ajuda para carregar a sua pesada cruz. De tanto dirigir para a Igreja o seu olhar


suplicante e lacrimoso, papai não teve dúvidas quando, certo dia, ocorreu-lhe a luminosa idéia (ou teria sido uma promessa?) de construir uma maquete do referido templo. Constatou, entretanto, que, até aquele momento, nunca tinha feito uma maquete; nem mesmo em sonhos... Mas o entusiasmo que se apossou de papai, a partir daquele instante, foi tão grande, que, mesmo achando difícil a construção de uma obra daquela magnitude, não se desanimou. Difícil é, mas não impossível, repetia ele, baixinho, para os seus botões, enquanto seguia o seu caminho a passos largos. E, a partir de então, passou a ter plena certeza que faria a maquete desejada, apesar das dificuldades que teria de enfrentar, uma vez que, ainda, não possuía as ferramentas e a madeira adequadas e necessárias para a execução do serviço. Nem mesmo o dinheiro, indispensável, para comprá-las. Mas isso não lhe preocupou nem um pouquinho...

COM AS PRÓPRIAS MÃOS

Enquanto promoviam e acompanhavam o desenrolar da vida familiar, sempre confiantes na Providência Divina, que nunca lhes faltara, mesmo nos momentos mais difíceis, meus pais, também, foram planejando o seu futuro. Em 06 de junho de 1929 nasceu Manoel, segundo filho do casal com esse nome; em 18 de setembro de 1930 nasceu Lúcio e em 09 de abril de 1937 nasceu Edwiges. Desses três filhos do casal, nascidos após deixarem o Sertão Mineiro, apenas Lúcio chegou à fase adulta. Os outros dois faleceram ainda crianças. Enquanto batalhavam, com afinco, visando o bem-estar da família, os anos foram passando... Em 1931, três anos após deixarem o Brejo do Amparo, sua amada Terra Natal e seus queridos parentes e amigos, meus pais encerraram, com chave de ouro, o seu processo de migração, mudando-se, definitivamente, para Belo Horizonte, sua meta final. Porém, antes de se fixarem na Região da Pompéia, eles residiram em vários outros bairros da Capital, dentre eles, Cachoeirinha, Funcionários (então conhecido como Acaba Mundo) e Santa Tereza, sempre morando em barracões de aluguel ou de favor, cedidos por parentes e amigos, condoídos da situação aflitiva em que viviam. Finalmente, em 1940, seguindo os conselhos de um casal amigo, conterrâneo e, presumivelmente, ligado a nós por laços de parentesco e que já morava na localidade (José Rodrigues de Ávila e sua esposa Maria José Rodrigues), meus pais conseguiram comprar um lote e construir, com as suas próprias mãos, uma modesta casa na então Vila Independência, hoje Bairro Esplanada, na região da Pompéia. Papai trabalhando de pedreiro e mamãe, grávida de vários meses, desempenhando as grosseiras funções de servente... Foi


nesse ano, nessa humilde casa e num mês maravilhoso, que eu vim habitar o nosso lindo Planeta Azul. NASCIMENTO E BATIZADO

Nasci na recém-construída casa de meus pais, localizada na Rua Boninas, nº 766, na Vila Independência, hoje Bairro Esplanada, na região da Pompéia, em Belo Horizonte. De acordo com o registro feito às fls. 98 do livro nº 122, do Primeiro Sub-Distrito da Capital, vim ao mundo às dez horas e trinta e cinco minutos do dia 11 de dezembro de l940, numa quarta feira. Porém, conforme anotação, manuscrita, feita por papai, em seu caderninho de registros de nascimentos, meu natalício ocorreu às vinte e duas horas e trinta e cinco minutos do mesmo dia. Teria havido erro de expressão de papai, quando fez a declaração em Cartório? Teria ele deixado de explicar que se referia às dez horas e trinta e cinco minutos da noite? Acredito que sim! Mas não tenho como confirmar! Sou o décimo primeiro filho do casal, o caçula dos homens. Fui registrado com o nome de Antônio Rodrigues Torres Filho. Meu batizado se realizou no dia 24 de dezembro de 1940, mesma data do enlace matrimonial de Ermelinda, minha irmã primogênita, com Alencar José da Cunha, na Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Pompéia, dos Padres Capuchinhos. Foi celebrante o vigário da época, Frei Odorico de Resuttano, tendo sido meus padrinhos Antônio da Anunciação Rodrigues e Ormezinda Rodrigues, residentes no Bairro Santa Tereza, conforme consta das fls. 34 do livro II de Assentamento de Batizados da referida Igreja que, na época, situava-se na Rua Antônio Justino, bem no lugar onde, atualmente, está localizada a Secretaria do Colégio São Francisco de Assis.

POR QUE SINHOZINHO?

Meu apelido é Sinhozinho, porque sempre fui chamado assim por minha mãe. Sempre! A qualquer hora do dia ou da noite. Em tempos alegres ou tristes, fáceis ou difíceis, calmos ou tormentosos. Desde tempos imemoriais até o seu falecimento, em 18 de maio de 1981. Assim ela me chamava em casa, na rua, na Igreja, na Escola, em residência de parentes, amigos e desconhecidos, enfim, em qualquer lugar onde estivéssemos. Para minha inteira satisfação, passei minha infância e adolescência ouvindo-a chamar-me assim. Procedimento continuado até mesmo depois de casar-me e tornar-me


pai de cinco filhos. Minha mãe era a única pessoa da minha família que me chamava por esse apelido. Ninguém mais. Nem mesmo meu pai e meus irmãos. E nunca nos acanhávamos por isso. Nem ela, nem eu. Pelo contrário, adorávamos essa cumplicidade. Ela assim me chamava, com a voz mais doce e terna do mundo, sempre pronunciando a palavra inteira (nunca Sinhô), como que depositando, na entonação de cada sílaba, todo o seu amor por mim e, no diminutivo, todo o seu carinho. E eu acudia seus chamamentos com presteza, estivesse onde estivesse. Assim procedia não por sentir os receios naturais de uma infância subserviente, vivida nos rigores do passado, mas por total aceitação e dedicação filial. Devo registrar, também, que mamãe apelidou três outros filhos: Ermelinda, a filha primogênita, como Santinha; Maria Gabriela, a filha caçula, como Sinhazinha, e Faustina, que herdou o nome e sobrenome de minha bisavó materna e paterna, como Tininha.

FORMAÇÃO RELIGIOSA

Sou Católico Apostólico Romano, por tradição, formação e convicção. Além de ter sido a religião de meus pais, avós, bisavós e trisavós, nela eu fui batizado, crismado, catequizado e evangelizado. Meus pais eram, profundamente, católicos, religiosidade que herdaram de seus antepassados e que exercitaram, com grande fervor, até os seus últimos momentos de vida. Durante a minha infância e pré-adolescência, eu acompanhava mamãe em todas as solenidades religiosas em que ela comparecia. Em todas! Sem exceção! Eu e minha irmã Gabriela (Sinhazinha). Éramos muito conhecidos na Igreja da Pompéia e nos seus arredores, por sermos vistos sempre juntos. Sempre os três! E sempre de braços dados! Eu de um lado, minha irmã do outro e mamãe no meio. Era assim que acompanhávamos mamãe onde quer que ela fosse. E era assim que ela conseguia controlar o nosso “facho”, como ela costumava dizer, reprimindo nossa inclinação e disposição para travessuras e correrias, fora de casa. A freqüência dela à Igreja era assídua. Quase diária. Especialmente, nas primeiras terças feiras (dias dedicados a Santo Antônio), nas primeiras sextas-feiras (dias dedicados ao Sagrado Coração de Jesus), nos sábados (dias dedicados a Nossa Senhora) e nos domingos e dias santificados, em cumprimento ao Primeiro Mandamento da Igreja que determina: “Participar da Missa inteira nos domingos e outras festas de guarda e abster-se de ocupações de trabalho”. Durante a semana, quando mamãe não ia à Igreja de manhã, ia à noite. Quando não ia à missa das seis horas, ia à reza do


Terço e Benção do Santíssimo Sacramento às dezenove horas. Naquela época, só havia Missas matutinas. A Igreja, ainda, não oficiava a Santa Missa nem à tarde nem à noite, como hoje é comum. E o jejum, para quem fosse receber a Sagrada Comunhão, era absoluto e começava à zero hora...

VIDA DE COROINHA

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Dos oito até aos doze anos de idade fui coroinha da Igreja Matriz da Paróquia de Nossa Senhora do Rosário de Pompéia, dos Padres Capuchinhos. Nessa época, vários foram os meus colegas de escola que, também, exerceram essa piedosa atividade. Cada um ajudava os padres, nas funções religiosas, conforme suas disponibilidades. Assim como meus colegas, ajudei a celebrar muita Missa, rezada em latim vulgar (a língua dos antigos romanos), que foi utilizada na liturgia da Igreja até a convocação do Concílio Vaticano II, em 1960, pelo Papa João XXIII. Em determinadas ocasiões, chegava a ajudar, seguidamente, duas ou três missas toda manhã. Era um sufoco! Mal acabava uma celebração com um sacerdote, tinha que retornar ao altar, com outro, imediatamente. Foi assim durante todo o tempo em que meu horário escolar permitiu. Depois, só nos sábados, domingos, dias santos e feriados. Naquele tempo, não havia os diálogos do celebrante com os fiéis, como hoje. Eles eram realizados somente entre o padre e o coroinha e todos, todos, pronunciados em latim. Para isso, tivemos que decorar frases e grandes trechos nesse idioma. Naquele tempo, também, durante a Sexta-Feira Santa, na parte da manhã, era tradição da Igreja trocar a sonoridade dos sinos e das campanhinhas pelo som seco e surdo das matracas, um instrumento de madeira utilizado para anunciar o luto dos católicos pela paixão, crucificação e morte de Jesus. Seu repique, ritmado, substituía o som, festivo, dos sinos que, durante todo esse dia, se calavam, respeitosos. Por ser coroinha eu, também, tinha e usava, fora de casa e do recinto da igreja, uma matraca feita por papai. Ela era pequena, leve, simples, compatível com o meu tamanho e idade, pois eu devia ter, nessa ocasião, de oito a dez anos. Seguindo o costume antigo, observado pelos Padres Capuchinhos, a matraca começava a ser tocada nas ruas da Paróquia de manhã cedo, antes dos primeiros raios do sol surgirem por trás das montanhas que cercavam a Pompéia. Também ajudei muita reza do terço e bênção do Santíssimo Sacramento, à noite, durante o mês de maio, por causa da coroação da imagem de Nossa Senhora da Conceição, pelas crianças da paróquia, cerimônia essa que mamãe não perdia, pois gostava muito de assistir. As meninas, de várias


idades e tamanhos, encerravam as orações da noite, caracterizadas de anjos. Portavam grandes e bonitas asas, belíssimos diademas e compridas e brilhantes vestes de cetim nas cores branco, amarelo, rosa, azul e verde. Elas se alternavam no altar, especialmente armado e ricamente ornamentado para esse fim, no interior da Igreja, cantando mimosos versinhos em louvor à Mãe de Deus. Ofereciam, em seguida, brancas palmas-de-santa-rita e depositavam na cabecinha da pequena imagem de Nossa Senhora da Conceição, lindamente ornamentada, um grande véu de tecido leve e transparente, feito de seda ou de algodão, conhecido por tule ou filó e uma coroa artesanal, lindamente trabalhada, de cor dourada.

CASA PAROQUIAL

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Após eu ajudar a última missa do dia, sempre fazia um saboroso lanche na casa dos padres capuchinhos que, naquela época, eram todos de nacionalidade italiana e naturais de diversas cidades da Região da Sicília como Bronte, Castelbuono, Frazzanó, Gangi, Milazzo, Montalbano, Resuttano e Troína. Todos os frades traziam a sua cidade natal como sobrenome e todos usavam longas barbas, tonsura e uma batina de cor marrom, com um pequeno capuz, daí o nome “Capuchinho”. Ela era presa à cintura por um grosso cordão, contendo três nós, denominado “Cordão de São Francisco”, de onde pendia um grande e vistoso terço de contas e crucifixo de madeira. Dependendo da minha disponibilidade escolar durante a semana, e nos sábados, domingos, dias santos e feriados, almoçava por lá, também, caso o irmão cozinheiro me convidasse. Ele não precisava insistir. Eu aceitava na hora... Fazia parte do meu trabalho na Casa Paroquial, regar, diariamente, os canteiros de hortaliças e buscar, quando solicitado, no centro da cidade, as hóstias fabricadas pelas Irmãs Franciscanas do Sagrado Coração de Jesus, no Orfanato Santo Antônio, para serem consagradas durante as Missas celebradas na Igreja Matriz da Pompéia e nas suas Capelas. Esse Orfanato (cujo antigo prédio foi demolido) localizava-se na Rua São Paulo, esquina com a Avenida Amazonas, bem ao lado da antiga Capela do Rosário (hoje de Santo Antônio), primeiro templo católico construído na Nova Capital, entre os anos de 1895 e 1897. Atualmente, o Orfanato Santo Antônio está localizado no Bairro São João Batista, em Venda Nova. Em determinadas ocasiões, também, acompanhava o irmão leigo, Frei Gabriel de Frazzanó, em suas visitas aos comerciantes da Região da Pompéia, dos bairros vizinhos e até do centro da cidade, na sua função de arrecadador de prendas para as barraquinhas da Paróquia.


Andávamos muito a pé e carregávamos pesados sacos e sacolas, pois os comerciantes, daqueles bons e longínquos tempos, eram muito generosos. Dificilmente negavam um pedido de ajuda beneficente a um frade capuchinho. ENTRE LIVROS E FOTOS

Nos meus raros momentos de folga, na Casa Paroquial dos Padres Capuchinhos, entre um e outro trabalho, costumava refugiarme numa de suas inúmeras dependências, especialmente querida por mim, aquela onde se localizava a pequena biblioteca da Comunidade. Lá eu passava bons minutos lendo e relendo o “Martirológio Romano“, um livro grande e grosso, de capa dura e revestida, que contava a vida dos santos e beatos da Igreja Católica Apostólica Romana. Eu era fã, também, de “Leituras Católicas de Dom Bosco”, que se constituíam de pequenos livretos de bolso, relatando as aventuras e desventuras de missionários católicos (padres, freiras e leigos) em terras estrangeiras e junto às tribos indígenas brasileiras do Alto Xingu, localidade situada entre os Estados de Pará e Mato Grosso. Não deixava de ler, igualmente, as “Seleções Reader’s Digest”, cujos livretos, naquele tempo, tinham um formato grande, grosso e pouco delicado, bem diferente das primorosas edições que hoje são encontradas nas bancas de revistas espalhadas por toda a cidade. Também sentia uma emoção indescritível ao ver e rever a coleção de cartões postais de cidades italianas enviadas, com dedicatórias, pelos saudosos familiares dos fradres franciscanos. Traziam fotos de um mundo diferente, longínquo e desconhecido que me encantavam e fascinavam. Com os livros e as fotos na mão, minha imaginação de criança viajava...

MEU TEMPO

Eu nasci em 11 de dezembro de 1940, portanto, vivi a minha infância e adolescência no tempo áureo do transporte ferroviário, em que as estradas de ferro cortavam os sertões unindo as cidades mineiras de norte a sul e de leste a oeste do Estado. O transporte de carga e de passageiros era feito pela histórica e saudosa “MariaFumaça”, um trem de ferro movido a vapor. Esse foi um tempo efervescente e progressivo para o transporte ferroviário intermunicipal e interestadual. A locomotiva a vapor, arrastando dezenas de vagões, transportava de tudo. De tudo o que se pudesse


imaginar, necessário à sobrevivência, conforto e bem-estar dos habitantes das cidades por onde passava a ferrovia. Naquela época, eram raríssimas as estradas de rodagem interligando a Capital às cidades mineiras do interior. As escassas ligações eram feitas entre si por alguns municípios, com recursos próprios das municipalidades, via “Jardineira”, uma espécie de micro-ônibus, com estrutura de madeira, com bagageiro no teto, ao relento, sendo as bagagens protegidas da poeira, do sol e da chuva, através da cobertura proporcionada por grandes pedaços de lona. Sou do tempo em que se levavam horas para se falar ao telefone interurbano, sendo que as ligações eram solicitadas na sede da Telemig (Companhia Telefônica de Minas Gerais), no centro da cidade. As linhas telefônicas comerciais eram escassas e caras, havendo muita exploração comercial em torno delas. Os jornais dominicais editavam páginas duplas só de pequenos anúncios de aluguéis de aparelhos telefônicos, cujos preços variavam conforme seu prefixo. Telefone público, então, quase não havia, muito menos nas ruas dos bairros e vilas, como hoje existe, em profusão. Sou do tempo em que a escola pública só ministrava o ensino fundamental que era, somente, até a 4ª Série. A extensão até a 8ª Série, e a adoção e a implantação do ensino médio nas mesmas, foi um processo longo e paulatino. Dependia de disponibilidade (que nunca havia) de verba municipal, estadual e federal para as adaptações físicas das escolas, além do preparo, universitário, dos respectivos professores. Dependia, também, do inevitável, maldoso e desgastante interesse político-partidário... Sou do tempo em que o leite de vaca “in natura” era vendido de casa em casa, através de lombo de burro ou de veículos motorizados, adaptados, que chegavam ao ponto predeterminado “chamando” através da buzina pelos eventuais compradores. Era um leite saboroso, gorduroso, que rendia uma excelente nata, após ser fervido. Seu transporte, da “vaquinha” para as casas residenciais, era feito em utensílios domésticos diversos como latas, panelas, canecos e garrafas de vidro, levados de casa pelos próprios compradores. Sou do tempo em que não havia plásticos e plastificados em exuberância como hoje. Sou do tempo dos brinquedos de madeira e das bonecas de porcelana e de pano. Sou do tempo em que o rádio estava no auge de seu esplendor, sendo o único veículo de comunicação de massa, verdadeiramente, popular e popularizado. Sou do tempo em que a televisão em branco e preto ainda era um sonho de consumo da população, fosse rica ou pobre. Sou do tempo do disco fonográfico de carbono, grosso, pesado, com uma gravação só de cada lado. Sou do tempo da fotografia e dos filmes em branco e preto. Naquela época, não tínhamos imaginação nem mesmo para sonhar com um filme ou foto a cores... Sou do tempo dos bondes... Ah! Que saudade eu tenho dos bondes!... Suas dezenas de linhas cortavam toda a Belo Horizonte, fazendo seu ruído característico, o único barulho que se ouvia na silenciosa capital dos mineiros. Trafegavam, quase sempre,


apinhados de passageiros de todas as camadas sociais. Viajei muito no “Bonde Santa Tereza” indo para meu trabalho e nele voltando para casa. Para isso tinha que andar uma longa distância à pé, tanto de casa até o seu ponto final, no Bairro Santa Tereza, como de seu ponto final, no centro da cidade, até a Secretaria de Estado da Saúde, em frente ao então Mercado Municipal, meu local de trabalho, mas nunca demonstrei descontentamento por isso. Sou do tempo dos ônibus elétricos, conhecidos, também, por trólebus. Eram mais confortáveis que os bondes (e mais caros, também), mas costumavam nos deixar, paralisados, no meio do caminho, quando a energia pública faltava na rua ou no quarteirão em que trafegava. Sou do tempo dos relógios de pulso e despertadores movidos a mola, sendo necessário dar-lhes “corda” de doze em doze horas para funcionarem, assim mesmo, precariamente. Na verdade, eles viviam quase sempre atrasados ou adiantados... Sou do tempo em que as Igrejas Católicas Apostólicas Romanas davam grande destaque a seu Santo Padroeiro, com a sua exposição no altar central, e rezavam Missa em latim, com o celebrante posicionado de costas para o povo. Sou do tempo em que as nadadoras profissionais e banhistas de ocasião usavam o maiô, traje de banho de uma peça só. Nessa época, ainda não existia o biquíni, a tanga ou o “fio dental”. Sou do tempo em que as mulheres usavam combinação, anágua e vestido comprido, muito abaixo do joelho. Sou do tempo em que se usava o pesado ferro à brasa para se passar roupas. Sou do tempo em que os circos e os parques de diversões revezavam-se pelas vilas e bairros da Capital e cidades do interior, levando diversão sadia a adultos e crianças. Sou do tempo em que ainda não se usava tênis nem calça jeans. Sou do tempo do tamanco, calçado grosseiro, com base de madeira, muito usado pelas famílias pobres, das quais sou originário. Sou do tempo em que Altamiro Carrilho, Alvarenga e Ranchinho, Carequinha, Cascatinha e Inhana, Liu e Léu, Luiz Gonzaga, Pedro Bento e Zé da Estrada, Raul Torres e Florêncio, Tião Carreiro e Pardinho, Tonico e Tinoco, Vieira e Vieirinha, Zico e Zeca, Zilo e Zalo e muitos outros profissionais e artífices da música caipira e do riso sincero e espontâneo, faziam estrondoso sucesso por todo o Brasil...

REGIÃO DA POMPÉIA

A Pompéia de minha infância era uma extensa região deserta e isolada do centro da Capital Mineira, com, apenas, uma via de acesso. Seu nome oficial era Vila Parque Cidade Jardim. Quase não tinha casas. Era uma aqui, outra ali, outra acolá... Também, quase


não tinha ruas. Mas, em compensação, tinha um mato verdinho, verdinho. Seus quarteirões, ainda, totalmente, abertos, pareciam enormes tapetes verdes. No tempo das chuvas, dava gosto vê-los limpinhos, brilhantes e gotejantes. Mato variado, colorido, cheiroso, bem nutrido, de folhas graúdas e caules com mais de um metro de altura. Nele pastavam, tranqüilos, o dia todo e todos os dias, cabras, cavalos e bois. Tinha muitas trilhas (ou veredas) e, até, nascentes de água. Também, muitas espécies de borboletas e aves. Pássaros de todos os tamanhos, de todas as cores, de todos os cantos. Seus trinados e gorjeios me encantavam, me enlevavam. No tempo das chuvas, que ia de setembro a março surgiam, também, muitas tanajuras (formigas de asas) que faziam a festa da galinhada e da meninada e muitos vaga-lumes, também, conhecidos como pirilampos. Suas luzinhas, fosforescentes, me fascinavam e me intrigavam. Da janela de meu quarto eu gostava de acompanhá-los, com os olhos fixos na escuridão da noite, através do seu pisca-pisca intercalado. Vendo-os ao longe, piscando suas lanterninhas, era mesmo que ver uma procissão iluminada a velas, em dia ventoso... Na época adequada, também, havia muitas cigarras e muitos sapos, rãs (ou jias) e pererecas. As cigarras entoavam seu canto, estridente, durante o dia e os sapos apresentavam seus musicais à noite.

CARROÇÃO DO BRÁS

A Pompéia da minha meninice era silenciosa, tranqüila e quase não tinha tráfego de veículos. Poucos passavam por lá. Quase sempre caminhões, carregados de pedra, que vinham da pedreira existente no vizinho Bairro São Geraldo. Mas tinha uma motocicleta, uma lambreta e várias carroças grandes e pequenas. Lembro-me, especialmente, de um carroção, puxado por vários burros. Seu proprietário, amigo de nossa família, chamava-se João Brás. Ele era um homem simples e bom. Sua residência localizava-se na mesma rua onde morávamos. Distava da nossa casa dois quarteirões, apenas. Ele vendia areia, retirada do córrego que corta a região, denominado Arrudas, para utilização em pequenas obras de alvenaria. Papai era usuário fiel de seus serviços. O silêncio da Pompéia era tão grande que sabíamos, exatamente, quando a motocicleta e a lambreta nela entravam no horário de almoço. Uma estreita rua, sem calçamento, chamada Niquelina, era a sua única via de acesso, para quem vinha do centro da cidade e vice-versa. A motocicleta era pilotada por um garboso inspetor de trânsito, sempre impecável em seu fardamento, muito conhecido dos moradores locais e a lambreta, por um gentil senhor que,


coincidentemente, se chamava Amável. Na região, também, tinha uma britadeira e uma fábrica de asfalto que funcionavam a semana inteira, emitindo barulho, fuligem e cheiro característicos. O barulho da britadeira, entretanto, ao invés de nos aborrecer, nos dava sono e preguiça. Na fábrica de betume trabalhava um senhor que todos os dias era observado da cozinha de nossa casa subindo e descendo uma das ruas laterais, quatro vezes ao dia. Ele ficou nosso amigo de tanto nos fornecer, graciosamente, a pedido de mamãe, pequenas porções de piche. Era com essa substância negra, resinosa e pegajosa que mamãe tapava pequenos buracos em bacias e latas carcomidas pela ferrugem.

FLORIDO JARDIM

A região onde morávamos era dotada de algumas ruas, mas todas de terra batida. No tempo da seca, bastava um ventinho para a poeira subir, em pequenos redemoinhos, e colorir de vermelho a imensidão azul do firmamento. Na sua ascensão, entretanto, parte desse fino pó penetrava nas poucas casas existentes pelas frestas de seus telhados e pelas suas janelas quase sempre escancaradas. No tempo das chuvas, as poças d’água atravessavam os caminhos, atingindo suas margens, impedindo a passagem e enlameando os calçados dos poucos pedestres que por lá transitavam. Naquele longínquo e mágico tempo da minha infância, quando tudo eu queria ver, pegar, cheirar, provar, saber e entender, minha atenção foi despertada para as denominações das vias públicas locais, impressas em pequenas placas e afixadas em casas de esquina. Descobri que elas continham nomes de pessoas importantes como Antônio Justino, Mariano de Abreu, Sílvio Romero... e de datas históricas como Sete de abril e Vinte e oito de setembro... Muitas tinham, também, nomes de flores como begônia, bonina, cravina, hortência, madressilva, tulipa... Além do nome genérico de “campinas”, que condizia com os belos quarteirões verdejantes que circundavam nossa modesta residência. Por ser uma criança muito imaginosa, sempre considerei as proximidades de nossa casa um imenso, perfumado e florido jardim...

TEMPO CHUVOSO

(2)


A chuva me faz lembrar dos verdes campos da Pompéia do meu tempo de menino. Campos verdinhos, verdinhos! Do verde-claro ao verde-escuro. Mato graúdo, viçoso, florido e cheiroso. Orvalhado, ao amanhecer. Brilhante, aos primeiros raios de sol. Gotejante, no tempo das águas. Movimentado, ao primeiro sopro de vento. A chuva me faz lembrar da passarada alvoroçada, barulhenta, de penas vistosas, enchendo os ares com seus gorjeios e bailados esfuziantes. Faz-me lembrar, de modo especial, das andorinhas, comedoras de formigas e cupins com asas. Para meu deleite, essas avezinhas davam verdadeiros shows aéreos para capturarem seus insetos preferidos. Faz-me lembrar, também, do cheiro gostoso de terra molhada e do barulhinho que produzia no telhado lá de casa, ressecado pelo sol. A chuva me faz lembrar da sonoridade das goteiras, ritmadas, caindo nas bacias, panelas e latas dispostas, por mamãe, em fila indiana, seguindo o beiral de nossa casa. Faz-me lembrar, também, com saudade imensa, da janela de meu quarto onde eu ficava horas debruçado em seu peitoril, vendo a chuva cobrir os morros, as árvores, as casas, os caminhos e, finalmente, rolar nas calçadas, em forma de enxurrada. Faz-me lembrar do arco-íris, belíssimo fenômeno luminoso da atmosfera, que surgia no céu em forma de um arco gigante, também conhecido como arco-da-velha e arco-da-aliança. Ficava encantado com as suas sete cores: violeta, anil, azul, verde, amarelo, laranja e vermelho. Para ser verdadeiro, entretanto, ficar encantado, nesse momento, para mim, era muito pouco. Eu ficava era fascinado, deslumbrado, inebriado, com tanta beleza junta, proporcionada pela natureza. Diziam-me, na época, que o arco-íris vinha retirar a água doce dos rios para levar para os reservatórios do céu. E eu acreditava piamente! Palavra!...

CLARÕES CELESTES

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Durante todo o tempo em que eu ficava à janela de meu quarto, apreciando a natureza, eu via maravilhas. E que maravilhas! Naquele tempo, tudo era novo e incompreensível para mim. E o colorido dos relâmpagos, a partir do mês de agosto, era uma novidade que me deslumbrava. Achava lindo, lindo, lindo! Não perdia uma noite sem apreciá-los. Nem que fosse por poucos minutos. Os clarões começavam fracos, rápidos e pequenos ao longe, muito longe, ainda. Pra lá, bem pra lá das montanhas que cercavam a


Pompéia. Tão longe que eu mal os percebia. Por isso, tinha medo até de piscar os olhos, para não perder uma migalha sequer de seu resplendor. Entretanto, a cada noite, eles iam crescendo, crescendo, aumentando mais e mais. Davam a impressão de que, pouco a pouco, iam se aproximando de nossa região e de nossa casa. Na verdade, porém, eles estavam ainda tão longe que nem dava para se ouvir os seus inevitáveis e pavorosos estrondos. E os relâmpagos iam se sucedendo. Um atrás do outro. Um aqui, outro ali e outro acolá, em intervalos cada vez menores. Assim acontecia todos os dias, no final da tarde e início da noite, até as primeiras chuvas chegarem, no princípio do mês de setembro. E eu, debruçado à janela, concentrado, extasiado, com os olhos arregalados, fixos no horizonte, apreciando, sem compreender, tanta beleza junta. Simplesmente, ficava encantado com a guerra silenciosa que se travava no espaço por entre grandes flocos de nuvens. Na minha ingenuidade, nem imaginava o tamanho do estrago que os raios poderiam causar, caso caíssem na terra. Soube, já crescido, que os raios matam. Aprendi que eles são eletricidade pura, descarregadas por nuvens densas e enormes, denominadas Cumulos Nimbus (o terror da aviação), formadas durante um temporal. Por causa delas, em dias e noites de tempestade, muita gente, no campo e na cidade, e muito animal no pasto, já perderam a vida carbonizados, isto é, reduzidos a carvão. Pavoroso? Põe pavor nisso... Mas, afinal, o que é relâmpago e o que é trovão? Se você quiser saber, peço vênia para reproduzir, a seguir, resumidamente, o que eu aprendi na escola: relâmpago é o clarão produzido por uma descarga elétrica entre aquelas nuvens que eu citei mais acima. Trovão é o estrondo produzido por essa mesma descarga elétrica...

MÊS DE DEZEMBRO

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Dezembro é o décimo segundo e o último mês do ano. Quando ele termina, mais um ano de nossa vida estará se apagando, estará indo embora para nunca mais voltar. Que pena... Apesar dessa desagradável, mas incontestável, verdade, adoro este mês! E não é só porque é o mês de meu natalício não! Adoro porque é o mês do Natal de Jesus e o mês de muita chuva. Desde criança eu adoro essas duas coisas: natal e chuva. De preferência chuva molhadeira, ou seja, aquela bem mansinha, bem fininha, bem parecida com neve... Elas sempre me encantaram. Sempre me transportaram para o mundo irreal de sonhos, de fantasias, de ilusões. Embora seja um universo faz de conta, esse é um mundo muito interessante e que


toda criança de meu tempo curtia. Os adultos, também!... Ainda hoje essa curtição é possível. Mas, para isso, a gente adulta tem que ter espírito leve e alma de criança. Para se viver, plenamente, nesse período fantástico, que chamamos natalino, pois precede e sucede o nascimento de Jesus, é preciso deixar todas as preocupações de lado. E todo ressentimento, também... Quer saber mais por que eu, apesar dos pesares, gosto tanto desse último mês do ano? Porque adoro as suas músicas natalinas, aquelas tradicionais, que têm o condão de me transportar para um tempo ímpar da minha vida, a minha infância e adolescência. Porque adoro os seus filmes clássicos, específicos, aqueles contendo uma boa história de Natal, de preferência passada em terras de gelo eterno, com os nativos do lugar usando roupas de pele de foca, forradas com pele de urso, transportando mercadorias ou viajando em trenós puxados pelos Cães São Bernardo, dos Alpes Suíços ou pelas Renas ou Caribus da região da Lapônia. Porque me faz lembrar, com imensa saudade, do tempo em que, com meus pais e meus irmãos Henrique e Gabriela (Sinhazinha), íamos à Missa do Galo, à meia noite, na Igreja Matriz da Pompéia. Porque me faz recordar, também, com enorme emoção, a apresentação das Folias de Reis (ou reisado) e das Pastorinhas, pelas ruas da região onde vivi. Eles e elas apareciam, de repente, com suas roupas coloridas, com suas danças e cantos típicos, tocando pandeiro, bumbo, violão e sanfona. Vinham, de longe, especialmente, visitar as casas cujas famílias mantinham a tradição secular de armar o presépio ou lapinha. E nossa casa, para nosso orgulho, fazia parte desse grupo seleto. Nelas, sempre com a permissão e a participação dos donos, tocavam, cantavam e dançavam, representando a viagem dos Pastores e dos Três Reis Magos, Melchior, Baltasar e Gaspar até a Gruta de Belém, para adorarem Jesus recém-nascido.

CASA DE MEUS PAIS

A casa de meus pais ficava na Rua Boninas, nº 766, Vila Independência, hoje Bairro Esplanada, no quarteirão existente entre as Ruas Campinas e Mariano de Abreu. Na minha infância e préadolescência, ela tinha um cômodo na frente, com saída para a rua, onde estava instalado o presépio mecânico que papai construiu e expunha aos tradicionais visitantes todo final de ano. Ele ficava aberto ao público de fins de novembro até seis de janeiro, festa dos Santos Reis Magos. Também, tinha dois quartos, sala e cozinha, com


fogão à lenha. Seu piso era todo de terra batida. Nessa época, utilizávamos como latrina uma fossa existente no nosso quintal. Lavávamos nosso rosto e tomávamos nosso banho em bacias. A água utilizada nos serviços domésticos era retirada da cisterna que papai mandou perfurar. Nessa época, nossa casa não era rebocada por fora e sua cobertura era feita com telhas francesas. O teto da sala e dos quartos eram forrados. Já na minha adolescência, quando não mais existia o presépio mecânico, nossa casa era toda rebocada e pintada, por dentro e por fora. Era composta de alpendre, sala, três quartos, copa e banheiro. Este último, a copa, a cozinha e o alpendre, tinham pisos de cerâmica. A sala e os três quartos eram taqueados. O fogão a lenha e o forno foram demolidos. Durante algum tempo, utilizamos o fogão a querosene. Mais tarde, foi adquirido o fogão a gás. No banheiro havia vaso sanitário, lavabo de louça, armarinho com espelho, chuveiro elétrico e banheira de ferro esmaltado. Nos fundos da nossa residência, havia um pequeno quarto de despejo. Nele, entre outras coisas, ficava a improvisada marcenaria de papai, com seu enorme e pesado banco de carpinteiro, onde era guardada sua valiosa coleção de ferramentas manuais. Também, já havia sido providenciada a instalação elétrica e hidráulica.

NOSSO QUINTAL

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Nosso quintal tinha o chão de terra batida e algumas plantações. Ele era cercado com arame farpado na frente e nas laterais. No fundo, bem na divisa do terreno, havia um barracão de quatro cômodos que papai construiu para minha irmã Tininha morar, quando ela se casou. Nele, também, havia uma touceira de bananeiras, duas laranjeiras, uma goiabeira, uma ameixeira, uma limeira e um pé de sabugueiro. Esta era uma árvore de mais ou menos quatro metros de altura e dela tudo era aproveitado (raiz, casca, folhas e flores) para fins medicinais caseiros. Lá em casa, no meu tempo de menino, o sabugueiro era considerado um remédio milagroso. Era utilizado para combater febres, gripes, tosses, resfriados, afecções catarrais, queimaduras, hemorróidas, sarampo, catapora, caxumba e dores musculares e articulares como o reumatismo. Também havia pés de: Alecrim, para combater febres, tosses, indigestão, tontura, vômito e diarréia; Arnica, usada em pancadas, contusões, cicatrizações de ferimentos superficiais, hemorragias leves, e como antiinflamatório natural; Arruda, para combater dor de ouvido, hipertensão, piolhos, reumatismos e


verminoses; Assa-peixe, para combater gripes, bronquites e tosses; Boldo, para combater problemas do estômago ou do fígado e febres intermitentes; Erva Cidreira, usada como calmante, sedativo, contra enxaquecas, dores de cabeça, depressão, ansiedade, insônias e dores de barriga; Erva Doce (ou Funcho), usada como tranqüilizante, antiespamódico e diurético; Erva de Santa Maria (ou Mastruz), para combater vermes, dores articulares e musculares; Hortelã (ou Menta), para combater dores de cabeça, cólicas, gases, gastrite, gripes, insônia, resfriados e verminoses; Losna (ou Absinto), para combater afecções do estômago, dos intestinos, dos pulmões, a tênia, o excesso de gases, a falta de apetite e as febres; Malva, para combater problemas respiratórios, favorecer a cicatrização, combater aftas, gengivites e inflamações da garganta; Manjericão, com leite, como sedativo da tosse; Macela, para combater cólicas, diarréias, disenterias, dores musculares, náuseas e reumatismos; Ora-ProNobis para ajudar no combate à desnutrição; Picão, para combater alergias, asma, boca amarga, bronquite, catarros, colesterol elevado, gastrenterite, hepatite, icterícia, indigestão, infecções do estômago e dos rins e infecções urinária e vaginal; Quebra-Pedra como diurético e diluidor de cálculos renais. Havia, também, outras espécies de plantas medicinais, perfumando o nosso quintal e o nosso jardim com seus odores característicos, cujos nomes, entretanto, não me recordo, no momento. Anos mais tarde, quando recebemos os vizinhos de ambos os lados, em parceria com eles, nosso lote foi todo murado com tijolos de barro cozidos, fabricados em olaria.

GOIABADA CASCÃO

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Como já tivemos a oportunidade de afirmar, no título anterior, no quintal de nossa casa havia, também, uma goiabeira, de mais ou menos quatro metros de altura, de tronco tortuoso, de casca lisa e esfoliativa. Era uma só, mas todo ano ela florescia entre outubro e novembro (eventualmente repetia a floração no meio do ano) e dava uma batelada de frutos de polpa avermelhada. Dava o bastante para que meu irmão Henrique pudesse fazer o doce preferido de todos nós, a goiabada cascão. Seu apelido era devido o mesmo ser feito somente com a casca da goiaba, pois a sua polpa, todo ano, era atacada pela larva da mosca-da-fruta, que as perfurava com uma espécie de ferrão, existente em seu abdômen, com a finalidade de depositar seus ovos no interior das mesmas. Consequentemente, sua massa era grossa, rústica, áspera, daí o nome “cascão”. Mesmo


assim, era uma delícia! Meu irmão Henrique era o único membro da família que se aventurava a fazer o tal doce e isso tinha uma razão peculiar: quando o mesmo entrava em ebulição, acontecia uma sucessão de explosões, respingando sua massa para todos os lados. Por isso mesmo, além da coragem e disposição requeridas para essa tarefa, era necessário, também, trabalhar com o rosto e os braços revestidos, protegendo-os dos respingos fervescentes. A produção anual da goiabeira era tanta, que meu incansável irmão aproveitava o excesso para fazer sucos e sorvetes... Com a existência da goiabeira no nosso quintal, a farmácia fitoterápica de nossa casa ficou mais abastecida e mais variada de medicamentos caseiros, pois, além de possuir alto valor nutricional (vitaminas A, B1, B2, B6 C, cálcio, fósforo, ferro e fibras), a goiabeira, através da infusão de suas folhas e dos seus botões florais, combatia o inchaço dos pés, hemorragias, incontinência urinária, bronquites, febres, tosses e catarro intestinal. Também, fortificava os ossos, os dentes, melhorava a cicatrização, regulava o funcionamento do aparelho digestivo, retardava o envelhecimento e protegia o intestino das crianças contra diarréias, muito comuns naquele tempo. O chá era utilizado, igualmente, através de bochechos e gargarejos, nas inflamações da boca (aftas) e da garganta ou em lavagem de úlceras e corrimento vaginal.

CRIAÇÃO DE CAPRINOS

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Por ter nascido em Brejo do Amparo, pleno Sertão NorteMineiro, meu irmão Henrique tinha sangue e hábitos sertanejos. Apesar de ter vindo morar em Belo Horizonte, progressiva Capital de Minas Gerais, ainda criança, trouxe consigo, como herança genética de nossos antepassados, o gosto pela vida rural e pela criação de pequenos animais. Mesmo sem ter nenhuma prática nesse assunto, sem fazer nenhum planejamento e sem possuir instalações adequadas, quando nossa família mudou para a região da Pompéia, decidiu ele fazer investimentos na caprinocultura. Contava, para isso, com campos de pastos verdinhos e abundantes ao derredor de nossa casa e com a tranqüilidade e o despovoamento do lugar. Assim, com o passar do tempo, apesar de desconhecer os sistemas de criação e não observar fator algum na aquisição dos caprinos foi ele adquirindo, aos poucos, os animais que eram apascentados por mim e por minha irmã Gabriela (Sinhazinha), enquanto nossos deveres e horários escolares o permitiam. O motivo do pastoreio era impedir que os caprinos fossem roubados por algum malfeitor, perturbados


por passantes eventuais, perdidos no matagal ou mordidos por algum cão bravio. Nossos caprinos, como todos os animais da mesma raça, eram submissos, indiscretos e bisbilhoteiros. Gostavam da nossa presença, de sentir o cheiro das pessoas que deles se acercavam e de subir em lugares elevados. Enquanto os filhotes brincavam de dar pinotes ou cabeçadas entre si, suas mamães passavam o dia comendo vegetais, em especial, os de folhas largas. Comiam rápido, com sofreguidão. Depois, saciadas, deitavam, pachorrentamente, numa sombra qualquer e, ali, ruminavam tudo o que engoliram. Passavam horas remoendo... Nossos caprinos não tinham o hábito de se alimentar durante a noite e dormiam dispostos em grupos. Com a convivência diária com os animais, minha irmã e eu passamos a terlhes uma grande afeição. Certa vez, uma das nossas cabras produziunos uma forte comoção, por ter sido abocanhada no pescoço, impiedosamente, por um cão feroz, que vagueava, maliciosamente, nas proximidades de nossa casa, causando-lhe morte instantânea. A partir desse triste e lamentável episódio, que originou um profundo desgosto em todos de casa, meu irmão Henrique decidiu encerrar, definitivamente, a sua promissora criação de caprinos. Entretanto, o amor de Henrique pela vida sertaneja era tão grande, que, muitos anos mais tarde, passada a sua desconformidade com o infausto acontecimento, voltou ele a investir em animais do sertão, agora de pequeno porte. Sempre que ele retornava de suas viagens à Januária trazia, em sua bagagem, além da rapadura tradicional, da rapadura batida (temperada com erva-doce, cravo e canela), do doce e licor de buriti, do fruto, licor e óleo de pequi, araticum e tamarindo, também, pássaros e aves de várias espécies, de vários tamanhos e de várias tonalidades. Cinqüenta anos atrás isso ainda era possível, pois a Lei Federal Nº 9.605, que trata de crimes ambientais, só foi sancionada, pelo Presidente da República, em 12-02-1998. Para agasalhar todas essas avezinhas, meu irmão chegou a construir um grande e espaçoso viveiro no quintal de nossa casa...

PRESENTES E BRINQUEDOS

Por sermos uma família carente, necessitada de quase tudo, meus pais procuravam e recebiam, esporadicamente, durante o ano, principalmente, na época natalina, auxílio de pessoas caridosas e de organizações filantrópicas atuantes na cidade. A ajuda, quase sempre, vinha em forma de brinquedos, produtos alimentícios, e pacotes de biscoitos e balas. Roupa e sapato, muito raramente. Claro


que meus pais ficavam felicíssimos e agradecidos com o que nos era dado. Nem sempre, entretanto, era o que estávamos precisando no momento, mas eram os únicos presentes que ganhávamos durante todo o transcorrer do ano. E havia ano em que não ganhávamos nada, pois não conseguíamos obter, antecipadamente, a senha necessária para participar do evento. Dos brinquedos que ganhávamos, entretanto, dois mamãe nunca nos deixava usar. Nunca! Não havia argumento que a convencesse do contrário. Fosse presente de quem fosse. Mesmo de padres ou de freiras, que, sempre, receberam da nossa família todo o respeito e consideração devidos e com quem ela mantinha estreitas ligações religiosas e sociais. Os brinquedos proibidos por mamãe eram a bola e o revólver. Quando eu os ganhava sabia, de antemão, o fim que eles teriam. Mal chegávamos em casa, mamãe dava, enraivecida, o fim já esperado para os dois: a bola, ela vazava, deixando-a inoperante e o revólver, ela jogava no mato. Bem longe de casa, bem longe de nossas vistas... MINHA TIMIDEZ

Desde a mais tenra idade, recebi regras muito claras, muito tradicionais e muito rígidas para cumprir. Conseqüentemente, era eu um menino inibido, reprimido e simplório. Os verbos correr, subir, sujar, estragar, desobedecer, desperdiçar, mentir, dentre outros, tão comuns na conduta infanto-juvenil de hoje, eram declinados, na casa de meus pais, exaustivamente, precedidos do advérbio “não”. E ái de mim se não levasse a sério tais proibições. O seu eventual descumprimento causar-me-ia graves transtornos, físicos e psíquicos. O resultado dessa repressão era o meu excesso de timidez. Era eu muito acanhado, muito receoso, muito temeroso, muito arredio, muito inseguro. Vivia isolado, retraído, acabrunhado, sisudo. Tinha vergonha de tudo e de todos. Tinha vergonha de sorrir, de falar e de agir em público. Tinha vergonha de expor-me e de cair no ridículo. As mais variadas situações me desconcertavam, me perturbavam, me deprimiam, me ruborizavam. Se as pessoas rissem ou olhassem para mim, mesmo de longe, ou se me fitassem, demoradamente, ou se me elogiassem, em demasia, ou se me chamassem à atenção, por qualquer motivo, mesmo sutilmente, meu coração disparava, minha mão gelava e logo uma vermelhidão tomava conta de meu rosto, denunciando, de imediato, o meu total constrangimento e mal-estar.

PRIMEIRAS LEITURAS

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Minhas primeiras leituras foram: O Livro de Lili, de Anita Fonseca; A Bonequinha Doce e A Bonequinha Preta, de Alaíde Lisboa de Oliveira; O Livro de Elza e o Livro de Violeta, de João Lúcio Brandão e Zilá Frota; Uma História e Depois... Outras, de Rafael Grisi; Toda a coleção de livros infantis de Monteiro Lobato; Toda a coleção de livros infanto-juvenis de Francisco Marins; Aos Acordes do Violino, de Anésia de Souza Ramos; Os Fidalgos da Casa Mourisca, de Júlio Diniz; A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo; Todos os livros de José de Alencar; Menino de Engenho, de José Lins do Rego; Vários livros de Machado de Assis, dentre eles, Memórias Póstumas de Brás Cubas; A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães; A Cabana de Pai Tomás, de Harriet Beecher Stone; O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brönte; Sepultura de Ferro, de Henri Conscience e muitos outros livros dos quais eu perdi a conta e a memória, que me foram emprestados, gentilmente, pelo então seminarista Expedito Rodrigues de Ávila, filho de José Rodrigues de Ávila (meu primeiro cabeleireiro) e Maria José Rodrigues de Ávila, um casal amigo e conterrâneo de meus pais e que era nosso vizinho de bairro. Foi a convite desse casal que viemos morar na região da Pompéia. Expedito, por estudar num seminário secular, já usava uma batina preta, permanentemente. Nós sempre utilizávamos o mesmo trajeto entre a Igreja e nossa casa, razão da nossa amizade e freqüentes encontros. Também, foi na minha infância e adolescência que eu aprendi a gostar de poesias. Meus poetas preferidos eram: Casimiro de Abreu, Catulo da Paixão Cearense, Cecília Meireles, Cláudio Manoel da Costa, Coelho Neto, Gonçalves Dias e Olavo Bilac. Apesar da minha origem humilde e pobre, que não me dava condições de adquirir livros e revistas, tinha à minha disposição a biblioteca do Grupo Escolar Padre José de Anchieta (onde eu estudava), que emprestava livros a seus alunos, para leitura em casa; a biblioteca dos Padres Capuchinhos, em cuja Igreja eu era Coroinha, e, mais tarde, a partir dos meus quinze anos de idade, quando passei a trabalhar na Secretaria de Estado da Saúde, no centro da cidade, as bibliotecas públicas municipal e estadual, além de colegas e amigos que sempre tinham algum livro para emprestar-me. Também, eu era ávido por revistas em quadrinhos, denominadas, genericamente, naquela época, de “Gibi” e que, para mim, tinham duas classificações: as de super-heróis e as de faroeste. As de superheróis eram: Agente Secreto X-9, Capitão América, Capitão Marvel, Batman, Fantasma, Homem Aranha, Homem Chicote, Homem de ferro, Jim das Selvas, Mandrake, Super Homem, Tarzan e Zorro. As de faroeste eram: Aí Mocinho!, Cavaleiro Negro, Bill Kid, Cisco Kid, Búfalo Bill, Colt 45, Dom Chicote, Durango Kid, Flexa Ligeira, Gene


Autry, Gerônimo, Gibi Mensal, Hopalong Cassidy, O Chicote de Prata, O Homem de Ferro, O Herói, Reis do Faroeste, Rocky Lane, Roy Rogers, e Super X.

PRIMEIRAS DIVERSÕES

Meus primeiros contatos com teatro, cinema, e conjuntos musicais, foram feitos num improvisado salão cedido pelos Padres Capuchinhos aos seus paroquianos, durante a construção do majestoso convento da Pompéia. Ele ficava na parte térrea, do lado esquerdo de quem entrava pela sua porta principal. Tinha o piso reto, um telão para projeção de filmes e bancos de madeira de uso coletivo. Tempos depois, o salão foi dotado de um pequeno palco, possibilitando a encenação de pequenas peças teatrais, além da apresentação de mágicos, corais, conjuntos musicais, cantores de rádio e, especialmente, duplas sertanejas. Todos os artistas de teatro eram paroquianos, amadores e atuavam de graça. Também tínhamos uma dupla de palhaços, muito engraçada, denominada “Baixinho e Vicente”, que era a alegria de crianças e adultos. O funcionamento desse salão tinha a finalidade, primordial, de angariar recursos financeiros para o prosseguimento da grandiosa obra, que se encontrava, naquele tempo, ainda nos fundamentos. Posteriormente, com a transformação desse espaço em refeitório da Comunidade Franciscana, foi construído, no subsolo da Igreja, bem debaixo de seu altar-mor, um salão maior, dotado de piso inclinado, poltronas individuais, palco espaçoso, cenários removíveis, sistema de alto falantes e jogo de luzes. Finalmente, atendendo às necessidades, sempre crescentes, de se obter financiamento para a grandiosa obra, em andamento, além da necessidade de se aprimorar o atendimento aos seus constantes freqüentadores, foi construído, ainda em terreno da Comunidade Franciscana, um salão maior, mais moderno e mais apropriado para esse tipo de diversão. Atuando fora do conjunto arquitetônico-religioso, passou o novo prédio a ser conhecido e divulgado, a partir de então, como “Cine Pompéia”. Alguns anos mais tarde, esse espaço foi remodelado, adaptado e alugado ao Supermercado EPA - Empresa Popular de Abastecimento, que ali instalou uma de suas lojas, nele permanecendo até hoje.

ANIMAIS DOMÉSTICOS

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Além dos animais domésticos e silvestres criados por meu irmão Henrique, já comentados por mim em outro capítulo deste livro mamãe, também, criava um galo e várias galinhas caipiras, que pastavam e botavam seus ovos no matagal existente ao derredor de nossa casa. Eram poucas cabeças, mal chegavam a uma dúzia, mas produziam o bastante para prover, através de seus ovos, cada membro da nossa família de quantidades razoáveis de vitaminas A, D, E, K e das do complexo B, incluindo a B12 e de minerais como ferro, fósforo, manganês, potássio e sódio. Os galináceos passavam o dia, inteiramente, livres e soltos, ciscando, bicando e catando, no terreiro e no mato, ervas daninhas, frutas caídas no chão, sementes e pequenos invertebrados como borboletas, minhocas e formigas tanajuras, dentre outros, mas pernoitavam no galinheiro. Eu adorava ouvir a cantoria das galinhas, antes e depois que botavam seus ovos, sempre ajudadas pelo garboso galo, seu zeloso companheiro. Nesse momento, nosso quintal era só alegria e zuada. Quando as galinhas começavam a cantar, mamãe, imediatamente, largava o que estivesse fazendo e saia, depressa, para localizar seu ninho e pegar o ovo, antes que algum bicho do mato (Teiú, por exemplo) chegasse primeiro ou ela perdesse o rumo do ninho. Adorava, também, ouvir o canto másculo dos galos durante o dia e pela madrugada. Naquele tempo, todos os habitantes do lugar, sem exceção, aproveitando o clima periférico e rural da região, tinham quintal e criação de galináceos, onde o rei do terreiro não poderia faltar... E não faltava! Às vezes, havia até mais de um exemplar, o que tornava a disputa por território, entre eles, acirrada, pertinaz e feroz, refletida no seu canto cada vez mais atrevido e (para nós) cada vez mais bonito. Não raro, essa duplicidade de galos no terreiro proporcionava violentas brigas. Imagine, então, quão encantadoras e agradáveis eram as noites e madrugadas da minha infância, nas quais adormecíamos e acordávamos embalados pelo cantar orfeônico dessas maravilhosas aves galiformes! Dezenas delas, cantando de perto e de longe... Além de belíssimos exemplares, pródigos em tamanhos e cores, tinham peito de aço e sonoridade arrebatadora! Para completar a sua coleção de animais domésticos, mamãe criava, também, um gato... Ela costumava dizer que o felino estava ali para proteger a casa dos ratos e das baratas. Dizia que só a presença dele ou o seu miado, espantava os insetos e os roedores. Poderia ser... Para mim, entretanto, a verdade tinha outra dimensão: nosso gato vivia gordo de tanto dormir e devorar passarinhos...

ÁGUA DE CISTERNA


Na Pompéia da minha infância não havia água encanada nem rede de esgoto nas moradias. A água que nos servia era retirada de uma cisterna que papai mandou perfurar, no quintal de nossa casa, que atingiu vinte e dois metros de profundidade, toda calçada de tijolos. Ela era utilizada para todas as necessidades da família, como beber, cozinhar, lavar vasilhas, lavar roupas, tomar banho e molhar a plantação. Para a retirada da água do poço, utilizávamos uma lata de cinco litros, presa a uma grossa corrente de aço, que era movida através de uma manivela de madeira. Era um trabalho braçal dos mais difíceis, dos mais pesados e dos mais perigosos. Mas, com exceção de minha irmã Gabriela (Sinhazinha), que era a mais nova e a mais franzina da família, todos os demais executavam essa estafante tarefa diária, quando necessário. Esse poço foi construído por um cisterneiro profissional, muito conhecido e procurado na região, quer pela sua honestidade, quer pela sua competência, quer por ser único, nessa atividade, residente nas cercanias. Devido a sua grande experiência nessa ocupação, ele gozava do prestígio e da confiança da população local. Entretanto, chamava a atenção de todos a sua característica de andar segurando uma inseparável foice, pelo seu cabo de madeira, sempre na altura do ombro. O esquisito, o incomum, era que, enquanto caminhava, a passos rápidos, fazia gestos e sinais repetidos, como se estivesse conversando com ela. Embora não demonstrasse ser, pessoalmente, quem o visse de longe, e não o conhecesse, poderia achar que se tratava de um desvairado, um maluco. As pessoas idosas tinham respeito dele. Nós, crianças, tínhamos medo. Muito medo...

FORNO E FOGÃO

Até a metade da década de cinqüenta, mamãe, ainda, cozinhava em fogão à lenha. Lenha que ela pegava no mato, cortado à machadinha. Lenha que ela mesma decepava, separava em feixes e transportava, nos braços ou na cabeça, para o quintal de nossa casa. Lenha que causava muita fumaça. Fumaça que produzia muita fuligem (que nós chamávamos de picumã). Fuligem que enegrecia as paredes da cozinha, o ripamento do telhado, e as telhas. No tempo da seca, nosso quintal armazenava feixes e mais feixes de gravetos, que ficavam secando ao sol, durante alguns dias. Depois de secos e desfolhados, eles eram usados no fogão, de manhã cedo, para o acendimento da lenha mais grossa, a fim de se dar início ao


cozimento do feijão e ao preparo do saboroso e perfumado café, coado por mamãe. No tempo das águas, esses ramos secavam num canto da nossa cozinha. Do mesmo lado do fogão à lenha, mas na parte de fora da casa, havia um forno feito de tijolos, construído por papai, para ser utilizado no assamento de bolos e biscoitos. Sua boca, entretanto, localizava-se do lado de dentro da cozinha, a fim de tornar mais fácil o seu manuseio por mamãe, especialmente, no período chuvoso. Em tempos normais, entretanto, dificilmente o forno seria aproveitado, por ser muito grande, gastar muita lenha e desperdiçar sua quentura. Também, por não termos condições financeiras para arcar com as inevitáveis despesas no preparo das massas. Os bolos que, eventualmente, mamãe fazia, eram assados no fogão à lenha, numa grande panela de ferro, tapada com uma folha de flandres, encimada com brasa. Os biscoitos, costumeiros, eram fritos em banha de toucinho derretida. Apesar do seu aspecto grandioso e das ótimas intenções de papai ao fazê-lo, não me lembro de ter visto o forno lá de casa funcionar uma única vez...

URUCUZEIRO

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Perto de nossa casa, em uma rua paralela à nossa, numa casinha modesta, solitária, que se destacava, no verdor dos campos cobertos de mato, pela sua brancura impecável, morava um senhor idoso, viúvo, amigo de nossa família, chamado Manoel. Homem bom, ótimo vizinho, atendia, com presteza e bondade, a todos que recorriam a ele para a obtenção de algum favor. A brandura do velhinho cativava todo mundo e mamãe resolveu aproveitar-se dela, em benefício da família, através da nossa alimentação. Sim, da nossa alimentação!... Vou explicar como e por que ela fazia isso: Tinha o bom velhinho plantado em sua propriedade, bem defronte de sua casa, uma pequena árvore que chamava a atenção de todos os eventuais transeuntes daquele trecho, devido as suas notáveis características. Em poucas palavras, era um vistoso, bonito e colorido arbusto de mais ou menos quatro metros de altura, chamado Urucuzeiro, cujos frutos eram utilizados, tradicionalmente, como tempero e colorífico de alimentos e remédio pela população humilde. No tempo de sua floração, suas flores eram cor de rosa claro e despontavam nas extremidades dos ramos. Uma vez maduros, seus frutos consistiam em cachos espinhentos, secos e duros e tinham a cor vermelho-escuro, mesma cor de suas sementes. De tempos em tempos eu via mamãe chegar em casa com uma sacola cheia de cachos de urucum. É que ela tinha ido à casa do bom velhinho


solicitar-lhe mais esse favor. Como sempre, fora atendida de imediato e de bom grado. Era das sementes dessa maravilhosa planta que mamãe extraia, em seu pilão de ferro, o corante conhecido, comercialmente, como colorau, aproveitado na nossa alimentação para dar cor e sabor a molhos e sopas. Também era utilizado como remédio por ela nas febres, nos males do estômago, nas inflamações dos olhos, nas infecções de pele, nas picadas de mosquito, nas queimaduras e como cicatrizante.

MOSQUITOS PERNILONGOS

No meu tempo de criança, quando ia se aproximando a estação das chuvas, eu gostava de ficar à janela de meu quarto, ao entardecer, para ver, ao longe, a guerra de relâmpagos. E que guerra!... Eu dormia no quarto da frente da casa, ao lado da sala de visitas, junto com meu irmão Henrique. Quarto bastante arejado e com uma visão excelente dos arredores de casa e dos bairros São Geraldo, Caetano Furquim e da estrada de ferro com seu tráfego intenso. Por não haver, ainda, energia elétrica em nossa região, suas noites eram, completamente, escuras. Ninguém da família se aventurava a sair de casa, desacompanhado, após as dezoito horas. Nem mesmo no seu terreiro. Eu não me demorava à janela. Isto é, não muito... Mas dava para apreciar muita coisa. Tinha que fechá-la para que papai pudesse matar os pernilongos com um inseticida muito usado na época chamado “Flirt” que era colocado numa bombinha (máquina manual). Portanto, “Flirtar” ou “Chiringar” para nós significava a hora de matar os pernilongos, pulverizando o inseticida no ar e nas vidraças das janelas onde eles se amontoavam endoidecidos. Esses bichinhos, apesar do seu diminuto tamanho, eram atrevidos e insuportáveis! Era só escurecer um pouquinho e lá vinham eles tocar trombeta no ouvido da gente. Surgiam, famintos, de todos os lados, de todos os cantos, prontos para atacar os incautos. Eram tantos, que em cada cômodo da casa havia nuvens deles. Era preciso, então, exterminá-los com o inseticida, sem dó nem piedade. Na hora certa, por volta das dezoito horas, papai fechava todas as janelas e portas, colocava o inseticida na bomba e nos retirava do local. E era aquela matança!... De um recinto a gente ia passando para outro e outro, evitando aspirar seu cheiro que sabíamos ser ofensivo à saúde, humana e animal. Assim acontecia até papai completar o serviço. No final, a casa inteira ficava entulhada de pernilongos mortos. Camas, móveis, chão... Tudo, tudo! Depois da limpeza e varredura, zelosa e pacientemente feitas por mamãe, deitávamos, tranqüilos, em nossas camas, certos de que não


ouviríamos mais os indesejáveis zumbidos no ouvido, nem sentiríamos suas dolorosas picadas na pele. Não naquela noite...

PADRES CAPUCHINHOS

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Os Padres Capuchinhos tomaram posse da então Paróquia de Nossa Senhora do Rosário dos Militares, recém desmembrada da Paróquia de Santa Efigênia dos Militares, no dia 12 de fevereiro de 1939, passando a mesma a denominar-se Paróquia de Nossa Senhora do Rosário de Pompéia. A nova denominação foi uma homenagem à Virgem do Vale de Pompéia, devoção que os Capuchinhos trouxeram de Messina, cidade da Itália, origem da Comunidade Religiosa. A Capela de Nossa Senhora da Abadia, sede da Paróquia, era tão pequena, que quase todos os atos religiosos eram realizados do lado de fora. Uma capela maior foi construída, tempos depois, na Rua Antônio Justino, entre as Ruas Iara e Amazonita, exatamente onde, hoje, está situada a Secretaria do Colégio São Francisco e inaugurada no dia 22 de outubro de l944. Sete anos e sete meses depois, ou seja, em 04 de maio de l952, foi inaugurada a Igreja Matriz definitiva, com a fachada para a Rua Iara. De 1939 a 1964, foram os seguintes os vigários da Paróquia: Frei Odorico de Resuttano (19-0239 a 05-10-43); Frei José de Gangi (de 06-10-43 a 03-11-45); Frei Conrado de Troína (de 04-11-45 a 20-03-49) Frei Belchior de Milazzo (de 21-03-49 a 05-01-52); Frei Felipe de Resuttano (de 06-01-52 a 00-04-53); Frei Inocêncio de Castelbuono (de 00-01-54 a 17-04-55); Frei Davi de Bronte (01-05-55 a 26-04-57); Frei Fidelis de Castelbuono (27-04-57 a 05-03-60); Frei Felipe de Resuttano (06-0360 a 04-01-63); Frei Thiago de São Domingos do Prata (05-01-63 a 00-09-64).

ERA DO RÁDIO

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Na minha adolescência, as emissoras de rádio estavam no auge da popularidade e da audiência, reinando (até a década de noventa), em quase 100% do território nacional, através das freqüências AM de ondas curtas. Ao contrário do que seu nome


poderia sugerir, essas emissoras tinham um longo alcance. Seus sinais eram tão potentes que poderiam ser ouvidas em outra Cidade, em outro Estado e até em outro País e vice-versa. Ainda guardo na memória os nomes de algumas emissoras muito ouvidas em nossa casa, nessa época, apesar de serem de outras localidades brasileiras. Sediadas no Rio de Janeiro: Rádio Mayrink Veiga, Rádio Tamoio, Rádio Nacional, Rádio Jornal do Brasil e Rádio Tupi; Sediadas em São Paulo: Rádio Aparecida, Rádio Record e Rádio Tupi. Durante a madrugada era freqüente sintonizarmos, esporadicamente, emissoras dos Estados Unidos (Voz da América), China, Cuba (Rádio Havana), Japão, Londres (BBC), Moscou, Portugal, Vaticano... Todas transmitindo em português. Enquanto isso, nas lojas especializadas, os receptores de rádio, que tinham preços módicos e eram apresentados através de lindos modelos, se achavam entre os eletrodomésticos mais cobiçados e adquiridos pela população. Com pequenas variações, as emissoras de rádio transmitiam músicas, radionovelas, radioteatros, programas de aventuras, programas esportivos, programas humorísticos, programas de auditório e programas jornalísticos.

PROGRAMAS RADIOFÔNICOS

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Nessa ocasião (décadas de 40 e 50), Belo Horizonte tinha quatro emissoras de rádio em plena atividade: Rádio Mineira, Rádio Guarani, Rádio Inconfidência e Rádio Itatiaia. Quatro dos programas radiofônicos que eu gostava muito de ouvir eram “Valsas e mais Valsas”, na Rádio Mineira, diariamente, das sete às oito horas da manhã. Era gostoso ouvir Johann Strauss em dias claros e ensolarados, acompanhando, através da janela de meu quarto a revoada das andorinhas lá fora saudando o novo dia que acabara de nascer. Gostava de acompanhá-las bailando, ao som das valsas, tal a harmonia com as músicas e a leveza de seus vôos...; “Hora do Fazendeiro”, na Rádio Inconfidência, diariamente, às 18,30, com o Engenheiro Agrônomo Jairo Anatólio Lima; “Noites Que Não Voltam Mais”, na Rádio Guarani, as sextas-feiras, às 21,00, com o seresteiro Geraldo Tavares e convidados; e “Balança mas não cai”, na Rádio Nacional, do Rio de Janeiro. Esse programa, que ficou no ar até 1967, era apresentado nas sextas-feiras à noite e reapresentado nos sábados à tarde. Era estrelado por Paulo Gracindo, Brandão Filho, Walter D’Ávila e grande elenco de comediantes. Também não perdia, por motivo algum, o “Repórter Esso” que se auto-proclamava


“testemunha ocular da História”, que foi transmitido de 1953 a 1968 e era apresentado pelo excelente locutor Gontijo Teodoro. Bastava ouvir o som da fanfarra e do clarim para eu logo me postar, com a atenção redobrada, nas proximidades de meu receptor (ou de outro qualquer), para não perder uma só palavra de seu noticiário. Nessa época destacaram-se, também, uma radionovela e um seriado, apresentados pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro, que caíram de cheio no gosto popular, obtendo um estrondoso sucesso: “O Direito de Nascer”, criada em 1951, com 314 capítulos, que era apresentada às segundas, quartas e sextas feiras, às 20 horas, tendo Alberto Limonta, Maria Helena, Isabel Cristina e Mamãe Dolores como as principais personagens; e “Jerônimo, o Herói do Sertão”, criado em 1953, e que ficou quatorze anos no ar...

PROGRAMAS DE AUDITÓRIO

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Também adorava ouvir Júlio Louzada, diariamente, na Rádio Tamoio, do Rio de Janeiro, durante os seus programas “Pausa para meditação” (programa de aconselhamento), e “Hora do Ângelus”. Foi nessa ocasião que eu passei a interessar-me pelos compositores clássicos Charles Gounod e Franz Schubert, autores das duas versões musicais da “Ave Maria” tocada no horário das dezoito horas. Não perdia os programas de auditório da Rádio Inconfidência e da Rádio Guarani ambas daqui de Belo Horizonte. Semanalmente, vinham apresentar-se neles cantores, conjuntos e orquestras nacionais e internacionais. Relaciono, a seguir, alguns nomes de cantores nacionais que me recordo no momento: Ademilde Fonseca; Adilson Ramos; Alaíde Costa; Altemar Dutra; Agnaldo Raiol; Agnaldo Timóteo; Agostinho dos Santos; Ângela Maria; Anísio Silva; Aracy de Almeida; Ataulfo Alves; Augusto Calheiros; Carlos Galhardo; Cauby Peixoto; Clara Nunes; Claudete Soares; Celly Campello; Dircinha Batista; Elizete Cardoso; Emilinha Borba; Evaldo Braga, Francisco Petrônio; Inezita Barroso; Ivon Curi; Jamelão; Jessé; Linda Batista; Luiz Gonzaga; Marcos Roberto; Nelson Gonçalves; Núbia Lafayete;


Orlando Dias; Paulo Sérgio; Raul Seixas; Teixeirinha; Waldick Soriano; Wilson Simonal... Cantores internacionais: Bievenido Granda; Carlos Gardel; Libertad Lamarque; Miguel Aceves Mejia; Gregório Barrios; Pedro Vargas... Orquestras nacionais e internacionais: Orquestra de George Melachrino; Orquestra de Roberto Inglez... Também havia os conjuntos musicais, nacionais e internacionais, cujos sucessos eram indiscutíveis e estavam no mesmo nível dos cantores. Para não me alongar muito, vou citar apenas alguns: Altamiro Carrilho e seu conjunto; Anjos do Inferno; Conjunto Farroupilha; Demônios da Garoa; Garotos da Lua; Nilo Amaro e seus Cantores de Ébano; Os Cariocas; Os Goldens Boys; Orquestra Tabajara de Severino Araújo; Poly e seu Conjunto; Quarteto em Cy; Renato e seus Blue Caps; Titulares do Ritmo; Trigêmeos Vocalistas; Trio Cristal; Trio de Ouro; Trio Esperança; Trio Irakitan; Trio Los Panchos; Trio Madrigal; Trio Melodia; Trio Nagô; Vocalistas Tropicais e dezenas de outras atrações populares...

QUERIDOS E ADMIRADOS

Se você pensou que os cantores e conjuntos musicais, citados no capítulo anterior, são inexpressivos, lamento dizer-lhe o quanto se enganou. Nas décadas de quarenta e cinqüenta o rádio era todo feito ao vivo e os programas de auditório atraiam verdadeiras multidões querendo ver e ouvir de perto seus artistas preferidos. Você não pode imaginar o quanto eles eram queridos e admirados pelo povo (adulto e jovem) daquele tempo e nem o tamanho do sucesso que cada artista e cada conjunto fazia em suas apresentações por todo o território nacional... Os auditórios das emissoras da Capital (Rádio Guarani e Rádio Inconfidência) eram bem uma amostra do prestígio desses artistas pelo interior de Minas e do Brasil, tão necessitado de diversão. Eles ficavam superlotados todo final de semana e as entradas para as apresentações eram adquiridas com bastante antecedência nas bilheterias das emissoras, em filas que se formavam de madrugada e davam voltas nos respectivos quarteirões. A juventude de cinqüenta anos atrás (moças e rapazes) se comportava da mesma forma que os adolescentes de hoje, quando encaravam seus ídolos de perto e de frente: extasiava, estremecia,


chorava, gritava, gesticulava, vibrava, invadia o palco, abraçava, beijava, pedia autógrafos... Ficava totalmente descontrolada e dava muito trabalho aos seguranças das emissoras. O rádio, na minha infância e adolescência, também, era acompanhado de casa com a mesma atenção, expectativa e participação, ou seja, quem ficava em casa, por algum motivo, se reunia em torno dele, vibrante e entusiasmado, nos sábados, domingos e feriados, durante a tarde e ou à noite, na sala ou na varanda, para assistir seus melhores programas, tal qual se faz hoje em dia à frente do televisor.

GOSTO MUSICAL

Como disse em outro local deste livro, passei a gostar de música clássica e natalina através do rádio. Na minha adolescência o rádio era muito respeitoso e tradicional. Completamente, diferente do rádio de hoje. A partir do final de novembro, durante todo o mês de dezembro e princípio de janeiro, a sua publicidade era veiculada com um variado fundo musical natalino. Ajudava a formar, assim, o clima próprio da época que ia desde a segunda quinzena de novembro até seis de janeiro, dia dos Santos Reis Magos. Clima que sempre me fascinou, sempre me encantou. Sempre me proporcionando muita alegria e grande paz de espírito. Passei anos (toda a minha infância e adolescência) ouvindo-as no período natalino, por isso não tenho dificuldade em relacionar, em seguida, os nomes de algumas músicas de Natal que precediam e acompanhavam os textos de propaganda de rádio: Anoiteceu, Bate o Sino, Boas Festas, Happy Xmas, Jingle Bells, Natal Branco, Natal das Crianças, Noite Feliz, O Natal Chegou, O Tannenbaum, O Velhinho, Os Três Reis, Sapatinho de Natal, Noite Silenciosa, Venite Adoremus... Já na Sexta-Feira Santa, as emissoras de rádio suspendiam toda a sua programação, em respeito ao sentimento religioso cristão/católico de seus ouvintes; inclusive toda a sua publicidade. Em lugar da propaganda comercial eram transmitidos, pelas emissoras da Capital, trechos de música clássica (religiosa ou profana). Foi, assim, que eu me familiarizei com os nomes dos grandes mestres da música erudita e com as suas composições musicais mais populares e inesquecíveis.

CLÁSSICOS MAIS QUERIDOS

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Para a sua valiosa apreciação e, quem sabe, enlevamento (caso queira conferir, ouvindo), aqui estão, em ordem alfabética de autor, algumas das músicas clássicas mais estimadas e ouvidas por mim: Albinoni: Adágio. Bach: Área da Corda Sol; Badinerie, da “Suíte para Flauta e Cordas Nº 2”; Concertos de Brandemburgo; Jesus Alegria dos Homens; Tocata e Fuga em Ré Menor; Paixão Segundo São Marcos. Bizet: Dueto, de “O Pescador de Pérolas”; Dança Cigana, de “Carmen”. Beethoven: Silêncio; Sinfonia Nº 3 (Eróica); Sinfonia Nº 5 (Destaques do 1º Movimento); Ode à Alegria, da “Sinfonia Nº 9”; Sonata ao Luar (1º Movimento – Adágio Sostenuto); Pour Elise; Tema da Sinfonia Pastoral; Minueto em Sol. Brahms: Berceuse; Alegretto (da 3ª Sinfonia); Dança Húngara Nº 5; Sinfonia Nº 3 – Poco Allegretto; Lullaby. Chopin: Noturno em Mi Bemol Maior; Tristesse; Valsa do Adeus; Valsa Minuto; Prelúdio Nº 4; Marcha fúnebre; Estudo em Mi Maior. Debussy: Clair de lune; Rêverie. Falla: Dança Ritual do Fogo. Fibich: Poema. Gounod: Ave Maria; Valsa de “Fausto”; Coro de Soldados, de “Fausto”. Grieg: Dança Norueguesa Nº 2; Amanhecer, de “Peer Gynt”; No Antro do Rei da Montanha, de “Peer Gynt”; Canção de Solveig, de “Peer Gynt”. Gershwin: Rhapsody In Blue; Summertime. Haendel: Aleluia, de “O Messias”; Largo, de “Xerxes”; Ária, da Suite “Música Aquática”; Chegada da Rainha de Sabá; Quarteto do Imperador. Ketélbey: No Jardim de um Mosteiro. Khachaturian: Dança do Sabre; Liszt: Liebesträum (Sonho de Amor); Rapsódia Húngara. Mascagni: Intermezzo, de “Cavalaria Rusticana”. Massenet: Meditação de Thaís. Mendelssom: Marcha Nupcial, de “Sonho de uma noite de verão”; Nas Asas da Canção. Mozart: Sinfonia Nº 40 (Destaques do 1º Movimento); Marcha Turca; Sonata Nº 16 in C maior; Greensleeves; Minueto; Concerto para Piano Nº 21 (Tema de Amor de “Elvira Madigan”); Ave Verum Corpus; Uma Pequena Música Noturna. Rachmaninoff: História de Três Amores; Rapsódia sobre um tema de Paganini. Ravel: Bolero. Rubinstein: Romance; Melody em Fá. Schubert: Ave Maria; Serenata (Ständchen); A Truta (Die Forelle); Sinfonia Inacabada (Destaques); Marcha Militar. Schumann: Träumerei. Somma: Ave Maria. Strauss: Danúbio Azul; Valsa do Imperador; Vozes da Primavera; Contos dos bosques de Viena; Valsa das Mil e Umas Noites. Tchaikovsky: Dança dos Cisnes de “O Lago dos Cisnes”; Valsa de “Serenata para Cordas”; Valsa das Flores, de “O Quebra-Nozes”; Valsa de “A Bela Adormecida”; Grande Valsa de “O Lago dos Cisnes”; Marcha de “O Quebra Nozes”; Capricho Italiano Op 45; Marcha Eslava; Tema do Amor de “Romeu e Julieta”; Abertura de 1812 – Final. Verdi: Coro dos Escravos de “Nabuco”; Celeste Aída, de “Aída”; Marcha Triunfal, de “Aída”. Wagner:


Cavalgada das Valquírias, de “As Valquírias”; Estrela da Noite, de “Tannhäuser”; Coro Nupcial, de “Lohengrin”.

ORQUESTRA RIBEIRO BASTOS

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Uma das grandes atrações religiosas que o rádio da minha adolescência oferecia aos católicos de Minas Gerais, do Brasil e do mundo, durante a Semana Santa, eram as piedosas e emocionantes transmissões feitas, diretamente, das cidades históricas mineiras, dentre elas, Diamantina, Mariana, Ouro Preto, Sabará, São João Del Rei e Tiradentes. Cada uma das emissoras da Capital escolhia uma cidade histórica e de lá transmitia as cerimônias litúrgicas mais significativas a qualquer hora do dia ou da noite. Para elas não havia o menor problema em interromper a sua programação diária. Eu sempre gostei de música barroca mineira do período colonial, especialmente, das músicas sacras e, por isso, tinha uma especial preferência pelas transmissões feitas da Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar, da cidade de São João Del Rei, porque, nas décadas de cinqüenta e sessenta, eram sempre acompanhadas pela Orquestra Ribeiro Bastos, criada em 1790, símbolo daquela cidade e que há mais de cento e sessenta anos (naquela época) já vinha divulgando a música sacra barroca dos fins do século XVIII e início do século XIX. Composta por cerca de oitenta pessoas, incluindo o coral, essa Orquestra mantinha (e continua mantendo) viva a interpretação das composições de Francisco Manoel da Silva, João Francisco da Mata, José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita, Manoel Dias de Oliveira, Martiniano Ribeiro Bastos, Padre José Maria Xavier e muitos outros. Era essa Orquestra que acompanhava, na Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar, na minha adolescência, a “Via Sacra”, o “Ofício de Ramos”, os três “Ofícios de Trevas”, o “Sermão das Sete Palavras”, a “Vigília Pascal” e as Missas solenes do Domingo de Páscoa. Essas cerimônias eram todas transmitidas pela Rádio Inconfidência, emissora oficial do governo de Minas. Quando suas transmissões não coincidiam com as cerimônias ao vivo da nossa Paróquia, eu não perdia uma sequer... Mas o tempo passou e, com o advento da televisão, o rádio perdeu muito do seu prestígio e as transmissões da Semana Santa das cidades históricas cessaram, passando as emissoras da Capital a darem prioridade às transmissões locais.


GÊNEROS E ESTILOS MUSICAIS

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Os gêneros e estilos musicais tocados no rádio, na minha infância e adolescência, eram: Acalanto, Arrasta-Pé, Baião, Balada, Batuque, Beguin, Blues, Bolero, Bolero-canção, Bolero-Mambo, Bulería, Caipira, Canção Brasileira, Canção Mexicana, Canção Modinha, Canção Paraguaia, Canção Rancheira, Canção Regional, Cantigas folclóricas, Cateretê, Chá-chá-chá, Chôro (ou chorinho), Clássica (ou erudita), Côco-Xote, Corrido, Dobrado, Embolada, Fado, Fado-Baião, Fantasia, Forró, Frêvo, Frevo-Canção, Fox, Fox-Canção, Fox-Fantasia Fox-Slow, Fox-Swing, Fox-Trot, Guarânia, Jazz, Joropo (dança típica da Venezuela), Junina, Mambo, Maracatu, Marcha, Marchinha, Mazurca, Mazurca Lírica, Maxixe, Miudinho, Modinha, Natalina, Polca, Polca Paraguaia, Rancheira, Rasqueado, Reggae, Rumba, Rumba-Bolero, Samba, Samba-Canção, Samba-Chôro, Samba Hino, Tango, Tango Brejeiro, Toada, Toada-Baião, Tarantela, Valsa, Valsa-Canção, Valsa Lenta, Valsa Sentimental, Valsa Serenata, Valsa-Sertaneja, Valseado, Vira, Xaxado, Xote e vários outros. Quase todos desconhecidos ou rejeitados pela juventude de hoje. O que é uma pena!... Para mim, representam uma época de ouro da música nacional e internacional.

GREGÓRIO BARRIOS

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Um dos gêneros musicais que eu mais gosto até hoje e que era muito tocado no rádio, durante a minha infância e adolescência, era o bolero. E um de seus grandes mestres foi o espanhol Gregório Barrios, consagrado, internacionalmente, como o “Rei do Bolero”. Ele passava grandes temporadas no Brasil e sempre se apresentava, em seus shows, em traje típico espanhol. Faleceu em dezembro de 1978, de enfarte do miocárdio, na sua casa, em São Paulo. Na véspera, fez show de casa cheia, num grande clube de Curitiba. Deixou, entretanto, uma discografia volumosa: 125 discos de 78 rotações e 43 LPs. Algumas de suas gravações, são verdadeiras jóias imortais, como “El Dia Que Me Quieras”, “Perfídia”, “Solamente Uma Vez”, “Besame Mucho”, “Vereda Tropical”, “Siboney”, “Dos Almas”, “Oracion Caribe”, “Amor”, “Al Di La”, “Quizás... Quizás”, “Maria Bonita”, “Juntos”, “Alma Llanera”... Dentre muitas e muitas outras.


ERA DA TELEVISÃO

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A televisão brasileira teve a sua pré-estréia no dia 03 de abril de 1950, em São Paulo, com a presença do célebre padre franciscano Frei José Francisco de Guadalupe Mojica (ou, simplesmente, José Mojica), tenor mexicano, de fama internacional, com grande sucesso no disco e no cinema, sendo o astro de vários filmes, que viera participar da inauguração da PRF-3, TV Tupi Difusora, primeira emissora de TV do Brasil, da América Latina e do Hemisfério Sul, segunda da América e quarta do mundo (depois de Estados Unidos, Inglaterra e França). Essa emissora pertencia ao magnata brasileiro das comunicações, Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo (Assis Chateaubriand), nordestino, paraibano, umbuzeirense (nascido em Umbuzeiro), advogado, empresário, escritor, jornalista, político, professor de direito e membro da Academia Brasileira de Letras. Ele era dono de 33 jornais, 25 emissoras de rádio, duas agências de notícias, uma agência de publicidade, uma revista semanal (O Cruzeiro), uma revista mensal (A Cigarra), 28 revistas infantis, duas gravadoras, uma editora, três gráficas e duas fazendas. No decorrer da década de 50 foram acrescidas ao seu império jornalístico, vinte e duas emissoras de televisão. Assis Chateaubriand Bandeira de Melo, também, atuou na política tendo sido Senador da República em dois períodos e por dois Estados: em 1952, pelo Estado da Paraíba e em 1955, pelo Estado do Maranhão.

PRIMEIRA TRANSMISSÃO

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O logotipo da PRF-3, TV Tupi Difusora de São Paulo, era um simpático indiozinho tupiniquim, também conhecido por curumim, que significa “criança” na língua tupi. A primeira transmissão oficial de suas imagens ocorreu no dia 18 de setembro de 1950, das 17,00 às 23 horas, nos estúdios do Sumaré, bairro localizado numa das regiões mais altas da cidade, conhecida como Espigão Paulista, com um show dos artistas Hebe Camargo, Lima Duarte, Ivon Cury, Lolita Rodrigues, Mazzaropi, Walter Foster e Wilma Bentivegna, dentre outros, apresentado logo após os discursos de Assis Chateaubriand e


Ademar de Barros, então Governador do Estado. As instalações da emissora foram abençoadas por Dom Paulo Rolim Loureiro, bispoauxiliar da Arquidiocese de São Paulo. A partir de então, Assis Chateaubriand passou a ser considerado o “Pai da Televisão Brasileira”. A título de curiosidade: “nessa época (18-09-50), um televisor custava nove mil cruzeiros, três vezes mais caro que uma boa vitrola. Só as pessoas mais ricas podiam comprar um aparelho”. A partir desse memorável dia, as inaugurações de TVs pelo País não pararam mais. Como vimos no capítulo anterior, só os Diários Associados tinham vinte e duas. Para constar, relacionamos algumas emissoras a seguir: TV Tupi do Rio de Janeiro (20-01-51); TV Paulista (14-03-52); TV Record de São Paulo (27-09-53); TV Rio (15-07-55); TV Itacolomy de Belo Horizonte (08-09-55); TV Piratini de Porto Alegre (20-12-59); TV Continental, do Rio de Janeiro (1959), cassada em 1972.

PROGRAMAS INESQUECÍVEIS

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Em 1950 (19 de setembro) estréia, na TV Tupi de São Paulo, “A Imagem do dia”, primeira exibição de um telejornal no Brasil, produzido, redigido e apresentado pelo locutor Ruy Rezende. Em 1952, surge na TV Tupi a “TV de Vanguarda”, o primeiro e mais importante teleteatro da TV brasileira. Em 1953, é apresentado, pela TV Record, às quartas-feiras, e, mais tarde, aos domingos, às 15 horas, “O Circo do Arrelia”, um dos palhaços mais famosos da TV brasileira, que se apresentava com seu irmão Henrique e com seu sobrinho Pimentinha; estréia, na TV Tupi de São Paulo, o programa “Repórter Esso”. Em 1954, a TV Tupi de São Paulo estréia o seriado infantil “Sítio do Picapau Amarelo”, baseado na obra de Monteiro Lobato, que era exibido uma vez por semana. Em 1955, (08 de novembro), é inaugurada, em Belo Horizonte, a TV Itacolomi, um dos canais de televisão pertencentes aos Diários e Emissoras Associados, que tinha sede na Capital Mineira, cassada pelo DENTEL no dia 18 de julho de 1980; estréia, na TV Tupi de São Paulo, o programa “A Grande Gincana Kibon”, um dos programas infantis de maior sucesso na TV, tendo ficado no ar por 16 anos; a TV Rio, Canal 13, importou um aparelho de vídeo-tape e o primeiro programa gravado foi “Chico Anísio Show”; é apresentado na TV Tupi do Rio de Janeiro, por J. Silvestre, com enorme sucesso, “O Céu é o Limite”, programa de perguntas e respostas. Em 1956, estréia, na TV Tupi, “Poliana” a primeira telenovela infantil; Abelardo Barbosa, o “Chacrinha”, fez a sua estréia na televisão apresentando o programa “Rancho Alegre” na


TV Tupi do Rio de Janeiro; a TV Rio exibe o programa “TV Rio Ring”, apresentando lutas de boxe, levando a emissora ao primeiro lugar em audiência aos domingos. Em 1957, Abelardo Barbosa, o “Chacrinha”, estréia na TV Tupi o programa “Discoteca do Chacrinha”; é apresentado por Flávio Cavalcanti, às 19 horas dos domingos, na TV Tupi do Rio de Janeiro, o programa “Um Instante Maestro” no qual ele quebra discos, após criticá-los; Manoel da Nóbrega cria o humorístico “Praça da Alegria” na TV Paulista. Durante os quatorze anos que o programa permaneceu no ar foi apresentado, sucessivamente, na TV Record, TV Globo e TV Bandeirante. Desde os primeiros tempos os maiores humoristas brasileiros passaram pelo programa, dentre eles, Consuelo Leandro, Costinha, Lilico, Moacyr Franco, José Vasconcelos, Rogério Cardoso, Ronald Golias, Rony Rios, Zilda Cardoso, Walter d’Ávila, e muitos outros. Manoel da Nóbrega faleceu em 1976. Desde 1987 “A Praça da Alegria” (hoje com o nome de “A Praça é Nossa”) está sendo apresentado por seu filho Carlos Alberto de Nóbrega, no SBT; estréia na TV Rio seu primeiro programa de televisão denominado “Noite de Gala”; a TV Rio exibe o programa “Aí vem dona Isaura”; é lançado em São Paulo, pela TV Tupi, o programa semanal “Almoço com as estrelas” que era apresentado aos sábados, das 12,30 às 16 horas, comandado por J. Silvestre. Em 1958, pela TV Tupi do Rio de Janeiro, Flávio Cavalcanti apresenta o programa “Noite de Gala”; a TV Rio exibe o programa de entrevistas “Preto no Branco”, apresentado por Oswaldo Sargentelli. Em 1959, sucesso na TV Paulista, a “Praça da Alegria” também passou a ser apresentada pela TV Rio; a TV Rio apresentou outro programa recordista de audiência, o musical humorístico “Noites Cariocas”; Chico Anysio estreou na TV Rio o programa “Só tem tantã”, posteriormente chamado de “Chico Anysio Show”. TELENOVELAS

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1951 (dezembro): Pela TV Tupi de São Paulo, Canal 3, foi ao ar a primeira telenovela brasileira intitulada “Sua Vida me Pertence”, patrocinada por Coty, indústria de perfumes, com vinte e cinco capítulos, apenas. Até 1963, não se tinha, ainda, a telenovela diária. Eram apresentadas duas ou três vezes por semana, por 20 minutos e transmitidas ao vivo. 1952: Pela TV Paulista: “Helena, “Senhora”, “Diva”, “Casa de Pensão”; Pela TV Tupi: “De mãos dadas”, “Direto ao coração”, “Meu trágico destino”, “Noivado nas trevas”, “Rosas para o meu amor”, “Um beijo na sombra”, “Uma semana de vida”, “Tribunal do Coração”; Pela TV Tupi: “Sítio do Pica-Pau amarelo”; Pela TV Continental: “Sinhá das Dores”; Pela TV Record: “Éramos Seis”; 1953: Pela TV Tupi: “A viúva”, “Abismo”, “Aladim e a lâmpada


maravilhosa”, “Ímpeto”, “Minha boneca”, “Na solidão da noite”, “O último inverno”, “Os humildes”, “Segundos fatais”, “Alô doçura”. Constavam do elenco desta última novela: Eva Wilma, John Herbert, Luiz Gustavo, Yoná Magalhães, entre outros; Pela TV Paulista: “O morro dos ventos uivantes”, “Coração delator”, “Drama de uma consciência”, “Iaiá Garcia”; 1954: Pela TV Paulista: “Peter Pan”; Pela TV Record: “A muralha”, “Capitão 7”; Pela TV Tupi: “Aventuras de D. Quixote”, “Labakam, o alfaiate”, “O grande sonho”, “O homem sem passado”, “Pinócchio”, “Sangue na Terra”; 1955: Pela TV Tupi: “As professoras”, “Bocage”, “Ciúme”, “Jane Eyre”, “Kim”, “Miguel Strogof”, “O primo pobre”, “Os dez mandamentos”, “Os irmãos corsos”, “Oliver Twist”, “Peter Pam”, “Suspeita”; 1956: Pela TV Tupi: “A família Boaventura”, “Bidu e Bimbim”, “Calunga”, “César e Cleópatra”, “Conde de Monte Cristo”, “E o vento levou”, “Heidi”, “O palhaço”, “O volante fantasma”, “Poliana”, “Robin Hood”, “Scaramouche”; Pela TV Paulista: “Luz da Esperança”, “Meu filho, meu orgulho”, “Neli”; Pela TV Record: “Vôo 509”; 1957: Pela TV Paulista: “Na noite do passado”, “Minha pequena Lady”; Pela TV Record: “A mansão dos Daltons”, “Internas de 1ª classe”, “O solar das almas perdidas”; Pela TV Tupi: “A canção de Bernadete”, “As solteironas”, “Alma na noite”, “Arsène Lupin”, “Coração inquieto”, “Cristóvão Colombo”, “Falcão negro”, “Lever no espaço”, “O corcunda de Notre Dame”, “O pequeno Lorde”, “O último inverno”, “Os três mosqueteiros”, “Pequeno mundo de D. Camilo”; 1958: Pela TV Tupi: “A muralha”, “A ponte de Waterloo”, “A princesinha”, “A única verdade”, “Anos de ternura”, “Anos de tormenta”, “Apenas uma ilusão”, “Aqueles olhos”, “Aventuras de Marco Pólo”, “Aventuras de Tom Sawer”, “George Sand”, “Marcelino, pão e vinho”, “Máscara de ferro”, “Nicholas”, “Os Dez Mandamentos”, “Os miseráveis”, “Pollyana moça”; Pela TV Paulista: “A grande mentira”, “Presença de Anita”, “David Copperfield”; Pela TV Record: “Cela da morte”, “Cidade perdida”; 1959: Pela TV Paulista: “Hino ao amor”, “Minha devoção”, “O Guarani”, “Os irmãos Dombey”; Pela TV Record: “Eu fui toxicômano”; Pela TV Tupi: “A cidadela”, “Angélika”, “Doutor Jivago”, “Lili”, “O cisne encantado”, “O jardim encantado”, “O sertão desaparecido”, “Semente de amor”, “Trágica mentira”, “Um lugar ao sol”, “Uma carta para você”.

SESSÃO BANG BANG

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Desde menino, quando lia gibi, sem o conhecimento de mamãe, eu gostava de faroeste. John Weyne era um dos meus heróis favoritos desse tempo. Faroeste clássico, tradicional, com muita ação, muitos tiros, duelos entre mocinho e bandidos, muitos índios e a cavalaria americana em ação. Tudo isso em quadrinhos desenhados, em preto e branco, pelos mais renomados artistas nacionais e internacionais. Eles eram tão reais, e mexiam tanto com a nossa imaginação, que dava até para se ouvir o tropel dos cavalos, a gritaria dos índios e os tiros trocados... Anos depois, quando os westerns eram passados na TV, sempre que possível, não perdia um, principalmente, nos sábados, domingos e feriados. Infelizmente, por mais que me esforce, não consigo lembrar-me do nome de todos os artistas preferidos. Também pra quê, né? Não saberia escrevê-los nem pronunciá-los... Porém, de alguns de seus inconfundíveis rostos, eu não me esqueço. Alguns filmes são inesquecíveis. Alguns eu assisti várias vezes, ao longo do tempo, tão bons que eles são e os assistiria muitas vezes mais, caso as emissoras de televisão voltassem a exibilos. Registro, aqui, alguns poucos nomes que ainda me recordo, dentre muitos e muitos outros: “No Tempo das Diligências”, “Rastros de Ódio”, “Crepúsculo de Uma Raça”, “Matar ou Morrer”, “Os Brutos Também Amam”, “Rio Vermelho”, “Onde Começa o Inferno”, “Paixão dos Fortes” e “Rio Lobo”. Infelizmente, para mim e para pessoas de mesmo gosto, o gênero western acompanhou a evolução dos tempos e, a partir dos anos sessenta, entrou em decadência (pelo menos na televisão), enterrando, definitivamente, o querido velho cowboy.

EMOCIONANTES SERIADOS

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Não posso deixar de registrar aqui, ao menos sucintamente, os emocionantes seriados que, durante anos, encantaram a nossa juventude. Passemos a relembrar, portanto, alguns deles: SERIADOS DIVERSOS: “A família Robson”, “A Feiticeira”; “A ilha da fantasia”; “Agente 86”, “Além da imaginação”, “Arquivo X”, “As Aventuras de Rin Tin Tin”, “As panteras”, “Aventura submarina”, “Babylon”, “Batman, “Beretta”, “Bronco”, “Capitão Aza”, “Capitão Marvel”, “Combate”, “Cheyenne”, “Dallas”, “Daniel Boone”, “Desaparecidos”, “Doutor Kildare”, “Ficção Científica”, “Flipper”, “Havaí Cinco Zero”; “Jeanne é um Gênio”, “Jim das selvas”, “Jornada nas Estrelas”, “Kojak”, “Lassie”, “Lanceiros de Bengala”, “Maya”, “Miami Vice”, “Missão Impossivel”, “O barco do amor”, “O Fugitivo”, “O homem de seis milhões de dólares”, “Os Aquanautas”, “Os Intocáveis”, “Os


Invasores”, “Os Monroes”, “Mulher Maravilha”, “Planeta dos macacos”, “Perdidos no Espaço”, “Poderosa Isis”, “Ramar da selva”, “Robin Hood”, “Sheena”, “Super homem”, “S.W.A.T.”, ”Terra de Gigantes”, ”Túnel do Tempo”, “UFO”, “Ultraman”, “Viagem ao Fundo do Mar”. SERIADOS DE FAROESTE: “Bat Masterson”, ”Bonanza”, “Caravana”, “Chaparral”, “Cimarron”, “Custer”, “Daniel Boone”, “Durango Kid”, “Gunsmoke”, “James West”, “Johnny Ringo”, “Lancer”, “Laramie”, “Laredo”, “Maverick”, “O homem de Virgínia”, “O Rebelde”, “Paladino do Oeste”, “Patrulheiros do Oeste, “O Texano”, Os Pioneiros”, “Shane”, “Shotgun Slade”, “Valente do Oeste”, “Zorro”.

AVENTURAS DE TARZAN

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Uma história fascinante, que sempre me cativou, desde meus tempos de menino, é a do lorde inglês que cresceu entre os macacos, na selva africana, tornando-se amigo dos animais, apresentada na emocionante série “Tarzan”, um dos maiores clássicos da TV mundial, quiçá de todos os tempos, escrita pelo estadunidense Edgard Rice Burroughs, em outubro de 1912, tendo completado cem anos em outubro de 2012. A partir de 1933, dezoito livros de Tarzan foram publicados no Brasil pela Companhia Editora Nacional. Desses, a Editora Record relançou oito volumes em 1970. Meu primeiro contato com as histórias desse famoso personagem de ficção popular foi, também, através da leitura de revistas em quadrinhos, distribuídas pela Editora Brasil-América (Ebal), com desenhos de Burne Hogarth. Entretanto, quando meu irmão Henrique adquiriu o nosso primeiro aparelho de rádio, foi através da Rádio Inconfidência, emissora oficial do governo mineiro, que passei a acompanhar, diariamente, às dezessete horas, as aventuras do “homem das selvas” ou do “rei das selvas”, como, então, era denominado. Quando estava em férias (comecei a trabalhar na Secretaria de Estado da Saúde aos quinze anos de idade), eu não perdia um programa. Adorava o grito do herói. Grito que, aliás, tornou-se o seu grande símbolo. Com o advento da televisão, suas histórias ficaram mais atraentes através da apresentação de uma série de cinqüenta e sete episódios vividos pelo americano, nascido no Texas, Ron Ely. Seus primeiros cinco capítulos foram filmados nas exuberantes Cataratas do Iguaçu, na tripla fronteira entre Argentina, Brasil e Paraguai. Até hoje, com a mesma emoção do passado, acompanho suas aventuras nas raríssimas exibições da telinha. Desde os tempos dos filmes mudos, muitos foram os intérpretes do “homem-macaco”. Entre os melhores, no meu ponto de vista, estão Lex Backer que, na década de cinqüenta, fez quatro de seus filmes e Gordon Scott, que realizou


cinco filmes. Mas, ainda, na minha modesta opinião, o maior intérprete de “Tarzan”, de todos os tempos, foi o austríaco Johnny Weissmuller, que fez doze filmes da série e que criou e imortalizou o seu famoso grito. MARIA-FUMAÇA

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Na minha infância e adolescência, da janela de meu quarto, debruçado em seu peitoril, passava longos momentos acompanhando o movimento das locomotivas a vapor na estrada de ferro que margeia o Ribeirão Arrudas, que, de ribeirão, nada tinha (nem tem), pois sempre foi (e continua sendo) um esgoto a céu aberto, devido a incúria dos nossos governantes municipais. Naquela época, o tráfego ferroviário era intenso, frenético!... Todos os dias e o dia todo, as máquinas, movidas a vapor, iam e vinham soltando seus gritinhos estridentes e a sua fumacinha preta. Trens de passageiros, de carga e mistos. Os comboios de carga, quase sempre, eram intermináveis. Demoravam passar pelo meu campo de visão, fechando a passagem de nível, existente na região, por um extenso período. Eram tão compridos que, enquanto seu último vagão ainda trafegava nos limites das oficinas ferroviárias, existentes no Bairro do Horto, sua locomotiva já estava chegando a Caetano Furquim, um lugarejo campestre existente entre nossa Capital e Sabará, cidade histórica, tricentenária, onde, segundo contam os historiadores, no tempo do Brasil Colônia viveu e morreu o Bandeirante paulista Manuel de Borba Gato, genro do, também, Bandeirante, Fernão Dias Paes Leme, o famoso “Caçador de Esmeraldas”. Tenho muita saudade da MariaFumaça... Há como eu tenho! Pela sua história, pelo seu heroísmo, pela sua utilidade, pela sua simplicidade, pelo seu desbravamento de terras inóspitas e pelas emoções que me proporcionou. Tive momentos de intenso e indescritível prazer, quando, juntamente com mamãe e minha irmã Gabriela (Sinhazinha) viajava com destino a Montes Claros, Norte de Minas Gerais, nos trens de passageiros da então Estrada de Ferro Central do Brasil, puxados por ela, fazendo a linha Belo Horizonte-Monte Azul, na divisa com o Estado da Bahia. Seu percurso, até Montes Claros, durava quatorze horas e de sua composição fazia parte um confortável carro leito (ou dormitório). Para a criança ingênua que eu fui, essa viagem era o máximo da aventura... Em casa, distraia-me, da janela de meu quarto, contando os vagões dos comboios cargueiros, quando eles passavam pela Parada d’Abadia, existente na divisa dos bairros Abadia e São Geraldo. Era nessa “parada” que os moradores locais se embarcavam nos trens suburbanos que ligavam Belo Horizonte a Rio Acima, uma cidade da Região Metropolitana, para visitarem o Santuário de Santo


Antônio, em Roça Grande. Cinqüenta, cem, cento e cinqüenta, duzentos, duzentos e vinte, duzentos e trinta, duzentos e sessenta... Cada vagão contado transportava toneladas de adubos, cal, calcário, carvão mineral, carvão vegetal, cimento, derivados de petróleo, ferro gusa, fertilizantes, grãos, minérios de ferro e de manganês, produtos siderúrgicos... E muito, muito gado! Com a vista cansada e embaçada, com o decorrer do tempo, acabava perdendo a paciência e a contagem dos vagões. Nova tentativa ficava para quando passasse o próximo combôio. Eu não precisava me preocupar... Não precisava me afobar.... Muita oportunidade teria, ainda, no decorrer do dia e nos dias subseqüentes...

MAQUETE DA IGREJA

Não me lembro quanto tempo papai levou para construir a maquete da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, do Bairro Lagoinha, localizado na Região Noroeste de Belo Horizonte, nesse período, habitado por imigrantes vindos da Itália. Suponho ter sido construída mais ou menos na mesma época da criação do presépio mecânico e das imagens de Nosso Senhor dos Passos e de Nossa Senhora das Dores, dos quais falarei mais adiante. Posso afirmar, contudo, que passei a minha pré-adolescência vendo a maquete todos os dias e o dia todo, completamente, pronta, exposta à visitação pública, na sala de visitas de nossa casa. Era um imponente móvel de três peças, destacáveis, e continha todos os detalhes religiosos, técnicos e artísticos existentes na igreja que serviu de modelo, tanto por fora quanto por dentro. Sua altura ultrapassava a de um ser humano adulto. Suas partes removíveis eram: a base, (representando o alicerce da Igreja), que teria mais ou menos um metro de altura; a nave (ala central), na mesma dimensão, e o santuário (onde ficavam o altar mor e os altares laterais). A maquete era toda feita de madeira compensada e suas cores reproduziam as mesmas da igreja original. Em dezembro de 1956, a mesma foi removida de nossa casa para o Museu dos Padres Capuchinhos da Pompéia, a fim de se obter mais espaço para os convidados da festa comemorativa da Ordenação Sacerdotal de meu irmão Lúcio (Frei José Maria de Belo Horizonte, Frade Menor Capuchinho), promovida pela nossa família, e nunca mais a vimos e nem dela tivemos mais notícia. Eu completara, naquela ocasião, dezesseis anos de idade e, pelo menos, dez anos de convivência, permanente, com a incrível maquete da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, do Bairro Lagoinha, de Belo Horizonte, construída por papai (prodígio da fé?) sem que o mesmo tivesse o mínimo conhecimento de desenho e


arquitetura. Construiu, apenas, movido pela gratidão, curiosidade, perseverança e fé. Muita fé! Aquela fé que é capaz de remover obstáculos...

Cônego Ramiro Leite Felício dos Santos, Pároco de Brejo do Amparo por 38 anos, de 1926 a 1964. Foto tirada por Sinhozinho, em 1958.

MINHA MÃE

Mamãe era uma autêntica brejina! Ela nasceu em Brejo do Amparo, Município de Januária, no Norte de Minas Gerais, em 23 de agosto de 1898. Ela era filha de Cícero José da Rocha e Ambrosina Rodrigues Ferreira; neta de Lúcio José da Rocha e Joana Leonilda da Rocha, por parte de pai, de Antônio Rodrigues Ferreira da Costa e Faustina Rodrigues Torres, por parte de mãe e bisneta de Antônio Gaspar Torres e Ana Rodrigues. Assim como meu pai, mamãe,


também, era Católica Apostólica Romana; fervorosa e praticante. Freqüentava a Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Pompéia, dos Padres Capuchinhos, quase diariamente, para assistir a Santa Missa e receber a Sagrada Comunhão, em especial, nas primeiras terçasfeiras de cada mês (dia dedicado a Santo Antônio), nas primeirassextas-feiras de cada mês (dia consagrado ao Sagrado Coração de Jesus), nos sábados (dedicados à Nossa Senhora) e nos domingos e dias santos de guarda, para cumprir o 1º dos Cinco Mandamentos da Igreja. Nos dias comuns, quando não ia à Igreja de manhãzinha, ia à noite para rezar o terço e receber a bênção do Santíssimo Sacramento, conforme o costume da época. Mamãe (dentre outros atributos) era uma mulher simples, meiga, piedosa e fervorosa. Também, era uma mãe extremosa e modelar. Mamãe transbordava amor e dedicação em todos os seus atos e atitudes. Até mesmo quando usava de severidade em suas descomposturas. Fiel à sua educação familiar e a princípios religiosos e morais rígidos de sua época, em suas reprimendas ela sempre repetia as seguintes frases como que justificando o seu rigor: “Eu estou lhe ensinando, conforme minha mãe me ensinou” ou “Eu estou lhe dando a educação que eu recebi de minha mãe”. Seguindo o comportamento de seus ancestrais, mamãe controlava seus filhos com advertências e com o olhar. Um simples olhar! Não tolerava mentira, desobediência nem malcriação e castigava o transgressor com firmeza. Entretanto, nos momentos de tranqüilidade, ela era dócil, afável, amorosa, meiga e terna. Nessas horas, ela cantava, sorria, brincava e relembrava, com emoção, episódios de sua infância e adolescência, como, por exemplo, quando cavalgava de silhão (sela com estribo só de um lado, própria para senhoras quando cavalgavam de saia); quando fazia sua montaria esquipar, ou correr ligeiramente (ela dizia isso com uma alegria de criança), ao viajar pelo interior, especialmente, para o Cochá (hoje Município de Montalvânia), onde meu avô Cícero tinha sua fazenda; quando bebia a água límpida e fresca das grotas; e quando tomava leite de vaca recém-ordenhado “ainda quentinho” como ela mesma gostava de salientar. Mamãe contava e recontava essas e muitas outras histórias, repetindo sempre nomes de parentes e de lugares, com visível saudade. Nesses momentos, seus olhinhos brilhavam de intensa emoção... Mamãe não tinha escolaridade; lia soletrando e mal escrevia seu nome. Mas, na sua simplicidade, era uma pessoa sábia! A sua vivência, curtida na carência, na renúncia e na prática da prudência, poderia fazer inveja a muitos “letrados” de hoje. Seus ensinamentos continham muita sabedoria – uma sabedoria transcendental. Não tenho dúvida de que eram iluminados pelo Divino Espírito Santo. Eles, até hoje, me são muito caros. São muito preciosos para mim. São meus guias nas encruzilhadas da vida; meus conselheiros nos momentos de decisões...


MEU PAI

Papai, também, era um brejino da gema! Ele nasceu em Brejo do Amparo, Município de Januária, Grande Sertão Mineiro, em 30 de junho de 1900. Ele era filho único de Vicente Rodrigues Torres e Hermenegilda Alves de Souza; neto, por parte de pai, de Antônio Rodrigues Ferreira da Costa e Faustina Rodrigues Torres e bisneto, também, por parte de pai, de Antônio Gaspar Torres e Ana Rodrigues. Da ascendência de minha avó Hermenegilda, infelizmente, até o momento, não disponho de informação alguma. Papai era um homem simples, manso, bom, honrado e trabalhador. Como minha mãe, era Católico, Apostólico, Romano; fervoroso e praticante. Também freqüentava a Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Pompéia, dos Padres Capuchinhos. Não faltava às Missas nos domingos e dias santos de guarda. Lutou, bravamente, durante toda a sua vida, tentando transpor barreiras e limitações, para dar conforto e dignidade à sua família. Papai era um homem muitíssimo inteligente, habilidoso e esforçado. Apesar da sua pouca cultura e escolaridade, ele aprendia e memorizava tudo o que via e ouvia com extrema facilidade. Se o objeto de sua atenção lhe interessava, procurava fazer igual em seus mínimos detalhes. Algumas vezes, seu trabalho saia melhor do que o próprio modelo... No Sertão, nas várias fases de sua vida, além de lavrador, canoeiro, comerciante e tratador de animais, papai exerceu, também, as atividades de carpinteiro, marceneiro e folheiro. Já em Belo Horizonte ele adquiriu, com o passar do tempo, noções de hidráulica, moldagem, modelagem, soldagem, olaria, ferraria, mecânica e várias outras. Na verdade, nada (ou quase nada), embaraçava papai. Para ele aprender e produzir alguma coisa bastava surgir a oportunidade e obter a importância necessária para a aquisição do material empregado, o que nem sempre lhe era possível, devido às muitas limitações e privações que sofrera ao longo da vida. Entretanto, talento, obstinação e perseverança, indispensáveis para vencer os muitos obstáculos (pequenos e grandes) que tivera que enfrentar, nunca lhe faltaram. Todavia, apesar de sua luta incansável, apesar de suas privações, apesar de seu sofrimento físico e moral, apesar de seu esforço sobre-humano para vencer na vida, através do trabalho, nunca foi, merecidamente, compreendido; nem suas ações e produções, devidamente, valorizadas...


Ant么nia Rodrigues da Rocha e Ant么nio Rodrigues Torres (meus pais rec茅m-casados).


Meus pais comemorando suas Bodas de Ouro Matrimoniais, em 10 de janeiro de 1970.

DESCENDÊNCIA DE MEUS PAIS

Meus pais tiveram quatorze filhos. Dois sofreram processos abortivos não intencionais. Cinco faleceram nos primeiros meses de vida. Sete chegaram à fase adulta. O nascimento de meu irmão Vicente não está relacionado aqui, por faltar-nos informações precisas sobre o mesmo. Infelizmente, papai não deixou anotações sobre ele, em seu caderninho particular de registros. Ermelinda casou-se com Alencar José da Cunha; Henrique casou-se com Josina Martins Macedo; Faustina casou-se com Geraldo Martins de Rezende; Lúcio casou-se com Maria Laura de Meneses; Antônio casou-se com Neuza da Silva e Maria Gabriela casou-se com Luiz de Rezende.


DATA: 03-09-21 15-04-23 15-07-24 24-12-25 23-02-27 07-06-28 06-09-29 18-09-30 09-04-37 11-12-40 23-03-43

NOME: Ermelinda Ambrosina Henrique Manoel (1) Faustina Cícero Manoel (2) Lúcio Edwiges Antônio Maria Gabriela

LOCAL: Brejo do Amparo Brejo do Amparo Brejo do Amparo Brejo do Amparo Januária Januária Venda Nova Venda Nova Santa Tereza Esplanada Esplanada

SÃO SEUS NETOS: Maria José Torres da Cunha, Paulo José da Cunha, Francisco Torres da Cunha, Terezinha Lourdes da Cunha, Geraldo Duarte da Cunha, João Bosco da Cunha, Alencar Torres da Cunha, Fátima Maria Torres da Cunha e Aparecida Maria Torres da Cunha (filhos de Ermelinda e Alencar José da Cunha); Vicente Martins Torres, Francisco de Assis Torres, Rita de Cássia Martins Torres, Ildeu Martins Torres, Maria da Conceição Martins Torres e Eduardo Martins Torres (filhos de Henrique e Josina Martins Macedo); Roberto Luís Meneses Torres, Ronaldo Meneses Torres e Renato Meneses Torres (filhos de Lúcio e Maria Laura de Meneses); Maria das Mercês Silva Torres, Eduardo Silva Torres, Maria das Graças Silva Torres, Marcos Silva Torres e Maria das Dores Silva Torres (filhos de Antônio e Neuza da Silva); Luiz Carlos Torres de Rezende, Maria Inês Torres de Rezende e Patrícia Maria Torres de Rezende (filhos de Maria Gabriela e Luiz de Rezende). SÃO SEUS BISNETOS: Flávio Cunha Santa Rita, Cláudio Cunha Santa Rita e Renato Cunha Santa Rita (filhos de Maria José e Salomão Santa Rita); Tatiane Augusta da Cunha, Thiago Augusto da Cunha e Thércio Augusto da Cunha (filhos de Paulo José e Lenita Augusta da Cunha); Robson Cunha Rosário (filho de Terezinha e Manoel Rosário); Leandro Ribeiro Cunha e Laisa Ribeiro Cunha (filhos de Geraldo e Maria das Dores Ribeiro); Samuel, Adriano, Lucas e Marina (filhos de João Bosco da Cunha); Simone Maria Marques de Souza, Antônio Marcos Cunha de Souza e Vicente Marques de Souza Filho (filhos de Fátima Maria e Vicente Marques de Souza); Elder Carvalho e Luciene Cunha Carvalho (filhos de Aparecida Maria e Wagner Antônio de Carvalho). Paulo Henrique dos Santos Torres (filho de Vicente e Marta Dias dos Santos); Mikaelle Assis Torres, Lucas Matheus Assis Torres (filhos de Francisco de Assis Torres); Jéssica Leine Souza Torres e Júlia Souza Torres (filhos de Francisco e Sandra Corrêa de Souza); Iara Torres Kuranaga e Luiz Henrique Torres Kuranaga (filhos de Rita de Cássia e Júlio Roberto Kuranaga); Victória Raquel Ferreira Torres (filha de Ildeu e Patrícia Ferreira); Elizabete Martins Torres e Giovanni Martins Torres de Freitas (filhos


de Maria da Conceição e João Donizete de Freitas); Raissa Ulhoa Torres e Rafael Rodrigues Ulhoa Torres (filhos de Roberto Luís e Rita de Cássia Ulhoa); Pedro (filho de Ronaldo Meneses Torres); Charles Tôrres Teixeira (filho de Maria das Mercês e Itamar Teixeira Filho); Sthel Felipe Torres e Giúlia Caroline Torres (filhos de Eduardo e Elizabeth da Cunha Silva); Marina Torres Mauad (filha de Maria das Graças e Abelardo Elias Teixeira Mauad); Maria Eduarda Silva Torres e Ana Luiza Silva Torres (filhas de Marcos e Elcylene Silva); Amanda Oliveira de Rezende e Isabella Oliveira de Rezende (filhas de Luiz Carlos e Lessi Oliveira); Carolina Barbosa Torres de Rezende (filha de Maria Inês e Márcio Barbosa da Silva) e Alexandro Rezende de Lima e Lucas Rezende de Lima (filhos de Patrícia Maria e Anderson Lima Ferreira). SÃO SEUS TRINETOS: Ana Carolina Matias Santa Rita e Mateus Matias Santa Rita (filhos de Flávio e Marilene Matias); Victor de Sousa Santa Rita e Sávio de Sousa Santa Rita (filhos de Renato e Jacqueline de Sousa); Cauan Cardilho Santa Rita (filho de Cláudio e Erika Cardilho); Rafaela Augusta Mendes da Cunha (filha de Thiago e Valdina Mendes de Oliveira); Kaíque Mendes Cunha e Letícia Mendes Cunha (filhos de Leandro e Elizabeth Mendes); Gabriel Cunha de Oliveira (filho de Laisa e Luciano Geraldo de Oliveira). Mila Carvalho Lopes e Lana Carvalho Lopes (filhas de Luciene e Evandro Prado Lopes); Nina Burato Bonfim Carvalho (filha de Elder e Fernanda Burato).

PRESÉPIO MECÂNICO

No início da década de quarenta havia em nossa casa, na então Vila Independência, hoje Bairro Esplanada, em Belo Horizonte, um presépio mecânico, fruto da privilegiada imaginação de papai que o planejou, executou e promoveu. Meu irmão Henrique, desde o primeiro instante, ficou responsável pela sua pintura e manutenção, ao longo dos anos, encargo que sempre cumpria, com muito zelo, um mês antes do Natal. Pintura, limpeza geral e de cada peça e a renovação de plantas ornamentais rasteiras (musgos), que ele ia buscar nas grotas úmidas da Serra do Curral – um dos símbolos de Belo Horizonte - naquela época ainda intocada pela ganância das empresas mineradoras. Esse presépio movimentava vinte e cinco figuras, ao mesmo tempo. Ele era movido através de uma manivela e suas peças eram interligadas por meio de engrenagens e roldanas. Todos os anos ele atraia centenas de curiosos à nossa residência. Nossa casa ficava apinhada de gente, de todas as camadas sociais, nos domingos, dias santos e feriados, vinda de todos os recantos da


Capital e de municípios vizinhos. Sem mencionar os habitantes da nossa região, visitantes tradicionais, habituais, fiéis. Alguns desses visitantes chegavam movidos pela religiosidade natural do povo belorizontino, outros, impelidos pela beleza, originalidade e criatividade que o mesmo irradiava. Nem os profissionais da imprensa deixavam de marcar presença. Para grande entusiasmo nosso, certa vez visitou-nos um sacerdote, vindo de São Paulo, especialmente, para apreciá-lo. O presépio abria suas portas à visitação pública no final de novembro e encerrava suas atividades no dia seis de janeiro, festa de Santos Reis Magos. Ele não dava lucro – nem foi feito para isso – tanto que sua entrada era franqueada ao público. Também não dava despesa considerável, pois não havia energia elétrica em casa, nem em toda a região da Pompéia, onde se localizava nossa residência, forçando papai a encerrar suas atividades diárias logo após o pôr do sol. Entretanto, quando necessário, a iluminação à noite era feita no recinto através de um lampião alimentado por carbureto. O presépio não dava despesa importante, mas dava trabalho, muito trabalho, exigindo paciência franciscana, cortesia permanente e vigilância constante de todos de casa, pois éramos assediados, insistentemente, pelas pessoas mais curiosas, mais ousadas, dentre elas, os repórteres de jornal, que queriam, a todo custo, adentrar a nossa casa para fotografar e entrevistar papai, que não gostava de se expor. Conseqüentemente, vivíamos aprisionados em nossa própria morada, em todos os fins de semana, desde a sua abertura ao público até o seu fechamento, com todas as suas portas de acesso trancadas. A situação era tão aflitiva, que nem mesmo das janelas podíamos nos descuidar... Em 1946, infelizmente, por causa desses e de outros dissabores, o presépio que papai construiu com tanta dedicação, engenho, arte e bom gosto; que caiu no agrado do público e poderia ter uma vida longa e encantar multidões de visitantes nos dias de hoje, teve que ser fechado, desmanchado e suas peças vendidas. Tão afamado ele ficou, entretanto, que seis anos depois de encerradas as suas atividades, ainda era procurado por seus fiéis admiradores...


Diácono Antônio Gonçalves da Rocha, filho de meus tios maternos Laudelina e João, dias antes de sua Ordenação Sacerdotal, em 30 de novembro de 1957.


PRIMEIRA SEMANA SANTA

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Os Padres Capuchinhos, quando vieram de Messina, Itália, para a região onde hoje se localiza o Bairro Pompéia, em Belo Horizonte, em 12 de fevereiro de 1939, a exemplo de São Francisco de Assis, fundador da Ordem, eram muito pobres. Nada tinham, além da roupa do próprio corpo. A Paróquia, recebida por eles de Dom Antônio dos Santos Cabral, primeiro Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, era enorme, abrangendo um grande núcleo populacional fora do perímetro urbano e seus paroquianos, além de dispersos nessa vastidão, desprovida de quase tudo, na sua maioria, também, eram de posses muito reduzidas. Até mesmo o essencial para a prática da liturgia diária e para a subsistência da comunidade lhes faltava e continuaria faltando, durante algum tempo. Para sobreviverem, os Padres Capuchinhos eram hospedados e alimentados em casas de família, pois dinheiro não havia para as despesas necessárias a uma vida conventual. Nem condições, imediatas, para conseguí-lo, o que só viria a ocorrer ao longo do tempo, uma vez que os frades sobreviviam de doações e de esmolas recolhidas na Igreja, durante as principais cerimônias religiosas. Apesar disso, tinham muito o que fazer e haviam acabado de chegar... Conseqüentemente, a primeira Semana Santa da Paróquia foi celebrada sem o uso das tradicionais imagens de Nosso Senhor dos Passos e de Nossa Senhora das Dores. Em seu lugar foram usados nas procissões, apenas, alguns Símbolos da Paixão, como a escada, utilizada por José de Arimatéia para descer Jesus da Cruz; a lança, em cuja ponta foi colocada uma esponja, ensopada de vinagre, para que Jesus bebesse; a coroa de espinhos, colocada na cabeça de Jesus, como escárneo, durante a flagelação; alguns cravos (ou pregos) empregados na crucificação, um pano de linho, branco, que serviu de mortalha no sepultamento e a Cruz, na qual Jesus foi pregado. Símbolos esses que foram transportados, por figurantes vestidos de anjos e de personagens bíblicas, durante o transcurso da procissão. Sabedor de que papai era dotado de rara inteligência e criatividade e premido pela extrema necessidade, o primeiro vigário da Paróquia de Nossa Senhora do Rosário de Pompéia, Frei Odorico de Resuttano (19-02-39 a 04-10-43), não hesitou em fazer-lhe um pedido inusitado. Um pedido ao mesmo tempo inesperado e honroso para papai: construir as duas principais imagens sacras, em tamanho natural, para serem utilizadas, oficialmente, nas procissões da Semana Santa da Paróquia. Pedido esse feito numa época em que a Igreja Católica era, extremamente, conservadora, rigorosa e cautelosa no uso de objetos sacrossantos. Perplexo com o pedido, mas impelido pelos seus sentimentos cristãos e pelo aconselhamento


de seus familiares, papai não o declinou, pelo contrário, preferiu assumir o desafio, consciente da enorme responsabilidade que teria pela frente, e se pôs a trabalhar no projeto com entusiasmo e persistência. Finalmente, depois de algumas semanas de intenso trabalho, que varava as madrugadas, em razão do seu tempo limitado durante o dia (ele já era funcionário público estadual), as imagens ficaram prontas, para orgulho da família, júbilo dos abnegados Frades Capuchinhos e admiração dos amigos e paroquianos, em geral. E não era para menos, pois as mesmas ficaram iguaizinhas aos modelos fabricados ou esculpidos pelos grandes santeiros da época. Sem tirar nem por...

Padre Antônio Gonçalves da Rocha abençoando seus pais, Laudelina e João, o Cônego Ramiro, Vigário de Brejo do Amparo e os brejinos em geral, após rezar a Primeira Missa em sua terra natal, em 08 de dezembro de 1957.


NOSSO SENHOR DOS PASSOS

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A imagem de Nosso Senhor dos Passos que papai construiu, a pedido do então vigário da Paróquia da Pompéia, tinha a estatura de um ser humano adulto. Para reproduzi-la, papai moldou cada parte de seu próprio corpo, em fôrmas feitas de barro. Em seguida, fez o preenchimento das mesmas com colagens de jornais, sobrepostas, utilizando goma de polvilho e endurecendo os chumaços com camadas de gesso. Estruturando o corpo, as peças que, até então, tiveram tratamento em separado, foram encaixadas, emendadas, coladas e lixadas, ficando prontas para o acabamento final. Sua pintura, etapa seguinte, foi toda elaborada por meu irmão Henrique que iniciou seu trabalho dando à escultura várias demãos de tinta da cor da pele humana, executando os detalhes técnicos e artísticos com a mesma eficiência de um pintor profissional. Estava pronta a imagem solicitada pelo zeloso vigário capuchinho. Representava Jesus a caminho do Calvário, carregando uma enorme e pesada Cruz de madeira sobre o ombro esquerdo. Tinha o joelho direito no chão, esfolado, caracterizando uma de suas três quedas, segundo a tradição cristã, meditadas nas 3ª, 7ª e 9ª Estações da Via Sacra, piedosa oração feita durante o tempo da Quaresma em todas as Igrejas Católicas do mundo. Seu rosto apresentava-se banhado em sangue, transfigurado pelo intenso sofrimento. A imagem recebeu, em seguida, uma túnica de tecido roxo, cabelos naturais, cacheados – cedidos por minhas irmãs Ermelinda e Ambrosina – e uma coroa de enormes e pontiagudos espinhos, pintada de verde. Depois de pronto, o trabalho elaborado, conjuntamente, por papai e Henrique ficou perfeito, nada ficando a dever às imagens fabricadas pelas grandes indústrias da época, nacionais e mesmo estrangeiras!


NOSSA SENHORA DAS DORES

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A imagem de Nossa Senhora das Dores foi construída por papai na mesma época da elaboração da imagem de Nosso Senhor dos Passos. Ela tinha a estatura de uma mulher adulta, de compleição normal. Também foi estruturada através de colagens de jornais, sobrepostas, utilizando-se goma de polvilho, em grande quantidade, feita por mamãe, endurecidas, posteriormente, com camadas de gesso. Representava Nossa Senhora de pé, acabrunhada, chorosa, trespassada pela profunda dor que sentia (origem de seu nome), acompanhando seu filho Jesus a caminho do Calvário. Tinha as mãos espichadas sobre o próprio corpo, em atitude de desespero, contorcendo-se de tanto sofrimento. Vestia uma longa túnica, em tom arroxeado, debaixo de um comprido véu que lhe caia sobre o corpo, desde a cabeça até os pés. Entretanto, ao contrário da imagem de Nosso Senhor dos Passos, que foi coberta com uma túnica confeccionada, o vestuário da imagem de Nossa Senhora das Dores foi feito de colagens de jornais, lixado e pintado com desenhos em tom roxo. Tinha seu coração exposto no peito, trespassado por sete espadas, simbolizando as suas sete dores narradas nos Evangelhos de Mateus, Lucas e João, a saber: 1ª) A profecia de Simeão sobre Jesus, quando de Sua apresentação no Templo, em Jerusalém (Lucas 2, 34-35); 2ª) A Fuga da Sagrada Família para o Egito, escapando da perseguição de Herodes, que queria matá-Lo (Mateus 2, 13-21); 3ª) O desaparecimento de Jesus no templo, durante três dias, quando tinha doze anos de idade (Lucas 2, 41-51); 4ª) O encontro de Maria e Jesus a caminho do Calvário (Lucas 23, 27-31); 5ª) Maria observando o sofrimento e morte de Jesus na Cruz (João 19, 25-27); 6ª) Maria recebe o corpo do Filho tirado da Cruz por José de Arimatéia (Mateus 27, 55-61); e, 7ª) Maria observa o corpo do Filho sendo depositado no Santo Sepulcro (Lucas 23, 55-56). Toda a pintura da imagem de Nossa Senhora das Dores, também, foi feita por meu irmão Henrique, que, além de ser musicista e tocar dois instrumentos musicais antagônicos (de sopro e de cordas), tinha grande pendor para a pintura e expressiva afinidade com os pincéis.


Minha tia materna Laudelina (Laudi) Rodrigues da Rocha com seu esposo Joรฃo Gonรงalves de Franรงa e a neta Marli Gonรงalves Madureira. Foto tirada por Sinhozinho em 1958.


USO DAS IMAGENS Depois de prontas, as imagens de Nosso Senhor dos Passos e de Nossa Senhora das Dores, que papai construiu e o meu irmão Henrique pintou, sem que nenhum dos dois tivesse especialização nessas atividades, ficaram perfeitas, repito, nada devendo às esculturas similares, fabricadas pelos melhores santeiros da época e vendidas no comércio especializado da Capital. Em seguida, foram as mesmas assentadas em enormes e resistentes andores de madeira, também produzidos por papai e entregues ao Vigário da Paróquia. Tão primorosas as imagens ficaram que Frei Odorico de Resuttano, aquele mesmo frade que fez, timidamente, o pedido de construção a papai, não teve escrúpulo algum em recebê-las e benzê-las, em cerimônia pública, solene, preparada, especialmente, para essa finalidade, incorporando-as, definitivamente, ao patrimônio sacro da Paróquia. As referidas imagens abrilhantaram as procissões da Semana Santa da Paróquia de Nossa Senhora do Rosário de Pompéia, durante mais de duas décadas. Após esse período, já com a renda paroquial estabelecida, novas imagens foram adquiridas pelos Padres Capuchinhos e aquelas, manufaturadas por papai, foram cedidas à vizinha Paróquia do Bairro São Geraldo, recém criada pela Arquidiocese de Belo Horizonte. Lá, também, elas abrilhantaram as cerimônias da Semana Santa por muitos e muitos anos...

INSTRUMENTOS MUSICAIS

Pouca gente sabe que Henrique, um de meus irmãos brejinos, nascido em 15 de julho de 1924 e falecido em 14 de janeiro de 1999, aos 74 anos, era violinista e clarinetista, tendo freqüentado, durante algum tempo, uma escola de música, aqui em Belo Horizonte. Ele tocava os dois instrumentos com desenvoltura e lia as partituras com desembaraço. Quando solteiro e ainda residindo com meus pais, meu irmão, depois que voltava do serviço (ele, também, trabalhava na Secretaria de Estado da Saúde), costumava passar as tardes revezando seus treinamentos com o violino e com o clarinete (ou a clarineta). Henrique tinha verdadeira predileção por Zequinha de Abreu, compositor paulista que, também, tocava clarinete. Era divino


ouvir meu irmão tocar “Tardes de Lindóia”, “Aurora”, “Branca”, “TicoTico no Fubá e tantas outras lindas valsas e choros. Mas uma de suas músicas preferidas (além das de Zequinha de Abreu), era a valsa “Nossa Senhora do Amparo”, composta por Salvador J. de Moraes (letra) e Décio Pacheco de Oliveira (melodia), que minha irmã e eu cantávamos, repetidas vezes, a seu pedido, para que pudesse acompanhar-nos em seus treinamentos musicais vespertinos. Era maravilhoso ouvir meu irmão Henrique tocar qualquer um dos dois instrumentos. Tanto o violino quanto o clarinete nos agradava sobremaneira. Não sei se ele tocava bem no sentido didático. Por não ser músico, essa avaliação eu não tinha (nem tenho) condições de fazer. Seguramente, entretanto, posso afirmar que, para os meus ouvidos de pré-adolescente, ele tocava bonito. Muito bonito! Os acordes que meu irmão tirava dos instrumentos me encantavam, me enlevavam, me arrebatavam. Transportavam-me para mais perto de Deus. Como todo instrumento musical, o violino era um artigo de preço elevado, muito distante das posses de meu irmão. Não me lembro se foi a seu pedido ou se foi por iniciativa de papai. Só posso afirmar (por ter acompanhado a sua confecção), que o violino usado por meu irmão, durante vários anos, foi mais uma fabricação de papai e que ele ficou tão perfeito na sua sonoridade e na sua beleza exterior que em nada devia a seus congêneres, vendidos nas lojas, especializadas, da Capital. E, para completar seu benemérito trabalho, papai, também, fez o seu estojo, que ficou impecável. Por outro lado, não sei se é praxe todo clarinete ser dividido em partes para ser guardado. No passado, ao ser adquirido nas melhores casas do ramo, esse instrumento de sopro já vinha acondicionado dessa forma, isto é, num diminuto estojo de madeira. Também não sei informar se a separação contínua do instrumento poderia lhe causar algum dano, com o decorrer do tempo. Só sei que o clarinete de meu irmão Henrique não passou por essa experiência, pois o mesmo era guardado inteiro, isto é, sem precisar destacar as suas três partes. E isso se deveu, uma vez mais, à bondade, competência, dedicação e paciência de papai, que, a pedido ou não de Henrique (não sei dizer ao certo), se dispôs a fazer, também, para ele, um grande e bonito estojo.


Minha tia materna Maria Rodrigues da Rocha e dois de seus trĂŞs filhos, Teodolino e Benedita (Dita).


SÃO GERALDO MAJELA

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São Geraldo Majela é um santo da Congregação do Santíssimo Redentor, fundada por Santo Afonso Maria de Ligório, que foi seu contemporâneo. Desde criança, era franzino de corpo, tinha saúde precária e aparência doentia. Antes de se entregar à vida religiosa, exerceu a profissão de alfaiate. Faleceu, ainda jovem, aos 29 anos de idade, acometido de tuberculose. Ele é representado de pé, vestido com a batina redentorista, tendo, em seus braços, um grande Crucifixo e, a seus pés (ou em cima de uma mesa), uma caveira. Algumas versões de sua imagem contêm, também, um livro, um ramo de lírio e uma grossa corda, com nós nas pontas, que era usada por ele para açoitar seu próprio corpo por penitência ou castigo. Foi canonizado pelo Papa Pio X, em 11 de dezembro de 1904 e sua festa é realizada no dia 16 de outubro. Por serem considerados objetos sagrados, quando se quebrava uma imagem de santo, na década de quarenta, era costume das famílias católicas levarem seus pedaços à Igreja mais próxima, para serem enterrados pelos Padres ou pelos seus zeladores. Certa manhã, nossa casa foi adentrada por um Padre Capuchinho, da Paróquia de Nossa Senhora do Rosário de Pompéia, que carregava nas mãos os fragmentos de uma imagem de São Geraldo Majela. Ao invés de enterrá-la, conforme era o costume, primeiro decidiu o piedoso frade capuchinho consultar papai sobre a possibilidade ou não de sua restauração. Juntando os pedaços que restaram, papai observou que a imagem, feita de gesso, era um belíssimo exemplar, tanto em tamanho quanto em perfeição e, mesmo sem nunca ter feito trabalho semelhante, resolveu enfrentar mais esse desafio, acatando os argumentos, persuasivos, do religioso franciscano. Com desvelo, dedicação, abnegação e perseverança, papai passou várias semanas trabalhando na sua restauração, deixando de gozar o seu merecido descanso diário (toda manhã, ele entrava em serviço às seis horas), após cumprir a sua jornada de trabalho, na Secretaria de Estado da Saúde. Durante esse tempo, papai colou, pacientemente, um a um, os pedaços disponíveis da imagem, encaixando-os, com precisão cirúrgica, nos seus devidos lugares. Preencheu, em seguida, os espaços vazios com massa de gesso, dando atenção às nuances e lixando as saliências. A pintura, como de costume, ficou a cargo de meu irmão Henrique que soube, uma vez mais, honrar o renome da família. Ao final de algum tempo a restauração terminou, ficando a imagem de São Geraldo Majela tão bonita quanto tivesse sido retocada por profissionais. Entrementes, a ex-proprietária da imagem que um dia foi por ela quebrada, descartada e entregue na Igreja dos frades capuchinhos para que os mesmos lhe dessem o destino habitual, ao saber da extraordinária transformação conseguida por papai e meu irmão Henrique apareceu, certo dia, em nossa casa, exigindo a sua devolução e o fez arbitrária


e radicalmente, indo o caso parar na Delegacia de Polícia da região, preocupando nossa família, nossos amigos e os frades Capuchinhos. Apesar de contrariado, humilhado e injustiçado, por ser manso, humilde e tolerante, papai preferiu abrir mão de seus legítimos e inquestionáveis direitos...

Meu tio materno Lúcio Rodrigues da Rocha, origem da Família Carneiro Rocha, de Roda D’Água e suas duas filhas Maria José Carneiro (Cotinha) e Benedita Antônia Carneiro. Foto tirada


por meu irmão Henrique.

QUASE UMA OBSESSÃO

Uma das profissões que papai aprendeu em Januária, ainda adolescente, um ano depois que ficou órfão de sua mãe (minha avó Hermenegilda), falecida em Pirapora, em 1912, foi a de Marceneiro. Através de suas Memórias, ele nos relata o seu trabalho naquela cidade promovido e patrocinado pelo seu tutor e padrinho João Ribeiro, nas tendas de móveis de madeira do Senhor Pancrácio e do Senhor Benedito Casqueiro Sobrinho. Em decorrência dos sólidos conhecimentos adquiridos, durante esse aprendizado, fabricava ele, no decorrer dos anos, em suas horas de folga (que, na verdade, deveriam ser de descanso), pequenas peças para uso doméstico da própria família, como bancos, baús, malas, tamboretes, cadeiras, mesas, prateleiras, armários, guarda-roupas, etc. Para isso, dispunha de uma bancada de carpinteiro, manufaturada por ele próprio e uma coleção de ferramentas manuais, de vários tipos, tamanhos e utilidades, que ele foi adquirindo, com sacrifício, através de pequenas economias. Sua coleção consistia em formões, limas, grosa, chaves de fenda, alicates, martelos, turquesas e muitas outras ferramentas de pequeno e médio portes. Aos poucos, com paciência e obstinação, também adquiriu esquadro de aço, graminho, compasso, paquímetro (ou compasso de espessura), grampo sargento, furadeiras, serra de arco (ou segueta), etc. Como acontecia em todas as suas realizações, papai demonstrava muito bom gosto e talento ao trabalhar a madeira. Qualquer pedaço de lenho, em suas mãos, se transformava em uma obra de arte. Por outro lado, sua vontade de progredir na vida e de proporcionar maior conforto e bem-estar à família, era quase uma obsessão.

BOM GOSTO E TALENTO

Passei minha infância e pré-adolescência vendo papai fabricar, com zelosa paciência, pequenos brinquedos de madeira, muito em uso naquela época. Foram inúmeros os brinquedos que eu vi papai fazer. Ele os fabricava com certa morosidade, pois as ferramentas que possuía eram manuais, inadequadas para a produção em larga escala. Eram brinquedos muito detalhados, com peças de madeira minúsculas e delicadas, que ele serrava, manualmente, numa engenhoca por ele próprio montada, denominada serra tico-tico e


que, depois de lixadas, ele polia ou pintava. Mesmo assim, de suas privilegiadas mãos saiam cavalos, coelhos, gatos, pintos, patos, pássaros e borboletas batendo as asas, que se moviam sobre rodas, puxados por barbantes, empurrados por varetas ou colocados em cabos de vassoura; bonecos articulados que podiam ser movidos com as mãos, através de barbantes; ioiôs, piões, bilboquês... Nessa ocasião, o plástico ainda não tinha a versatilidade e a multiplicidade de uso que tem hoje e as fábricas de material plástico ainda não existiam por aqui. Sua difusão pelo mundo somente ocorreu após a segunda guerra mundial e os primeiros brinquedos de plástico só foram aparecer, em Belo Horizonte, na década de cinqüenta. Por ser, também, artesão de mão-cheia, papai esculpia aparadores de livros, em madeira, em vários formatos e espessuras; fabricava caleidoscópios, um encanto de brinquedo óptico, composto de um canudo de papelão, um vidro plano circular, do mesmo diâmetro do canudo, três tiras de vidro (ou espelho), um pouco menores do que o canudo e minúsculos pedaços de vidros coloridos. Depois de montado, ao girar-se o canudo num dos olhos, visualizava-se maravilhosas figuras multicoloridas, nunca repetidas. Por último, a extraordinária habilidade de papai conseguia colocar e montar, através do gargalo de uma diáfana garrafa de vidro, cada uma colada em seu devido lugar, várias peças representativas da crucificação e morte de Jesus, como a cruz, a tabuleta INRI, o lençol (ou mortalha), a coroa de espinhos, e os três cravos (ou pregos). Complementava seu trabalho de arte, usando a imaginação e acrescentando o martelo, a turquesa, o serrote e a escada. Tudo feito com pequenos pedaços de madeira lixados e polidos com verniz copal.

FÁBRICA DE SONHOS

Percebendo que seu tempo de prestação de serviços ao Estado já estava chegando ao fim, papai não perdeu tempo e passou a planejar outra atividade que lhe possibilitasse algum ganho extra, para quando sua aposentadoria lhe fosse concedida pelo Governador do Estado. Não foi difícil encontrar o que procurava, pois ele não só gostava como dominava a profissão de marceneiro. Com essa finalidade, passou os últimos anos, antes de se aposentar, fazendo pesquisa de preços e adquirindo, paulatinamente, um conjunto de mini-máquinas elétricas, ligadas à citada profissão. Comprou todas as peças que precisava à vista, pois ele tinha pavor de usar o crediário. Para tanto, ficava meses e meses fazendo suas pequenas economias. Quando conseguia o valor necessário para adquirir uma nova


máquina (naquele tempo não havia inflação), corria a uma loja especializada, previamente escolhida, e realizava o negócio. Nesse dia, chegava em casa radiante de felicidade, certo de estar fazendo a coisa devida, isto é, investindo na qualidade de vida de sua família. Dessa forma, sem pressa e sem afobação, papai conseguiu adquirir uma furadeira de bancada, uma lixadeira de bancada, uma serra ticotico de bancada, uma moto-esmeril de bancada, e um mini torno de bancada. As bancadas, papai mesmo fabricou, aproveitando os espaços existentes embaixo das mesmas (que fechou e trancou) para o armazenamento de suas ferramentas manuais, das quais tinha verdadeiro ciúme. As bancadas eram pesadas, robustas e duráveis, próprias para a utilização do maquinário elétrico que adquiriu, sem o perigo de causarem deslocamentos, com a trepidação, quando estivessem em funcionamento. Assim, finalmente, foi instalada, num barracão existente no quintal de nossa casa, no Bairro Esplanada, uma promissora mini fábrica de brinquedos de madeira, antigo projeto de trabalho de papai para quando se aposentasse de seu emprego público. Entretanto, esse sonho de papai, acalentado com tanto carinho, com tanto devotamento e por tantos anos, simplesmente, não constava dos desígnios de Deus. Logo em seguida à sua aposentadoria, ele teve que se submeter a uma malsucedida cirurgia de catarata, que o deixou quase cego de uma vista e incapaz, definitivamente, para o trabalho de marcenaria, mesmo com o uso de ferramentas manuais. Na mesma época, também, surgiram os primeiros brinquedos de plástico, muito mais leves, muito mais bonitos e muito mais baratos, que se tornaram, imediatamente, a coqueluche da garotada...


Meu tio materno Benedito Rodrigues da Rocha (Tio Binu), origem da FamĂ­lia Carneiro Rocha de MacaĂşbas. Foto tirada por Henrique em 1959.


REDEMOINHOS DE VENTO

Na minha infância e adolescência, a região da Pompéia onde eu nasci, cresci e vivi por longos anos, talvez, por ser distante do Centro da Cidade, era muito primitiva, resultado da negligência do poder público municipal. Não havia água encanada, não havia rede de esgotos, não havia energia elétrica, não havia praças, e as poucas ruas abertas eram de terra batida, que empoçavam água e produziam lama, no tempo chuvoso e faziam um poeirão insuportável no tempo da seca. Apesar dos malefícios para a saúde (que eu ainda não tinha capacidade de avaliar), encantava-me ver os redemoinhos de vento que se formavam e se desfaziam num átimo, levantando poeira, folhas secas e todo papel que encontrava pela frente. Alguns desses pedaços de papel, além de alcançarem grandes alturas, iam longe, levados pelo vento, sempre observados por mim, da janela de meu quarto, até desaparecerem no azul celeste. Mas havia muita coisa boa, também, na minha Pompéia da década de quarenta. Pelo menos para o meu juízo de criança pobre humilde e ingênua... Havia quarteirões inteiros e contínuos de mato bem criado que dava gosto de se ver! Um mato verdinho, brilhante, vistoso, graúdo, sem cerca de arame e sem muros ao seu derredor. Havia, também, muitos bois, vacas, cavalos e cabras que pastavam, tranquilamente, o dia todo e todo dia, sem serem incomodados por quem quer que fosse. Também havia bandos de pássaros multicores que gorjeavam suas melodias, serenamente, no telhado, no quintal e nos arredores de nossa casa, desde o alvorecer até ao anoitecer. Também podia se ver dúzias de borboletas coloridas flutuando nas cercanias e colibris que vinham, sem medo e sem pressa, sugar o mel das flores de nosso jardim. A região onde morávamos era tão silenciosa que somente a algazarra das cigarras durante o dia ensolarado e o coaxar de dezenas de sapos e de rãs, habitantes das barrancas do Arrudas, córrego que a delimitava, durante a noite, no tempo das águas, conseguiam despertar a quietude do lugar e a modorra de seus moradores.

HINOS QUE MAMÃE CANTAVA

Por não haver energia elétrica em nossa região, também não havia rádio, a diversão diurna e noturna dos privilegiados moradores


dos bairros centrais. Não havendo rádio, não podíamos ouvir música, cantoria popular, rádio novela, rádio teatro, propaganda comercial, programas de auditório ou a transmissão de futebol aos sábados e domingos. Na verdade, essa carência não nos tornava mais pobres, não nos incomodava, nem nos entristecia, pois nem mesmo conhecíamos a tal “caixinha mágica” ou “caixinha falante”. Até então, nunca a tínhamos visto de perto, nem imaginávamos como ela poderia ser. Quando tínhamos vontade de cantar, entoávamos os hinos religiosos que mamãe nos ensinava (e que ouvíamos na Igreja) e que sabíamos na ponta de nossa língua. Apesar de sua vida atribulada e do corre-corre cotidiano, quem mais cantava em nossa casa era mamãe. Na verdade, ela competia (sem perceber) com meu irmão Henrique que, também, gostava muito de cantarolar e de assobiar (quando estava em casa), as modinhas da época que ele ouvia em suas andanças pelo centro da cidade. Por trabalhar fora de casa, entretanto, ele acabava perdendo pontos para mamãe. Era comum, pois, ouvirmos a voz de mamãe, suavemente doce, agradavelmente melodiosa, cantando enquanto cozinhava, lavava ou passava nossa roupa. Apesar do tempo decorrido (sessenta anos...), vou tentar reproduzir, a seguir, escolhidas dentre muitas, algumas das canções profanas e religiosas que mamãe mais gostava de cantar. Dentre elas, estão algumas estrofes, incompletas, que gostaria de ter a sua ajuda (caso as conheça) para completá-las e enviá-las para mim; dois acalantos, de origem portuguesa, que mamãe trouxe de sua terra natal – Brejo do Amparo – e dezoito hinos católicos, aprendidos depois que meus pais fixaram residência em Belo Horizonte. Devido ao desuso de alguns hinos católicos, lamento não ser fiel a todas as suas letras. ESTROFES INCORRETAS, INCOMPLETAS, E TÍTULOS DESCONHECIDOS: Está chegando a hora, Da triste confusão, De ver a minha mãe, Dentro de um caixão. Não chore minha irmã, Console seu irmão, Perdemos nossa mãe, Amor do coração. ____________________________ Depois de morta, vestida de noiva, Cabelos soltos, por baixo do véu, Ái meu Deus como está linda, Até parece um anjo do céu...


ACALANTOS (1): Boi, boi, boi, no curral, Acalenta Sinhozinho, Não o deixa chorar, Não, não, não, coitadinho... Quanto mais ele chora, Mais é bonitinho... Sapo cururu, De lá do murundu, Vem pegar Sinhozinho, Que está com calundu... ACALANTOS (2): VAMOS MANINHA Vamos maninha vamos, À praia passear, Vamos ver a barca nova, Que do céu caiu no mar! Nossa Senhora está dentro, Os anjinhos a remar, Rema, rema, remador, Que este barco é do Senhor! O barquinho já vai longe, E os anjinhos a remar, Rema, rema, remador, Que este barco é do Senhor!

ESTAVA MARIA Estava Maria, Na beira do rio, Lavando os paninhos, Do seu bento Filho! Maria lavava, São José estendia,


O Menino chorava, Do frio que sentia! Maria ao peito, O foi aconchegar, Logo o Deus-Menino. Deixou de chorar!

HINOS CATÓLICOS: CORAÇÃO SANTO Coração Santo, Tu reinarás! Tu nosso encanto, sempre serás! Jesus amável, Jesus piedoso, Pai amoroso, frágua de amor! Aos teus pés venho, se tu me deixas, Sentidas queixas, humilde expor! COM MINHA MÃE ESTAREI Com minha Mãe estarei, Na santa glória um dia, Junto à Virgem Maria, No céu triunfarei! No céu, no céu, com minha Mãe estarei, No céu, no céu, com minha Mãe estarei! Com minha Mãe estarei, Mas já que hei ofendido, A meu Jesus querido, As culpas chorarei! No céu, no céu, com minha Mãe estarei, No céu, no céu, com minha Mãe estarei! Com minha Mãe estarei, Unindo-me aos Anjos, No coro dos Arcanjos, Sua glória cantarei! No céu, no céu, com minha Mãe estarei,


No céu, no céu, com minha Mãe estarei! MÃEZINHA DO CÉU Mãezinha do céu, eu não sei rezar, Eu só sei dizer, quero te amar, Azul é teu manto, branco é teu véu, Mãezinha eu quero te ver lá no céu! Mãezinha do céu, Mãe do puro amor, Jesus é teu filho, E eu também o sou, Azul é teu manto, branco é teu véu, Mãezinha eu quero te ver lá no céu! Mãezinha do céu, vou te consagrar, A minha inocência, guarda-a sem cessar, Azul é teu manto, branco é teu véu, Mãezinha eu quero te ver lá no céu! Mãezinha do céu, em tua proteção, Oh guarda meus pais e a todos os meus irmãos, Azul é teu manto, branco é teu véu, Mãezinha eu quero te ver lá no céu! Mãezinha do céu, eu não sei rezar, Eu só sei dizer, quero te amar, Azul é teu manto, branco é teu véu, Mãezinha eu quero te ver lá no céu!

HÓSTIA SANTA IMACULADA

Hóstia Santa, Imaculada, Pão dos anjos, pão da vida, À minha alma esmorecida, Vem dar forças e vigor! Refrão: Vem, te rogo, Jesus meu, Meu divino e eterno amor! Ó Jesus! Se tu me faltas,


Falta o sol à minha vida, Ando errante e sem guarida, Desfalece o meu vigor. Vem, te rogo, Jesus meu... Ó Jesus! Escuta os rogos, De minh’alma que te implora; Vem, Jesus, e sem demora, Te desejo com ardor! Vem, te rogo, Jesus meu... Seja eterno este instante, Que minh’alma a ti unida, Tem em si do céu da vida, Tem do céu a paz, o amor! Vem, te rogo, Jesus meu...

EU PROMETI

Eu prometi, sou filha de Maria, De meu Jesus, por Mãe a recebi; Amá-la-ei, na dor e na alegria, É minha Mãe, amor lhe prometi. Refrão: Eu prometi fiel serei por toda a vida, À minha Mãe querida; Eu prometi fiel serei. Que ditosa alegria! Filha sou de Maria! Eu prometi ó Mãe Imaculada. Do vão prazer fugir, quero o ardor; Com teu poder, ó Virgem ilibada, Quebrantarei do inferno o furor. Eu prometi fiel serei por toda a vida... Eu prometi, evitarei ser presa Da tentação que sempre expelirei;


A bela flor da virginal pureza, Com minha Mãe, feliz sempre amarei. Eu prometi fiel serei por toda a vida... Eu prometi, ó Mãe de formosura, Sereis para mim, espelho de fervor, D’ardente fé, d’humilde e candura, De mansidão, de puro, santo amor. Eu prometi fiel serei por toda a vida... Eu prometi, ó doce e casta Virgem, No coração com fiel ardor; Conservarei a vossa bela imagem, Antes de morrer que perder tal fervor. Eu prometi fiel serei por toda a vida... Eu prometi na última agonia, Chamar-vos-ei, ó Mãe do coração; E voarei, que dita, que alegria, Em vosso nome, à celestial mansão. Eu prometi fiel serei por toda a vida...

A NÓS DESCEI DIVINA LUZ

A nós descei, divina luz! A nós descei, divina luz! Em nossas almas acendei O amor, o amor de Jesus! (bis) Vinde Santo Espírito E do céu mandai Luminoso raio! (bis) Vide pai dos pobres, Doador dos dons, Luz dos corações! (bis) Grande defensor, Em nós habitai


E nos confortai! (bis) Na fadiga pouco, No ardor brandura E na dor ternura! (bis) Ó MARIA CONCEBIDA

Ó Maria concebida Sem pecado original, Quero amar-vos toda a vida, Com ternura filial. REFRÃO: Vosso olhar a nós volvei! Vossos filhos protegei! Ó Maria, ó Maria, Vossos filhos protegei! (bis) Mais que a aurora sois formosa, Mais que o sol resplandeceis! Do universo, Mãe bondosa, O louvor vós mereceis. REFRÃO... Nesta terra peregrina, Nós buscamos vida e luz; Virgem santa conduzí-nos Para o Reino de Jesus. REFRÃO... Exaltamos a beleza, Com que Deus vos quis ornar. Vossa graça de pureza, Venha em nós também brilhar. REFRÃO...

GLÓRIA A JESUS NA HÓSTIA SANTA


Glória a Jesus na Hóstia Santa, Que se consagra sobre o Altar, E a nossos olhos se levanta, Para o Brasil abençoar! REFRÃO: Que o Santo Sacramento Que é o próprio Cristo Jesus, Seja adorado e seja amado, Nesta Terra de Santa Cruz! (bis) Glória a Jesus prisioneiro, Do nosso amor a esperar, Lá no Sacrário, o dia inteiro, Que O vamos todos procurar. REFRÃO: Que o Santo Sacramento... Glória a Jesus, Deus escondido, Que vindo a nós na Comunhão, Purificado, enriquecido, Deixa-nos sempre o coração. REFRÃO; Que o Santo Sacramento... Glória a Jesus na Eucaristia, Cantemos todos sem cessar, Certos, também, que de Maria, Bênçãos a Pátria há de ganhar. REFRÃO: Que o Santo Sacramento...

BENDITO LOUVADO SEJA Bendito, louvado seja, O Santíssimo Sacramento.

(bis) (bis)

Os anjos, todos os anjos, Louvem a Deus para sempre, amém.

(bis) (bis)

Os santos, todos os santos Louvem a Deus para sempre, amém.

(bis) (bis)

Os astros, todos os astros,

(bis)


Louvem a Deus para sempre, amém. Os povos, todos os povos, Louvem a Deus para sempre, amém.

(bis) (bis) (bis)

Bendito, louvado seja, O Santíssimo Sacramento.

(bis) (bis)

EU CONFIO EM NOSSO SENHOR CORO: Eu confio em Nosso Senhor, Com fé, esperança e amor! Eu confio em Nosso Senhor, Com fé, esperança e amor! A meu Deus, fiel sempre serei, Eu confio em Nosso Senhor! Seus preceitos, oh, sim, cumprirei, Com fé, esperança e amor! CORO: Eu confio em Nosso Senhor... Venha, embora, qualquer tentação, Eu confio em Nosso Senhor! Mostrarei que sou sempre cristão, Com fé, esperança e amor! CORO: Eu confio em Nosso Senhor... Com as armas da fé lutarei, Eu confio em Nosso Senhor! Nessa luta, por Deus vencerei, Com fé, esperança e amor! CORO: Eu confio em Nosso Senhor... Os fracassos não hei de temer, Eu confio em Nosso Senhor! Pois com Deus hei de sempre vencer, Com fé, esperança e amor! CORO: Eu confio em Nosso Senhor... Em perigo, aflição ou em dor, Eu confio em Nosso Senhor! Chamarei a meu Deus com fervor,


Com fé, esperança e amor! CORO: Eu confio em Nosso Senhor... E depois d’uma vida com Deus, Eu confio em Nosso Senhor! Eu espero partir para os céus, Com fé, esperança e amor! CANTEMOS A JESUS SACRAMENTADO Cantemos Cantemos Deus está Dos Anjos Adoremos

a Jesus Sacramentado, ao Senhor, aqui, adorado, a Cristo Redentor.

REFRÃO: Glória a Cristo Jesus, Céus e Terra bendizei ao Senhor, Louvor e Glória a Ti, ó Rei da glória, Amor pra sempre a Ti, ó Deus de Amor. Unamos nossa voz à dos cantores, Do Coro Celestial, Deus está aqui, Ao brilho dos altares, Exaltemos com gozo angelical. REFRÃO: Glória a Cristo Jesus... Jesus acende em nós a viva chama, Do mais fervente amor, Deus está aqui, Está porque nos ama Como pai, amigo e benfeitor. REFRÃO: Glória a Cristo Jesus.

PERDOAI SENHOR POR PIEDADE

Meu Deus, logo murchou,


Logo secou, a flor da inocência, Meu Deus, logo chegou, E me assaltou, extrema indigência. REFRÃO: Perdoai, Senhor, por piedade, Perdoai a minha maldade, Senhor, Antes morrer, antes morrer, Que vos ofender. Deixei de Deus a lei e me entreguei, A toda maldade, Deixei de Deus a lei e me afastei, Da felicidade. REFRÃO: Perdoai, Senhor, por piedade... Perdi com vosso amor, da alma candor, Eterna riqueza. Perdi com vosso amor, certo penhor, De imortal grandeza. REFRÃO: Perdoai, Senhor, por piedade... Meu Deus o que há de ser, quando vier, A tremenda morte? Meu Deus se já vier, qual há de ser, Minha eterna sorte? REFRÃO: Perdoai, Senhor, por piedade... Fazei, meu bom Jesus, por vossa cruz, Do mal me desvie, Fazei, meu bom Jesus, que vossa luz, Do céu me alumie. REFRÃO: Perdoai, Senhor, por piedade...

EU QUISERA Eu quisera, Jesus adorado, Teu sacrário de amor rodear De almas puras, florinhas mimosas, Perfumando teu Santo Altar.


REFRÃO: O desejo de ver-te adorado, Tanto invade o meu coração, Eu quisera estar noite e dia, A teus pés em humilde oração. Pelas almas, mais pecadoras, Eu te peço, Jesus, o perdão, Dá-lhes todo amor e carinho, Todo o afeto do teu coração. REFRÃO: O desejo de ver-te adorado... Pelas almas que não te conhecem, Eu quisera, Jesus, te adorar, E daqueles que de ti se esquecem, As loucuras também reparar. REFRÃO: O desejo de ver-te adorado... E se um dia, meu Jesus amado, Meu desejo se realizar, Hei de amar-te por todos aqueles Que, Jesus, não te querem amar. REFRÃO: O desejo de ver-te adorado... Lá no céu, meu Jesus querido, Face a face hei de te contemplar, Nos teus braços então viverei, Para sempre, Jesus, te amar. REFRÃO: O desejo de ver-te adorado...

HONRA, GLÓRIA, LOUVOR SEMPITERNO Honra, glória, louvor sempiterno, A Jesus, a Jesus Redentor! Deus de Deus, Luz de luz, Verbo eterno, Cristo Rei, do Universo Senhor, REFRÃO:


Jesus Rei Deus verdadeiro, O teu reino venha a nós, Obedeça o mundo inteiro, Ao poder de tua voz. Todo o orbe homenagens Lhe renda, Aos seus pés traga o mundo cristão! De almas livres a livre oferenda, Corações para o seu coração. REFRÃO: Jesus Rei Deus verdadeiro... Também nós, brasileiros, queremos De Jesus a realeza aclamar! De nossa alma os afetos supremos, São por Ele, sua lei, seu altar! REFRÃO: Jesus Rei Deus verdadeiro... Rubejantes emblemas que bordam Nossos peitos, sagrados broqueis, Sangue e ouro nas cores recordam Cruz e glória aos Apóstolos fiéis. REFRÃO: Jesus Rei Deus verdadeiro... Ruja, embora, a inimiga coorte, Contra nós, defensores da Cruz, Nosso brio no prélio é mais forte, A vitória será de Jesus! REFRÃO: Jesus Rei Deus verdadeiro... O estandarte do amor se desdobra, Brilha aí o sinal do perdão! Ele guia os valentes à obra Do divino e imortal Coração! REFRÃO: Jesus Rei Deus verdadeiro...

QUEREMOS DEUS Queremos Deus, homens ingratos, Ao Pai Supremo, ao Redentor.


Zombam da fé, os insensatos, Erguem-se em vão contra o Senhor. REFRÃO: Da nossa fé, oh! Virgem, O brado abençoai, Queremos Deus que é nosso Queremos Deus que é nosso Queremos Deus que é nosso Queremos Deus que é nosso

Rei, Pai, Rei, Pai.

Queremos Deus! Um povo aflito Ó doce Mãe, vem repetir, Aos vossos pés, d’alma este grito, Que aos pés de Deus fareis subir! REFRÃO: Da nossa fé, oh! Virgem, O brado abençoai... Queremos Deus e a sã doutrina, Que nos legou na sua cruz. Levar à escola e à oficina A lei de Cristo, o amor e luz. REFRÃO: Da nossa fé, oh! Virgem, O brado abençoai... Queremos Deus na Pátria amada, Amarmos todos como irmãos. Ver a Igreja respeitada, São nossos votos de cristãos. REFRÃO: Da nossa fé, oh! Virgem, O brado abençoai...

DÁ-NOS A BÊNÇÃO REFRÃO: Dá-nos a bênção, ó Virgem Mãe, Penhor seguro do sumo bem,


Dá-nos a bênção, ó Virgem Mãe, Penhor seguro do sumo bem. Tu és a rosa do puro amor, Suave exalando celeste odor. Até dos lírios o resplendor, Se perde em vista do teu fulgor. REFRÃO: Dá-nos a bênção, ó Virgem Mãe... E da humildade a meiga flor, O teu ornato, Mãe do Senhor. És nossa vida, és nossa luz, Ó Mãe querida do bom Jesus. REFRÃO: Dá-nos a bênção, ó Virgem Mãe...

LOUVANDO A MARIA Louvando a Maria O povo fiel, A voz repetia De São Gabriel: REFRÃO: Ave, ave, ave Maria, Ave, ave, ave Maria. Um anjo descendo Num raio de luz, Feliz Bernadete À fonte conduz. REFRÃO: Ave, ave, ave Maria... Vestida de branco Da glória desceu, Trazendo na cinta As cores do céu. REFRÃO: Ave, ave, ave Maria... Mostrando o rosário Na cândida mão, Ensina o caminho Da Santa Oração.


REFRÃO: Ave, ave, ave Maria...

QUEM PODERÁ DEFINIR O ENCANTO

Quem poderá definir o encanto, Que há no espelho do teu olhar, Ó Mãe de Deus, eu te amo tanto, Mas cada vez mais te quero amar. Ó Mãe de Deus, eu te amo tanto, Mas cada vez mais te quero amar. Teu rosto é sol que brilhando aquece, As horas tristes da solidão, E ao teu sorriso de mãe parece, Abrir-se em flor nosso coração. E ao teu sorriso de mãe parece, Abrir-se em flor nosso coração. Tu és a mais santa das mulheres, Tu és do céu a mais linda flor, Fazei de nós o que bem quiseres, Somos escravos do teu amor. Fazei de nós o que bem quiseres, Somos escravos do teu amor.

NAVANTINO ALVES

(2)

Quando vivos, meus pais falavam muito bem do Doutor Navantino Alves. Ouvi de mamãe inúmeros e calorosos elogios à sua generosidade e competência. E, enquanto falava, seus olhinhos brilhavam de intensa e imorredoura gratidão. O motivo? Meu irmão Lúcio, nascido em Venda Nova, em 18 de setembro de 1930, quando pequenino, era muito doente. E meus pais, recém-chegados de Januária, não tinham recursos financeiros para dar-lhe o tratamento médico necessário. Depois de acompanhar, por algum tempo, o sofrimento de meu irmão e de meus pais, Maria Estrela, prima de mamãe, filha de Jurcinha, neta de meus tios-avós Emídia Leonilda da


Rocha e Marinho José Batista, esposa de Sant’Clair Valadares, que já residia nesta Capital há mais tempo, deu-lhe um cartão de apresentação endereçado ao Dr. Navantino Alves, que era médico de sua família. Com extrema solicitude, o referido clínico recebeu meus pais e atendeu Lúcio, imediatamente, passando a tratá-lo, graciosamente, a partir daí. Graças a Deus e a esse abnegado e zeloso discípulo de Hipócrates, meu irmão foi melhorando, melhorando, até ficar, inteiramente, curado. Mas quem foi esse magnânimo médico, falecido em 15 de julho de 2002, aos cento e três anos de idade? Navantino Alves foi o primeiro médico a se dedicar, exclusivamente, à Pediatria, em Belo Horizonte. Foi ele, também, um dos fundadores e presidente da Sociedade Mineira de Pediatria. Ele é reconhecido, por seus colegas de especialidade, como um dos maiores pediatras mineiros e brasileiros. Dentre as suas inúmeras realizações na Capital, destaca-se a fundação, na década de trinta, do Hospital Pediátrico Elvira Gomes Nogueira, que ficava em frente do atual Hospital São Lucas. Esse hospital foi demolido na época da construção do novo edifício da Santa Casa de Misericórdia. Foi, também, Navantino Alves, quem construiu o Banco de Leite Humano, que tantas vidas de crianças tem salvado no decorrer dos anos.

CALENDÁRIOS CATÓLICOS

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No passado, quando o catolicismo era mais intenso no seio das famílias cristãs, era comum (diria quase obrigatório) o pai registrar seus filhos recém-nascidos com nomes de santos do dia. Seu propósito era que eles, ao longo da vida, tivessem um protetor e um intercessor junto a Deus, em suas necessidades espirituais e temporais. Para esse nível de formação religiosa muito contribuíram os calendários católicos que reproduziam (e ainda reproduzem) o Martirológio Romano (catálogo dos Santos e Beatos honrados pela Igreja Católica Apostólica Romana). Dentre os calendários mais conhecidos e apreciados estão a “Folhinha de Mariana” (famosa pelo pioneirismo na previsão do tempo), fundada, em 1870, por Dom Silvério Gomes Pimenta, Arcebispo de Mariana (MG) e a “Folhinha do Sagrado Coração de Jesus”, da Editora Vozes, existente desde 1940, e já na sua 72ª edição. Estas duas publicações divulgam, diariamente, no decorrer do ano, vários nomes de santos do dia. Quem tem o excelente costume de adquirir esses calendários, tem familiaridade com os santos católicos e os identificam de imediato, até mesmo contando detalhes da vida de muitos deles. Alguns


Santos, entretanto, eram (e continuam sendo) mais populares do que outros, sendo mais escolhidos e/ou mais propagados entre os fiéis. Para meu júbilo assim foi, também, com nossos antepassados que escolheram Santo Antônio de Pádua (ou de Lisboa), um dos santos mais populares e queridos em todo o país, quiçá do mundo, desde o tempo do Brasil Colônia, para a sua (e nossa) devoção.

NOSSO SANTO PADROEIRO

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Meu nome é Antônio (Antônio Rodrigues Torres Filho). Meus pais se chamavam Antônio e Antônia (Antônio Rodrigues Torres e Antônia Rodrigues da Rocha). Meu bisavô paterno e materno, também, se chamava Antônio (Antônio Rodrigues Ferreira da Costa). E meu trisavô paterno e materno, igualmente, se chamava Antônio (Antônio Gaspar Torres). Meu padrinho de batismo, também, se chamava Antônio (Antônio da Anunciação Rodrigues). Também nosso primo, em primeiro grau, que é Padre Secular, da Diocese de Montes Claros, conhecido por Monsenhor Rocha, filho de meus tios-maternos Laudelina (Laudi) Rodrigues da Rocha e João Gonçalves de França, se chama Antônio (Antônio Gonçalves da Rocha). A Paróquia de Nossa Senhora do Rosário de Pompéia, aqui em Belo Horizonte, onde residimos de 1940 a 1997, era (e continua sendo) administrada pela Ordem dos Frades Menores Capuchinhos, a Primeira Ordem (ele fundou mais duas) fundada por São Francisco de Assis, contemporâneo de Santo Antônio de Pádua, que era, também, franciscano. O complemento “Capuchinho” surgiu do capuz, peça pontuda, fabricada pelo franciscano Matteo da Bascio (ou Matteo Di Bassi), em 1520, em Marche, na Itália, que, desejoso de recuperar os valores originais de pobreza e simplicidade de São Francisco de Assis, também passou a andar descalço e a deixar a barba crescer.

NUNCA PERDEMOS O TREM

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Quando criança eu pertenci à Irmandade de Santo Antônio e, durante as Missas da minha Paróquia das primeiras terças feiras de cada mês (dia dedicado a Santo Antônio), eu usava uma fita marrom, suspensa no pescoço, de onde pendia uma medalha com a imagem do Santo. Nesse dia, após a cerimônia religiosa, era entregue, a


quem o solicitasse, um pãozinho bento durante o Santo Sacrifício da Missa. Eu tinha a recomendação expressa e reiterada de mamãe de não se esquecer de pedir o meu pãozinho e o dela, pelo menos... Também, na minha infância, acompanhei mamãe muitas e muitas vezes nas suas peregrinações ao Santuário de Santo Antônio, localizado em Roça Grande, um bairro da cidade histórica de Sabará, da Região Metropolitana de Belo Horizonte, fundado entre 1672 e 1678 pelo bandeirante Manoel de Borba Gato, quando, então, era chamado de Santo Antônio do Bom Retiro da Roça Grande. Para isso, embarcávamos no trem de ferro, conhecido por “subúrbio”, que saía da Estação Central de Belo Horizonte, com destino à cidade de Rio Acima (MG), às sete horas em ponto. Era um sufoco pegar essa composição da Estrada de Ferro Central do Brasil, que, de passagem, nos deixava na Estação de Roça Grande, onde se localizava o Santuário, pois ela já vinha superlotada do Centro da Cidade. Sufoco para subir e sufoco para descer, sempre empurrado (ou puxado) pelas mãos firmes e decisivas de mamãe. Por ser muito criança, ainda, eu me embaraçava, facilmente, no cipoal de pernas e braços dos passageiros que se acotovelavam entre si, na ânsia de entrar (ou sair) primeiro... Além disso, as plataformas dos vagões eram muito estreitas para receber tanta gente, e a parada do trem muito rápida, contribuindo para a formação de pequenos tumultos entre os viajantes apressados e impacientes. Entretanto, apesar dessa situação vexatória, mamãe e eu nunca perdemos o trem... Às oito horas, começava a Missa no Santuário e, às onze horas, estávamos de volta no mesmo subúrbio, que retornava de seu destino. Mamãe visitava o Santuário todo ano, no mês de junho, visitas que só foram interrompidas quando eu me ingressei no Seminário Seráfico Santo Antônio (olha o Santinho aí de novo...), localizado em Ouro Fino, Sul de Minas, dirigido pelos Frades Menores Capuchinhos.


Meus pais, já em Belo Horizonte, com Ermelinda, Ambrosina, Henrique e Faustina. Não consegui identificar a criança no braço de mamãe. Apesar do laço de fita na cabeça, seria Cícero, nascido em Januária, ou Lúcio, nascido em Venda Nova?

ORÍGEM DA NOSSA DEVOÇÃO

Em casa de meus pais havia um oratório grande (dentre vários outros pequenos), de madeira, feito por papai, com laterais de vidro transparente, onde se venerava uma imagem de Santo Antônio de Pádua. Era uma imagem muito bonita, muito bem feita, de tamanho médio. Quando papai faleceu, mamãe entregou-me o oratório com a imagem do santo e, também, a missão de dar continuidade à sua veneração no âmbito familiar. Por ser um móvel grande, doamos o oratório, sem a imagem, às freiras do Orfanato São João Batista, nossas vizinhas de bairro, uma vez que residíamos em casa de aluguel, sem espaço adequado para mantermos o mesmo em nossa companhia. Nessa época, as Freiras Batistinas mantinham um piedoso costume de visitar, em procissão, as casas católicas do


bairro, levando, em mãos, sem nenhuma proteção, uma imagem de Nossa Senhora Aparecida. A doação do oratório veio, portanto, corrigir essa lacuna. Pois bem, considerando o que foi narrado por mim, nos últimos capítulos deste livro, sobre a estreita relação de nossa família com o nosso santo padroeiro, seria interessante fazermos aqui duas perguntas: Teria sido tudo isso que relatei uma simples coincidência? Teria sido obra do acaso? Penso que não! Sou daqueles que acreditam que nada nos acontece por acaso... Então, qual seria a origem da devoção de nossa família ao Santo nascido em Lisboa, Portugal, e falecido em Pádua, Itália, no dia 13 de junho de 1231? A hipótese que defendo é que a origem dessa devoção poderia ser o nosso próprio trisavô paterno e materno, que viera de Portugal, em 1808, e que, como sabemos, se chamava Antônio. Também, penso que, por ser Santo Antônio de origem portuguesa, sua devoção poderia ter sido trazida e difundida pelos colonizadores e pelos franciscanos que com eles vieram para o Brasil. O historiador Monsenhor José de Souza Azevedo e Araújo Pizarro (1753/1830) em suas “Memórias Históricas da Província de Minas Gerais”, referindo-se ao então Arraial de Brejo do Salgado, informa: “tem no Arraial e seus subúrbios as capelas seguintes: 1ª de Nossa Senhora do Rosário e 2ª de Santo Antônio, junto ao Engenho do Boqueirão...”. Em suas Memórias, papai, também, se refere a um lugarejo, existente nos arredores do Brejo do Amparo, chamado Santo Antônio: “Meu padrasto plantava arroz e feijão em Santo Antônio, um lugarejo que ficava perto do Brejo do Amparo”. “Em Santo Antônio, meu padrasto possuía, também, um canavial. Sua cana era moída no engenho de seu irmão Leolino Batista, onde, também, era fabricada a cachaça”.


Seu primeiro emprego estadual foi na Polícia de Focos e Mosquitos, equivalente, hoje, ao Agente Municipal de Combate à Dengue. Na foto, de 1937, papai está uniformizado para o trabalho de casa em casa.


CADERNETA CENTENÁRIA

A fim de se guardar a memória dos grandes acontecimentos, em seus mínimos detalhes, era costume antigo, entre os nossos antepassados, o chefe de família anotar, em uma caderneta (ou caderno) de capa dura, destacada, somente, para essa finalidade, todas as ocorrências familiares importantes. Anotações que fazia, pontual, escrupulosa e exatamente, durante o decorrer de toda a sua vida. O motivo dessa prática, arraigada entre o nosso povo, talvez fosse a inacessibilidade da maioria dos cidadãos aos poucos cartórios existentes no Sertão, naquela época, tendo em vista a sua enorme distância de suas residências e os inúmeros obstáculos, quase sempre intransponíveis, para alcançá-los. Papai, também, tinha uma dessas cadernetas e nela, religiosamente, fazia as suas anotações. Entretanto, quando decidiu vir morar aqui em Belo Horizonte com a família, onde havia vários cartórios no centro da cidade, elas foram interrompidas, por não mais serem necessárias. Meu relato, a seguir, vem comprovar e dimensionar a importância dessa antiga prática: Chegou-me às mãos, num desses dias iluminados e abençoados por Deus (mais do que o normal), enviadas de Januária pelo meu estimado primo, amigo e colaborador Márcio Arthur Tupiná, as anotações de uma caderneta centenária que ele obteve através de suas pesquisas e que, numa demonstração de apreço, teve a gentileza de comigo seus dados compartilhar. Nela seu dono registra, minuciosamente, e em pequenos textos, a história de sua família, desde o nascimento de seu pai, de seu próprio nascimento e de seu casamento, até os nascimentos e batizados de seus filhos, netos e bisnetos. Até o nome de cada sacerdote oficiante e dos padrinhos dos batizandos ele não omitiu. Em meio à minha enorme admiração e estupefação, um desses pequenos registros me chamou a atenção por declinar a identidade de uma pessoa cujo sobrenome me era por demais conhecido e familiar. Eis o seu texto: “Nasceu minha filha Dirce, no dia 7 de setembro de 1902 (faleceu no dia 6 de abril de 1907). Foi batizada, no dia 26 de outubro do mesmo ano, pelo Padre Ramiro Ferreira Leite. Foram seus padrinhos o Major Manoel Ferreira de Souza e Dona Adelaide Leonilda da Rocha”. Justifica o meu assombro o fato de Leonilda da Rocha ser o sobrenome de minha bisavó materna, cujo primeiro nome é Joana. Seu sobrenome decorre de seu consórcio com Lúcio José da Rocha, seu primeiro marido. Diante disso, diversas indagações começaram a fervilhar em minha cabeça. Perguntas que eu sabia não terem respostas imediatas, pois nunca ouvira falar de Adelaide, no tempo em que meus pais eram vivos. Seria ela irmã de minha bisavó? Não, não seria possível!... Se fosse sua irmã, seu último sobrenome não seria Rocha. Seria Adelaide filha de minha bisavó? Bem, filha seria possível sim, pois,


sabemos, quando minha bisavó Joana ficou viúva de meu bisavô Lúcio José da Rocha, algum tempo depois formou nova família. Adelaide, então, poderia ser o fruto desse novo relacionamento, recebendo o sobrenome da mãe... Possível é, mas como comprovar essa versão? Quem conheceria a nossa história familiar antiga o bastante para esclarecer-me tal dúvida? Que eu saiba, a única pessoa que teria condições de nos esclarecer essas e outras dúvidas seria nossa querida Dona Conceição, mãe de nosso estimado primo e compadre Adelmo Batista Magalhães. Prometo procurá-la, com a intermediação de seu filho, tão logo me seja possível. Enquanto isso não acontece, ficaria, imensamente, agradecido, se alguém que me acompanha neste texto, fizesse a gentileza de me informar: Quem seria, realmente, Dona Adelaide Leonilda da Rocha? O que se sabe a respeito dela? Por ter sobrenome igual (Leonilda da Rocha), teria sido ela mais uma filha de minha bisavó-materna Joana Leonilda da Rocha? Adelaide e o Major Manoel Ferreira de Souza formavam um casal? Onde eles residiam? Eles deixaram filhos, netos, bisnetos? Quem são seus descendentes atuais? Onde encontrá-los?

NOTÍCIA DE JORNAL SECULAR

Nas minhas incessantes pesquisas em bibliotecas e arquivos públicos mineiros li, certo dia, num exemplar do jornal “A Luz”, datado de 05 de julho de 1903, editado em Januária, existente na Hemeroteca Histórica do Estado, aqui em Belo Horizonte, e que tive a grande emoção de manusear e, depois, gravar em CD, por ser um exemplar raríssimo, de mais de um século de existência, que Teodoro da Rocha e sua mãe, Dona Leonilda da Rocha, vieram da Sambaíba para morar em Januária. A notícia do jornal não esclarece, todavia, se Teodoro da Rocha, nome grafado sem o tradicional José, marca registrada da família, era criança, adolescente ou adulto. Tendo em vista o destaque que foi dado a essa notícia, pelo referido periódico, pareceu-me ser ele uma pessoa adulta e prestigiosa. Também, não diz o texto o primeiro nome de sua mãe, Dona Leonilda da Rocha, nem esclarece (tendo em vista o seu sobrenome) se se trata de filha, esposa ou viúva de nosso bisavô Lúcio José da Rocha, embora a trate com deferência, indício do elevado conceito de que desfrutava no seio da sociedade brejina e januarense daquele tempo. Como sabemos que três personagens históricas da família (Joana, Emídia e Adelaide) são portadoras do sobrenome “Leonilda da Rocha”, estamos pedindo


a quem tiver conhecido as três (ou delas ouvido falar) para que nos ajude a decifrar mais este enigma. Não citei, de propósito, uma quarta personagem histórica da família, com esse sobrenome, porque a mesma se tornou conhecida, por todos os nossos parentes, tão somente, por Quinu. De antemão, entretanto, ouso antecipar minha opinião de que Teodoro da Rocha e sua mãe são nossos parentes sim! Passo, a seguir, a explicar porque, analisando nome por nome: Joana é nossa bisavó materna. Dizem que ela se casou três vezes. Da primeira vez foi com meu bisavô Lúcio José da Rocha, do qual herdou o sobrenome, tendo o casal (ao que sabemos), gerado três filhos, um dos quais Cícero José da Rocha, meu avô-materno. Do segundo casamento eu nada sei, até o momento. Do terceiro consórcio, tenho informação de que ela não gerou filhos, por um motivo muito natural: a sua idade avançada. Emídia é uma das duas filhas (a outra é Quinu) de nossa bisavó Joana, frutos de suas núpcias com meu bisavô Lúcio José da Rocha. Por conseqüência, Adelaide seria ou irmã de nossa bisavó Joana Leonilda da Rocha, idéia que me parece inverossímil, pois ela usa, também, o sobrenome Rocha (de meu bisavô Lúcio), ou seria mais uma filha de nossa bisavó, fruto de outro relacionamento, que poderia ser as suas segundas núpcias, das quais, ainda, nada conseguimos apurar. Conseqüentemente, em se tratando desta última hipótese, que me parece mais plausível, Adelaide Leonilda da Rocha seria a personagem sem o primeiro nome, citada pelo jornal em questão, e, por conseguinte, irmã de meu avô Cícero e tia-paterna de mamãe. E Teodoro da Rocha (seu filho), seria sobrinho de meu avô Cícero e primo de mamãe em primeiro grau. A bem da verdade devo informar que nunca ouvi mamãe comentar nada a respeito dessa tia e primo. Nem ela, nem nenhum de meus primos, em primeiro grau, até o presente momento. Mas o fato aí está! “Contra fatos não há argumentos” – proclama o ditado popular. Então, caro leitor, você que me acompanha, pacientemente, nesta jornada, o que me diz? Estamos na trilha certa? Podemos continuar nessa direção? Mande-nos, por favor, por escrito, a sua opinião. A propósito: você sabe, exatamente, quantos irmãos (e irmãs) teve nosso avô-materno Cícero José da Rocha? Aproveito o ensejo para reiterar, nesta oportunidade, o apelo que tenho feito desde que meu Projeto Memória foi divulgado, em 2003: comunique-me, por carta ou por e-mail, tudo o que você souber (ou vier a saber), sobre nossos queridos antepassados, especialmente, respondendo as indagações feitas por mim, através do questionário existente no final deste livro. Qualquer que seja a sua informação será valiosíssima para mim e para a família brejina, e terá o nosso eterno agradecimento!


Meus pais, irmãos, cunhados e sobrinhos. Foto tirada em 1956, logo depois da Ordenação Sacerdotal de meu irmão Lúcio (Frei José Maria de Belo Horizonte, Frade Menor Capuchinho).


Meus irmãos Lúcio Rodrigues Torres (Frei José), Ambrosina Rodrigues Torres (Irmã Dorotéia) e Henrique Rodrigues Torres. O primeiro, belorizontino, os dois últimos, brejinos.

MEU TRABALHO NO SERTÃO

No afã de coletar dados para o meu Projeto Memória, tem-me sucedido muita coisa interessante e até pitoresca. As informações que preciso, às vezes, me chegam numa conversa informal, saboreando um gostoso prato de pequi com farinha de mandioca, durante um agradável, cheiroso e fumegante café da manhã ou da tarde; ou num simples e despretensioso bate-papo, no decorrer do dia, na roça ou na cidade, não raro acontecido num encontro casual com parentes e amigos, no meio de altos e estreitos calçadões, em pleno centro, sob o causticante sol de Januária. Até mesmo os três cemitérios da cidade (dois em Januária e um no Brejo do Amparo), já me forneceram dados preciosos que anoto no meu caderno de capa dura e amarela, que sempre me acompanha. Num desses cemitérios, o pitoresco, apesar do sol abrasador sobre a minha cabeça, foi proporcionado por um casal de caburé (coruja pequena) que habitava o campo-santo e que emitia, com uma freqüência cada vez maior, um pio (ou guincho)


alto, forte e estridente. Entre um grito e outro, parecia que o casal de corujas me acompanhava e espreitava meus movimentos, talvez, quem sabe, descontentes com a minha presença em seus inusitados domínios. Certo é que cada passo que eu dava, por entre os túmulos, fazendo minhas anotações, ao invés de afugentar as avezinhas, mais o casal se aproximava de mim, com ares inamistosos, parecendo querer apressar meus passos rumo à saída. Tratei logo de cair fora... Dois são os amigos, inseparáveis, que sempre levo nas minhas viagens ao Sertão e que me acompanham, diariamente, por onde quer que eu vá: o meu caderno de anotações e a minha máquina fotográfica digital Sony, de 10.1 mega pixels. A colaboração amiga, espontânea, desinteressada, também, não me tem faltado, graças a Deus! Ái de mim e do meu Projeto Memória, se não fosse a boa vontade de meus parentes sertanejos, sempre solícitos, sempre atenciosos, sempre dispostos a me ajudar a seguir em frente na minha tarefa... Tenho recebido, também, alguma informação em forma de “o povo antigo dizia...”, “o povo antigo contava...”. Como bom pesquisador que pretendo ser (perdoe-me a imodéstia), vou coletando e guardando essas preciosidades para, posteriormente, quem sabe, de alguma maneira, tentar comprovar e divulgar a sua veracidade.


Meus pais e Ermelinda (Santinha), a filha primogĂŞnita do casal.


Meus pais e Ambrosina (Irmã Dorotéia).


Meus pais e Faustina (Tininha), cujo nome é uma homenagem à nossa bisavó (materna e paterna) Faustina Rodrigues Torres.


Meus pais e Lúcio (ex Frei José).


Meus pais e Ant么nio (Sinhozinho).


Meus pais e Maria Gabriela (Sinhazinha), a filha caรงula do casal.


VEREADOR BREJINO

No relatório apresentado à Câmara Municipal de Januária, pelo seu Agente Executivo Municipal, em 31 de dezembro de 1897, à página 43, consta a notícia da “prematura morte do prestimoso cidadão Olympio José da Rocha, vereador especial, representante do Distrito do Amparo” (Brejo do Amparo), berço de nossos ancestrais. Você que me lê neste momento e que acompanha o meu esforço para levantar a ascendência e descendência de nossa família, o que sabe a respeito desse vereador? Seu nome lhe é familiar? Você sabe se Olympio José da Rocha seria irmão de meu bisavô Lúcio José da Rocha e de Benedito José de Souza Rocha, pai do Coronel Rocha e de sua irmã Joana da Rocha Caciquinho? Considero como indício positivo, o fato de o seu sobrenome ser idêntico ao sobrenome composto de nossos antepassados Lúcio José da Rocha, Cícero José da Rocha, Antônio José da Rocha, Renato José da Rocha, Anísio José da Rocha e Benedito José de Souza Rocha, sobrenome esse que é uma verdadeira marca registrada de família dos homens (o sobrenome de família das mulheres é Leonilda da Rocha). Você sabe se Olympio José da Rocha tinha esposa e filhos? Quem seriam os seus descendentes? Onde viviam? Por que teria sido prematura a sua morte? Teria sido porque ele era muito jovem ainda? Teria sido por motivo de doença grave? Teria sido em conseqüência de conflito político-partidário-eleitoral? Ele teria sido eleito mais vezes, ou esse teria sido o seu primeiro mandato eletivo? Em decorrência de sua enfermidade, teria sido ele licenciado para tratamento de saúde pela Câmara Municipal? Considero a possibilidade de o Vereador Olympio José da Rocha ter sido eleito (ou reeleito) na mesma campanha eleitoral que elegeu Antônio José da Rocha – o Coronel Rocha – Presidente da Câmara e Terceiro Agente Executivo de Januária, para o biênio de 1898 a 1900. Considero sugestivo, também, o fato de uma das filhas de Joana da Rocha Caciquinho, irmã do Coronel Rocha, nascida em 31 de janeiro de 1897, ou seja, no mesmo ano em que o vereador em questão faleceu, se chamar Olímpia. Não teria sido seu nome uma homenagem de Joana ao parente querido acamado (seria seu tio?) e, talvez, já desenganado pelos médicos? Acredito que os Anais, Relatórios, Livros de Posse, Livros de Presença, Folhas (ou recibos) de Pagamento, Fichas Funcionais e outros registros da Câmara e/ou da Prefeitura Municipal de Januária, bem como os jornais da época, se existirem e se pesquisados com persistência, poderão fornecer informações preciosas a seu respeito. O problema é: onde encontrar essa documentação? No Arquivo da Câmara? No Arquivo da Prefeitura? Na casa da Memória? Estaria essa documentação (se ela existir) disponível ao público para pesquisa?


Escreva-me uma carta ou mande-me um e-mail, se você tiver alguma resposta. Estarei aguardando, com ansiedade. VESTIDO DE REI (2)

Conheci meu prezado primo, amigo e compadre Adelmo Batista Magalhães em 1958, portanto, há mais de cinco décadas, em meio a preparativos para uma guerra. Verdade!... Uma guerra!... Uma guerra medieval!... Lorota? Não, não é lorota! Estava ele vestido de rei, em plena via pública principal de Brejo do Amparo, equilibrando a sua coroa na cabeça, acompanhado de seu embaixador, de seus guerreiros e de sua extensa corte brejina. Garboso, impávido, sisudo (como convém a um soberano responsável), ao som de sua banda marcial, ele se dirigia, a passos cadenciados, para o campo de batalha, situado no largo da Igreja Matriz, onde já se aglomerava e se acotovelava, debaixo de um sol abrasador, uma verdadeira multidão, vinda de todos os cantos e recantos do sertão (e até de Belo Horizonte), para acompanhar, ansiosa, o desenrolar de mais uma peleja entre cristãos e mouros (representando o bem e o mal) ou, simplesmente, entre os partidos azul e vermelho. Apesar de seu físico e estatura de criança, dava para se perceber, pelo seu olhar penetrante, arguto e inquisidor, que levava a sério, muito a sério, a responsabilidade que lhe deram de representar, simbolicamente, como rei cristão, numa festa folclórica, de renome internacional, revivida em pleno Sertão de Minas Gerais, nada mais, nada menos, que o legendário Carlos Magno que a história nos apresenta como Rei dos Francos, dos Lombardos e Primeiro Imperador do Sacro Império Romano. Sim senhor! Sim Senhora!... Aquele mesmo monarca que, segundo os historiadores, esteve envolvido, constantemente, em batalhas, durante todo o seu reinado. Para você ter uma idéia da belicosidade dessa personagem histórica, só para conquistar a Saxônia (hoje um dos dezesseis estados federados da Alemanha), no século VIII, foram enfrentadas dezoito batalhas... Ao lado do meu querido Adelmo, marchando com garbo e, totalmente, compenetrada do seu real papel, estava a nossa querida prima Esther Eustáquia de Oliveira Gonçalves, também, na fase de pré-adolescência, como o rei, encarnando a famosa e linda Floripes – a graciosa Princesa Moura - protagonista de uma linda história de amor por um cristão, e que decide se converter e ser batizada, no final da peleja. Ao passar o cortejo real por mim, postado à margem da estrada, acompanhando, empolgado, os constantes aplausos do povo, não pude conter meu entusiasmo e, depois de tirar duas ou três fotos para o meu álbum de viagem, juntei-me, emocionado, à multidão de curiosos que se dirigia à praça de guerra, para presenciar o histórico e inusitado embate.


“Estava ele vestido de rei, em plena via pública principal de Brejo do Amparo, com sua extensa corte brejina...”. Foto tirada por Sinhozinho em 1958.

FESTA DE CAVALHADA

(2)

Se você ainda não sabe, aguarde um instante, que eu vou lhe contar: a festa de Cavalhada teve origem na Europa. O primeiro embate entre Mouros e Cristãos aconteceu em 1086, quando o exército cristão do Rei Alfonso VI (casado com uma Moura convertida ao cristianismo), foi derrotado na batalha de Sagrajas. Depois dessa, houve várias outras guerras santas organizadas pelas Cruzadas. Na primeira (1195) os Mouros ganharam. Nas últimas duas (1212 e 1340) os Cristãos venceram. A Festa de Cavalhada relembra as disputas da Idade Média e foi introduzida no Brasil, no período colonial, em forma de encenação, pelos Padres Jesuítas, com a finalidade de evangelizar os índios e os escravos. Ela dramatiza a


história de uma luta entre cristãos e mulçumanos árabes (também conhecidos por sarracenos e mouros), ocorrida na Península Ibérica, no Sudoeste da Europa. No campo de batalha, do lado direito, são posicionados um rei, um embaixador e dez cavaleiros cristãos, vestidos de azul (calças, túnicas e chapéus), que vão lutar contra um rei, um embaixador e dez cavaleiros mouros, vestidos de vermelho (calças, túnicas e chapéus), posicionados do lado esquerdo. Todos os participantes se vestem com capas bordadas e enfeites prateados e dourados, portando cada um uma lança e uma espada. Suas montarias, também, recebem adereços como flores, fitas e mantas nas mesmas cores de seus cavaleiros. Participam do enredo, também, espiões e palhaço. A apresentação ao público é feita através de vários movimentos seqüenciais. No primeiro, apresentam-se os “encamisados” dos dois lados, aqueles componentes das tropas que vão espionar o campo inimigo. O torneio, propriamente dito, é caracterizado por demonstrações de destreza, visando atingir objetos dispostos no campo (bonecos ou cabeças de papelão) e apanhar com a lança, durante um galope veloz, argolas penduradas num fio ligando duas traves. É o chamado jogo da argolinha, muito apreciado pelo público, por exigir perícia e ótima visão dos cavaleiros. Em 1958, o festeiro foi nosso primo Geraldo Gonçalves da Rocha, sobrinho e afilhado de batismo de meus pais, que, gentilmente, ofereceu à mamãe a argolinha por ele tirada. As festividades duram três dias e são abrilhantadas por uma banda de música. Nesse ano o maestro da banda de música convidada foi Firmino Alves de Melo, então militar do Exército, conterrâneo de meus pais, nosso amigo, nosso padrinho de casamento e nosso vizinho de bairro, em Belo Horizonte.


“Garboso, impávido, sisudo, como convém a um soberano responsável...”. Foto tirada por Sinhozinho em 1958.

AMIZADE E CONSIDERAÇÃO

Entre mim, Adelmo Batista Magalhães e nossas famílias, apesar da distância, apesar da falta de comunicação, apesar das dificuldades de toda ordem, existem cinqüenta e cinco anos de pura amizade e consideração, que atravessaram o tempo e o espaço, prevalecendo até hoje e sendo cada dia mais fortalecidas. Quando conheci Adelmo (em 1958), era a segunda vez que eu voltava à terra de meus antepassados, acompanhando mamãe e Sinhazinha, minha irmã caçula e a primeira vez que eu assistia a uma apresentação folclórica, da envergadura da Cavalhada, em pleno Sertão Mineiro. Pela primeira vez, também, ficamos hospedados em casa de meus primos Geraldo e Francisca (Chiquinha) que tinham acabado de deixar o sítio do Boqueirão, onde residiam com seus dez filhos, todos


pequenos. Adelmo, nessa época (cinqüenta e cinco anos são passados...), era ainda criança, cândida, ingênua, simples, não se preocupando em saber quem eu era, pois nunca me vira nem ouvira falar de mim... Nosso efêmero conhecimento não passou dos olhares, fortuitos, entre uma e outra foto tirada por mim. Desde essa ocasião, entretanto, eu já sabia que Adelmo era nosso parente. Nossos informantes, contudo, nunca souberam dizer-me qual seria o nosso grau de parentesco. Franzino e tímido, naquela época, eu não gostava de prosear e muito menos de fazer perguntas. Às vezes, morria de vontade de saber das coisas, mas minha timidez não permitia e eu ficava só na vontade... E assim foi, também, com relação a Adelmo e ao nosso provável parentesco. Devo ter voltado ao Brejo do Amparo mais uma ou duas vezes, sem, contudo, ter tido a sorte de revê-lo, uma vez que, entre Januária, onde sua família residia e o Brejo do Amparo, havia uma légua de distância a nos separar, num tempo em que os únicos transportes existentes por aquelas paragens era a bicicleta, o cavalo e o carro de bois de José de Carlota, de saudosa memória... Aos dezenove anos fiquei noivo de uma jovem belorizontina, com quem me casaria dois anos mais tarde, e as minhas viagens de férias ao Brejo do Amparo, acompanhando mamãe e Sinhazinha, tiveram que ser interrompidas. E os anos se passaram... Enquanto isso, Adelmo e eu (ele em Januária e eu em Belo Horizonte) casamo-nos, criamos nossas famílias, tornamo-nos compadres (dei um filho meu para ele batizar), vimos nossos filhos crescerem, se formarem e se casarem, e eu me tornei avô de seis lindos netinhos! A Bíblia nos ensina que, “para tudo há um tempo, para cada coisa há um momento debaixo dos céus” (Ecl 3.1-8). Então, como já estava previsto por Deus, foi preciso aguardar a luminosa criação de meu Projeto Memória, para que acontecesse, finalmente, o nosso tão aguardado reencontro...


“Ao seu lado, compenetrada como o rei, estava nossa prima Esther encarnando Floripes, a linda e graciosa princesa moura”. Foto tirada por Sinhozinho em 1958.

DESVENDANDO O MISTÉRIO

Desde 2003, quando dei início ao meu Projeto Memória, uma das minhas primeiras preocupações foi desvendar o mistério que se criou em torno do nosso parentesco com a família de Adelmo Batista Magalhães, nosso prezado amigo e compadre brejino. Além dessa eu


tinha muitas outras metas a alcançar, tão importantes quanto essa. Sabia que não seria fácil atingi-las (e, realmente, não foi e não tem sido), por isso, pus-me a trabalhar logo em seguida com denodo e afinco, arregaçando as mangas e colocando a mão na massa – como se diz por aqui. E lá se foram dez anos de pesquisas... Hoje posso afirmar, aliviado, que meu trabalho não foi em vão e que a recompensa tem sido mais do que eu esperava receber... Quanto ao nosso parentesco com a família de Adelmo Batista Magalhães, se ainda não tenho a resposta definitiva, posso assegurar, entretanto, que já estou bem próximo dela. Falta pouco, muito pouco, para eu alcançar a tão sonhada verdade. Eis o que eu penso a respeito: A meu ver, e, considerando que Adelaide Leonilda da Rocha possa ser mais uma filha de minha bisavó Joana Leonilda da Rocha, a ascendência de meu prezado primo, amigo e compadre Adelmo Batista Magalhães é a seguinte: Adelaide Leonilda da Rocha se casou com o Major Manoel Ferreira de Souza, gerando Ana Ferreira de Souza (conhecida por tia Dona), que se casou com Joaquim José de Azevedo, gerando Maria Batista de Azevedo (conhecida por Maroca), que se casou com Luiz Batista Godinho (conhecido por tio Coco), gerando Joana Batista Godinho, que se casou com João Tupiná Magalhães, gerando Adelmo Batista Magalhães e seus irmãos. Conseqüentemente, Adelaide Leonilda da Rocha seria mais uma irmã de meu avô Cícero José da Rocha e tia paterna de mamãe; Ana Ferreira de Souza (filha de Adelaide) seria prima de mamãe, em primeiro grau; Maria Batista de Azevedo (neta de Adelaide) seria prima de mamãe, em segundo grau; Joana Batista Magalhães (bisneta de Adelaide) seria prima de mamãe, em terceiro grau e Adelmo Batista Magalhães e seus irmãos (trinetos de Adelaide) seriam primos de mamãe, em quarto grau. Por conseguinte, além de amigo e compadre seria eu seu primo em quinto grau...


Meu prezado primo, amigo e compadre Adelmo Batista Magalhães, com sua boníssima mãe, Joana Batista Magalhães (Dona Joaninha). Foto tirada por Sinhozinho em 2007.

ORIGEM DAS FAMÍLIAS CARNEIRO ROCHA

A origem das famílias Carneiro Rocha de Macaúbas, Roda D’Água e Serragem é o casal Alonso Gomes e Gerônima Gomes Carneiro que geraram os filhos: Gustavo Gomes Carneiro, João Gomes Carneiro, Manoel Gomes Carneiro, Felipe Gomes Carneiro, Guna Gomes Carneiro, Maria Gomes Carneiro (tia Dona) e Honorina Gomes Carneiro, esposa de Henrique Pereira Rodrigues. Guna Gomes Carneiro casou-se com Januário (não consegui identificar seu sobrenome), gerando as filhas: Maria Antônia Carneiro, conhecida por “Maria Ferreira”, da Roda D’Água; Elísia Antônia Carneiro, mãe de Joãozinho, Judith e Francisco (conhecido por “Chico”); Joana Antônia Carneiro, primeira esposa de meu tio materno Lúcio Rodrigues da Rocha e Gerônima Antônia Carneiro, segunda esposa de meu tio materno Lúcio Rodrigues da Rocha. Felipe Gomes Carneiro casou-se com Lídia Carneiro de Almeida, gerando os filhos: Manoel Gomes Carneiro, Maria Gerônima Gomes Carneiro, Geraldo Gomes Carneiro,


Josefina Gomes Carneiro, primeira esposa de meu tio materno Benedito Rodrigues da Rocha, (conhecido por Binu), Joaquim Gomes Carneiro (1º), Antônio Gomes Carneiro, Joana Gomes Carneiro, Anita Gomes Carneiro (mãe de Zezinha), Henrique Gomes Carneiro, Santana Gomes Carneiro, Joaquim Gomes Carneiro (2º) e Josina Gomes Carneiro, segunda esposa de meu tio materno Benedito Rodrigues da Rocha (conhecido por Binu), que lhe sobrevive. Meu tio materno Benedito Rodrigues da Rocha, até falecer, em 01 de outubro de 1966, sempre residiu em Macaúbas, hoje pertencente ao Município de Cônego Marinho e seu irmão Lúcio Rodrigues da Rocha, enquanto viveu, sempre morou em Roda D’Água, ainda hoje pertencente ao Município de Januária. Nesses povoados meus tios tinham terras, casa, família, pequena lavoura e algumas cabeças de gado bovino.

FAMÍLIA CARNEIRO ROCHA DE MACAÚBAS

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Tive o prazer e a ventura de conhecer os descendentes de meu tio materno Benedito Rodrigues da Rocha (tio Binu), falecido em 01 de outubro de 1966, numa viagem que fiz a Macaúbas, então pertencente ao Município de Januária, em 05 de julho de 1969, há quarenta e quatro anos, portanto. Acompanharam-me nessa viagem a nossa prima Maria José Gonçalves Madureira (filha de tia Laudi), seu esposo Manoel Madureira Mota e a filhinha do casal Marli Gonçalves Madureira. Meu tio, que era casado pela segunda vez, deixou viúva Josina Gomes Carneiro e quatro filhos, sendo um do primeiro casamento e três do segundo: Manoel Josefino Carneiro da Rocha, Maria do Amparo Carneiro da Rocha, Lúcio Carneiro da Rocha e Anísia Carneiro da Rocha. Para quem não sabe, Macaúbas hoje é um distrito de Cônego Marinho e fica quase na divisa com o Estado da Bahia. Gostei tanto da simplicidade de minha gente e da exuberância natural do lugar – em pleno Gerais – que decidi passar minhas férias, desde então, todos os anos, na companhia deles, cercado de amizade e costumes sertanejos (totalmente diferentes dos costumes da Capital), em meio a árvores centenárias, algumas dezenas de cabeças de gado bovino, um pequeno rebanho de carneiros, dúzias de galinhas e pássaros... Muitos pássaros! Bandos deles! De várias espécies, tamanhos, cores e canto! Nesse paraíso silvestre podia-se encontrar, a qualquer hora do dia, esvoaçando em torno da casa de meus primos, João-de-barro, Pássaro-preto, Anu-preto, Sabiá, Pomba-rôla, Bem-te-vi, Sofrê, Sanhaço, Tico-tico, Inhambu e dezenas de outros... Duas aves típicas do serrado chamavam a minha


atenção, devido às características de seus cantos: a Seriema, também conhecida como Siriema e Sariema e a Acauã que, também, tem o nome de Cauã e Gavião-Preto. A qualquer hora do dia podia se ouvir o canto da Seriema, ave majestosa, de pernas compridas, de porte médio e de cauda alongada. Eram vistas andando em dupla ou em pequenos bandos e sua alimentação consistia de insetos, lagartos e pequenas cobras. Quando o sol se punha, agasalhavam-se nos galhos das árvores, onde, também, construíam seus ninhos, no tempo do acasalamento. Já ao amanhecer e ao entardecer, o canto que se ouvia era o da Acauã, uma espécie de gavião, de hábitos solitários. Ao contrário da Seriema, cujo canto era apreciado por todos, a Acauã não era simpática aos sertanejos, que a consideravam uma ave agourenta. Diziam eles que seu canto prenunciava a morte de parentes e amigos...

MARAVILHAS DO SERTÃO GERAIS

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Também, podia-se ver e admirar de perto vários grupos de Sagüi-de-tufos-brancos, uma espécie de macaquinho agitado, curioso e engraçado, conhecido pelos nomes de Mico-estrela, Sagüi e Soim, característico por ostentar uma mancha branca na testa, que vinham da mata ao derredor para comer manga no mangueiral existente no fundo do quintal de Tia Josina. A gente sabia da presença deles nas proximidades, mesmo estando dentro de casa, distraído, conversando ou trabalhando, pelo assobio (ou guincho) agudíssimo que emitiam, enquanto se aproximavam pulando de galho em galho. Entre tantas e tantas belezas campestres, intensamente vividas por mim, nos trinta dias que lá passava, uma me encantava sobremaneira por ocorrer, diariamente, logo que surgiam os primeiros clarões do novo dia: era o delicioso despertar, às cinco horas, ouvindo o concerto dos pássaros e das aves do serrado que começava sempre com um piado aqui, outro ali, um gorjeio aqui, outro acolá, até ouvir-se toda uma orquestra ressoando sua polifonia na imensidão silenciosa do Sertão Gerais, levada aos quatro cantos pela brisa da madrugada. Essa maravilhosa dádiva da natureza durava, aproximadamente, meia hora. A seguir, vou enumerar, em ordem alfabética, algumas dessas criaturinhas maravilhosas que fazem de Macaúbas um verdadeiro paraíso terrestre: Alma-de-gato, Andorinha, Anu (ou Anum)-branco, Anu (ou Anum)-preto, Arara, Azulão, Beija-flor, Bem-te-vi, Bico-deprata (ou Bico-de-louça, Pipira-de-prata, Pipira-de-papo-vermelho), Bilro (ou Birro, Birro-branco), Caburé (corujinha), Carcará, Codorna,


Corujão, Curicaca, Fogo-apagou, Galinha-d’água (ou Frango-d’água), Garça grande (branca e parda), Garrincha (ou Corruíra), Gaviãocarijó, Gavião grande (vermelho), Gavião pequeno (branco cinza), Graúna (ou Pássaro-preto, Chupão, Melro, Assum-preto), Inhambu (ou Nambu), Jandaia (cabeça amarela), Jandaia (cabeça azul), Jaó, João de Barro, João-congo (ou Guaxe, Japuíra, Xexéu), João-tolo, Juriti-pupu, Mãe-da-lua (ou Urutau), Martim-pescador, Papagaioverdadeiro, Pássaro-preto (ou Graúna, Melro ou Assum-preto), Pato selvagem (ou pato-do-mato, Pato-branco, Pato-mudo), Peixe-frito (ou Pavonino), Perdiz, Periquito, Periquitão-maracanã (ou Maritaca, Maracanã), Pica-pau (ou Pinica-pau), Pinhém (ou Gaviãocarrapateiro), Pomba grande (verdadeira), Pomba-vermelha-domato-virgem, Quem-Quem-da-vargem, Quem-Quem-do-mato (ou Gralha, Cancã), Rola-vaqueira, Rolinha de asa-de-canela, Rolinhacinzenta, Sabiá-laranjeira, Sanhaçu-cinzento, Saracura-três-potes, Socó-boi (Maria-mole, Ana-velha), Socó-boi-baio, Sofrê preto e Sofrê amarelo (ou Corrupião), Tesoureira (ou Tesoura, Tesourinha), Tietinga (ou Pintassilgo-de-mato-virgem, Sanhaço-tinga, Sabiátinga), Vim-vim (ou Fim-fim, Vem-vem, Gaturamo, Miudinho) e Zabelê. No decorrer do dia o canto dos pássaros e das aves só se rivalizava com outro som, igualmente admirável, produzido pelo vento, nas folhas grandes, em forma de leque, dos majestosos buritizeiros, palmeira de grande porte, também, conhecida como palmeira-dos-brejos, por ser nativa de locais alagadiços.

GRANDIOSIDADE E MAGNIFICÊNCIA

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“O firmamento, através de sua magnificência, de sua beleza, de sua ordem, é um arauto eloqüente do Criador, cuja glória enche o universo.” (S. Atanásio)

Você, que mora em cidade grande, alguma vez teve a felicidade de admirar o céu, totalmente, estrelado? No Sertão Mineiro, especialmente no Gerais, você poderá vê-lo assim todas as noites, como eu, extasiado, tive inúmeras oportunidades de ver. Longe da luminosidade das grandes cidades, as noites no Sertão são tão escuras que o viajante noturno mal consegue distinguir a estrada ou a trilha em que está pisando ou cavalgando. Não consegue enxergar nem mesmo o companheiro andando a seu lado. Nessa ocasião e nessa circunstância, o céu ostenta toda a sua grandiosidade, todo o seu fulgor, toda a sua magnificência, através


da exposição de suas estrelas que se apresentam de muitos tamanhos, de muitas cores, de muitos brilhos, e de muitas grandezas. Elas ficam tão cintilantes, tão reluzentes, que até parece que se deslocam da imensidão do firmamento para ficarem mais perto da Terra e mais próximas de nós. Tão próximas parecem estar que chegam a provocar um temor respeitoso, inquietante, profundo e inexplicável no mais íntimo de nosso ser, sentimento esse acentuado e evidenciado pelo silêncio profundo, penetrante, apavorante, da natureza adormecida. Segundo os astrônomos, cerca de mil a mil e quinhentas estrelas podem ser vistas a olho nu, numa noite sem nuvens, sem luar e sem o clarão produzido pela eletricidade, muitas delas pertencentes a agrupamentos denominados constelações, formando figuras diversas, mitológicas ou não. Dentre essas a mais conhecida e a mais facilmente localizável entre nós é a constelação do Cruzeiro do Sul, por se parecer, realmente, com uma grande Cruz. Cassiopéia, Órion, Ursa Maior e Ursa Menor, são mais algumas delas. Para o sertanejo, naturalmente, observador e atento, é fácil reconhecer algumas estrelas, dentre elas a Estrela Polar, da constelação Ursa Menor, porque é a única que permanece sempre fixa no firmamento e As Três Marias, da constelação de Órion, por estarem sempre juntas, uma ao lado da outra. Tem, também, a chamada Estrela D’Alva, que, na verdade, não é uma estrela, e, sim, o Planeta Vênus, o segundo planeta do Sistema Solar. Por refletir a luz do sol, ele é o objeto mais brilhante visto no céu, depois do Sol e da Lua. Durante onze meses Vênus põe-se depois do Sol, daí o nome de Estrela Vespertina ou Estrela da Tarde e durante os onze meses seguintes nasce antes dele, daí a denominação de Estrela Matutina ou Estrela D’Alva.

PEQUIZEIROS E BURITIZEIROS

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Ao longo dos anos, foram mais de vinte prazerosas viagens feitas por mim à terra dos pequizeiros, buritizeiros e macaubeiras, esta última uma palmeira rústica, caracterizada por espinhos longos e pontiagudos, cujos frutos (coquinhos) dão nome ao povoado. Em todas essas viagens, à noite, após o jantar, a família de meu tio Binu se reunia na varanda ou na sala de visitas para prosear, enquanto aguardávamos o delicioso café servido com biscoitos fritos e a transmissão (por um radinho de pilha) do programa “Linha Sertaneja Classe A”, pela Rádio Record AM de São Paulo. Esse programa começava logo depois de “A Voz do Brasil” e era apresentado, das 20


às 22 horas, pelos irmãos José Russo e Zé Bettio. Entretanto, nossa atenção e emoção redobravam nos dias de apresentação do Trio Parada Dura, que todos nós adorávamos ouvir, já, naquela época, na sua segunda formação (hoje está na quarta), com Creone, Barrerito e Mangabinha. Naquele tempo, Macaúbas e todo o sertão norte mineiro, ainda não tinham energia elétrica, o que só ocorreu décadas depois. Conversa vai, conversa vem, eu sempre ouvia de meus primos notícias e comentários a respeito da Família Torres que reside na cidade de Cônego Marinho e, quase sempre, arrematavam a prosa da noite reafirmando, em tom conclusivo, que seus membros eram nossos parentes sim, o que era corroborado por todos os presentes. E diziam isso me olhando com firmeza, como se estivessem cobrando de mim alguma iniciativa de aproximação com eles, pelo fato de, também, ser portador do mesmo sobrenome. Essa certeza, cristalina, demonstrada por quem sempre vivera naquelas paragens e, por isso mesmo, mais perto da nossa parentela e da verdade, fazia ressurgir em mim, todo ano, num crescendo contínuo, a vontade, incontida, de ir lá conhecê-los e abraçá-los. Mas as dificuldades que seriam enfrentadas por mim, não acostumado com as durezas do Sertão eram (e continuam sendo) muitas, e uma delas seria percorrer longas distâncias à cavalo, em chão de terra poeirenta, debaixo de um sol abrasador. Além disso, por ser eu um forasteiro e não conhecer as veredas da região teria que viajar com um guia, exigindo, para tanto, disponibilidade de dois animais de sela e de algum membro da família que se dispusesse a me acompanhar. Como todos da casa tinham seus afazeres e compromissos diários já estabelecidos e como, também, não era fácil conseguir dois cavalos disponíveis, via-me obrigado a prorrogar, indefinidamente, a realização dessa viagem. Enquanto isso, minhas férias terminavam e eu tinha que retornar a Belo Horizonte (o que sempre acontecia) sem conseguir realizá-la. E, assim, os anos foram se sucedendo e a minha juventude passando... Até que o dia, tão ansiosamente desejado por todos chegou, e o histórico e inesquecível encontro com a Família Torres, de Cônego Marinho, que contarei num capítulo mais adiante, finalmente, aconteceu...


A Família Carneiro Rocha de Macaúbas. Foto tirada por Sinhozinho.

IMPORTÂNCIA DO PROJETO MEMÓRIA A importância do Projeto Memória cada vez mais se acentua e se destaca. É inegável os benefícios que sua evolução e aceitação tem conseguido gerar no seio das famílias que compõem a nossa parentela, desde o seu lançamento, em 2003. Foi graças ao Projeto Memória que conseguimos reencontrar o elo perdido que nos unia aos descendentes de nossa tia materna Maria Rodrigues dos Santos, que (hoje sabemos), residem na Vila Santa Clara, na Capital Paulista. Foi graças ao Projeto Memória que nos aproximamos e iniciamos relações de amizade fraternal com a Família Torres de Cônego Marinho, nossos queridos parentes consangüíneos, após mais de sete décadas de injustificável apatia e abstração. E, finalmente, foi graças ao Projeto Memória que estivemos em Roda D’Água, em janeiro de 2008, pela primeira vez, para conhecermos, abraçarmos e oferecermos a nossa amizade aos descendentes de nosso tio materno Lúcio Rodrigues da Rocha, que lá gerou e criou sua família. Infelizmente, alguns deles (lamentamos, muitíssimo, dizê-lo), não só não conhecíamos, como, também, não sabíamos da sua preciosíssima


existência. O preenchimento do impresso que distribuímos pelo Correio, em 2003, através de carta-circular, divulgando e promovendo o Projeto Memória e fazendo o cadastramento de nossos parentes, foi de vital importância para que pudéssemos ter a ventura de conhecer aquele povo simples e bom, hoje tão querido e amado por nós, aos quais pedimos mil desculpas pela omissão e distanciamento no decorrer de todos esses anos passados, embora involuntários. A partir de agora, de alguma forma, de acordo com as nossas possibilidades, procuraremos ter uma presença mais constante em suas vidas!

FAMÍLIA CARNEIRO ROCHA DE RODA D’ÁGUA

Nosso tio materno Lúcio Rodrigues da Rocha, a exemplo de seu irmão Benedito Rodrigues da Rocha (tio Binu), também se casou duas vezes, numa mesma família, isto é, com duas irmãs, e residiu, toda a sua vida, em Roda D’Água, distrito de Januária, um aprazível povoado rural, distante da Sede mais ou menos uma hora de viagem de ônibus. Sua primeira esposa chamava-se Joana Antônia Carneiro, que faleceu sem deixar filhos. Sua segunda esposa chamava-se Gerônima Antônia Carneiro que lhe deu quatro filhos, dois homens e duas mulheres, a saber: Geraldo Carneiro da Rocha, Raimundo Carneiro da Rocha, Benedita Antônia Carneiro e Maria José Carneiro, conhecida por Cotinha, casada com João José de Santana, já falecido. Por não terem filhos, Cotinha e João resolveram adotar os seguintes sobrinhos: Cássia Viana Santos, Alvina Viana Santana e Osmar Gomes Viana. Geraldo Carneiro da Rocha, já falecido, deixou viúva Júlia Jacinto de Carvalho e os filhos: Hermílio Carneiro da Rocha, conhecido por Miro; João de Deus Carneiro da Rocha, conhecido por Dão; José Carneiro da Rocha, conhecido por Dé; Moacir Carneiro da Rocha e Maria Raimunda Carneiro da Rocha. Hermílio casou-se com Nair Coutinho gerando os filhos: Cleide Coutinho da Rocha, Maria Aparecida Coutinho da Rocha, João Batista Coutinho da Rocha, Neide Coutinho da Rocha, Terezinha Coutinho da Rocha e Francisca Coutinho da Rocha. João de Deus casou-se com Maria Alice Costa gerando os filhos: Luciana Costa da Rocha, Juliana Costa da Rocha, Leidiana Costa da Rocha e Leiciana Costa da Rocha. José casou-se com Francisca Gomes da Silva, gerando os filhos: Wellington Gomes da Rocha, Zélia Gomes da Rocha e Zelma Gomes da Rocha. Moacir casou-se com Edinólia Cabral dos Santos, gerando a filha Gabriela dos Santos Rocha. Hermílio e Nair são avós dos seguintes netos: Gabriel Felipe Rocha de Carvalho (de Cleide e Sílvio); Davidson


Daniel Coutinho Veloso (de Neide e Dernivan); Ana Lívia Coutinho Rocha da Silva (de Neide e Alexandro) e Alexandre Rocha Madureira (de Francisca e José Adalgizo). João de Deus e Maria Alice são avós dos seguintes netos: Vitória Maria Rocha de Souza (de Luciana e Alcy) e Ariane Rocha Neves (de Juliana e Rodrigo). Raimundo Carneiro da Rocha, já falecido, deixou viúva Helena Jacinto de Carvalho e os filhos: Elízio Carneiro da Rocha, Aldemar Carneiro da Rocha, Valdemar Carneiro da Rocha, Maria do Amparo Carneiro da Rocha, Maria Isabel Carneiro da Rocha e Pedro Carneiro da Rocha. Elízio casou-se com Antônia Viana gerando as filhas: Eliana Viana da Rocha, Valéria Viana da Rocha e Arlene Viana da Rocha. Maria do Amparo casou-se com Isaías Viana Bitencourt gerando os filhos: Beatriz Carneiro Bitencourt, Rogério Carneiro Bitencourt e Romário Carneiro Bitencourt. Maria Isabel casou-se com Édis de Oliveira Reis gerando os filhos: Willian de Oliveira Rocha, Letícia de Oliveira Rocha e Thairine de Oliveira Rocha. Pedro casou-se com Alice Bitencourt gerando os filhos: Raimundo Nonato Bitencourt da Rocha, Rodrigo Bitencourt da Rocha e Regiane Bitencourt da Rocha. Elízio e Antônia são avós dos seguintes netos: Géssica Rocha de Almeida, Jeanne Rocha de Almeida, Igor Rocha de Almeida, Yasmim Rocha de Almeida e Sérgio Rocha de Almeida (de Eliana e Célio); Lucas Rocha Coutinho e Leonardo Rocha Coutinho (de Valéria e Valdecyr) e Anthony Vinícius Rocha Guedes (de Arlene e Antônio). Pedro e Alice são avós dos seguintes netos: Rayssa Lopes da Rocha (de Raimundo Nonato e Lúcia de Fátima), Luan Farias Rocha (de Rodrigo e Sandra) e Vitor Emanuel Bitencourt da Rocha Costa (de Regiane e Eduardo).

FAMÍLIA CARNEIRO ROCHA DE SERRAGEM

Fazem mais de três décadas que tive a ventura e a imensa satisfação de conhecer Benedita Antônia Carneiro e seu esposo Manoel Carneiro Araújo, residentes em Serragem, distrito de Januária, continuadores, naquele povoado, da grande linhagem da Família Carneiro Rocha, iniciada por seu pai e por seu tio paterno. E uma vez mais devo essa felicidade a meus queridos primos de Macaúbas, filhos de meu tio materno Benedito Rodrigues da Rocha e Josina Gomes Carneiro. Benedita Antônia Carneiro é filha de meu tio materno Lúcio Rodrigues da Rocha e Gerônima Gomes Carneiro, sendo, portanto, minha prima em primeiro grau. Depois do falecimento de Gerônima, sua mãe, ela foi acolhida por sua tia materna Honorina Gomes Carneiro e seu esposo Henrique Pereira Rodrigues e levada para a Serragem, pequeno povoado rural,


distante de Januária mais ou menos uma hora de ônibus, onde foi criada com todo desvelo, como se fosse filha do casal. Lá, também, Benedita constituiu família, fixou residência e mora até hoje. Desde que eu a conheci, de uma forma ou de outra procurei acompanhar a sua vida e a sua luta para criar seus dez filhos. Nessa ocasião, com exceção de seus filhos Maria de Fátima, José Geraldo e Joaquim, que já eram casados, os demais eram, ainda, crianças e adolescentes. Nossa amizade remonta, portanto, ao tempo em que eu passava minhas férias anuais em Macaúbas. Quando minha prima Benedita ficava sabendo da minha chegada de Belo Horizonte, não podendo ir me visitar, mandava seus filhos em seu lugar. Quando eu conseguia montaria e acompanhante, eu fazia questão de ir levar-lhe o meu abraço, também. Como recordação desse tempo longínquo e saudoso, tenho algumas fotos em branco e preto (ainda hão havia surgido a fotografia colorida), tiradas nessa época, em que aparecem seus filhos ainda pequenos. Mas o tempo não pára e os anos correm céleres... Os primos que eu conheci crianças, cresceram, casaram-se e, hoje, são pais, mães e avós... Meus queridos primos Benedita e Manoel, apesar dos obstáculos quase intransponíveis, com perseverança e confiança em Deus, conseguiram superar todas as dificuldades da vida e hoje, felizes e realizados, têm, além dos dez filhos, todos vivos e saudáveis, vivendo em vários recantos do Município (e até em São Paulo e Distrito Federal), trinta e cinco netos e quinze bisnetos... São seus filhos: Adelmo Carneiro Rocha, Elísio Carneiro Rocha, Joaquim dos Santos Carneiro Araújo, José Geraldo Carneiro, Maria da Conceição Carneiro, Maria de Fátima Carneiro, Marlene Carneiro, Tereza Carneiro da Rocha, Terezinha Carneiro da Rocha, Walmir Carneiro da Rocha. Adelmo casou-se com Maria (não consegui identificar seu sobrenome); Elísio casou-se com Marina Justina do Rosário; Joaquim casou-se com Terezinha de Jesus Pereira; José Geraldo casou-se com Lezina Guedes; Maria da Conceição casou-se com Oscar Lopes de Almeida; Maria de Fátima casou-se com Francisco de Assis Almeida; Marlene casou-se com Jovelino Pereira dos Santos; Tereza casou-se com Antônio José de Souza; Terezinha casou-se com Antônio Pereira dos Santos e Walmir casou-se com Maria Aparecida Rocha Santos. São seus netos: Luciene e Luciano (de Adelmo e Maria); Willian do Rosário Rocha, Débora do Rosário Carneiro e Igor Carneiro do Rosário (de Elísio e Marina); Roberto Pereira Araújo, Gilberto Pereira Araújo, Janete Pereira Araújo, Arlete Pereira Araújo, Alexandro Pereira Araújo, Silvaney Pereira Araújo e Wesley Pereira Araújo (de Joaquim e Terezinha); Jucelma Guedes Carneiro, Helton Santana Guedes Carneiro, Nelton José Guedes Carneiro, Walson Guedes Carneiro, Telma Guedes Carneiro, Welma Guedes Carneiro e Gerry Guedes Carneiro (de José Geraldo e Lezina); Márcia Carneiro de Almeida, Alex Carneiro de Almeida e Aline Carneiro de Almeida (de Maria da Conceição e Oscar); Carlúcio Carneiro Almeida, João Batista Carneiro


Almeida e Mauro Carneiro Almeida (de Maria de Fátima e Francisco); Lucilene Carneiro dos Santos, Liliane Carneiro dos Santos, Daiane Carneiro dos Santos e Robson Carneiro dos Santos (de Marlene e Jovelino); Andréa Carneiro Rocha (de Tereza e Antônio José); Djalma Carneiro dos Santos, Gilvan Carneiro dos Santos, Gilmar Carneiro dos Santos e Divaney Carneiro dos Santos (de Terezinha e Antônio) e Viviane Costa Rocha e Naiane Costa Rocha (de Walmir e Maria Aparecida). São seus bisnetos: Jônata Barbosa Araújo (de Gilberto e Maria Isabel); Gabriel Pereira Santos e Diogo Pereira Santos (de Janete); Felipe Guedes Alves e Mariana Guedes Alves (de Jucelma e José Roberto); Bianca Guedes Mendes (de Helton e Vitória); Ritelmo Almeida Guedes (de Telma e Elmo); Eduarda Guedes Mota (de Welma e Elton); Márcio Lucas Gonçalves de Almeida (de Márcia e Edmar); Manoel Pereira Lima Neto e Gabriela Carneiro de Lima (de Lucilene e Manoel Jorge); Mateus de Matos Carneiro (de Liliane e Elvis); Lanny Rafaelle Santos Fernandes e Lara Melissa Fernandes dos Santos (de Daiane e Reginaldo) e Anny Caroliny Rocha Lisboa (de Andréa e Tarcísio).

VIAGEM INESQUECÍVEL

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Início do mês de janeiro de 2008. Estávamos em pleno verão quando os dias são maiores, as noites são menores, a temperatura em constante elevação e freqüentes as pancadas de chuva. Nosso coração batia acelerado... Estávamos na iminência de concretizar um dos maiores sonhos de nossa vida, acalentado, dia após dia, noite após noite, há vários anos. Após um entendimento prévio, por telefone, com Manoel Nonato, então Prefeito Municipal de Cônego Marinho (já no final de seu segundo mandato), numa bela manhã de sexta feira, acompanhado de meus primos Anísia Carneiro Rocha e Manoel Josefino Carneiro Rocha (conhecido por Nezinho), filhos de meu tio materno Benedito Rodrigues da Rocha (tio Binu), tomamos o ônibus na Rodoviária de Januária, com destino àquele Município do extremo norte mineiro. Nessa época, a estrada que nos levaria àquela cidade ainda era de terra batida, bem diferente da atual que é toda pavimentada. Denominado “Saco dos Bois”, quando, ainda, pertencia ao Brejo do Amparo, localidade muito citada por mamãe, em suas reminiscências diárias, na minha infância e pré-adolescência, o hoje Município de Cônego Marinho, emancipado em 21 de dezembro


de 1995, dista trinta e dois quilômetros de Januária, percorridos em pouco mais de uma hora, de ônibus. A cidade é pequena, tem pouco mais de seis mil habitantes, é bonita, tipicamente sertaneja, e tem um lindo templo católico dedicado a São Vicente de Paulo, localizado numa mimosa e bem cuidada praça que tem o seu nome. Esse humilde santo, conhecido e venerado no Brasil e em grande parte do mundo, nasceu e morreu na França e é considerado o santo dos pobres e patrono de todas as obras de caridade da Igreja Católica Apostólica Romana. O Prefeito e sua filha Eliane já nos aguardavam e, ao descermos do ônibus, nos receberam com abraços e sorrisos acolhedores, como se já nos conhecêssemos de longa data e palavras que demonstraram real satisfação e fraterna amizade. Foi uma recepção calorosa. Muito além do que esperávamos. Em seguida, em carro da família, dirigido por ele próprio, fomos levados para a sua residência, onde já nos aguardava, também, sua amabilíssima esposa D. Maria da Conceição e onde ficamos hospedados durante todo o final de semana.

Finalmente, o tão almejado encontro dos primos Sinhozinho Torres e Manoel Nonato. Foto tirada no jardim da casa deste, na cidade de Cônego Marinho, em 2008.


FAMÍLIA TORRES DE CÔNEGO MARINHO

Manoel Nonato (por que será que ele não assina Torres?) e Maria da Conceição Rodrigues Gonçalves são pessoas singelas, bondosas e amáveis e formam um casal muito bonito e simpático. Sua família é composta de seis filhos e seis netos. São seus filhos: Laureny Gonçalves Torres, casada com Leonardo Rodrigues Ladeia; Eliane Gonçalves Torres, casada com José Agenor Guedes da Mota; Zeilton Gonçalves Torres, casado com Evaneide Castro Silva; José Antônio Torres, casado com Josiane Guedes Dias; Adenilton Gonçalves Torres, já falecido, e Joana Maria Gonçalves Torres, solteira. São seus netos: Emanoelle Torres Ladeia, Mateus Torres Ladeia e Leonardo Rodrigues Ladeia Filho (de Laureny e Leonardo); Agenor Nonato Guedes Torres (de Eliane e José Agenor); Gabriela Torres Castro (de Zeilton e Evaneide) e Eduardo Guedes Torres (de José e Josiane).

Manoel Nonato ao lado das fotos de seu filho Adenilton e de seus pais


Antônio Ferreira Torres (Antonino) e Maria Isabel Batista Godinho, Já falecidos. Foto tirada por Sinhozinho em 2008.

PARENTESCO COM A FAMÍLIA RODRIGUES DA ROCHA

Manoel Nonato é filho de Antônio Ferreira Torres (o Antonino) e Maria Isabel Batista Godinho; neto de Ursulino Batista Godinho e Joana Maria de Jesus; bisneto de João Batista Godinho e Benedita Gomes (segundas núpcias); trineto de Luiz Batista Godinho (conhecido por tio Coco) e Maria Batista de Azevedo (conhecida por Maroca); tetraneto de Ana Ferreira de Souza (conhecida por tia Dona) e Joaquim José de Azevedo; pentaneto de Adelaide Leonilda da Rocha e Manoel Ferreira de Souza e hexaneto de minha bisavó materna Joana Leonilda da Rocha (ainda não consegui identificar o seu segundo esposo). Analisando a linhagem de outra forma: Joana Leonilda da Rocha (avó paterna de mamãe, em primeiras núpcias) é mãe (em segundas núpcias) de Adelaide Leonilda da Rocha, que é mãe de Ana Ferreira de Souza (tia Dona), que é mãe de Maria Batista de Azevedo (Maroca), que é mãe de João Batista Godinho, que é pai de Ursulino Batista Godinho, que é pai de Maria Isabel Batista Godinho, que se casou com Antônio Ferreira Torres (o Antonino) e geraram Manoel Nonato e seus nove irmãos. Evidências de parentesco: Adelaide Leonilda da Rocha (casada com Manoel Ferreira de Souza) seria mais uma filha de minha bisavó Joana Leonilda da Rocha e, conseqüentemente, mais uma irmã de meu avô Cícero José da Rocha, portanto, tia paterna de mamãe; Ana Ferreira de Souza (tia Dona), filha de Adelaide (casada com Joaquim José de Azevedo), seria prima de mamãe, em primeiro grau; Maria Batista de Azevedo (Maroca), neta de Adelaide (casada com Luiz Batista Godinho (tio Coco), seria prima de mamãe, em segundo grau; João Batista Godinho, bisneto de Adelaide (casado com Benedita Gomes, em suas segundas núpcias), seria primo de mamãe em terceiro grau; Ursulino Batista Godinho, trineto de Adelaide (casado com Joana Maria de Jesus), seria primo de mamãe em quarto grau e Maria Isabel Batista Godinho, tetraneta de Adelaide (casada com Antônio Ferreira Torres – o Antonino), pais de Manoel Nonato e seus irmãos), seria prima de mamãe em quinto grau.


Manoel Nonato e sua boníssima esposa D. Maria da Conceição Rodrigues Gonçalves. Ao fundo, a linda Igreja de São Vicente de Paulo, em praça de mesmo nome, em Cônego Marinho. Foto tirada por Sinhozinho em 2008.

PARENTESCO COM A FAMÍLIA RODRIGUES TORRES Quando em vida, mamãe sempre nos disse ser prima de Antonino (Antônio Ferreira Torres), pai de Manoel Nonato e seus nove irmãos. Informação essa confirmada, ao longo do tempo, por vários de meus primos em primeiro grau. Como sempre tenho esclarecido, meus bisavós (paternos e maternos) chamavam-se Antônio Rodrigues Ferreira da Costa e Faustina Rodrigues Torres. Observando o nome do avô paterno de Manoel Nonato (João Ferreira Torres), notamos a existência dos mesmos sobrenomes (Ferreira e Torres) de meus bisavós acima referidos. Sobrenomes constantes, também, no nome de Antonino (Antônio Ferreira Torres), que, igualmente, usa o prenome Antônio. Só por isso (penso eu), já poderíamos defender e festejar a nossa consangüinidade com a Família Torres, de Cônego Marinho, também, por parte de pai (Antonino), pois, da parte de mãe (Maria Isabel), penso ter conseguido comprovar em capítulo anterior.


Entretanto, por falta de documentação comprobatória (certidão de nascimento, e/ou de casamento, e/ou de óbito), continuamos desconhecendo o grau de nosso provável parentesco. Chamou-me a atenção, outrossim, o fato de um dos irmãos de Manoel Nonato denominar-se Vicente. Então pergunto: seu nome não teria sido uma homenagem a meu avô paterno (e tio materno) que se chamava Vicente? Pode ser... A possibilidade existe... Observei, da mesma forma, que outro de seus irmãos se chama Anísio, o que me faz reportar a Anísio José da Rocha, filho do Coronel Rocha (também primos de mamãe), dos quais falarei nos próximos capítulos. Diante de tudo isso, vale pensar em coincidência, apenas? Creio que não! Por habitarem o Brejo do Amparo (ou Januária) na mesma época, acredito que suas famílias tenham tido uma convivência muito próxima (possivelmente por serem consangüíneos), ao ponto de homenagearem-se mutuamente, repetindo seus nomes em filhos recém-nascidos. Do casamento de Antonino com Maria Isabel Batista Godinho, nasceram os seguintes filhos: João Batista Torres, Abel Batista Torres, Vicente Ferreira Torres, Anísio Batista Torres, José Batista Torres, Bento Batista Torres, Maria das Dores Torres, Maria do Socorro Torres, Odete Batista Torres e Manoel Nonato, único dos 10 irmãos que não tem o sobrenome Torres.

ENCONTRO ALTAMENTE POSITIVO

Durante os três dias em que desfrutamos da generosa hospitalidade de Manoel Nonato e de sua boníssima esposa, D. Maria da Conceição Rodrigues Gonçalves, tivemos inúmeras oportunidades de trocarmos informações a respeito de nossos antepassados, o que nos ajudou a consolidar a nossa amizade e a certeza de parentesco entre nossas famílias, tanto pelo lado da Família Rodrigues da Rocha, quanto pelo lado da Família Rodrigues Torres. Contudo, lamentamos não ter podido avançar um pouco mais em nosso trabalho de pesquisa, por falta de dados comprobatórios, fornecidos por certidão cartorária, ou por declaração ou alegação de alguma testemunha. Mesmo porque estivemos o tempo todo com a idéia pré-fixada (e ainda não comprovada) de que a Família Torres da cidade de Cônego Marinho é descendente de meu tio avô paterno e materno Pedro Rodrigues Torres, irmão de meu avô Vicente Rodrigues Torres e de minha avó Ambrosina Rodrigues Ferreira. Por incrível que pareça, dele, infelizmente, ninguém nos deu notícias até a presente data. Mesmo assim, consideramos o nosso encontro altamente positivo, pelo fato de termos, finalmente, conseguido reunir, num encontro histórico, repleto de emoção e ansiedade, pela primeira vez, em


oitenta anos (desde que meus pais deixaram Januária e vieram residir em Belo Horizonte, em 1928), duas famílias consangüíneas que não se conheciam e nem se comunicavam, saindo, desse feliz encontro, totalmente, convictos de que somos ramos do mesmo tronco. Entretanto, para podermos completar o quebra-cabeça e preenchermos as quadrículas em branco do diagrama dedicado à Família Torres, de Cônego Marinho, que fará parte do nosso livro em preparo “Genealogia de Famílias Brejinas”, resta-nos encontrarmos respostas para as seguintes perguntas: 1) Como se chamavam os pais e os irmãos de João Ferreira Torres, avô paterno de Manoel Nonato? 2) Com quem João Ferreira Torres se casou? 3) Além de Antonino, pai de Manoel Nonato, quantos filhos teve o casal? Se possível, cite seus nomes completos, por favor. Quem souber das respostas a estas três importantes questões, fineza escrever-nos uma carta ou um e-mail, sem demora. Estaremos aguardando, ansiosos, o esclarecimento de mais esse enigma...

NUM BARCO A VAPOR

Em nossas múltiplas e variadas conversas sobre sua terra e sua gente, ao longo de meus anos de infância e adolescência, quando eu mais ouvia do que falava, mamãe, sempre, nos afirmara ser prima, também, de Anísio José da Rocha. Só não teve a oportunidade de dizer-me em que grau (se o disse, eu não memorizei), nem eu de lhe perguntar, pois, ainda, era muito jovem, imaturo e inexperiente para entender a importância de tudo o que ela me dizia, em especial, do seu vínculo com os familiares que deixara no Sertão. Pois bem, em dezembro de 1957, mamãe, Sinhazinha (minha irmã caçula) e eu nos preparávamos para voltar a Belo Horizonte, via Pirapora, após termos participado, em Montes Claros e em Brejo do Amparo, dos festejos comemorativos da Ordenação Sacerdotal e Primeira Missa do nosso primo Padre Antônio Gonçalves da Rocha, hoje Monsenhor, filho de nossa tia materna Laudelina Rodrigues da Rocha (tia Laudi) e de seu esposo, João Gonçalves de França. Na véspera tínhamos sido aconselhados a não retornarmos, de jardineira, a Montes Claros, devido a intensidade da chuva que caia na região e à precariedade da estrada de terra batida (ou de saibro), totalmente, intransitável. Enquanto aguardávamos a saída do vapor, atracado no cais de Januária, que nos levaria pelo São Francisco acima, até aquela cidade (naquele tempo, o Rio da integração nacional, ainda, era navegável),


a fim de lá embarcarmos na famosa “Maria Fumaça” da Estrada de Ferro Central do Brasil, que nos traria de regresso à Capital Mineira, fomos surpreendidos, espetacularmente, com a visita de Anísio José da Rocha que, ao ser informado por meu primo Geraldo Gonçalves da Rocha (que nos acompanhara de sua casa, no Brejo do Amparo, onde estávamos hospedados, até ao cais), da presença de mamãe no vapor, fez questão de subir a bordo para revê-la e abraçá-la, fazendo, em seguida, diversas recomendações ao comandante da embarcação que, a partir de então, passou a nos tratar com redobrada fineza e consideração. Em virtude da amistosa interferência de Anísio Rocha a nosso favor, passamos a almoçar e a jantar juntos com o comandante, em sua própria mesa, como seus convidados especiais, durante os três dias decorridos da viagem, o que viria reforçar, ainda mais (a meu ver), o que mamãe sempre afirmara sobre o seu parentesco com ele. Infelizmente, esta foi a última vez que mamãe e Anísio José da Rocha se encontraram, mas este acontecimento ficou, indelevelmente, gravado na minha memória e no meu coração.

Na década de cinqüenta a navegação no Rio São Francisco era intensa e o Porto de Januária era um dos mais movimentados. Foi a bordo de um barco a vapor como este que se deu o reencontro de Anísio José da


Rocha com mamãe, em dezembro de 1957.

TOMARA QUE EU ESTEJA CERTO

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Diante do fato que relatei no capítulo anterior e do qual sou testemunha presencial, e, na falta de comprovação documental ou de depoimentos escritos de parentes próximos, levanto a seguinte hipótese: Se Anísio José da Rocha (e seus irmãos) era primo de mamãe, seu pai, o Coronel Antônio José da Rocha (casado com Andrelina Caetano de Souza Rocha) e sua tia paterna, Joana da Rocha (casada com o Coronel João Ferreira Barros Caciquinho), lógico, também o eram. E o pai destes, Benedito José de Souza Rocha (casado com Maria Ferreira da Conceição), sem dúvida alguma, só poderia ser tio-avô de mamãe. E pelo que se pode deduzir, também, de seu sobrenome, existiria uma grande possibilidade de o mesmo ter sido irmão de meu bisavô materno Lúcio José da Rocha (primeiro esposo de minha bisavó Joana Leonilda da Rocha). Se assim não fora, e se as evidências acima expostas por si só não bastarem, resta-nos, ainda, obter respostas às seguintes indagações: por que seria que dois dos irmãos de mamãe, também, teriam os nomes de Benedito e Andrelina? Teria sido simples coincidência? Pelo exposto até agora, tenho motivos para crer que não! Se minha teoria estiver correta, portanto, meu avô materno Cícero José da Rocha (e suas irmãs Emídia, Quinu e Adelaide) e o Coronel Antônio José da Rocha e sua irmã Joana da Rocha Caciquinho, seriam primos carnais, isto é, primos em primeiro grau, por serem filhos de dois irmãos (Lúcio e Benedito); mamãe e seus irmãos seriam seus primos em segundo grau, e, em terceiro grau, de Renato, Anísio, Ana Lúcia, Maria Alípia e Carlos (filhos do Coronel Antônio José da Rocha) e José, Otília, Honorina, Miguel, Olívia, Elias, Orlinda, Olga e Olímpia (filhos de Joana da Rocha Caciquinho).


Encontro histórico, no Vaticano, de Padre Antônio Gonçalves da Rocha, (Monsenhor Rocha) com Sua Santidade o Papa João Paulo II.

CORONEL ROCHA (7)

Em 2003, postei duas cartas no Correio de Belo Horizonte, com destino à Januária. As duas cartas foram remetidas para dois filhos de Anísio José da Rocha e lhes faziam diversas indagações. Mandei a mesma carta para os dois, na mesma ocasião, a fim de poder garantir-me a resposta, ao menos, de um deles. Uma carta foi endereçada a Antônio José da Rocha, que, infelizmente, faleceu logo depois, e outra a Laurita Rocha dos Santos. No dia 24 de março, visivelmente emocionado, recebi um envelope branco, grande, volumoso, recheado de papéis, enviado por Laurita. Ela foi muitíssimo delicada e atenciosa para comigo, pois, não só respondeu a todas às minhas perguntas, como, também, passou-me muitas outras informações preciosas sobre nosso povo, inclusive, mandando


algumas fotos, entre as quais a de seu avô paterno, o Coronel Antônio José da Rocha. Com as informações de Laurita, parte do mistério sobre nosso possível parentesco começou a ser desvendado, graças a Deus! Antônio José da Rocha - o Coronel Rocha - casado com Andrelina Caetano da Rocha nasceu em Sento Sé (é Sento Sé mesmo, viu?), na Bahia, em 09 de dezembro de 1846, faleceu aqui, em Belo Horizonte, em 18 de outubro de 1921 e foi enterrado no Cemitério do Bonfim, quadra 17, carneiro (ou jazigo) 183. Ele não só era pai de Anísio José da Rocha, como, também, de Ana Lúcia da Rocha, Maria Alípia da Rocha, Renato José da Rocha, e Carlos José da Rocha. Dos cinco filhos que ele teve com Andrelina, apenas Carlos José não lhe deu netos. Em trabalho meu que divulgarei em breve, intitulado “Genealogia de Famílias Brejinas” declino o nome completo de todos os seus netos, bisnetos e trinetos. Antônio José da Rocha era Coronel da Guarda Nacional e político de grande prestígio. Ele pertencia ao poderoso Partido dos Escureiros, que deteve o poder, no Município de Januária, por quase dezoito anos. Também, foi Presidente da Câmara Municipal e Agente Executivo por dois anos, no período de 1898 a 1900, emprego público que equivale, hoje, ao cargo de Prefeito Municipal. Durante o seu governo, mamãe e papai nasceram em Brejo do Amparo. Mamãe nasceu em 23 de agosto de 1898 e papai em 30 de junho de 1900.


Antônio José da Rocha (Coronel Rocha), primo, em 1º grau, de meu avô materno Cícero José da Rocha. Foi Presidente da Câmara Municipal e 3º Agente Executivo de Januária, por dois anos, no período de1898 a 1900. Foto cedida por Márcio Arthur Tupiná.


Maria da Rocha Jatobá (Quita), filha de Antônio José da Rocha (Coronel Rocha) e Andrelina Caetana de Souza Rocha. Foto cedida por Márcio Arthur Tupiná.


Ana Lúcia da Rocha, filha de Antônio José da Rocha (Coronel Rocha) e Andrelina Caetana de Souza Rocha, e seu esposo, José da Rocha Caciquinho, filho de Joana da Rocha e do Coronel João Ferreira Barros Caciquinho. Foto cedida Por Márcio Arthur Tupiná.


Maria Andrelina, filha única de Ana Lúcia da Rocha e José da Rocha Caciquinho, neta dos Coronéis Antônio José da Rocha, por parte de mãe, e de João Ferreira Barros Caciquinho, por parte de pai. Foto cedida por Márcio Arthur Tupiná.

FAMÍLIA ROCHA CACIQUINHO

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Você sabia que o Coronel Antônio José da Rocha tinha uma irmã chamada Joana? Não? Pois tinha!... Tomei conhecimento dessa prazerosa notícia, através da correspondência que Laurita me enviou. Junto com os papéis que dela recebi vieram, também, informações sobre Joana da Rocha, enviadas por seu bisneto Márcio Artur Tupiná, residente em Januária, moço delicado, inteligente, culto, amigo, companheiro e simpatizante de nosso Projeto Memória desde o primeiro momento. Batalhador incansável, Márcio muito me ajudou e tem me ajudado, incentivando-me e colaborando na pesquisa e na obtenção de documentos e fotos. Joana da Rocha, sua bisavó, nasceu


em 17 de junho de 1845 e faleceu em 18 de março de 1913, aos cinqüenta e sete anos de idade. Nessa ocasião, mamãe era adolescente, e tinha quatorze anos. Ela foi casada com João Ferreira, filho de Elias Ferreira e Maria Gomes Ferreira. João Ferreira foi alfaiate, comerciante, fazendeiro e coronel. Isso mesmo! Ele, também, foi Coronel da Guarda Nacional. Depois que ganhou a maioridade, resolveu adotar, legalmente, sem motivo relevante, os sobrenomes Barros Caciquinho, repassando o último sobrenome para a sua esposa e filhos. O casal Joana da Rocha e João Ferreira Barros Caciquinho gerou nove descendentes: três homens (José, Miguel e Elias) e seis mulheres (Otília, Honorina, Olívia, Orlinda, Olga e Olímpia). Todos com o sobrenome Rocha Caciquinho. Excluindo dois filhos que morreram solteiros (Miguel e Elias) e Orlinda, que foi casada, mas não teve filhos, todos os demais deixaram grande descendência. Em meu próximo trabalho, intitulado “Genealogia de Famílias Brejinas”, que será divulgado em breve, declinarei os nomes e sobrenomes de todos eles. Viúvo, desde 1913, o Coronel João Ferreira Barros Caciquinho casou-se, novamente, aos sessenta e oito anos de idade, com Adelaide de Souza Ferreira, neta do Barão de São Romão, que tinha, nessa ocasião, sessenta anos e era, igualmente, viúva. O Coronel Caciquinho, também, político de prestígio, foi um dos Chefes dos Escureiros. Por duas vezes, foi Presidente da Câmara Municipal e Agente Executivo de Januária (nos períodos de 1913 a 1915 e de 1919 a 1922), emprego público que, como disse em outra oportunidade, corresponde, hoje, ao cargo de Prefeito Municipal. O Coronel João Ferreira Barros Caciquinho faleceu no dia 22 de dezembro de 1935, aos oitenta e um anos de idade. Reparou como nossos ancestrais eram importantes? Além de fazendeiros e Coronéis da Guarda Nacional, eram, também, políticos influentes...


Coronel João Ferreira Barros Caciquinho, esposo de Joana da Rocha, irmã de Antônio José da Rocha (Coronel Rocha). Ele foi o 8º e o 10º Agente Executivo de Januária, nos períodos de 1913/1915 e 1919/1922. Foto cedida por Márcio Arthur Tupiná.


Monsenhor Rocha sendo abraçado por sua irmã Maria José Gonçalves Madureira, nas comemorações de suas Bodas de Ouro Sacerdotais. Aguardando a sua vez, seu irmão primogênito Geraldo Gonçalves da Rocha. Foto tirada por Sinhozinho em 2007.


Monsenhor Antônio Gonçalves da Rocha recebe o abraço de Adelmo Batista Magalhães, nas comemorações de suas Bodas de Ouro Sacerdotais, em Brejo do Amparo. Foto tirada por Sinhozinho em 2007.


Recepção comemorativa das Bodas de Ouro Sacerdotais de Monsenhor Antônio Gonçalves da Rocha, oferecida pela Comunidade de Brejo do Amparo, sua terra natal. Foto tirada por Sinhozinho em 2007.


Ao lado de quatro irmãos e uma cunhada, Monsenhor Rocha corta o bolo comemorativo de suas Bodas de Ouro Sacerdotais, em Brejo do Amparo. Foto tirada por Sinhozinho em 2007.

PROFESSOR MANOEL AMBRÓSIO

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No finalzinho do Século XIX e início do Século XX, quando nossos trisavós, bisavós e avós, paternos e maternos, ainda viviam e residiam em Brejo do Amparo, e nossos pais e tios eram crianças pequeninas (mamãe com cinco anos e papai com quatro anos de idade), circulava em toda a região norte - mineira, dando destaque para o noticiário de Brejo do Amparo, um jornal de quatro páginas, editado aos domingos, denominado “A Luz”. Seu redator-chefe era Manoel Ambrósio Alves de Oliveira (1865–1947), filho de João Alves de Oliveira e Serafina Alves de Oliveira, mineiro, januarense, jornalista, escritor, folclorista, professor primário, inspetor de ensino e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais. Em decorrência de uma acertada e louvável atitude tomada pela Câmara Municipal de Januária, seu nome e sua importância histórica hoje são relembrados e enaltecidos através de uma placa que dá nome a uma das ruas do centro da cidade de Januária. Manoel Ambrósio, também, é patrono do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros e da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais.


Fazem parte de sua bagagem literária: “Hercília – Romance Histórico”; “Antônio Dó: O Bandoleiro das Barrancas”; “Lendas e Fatos de Minha Terra” e “Brasil Interior”, este último, seu livro mais conhecido, publicado em 1934, abordando o folclore das margens do Rio da Integração Nacional, que atravessa o Município. Também é de autoria de Manoel Ambrósio Alves de Oliveira a letra do Hino à Januária, musicado por seu amigo e colega de magistério Basílio Batista de Araújo, o Professor Batistinha (1864-1923), norte-riograndense (ou potiguar), caicoense, que fora professor nas cidades mineiras de Cataguases, Viçosa e Palma, diretor de colégio, músico, jornalista e redator de jornal.

SEMANÁRIO “A LUZ”

Em 2003, no início das minhas pesquisas sobre a nossa história familiar, ainda aqui em Belo Horizonte, onde nasci, cresci e resido, tive a grande felicidade de encontrar, na Hemeroteca Histórica do Estado de Minas Gerais, dez exemplares do semanário “A Luz”, periódico centenário, ainda em ótimo estado de conservação. Ao folhear suas páginas, com as mãos trêmulas de emoção, dominado pela ansiedade, de imediato, pude avaliar a preciosidade do maravilhoso achado. Lamentando, profundamente, não ser uma coleção maior, solicitei e obtive da Hemeroteca Histórica do Estado uma cópia de cada uma de suas páginas, que foram, gentilmente, gravadas em um CD, em formato PDF, para meu melhor manuseio, conservação e facilidade de pesquisa. Pude verificar, então, nesses poucos exemplares que o tempo nos legou, que a cobertura jornalística de Brejo do Amparo era feita com especial interesse, talvez, pelo fato de ele ainda possuir, naquela época, muito do esplendor histórico, comercial e político do passado, quando, no século XVIII, “foi considerado o maior empório comercial entre o Alto e o Médio São Francisco, de onde saiam boiadas para a região do Rio das Velhas”, conforme relata Carla Maria Junho Anastásia, em seu livro “Vassalos Rebeldes”, pág. 67. Foi através da emocionante e atenta leitura e releitura de suas páginas, que tive a glória, inefável, de identificar vários nomes conhecidos e consagrados de nossa parentela, inclusive, os de nossos trisavós e bisavós paternos e maternos, possibilitando-me, dessa forma, vislumbrar um pouco de nossas origens até então desconhecidas.


INTERESSE JORNALÍSTICO

No meu entender, motivara o evidente interesse jornalístico pelo Brejo do Amparo, também, o fato de Manoel Ambrósio Alves de Oliveira ter sido casado, em primeiras núpcias, com Josefina Ambrosina Durães Ferreira, filha de Marinho José Batista e Josina Durães Ferreira e ligado, por parentesco próximo, a inúmeras outras famílias brejinas que lá residiam, naquela época. Josefina Ambrosina Durães Ferreira tinha mais quatro irmãs e três irmãos sendo que um deles, José Batista, o caçula da família, fora casado com minha avó paterna Hermenegilda Alves de Souza, viúva de meu avô Vicente Rodrigues Torres, falecido quando papai ainda andava de gatinhas. Para quem não sabe, ou não se lembra, Marinho José Batista fora casado, em segundas núpcias, com Joana Leonilda da Rocha, minha bisavó materna, então viúva de meu bisavô materno Lúcio José da Rocha. Sua vida está ligada intimamente, também, à família de Emídia Leonilda da Rocha, minha tia-avó materna, com quem se amasiara, gerando quatro filhos. Em vista disso, acredito, plenamente, que, se tivermos a magnífica e extraordinária sorte de obter um maior número de exemplares desse precioso semanário, poderemos levantar, quem sabe, como sempre fora o meu desejo, o dia-a-dia do povo brejino daqueles tempos remotos e memoráveis, bem como, também, o de nossos queridos ancestrais... Para que esse sonho possa, um dia, se concretizar, espero que, com o continuar das pesquisas, feitas por mim ou por outrem, se encontre mais alguns exemplares dessa verdadeira jóia da imprensa mineira e, quiçá, brasileira, nos Arquivos Públicos (ou casas da memória) de municípios localizados na região, especialmente, as cidades de Montes Claros, Paracatu, Pedras de Maria da Cruz, Pirapora, São Francisco e São Romão, dentre outras. Bom seria, também, se pudéssemos estender essa busca aos arquivos públicos, bibliotecas (ou hemerotecas) dos Estados da Bahia e de Pernambuco, tendo em vista a preponderância administrativa, jurídica e eclesiástica, exercida por esses dois Estados, sobre o Sertão Norte-Mineiro, no início da colonização, quando a margem esquerda do Rio São Francisco pertencia à Capitania de Pernambuco e a margem direita do mesmo Rio à Capitania da Bahia.


Irmã Dorotéia Rodrigues Torres (minha irmã Ambrosina) comemorando seu Jubileu de Ouro de Vestição Religiosa com seus irmãos, cunhados, sobrinhos e sobrinhos-netos.

Geraldo Gonçalves da Rocha comemorando seus noventa anos de vida ao


lado de seus irmãos João, Maria José, Paulo e Monsenhor Rocha. Foto tirada por Sinhozinho em 2009.

Geraldo Gonçalves da Rocha comemorando seus noventa anos de vida, juntamente com sua esposa Francisca de Oliveira Gonçalves e seus nove filhos. Foto tirada por Sinhozinho em 2009.


Esta foto foi tirada pouco depois de Santinha comemorar com seus filhos, netos, bisnetos, genros, noras, irmãos e sobrinhos, numa bonita festa, seus 90 anos de vida. Nela estão, da esquerda para a direita, Antônio (Sinhozinho), Maria Gabriela (Sinhazinha), Faustina (Tininha) e Ermelinda (Santinha).

VALSA NOSSA SENHORA DO AMPARO

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Tenho a grande satisfação, caríssimos leitor ou leitora, de apresentar-lhe as belíssimas letra e música da “Valsa Nossa Senhora do Amparo”, composta em 1936 e considerada a Música Oficial do Município de Amparo (SP), pela Lei Municipal Nº 967, de 04 de abril de 1978. Como já foi relatado neste livro, ela era cantada, em dupla, por mim e por Sinhazinha, minha irmã caçula, diariamente, ao entardecer, na década de cinqüenta, em nossa casa, na Região da Pompéia, aqui em Belo Horizonte, durante todo o período de nossa pré-adolescência, sempre acompanhados pelo meu irmão Henrique que a executava ora com o clarinete (ou clarineta), ora com o violino. Era uma das músicas mais tocadas por ele em seus ensaios musicais, vespertinos, numa disputa emocional com as também valsas “Aurora”


e “Branca”, ambas do eminente compositor Zequinha de Abreu. Nessa época, meu irmão ainda não conhecia Brejo do Amparo, de onde viera pequenino, mas já demonstrava, através da sua musicalidade, um grande amor por sua Terra Natal e uma grande afeição por sua Santa Padroeira. Portanto, em memória de meu irmão Henrique, brejino de nascença, falecido em 1999, aos setenta e quatro anos, proponho que, a exemplo do Município Paulista de Amparo, seja a valsa em questão considerada pela Câmara Municipal de Januária, após votação e aprovação de projeto apresentado por um de seus eminentes vereadores, transformado em lei e sancionada pelo Prefeito Municipal, a Música Oficial de Brejo do Amparo (MG), devendo a mesma ser executada na Vila em todos os seus atos oficiais, religiosos ou profanos.

LETRA: Salvador J. de Moraes MELODIA: Décio Pacheco de Oliveira Senhora milagrosa, que nos fazeis crer, Nas doces maravilhas de uma vida celestial, Bendito o vosso culto, que nos faz viver, Amparados no bem, para vencer o mal, Senhora santa e boa, de divino amor, Que amparo sois e providências de quem crê, Dai-nos carinhos e mercê, Aliviai, Senhora, a nossa dor. Vossa imagem, que sublime é, De crença funda, inalterada, sã, Expressão do Amor e grande Fé, A divina poesia que deleita nossa alma cristã. O’ santa que tanto amais, Ser belo que nos é caro, Sois vós que nos amparais, - Nossa Senhora do Amparo – Brilhando em tão santo amor Com fé que nos purifica, Aos divinos braços paternais de Deus.



ORAÇÃO A NOSSA SENHORA DO AMPARO

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Ó dulcíssima Senhora do Amparo, bem sabemos que, miseráveis pecadores, não éramos dignos de vos possuir neste vale de lágrimas, mas sabemos, também, que a vossa grandeza não vos faz esquecer a nossa miséria e, no meio de tanta glória, a vossa compaixão, longe de diminuir, aumenta cada vez mais para conosco (pede-se a graça desejada). Do alto do trono em que reinais, sobre todos os Anjos e Santos, volvei para nós os vossos olhos misericordiosos! Vede a quantas tempestades e mil perigos estaremos, cem cessar, expostos até o fim da nossa vida. Pelos merecimentos da fé, da confiança e da santa perseverança na amizade de Deus, pedimos que possamos um dia ir beijar os vossos pés e unir as nossas vozes às dos espíritos celestes, para vos louvar e cantar as vossas glórias, eternamente, no céu. Assim seja. Nossa Senhora do Amparo, Amparai-nos!

ORÍGEM DESSA PIEDOSA DEVOÇÃO

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“Segundo os estudiosos da Mariologia, a origem do título de Nossa Senhora do Amparo é muito antiga e provém do fato de Jesus Cristo do alto da Cruz, olhando para São João, que nos representava, lhe disse: “Eis tua mãe”, confiando os homens à sua Mãe Santíssima, para que ela os protegesse contra as ciladas do demônio. Durante muito tempo foi denominada “do amparo” a Senhora da Soledade, que era representada aos pés do madeiro e seu Filho era invocado como o Bom Jesus do Amparo. A pedido de Nicodemos, São Lucas pintou e esculpiu Maria ao pé da Cruz, recebendo o mandato de ser mãe de todos, representados por São João. Ao evangelizar a Península Ibérica, São Tiago levou consigo a pintura para homenagear a Mãe de Deus e nossa. Daí se explica a grande devoção popular à Mãe de Deus em toda aquela região. Muitos santuários foram construídos para veneração daquela que Jesus nos deixou por Mãe. A direção do povo não demorou em perpetuar a grande bondade de Cristo em nos dar Maria como nossa protetora. Referindo-se aos seus cuidados maternos, todos queriam colocar-se sob seu “amparo”. Assim é que pessoas, vilas, cidades foram postas sob o manto de Maria, representando a proteção celestial da mãe do Salvador. Muitos marujos pediam a proteção de Nossa Senhora do


Amparo, em suas longas e perigosas travessias marítimas, contra as tempestades e os riscos do oceano desconhecido. Logo após a descoberta do Brasil o culto a Senhora do Amparo não tardou a atravessar os mares e estabelecer-se entre nós. Sob a proteção de Nossa Senhora do Amparo fundou-se o forte que deu origem à cidade de Fortaleza, capital do Ceará. Um dos primeiros templos brasileiros dedicados à Nossa Senhora do Amparo foi o de Olinda, que já existia em 1617 e foi reconstruído trinta anos depois, após pavoroso incêndio. É uma bonita igreja com pinturas e obras de talha dourada digna de menção. Ainda hoje, após vários séculos, a Igreja do Amparo continua firme no cimo do outeiro e, apesar de sua torre inacabada é uma das relíquias artístico-religiosas da velha cidade de Duarte Coelho. No Brasil há três municípios com nome de Amparo: um no Estado de São Paulo, outro no Estado de Sergipe (Amparo de São Francisco) e no Estado de Minas Gerais (Amparo do Serra). No decorrer dos séculos, esse amparo foi simbolizado de diferentes maneiras: Maria cobrindo com seu manto aos seus devotos; Maria sentada, segurando com sua mão esquerda o Menino Jesus de pé sobre os joelhos e com a mão direita em sinal de bênção aos que a invocam; Maria em pé com Jesus deitado no braço esquerdo e com a mão direita afagando o menino que, por sua vez, nu, quer significar nossa extrema pobreza necessitando da proteção materna.”.

PARÓQUIAS BRASILEIRAS DE NOSSA SENHORA DO AMPARO

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01 - Amparo (SP); 02 - Amparo do Serra (MG); 03 - Barra Mansa (RJ); 04 - Braúnas (MG); 05 - Brejo do Amparo (MG) 06 - Cascadura (RJ); 07 - Chalé (MG); 08 - Caraguatatuba (SP); 09 - Coronel Ezequiel (RN); 10 - Guanhães (MG); 11 - Itapemirim (ES); 12 Londrina (PR); 13 - Maricá (RJ); 14 - Marechal Deodoro (AL); 15 Olinda (PE); 16 -Osório (RS); 17 - Palmeira dos Índios (AL); 18 Porto Velho (RO); 19 - Rosário do Catete (SE); 20 - Riachão do Dantas (SE); 21 - Ribeira do Amparo (BA); 22 - Rio Branco do Sul (PR); 23 - São Gonçalo (RJ); 24 - Teresina (PI); 25 - Tanguá (RJ).


MEMÓRIAS DE MEU PAI

Papai começou os registros de suas memórias muitos anos antes de falecer, quando possuía, ainda, mão firme e visão satisfatória. Em páginas amareladas pelo tempo, de textos manuscritos, que guardo como relíquias, descreve ele, sucintamente, a sua sofrida vida de sertanejo e retirante. Seus relatos, divididos em duas partes (apenas a primeira é reproduzida neste livro), abrangem um período de quarenta e quatro anos, que vai desde o seu nascimento, em Brejo do Amparo, Januária, Norte de Minas Gerais, em 30 de junho de 1899, até o nascimento de Maria Gabriela, conhecida por Sinhazinha, sua filha caçula, no outono de 1943, aqui em Belo Horizonte. É um trabalho inicial, incompleto, passível de revisões, que, certamente, seriam feitas por ele, ao longo do tempo, em seus momentos disponíveis. Infelizmente, porém, a sua redação teve que ser interrompida, definitivamente, quando foi submetido a uma malsucedida operação de catarata. Teria sido para mim muitíssimo gratificante, se tivesse podido ajudá-lo nessa fascinante e empolgante tarefa. Entretanto, isto não me foi possível fazer, tendo em vista as ocupações com a minha família, já numerosa, e o meu trabalho, na época, em dois empregos, ocupando-me todo o dia, de segunda a sábado. Posteriormente, passei a trabalhar num só, cumprindo, entretanto, a jornada de trabalho de 40 horas semanais. Além disso (uma vez mais registro, aqui, o meu lamento), também não tive condições financeiras de adquirir um gravador de voz, que, sem sombra de dúvida, viria facilitar, agilizar e garantir o trabalho de coleta de informações, tornando-o simples, eficaz e confiável. Passaria a ter, dessa forma, também, um tesouro de inestimável valor sentimental, através da gravação das vozes de mamãe e de papai, em fita cassete. Suspiro, profundamente, desgostoso, só de pensar na preciosidade que deixei de possuir... No que tange ao objetivo deste livro, existem alguns trechos das memórias de papai que se destacam pela propriedade e pela oportunidade. Transcrevo, a seguir, os principais:

PRIMEIRA PARTE


“Meu nome é Antônio Rodrigues Torres, filho de Vicente Rodrigues Torres e Hermenegilda Alves de Souza. Meu pai tinha mais dois irmãos: Pedro Rodrigues Torres e Ambrosina Rodrigues Ferreira”. “Meus avós paternos chamavam-se Antônio Rodrigues Ferreira da Costa e Faustina Rodrigues Torres e constituíam uma das mais tradicionais famílias de Brejo do Amparo”. “Minha tia Ambrosina era casada com Cícero José da Rocha. Esse consórcio teve a vantagem de unir os Rodrigues Torres com os Leonilda da Rocha, outra tradicional e distinta família brejina”. “Em 23 de agosto de 1898, tia Ambrosina deu à luz a uma filha registrada e batizada com o nome de Antônia. Eram seus avós paternos Lúcio José da Rocha e Joana Leonilda da Rocha e, maternos, Antônio Rodrigues Ferreira da Costa e Faustina Rodrigues Torres”. “Dez meses após o nascimento de minha prima Antônia, isto é, em 30 de junho de 1899, minha mãe, também, me deu a luz, tendo eu sido registrado e batizando com o nome de... Antônio”. “Tunica (assim minha prima Antônia passou a ser chamada) e eu nascemos em Brejo do Amparo, distrito de Januária, Norte de Minas Gerais, e fomos batizados em sua histórica Igreja Matriz de Nossa Senhora do Amparo, possivelmente, pelo Padre Ramiro Ferreira Leite, seu primeiro Vigário com esse prenome”. “Nessa época, Antônio José da Rocha, Coronel da Guarda Nacional, era o Presidente da Câmara Municipal e o Terceiro Agente Executivo de Januária, cargo esse que corresponde, hoje, ao de Prefeito Municipal”. “No decorrer dos anos, enquanto vivíamos a nossa infância e adolescência no Brejo do Amparo, João Ferreira Barros Caciquinho, esposo de Joana da Rocha, irmã de Antônio José da Rocha, também, Coronel da Guarda Nacional, por duas vezes, assumiu o governo do Município”. “Antônio José da Rocha, casado com Andrelina Caetano de Souza, e Joana da Rocha, casada com João Ferreira Barros Caciquinho, eram filhos de Benedito José da Rocha e Maria Ferreira da Conceição”. “Nas duas vezes em que assumiu o poder, João Ferreira Barros Caciquinho foi Presidente da Câmara Municipal e Agente Executivo de Januária: Oitavo Agente, no período de 1913 a 1915 e Décimo Agente, no período de 1919 a 1922”.


“Além disso, tanto Antônio José da Rocha quanto João Ferreira Barros Caciquinho foram Chefes dos Escureiros, grupo político que deteve o poder na Região por quase duas décadas, rival dos Luzeiros, grupo político opositor”. “Tunica tinha mais seis irmãos, a saber: Laudelina Rodrigues da Rocha, Maria Rodrigues da Rocha, Andrelina Rodrigues da Rocha, Lúcio Rodrigues da Rocha, Benedito Rodrigues da Rocha e José Rodrigues da Rocha, apelidado de “tenente”. “Laudelina casou-se com João Gonçalves de França; Maria casou-se com Josino dos Santos; Lúcio casou-se duas vezes, com duas irmãs, naturais de Roda D’Água: a primeira vez com Joana e a segunda vez com Gerônima. As duas tinham o sobrenome Antônia Carneiro”. “Benedito, também, casou-se duas vezes e com duas irmãs, naturais de Macaúbas: a primeira vez com Josefina e a segunda vez com Josina. As duas tinham o sobrenome Gomes Carneiro. Laudelina, Maria, Lúcio e Benedito formaram famílias numerosas”. “Maria e Andrelina (assim como meu pai) faleceram vitimadas pela malária, doença fatal na época, conhecida, também, entre outros nomes, como “febre”, por causa dos acessos febris que se repetia a cada três ou quatro dias”. “Meu primo e cunhado José Rodrigues da Rocha, apelidado “Tenente”, morreu, provavelmente, acometido de cirrose hepática, conseqüência do uso abusivo de bebida alcoólica. Andrelina e José faleceram ainda novos e solteiros”. “Meu pai ia todos os anos para a fazenda de sua propriedade, situada às margens do Rio Cochá. Lá ele adquiriu a malária, moléstia debilitante e incurável, na época”. “A malária é uma infecção transmitida pela fêmea de um mosquito que se reproduz em brejos, pântanos e terrenos alagadiços. É conhecida, também, como febre, maleita, sezão, impaludismo e tremedeira”. “A pessoa contaminada tem febres, dores de cabeça, dores musculares, suores e calafrios. Nos casos mais graves, a malária pode provocar insuficiência renal, encefalite aguda, choque e coma”. “Como meu pai, todos os anos, viajava para a sua fazenda, no Cochá, todos os anos, também, a febre lhe acometia. Tantas vezes isso ocorreu que a doença virou “barriga d’água”.


“A “barriga d’água” consiste no aumento de volume do ventre, em decorrência do acúmulo, em seu interior, de um líquido parecido com soro sangüíneo”. “Quando meu pai faleceu, em decorrência da hidropisia abdominal, eu, ainda, estava engatinhando. Era filho único e tinha, aproximadamente, um ano de idade. Mas, graças a Deus, não ficamos desamparados, financeiramente”. “Meu pai deixou bens para a nossa família, constituídos de muitas peças de ouro puro, terras e gadaria. Por sua vez, minha mãe possuía, também, gado vacum e terras, herdados de seus pais”. “Naquele tempo, era habitual entre as viúvas que não quisessem contrair novas núpcias, cortarem seus cabelos. Costume esse que deveria ser respeitado pela sociedade, especialmente, pelos homens casadouros e casamenteiros”. “Minha mãe logo manifestou, em público, o seu desejo de não se casar novamente. E, para comprovar a sua decisão, mandou cortar seus longos cabelos, conforme prática da época”. “Mas seu destino – como o de toda criatura – já estava traçado por Deus, nosso Criador, que a ninguém deu o privilégio de mudá-lo a seu bel-prazer. Nem mesmo a Seu Filho Unigênito Jesus Cristo, que teve de padecer e morrer numa Cruz. E o inevitável aconteceu...” “Na vida ingênua de minha mãe, então, surgiu José Batista, que, juntando teimosice e perseverança, conseguiu quebrar a resistência dela ao seu pedido de casamento. Apesar das opiniões contrárias, a despeito das ponderações de minha avó Faustina, que era contrária a tal decisão, o enlace se realizou”. “José Batista era filho do casal Marinho José Batista e Josina Durães Ferreira. Ele era o caçula dessa família. Eram seus irmãos: Marinha, Eliza, Constância, Josefina, Dejanira, Otaviano e Leolino”. “Meu tutor era o meu padrinho João Ribeiro. Ele e minha mãe decidiram colocar nossa manada (a minha e a dela) à venda, tendo sido a mesma arrematada, em hasta pública, pelo senhor Romão da Mota”. “O arrematante pagou quatorze mil réis por cada cabeça de gado existente no curral, ficando, entretanto, muitos animais soltos no campo. Destes, infelizmente, minha mãe nada recebeu em pagamento...”.


“Minha mãe era uma mulher simples, ingênua e benevolente, deixando-se levar pela sua extrema boa-fé nas pessoas. Para ela, todo mundo era honesto e justo, até prova em contrário. O dinheiro apurado com o leilão de nossa boiada, não chegou para o meu padrasto gastar na jogatina...”. “Morávamos em Januária, na rua em que se ia para a Boa Vista, perto dos bondes de madeira, puxados a bois, de propriedade de um espanhol chamado Rafael”. “Nessa rua, porta com porta com a nossa casa, morava uma amiga de minha mãe, chamada Dona Ana Joaquina, casada com o Senhor Luiz Ciríaco, conhecido como “Luiz Ciriêco”. Ela era minha mãe (ama) de leite”. “Todos os dias, à tardinha, eu carregava água do Rio São Francisco, em uma lata de vinte litros, para a minha casa e para a casa de Dona Ana Joaquina. Eu enchia quatro potes, sendo duas latas para cada pote”. “Meu padrasto comprava e matava porcos para serem comercializados. Minha mãe fabricava chouriço, lingüiça, doce de buriti e de banana. A carne suína, seus derivados, e os demais produtos fabricados em casa, eram vendidos por mim”. “Até a idade de treze anos, fui criado como tratador dos animais (cavalos) de meu padrasto. Lavava-os duas vezes ao dia, conduzindo-os para o pasto à tarde, onde pernoitavam. No dia seguinte, bem cedo, todo o serviço era repetido e, assim, sucessivamente”. “Certo dia, num momento de distração, acerquei-me de um cavalo recém-adquirido pelo meu padrasto. Ao alisar suas ancas, o animal virou-se para trás, raivoso, com a intenção de morder-me”. “Eu tentei escapar da investida, mas fui alcançado pela força de sua pata, ao receber um tremendo e horroroso coice, indo eu cair, semimorto, a vários metros de distância, bem no meio da rua. Ferido no pé direito, só fui sarar-me um ano depois...” “Noutra ocasião, eu e um companheiro meu fomos levar os cavalos de meu padrasto para o pasto. Na volta para casa, vimos um carro de bois, lotado de cana-de-açúcar, sendo despejado nas dependências de um engenho e paramos para observar a cena, por alguns instantes”.


“Entretido com o descarregamento da cana-de-açúcar, não percebi quando meu companheiro se desapartou de mim. Não sei se foi por brincadeira ou por maldade, só sei que, ao chegar em casa, ele falou uma inverdade para minha mãe, tendo ela acreditado nele”. “Meu companheiro disse para minha mãe que eu estava carregando cana-de-açúcar para ganhar dinheiro... Por incrível que pareça, essa informação imprópria, inexata, me causou sérias conseqüências: logo que cheguei em casa, sem ter nenhuma culpa, apanhei tanto, mas tanto...”. “Meu padrasto era viciado em jogo de azar (ou de apostas). Abusando da inocência e da confiança de minha mãe, ele acabou na jogatina com tudo o que ela e eu tínhamos recebido de herança de meu pai e de meus avós”. “Incansável, minha mãe trabalhava dia e noite fazendo bolos e doces para vender e, com o dinheiro arrecadado, poder pagar as despesas da família. Não sabia ela, entretanto, que seu desprendimento e boa-fé contribuía, também, para sustentar o mau hábito de seu marido”. “Meu padrasto plantava arroz e feijão em Santo Antônio, um lugarejo que ficava perto de Brejo do Amparo. Também plantava mandioca e algodão no Barro Alto, em um lugar chamado Pedra Grande”. “Em Santo Antônio, meu padrasto possuía, também, um canavial. Sua cana-de-açúcar era moída no engenho de seu irmão Leolino Batista, onde, igualmente, era fabricada a cachaça”. “Da cachaça ele tirava as primeiras cabeças (a parte mais nobre) reservando-as para tomar antes do almoço e antes do jantar. Foi meu padrasto quem me ensinou a beber pinga e a fumar”. “Para que isso acontecesse, quando eu ainda era pequeno, na hora das refeições, ele me colocava em cima da mesa e me dava alguns goles da bebida em seu caneco. Depois, mandava-me acender seu cigarro...”. “Todos os anos meu padrasto, minha mãe e eu, íamos para Santo Antônio preparar o terreno para a plantação. Esse terreno ficava perto de umas mangueiras velhas e era banhado por um riacho, o mesmo que atravessava o Brejo do Amparo”. “Ao meio dia, ao som maravilhoso do canto dos sabiás, íamos comer rapadura com farinha, à sombra das árvores, à beira desse


riacho. Antes de voltarmos para o trabalho, bebíamos de sua água pura e fresca”. “Quando o arroz começava a soltar seus pendões, nós voltávamos a Santo Antônio para vigiá-lo contra a ação dos passarinhos, sendo essa a minha principal tarefa. Nessa função, eu percorria toda a roça muitas vezes ao dia”. “Nos breves momentos de folga, eu fugia do sol causticante, descansando à sombra das mangueiras velhas. Por ter um grande medo de cobra, eu ficava aterrorizado só de ouvir suas folhas secas, caídas no chão, se agitarem com o vento”. “Meu padrasto tinha uma sobrinha chamada Chiquinha, filha de seu irmão Leolino Batista. Em nossas fantasias de criança, costumávamos brincar de casinha e de marido e mulher... Tanto eu, quanto ela tínhamos, nessa ocasião, aproximadamente, oito anos de idade”. “Os anos se passaram e muita coisa aconteceu nas nossas vidas. Vivemos, afastados, grande parte da nossa infância e adolescência. Em 1918, finalmente, nos reencontramos. Ela já moça feita e eu um rapaz ajuizado. Nesse reencontro tentamos iniciar um namoro que não foi avante”. “Na enchente do Rio São Francisco, de 1906, eu estava com sete anos de idade. Enquanto o rio invadia e inundava as ruas e casas da cidade, causando estragos e prejuízos enormes à sua população, eu brincava, inocentemente, com suas águas barrentas, fazendo marcações na areia com um pedaço de galho seco”. “Meu padrasto gostava de caçar, tendo em casa, para essa finalidade, todos os apetrechos necessários. Nos seus guardados, para a prática desse esporte, havia facão, espingarda, cartuchos, soquete, chumbo e, evidentemente, pólvora”. “Minha mãe tinha o hábito de descansar depois da refeição. Certo dia, depois do almoço, ela deixou um tacho de sabão no fogo e foi se deitar. Astucioso, aproveitei a ocasião para malignar”. “Peguei o polvorinho de meu padrasto, cheio de pólvora, e um tição aceso. Ao encostar o pedaço de lenha em brasa na pólvora derramada no chão, a mesma começou a explodir, de modo incontrolável, apavorando-me e queimando meus braços...”.


“Mais ou menos em 1908, meu padrasto alugou um paquete com o objetivo de comercializar mercadorias ao longo do Rio São Francisco, desde Pirapora até a Bahia, e contratou quatro remeiros”. “O paquete fez a sua primeira viagem descendo o rio. Carregava cinqüenta garrafões de cachaça, vinte sacos de farinha, dez bolas de fumo e muitas rapaduras”. “À bordo, abrigados por um toldo, que nos protegia do sol abrasador, também viajavam minha mãe, eu e a nossa cachorrinha de estimação”. “A embarcação passou por Jacaré, Morrinhos, Manga, Carinhanha, Bom Jesus da Lapa e Urubu (ou Rio Branco). Em cada porto meu padrasto vendia e comprava parte de sua carga”. “No trajeto de volta para Januária, o paquete transportou querosene, sal, chapéus de palha, esteiras e muitas outras miudezas, adquiridas dos ribeirinhos pelo meu padrasto”. “Para a subida do rio até Pirapora, meu padrasto carregou o paquete com mil e quinhentas rapaduras, vinte sacos de farinha, três garrafões de cachaça, dentre outras mercadorias”. “Nessa viagem, o paquete deslocou-se ora com o pano (vela) desfraldado, impelido pelo vento, ora empurrado pelas varas (remos), manobradas pelos quatro remeiros”. “A viagem transcorreu normalmente, de Januária até Pedras de Maria da Cruz. Daí até a cidade de São Francisco, o paquete prosseguiu seu caminho, também, sem maiores novidades”. “Três léguas depois de São Francisco, o paquete, que singrava à vela, sofreu uma manobra inábil do piloto, após uma rajada de vento, enchendo-se de água e afundando-se”. “Seu resgate e atracação na margem do rio foi feito através de grossas e compridas cordas, após árduas e arriscadas manobras, executadas pelos remeiros e por ribeirinhos que, generosamente, acudiram aos apitos de socorro do paquete”. “Meu padrasto providenciou a secagem da farinha no forno. Os garrafões de cachaça nada sofreram. Após o conserto das avarias do paquete, continuamos a viagem para São Romão e Extrema”.


“Na cidade de Pirapora recarregamos o paquete e retornamos para Januária. A viagem de volta, rio abaixo, foi feita só com a utilização dos remos”. “Em 1909, quando eu tinha dez anos de idade, apareceu, em Januária, a peste da bexiga preta e branca, conhecida, hoje, como varíola. A bexiga preta foi a que mais gente matou na cidade”. “Essa epidemia causava febre alta e erupções purulentas na pele, que evoluíam para feridas, se não devidamente tratadas. Também costumavam deixar horrendas cicatrizes nas pessoas atacadas por ela”. “Minha mãe esteve doente, nessa ocasião, atacada pela bexiga branca. Enquanto eu não saia dos pés de sua cama, durante todo o tempo em que esteve acamada, meu padrasto mal chegava à porta do quarto onde ela se encontrava...”. “Entre 1909 e 1910 (não me lembro bem), apareceu no céu de Januária, do lado Norte, uma grande estrela com cauda. Ela surgia, sempre, por volta das vinte horas. Isso aconteceu durante mais de cinco dias seguidos”. “Meu padrasto viajou para Pirapora e, daquela cidade, escreveu para minha mãe pedindo que ela fosse ao seu encontro. Assim foi feito. Minha mãe e eu viajamos para lá levando três sacos cheinhos de buriti”. “Chegamos em Pirapora ao anoitecer e fomos para a casa de Dona Joana Fogueteira. Nessa mesma noite, meu padrasto viajou para a capital paulista. Foi acompanhado de outra mulher...”. “Depois de algum tempo em São Paulo, meu padrasto passou a escrever cartas para minha mãe. Em todas elas ele alegava não poder retornar a Minas Gerais, por falta de dinheiro para pagar as despesas de viagem”. “Minha mãe, então, paciente e interruptamente, passava seus dias e horas fazendo doce de buriti e bolinhos fritos de fubá e de arroz que eram vendidos, por mim, aos trabalhadores da ponte metálica que estava sendo construída na cidade pela Estrada de Ferro Central do Brasil”. “Lembro-me de minha pobre mãe, sempre com um cachimbo na boca, grudada ao seu fogão de lenha, trabalhando, dia e noite, como uma desesperada, tentando, em vão, ajuntar o dinheiro


necessário para que meu padrasto pudesse regressar de São Paulo e se reunir à família”. “Em 24 de novembro de 1912, infelizmente, minha mãe veio a falecer, deixando-me órfão de pai e mãe. Na ausência de meu padrasto, que ainda não havia regressado de São Paulo, os funerais de minha mãe foram providenciados por Augusto, filho de Dona Joana Fogueteira”. “Ao ser informado do falecimento de minha sofrida mãe, meu padrinho João Ribeiro apressou-se em enviar um telegrama para a Dona Joana Fogueteira, pedindo que ela me retornasse para ele, em Januária, com a urgência possível”. “Em princípio, Dona Joana Fogueteira relutou em atender ao pedido de meu padrinho, por causa das despesas de funeral de minha mãe, feitas por seu filho, sem o devido ressarcimento. Entretanto, tendo sido consultado o Juiz de Menores da cidade, este determinou a minha entrega imediata”. “Nessa ocasião, tinha eu treze anos de idade. Morei sob a custódia de meu padrinho João Ribeiro durante oito anos, ou seja, até completar a idade de vinte e um anos, quando saí de sua casa para casar-me com minha prima Tunica”. “Logo após ter-me retornado de Pirapora, meu padrinho João Ribeiro colocou-me na escola do Professor Benedito Casqueiro, tendo freqüentado suas aulas durante um ano”. “Em seguida, meu padrinho colocou-me na tenda do Pancrácio, a fim de aprender a fabricar móveis de madeira. Foi tão proveitoso esse período de aprendizado, que, depois de algum tempo, deixei a mesma como profissional de marcenaria”. “Tempos depois, já como profissional de marcenaria, consegui emprego na tenda do Senhor Benedito Casqueiro Sobrinho. Nessa tenda, meu serviço era serrar grossas toras de madeira...”. “Eu gostava de brincar de entrudo (o carnaval do meu tempo), que consistia em jogar água nos outros, especialmente, nas pessoas distraídas, através de bacias, tigelas ou canecos”. “Também jogava nos outros laranjinhas feitas de cera, contendo água com cheiro de rosas. Mas esse não era o único perfume disponível. Havia, igualmente, outras laranjinhas com essências variadas”.


“Um dia, minha tia França e eu fomos assistir, no Brejo do Amparo, os festejos do Divino Espírito Santo, Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. Foi uma semana de festas e ficamos hospedados na casa de Henrique Pereira”. “Num desses dias, Chiquinha, a filha de Leolino Batista, sobrinha de meu padrasto, entrou na casa em que estávamos, toda esbaforida, chamando por minha tia: “Dona França...” “Dona França...” Dona França...” “Ao ver-me, Chiquinha ficou perturbada, deu meia volta e saiu em desabalada correria pelas ruas do Brejo. Preocupado com o seu repentino aparecimento, e sem entender o motivo de sua reação, fui em seu encalço, tentando chamá-la, para podermos conversar, mas ela não ouviu (ou não quis atender) meus gritos, prosseguindo seu caminho”. “Meu padrinho João Ribeiro tinha quatro canoas novas para vender e eu mais meus primos Manoel, José, Joaquim, Francisco e Gabriel, gostávamos de passear nelas no Rio São Francisco”. “Íamos para as vazantes comer melancia, seguindo, depois, até Pedras de Maria da Cruz. De lá, voltávamos para Januária e ficávamos brincando e nadando nas águas do rio”. “Certa vez, meu primo Juca (apelido de José) quase morreu afogado nas águas volumosas do rio. Foi salvo por Deus, por mim e por um rapaz, nosso desconhecido, que lhe estendeu um remo para lhe servir de apoio”. “Com meus primos Manoel e Juca, eu gostava de ir, aos domingos, buscar tamarindo na ilha. Saíamos de Januária às quatro horas da manhã, chegando ao destino entre seis e sete horas”. “Enchíamos três sacos de linhagem com a fruta e voltávamos com os mesmos na cabeça. A fartura era tanta que comíamos sua polpa, bebíamos seu suco e dávamos tamarindo para todo mundo que nos pedisse e, ainda, tínhamos tamarindo por muito tempo...”. “Quando solteiro, era meu costume freqüentar a Quinta de Antônio Italiano para banhar-me. Por incrível que pareça, eu só fazia isso às quatro horas da manhã...”. “Entre 1916 e 1918, Januária foi atingida pela Gripe Espanhola. Sua população podia andar despida pelas ruas da Cidade que ninguém reparava... Infelizmente, essa doença deixou uma grande quantidade de mortos”.


“Em 1919, mais uma enchente do Rio São Francisco causou enormes prejuízos à Januária. Dessa vez, a penetração de suas águas na cidade foi tão grande, que parte de sua população teve que se refugiar no Brejo do Amparo, inclusive a família de meu padrinho”. “Eu não ia amiúde à casa de minha tia Ambrosina, pois ela residia no Brejo do Amparo e eu morava em Januária, na casa de meu padrinho João Ribeiro. Passei a visitá-la, quando me interessei por Tunica, minha prima”. “Já tinha completado um mês que eu, uma vez por semana, freqüentava a casa de Tunica, quando, numa das minhas últimas visitas, meu primo Lúcio, o filho mais velho de minha tia Ambrosina, convidou-me para acompanhá-lo até um canavial da família, pois precisava falar comigo”. “Pelo caminho, Lúcio indagou-me se era meu desejo casar-me com Tunica, tendo ele recebido, no mesmo momento, a minha resposta afirmativa. A partir desse instante, minha paquera com Tunica tornou-se compromisso de casamento”. “Devo esclarecer que, na ocasião relatada no texto anterior, minha tia Ambrosina já era viúva de meu tio Cícero, falecido em 05 de outubro de 1916, motivo pelo qual meu primo tomou a iniciativa de interpelar-me, na condição de filho homem mais velho, maior de idade, e responsável pelo bem-estar da família”. “Meu padrinho João Ribeiro, entretanto, não quis aceitar a nova situação, de imediato. Durante um ano e meio ele protelou a autorização para o nosso casamento. Enquanto isso, toda semana, de sábado para domingo, eu ia para a casa de minha prometida”. “Eu dormia na casa da velha Teodora, mãe de meu padrinho João Ribeiro. Entretanto, sua casa era tão pequena, tão pequena, que no quarto onde eu me agasalhava mal cabia uma mala com a minha roupa e a cama que eu próprio fabriquei”. “Talvez por causa da ansiedade que eu sentia e deixava transparecer, talvez pela distância a ser percorrida a pé, era habitual exagerar-me no horário de saída de casa, partindo para o Brejo do Amparo ainda com a escuridão da noite e respirando a brisa da madrugada”. “Meu trajeto forçava-me a percorrer seis quilômetros de estrada de terra, isolada e silenciosa e a passar por dois cemitérios de Januária e um de Brejo do Amparo. Certa vez, sem dar por fé,


deixei a casa da velha Teodora, com destino à casa de Tunica, por volta de zero hora...”. “Passei pelos dois cemitérios da cidade e segui em frente. Quando cheguei ao “Areão do Diogo”, eu ouvi, nitidamente, o roncar de uma porca num matagal ao lado, parecendo que ela vinha em minha direção”. “No mesmo instante, meu cabelo arrepiou, meu coração disparou, minhas pernas vacilaram... Tentava gritar, minha voz não saia. Tentava correr, não conseguia. Parecia que eu estava vivendo um pesadelo... “Valha-me Nossa Senhora do Amparo”, pensei, apavorado! E, enterrando o chapéu na cabeça, rezei, com fé, o “Creio em Deus Pai”. “Milagrosamente, quando terminei a oração do credo, a porca parou de roncar e foi embora, deixando-me o caminho livre para prosseguir em paz, já refeito do enorme susto. Cheguei em Brejo do Amparo beirando duas horas da madrugada, completamente molhado de suor e tremendo feito uma vara verde, em dia de vendaval”. “Penalizada com a minha situação, e preocupada com os perigos aos quais eu estaria exposto, indo para o Brejo em plena madrugada, a velha Teodora resolveu interceder por mim junto a seu filho, conseguindo de meu padrinho, finalmente, o consentimento, necessário, para a realização das minhas núpcias”. “Cumpridas as formalidades legais e religiosas, no Cartório e na Igreja, Tunica e eu nos casamos no dia 10 de janeiro de 1920, às dezesseis horas, na residência de minha tia Ambrosina, então com quarenta e sete anos de idade, onde, em seguida, passamos a morar, provisoriamente”. “Um mês depois do nosso casamento, mudamos para a nossa própria casa, ainda em Brejo do Amparo, adquirida com as minhas economias. A partir daí, passei a trabalhar em minha residência, por minha conta, como folheiro (o mesmo que funileiro ou latoeiro)”. “Meu trabalho consistia em produzir, artesanalmente, em folha-de-flandres, objetos de uso doméstico para serem vendidos no atacado e no varejo, por encomenda ou não. Com sorte e muita peleja, preparava e vendia dúzias desses objetos, por semana”. “Popularmente, conhecida como lata, essa lâmina de ferro estanhado era usada, por mim, para o fabrico de bules, chaleiras, canecas, tabuleiros para fornos, formas para bolos, cuscuzeiros, candeias e muitas outras utilidades domésticas”.


“Num determinado dia da semana, de madrugada, de acordo com os compromissos assumidos e o avanço da produção, Tunica preparava um ou dois sacos de linhagem e neles colocava todo o vasilhame fabricado por mim, indo eu vendê-lo (ou entregá-lo) em Januária, logo após tomar meu café”. “Ia eu a pé para a cidade, sob a luz das estrelas, saindo de Brejo do Amparo por volta das quatro horas da manhã. Procurava distrair-me, durante o percurso de seis quilômetros, ouvindo os galos cantarem, anunciando a proximidade da aurora... Graças a Deus, minha produção era toda adquirida pelo Senhor Firmo Ribeiro, irmão de meu padrinho”. “Com o resultado da venda eu comprava, em seu próprio estabelecimento comercial, o material necessário para executar, durante mais uma semana, novas obras com folhas-de-flandres. Ao meio dia, sem almoço, cansado de tanto andar a pé, mas feliz com o resultado de meu trabalho, voltava para casa, onde chegava por volta das quatorze horas”. “Em agosto de 1920, Lúcio, meu primo e agora, também, cunhado, convidou-me para acompanhá-lo no preparo de um roçado, no Peregrino, para trabalhar de meia. Por considerar a proposta proveitosa, aceitei, de imediato. Juntos, limpamos, queimamos e encoivaramos o terreno. Depois, plantamos”. “A quentura do fogo, entretanto, não me fez bem, pois peguei, em seguida, uma forte constipação, que me deu muito trabalho para debelar. Quanto ao roçado, seu resultado, no primeiro ano, não foi como nós esperávamos, mas foi boa a produção de maxixe”. “Em 03 de setembro de 1921, nasceu nossa primeira filha. Seu nome seria Hermenegilda, em homenagem à minha mãe. Contudo, por não ter ouvido bem, o escrivão do Cartório registrou nossa filha como Ermelinda. Tunica e eu só fomos saber do engano muito tempo depois. Como não havia possibilidade de conserto, assim ficou”. “Como Tunica teve problemas com a sua primeira lactação, não conseguindo produzir o leite necessário para o sustento de nossa filha Ermelinda, ela pediu e obteve a ajuda de uma sua amiga, residente em Brejo do Amparo”. “Embora muito atenciosa e prestativa, essa amiga de Tunica se esqueceu de nos informar, entretanto, que já se encontrava no terceiro mês de gravidez... Após ter sido amamentada com seu leite, Ermelinda passou a sentir cólicas e chorava de fazer dó, dia e noite, deixando-nos muito preocupados”.


“Tunica e eu, então, resolvemos levar Ermelinda a um médico, em Januária, nos dirigindo ao consultório do Doutor Sales. Solícito, ele fez indagações, examinou nossa filhinha com cuidado e receitou o remédio necessário, causando-nos um grande alívio”. “Aproveitei a ocasião e pedi ao Doutor Sales que me examinasse, também. Após as indagações e os exames habituais, ele me falou que eu tinha um problema no coração, proibindo-me de subir morros e andaimes. Infelizmente, nunca pude cumprir a determinação desse prestigiado médico...”. “Em 15 de abril de 1923, nasceu a nossa segunda filha, a quem resolvemos registrar com o nome de Ambrosina. A escolha de seu nome teve o triplo sentido de homenagear a pessoa que era, ao mesmo tempo, mãe de Tunica, minha tia e minha sogra”. “Em 15 de julho de 1924, nasceu o nosso primeiro homem, a quem registramos como Henrique, em homenagem a um dos grandes santos da Igreja Católica, cuja festa é celebrada no dia treze do mesmo mês. Santo Henrique II teve uma linda história de vida, tanto profana quanto sagrada. “Na sua vida profana, Santo Henrique II foi Rei da Alemanha, Rei da Itália e Imperador do Sacro Império Romano Germânico. Na vida sagrada (ou religiosa) teve uma excelente educação cristã, inspirando sua vida num alto modelo de religiosidade e integridade de costumes”. “Santo Henrique II teve como esposa a virtuosa Santa Cunegundes, princesa de Luxemburgo, que foi sobrinha de Santa Edwiges e de Santa Inês de Praga; prima de Santa Isabel de Portugal e tia de São Luís de Tolosa. Ela é a padroeira de Luxemburgo, da Lituana e da Polônia”. “Santo Henrique II pertenceu a uma família, extremamente, religiosa. Um de seus irmãos, Bruno, tornou-se Padre e depois Bispo de Augusta. Das irmãs, Brígida fez-se monja e Gisela, bemaventurada da Igreja, foi esposa de Santo Estêvão I, Rei da Hungria”. “Em março de 1926, eu vim a Belo Horizonte, em companhia do compadre João Ferreira da Cruz, em busca de um futuro melhor para a minha família. Fiquei hospedado na casa de seu pai, Antônio Ferreira, que morava no Distrito de Venda Nova”. “João Ferreira da Cruz era o marido de Maria Antônia Carneiro, conhecida por “Maria Ferreira”, que morava na Roda D’Água. Ela era


irmã de Elísia, Joana e Gerônima. As duas últimas foram casadas com meu primo, cunhado e compadre Lúcio Rodrigues da Rocha”. “Entre a vinda e a volta, minha viagem a Belo Horizonte durou um mês, apenas. Não fiquei mais tempo porque Venda Nova, onde eu estava hospedado, localizava-se muito distante da bonita Capital, obrigando-me a andar a pé durante horas intermináveis, para tentar encontrar o tão sonhado emprego”. “Em 24 de dezembro de 1926, véspera de Natal, quando, ainda, morávamos em Brejo do Amparo, nasceu nosso segundo filho homem a quem demos o nome de Manoel do Nascimento, em homenagem à Natividade de Jesus. Infelizmente, esse nosso filho brejino faleceu poucos dias depois”. “Quando minha tia e sogra Ambrosina Rodrigues Ferreira faleceu, eu mudei nossa residência para Januária, onde continuei a trabalhar, artesanalmente, com folhas-de-flandres. Trabalhava dia e noite para dar conta da produção necessária”. “Fomos morar em uma casa de propriedade de meu padrinho João Ribeiro. A partir daí, além da produção de peças feitas com as folhas-de-flandres, que era a minha principal atividade econômica, passei a fundir culatras para espingardas, também”. “Em Januária, tínhamos como vizinho um homem boníssimo, que era pescador profissional. Ele era considerado, por mim e por Tunica, um anjo enviado por Deus para nos ajudar. O que ele fazia? Toda semana ele nos presenteava com pescados de diversas espécies, como piranha, dourado, corvina e vários outros peixes”. “Em 23 de fevereiro de 1927, nasceu nossa terceira filha, que, no Cartório e na Pia Batismal recebeu o nome de Faustina Rodrigues Torres, em homenagem à nossa avó de igual nome: materna de Tunica e paterna minha”. “Em 1928, por questões políticas, mataram o Senhor Janjão, filho de Dona Adelaide de Souza Ferreira, que pertencia ao Partido do Escuro. Em conseqüência desse infausto acontecimento, Januária recebeu quase um batalhão de soldados”. “Os militares ocuparam a cidade de Januária por mais de um mês e o seu comércio, nesse período, foi bastante prejudicado. Até eu fiquei com as prateleiras de minha oficina repletas de obras de folhas-de-flandres, aguardando compradores”.


“No dia 07 de junho de 1928, ainda em Januária, nasceu o nosso terceiro filho homem que, no Cartório e na Pia Batismal, recebeu o nome de Cícero, em homenagem a seu avô materno. Infelizmente, por ter nascido muito doentinho, não conseguiu sobreviver, apesar de todo o nosso amor e paciente cuidado. Faleceu em Venda Nova, no dia 25 de janeiro de 1929”. “Em 01 de setembro de 1928, eu e Tunica decidimos mudar para Belo Horizonte, acreditando na possibilidade de termos aqui uma vida melhor. A viagem de Januária até a Capital Mineira durou seis dias. De vapor (subindo o rio) fomos até Pirapora e lá embarcamos numa composição da Estrada de Ferro Central do Brasil”. “Chegamos em Belo Horizonte, numa radiosa manhã. Nosso coração palpitava de ansiedade. Deixei Tunica e nossos cinco filhos pequenos numa pensão e fui percorrer os arredores, na esperança de encontrar-me com algum conterrâneo que pudesse nos dar abrigo, por alguns dias, sem obter resultado. Por não conhecer a cidade e não ter o endereço de ninguém, não tive coragem de insistir nessa idéia, retornando à pensão”. “Apreensivo, resolvi apelar para Deus, nosso extremoso pai do céu, e para a bondade de Antônio Ferreira. Contratei um caminhão e, na tarde desse mesmo dia, sem mais delonga, parti com a família para Venda Nova. Em sua casa, fomos acolhidos, generosamente, durante um mês”. “A partir desse mesmo dia, começou uma nova etapa de minha vida e da vida de minha família. Uma etapa árdua, inquietante, curtida, dia após dia, na obsessão, na obstinação, na necessidade premente, no sacrifício, na renúncia, no sofrimento, na ilusão, na desilusão, na tristeza e na alegria. Mas, sobretudo, na vontade férrea, hercúlea, de vencer, de possuir o galardão da vitória”. “Vitória adquirida, ao proporcionar (com as bênçãos de Deus), melhores condições de vida e saúde à minha família, através da alimentação e da assistência médica. Vitória alcançada, ao oferecer a meus filhos um futuro promissor, através de emprego fixo, melhor remunerado. Afinal, foi para isso que deixamos o Sertão. Foi para isso que deixamos nosso querido Brejo do Amparo”. “Moramos em Venda Nova, então pertencente à cidade histórica de Sabará, durante os primeiros quatro anos. Finalmente, no dia 26 de dezembro de 1932, mudamos, definitivamente, para Belo Horizonte. Nossa história, a partir daí, se Deus permitir, será contada na segunda parte destas minhas memórias”.


FIM DA PRIMEIRA PARTE

EM BUSCA DO ELO PERDIDO

Em uma carta circular dirigida à nossa parentela, datada de 07 de dezembro de 2005, divulgando posicionamentos e avanços do nosso Projeto Memória, fiz a seguinte explanação: “Você já deve ter percebido, pelo que lhe contei até agora, que tenho motivo, de sobra, para estar feliz! E, realmente, estou feliz! Muito feliz mesmo! Aos poucos, devagarzinho, com paciência e perseverança de Jó, eu estou conseguindo levantar toda a nossa descendência e, também, desvendar um pouco da história de nossos queridos antepassados e de Brejo do Amparo, onde tudo começou. Mas minha felicidade não para por aqui! Tem mais! Muito mais! Uma das minhas maiores preocupações, existentes desde que eu abracei esta nobre causa, foi recuperar o elo com a família de nossa tia materna Maria Rodrigues da Rocha, casada com Josino dos Santos, através de seus descendentes. Elo esse perdido, lamentavelmente, por ocasião do prematuro falecimento de nosso primo Teodolino, um dos três filhos do casal, e da cessação das viagens a São Paulo de nossos primos, adolescentes, filhos de nossa tia materna Laudelina Rodrigues da Rocha (Laudi), em busca de trabalho remunerado. Ao nos visitarem no Bairro Esplanada, aqui em Belo Horizonte, onde morávamos, nossos primos nos serviam de mensageiros, trazendo e levando notícias nossas. Quanto aos nossos parentes paulistanos, embora eu não os conhecesse, não soubesse quantos eram, nem onde moravam, sempre acreditei que minha tia materna Maria havia deixado netos e bisnetos. O nosso problema, crucial, era, justamente, como localizá-los “na mais populosa cidade do Brasil, do continente americano e de todo o hemisfério sul”, pois não tínhamos seus endereços residenciais e não conhecíamos ninguém que os pudesse indicar, com precisão. A primeira e única vez que vimos nosso primo Teodolino era eu ainda criança. Provavelmente, não tinha dez anos de idade (hoje – dizia eu na carta circular – tenho 65). Mesmo assim, guardo uma forte recordação dele. É uma imagem muito nítida, muito clara. Dizem os educadores que as crianças têm uma capacidade muito grande de reter, na memória, as cenas que presenciam. Por experiência própria, confirmo essa opinião! Ela é, absolutamente, verdadeira! Ainda hoje, me lembro de tudo (ou de quase tudo) vivido por mim nos anos dourados da minha infância e pré-adolescência. E olhe que eles já se perderam de vista há muito


na curva do tempo! Ainda que, por incrível que pareça, de coisas muito mais recentes eu me esqueça facilmente...”.

DISTANCIAMENTO INVOLUNTÁRIO

“Por que esse meu interesse por tia Maria e pelo seu povo? (pergunto na referida circular). Porque (respondi, em seguida) ela era a única irmã de mamãe cujos descendentes ficaram, completamente, afastados e isolados de sua parentela belorizontina, numa época em que as comunicações mais populares (correio e telefone) eram muito precárias. São mais de cinqüenta anos sem notícia alguma – reafirmei! Nem deles para nós, nem nossa para eles! Todo esse tempo foi passado num total (mas involuntário) distanciamento. Até hoje, no ramo belorizontino, a respeito deles, ninguém sabe nada de ninguém! Tanto eles quanto nós, nascemos, crescemos, casamos, temos filhos, netos, e estamos nos envelhecendo sem, ao menos, sabermos da existência uns dos outros. É um absurdo que isso tenha acontecido, você não acha? (perguntei na citada carta-circular). E, continuando, afirmei: Pois aconteceu! Infelizmente, essa é a verdade! Uma triste realidade que não temos como negar, nem apagar de nossa memória. Portanto, minha preocupação com eles é justificada e tem o objetivo de corrigir essa situação inusitada e vexatória. Pelo menos de agora em diante! Nunca é tarde para se consertar um erro, não é verdade? (arrisquei a perguntar de novo). Estou tentando fazer a minha parte! Espero, em Deus, que meus esforços dêem ótimos resultados!... No início deste texto (continuava eu, ainda, na cartacircular) prenunciei uma oitava novidade, vocês se lembram? Pois, então, vamos a ela. Com a graça de Deus (e a inestimável ajuda de um anjo), estou conseguindo, finalmente, tornar real um de meus grandes sonhos! Estou realizando o que me parecia ser uma missão impossível. Você acredita que consegui localizar, na Vila Santa Clara, em São Paulo, o endereço de uma neta de tia Maria? Pois acredite! É verdade! Eu o localizei! E, através desse endereço, descobri que tia Maria deixou não só uma neta, mas seis netos! Seis!... Cinco mulheres e um homem! Todos casados! Todos com filhos! Todos com netos! Todos filhos de Benedita (conhecida por Dita), filha de nossa tia materna Maria Rodrigues da Rocha (que, depois de casada, passou a assinar Santos)! Seus nomes: Olindina, Edite, Eunice, Elza, João e Helena. São nossos primos em segundo grau! Não é maravilhoso? Não é motivo de muita, mas muita alegria mesmo? Tenho certeza que sim! Tenho certeza que você vai concordar e compartilhar dessa alegria comigo!... Estou deveras radiante e emocionado! E muito agradecido a Deus e ao anjo que Ele mandou


para ajudar-me nessa busca incessante, exaustiva, mas de final feliz!”. (Até aqui transcrevi o relato da carta-circular supracitada).

NUMA ESPLENDOROSA MANHÃ...

Tão logo obtive o endereço da neta de tia Maria Rodrigues dos Santos, que estava a passeio em Januária, mandei um envelope, via Sedex, para a Vila Santa Clara, São Paulo, contendo uma cartacircular para cada um dos seis primos. Algum tempo depois, numa linda noite de luar, pouco antes de recolher-me, recebi, comovido, um atencioso telefonema de nossa prima Eunice Monteiro Ojeda, destinatária da minha correspondência. Enternecido, eu mal conseguia articular minhas palavras ao telefone! Eu não falava, gague-ja-va!... Fiquei entusiasmadíssimo com o que estava sucedendo. Para mim, um verdadeiro milagre! Durante a nossa conversa, que foi agradabilíssima, Eunice se comprometeu não só responder a carta que lhe enderecei e a dar informações sobre todos os seus irmãos, como, também, a mandar-me fotos de todos os seus familiares. A promessa feita por nossa prima Eunice, por ocasião daquele abençoado telefonema foi cumprida, integralmente, e o foi de um modo surpreendente e excepcional. Numa esplendorosa manhã, num gesto de extrema bondade, benevolência e cortesia, Eunice desceu do ônibus que a trouxe de São Paulo, na Rodoviária de Belo Horizonte, irradiando esfuziante e peculiar simpatia. (Eu estava lá para recebê-la com o coração saltitante de emoção). Ela veio reatar o elo perdido entre nossas famílias, trazendo, em sua bagagem, conforme o prometido, as informações de sua família, de cada um dos seus cinco irmãos e um CD de fotos, que vieram enriquecer o nosso modesto trabalho. Como um brinde precioso e raro, trouxe, também, o manuscrito de suas memórias. Por cumprirem, com louvor, os objetivos do nosso Projeto Memória, servindo, inclusive, como um belo exemplo às atuais e futuras gerações (como tenho preconizado), as mesmas serão reproduzidas, integralmente, a seguir:


RECORDAÇÕES QUE O TEMPO NÃO APAGOU

Eunice Monteiro Ojeda

QUEM SOU EU “Meu nome de batismo é Eunice Monteiro de Lima. Na ordem de nascimento, sou a terceira filha de Benedita Rodrigues dos Santos e João Monteiro de Lima; neta de Maria Rodrigues da Rocha e Josino dos Santos; bisneta de Cícero José da Rocha e Ambrosina Rodrigues Ferreira; trineta de Lúcio José da Rocha e Joana Leonilda da Rocha e de Antônio Rodrigues Ferreira da Costa e Faustina Rodrigues Torres e tetraneta de Antônio Gaspar Torres e Ana Rodrigues. Em 22 de março de 1958 casei-me com Isidoro Ojeda Garcia, natural de Madrid, Reino da Espanha, daí advindo o meu sobrenome Ojeda”.


Nossa prima (filha de Tia Maria) Benedita Rodrigues dos Santos e seu esposo Jo達o Monteiro de Lima. Foto cedida por sua filha Eunice.


FILHOS E NETOS “Tenho três filhos que são o meu encanto, a minha fascinação, o meu deslumbramento. São a razão do meu viver. São duas mulheres e um homem. São eles: Maria de los Angeles Ojeda Monteiro, Anaí Ojeda Monteiro Nagy e Marcos Ojeda Monteiro. Todos adultos. A primeira é solteira. Os dois últimos são casados. E tenho quatro netos que adoro: Juliana e Rafael (de Anaí) e Felipe e Laís (de Marcos)”. MEU TRABALHO “Encontrei alguma dificuldade para redigir estas lembranças, porque a minha memória, infelizmente, já não é mais tão boa quanto a de um jovem (quem me dera fosse...). Aos poucos, porém, as mesmas foram aflorando em minha mente, e foram se desabrochando e me envolvendo num turbilhão de entusiasmo, até chegar ao ponto em que estão. Meu trabalho não terminou. Há muito que se escrever, ainda. No decorrer do tempo, seu texto será aperfeiçoado e novas informações serão acrescidas, com certeza”. MOTIVAÇÃO “Graças a Deus, sou dotada de ótima disposição física e mental, apesar das minhas primaveras... Tenho motivação bastante para inquirir, investigar, registrar, por tratar-se da história de vida de meus pais, e da história de minha infância, principalmente, a vivida em Brejo do Amparo, terra natal de mamãe, que quero deixar contada para meus netos, bisnetos, trinetos... Além disso, o assunto é fascinante e mexe com meus mais profundos e variados sentimentos”. MUITO ESPERTA “Mamãe falava muito pouco de seu passado para seus filhos. Portanto, se eu quero conhecê-lo, devo buscá-lo, devo correr atrás, puxando pela minha memória, inquirindo, indagando, investigando. É o que tenho feito, nos últimos tempos. Lembro-me de algumas coisas que escutei, por acaso, quando mamãe conversava com suas amigas. Nessa ocasião, eu era ainda bem pequena, mas já muito esperta...”


OUVINDO COISAS “Tinha eu de seis a sete anos de idade, quando, certa vez, em Brejo do Amparo, eu ouvi mamãe dizer que tinha descendência de negro, porque meu bisavô Cícero era mulato, e que, em decorrência disso, minha irmã Olindina (Dina) tinha o traseiro arrebitado e lábios grossos... Em outra ocasião, ela disse, também, que desprezava meu avô Josino, por ter abandonado minha avó Maria com três filhos pequenos”. DIFERENÇA ALGUMA “Quanto à possibilidade de meu bisavô Cícero ser mulato, isto é, mestiço de branco e negro, quero deixar claro que, para mim, isso não faz diferença alguma. Penso que não é a cor que faz o homem (ou a mulher), mas a sua integridade de caráter, a sua honestidade, e a sua benemerência. Creio que todos nós, indistintamente, somos filhos do mesmo pai, que é Deus, Nosso Senhor; sejamos brancos, negros, amarelos, ou frutos da miscigenação”.

DÚVIDA “Contudo, com todo o respeito pelo tema em questão, sou obrigada a dizer que tenho dúvida quanto à condição de meu bisavô Cícero, alegada por minha mãe. Pelas lembranças que tenho de meu tempo de menina em Brejo do Amparo e pelas declarações de parentes entrevistados por mim, a fim de escrever estas notas, minha avó Maria e todos os meus tios-avós eram brancos, da pele alva. Teria minha mãe conhecido meu bisavô Cícero?”

ABANDONO “Em 1910, quando meu avô Josino abandonou minha avó Maria com três filhos pequenos, minha mãe, ainda, era um bebê, pois tinha, apenas, três meses de idade. Ela cresceu, portanto, sem saber o que era amor e carinho de pai. Depois de adulta, como sua mágoa, curtida ao longo de penosos anos, era muito grande, resolveu abolir o


sobrenome Santos, de meu avô, mantendo, apenas, os sobrenomes Rodrigues da Rocha, de minha avó”.

Nossa prima Eunice Monteiro Lima (filha de Benedita), autora destes textos, ladeada por seus irmãos João e Helena, esta natural de Brejo do Amparo. Foto cedida por Eunice.


DOCEIRA “Segundo fiquei sabendo, muitos anos depois, conversando com parentes e amigos, consumada a separação, meu avô Josino sumiu no mundo, deixando minha avó no mais completo desamparo. Vovó Maria, então, enchendo-se de coragem sertaneja, decidiu enfrentar a nova realidade, fazendo doces para vender, a fim de obter a renda necessária para criar seus três filhos pequenos, Teodolino, Clarindo e Benedita”.

AO PÉ DA MESA “Desde tenra idade, mamãe, sempre, foi muito agitada, muito inquieta, muito desassossegada. Por isso, minha avó Maria, em algumas ocasiões, ficava tão aborrecida, tão contrariada com ela, que se via obrigada a amarrá-la ao pé da mesa, para poder ter um pouco de tranqüilidade nas suas atividades domésticas diárias... Costume, sertanejo, de um passado remoto. Esquisitice do início do século vinte...”. MENTALIDADE “Ao registrar esse fato, entretanto, devo anotar, também, por absoluta convicção, não se tratar de um ato de crueldade de minha avó Maria, mas, sim, resultado da mentalidade de uma época em que, até mesmo os professores, nas escolas, se sentiam no direito de utilizarem a palmatória para castigarem seus alunos”.

PALMATÓRIA “E, por falar em palmatória, você sabe o que é isso? Se não sabe vou lhe dizer: Segundo o “Minidicionário da Língua Portuguesa”, do Prof. Francisco da Silveira Bueno, publicado em 1996, pela Editora FTD, de São Paulo, Pág. 479, “Palmatória é uma pequena peça circular de madeira com cinco orifícios dispostos em cruz, e com um


cabo, a qual servia nas escolas para castigar as crianças, batendolhes com ela na palma da mão”. MOÇA BONITA “Certa vez, numa de minhas viagens a Januária, indo ao Brejo do Amparo e conversando com Dona Jovina Carneiro, que foi minha professora de infância, indaguei-lhe sobre minha mãe e sobre a sua mocidade. Entre outras lembranças, que procurarei reviver, no decorrer deste meu trabalho, disse-me ela que mamãe era uma moça bonita e que gostava de cantar no coro da Igreja de Nossa Senhora do Amparo”. TIOS MATERNOS “Como já relatei, anteriormente, meus avós maternos Maria e Josino tiveram três filhos: Teodolino, o primogênito, Clarindo, e Benedita, a caçula. Tio Teodolino, por ser ferroviário, tinha vida nômade, isto é, não tinha habitação fixa. Sua casa era o trem de ferro, pois vivia viajando. Quando solteiro (hipoteticamente falando), ele vivia com mamãe que residia em São Paulo. Tio Clarindo morava em Belo Horizonte, Capital de Minas Gerais”. TIO TEODOLINO “Em 1932, o relacionamento de meu tio Teodolino com a família era muito conflitante. Ele tinha um ciúme excessivo de mamãe e suas atitudes, intransigentes e machistas, aborreciam minha avó Maria, profundamente, deixando-a, constantemente, contrariada. Com certeza, por ser o filho mais velho, ele se sentia no dever de ocupar o lugar de meu avô Josino, ausente do lar”. MEU PADRINHO “Por discordar do comportamento de meu tio Teodolino, meu pai e ele ficaram um bom tempo sem se falarem. Todavia, cansados de indiferença e isolamento, finalmente, fizeram as pazes, mas se mantiveram distantes. Apesar desse dissabor, quando eu nasci, em 1937, foi ele o escolhido para ser meu padrinho de batismo”.


FERROVIÁRIO “Meu tio Teodolino era empregado da Estrada de Ferro Sorocabana. Em decorrência da característica de seu emprego ferroviário, foi obrigado a residir, ao longo do tempo, em diversas cidades do interior paulista, dificultando o seu relacionamento com os familiares. Ele casou-se com uma filha de imigrantes italianos, da qual não sei o sobrenome, chamada Iolanda”. DESCENDÊNCIA “Meus tios Teodolino e Iolanda, tiveram os seguintes filhos: Maria, nascida em 1940, Teodolino Filho, nascido em 1941, Neuza, nascida em 1942, e Getúlio e Hermes (dos quais desconheço os natalícios). Quando meu tio faleceu (não sei ao certo quando), minha tia Iolanda e seus filhos decidiram fixar residência na cidade de Osasco, interior paulista”. CONTATOS “Os contatos com a viúva de meu tio Teodolino e alguns de seus filhos, após a sua mudança para Osasco, era feito por mamãe, que, habitualmente, durante as nossas conversas corriqueiras, ia me transmitindo as informações recebidas. Com o falecimento de minha mãe, infelizmente, as notícias cessaram por completo”. RECIPROCIDADE “Dos filhos de meu tio Teodolino, a sobrinha que mamãe mais gostava era a Neuza, sendo visível a afeição, recíproca, que as duas nutriam. Tão sólido e verdadeiro era esse sentimento, que a Neuza foi a única que compareceu ao sepultamento de mamãe. Foi nessa ocasião, que fiquei sabendo que a nossa prima era Evangélica. Infelizmente, esta foi a última vez que eu a vi”.


O QUE SEI “Dos filhos de meu tio Teodolino, o que sei é o seguinte: A Neuza e o Teodolino Filho moraram por uns tempos com minha mãe, aqui em São Paulo, com a finalidade de facilitar seus trabalhos e estudos. Vi Maria, sua filha primogênita, apenas uma vez, mais ou menos em setembro de 1972”. DESTINO “Nessa ocasião (1972), Maria já estava casada e era mãe de dois filhos. O Teodolino Filho (apelidado de nego) foi casado e separou-se da esposa. Desse casamento, ele teve uma filha, que é afilhada de batismo de meu irmão João. A Neuza casou-se com um japonês e teve duas filhas. Getúlio casou-se com uma mulata e teve quatro filhos. Hermes (que era deficiente mental) faleceu solteiro”. TIO CLARINDO “Sobre meu tio Clarindo, o que eu tenho a dizer é muito pouco, pois, infelizmente, não tive o prazer de conhecê-lo e não tive contato algum com ele; nem mesmo por carta ou por telefone. Também, nada sei sobre sua mulher, minha tia, cujo nome, lamento dizer, não consegui guardar no decorrer dos anos”. FALECIDO “Quando eu era, ainda, muito jovem (hoje tenho sessenta e oito primaveras...), fiquei sabendo, pela minha mãe, que meu tio Clarindo já era falecido. Fiquei sabendo, também, que ele tinha sido casado e que, sempre, havia morado em Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais. Ao longo do tempo soube, outrossim, que meu tio havia deixado três filhos, chamados Cacique, Janete e Marlene”. FILHA PREDILETA “De Cacique e Janete não tenho informação alguma. A Marlene, infelizmente, faleceu. Não sei precisar quando esse fato


doloroso ocorreu. Lembro-me, entretanto, que, conforme o costume da época, minha mãe tinha uma foto dela dentro de um caixão. Soube que ela era a filha predileta de meu tio Clarindo. Embora não possa confirmar, acredito na veracidade dessa informação, tanto que ele veio a falecer logo depois da filha”. FOI PAIXÃO “Contaram-me que, após o falecimento de Marlene, meu tio Clarindo desinteressou-se, totalmente, pela saúde e pela vida, deixando de se alimentar e de se cuidar. Conseqüentemente, foi se definhando, definhando, definhando, até seu corpo não suportar mais a falta de nutrição, vindo a falecer. Segundo a opinião de mamãe, foi paixão de meu tio pela morte da filha querida”.

TUBERCULOSE

“Meu tio Clarindo, infelizmente, foi vítima da tuberculose pulmonar, doença infecciosa causada pelo bacilo de Koch. A pessoa atacada por essa moléstia era chamada, também, de tísico. Na época em que meu tio Clarindo faleceu, essa enfermidade era o terror da sociedade brasileira, pois era considerada incurável”.

DINDA

“Não tenho certeza, mas, parece-me, que mamãe veio para São Paulo com dezessete anos de idade. Chegando à Paulicéia, morou, por uns tempos, com uma pessoa que ela tratava por Dinda. Desconheço o seu verdadeiro nome. Também, não sei se ela era tia ou madrinha de mamãe. Gostaria de saber... Em Januária, disseramme que “Dinda” quer dizer madrinha e que “Dindinha” é sua forma mais carinhosa de expressão”.

PENSÃO FAMILIAR


“A Dinda era dona de uma pensão familiar. Além de ser muito exigente e autoritária, fazia minha mãe trabalhar demais em seu estabelecimento comercial. Pude observar, nas conversas de mamãe, ao longo dos anos, que ela, sempre, se referia à Dinda com certa mágoa, embora eu nunca soubesse dos motivos que a levava a proceder dessa forma”. MEU PAI “Foi na pensão da Dinda que minha mãe conheceu João Monteiro de Lima, meu pai. Nessa ocasião, ele era casado, mas já estava separado da esposa. Mamãe e ele começaram a namorar e resolveram viver maritalmente. Foi a partir daí que minha mãe passou a assinar Benedita Monteiro da Rocha. Apesar de meus esforços, não consegui descobrir em que vila ou bairro de São Paulo ficava localizada essa pensão”.

NATURALIDADE “Meu pai era nordestino, pernambucano e recifense, pois nasceu em Recife, Capital de Pernambuco, localizado no litoral do nordeste brasileiro. Recife, também, é conhecida como a capital do frevo, a famosa dança e música carnavalesca, de trejeitos rápidos. Ele veio de uma família numerosa, pois tinha dezenove irmãos. Cheguei a ver fotos de dois deles, apenas, mas não tive o prazer de conhecê-los, pessoalmente”.

SEVEROS “Papai fugiu da casa paterna aos dez anos de idade, aproximadamente, porque seus pais eram muito severos com os filhos. De Recife, Pernambuco, sua terra natal, ele veio parar em São Paulo, enfrentando, sozinho, dificuldades incontáveis e indescritíveis, ao longo do difícil caminho percorrido. Por ser muito jovem e inexperiente, com o passar do tempo perdeu, por completo, o contato com os seus”.

DESCENDÊNCIA


“Papai dizia ser descendente de índios e holandeses, sendo marcantes as evidências. Em seu corpo, era visível o seu traço indígena. Entre outras características, sua pele era amorenada e os seus cabelos lisos e negros. Em Recife, onde nasceu, ainda hoje, há marcas do tempo em que a cidade foi sede do governo holandês no Brasil”.


Nossa prima Benedita Rodrigues dos Santos (em trĂŞs fases de sua vida) e sua filha Eunice Monteiro de Lima (hoje Monteiro Ojeda).


POLICIAL MILITAR “Ao completar a idade exigida por lei, papai entrou para o Regimento de Cavalaria da Polícia Militar (Polícia Montada) do Estado de São Paulo, tendo, inclusive, lutado na Revolução Constitucionalista de 1932. Sua formação militar e a sua condição de ex-combatente, foram de grande importância no seu relacionamento com os coronéis e fazendeiros de Brejo do Amparo e Januária”.

REVOLUÇÃO DE 1932 “A Revolução de 1932, foi um movimento de insurreição contra o governo federal, ocorrido em São Paulo. O Presidente Getúlio Vargas fora acusado de retardar a elaboração de uma nova Constituição. Alguns partidos lançaram nas ruas uma campanha pela constitucionalização do país e o fim da intervenção federal nos Estados. A repercussão popular foi grande. As manifestações tornaram-se fortes e organizadas”.

NOVE DE JULHO “No dia 23 de maio de 1932, durante um comício, na Praça da República, no centro de São Paulo, a polícia reprimiu os manifestantes, violentamente. Quatro estudantes foram mortos nessa refrega. Em 09 de julho, começou a rebelião armada. Milhares de voluntários civis apresentaram-se e foram incorporados, mas não foi o bastante. Como o reforço prometido por outros Estados não chegou, em 03 de outubro, os paulistas anunciaram a sua rendição”.

NOME DE FAMÍLIA “Quando minha mãe, em 1932, conheceu meu pai e, com ele, decidiu viver, maritalmente, fez constar seu nome como Benedita Monteiro da Rocha em todos os documentos gerados, a partir de então, daí advindo o nome de nossa família. Excetuando-me, por assinar “Monteiro de Lima” e João, por assinar “Monteiro Filho”, todas


as minhas demais irmãs assinavam “Monteiro da Rocha”, quando solteiras”. VILA MAZZEI “Moramos na Vila Mazzei, zona norte de São Paulo, por cerca de dez anos, isto é, de 1932 a 1942. Durante esse período, residimos em casa própria. Infelizmente, nossa casa teve que ser vendida, quando mudamos para o Brejo do Amparo. Depois dessa venda, nunca mais moramos em imóvel de nossa propriedade. Apesar de seus esforços, papai faleceu sem conseguir reverter essa situação”.

MUITO FRIO

“Disseram-me que, nos anos de 1939/1940, aqui em São Paulo, fez muito frio. Afirmaram-me que foi um frio insuportável. Principalmente, na Vila Mazzei, onde morávamos. Meus pais diziam que a queda da temperatura (que parecia mais baixa do que o normal), era por causa da proximidade da Vila Mazzei com a Serra da Cantareira. Com certeza, eles se referiam à sua altitude”.

AQUECIMENTO

“Em seu fardamento militar papai usava, entre outras peças, umas botas muito compridas, chamadas perneiras, com fivelas para abotoar. Nas épocas de frio intenso, como as que acabei de me referir, eu via minha mãe ajudando meu pai a colocar jornais por cima e por baixo das meias, para aquecer mais os seus pés”.

VOVÓ MARIA

“Quando minha mãe foi morar com meu pai, vovó Maria passou a dividir sua presença, também, com os filhos homens: com tio Clarindo, em Belo Horizonte, e com tio Teodolino (que ainda era solteiro), em São Paulo. Meu tio Teodolino casou um pouco maduro,


para a época... Foi ele quem levou vovó de volta para a sua terra. Em Brejo do Amparo vovó Maria viveu uns bons tempos, também, na casa de sua irmã Laudelina (tia Laudi)”. AVÓS PATERNOS “Meus avós paternos chamavam-se Manoel e Maria. Eles eram ricos fazendeiros onde viviam (não me lembro onde). Cuidavam da criação de bois de corte e eram fornecedores de carne bovina para muitos lugares. Infelizmente, não consegui obter mais dados sobre eles. Também não os conheci”. SEIS FILHOS “Da união informal de meus pais (anos mais tarde eles se casariam na Igreja de Brejo do Amparo), nasceram seis filhos, sendo um menino e cinco meninas. Olindina, Edite, Eunice e Elza, nasceram em nossa casa na Vila Mazzei, zona norte de São Paulo, com a ajuda de parteira. João, nasceu no Hospital Cruz Azul, da Polícia Militar, no Bairro da Luz, também em São Paulo. Só Helena, a caçula, é que nasceu em Brejo do Amparo, Minas Gerais”. MEUS IRMÃOS “Eis os nomes de meus cinco irmãos (mais o meu), por ordem de nascimento: 30-09-33, Olindina Monteiro da Rocha; 27-07-35, Edite Monteiro da Rocha; 25-06-37, Eunice Monteiro de Lima; 13-0839, Elza Monteiro da Rocha; 23-04-42, João Monteiro Filho; e 21-0844, Helena Monteiro da Rocha”. ALMAS GÊMEAS “Como ficou demonstrado, eu sou a terceira filha do casal Benedita e João Monteiro de Lima, na ordem de nascimentos, pois nasci em 1937, depois de Olindina e Edite. Entretanto, eu não vim sozinha a este mundo. Tive uma companheirinha que, infelizmente, faleceu durante a viagem”. PARTEIRA


“Mamãe não sabia que estava grávida de gêmeos. Este foi um parto muito difícil, muito doloroso, muito angustiante. Ela só sobreviveu, porque sua hora ainda não tinha chegado e porque foi assistida por uma parteira eficiente e habilidosa. Eu cheguei primeiro. Minha companheirinha, depois. Mas ela já não vivia há vários meses...”.

FOTO DE OLINDINA “Lembro-me de ter visto uma foto em que meu tio Teodolino estava com a minha irmã Olindina. Nessa foto, Dina parecia ter uns


dois anos de idade... Essa foto, infelizmente, desapareceu lá de casa. Quando pequena, Olindina fazia jus ao nome que lhe deram, pois ela era linda, linda, linda! Seu nome não tem muito a ver com linda e lindinha? Eu acho!...” BONEQUINHA “Mas, no caso de Olindina, sua beleza não era só inspiração sugerida pelo nome não! Minha irmã parecia uma bonequinha mesmo! Dessas bem caprichadas! Dessas bem feitas! Dessas bem bonitas! Seus cabelos pareciam fios de ouro e seus olhinhos azuis, eram da cor do céu, num dia ensolarado de verão...”.

PASSEIO “O episódio que passo a contar, acontecia nos dias em que papai entrava de serviço no Quartel no turno da tarde. Nessa época, Elza tinha um ano de idade, eu tinha três, Edite tinha cinco e Olindina tinha sete e morávamos na Vila Mazzei, zona norte de São Paulo. Lembro-me de papai nos levando (as quatro) pela manhã, bem cedinho, para passear no alto de uma rua, onde havia muitos pinheiros plantados”.

RITUAL “No pinheiral, papai recolhia do chão algumas folhas, fazia uma fogueirinha e dava um pauzinho para cada filha brincar com o fogo. Isso mesmo! Com o fogo! Mas ele ficava o tempo todo perto de nós... Sempre atento! Sempre vigilante! Em seguida, colocava um objeto preto na fogueira, que passava a soltar, junto com a fumaça, um cheiro bastante desagradável. Logo após, fazia as quatro filhas movimentarem as brasas com seus respectivos pauzinhos...”.

COQUELUCHE

“Só quando cresci e adquiri um melhor entendimento das coisas, é que soube que a matéria que papai colocava na fogueira e


que exalava um cheiro ruim era carvão com alto teor de carbono, conhecido como “coque”. Vivíamos numa época em que quase toda criança estava com a chamada tosse comprida, ou seja, com coqueluche e Olindina e Edite já não agüentavam mais tossir, principalmente, Edite, a mais atacada pela doença”. MEDICINAL “A coqueluche era uma doença infecciosa da infância, caracterizada por acessos de tosse convulsiva. O ritual que papai cumpria com a gente, era, portanto, genuinamente, medicinal. Isso quer dizer que servia como remédio. O carvão queimado e as folhas de pinheiro, conforme a sabedoria popular, daquele tempo, prevenia ou curava o temível mal que nos ameaçava atingir. Quando minhas irmãs pararam de tossir, também pararam os nossos passeios matinais com papai”. DESTINO DOS OSSOS “Quando mamãe cozinhava carne de boi com ossos, estes últimos eram guardados, zelosamente, numa lata de vinte litros, especialmente, reservada para esse fim. Essa lata ficava no chão da cozinha lá de casa, perto da pia de lavar louças. Periodicamente, eles eram comprados por um homem que fazia a sua coleta de casa em casa, de porta em porta, de rua em rua. Dizia que os ossos eram destinados a uma refinaria”.

TREM DE FERRO “Era maravilhoso ver o trem de ferro chegando à Vila Mazzei, à tardinha, antes do pôr do sol. Ainda longe da estação, ouvíamos o seu apito estridente piuiii... piuiii... piuiii... Vinha quase vazio. A estrutura dos vagões e de seus bancos era de madeira envernizada. Só a locomotiva é que era completamente de ferro. Do portão de nossa casa, que ficava numa colina, dava para vermos a sua chegada e o movimento dos passageiros na Estação.”

BRAZ-TUCURUVI


“Apitando, com insistência, o trem Braz-Tucuruvi anunciava a sua proximidade... A Estação Mazzei era a penúltima da via férrea. Depois dela vinha a Estação Tucuruvi. Viajávamos nele, de vez em quando, para irmos à casa da minha madrinha Adélia Vieira, que morava no Braz, na outra ponta da linha. Ela era a amiga mineira de minha mãe. Íamos e voltávamos de trem. Era gostoso demais...”. LONGA ESPERA “Esse mesmo trem era utilizado, todos os dias, também, por papai. Ele prestava serviço no Centro da Capital, na Avenida Tiradentes, perto da Estação da Luz. Para mim e para as minhas irmãs, era emocionante escutar o seu apito, pois sabíamos que era nele que papai retornava ao lar, depois de um dia de trabalho exaustivo e de uma longa espera de nossa parte. Era uma festa, quando ele apontava no caminho de casa”. TRAJETO “Se o trajeto usado por papai, entre a Estação e a nossa casa, fosse reto e plano, seria percorrido em cinco minutos. Mas, ao contrário, era um terreno inclinado, ladeirento, escarpado. Entretanto, como papai tinha muita resistência física, por ser militar, num instante ele chegava em casa, para alegria de suas filhas e esposa. Às vezes, acontecia de mamãe nos levar até à Estação para o recebermos pessoalmente, tanta era a nossa ansiedade”. GULOSEIMAS “Papai era muito amoroso, muito carinhoso, e tinha muito orgulho de suas filhas branquinhas, loirinhas e mimosas. A Dina era a mais clara da família e eu era a que tinha os cabelos mais escuros. Raro era o dia em que, ao voltar do trabalho, à tardinha, papai não nos trazia algum tipo de guloseima (balas, doces, bolos, biscoitos...). Nós adorávamos nosso pai!... Ele nos fazia muito felizes, com o amor que nos devotava. Entendeu agora a nossa aflição?”.

RIO TIETÊ


“Fazia parte da viagem que costumávamos fazer, no trem de ferro Braz-Tucuruvi, atravessar uma ponte sobre o Rio Tietê, então muito limpo. Através da janela do vagão, víamos lá em baixo, pessoas nadando, tomando banho e passeando de barco. O Tietê da década de quarenta, ainda, era um rio de águas claras, sem mau cheiro, sem poluição visual, abundante de peixes e de gente se divertindo”. BRINCADEIRA “Sempre muito criativo e disposto a nos entreter durante as viagens, antes do embarque no trem Braz-Tucuruvi, papai enchia seus bolsos de pedrinhas e, na hora da travessia da ponte sobre o Rio Tietê, distribuía as mesmas entre as filhas, incentivando-as a jogá-las lá embaixo, em suas águas caudalosas. Para nós, crianças ingênuas, essa brincadeira era, simplesmente, empolgante”.

SUCATA DE ÔNIBUS “Infelizmente, o trem de ferro Braz-Tucuruvi há muito tempo desapareceu, deixando-nos profundas e imorredouras recordações. Alguns trechos de seu trajeto, agora, são ocupados pelo Metrô, que vai da zona sul para a zona norte. Seu nome atual é JabaquaraTucuruvi. A Estação Braz, início da antiga linha, virou uma espécie de depósito de sucata de ônibus”.

DEMÔNIOS DA GAROA “As pessoas mais modernas, como meus filhos e meus netos, por exemplo, só tomaram conhecimento da existência do trem BrazTucuruvi, através da música “Trem das Onze”, de Adoniran Barbosa, gravada pelos “Demônios da Garoa”. Esse conjunto musical, surgido na década de 1940, durante a nossa infância e pré-adolescência, até hoje, mais de sessenta anos depois, canta e encanta platéias, em todo o Brasil, superlotadas”.

FORMIGUINHA CABEÇUDA


“Outra lembrança que guardo, muito dolorida, tem a dor da saudade... Aquela dor que não passa nunca! A pequena Elza, irmã mais nova do que eu, gostava de morder! E como gostava!... Por qualquer coisa ela cravava na gente seus dentinhos pontiagudos! Fosse por raiva ou por simples brincadeira... Eu ficava com o dorso todo marcado das mordidinhas dela. Por causa desse seu malcostume, minha mãe lhe deu o apelido de “formiguinha cabeçuda”. TERRA NATAL “Mamãe tinha uma vontade louca de voltar para o Brejo do Amparo, sua querida Terra Natal, situada no Norte de Minas Gerais. Ela foi autora e ardorosa defensora dessa idéia. Seu desejo de voltar e o encanto pelo lugarejo onde nasceu eram percebidos, facilmente, através do entusiasmo que transmitia, quando falava do Sertão Mineiro e de sua gente humilde. Nesses momentos, suas pupilas cintilavam como duas estrelinhas em noite sem luar”.

INSISTÊNCIA “Eu não demonstrava, mas o entusiasmo de mamãe me contagiava, fazendo-me sonhar com a vida na roça e com a liberdade do campo. Seria uma vida bem diferente, bem melhor, bem mais proveitosa (imaginava eu) da que levávamos em São Paulo! Não sei bem se por saudade de sua gente, para melhor acomodação de nossa família, ou se pelos dois motivos, mamãe sempre insistia nesse assunto, em suas conversas com papai”.

OBSESSÃO “Através de papai, eu fiquei sabendo que o desejo de mamãe, de voltar para Minas Gerais, era bem antigo. Ele passou a ser manifestado, ardorosamente, desde o início da convivência do casal. Papai me disse, também, que mamãe, sempre, se referia à sua terra e à sua gente com extrema saudade. Entretanto, seu desejo virou obsessão, quando vovó Maria decidiu retornar para o Brejo do Amparo, levada pelo meu tio Teodolino”.


FELIZ DECISÃO “Em 1942, por já estar reformado, por risco de vida, papai decidiu fazer o gosto de mamãe. Renunciou ao conforto da Capital paulista e promoveu a viagem ao Sertão de Minas Gerais. Fomos morar no Brejo do Amparo, povoado tranqüilo e acolhedor, de gente simples e amiga, onde ficamos por cerca de cinco anos. Com toda a sinceridade, este foi o período mais feliz da minha infância... Dessa época, guardo as mais belas e inesquecíveis recordações”. A VIAGEM “A viagem começou quando embarcamos numa composição da Estrada de Ferro Central do Brasil, com destino a Minas Gerais. Só de trem de ferro, viajamos três dias. Quem nunca viajou de trem de ferro, jamais saberá o quanto essa viagem era (e continua sendo) prazerosa. Principalmente, para as crianças, ingênuas, do meu tempo, como eu e meus irmãos”. PARADAS “A composição passava no centro de dezenas de cidades, paulistas e mineiras, antes de chegar ao seu destino final. Em cada cidade fazia uma breve parada nas Estações, fosse de dia, de noite, ou de madrugada, a fim de desembarcar e embarcar passageiros e bagagens. Essas paradas serviam, também, para abastecer a locomotiva, que era movida a vapor, de lenha e de água”.

BELO HORIZONTE

“Foi nessa viagem que meus pais resolveram passar alguns dias em Belo Horizonte, a famosa Capital dos Mineiros, em casa de meus tios-avós maternos Antônio Rodrigues Torres e Antônia Rodrigues da Rocha. Minha tia-avó, na intimidade, tia Tunica, era irmã de minha avó Maria. Mamãe, portanto, era sua sobrinha. Eu e meus irmãos, seus sobrinhos-netos”.

DETALHES


“Alguns detalhes desses meus tios-avós de Belo Horizonte, sempre, me chamaram a atenção, desde que passei a conhecê-los melhor. Por exemplo: possuírem o mesmo nome próprio (Antônia e Antônio), serem filhos de dois irmãos (Ambrosina e Vicente), terem os mesmos avós (Antônio e Faustina) e os mesmos bisavós (Antônio e Ana). Conseqüentemente, eles eram primos entre si e primos de seus próprios filhos, netos, bisnetos... Muito, muito interessante, você não acha!...”

Essa casa (que ainda permanece de pé) pertenceu a meus avós maternos Cícero e Ambrosina. Nela mamãe e seus irmãos viveram a sua infância e adolescência. Foto tirada por Eunice.

PRESÉPIO “Na casa de meus tios-avós Antônio e Tunica, lembro-me de ter visto bonecos, bichos, e outros objetos pequenos, feitos de madeira. Estavam numa espécie de tablado, em uma dependência, reservada, da casa. Encantava-me ver todos eles se moverem, como se vida própria tivessem. Soube, depois, que se tratava de um Presépio (ou lapinha), que estava sendo construído, aos poucos, pelo


meu tio-avô Antônio e seu filho Henrique. As peças eram aprontadas, durante o ano, em suas horas de folga. Lembro-me de ter contado vinte e cinco peças diferentes”. CARRINHO DE MÃO “Lembro-me, também, de um primo nosso, já rapazinho, filho de meus tios-avós Antônio e Tunica, levando-me a passear pelos arredores de sua casa, em um carrinho de mão (ou de pedreiro). Claro que eu gostava desse passeio... O problema é que não era só eu quem gostava dele; meus quatro irmãos, também...”. JAMAIS SABEREI “Era difícil para meu primo conciliar nossos interesses, pois todos queriam passear ao mesmo tempo... Além de ficar pesado, o carrinho, também, não comportava todo mundo. Infelizmente, por mais que force a minha memória, não consigo lembrar-me do nome desse meu primo. Teria sido Henrique? Teria sido Lúcio? Por já terem falecido, jamais saberei...”. PRESSA DE CHEGAR “Não me lembro de quantos dias ficamos em Belo Horizonte, na casa de nossos tios-avós Antônio e Tunica. Não devem ter sido muitos não, pois meus pais tinham pressa de retomar a estrada, a fim de chegarmos logo ao nosso destino final. Quem já fez longas viagens, acompanhado de filhos pequenos, bem sabe o quanto isso é trabalhoso”.

ADEUSINHOS “A pressa de meus pais, portanto, era, perfeitamente, justificável. Além disso, ainda estávamos na metade do caminho, e tínhamos um bom pedaço de Sertão para atravessar. Demos saudosos adeusinhos aos nossos tios-avós e a nossos primos e, de novo, embarcamos num comboio da Estrada de Ferro Central do


Brasil. Infelizmente, esta foi a primeira e única vez que estive com meus tios-avós Antônio e Tunica”. CURIOSIDADE “Nosso próximo destino era Pirapora, cidade do Oeste Mineiro. Dentre as inúmeras cidades, vilas e povoados pelos quais passamos, antes de lá chegarmos, lembro-me da bonita Sete Lagoas. Sempre tive a curiosidade de saber se essa cidade possuía, realmente, tantas lagoas como o seu nome indicava. Achava sete um número exagerado... Uns me diziam que sim, outros me diziam que não. Apesar do meu desejo de saber, até hoje não sei...”.

PIRAPORA

“Enfim, cumprindo mais uma etapa, chegamos à cidade de Pirapora, em pleno Sertão das Minas Gerais. Nas minhas pesquisas para poder escrever estas notas, soube que esse Município foi criado em 1911, e que sua primeira denominação foi São Gonçalo das Tabocas. Também fiquei sabendo que, em linguagem indígena, Pirapora significa “local onde saltam os peixes”. Muito significativo esse nome, você não acha? Gostei! Vou continuar pesquisando para saber mais sobre essa e outras cidades, especialmente, mineiras e paulistas”.

BARCO A VAPOR

“Em Pirapora, embarcamos num barco a vapor, rumo à Januária. Seu nome, lamentavelmente, eu não guardei. Eram tantos os barcos... Pequenos, médios, grandes, todos tinham nome. A maioria dos barcos tinha dois andares. Os maiores tinham três. Todos comportando depósito de lenha, caldeira, casa das máquinas, uma enorme chaminé que soltava fumaça e fuligem, continuamente, restaurante, banheiros e cabines para passageiros e tripulantes”.


APITO POSSANTE

“Algumas embarcações, em lugar de cabines para passageiros, tinham redes, um tipo de leito feito de malha ou tecido resistente, preso por argolas nas extremidades. Na chegada, na saída e durante o trajeto, os vapores costumavam soltar um possante e característico apito, que era ouvido a quilômetros de distância”.

TRÁFEGO INTENSO

“Durante o tempo em que morei em Brejo do Amparo, lembrome de ter ouvido lá os apitos dos vapores, com certa freqüência. Isso, entretanto, dependia muito da direção do vento. Nessa época, o tráfego no rio era intenso. O embarque e desembarque, também. Os vapores desciam e subiam... Todos carregados de passageiros e de cargas”.

DESCENDO O RIO

“Não me lembro de quanto tempo levou a viagem a vapor. Ouvi comentários, entretanto, que estávamos descendo o rio. Considerando que, na descida, todos os santos ajudam... Lembro-me de ter passado por duas cidades ribeirinhas, ao longo do caminho. As duas cidades já eram famosas naquele tempo, mas não eram pelos nomes de santos que possuíam não. Você saberia dizer-me por quê? Uma se chamava São Francisco e a outra São Romão”.

SÃO FRANCISCO

“São Francisco foi o município mineiro escolhido por Antônio Dó, natural de Pilão Arcado, na Bahia, para viver com seus pais. Com esse objetivo, adquiriu uma fazenda, a quatro léguas da cidade. Até


então, ele era um homem pacífico. Entretanto, tendo entrado em desentendimento com um poderoso fazendeiro e político local, teve, certo dia, a cerca de sua fazenda derrubada. Esse episódio humilhou tanto Antônio Dó que o fez jurar vingança, transformando o pacato baiano que era em famoso bandoleiro”.

SÃO ROMÃO “A cidade de São Romão ficou famosa pela luta travada contra os índios Caiapós, pela repressão aos Quilombolas e, principalmente, pela chamada Revolução do Sertão, ocorrida em 1736, contra o jugo colonial. O Brejo do Amparo teve ativa participação nessa revolta popular, através do episódio conhecido como Inconfidência Brejina, comandada pelo Padre Antônio Mendes Santiago, então morador do povoado”.

CARRO DE BOIS

“De Januária até o Brejo do Amparo, terra natal de mamãe, viajamos de carro de bois que, normalmente, não tem cobertura. Fizemos o percurso de uma légua, debaixo de um sol abrasador. Extremamente lento, naquela viagem ele mal se movia. Até parecia que os bois cochilavam pelo caminho, impelidos pelo cansaço, tão lerdos eles estavam”.

MAMONEIRA

“Sempre solícito, papai não sabia o que fazer para nos confortar. Para nos proteger dos raios solares que queimavam, impiedosamente, as nossas peles, ele encontrou uma solução inusitada. Deu-nos folhas de mamoneira para usarmos, como se fossem sombrinhas ou guarda-sóis. Todavia, para nosso desalento, as folhas, fora da haste, tinham curtíssima duração. Pouco tempo depois, elas murchavam...”.


BREJO DO AMPARO

“Finalmente, chegamos ao Brejo do Amparo, eterna paixão de mamãe. O pequeno povoado estava apinhado de parentes, amigos e curiosos. Todos nos espiando de soslaio. Havia gente alvoroçada nas portas das casas, nos calçadões, na rua principal, nas esquinas, em todo o canto, só para ver nosso carro de bois passar... Até parecia dia de festa no arraial ou dia da chegada de algum circo ou parque de diversões, tão raros naquelas paragens”. CURIOSIDADE

“Entretanto, penso que foi a brancura de nossa pele que atraiu a atenção de tanta gente, pois éramos, realmente, muito alvas e loiras. Saber que vínhamos de muda de São Paulo, Capital, deve ter contribuído, também, para fomentar a curiosidade e o imaginário daquele povo simples. Depois de breves paradas para que papai e mamãe cumprimentassem e abraçassem parentes e amigos que a todo o momento vinham ao nosso encontro, fomos para a casa de minha tia-avó Laudelina (Laudi), outra irmã de minha avó Maria”. DESESPERADO “Nessa ocasião, meu irmãozinho João tinha seis meses de idade e já se alimentava de papinha. Mamãe, então, preparou um pequeno prato, retirando das panelas um pouco da comida que nossa tia-avó Laudi fizera, amassando-a com um garfo, e deu para ele. À primeira colherada, meu irmão ficou sem ar e começou a chorar e a espernear, desesperado”.

APIMENTADA “Foi um susto geral, pegando-nos a todos de surpresa. Até mesmo aos adultos mais experientes. Estupefatos, não sabiam o que fazer nem dizer diante daquela espantosa situação. Foi quando


mamãe teve a feliz idéia de provar da papinha que dera para meu irmãozinho, constatando, aliviada, a razão do incidente e de tanto choro. Como de costume, naquela época, a comida que minha tia-avó fizera, para nos receber, tinha sido temperada com pimenta...”. ALIMENTAÇÃO “Foi difícil, muito difícil, para mim e para meus irmãos, acostumarmos com a alimentação local, nos primeiros dias da nossa chegada ao Brejo do Amparo. Foi necessário muito esforço de nossa parte e muita falação dos adultos que nos espiavam e aconselhavam o tempo todo. Acabamos descobrindo, finalmente, que não tínhamos escolha. Ou comíamos o que nos davam ou ficávamos com fome. E quem de nós queria ficar com fome?”. RAPADURA “Lembro-me, como se fora hoje, que o café que nos davam para tomar, fosse o da manhã, quando acordávamos, fosse o da tarde, entre o almoço e o jantar, era ruim demais para o nosso gosto; meu e de meus irmãos. Preferiríamos comer a merenda pura, quase sempre beiju. A razão de nossa aversão, repentina, pelo café (que adorávamos), era a rapadura que punham na água para adoçála. Em São Paulo, estávamos acostumados com o açúcar cristal...”.

PREVISÃO

“Logo que chegamos ao Brejo do Amparo, papai percebeu que o lugarejo era inadequado para a criação de seus filhos. Tanto que, mesmo estando com o dinheiro que recebera da venda da casa da Vila Mazzei, optou por não adquirir moradia no povoado, de imediato. A verdade, entretanto, é que ele preferia não criar raízes no Brejo do Amparo, facilitando, desse modo, um provável e inevitável retorno a São Paulo. Será que papai teria tido uma premonição?”

INDEPENDENTE


“Ficamos na casa de nossos queridos tios-avós João e Laudelina apenas três dias. Somente o tempo necessário para que papai nos arranjasse uma moradia independente. Como carecíamos de autonomia, liberdade e privacidade, não nos importamos em morar, de inicio, numa casa pequena e simples, até que pudéssemos encontrar uma habitação melhor. Nessa casa (tipo choupana), residimos menos de um mês. A partir dela, nós, crianças, começamos a ter alegrias e aborrecimentos no nosso dia a dia brejino...”.

SOTAQUE “Por brincadeira ou por maldade, alguns de nossos colegas e companheiros de folguedos passaram a nos chamar de “anu-branco” e “barata descascada”. Isso porque éramos muito brancas para o padrão local. Nossa pele era muito alva, muito diferente da dos sertanejos, que era mais escura e ressecada pelo sol, em decorrência da desidratação permanente. Também, achavam o nosso sotaque paulistano estranho e engraçado e faziam piadas”.

PRIMEIRA CASA “A primeira moradia que pudemos chamar de casa, alugada por papai, foi a melhor de todas. Estava localizada num sítio. Era um casarão, com diversos quartos e uma imensa sala. Devido ao seu tamanho, mamãe precisou da companhia de duas moças para auxiliála nos afazeres domésticos. Foi nesse sítio que papai decidiu plantar hortaliças para vender. Nele, com a ajuda de empregados, papai cultivou, também, cana de açúcar e feijão”. GRANDE POMAR “Essa casa ficava bem em frente da Igreja de Nossa Senhora do Amparo e fazia divisa com a casa de Dona Jovina Carneiro. Ela tinha um grande pomar, com diversas árvores frutíferas. Nele havia bananeiras, laranjeiras, mexeriqueiras, abacateiros, mamoeiros, mangueiras, frutas-do-conde (ou pinha), frutas-pão e várias outras”. ÁGUAS LÍMPIDAS


“Águas límpidas cortavam os terrenos dessa casa. Era em suas terras que eu montava nos troncos de bananeira (conforme contarei mais adiante), e fazia viagens incríveis, descendo seu rego e atravessando diversos quintais. Foi, também, nessa casa (que, ainda, está de pé), que minha irmãzinha Helena nasceu. Sua fachada foi conservada tal como antes. Só falta o pé de Flamboyant (flamejante), cortado há dois anos”. SEGUNDA CASA “Como papai não precisava de tanto terreno para plantar sua horta, procurou e conseguiu arrendar um sítio menor, desta vez, do Coronel Benedito Ferreira, então seu amigo. O tal sítio, entretanto, não tinha habitabilidade. Conseqüentemente, tivemos que alugar (além do sítio) uma segunda casa para abrigar nossa família. A residência escolhida pertencia ao nosso primo Geraldo Gonçalves da Rocha, e se localizava (ela ainda está de pé) em frente ao espaço onde hoje existe a Praça Ramiro Leite”.

TERCEIRA CASA

“Durante algum tempo, o sítio onde papai cultivava suas hortaliças e a nossa residência, ficaram separados e distantes um do outro. Não sendo boa essa situação nem para os negócios hortícolas e nem para a convivência familiar, meus pais decidiram alugar uma casa maior e que ficasse próximo do sítio. Mudamos logo que a mesma foi encontrada, o que não demorou muito. Ainda morávamos nessa casa, quando tivemos que voltar para São Paulo”.

MACAQUINHO

“Certa vez, fomos à casa de uma conhecida de mamãe. Nessa casa havia um macaquinho que me chamou muito a atenção. Resolvi, então, inocentemente, sem consultar ninguém, pegar o bichinho. Minha intenção era aconchegá-lo nos meus braços, acariciar seus


pêlos e transmitir-lhe um pouco de carinho. Mas o bichinho não entendeu o meu bom propósito. Quando me aproximei dele, com os braços estendidos para pegá-lo, a sua reação foi tão violenta que fiquei toda mordida e decepcionada...”.

MENINICE

“Dos cinco aos seis anos de idade, passei minha meninice no Brejo do Amparo só brincando e fazendo amizades, mimosa como as flores e livre como os pássaros, diria um poeta. Fazia amizade com todo mundo. Todos me queriam bem. Eu tinha o dom de cativar as pessoas, fossem elas pequenas ou grandes, ricas ou pobres. Foi um período mágico e de transbordamentos para mim. Extravasava beleza, vitalidade, saúde, alegria, felicidade, liberdade e inocência, por todos os poros”! BRINCADEIRAS DE RODA

“Estas são algumas brincadeiras de roda das quais participava, durante todo o tempo em que morei em Brejo do Amparo: “Senhora Dona Cândida”; “Pobre, pobre, pobre”; “Maricota, sai da chuva”. Aconteciam, quase sempre, à tardinha, após o jantar, quando os primeiros clarões da lua cheia (período em que ela nasce logo após o pôr do sol), surgiam por detrás da folhagem da palmeira buriti. Sob o maravilhoso luar, brincávamos até nossos pais nos chamarem...”.

BEM-VINDOS “Para as suas realizações, convidávamos algumas vizinhas e coleguinhas da escola e da Igreja. Aconteciam, geralmente, na porta de nossas casas. Um dia poderia ser à porta da minha casa, outro dia poderia ser à porta da residência de qualquer outra participante. Os meninos, também, quando quisessem, poderiam participar. Seriam bem-vindos... As meninas, entretanto, sempre foram maioria”.

DONA CÂNDIDA


“Fazia-se uma roda com os participantes. Uma menina (ou menino) ficava no centro do círculo, com os olhos cobertos por uma venda. E todos, a seu redor, cantavam assim: Senhora Dona Cândida/ Coberta de ouro e prata/ Descubra seu rosto/ Queremos ver a sua cara/ Quem estava no centro do círculo respondia assim: Que anjos são esses/ Que andam guerreando/ É de noite é de dia/ Padre Nosso, Ave Maria?” TUDO DE NOVO “O círculo, por sua vez, respondia: Somos filhas do rei/ Somos netas da rainha/ Senhor rei mandou dizer/ Para escolher uma “folhinha”./ A criança que estava no meio do círculo, com os olhos cobertos, escolhia, então, sem enxergar, uma participante do grupo. Nesse instante, tirava a venda dos olhos e a “folhinha” que ela escolhera ia ser a nova Senhora Dona Cândida no meio do círculo. E, assim, começava tudo de novo...”. POBRE, POBRE, POBRE

“Todas as participantes, de mãos dadas, de um lado. Uma, sozinha, do outro, de frente para o grupo. A que estava só começava a brincadeira cantando assim: Eu sou pobre, pobre, pobre/ De marré, marré, marré/ Eu sou pobre, pobre, pobre/ De marré de ci/. O grupo, então, respondia: Eu sou rica, rica, rica/ De marré, marré, marré/ lhe darei uma menina/ De marré de ci”.

INVERSÃO DE LADOS

“Imediatamente, uma menina do lado rico passava para o lado pobre. A cada passagem de uma nova menina para o lado oposto, a cantiga recomeçava. Sucessivamente, assim acontecia, até ficar, somente, uma menina rica. Então, o lado rico passava a ser pobre, e o lado pobre, passava a ser rico. E a brincadeira se repetia até cansarmos...”.

SAI DA CHUVA MARICOTA


“Outra brincadeira de roda, também, muito procurada nos meus tempos de menina, era feita em círculo, com uma menina (ou menino) no centro. Quem ficava no centro do grupo era a “Maricota”. A brincadeira começava com os participantes da roda cantando: Maricota sai da chuva/ Deixa, deixa, estiar/ Se você ficar na chuva/ Vai de novo constipar”.

RESPOSTA “A “Maricota” do centro respondia: Eu não tenho medo da chuva/ Nem do raio e do trovão/ Estou precisando da chuva/ Para lavar meu coração/. Os componentes do círculo, então, cantavam em coro, fazendo movimento como se estivessem peneirando e olhando para o céu: Peneira, chuva, peneira/ Peneira, chuva, peneira/ Peneira, chuva, peneira/ Peneira, chuva, peneira”. RECOMEÇO “A “Maricota” do centro do círculo, para finalizar sua participação, respondia: Estou precisando da chuva/ Para lavar meu coração/ Estou precisando da chuva/ para lavar meu coração/. A essa altura os componentes da roda escolhiam nova “Maricota” e tudo começava do princípio: Maricota sai da chuva...”.

DECEPCIONANTE

“A época mais decepcionante para mim, enquanto morava no Brejo do Amparo, foi quando mamãe engravidou-se de Helena, sua última filha. Isto porque, a partir daí, ela mudou, completamente, suas atitudes. Ficou muito irritadiça e, extremamente, severa com os filhos. Castigava-nos e batia-nos por qualquer coisa. Até hoje, não consegui entender o porquê dessa transformação”.

VEXAME


“Nesse tempo (última gravidez de mamãe), estava eu às vésperas de completar sete aninhos de idade. Embora, ainda, tivesse idéias e atitudes infantis, já sentia constrangimento diante de certos assuntos ou procedimentos. Conseqüentemente, não conseguia disfarçar o vexame que sofria, quando minhas companheiras de escola ou de folguedo encaravam e comentavam as marcas, arroxeadas, em meu corpo”.

CORREADAS “Minha mãe era uma pessoa muito impaciente e exaltada e batia muito nos filhos. Por isso, nós tínhamos medo dela. Nosso corpo vivia marcado pelas correadas. Às vezes, as surras que mamãe nos dava eram tão violentas que, em seguida, precisava passar salmoura para sair o roxeado deixado pelo chicote. Apesar da brabeza de minha mãe, foi no Brejo do Amparo que passei a época mais feliz de minha infância”. PADRE RAMIRO “Em assuntos religiosos, em Brejo do Amparo e em lugarejos circunvizinhos, constituintes do chamado território paroquial, quem decidia era o Padre Ramiro Leite Felício dos Santos, seu vigário na época. Sua palavra de sacerdote e pároco era respeitada em toda a região. Todos obedeciam ao seu comando, sem hesitação, sem contestação. Ninguém ousava contradizê-lo, publicamente”. CASAMENTOS “Normalmente, os casamentos em Brejo do Amparo eram celebrados nos domingos, pela manhã, logo após a celebração da Santa Missa. Pude observar, ao longo do tempo, dezenas de noivas chegarem à Igreja, acompanhadas de seus cortejos de parentes e amigos, cavalgando ou andando a pé. Muitas vezes, tinham enfrentado léguas de distância, passando parte da madrugada viajando, a fim de cumprirem o horário estabelecido”.

CASTIGO


“Algumas cerimônias núpcias, entretanto, fugiam dessa regra, e só aconteciam às doze horas em ponto, com o sol a pino. Mesmo que os nubentes tivessem chegado no horário aprazado. Logo corria um murmúrio entre os parentes e amigos apreensivos. À boca pequena, dizia-se que “era castigo do senhor vigário”. E era mesmo! Isso acontecia sempre que era visível a transgressão, por parte dos noivos, do Sexto Mandamento da Lei de Deus”.

NÚPCIAS PATERNAS “Quando nasceu Helena, a minha única irmã brejina, em 21 de agosto de 1944, já era do conhecimento do Padre Ramiro que meus pais não eram casados, ainda, nem no civil e nem no religioso. O zeloso sacerdote exigiu, então, como condição para oficiar o batizado de minha irmãzinha, que, primeiro, meus pais se casassem na Igreja. Assim aconteceu, e os padrinhos de batismo de Helena foram Agenor da Mota e Jovina Carneiro. Tinha eu, nessa ocasião, sete aninhos de idade”. AGENOR DA MOTA “Agenor da Mota era um grande fazendeiro que logo fez amizade com papai. Era, também, um dos Coronéis da época. Morava em sua fazenda, mas, durante os festejos locais, ficava na casa que mantinha no Brejo. Era filho de Vitória e Romão da Mota e irmão de Patrocínio da Mota e Maria Antonieta da Mota. Ele e seus irmãos eram primos carnais de Juscelino da Mota, pai de Bela, viúva de nosso primo José Gonçalves da Rocha”.

CABRA LEITEIRA “Como mamãe não tinha leite de peito suficiente para sustentar Helena, ganhou, de presente, de seu compadre Agenor da Mota, uma cabra leiteira. Isso mesmo! Uma bonita e simpática cabra leiteira! Foi bom demais! Assim, minha irmã caçula teve o seu sustento garantido por muitos e muitos anos. Entretanto, havia, nessa história (me lembro bem) o seu lado cômico, o seu lado divertido: como minha irmã Helena era amamentada com o leite de


cabra, ao transpirar (diziam), cheirava a bode! E, sempre que o assunto surgia, era uma gozação geral...”

VICENTE CARNEIRO “Vicente Carneiro, irmão de Dona Jovina Carneiro, era, também, um grande amigo de papai. Morava em seu sítio, chamado Boqueirão, com a esposa Lió e com o seu filho Zé. Ele era um homem bondoso, caridoso, pacífico e procurava, de todas as formas, não se envolver com a política, principalmente, a política local”.

MANGAS-ROSA “Dona Lió, esposa de Vicente Carneiro, também, era muito amável. Quando eu e minhas irmãs íamos passear no sítio do Boqueirão ela, sempre, nos agradava com biscoitos de forno e doces caseiros, além de permitir que fôssemos para o fundo de seu quintal colher as mangas-rosa mais gostosas e cheirosas que eu já chupei e comi, em toda a minha vida!”. COLEGAS DE CLASSE

“José Carneiro (Zé), filho de Vicente e Lió, era meu colega de classe, pois, também, era aluno de Dona Jovina Carneiro, sua tia paterna. Outros (dos que me recordo) que estudaram comigo, na mesma classe de Dona Jovina, foram: Bela (de nosso primo José Rocha); Ana (de nosso primo Manoel Rocha); nossos primos Geraldo Rocha, Paulo Rocha e João Rocha, filhos de meus tios-avós Laudelina (Laudi) e João e Álvaro Ferreira (filho do Coronel Benedito Ferreira)”.

VIRADA DA REDE


“Certa vez, eu estava fazendo a minha irmãzinha Helena dormir, balançando-nos, tranqüilamente, numa rede. Balanço gostoso, cadenciado, pachorrento. Em dado momento, entretanto, num movimento estabanado de meu corpo, a rede virou e eu fui ao chão, com a Helena nos braços. Mamãe escutou seu choro e acudiu, apressada e nervosa, pronta para me bater. Saí correndo, pulei a janela que estava aberta e fui parar no fundo de nosso quintal, que era grande e arborizado”.

LARANJEIRA

“Apavorada, pois sabia o que me aguardaria, caso mamãe me agarrasse, subi o mais alto galho que pude da primeira árvore que encontrei: uma laranjeira! Isso mesmo! Uma espinhenta laranjeira de espinhos pontiagudos!... Minha mãe não se arrefeceu, nem se compadeceu de mim. Veio em cima do meu rastro e, com uma vara comprida, me cutucou tanto, tanto, tanto, que eu fui obrigada a descer para não ser machucada mais do que já estava. Naquele dia, merecidamente ou não, acabei levando uma baita surra”. MOLECA

“Apesar do rigor de minha mãe, e da minha pouca idade, fui uma criança divertida, atrevida, corajosa... Uma verdadeira moleca! Volto a repetir: foi no Brejo do Amparo que passei a época mais feliz de minha infância. Tudo para mim era brincadeira, divertimento, gozação. Agia, sempre, com a liberdade e a disposição de um menino (conduta inadmissível para aquela época), como se verá a seguir”.

ARQUITETANDO COISAS

“Eu trepava em qualquer árvore, fosse pequena, média ou grande; corria dos bois que eu própria provocava nas estradas; mergulhava e nadava nos regos e riachos de águas cristalinas, que deslizavam, silenciosas, pelas cercanias do Brejo do Amparo; pulava


das árvores dentro d’água e derrubava mangas dos pés, dos quintais vizinhos, com atiradeira (estilingue). Não ficava quieta um segundo sequer. Vivia, sempre, arquitetando coisas”.

ZANZANDO

“Sozinha ou acompanhada de colegas, eu passava dias e dias (cada dia num lugar...) zanzando pelos campos, pelos sítios, pelos pomares, pelos quintais, pelos currais, pelas moendas, pelos alambiques, pelas tendas de fazer farinha; bebendo leite tirado na hora, comendo melado, rapadura ou Pequi com farinha, comendo banana, chupando cana, chupando manga, chupando laranja, ou brincando nas águas dos riachos...”.

MEUS PASSEIOS “Eu conhecia todos os cantos, recantos e encantos de Brejo do Amparo, pois os palmilhava, habitualmente. Eram passeios curtos, de pouca duração, mas constantes. Meus passeios mais longos eram à Lagoa do Sucuriu, ao engenho de cana-de-açúcar, à Igrejinha do Rosário, ao aeroporto e, até mesmo, ao cais da cidade, onde ficava horas apreciando a chegada e a saída das embarcações a vapor e o vaivém dos passageiros e tripulantes”.

CONVITES “Na época em que vivi em Brejo do Amparo, quando morria alguém da família, era costume os parentes e amigos do defunto irem de casa em casa, de porta em porta, comunicar o falecimento e convidar seus moradores para o funeral. Assim era o procedimento, também, para as cerimônias de casamentos e batizados”. LUTO


“Ao todo, eram dois anos de luto, por falecimento dos avós, pais, irmãos e cônjuges. O luto fechado durava um ano, quando a mulher (filha ou viúva) vestia-se toda de preto. Já no segundo ano, o luto era aberto, vestindo-se branco e preto. Quanto aos homens, eles usavam uma tarja preta e larga sobre a camisa e um detalhe preto na lapela do paletó. Os filhos e netos usavam uma camisa preta por certo tempo”. ABRE PERNAS

“Algumas moças de Brejo do Amparo, aos domingos, costumavam fazer piquenique, num recanto da Serra do Brejo, conhecido como “Abre Pernas”. Esse lugar era assim denominado, por causa da existência de uma profunda fenda, em seu interior, que obrigava as pessoas, que o freqüentavam, a abrirem suas pernas, demasiadamente, ao pularem de um lado para o outro”.

ALEGRIA PURA

“Quando enturmadas, as moças de Brejo do Amparo, freqüentadoras do “Abre Pernas”, contavam causos, contavam piadas, faziam algazarra, faziam troça, davam risadas, gritavam e cantavam. Com o extravasamento da sua juventude, beleza e graça, personificavam o período primaveril em qualquer estação do ano. Enfim (numa época em que nem rádio havia), deixavam o povoado mais alegre, mais festivo, durante os fins de semana”.

BANANEIRAS

“O rego que passava pelo quintal de nossa casa era dividido, entre os quintais seguintes, através de cercas de arame farpado que o traspassava. Quando nossos vizinhos descartavam as bananeiras que já haviam dado cacho, jogavam seus troncos no rego e estes iam embora, flutuando, rapidinhos, levados pela correnteza de suas águas cristalinas”.


IRREQUIETA

“Como eu tinha um espírito irrequieto, não deixava passar nenhum desses troncos pelo quintal de casa, sem, antes, utilizá-los nos meus devaneios. Em poucos minutos lá estava eu encarapitada num deles, descendo o rego de águas transparentes. Enquanto o tronco deslizava, silencioso, levado pelas águas, mantinha meu corpo esticado sobre ele, a fim de transpor os arames farpados, existentes pelo caminho, sem rasgar minha roupa e nem me ferir”.

PARADINHA

“Numa dessas “viagens”, montada num desses “veículos”, resolvi dar uma paradinha no quintal de Dona Jovina Carneiro, a fim de aproveitar um pouco de suas delícias. Em seu quintal a gente não via o tempo passar. Enquanto caminhava, sem pressa e sem temor, tirava uma ou outra fruta do pé e a saboreava, ali mesmo, à sombra de sua árvore. Havia muita sombra e no ar um cheiro gostoso de folhagem e de fruta madura”. QUASE MORRI

“Quase morri de susto, porém, quando entrei numa casinha, abandonada, semicoberta pelo arvoredo. Vocês nem imaginam o que eu vi lá... Por incrível que pareça, em seu recinto, havia um caixão enorme! Verdade! Um caixão grande, todo arroxeado, com a tampa aberta... Ao vê-lo encostado a um canto da parede, meus olhos esbugalharam-se, minhas pernas tremeram, meus pêlos arrepiaram e na minha pele brotou um suor abundante e gelado...”.

PASSAVA DIRETO


“Tão mal me senti, que quase caí desmaiada. Aos poucos, porém, fui adquirindo coragem e decidi não permanecer lá nem mais um segundo... Saí, rapidinho, desfeita pelo susto, trêmula, pálida, suando frio e com o coração em disparada. A partir desse dia, nunca mais entrei, sozinha, no quintal de Dona Jovina Carneiro. Nas minhas aventuras, solitárias, por aquelas bandas, sempre passava direto...”.

FILANTROPIA

“Mais tarde, fiquei sabendo, que aquele caixão tinha grande importância para Dona Jovina e para muita gente humilde, pois era usado para fins humanitários. Ele era emprestado às famílias carentes, vindas de outros povoados, a fim de enterrarem, condignamente, os seus mortos. Os mesmos chegavam ao Brejo do Amparo, transportados em uma improvisada rede, feita de lençol, carregados por duas pessoas, uma em cada ponta”.

SEM HORA DE CHEGAR “Eu mesma vi isso acontecer muitas e muitas vezes. Os féretros não tinham hora para chegar ao Brejo do Amparo. Tanto podiam chegar pela manhã, quanto ao meio dia, quanto já com o sol posto... Os lúgubres séquitos vinham de muitas direções, de muitas distâncias, de muitas léguas até. Quase sempre, após horas e horas de árdua caminhada pelas veredas do sertão”.

SOLIDARIEDADE

“Dava pena ver a lúgubre procissão chegar. Seus participantes vinham cansados, suados, desfigurados e angustiados por estarem


transportando um ente querido para a sua última morada neste mundo. Chegavam esgotados, extenuados; física, mental e emocionalmente. Muitos tinham passado a madrugada velando o corpo. Quando o cortejo fúnebre chegava ao Brejo do Amparo, Dona Jovina emprestava o caixão a quem o solicitasse”.

ALTRUÍSMO “Colocavam, então, o defunto dentro do caixão e levavam-no para a Igreja de Nossa Senhora do Amparo, onde sua alma era encomendada a Deus pelo Padre Ramiro, Vigário da Paróquia. Após as orações habituais, rezadas pelos acompanhantes, em clima de consternação, seguia o féretro para o cemitério local, onde o falecido era enterrado, envolto no mesmo lençol em que chegara ao Brejo do Amparo. Cumprida a sua finalidade, o caixão retornava às mãos de Dona Jovina Carneiro”.

HORTALIÇAS “Papai teve a brilhante iniciativa de plantar hortaliças, no sítio onde morávamos, a fim de ocupar parte do espaço improdutivo do terreno. Sozinho, ele plantava, limpava, colhia e vendia sua produção. No Brejo do Amparo, até então, não se praticava a agricultura familiar. Ele foi o precursor dessa experiência lá. No povoado, nem mesmo se conhecia algumas hortaliças. Os naturais do lugar só conheciam os tomates do mato, que é erva daninha...”. VERDUREIRO

“Papai plantava alface, couve, tomate, pepino, pimentão e várias outras hortaliças... Com o passar do tempo, apesar das ocupações do cargo de delegado especial, ele virou um autêntico produtor e comerciante de verduras. Sua ótima produção era toda vendida em Brejo do Amparo e em Januária, diariamente. Nas duas localidades, papai tinha uma freguesia amiga e fiel, que sempre o esperava e o recebia com satisfação”.


JUMENTO

“Para facilitar seu trabalho, papai adquiriu um jumento e dois jacás (grandes cestos de taquara para o transporte de cargas). Diariamente, bem cedinho, antes de o sol nascer, ele arriava seu jegue, colhia as hortaliças, ajeitava as mesmas nos jacás (postados um em cada lado do burrico), despedia-se de mamãe e de quem já estivesse acordado, e tomava o rumo da cidade de Januária, onde ia vender a sua mercadoria ainda gotejante de orvalho”.

AFASTAMENTO

“Fomos morar em outra casa em Brejo do Amparo. Desta vez, propriedade de nosso primo Geraldo Gonçalves da Rocha, filho primogênito de meus tios-avós João e Laudelina (Laudi). Foi durante o tempo em que ocupamos essa nova residência, que mais lembranças consegui guardar da vovó Maria, pois ela morava numa dependência da mesma casa, com entrada e saída por uma rua lateral. Infelizmente, lembranças nada agradáveis. Minha mãe nos mantinha afastadas dela o tempo todo, sem nos dar a menor explicação”.

RECOMENDAÇÕES “Embora vivêssemos parede-meia, vovó não vinha em nossa casa e, muito raramente, íamos a casa dela. Quando, eventualmente, isso acontecia, era para cumprirmos uma incumbência rápida e, quase sempre, debaixo de mil e uma recomendações. Assim foi durante todo o tempo em que morei no Brejo do Amparo. Conseqüentemente, cresci sem poder receber seu carinho e ternura. Nem minha avó ficou sabendo o quanto eu gostava dela...”.

PRATO DE MINGAU


“Lembro-me, perfeitamente, de vovó Maria vivendo, sozinha, em sua casa, parede-meia com a nossa, conforme relatei anteriormente. Eu tinha, mais ou menos, nessa ocasião, sete anos de idade. Certo dia, mamãe preparou um prato de mingau e mandou-me levá-lo para a vovó. Não me lembro de que o mesmo era feito. Quando vovó terminou de tomá-lo, eu retornei para minha casa, levando o prato de volta”.

SEM EXPLICAÇÃO “No caminho, não consegui resistir ao cheirinho gostoso, que exalava do prato, e passei a lamber o restinho de mingau que sobrou. Fiz isso ingênua, distraída e inconscientemente. Não era nem um pouco de gula, pois eu, ainda, não sabia o que significava essa palavrinha esquisita. Também não era fome. Minha mãe, entretanto, quando viu o que eu estava fazendo, ficou furiosa. Inexplicavelmente, quando cheguei em casa, levei (mais uma...) baita sova”.

BARRIGA D’ÁGUA

“Só muito mais tarde é que eu fiquei sabendo que vovó Maria estava muito doente e que seu mal (considerado incurável) era conhecido pelos habitantes de Brejo do Amparo e pelos sertanejos em geral como “barriga d’água”. Também chamada de “hidropisia abdominal”, essa doença caracterizava-se pelo aumento de volume da barriga, daí o seu nome popular”. RECEIO DE MÃE

“Também fiquei sabendo a razão pela qual minha mãe nos mantinha, constantemente, afastadas de vovó Maria: era porque ela ficava receosa de que fôssemos contagiadas com a sua doença. Apreensão justificada, tendo em vista as crendices da época. Quanto ao tratamento médico (ou caseiro), à base de chás, que mamãe dava à vovó Maria, eu não me recordo de seu nome. Lembro-me que foi nessa casa que vovó Maria morreu, depois de muito sofrimento. Infelizmente, sua passagem na minha vida foi muito curta”.


PROTEÇÃO IMEDIATA

“Lembro-me de outro fato relacionado com a vovó Maria que muito me comove. Como todas as vovós que conheci, no decorrer do tempo, a minha, também, era muito bondosa, carinhosa e simpática com as suas netinhas. Com todas elas, sem exceção! Certa vez, minha irmã Elza, fugindo de uma iminente sova de mamãe, correu em direção à vovó Maria, procurando refúgio. Conseguiu proteção imediata... debaixo de sua saia!”.

INTERCESSÃO “Naquele tempo, era comum o uso de vestidos longos e rodados, por cima de saiotes, engomados, conhecidos por anágua. Prevendo o que poderia acontecer com a pobre Elza, vovó Maria quis protegê-la, permitindo que a neta se enfiasse debaixo de seu comprido vestuário. Mas nada adiantou a sua piedosa intercessão. Minha mãe acabou retirando a filha do aconchegante refúgio e lá mesmo, diante da bondosa velhinha, deu-lhe o corretivo que pensava a filha merecer...”.

FALECIMENTO “Eu não sei, exatamente, a data do falecimento de vovó Maria. O ano, talvez, tenha sido 1944, visto que eu tinha, na ocasião (eu nasci em 25-06-37), mais ou menos sete anos e meio de idade. Quanto ao mês... Teria sido dezembro? Não sei! Mas sei, com certeza, onde se deu o seu passamento: Vovó Maria faleceu na mesma casa onde nós morávamos (parte independente), pertencente ao nosso primo Geraldo Gonçalves da Rocha. Essa casa existe até hoje, na atual praça Ramiro Leite”.


DESPESAS

“Foi papai quem arcou com todas as despesas do funeral da vovó Maria. Soube que ele fez o melhor que pôde para que vovó Maria tivesse um enterro condigno. Esclarecendo alguma possível dúvida, devo dizer que Dona Jovina Carneiro emprestava o caixão, somente, às pessoas carentes, isto é, aquelas pessoas (parentes ou não) que não tinham dinheiro algum para pagar os gastos necessários. Este não era o caso de vovó Maria, pois papai podia (e fez questão de) pagar o sepultamento de sua sogra”.

SOLDO

“Conforme relatei, no início destas memórias, papai pertenceu ao Regimento de Cavalaria (Polícia Montada) do Estado de São Paulo, tendo sido reformado (aposentado), ainda jovem, no posto de Sargento, em decorrência de ferimentos à bala, recebidos na Revolução Constitucionalista de 1932, que o incapacitou para o serviço ativo da Corporação. Seu soldo (vencimento) era remetido, mensalmente, pelo governo paulista, para a Agência dos Correios de Januária. Contudo, papai sempre queixou que o recebia com atraso”.

TIA LAUDELINA “Minha tia-avó Laudelina (Laudi), era um admirável exemplo de esposa e mãe. Apesar de todo o seu sofrimento, curtido ao longo de várias décadas, tinha uma energia, resignação e serenidade, impressionantes. Franzina, fragilizada pela pouca saúde, traspassada pela dor incessante (física e moral), mesmo assim, encontrava força, coragem e paciência para cuidar do lar, de seu marido doente e de seus oito filhos, sendo sete homens e uma mulher. Não tenho dúvida alguma de que ela foi, aqui na terra, um verdadeiro modelo de santidade. Uma autêntica heroína católica, apostólica, romana”.


FRATERNIDADE

“Devo registrar aqui que mamãe tinha um amor muito grande pelos filhos de minha tia-avó Laudi. Sua admiração por Geraldo, Maria José, Manoel, Pedro, Antônio, José, Paulo e João, atravessou fronteiras, transpôs barreiras, superou o tempo, contagiando cada membro da nossa família. Em sua memória, enquanto Deus nos der vida e saúde, continuaremos cultivando esse seu nobre sentimento de amor fraternal”.

TIO JOÃO

“Não me lembro de ter visto, durante toda a minha vida, uma pessoa sofrer tanto quanto meu tio-avô João Gonçalves de França, esposo de minha tia-avó Laudi. Ele tinha, na perna direita, do joelho até ao pé, uma ferida, gangrenada, que lhe causava dores atrozes, dia e noite, nos sete dias da semana. Segundo nosso primo João Gonçalves da Rocha, o sofrimento de seu pai durou trinta longos anos...”. FORTALEZA “Mas meu tio-avô João era um homem de fibra! Não se deixava abater, facilmente, mesmo alquebrado pelo sofrimento atroz, mesmo vergado pelo peso de sua enorme e pesada cruz! Em minhas lembranças de menina, revejo-o trabalhando o couro, na sala de visitas de sua casa, fabricando, com suas mãos trêmulas e calejadas, sob encomenda, cintos, sandálias, selas, chicotes...”. ALUCINANTES “Esse trabalho, artesanal, era o ganha-pão de meu tio-avô João. Também, era a forma que ele encontrou de enganar seu próprio sofrimento. Trabalhando, ele se distraia. Distraindo-se, suas dores pareciam incomodar menos. E, assim, conseguia levar a sua vida... De vez em quando, entretanto, seu padecimento era tão grande, que deixava escapar gritos alucinantes que ecoavam na


solidão do lugar. Gritos que nos traspassavam o coração, enchendonos de uma tristeza sem fim...”.

PROBLEMAS CRUCIAIS

“Naquela época, as pessoas adultas (de um modo geral) eram secas no trato com os parentes, principalmente, crianças como eu, mas não eram más. Elas, também, tinham o seu lado ameno e dócil. O difícil era encontrar esse outro lado delas, pois viviam (quase sempre) carrancudas, mal-humoradas, zangadas, dificultando a nossa aproximação. Mais tarde, passei a entender que o comportamento delas era motivado pelos seus problemas (que não eram poucos), alguns cruciais, como os de meus tios-avós maternos, Laudelina e João Batata (como era conhecido)”.

PARATIFO

“Fomos morar em outra casa. Nesse ano, diversas meninas, amigas e colegas nossas, pegaram paratifo, doença conhecida, também, como botulismo. Essa doença era causada por intoxicação alimentar. Os adultos diziam que se tratava de uma doença infecciosa e incurável. Por causa dessa doença, uma família importante, de Brejo do Amparo – a Família Lopes – que vivia mais na fazenda do que no povoado, perdeu, de uma só vez, duas filhas adolescentes. Uma tinha treze e a outra quatorze aninhos de idade”.

TRAGÉDIA “Uma se chamava Joaninha e a outra Teresinha. As duas irmãs foram enterradas vestidas como Teresinha do Menino Jesus, a santinha francesa que entrou para o Carmelo de Lisieux aos quinze anos de idade e que, também, teve uma breve existência. Foi uma tristeza geral no Brejo do Amparo. Em um ano, essa família perdeu o pai, as duas filhas, além de um filho ter ficado entre a vida e a morte, por causa de um acidente com um cavalo. A pobre mãe e esposa


chorou tanto, nessa ocasião (eu cheguei a ver isso de perto), que já não tinha mais lágrimas para verter...”.

DEDICAÇÃO PATERNA “De todas as crianças que pegaram paratifo, só minha irmã Edite escapou, graças ao tratamento e cuidados especiais que papai lhe dedicou. Ela ficou parecendo um palito, muito magra, muito amarela e perdeu todos os cabelos da cabeça. Mas ficou curada, o que foi um verdadeiro milagre para a época. Milagre de Deus e do amor paternal, penso eu. Deus compensou o amor de meu pai. Não fosse o extremo zelo de meu pai, a cura de Edite, talvez, não tivesse acontecido. O amor do pai preservou a vida da filha. Minha irmã demorou a voltar ao normal, mas ficou perfeita”.

BISBILHOTEIRA “Durante a sua recuperação (não sei por qual motivo), Edite mudou de comportamento para conosco. Ficou intrigante, futriqueira, mexeriqueira... passando a contar para a mamãe tudo o que fazíamos e que ela considerava errado. Foi por causa de um de seus mexericos que levei a maior sova (mais uma...) de mamãe, tendo eu sido castigada, também, pela fatalidade”. ESQUELETINHO “Vou contar como tudo aconteceu. A Edite viu a Olindina e eu pegarmos o cãozinho da vizinha para cruzar com uma cadelinha que criávamos. Viu e não gostou. Ainda me lembro bem daquele esqueletinho apontando o dedo para nós duas dizendo e repetindo sem parar: “vou contar pra mamãe”, “vou contar pra mamãe”, “vou contar pra mamãe...”. Não deu outra; ela contou mesmo! Foram vãos os nossos apelos! Vãs as nossas promessas”! MANGUEIRA “Quando mamãe avançou na pobre da Dina com a disposição de bater, eu consegui escapar pela janela e fugi para a chácara. Desta vez eu subi até o olho de uma enorme mangueira, para que


minha mãe não me pudesse achar, e lá fiquei, encarapitada, na espreita de sua aproximação. Lá de cima eu pude observar quando minha mãe abriu a cancela e entrou na propriedade”.

FURIOSA “Como de costume, nessas ocasiões, mamãe estava furiosa. Pôs-se a me procurar e a me chamar com visível impaciência. Mas, como sempre, eu estava confiante na minha boa sorte. Tinha a certeza, absoluta, que ela não me acharia, pois se encontrava bem distante do lugar onde eu estava escondida. Infelizmente, porém, o destino resolvera pregar-me uma peça”.

MILAGROSAMENTE

“Tão aterradora era a situação, e o medo de ser encontrada por minha mãe tão grande, que, num momento de desconcentração, desequilibrei-me e despenquei-me lá do alto, batendo meu corpo, com violência, de galho em galho, enquanto eu tentava agarrar-me em algum. Milagrosamente, consegui segurar-me e equilibrar-me num deles, ainda à boa distância do chão”.

ENFRAQUECIDA “Onde eu me encontrava, talvez, jamais fosse vista por mamãe, pois a ramagem da mangueira, em grande parte, me cobria. Mas não pude firmar-me, nessa posição, por muito tempo. Zonza, apavorada, enfraquecida, esfolada nos braços, nas coxas e nas pernas e sentindo fortes dores pelo corpo, saltei, sem pestanejar, caindo ao chão, agachada. Sem forças, quase me arrastando, continuei minha fuga, esgueirando-me por entre as árvores, sem ter coragem de olhar para trás...”. ARAME FARPADO


“Movendo-me com extrema dificuldade, passei por baixo do arame farpado do canavial de Benedito Ferreira, o temido coronel. Metade do meu vestido ficou no arame e um belo corte na minha barriga. Enquanto adentrava o canavial, as folhas de cana cortavam os meus braços, pernas, rosto e tudo que encontrava a descoberto. Isso aconteceu pela manhã. Passei o dia todo me escondendo, ora aqui, ora ali, ora acolá, sentindo o ardume dos cortes e dos arranhões...”.

MORRENDO DE FOME

“De tardinha, morrendo de fome, lembrei-me que papai cortava os cachos de banana e escondia-os para os passarinhos não bicarem. Retornei, então, à chácara, vagarosamente, desconfiada de tudo e de todos, olhando para todos os lados, assuntando todo e qualquer barulho, receosa de encontrar minha mãe à minha espera. Para meu alívio, ela não se encontrava lá e eu pude saciar minha fome, comendo as bananas ainda verdes”.

PROTEÇÃO PATERNA

“Novamente, escondi-me. Já escurecia, quando vi meu pai aguando as hortaliças. Eu tinha tanto medo de minha mãe e das almas de outro mundo que, diziam os mais velhos, começavam a aparecer pra gente às 18 horas, que criei coragem e me aproximei de meu pai, pedindo a sua proteção. Papai ouviu-me com atenção, sem se desviar do que estava fazendo. Quando terminou o seu trabalho, deu-me, bondosamente, a sua mão, dizendo-me que não ia permitir que mamãe me batesse”.

APESAR DA PROMESSA “Em seguida, levou-me para casa e conversou, por um bom tempo, com minha mãe. Conversa infrutífera, inútil, baldada... Apesar da promessa, a intercessão de papai a meu favor não deu o


resultado esperado. Num momento em que eu me achava distraída, concentrada em meus pensamentos, mamãe pegou-me pelo braço e, aos solavancos, levou-me para o “quartinho das sovas”, onde me castigou com a palmatória. Penso que eu tinha, nessa época, perto dos oito anos de idade”.

QUARTINHO DAS SOVAS

“Se você estiver desejoso (ou desejosa) de saber que quartinho era esse, eu vou matar a sua curiosidade. O chamado “quartinho das sovas” era o local onde armazenávamos a lenha utilizada no fogão lá de casa... Era nele que, também, recebíamos nossos castigos, justos ou injustos. Dependendo da disposição de mamãe e da gravidade da pretensa falta cometida, eram usadas a correia ou a palmatória, sem dó nem piedade”.

INJUSTIÇA “Minha mãe, sempre, pedia para meu pai bater nos filhos, quando fosse preciso. Mas papai nunca atendia ao seu pedido. Sempre dava desculpa para não fazê-lo. Certamente, preferia que ela própria o fizesse. Entretanto, a cada dia que passava, mamãe mostrava-se mais e mais severa conosco, a ponto de nos castigar por atacado. Quando um dos filhos fazia um mal feito, todos pagavam por ele. Ela não entendia que isso era uma grande injustiça”.

DISCIPLINADOR “Diante dessa sua atitude, injustificável, papai decidiu assumir seu papel de disciplinador. Mas ai de nós!... Na hora do castigo, papai sempre se comportava igualzinho à mamãe e nos batia por atacado, também... Prendia todos os filhos no “quartinho das sovas”, tirava o cinto da cintura e dava cintadas sem conta. Batia, batia, batia, até se cansar... Assim foi por muito tempo”. OBRIGAÇÃO


“Enquanto papai nos punia, em meio a uma gritaria medonha, mamãe cuidava da casa, provavelmente, satisfeita com a decisão de seu consorte de dividir consigo a educação dos filhos. Afinal, ele lhe tirara um peso enorme das costas e da consciência. Acredito, sinceramente, que ela não gostasse de nos castigar. Fazia-o, quando julgava necessário, por achar ser seu dever de mãe, sua obrigação intransferível. Fazia-o para o nosso próprio bem. Agia com rigor, porque foi assim que ela foi educada, na sua infância, ali mesmo em Brejo do Amparo, sua Terra Natal”.

SEGUINDO A TRADIÇÃO

“Foi assim que ela aprendeu de sua mãe, que aprendeu de sua avó, que aprendeu de sua bisavó, que aprendeu de sua trisavó... Assim era desde tempos imemoriais. Conseqüentemente, não sabia educar seus filhos de outra maneira. Além disso, naquela época, a sociedade brejina era austera, rígida, inflexível, cópia fiel de outras sociedades contemporâneas. Não cabia à mamãe, natural do povoado, tentar mudar seus costumes seculares; apenas tomá-los como modelo”.

REPENTINAMENTE

“Mas um dia... Um dia, numa hora de intensa agitação e zoeira, lá no “quartinho das sovas”, mamãe abriu a sua porta, repentinamente, e ficou indignada com o que viu. Acabara de presenciar papai batendo com toda a sua força, com toda a sua energia, com toda a sua firmeza... na lenha empilhada, e, não, em nós! Visivelmente desapontada e contrariada com o que viu, chamou a atenção de papai e discutiu muito com ele. Daquele dia em diante, não lhe confiou mais a missão de nos castigar”. SAGACIDADE


“Mas o que acontecia, realmente, no “quartinho das sovas”? Então, a gritaria não era verdadeira? Em parte, era verdadeira! Só em parte! Lá dentro, nas sessões de castigo, papai dava duas ou três cintadas em cada uma de nós, pois reconhecia como sendo seu dever impor a disciplina na família. Depois, continuava batendo na lenha empilhada, a fim de enganar a mamãe, pois ele não queria contrariála nem desautorizá-la impondo as suas próprias opiniões. Assim foi, por muito tempo, até a astúcia ser descoberta”.

ESCOLA

“No meu tempo de menina, só havia uma Escola, em Brejo do Amparo. Ela era constituída de diversas classes. Várias eram as suas professoras, mas eu só me lembro de Dona Jovina Carneiro, Maria Proença e Elza Mota. Lembro-me, também, que só Dona Jovina Carneiro é que não dava aula no prédio escolar. Ela preferia lecionar em um grande salão, existente em sua própria casa”.

COLEGA DE CLASSE

“Quando Helena, a minha irmãzinha mineira, nasceu, em 21 de agosto de 1944, eu tinha sete anos de idade e, juntamente com minhas irmãs Dina e Edite, passei a freqüentar a Escola. Minha professora era Dona Jovina Carneiro. A casa, onde vivíamos, era vizinha da casa dela. Bela, a viúva de nosso primo José Gonçalves da Rocha era minha colega de classe. Lembro-me que ela assinava Maria Amélia Madureira da Mota”.


FESTIVAL ESCOLAR

“Não consigo me lembrar em que época do ano a Escola de Brejo do Amparo promovia uma espécie de festival escolar, ocasião em que as famílias brejinas se reuniam para verem seus filhos cantarem, recitarem ou encenarem pequenos dramas. Só me lembro de que Dona Jovina Carneiro era a professora mais criativa e entusiasta do povoado. Quase todos os seus alunos tomavam parte nesse festival. Por ser enorme, o mesmo acontecia, sempre, em seu quintal, em meio às suas árvores frutíferas, onde, para isso, era construído um palanque”.

TAPUIA

“Lembro-me, como se fora hoje, que, numa dessas festivas apresentações, uma aluna, vestida de índia, cantou uma canção que vou tentar reproduzir aqui: Sou Tapuia, gentil, graciosa/ Descendente de nobres Tupis/ Na Serra, onde me criei/ Entre araras, tatus, juritis/ Minha mãe era nobre Timbira/ Meu avô valoroso Tupi/ Minha avó, Tabajara formosa/ Eu... a linda e gentil Araci/ Quero ser batizada, confesso/ Quero a Lei Verdadeira abraçar/ Mas não posso deixar minha flecha/ Nem meu lindo e querido cocar...”

CABOCLINHA

“Recordo-me, também, de outro versinho, muito simpático, que foi cantado (ou recitado, não me lembro) numa dessas ocasiões acima referidas. Infelizmente, não me recordo de seu nome. Para este registro, vou lhe dar o título de “Caboclinha”. Ele é mais ou menos assim: Sou cabocla, caboclinha/ Do Sertão dos Jatobás (bis) / Quando pego no meu arco/ Flecho, flecho, sem parar (bis) / Mato


onça, mato gato/ Mato tudo que encontrar (bis) / Quando pego no meu arco/ Flecho, flecho, sem parar (bis)”. MÊS DE MAIO

“No mês de maio, tradicional mês de Maria, juntamente com outras crianças brejinas, eu costumava participar dos festejos da Igreja, em louvor à Nossa Senhora. Cada dia, três de nós, vestidas de anjo (ou de virgem), cada uma por sua vez, piedosamente, colocávamos o véu e a grinalda na cabecinha daquela mesma imagem tricentenária que foi roubada e que, infelizmente, até hoje, não foi encontrada. Era pura emoção!...”.

COROA DE FLORES

“Também, depositávamos pequenos feixes de flores a seus pés. Nessa ocasião, uma das canções que cantávamos na solenidade, dizia, mais ou menos, o seguinte: Virgem mãe imaculada/ Mãe de nosso Redentor/ Aceitai ó mãe querida/ Esta coroa de flores/ Que lhe ofertamos com amor”.

ILUMINAÇÃO

“As festividades do mês de maio, na Igreja de Nossa Senhora do Amparo, eram realizadas sempre à noite e eram iluminadas por lampiões de querosene. Eles eram vários, grandes e distribuídos, estrategicamente, pelo recinto da nave. Fora da Igreja e das casas, o Brejo do Amparo só era iluminado pela lua. Quando não havia luar, ficava mergulhado numa completa e medonha escuridão”.

CANDEEIRO


“A minha casa, como todas as demais residências brejinas, era iluminada, internamente, por candeeiros de querosene. Lembro-me que, à noite, quando eu fazia a lição de casa, meu cabelo, às vezes, chamuscava, causando-me certo alvoroço. Isso ocorria porque, por causa de sua luz fraca e bruxuleante, eu sempre trazia o candeeiro para mais perto de mim, apesar das recomendações, em contrário, de pessoas mais experientes”.

PROCISSÃO

“Certa vez, saí numa procissão, vestida de Santa Inês. Entretanto, ao invés de carregar o cordeirinho nos braços, como é representado na sua imagem, ele andava no chão, amarrado a uma corda que eu tentava segurar e controlar. Tentava!... O engraçado é que, ao invés de puxar o cordeirinho, como seria o normal (já que ele estava no chão), por ter mais força, ele é que me arrastava para todos os lados, fazendo os participantes, que estavam por perto, darem gostosas risadas, devido ao meu completo desajeitamento”.

COMÉRCIO

“Nessa época, o comércio de Brejo do Amparo era bom, pois tinha sortimento. Recordo-me de duas lojas de tecidos, um armazém (que era chamado de venda), e diversos açougues... Não sei se havia loja de sapatos, ou sapataria de consertos, mas lembro-me que eram vendidos, também, sapatos grosseiros, para uso na roça. Era nesses locais que meus pais faziam as suas compras. Não me lembro dos nomes dos comerciantes”.

ENCOMENDAÇÃO DAS ALMAS

“No período da Quaresma, o povo brejino cultivava uma tradição centenária chamada “Encomendação das Almas”. Essa


prática religiosa era desenvolvida só por mulheres, especialmente, as mais idosas do lugar. Elas saiam de suas casas à noite e se reuniam no adro da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Amparo, em volta do Cruzeiro que ali existia”. BATENDO MATRACAS

“Em seguida, rezando pelos defuntos, entoando cantos lúgubres e batendo matracas, essas piedosas mulheres dirigiam-se para o Cemitério local. Não me lembro se elas chegavam a entrar no Campo Santo. Também não me lembro se essa tradição era cumprida só na Sexta-Feira Santa. Por sentir pavor de assuntos desse tipo, nunca participei dessa cerimônia. Nem de longe eu espiava...”.

TRAVESSURA

“Havia um homem, constantemente, embriagado, no largo da Igreja de Nossa Senhora do Amparo. Certa tarde, eu e uma amiga minha, passando por lá, por acaso, decidimos pregar-lhe uma peça, tirando-lhe as calças. Era uma brincadeira. Apenas uma brincadeira. De mau gosto (hoje eu sei), mas, repito, uma simples brincadeira. Coisa de criança vadia e travessa, nada mais...”.

DIVERSÃO

“Não havia malícia alguma de nossa parte, eu juro! Só queríamos nos divertir com as excentricidades de um homem embriagado. Era noitinha e a escuridão era quase total. Agarrei uma perna da calça do bêbado e minha amiga a outra. O coitado resmungava palavras desconexas, debatia-se e tentava segurar suas calças pela cintura, através de suas mãos rudes e trêmulas”.

CONTRIÇÃO


“A cada puxada que lhe dávamos, ríamos à bandeira despregada. Estava muito divertido e era só isso – diversão - o que queríamos. Não sabíamos da gravidade da nossa conduta. Enfim, cansadas, desistimos de realizar o nosso intento. Saímos, então, arrastando o pobre coitado por alguns metros e, um pouco à frente, o deixamos, solitário, curtindo a sua embriaguez...”. ACABRUNHADA

“Mais tarde, muito acabrunhada, atormentada pelo remorso, vim a saber que aquele pobre pinguço do adro da Igreja de Nossa Senhora do Amparo, que molestamos na boquinha da noite, por vadiagem, era o meu tio-avô materno José Rodrigues da Rocha, apelidado de “Tenente”, tio de minha mãe e irmão de minha avó Maria. Fiquei tão arrependida, tão envergonhada com o meu procedimento impensado, que nunca mais fiz molecagem desse tipo”.

AINDA VIVIA

“Quando meu tio-avô José Rodrigues da Rocha estava no Brejo do Amparo, podia ser encontrado, invariavelmente, num desses dois lugares: na casa de meus tios-avós Laudelina (Laudi) e João Batata, ou na Praça da Igreja de Nossa Senhora do Amparo. Nesse último lugar, ele era visto, quase sempre, bêbado. Em 1947, quando retornamos a São Paulo, ele ainda vivia”.

DELEGADO DE POLÍCIA


“Conforme disse em outro local destas minhas memórias, papai era Sargento Reformado da Polícia Militar (Regimento de Cavalaria) do Estado de São Paulo. Ele foi obrigado a deixar as suas atividades militares, ainda novo, em conseqüência dos balaços que recebera durante a Revolução Constitucionalista de 1932. Sabedores disso, os coronéis fazendeiros, residentes em Brejo do Amparo, convidaram-no para ser uma espécie de Delegado Especial (ou Comissário) de polícia regional”. INCUMBÊNCIA

“Sua principal incumbência, seria caçar e prender os bandoleiros que infestavam a região. Um trabalho solitário, perigoso, traiçoeiro e diuturno. Trabalharia sob tensão, risco de saúde e risco de morte, permanentemente. Até mesmo depois que deixasse o cargo (se um dia o fizesse), sua vida continuaria a correr perigos. Papai sabia disso, mas não pôde recusar o convite recebido. Sua formação militar não o permitia. Seria desonroso se o fizesse, pois era evidente que a Pátria (através do Município e de seus Cidadãos) estava precisando, naquele momento, de seu destemor, de sua experiência e de seu patriotismo”.

VOCAÇÃO

“Papai, então, não se fez de rogado. Atendendo à convocação dos coronéis fazendeiros brejinos, passou a receber ordens diretas do governo municipal, sediado no centro da cidade. Em suas missões policiais, sempre agiu sozinho. Pelos inúmeros serviços prestados como Delegado Especial, papai jamais recebeu remuneração. Nem honrarias. Nem ele fez a menor questão disso. Nos dias de folga, entretanto, nunca se descuidou do cultivo da terra, sua segunda vocação, plantando, colhendo e vendendo suas hortaliças”.

ENERGIA ELÉTRICA


“Vicente Carneiro, um dos prósperos fazendeiros locais, era o único que mantinha em sua fazenda, no Boqueirão, um gerador de energia elétrica, movido a água. Mas a energia gerada por seu maquinário era muito fraca. Por serem amigos, papai ia sempre à sua casa, à noite, das 19 às 20 horas, para ouvir, pelo rádio, o programa do governo federal “A Voz do Brasil”. Ouvir e dar seus palpites, numa roda de amigos”. MOÇA HUMILDE

“Em nossa casa trabalhou uma moça humilde, procedente da roça. Morando algum tempo conosco, ela teve a oportunidade de conhecer um rapaz, de boa família, com o qual se simpatizou. Os dois se enamoraram e resolveram se casar, algum tempo depois. Por gostarmos muito dela, meus pais procuraram ajudá-la em tudo que puderam, com a máxima boa vontade. Desde o seu enxoval, até a festa de seu casamento”.

UNIFORME DE GALA

“Durante o seu noivado, meus pais lhe deram vários presentes de utilidade doméstica. E, até mesmo, o inusitado presente de ser acompanhada ao altar por meu pai. No dia do seu casamento, meu pai foi vestido como poucas vezes esteve no Brejo do Amparo. Ele foi trajado com o uniforme de gala da Polícia Militar do Estado de São Paulo, para encanto e suspiro das moças solteiras, presentes à cerimônia religiosa”.

BONITA FESTA

“Esse uniforme de gala era, completamente, desconhecido dos moradores do povoado. A última vez que ele fora usado por papai, ainda residíamos em São Paulo. E isso já fazia um bom tempo... Após a cerimônia religiosa, realizada na Igreja de Nossa Senhora do Amparo, oficiada pelo Padre Ramiro, houve uma bonita festa de casamento em nossa casa”.


NOIVAS BREJINAS

“A partir desse memorável dia, freqüentes foram os convites, recebidos por meu pai, para acompanhar as noivas brejinas, em suas cerimônias nupciais. Desde que seus afazeres o permitissem, papai sempre os aceitava com o maior prazer. Ele adorava servir à gente simples do lugar. No dia e hora combinados, lá ia meu pai, todo garboso, levando as felizes nubentes pelo braço até ao altar...”.

PADRE ANTÔNIO ROCHA

“Foi o Padre Ramiro Leite Felício dos Santos, então Vigário de Brejo do Amparo, quem encaminhou o nosso primo Antônio Gonçalves da Rocha, filho de meus tios-avós maternos Laudelina (Laudi) e João, para o Seminário Diocesano, a fim de seguir sua florescente vocação sacerdotal. Nosso primo fez seus estudos, preliminares, no Seminário Menor, localizado na cidade mineira de Diamantina”.

SEMINÁRIO MAIOR

“Seus estudos superiores de Filosofia e Teologia foram feitos no Seminário Maior, estabelecido na cidade mineira de Mariana. Sua Ordenação Sacerdotal foi em 30 de novembro de 1957, na Catedral de Montes Claros, numa belíssima cerimônia presidida por Dom José Alves Trindade e prestigiada por parentes e amigos de Brejo do Amparo, Januária e Belo Horizonte. Sua Primeira Missa foi na Igreja Matriz da mesma cidade”.

TERRA NATAL


“A Primeira Missa de nosso primo Padre Antônio Gonçalves da Rocha, em sua Terra Natal, Brejo do Amparo, foi celebrada no dia 08 de dezembro de 1957, na então bicentenária Igreja Matriz de Nossa Senhora do Amparo, em meio a um enlevamento geral, tanto de seus parentes, quanto de seus conterrâneos. Concelebraram-na o Cônego Ramiro Leite Felício dos Santos, Vigário da Paróquia, e Frei José Maria de Belo Horizonte, Frade Menor Capuchinho, seu primo em primeiro grau, filho de meus tios-avós maternos Antônio e Tunica. BODAS DE OURO

“Em 30 de novembro do próximo ano (2007), portanto, nosso caríssimo primo Padre Antônio Gonçalves da Rocha estará festejando as suas Bodas de Ouro Sacerdotais, para gáudio de seus parentes, de um modo particular, dos brejinos, de um modo especial e da legião de amigos que conquistou, ao longo do tempo, em todas as paróquias em que, brilhantemente, serviu como Pároco. A ele o nosso grande abraço, os nossos cordiais, efusivos e antecipados parabéns e os nossos votos de felicidade perene; meus e de minha família”.

JOVINA CARNEIRO

“Dona Jovina Carneiro era irmã de Vicente Carneiro, um dos amigos de papai, dono da Fazenda Boqueirão. Foi ela quem batizou Helena, minha irmãzinha caçula, juntamente com Agenor da Mota. Ela, também, foi minha professora primária, por algum tempo. Dona Jovina tinha uma filha de criação, chamada Margarida, que foi minha madrinha de consagração. Margarida era mãe de Arnaldina, que ainda vive e mora em Brejo do Amparo”.

ÁGUA DE GROTA


“No Brejo do Amparo, do meu tempo de menina, não havia cisterna. E nem sonhávamos com água encanada. A água utilizada em nossa casa, como em todas as demais, era buscada nas grotas existentes nas redondezas e transportada em latas, de diversos tamanhos, que equilibrávamos na nossa cabeça. Para os moradores do lugar, ela era uma água de boa qualidade, pois não tinha gosto, cheiro e cor...”.

FESTAS “As festas em Brejo do Amparo, fossem religiosas ou profanas, eram muito animadas, muito organizadas e muito concorridas. Tinham grande participação popular. Não só a de seus habitantes, mas, também, a de moradores de povoados vizinhos e até de lugarejos mais afastados, que vinham a pé ou a cavalo. Todo ano havia a festa natalina, a festa do Divino, as festas juninas (de Santo Antônio, São João e São Pedro), o entrudo, a farinhada, o bumbameu-boi e várias outras”.

FESTAS JUNINAS

“A atração principal das festas juninas eram as fogueiras. Elas eram acesas na véspera da festa, no início da noite. Ao seu redor, adultos e crianças dançavam, cantavam, brincavam, namoravam e contavam casos e piadas, até o dia amanhecer. Em quase todas as casas havia uma. Quase todas as famílias festejavam os santinhos mais populares do mês de junho: Santo Antônio, no dia 13, São João, no dia 24 e São Pedro, no dia 29. Eu tinha muitas “madrinhas” e “comadres” de fogueira, um costume bem antigo que o povo local cultivava com respeito”.

FESTA DO DIVINO


“A festa do Divino era a mais badalada de todas. No meu ponto de vista, era mais concorrida do que a festa natalina. Isso porque, para participar de seus festejos, vinha gente de quase todos os povoados vizinhos, sem falar nos moradores da cidade, lugar de gente rica, elegante e cheirosa. Nessa ocasião, o Brejo do Amparo ficava cheio de gente alegre e colorida. Para essa festa, as pessoas usavam as suas melhores roupas, os seus melhores calçados e se enfeitavam muito. Você acredita que até as crianças daquele tempo usavam pintura e batom? Pois é, usavam sim...”.

ENTRUDO “O nosso carnaval era o entrudo. Um carnaval singelo e inocente, se comparado com o carnaval de hoje. Eram três dias de aguagem (ou aguaceiro). Aquele (ou aquela) que fosse apanhado desprevenido ou distraído, coitado... recebia um verdadeiro “banho” de água fria. E não adiantava reclamar não! Quem não quisesse, de repente, sofrer o susto e o vexame de ser molhado em público, era só não sair de casa durante os três dias de folguedos. Mas qual a moça ou rapaz que dispensaria sua participação nessa brincadeira? Pergunta difícil de responder, mesmo em se tratando daqueles longínquos e austeros tempos...”.

FARINHADA

“Na quarta-feira de cinzas, ao invés de água, as pessoas jogavam farinha de trigo umas nas outras. Era um corre-corre e um esconde-esconde constantes, a fim de não receber uma “farinhada” na cara. Quando isso acontecia, os cabelos e o rosto da pessoa atingida ficavam esbranquiçados, totalmente. Com a agitação natural dos envolvidos, ocorriam gritos, risadas e algum xingamento de mentirinha, concorrendo essas e outras disposições para abrilhantar a brincadeira e entusiasmar, cada vez mais, os participantes”.

BOI-BUMBÁ


“A festa do Boi-Bumbá (ou Bumba-Meu-Boi) tinha origem nordestina e era, também, muito divertida. O Boi-Bumbá era formado por dois homens que ficavam debaixo de uma armação, coberta de pano, representando um boi bravo. Entretanto, de boi mesmo só havia os chifres, que eram investidos, continuamente, contra a assistência, com a finalidade de fazer adultos e crianças correrem, apavorados, para não serem chifrados”.

MULINHA DE OURO “A Mulinha de Ouro era interpretada, também, por um homem. Em sua cintura era colocada uma armação, parecida com o dorso de animal de montaria, coberta por um longo pano. A partir dela, começava uma caracterização de mula pequena (daí o nome mulinha). Ela tinha cabeça, orelhas e focinho de mula, feitos de papelão e papel colados, devidamente pintados. Também tinha cabresto, rédeas, estribos e rabo de crina. Sua finalidade era dançar, rodopiar e fazer troça (gracejo, caçoada, farra...)”.

CATARINA NEGA

“Como as duas figuras anteriores, a Catarina Nega tinha a finalidade, também, de ridicularizar, de fazer zombaria. Por isso mesmo, era representada, novamente, por um homem; desta vez, entretanto, caracterizado de mulher. Portava um turbante na cabeça e dançava, escandalosamente, levantando a saia e agarrando os homens incautos. A cada tentativa de agarramento, havia correria e a assistência caprichava na gozação...”.

SAPATO ARREADO

“Nas ocasiões festivas de Brejo do Amparo, eu, minhas irmãs e as meninas da época gostávamos de usar sapatos arreados. O motivo era deixar à mostra o esmalte que passávamos nas unhas dos


dedos dos pés, ficando, assim, mais bonitos. Quando não tinham arreios, os sapatos eram chamados de chinelos”.

SIMPLISMO “Quando uma família era pobre, tinha muitos filhos, mas, mesmo assim, queria ou precisava comparecer a uma festa, era comum ver uma das crianças descalça, com uma tira de pano amarrada num dos dedos, ou no calcanhar, ou em qualquer outra parte do pé, aparentando um curativo. Na realidade (todos sabiam), não havia ali machucado algum. Era, apenas, uma simulação, um disfarce. Era um jeitinho, simplório, de tentar encobrir a carência da família”. EXPRESSÕES “Algumas expressões, tipicamente sertanejas, que eu ouvia e usava durante o tempo em que morei em Brejo do Amparo: Abestado (retardado, idiota); Vou rompendo (vou à frente); Apiar (descer do cavalo); Em riba (em cima); Caxingando (mancando); Bexiga (varíola); Monturo (lugar onde se joga o lixo); Mucado (muito); Mungango (careta); Alarme (demais); Macacoa (doente, sem disposição)”.

MAIS EXPRESSÕES “Mais algumas expressões sertanejas, ouvidas e utilizadas por mim, durante a minha infância em Brejo do Amparo: Pra mode (para); Zuretado (doido); Pito (cigarro); Renrenren (intriga); Xurumela (choradeira); Forrobodó (dança); Inhaca (mal-estar); Cadê (o que é feito de...); Fazendo se besta (fazendo pouco caso); Tabefe (bofetada); Imbodando (mentindo); Uái (surpresa, espanto); Mangano (fazendo caçoada); Bestagem (asneira, tolice)”.

AS NOVENAS “Em Brejo do Amparo, também, realizavam-se novenas. Algumas eram oficiais, outras não. As oficiais tinham a participação e


o incentivo do Vigário. Pelo espaço de nove dias, o povo se reunia na Igreja Matriz para rezar o terço, louvar a padroeira ou o santo festejado (por exemplo, Santo Antônio, São João, São Pedro), fazer pedidos de ajuda e proteção e cantar hinos religiosos. Eram, quase sempre, abrilhantadas com foguetório”.

CONCORRIDAS “As novenas oficiais eram bastante concorridas. Algumas tinham festeiros que eram, geralmente, fazendeiros ricos ou autoridades do lugar. Tinham como missão organizar as festividades, patrocinar as despesas, e arrecadar as ofertas da população, fossem em dinheiro ou em prendas. À noite, após as cerimônias religiosas, e aos domingos, após a Missa, eram feitos os leilões no adro da Igreja”. PEDINDO CHUVA

“As novenas não oficiais eram organizadas, somente, pelo povo. Tinham finalidades variadas: fazer penitência, pedir alguma graça ou pagar alguma promessa. Eu tomei parte em uma dessas novenas, preparada por meu pai. Foi para pedir chuva, pois o Brejo do Amparo, nessa ocasião, estava uma secura só. Vivíamos, há meses, sob um sol abrasador”. ESTURRICADAS “Não chovia há muito tempo. Nem no Brejo do Amparo, nem em seus arredores. A terra e a plantação estavam esturricadas e os riachos e córregos secando, rapidamente. Não havia pasto para os animais que, por isso, viviam à míngua. Meu pai conseguiu sensibilizar um grupo de pessoas, a maioria mulheres e, todos os dias, durante nove dias, munidos de vasilhames com água e braçadas de flores, fizemos o percurso entre o Cruzeiro que ficava em frente da Igreja de Nossa Senhora do Amparo e o Cruzeiro que ficava em frente do Cemitério local”. PROCISSÃO


“Antes de sairmos em procissão, rezávamos e cantávamos em frente do Cruzeiro da Igreja de Nossa Senhora do Amparo e jogávamos um pouco de água e flores a seus pés. Depois, nos organizávamos em fila indiana e, rezando e cantando hinos religiosos, íamos para a frente do Cruzeiro do Cemitério local”.

REZANDO E CANTANDO

“Em frente do Cruzeiro do Cemitério local, procedíamos da mesma maneira já descrita, ou seja, novamente, rezávamos, cantávamos e jogávamos água e flores a seus pés. Retornávamos, em seguida, ao ponto de partida, do mesmo modo que tínhamos saído, isto é, em procissão, em fila indiana, rezando e cantando. Depois, nos dispersávamos, cada um indo para sua casa”. ENVAIDECIDA E HONRADA

“Nessas procissões, era eu quem carregava a Cruz que dava início ao cortejo. Durante os nove dias seguidos, lá estava eu, debaixo de um sol causticante, à frente de uma pequena multidão, transportando uma Cruz que era o dobro da minha própria estatura. Ao invés de me sentir desanimada, entretanto, sentia-me garbosa, envaidecida e honrada e não cedia a minha posição pra ninguém”!

FÉ VIVA

“Meu envaidecimento tinha motivo: sabia que meu sacrifício, embora pequeno, tinha muito valor perante Deus. Poderia contribuir para a obtenção de um imensurável benefício para o povoado. Benefício este desejado, ardentemente, dia após dia, meses seguidos, por todo aquele povo humilde, mas cheio de fé, que ali estava, em procissão, rezando e cantando. E eu não me enganei, pois a fé viva daquela gente foi recompensada”.

PRENUNCIAÇÃO


“No nono dia da novena, no horário costumeiro, quando já estávamos em procissão, a meio caminho do Cemitério, o céu brejino começou a cobrir-se de nuvens escuras e um vento forte principiou a soprar em nosso rosto e a esvoaçar os nossos cabelos rebeldes. Em pouco tempo, os primeiros relâmpagos riscavam o espaço anoitecido e o ribombar dos trovões prenunciavam a proximidade de um temporal”.

RECOMPENSA

“Não demorou muito e uma chuva torrencial desceu sobre nossas cabeças, lavando nossos corpos e nossas almas. Todos nós, ao mesmo tempo, ríamos e gritávamos palavras de gratidão a Deus e de contentamento. Minha satisfação, também, era tanta, que mal percebi que, com a chuva, minhas mãos e parte da minha roupa se sujaram de uma tinta escura, proveniente da madeira, molhada, da cruz que carregava”.

AOS PÉS DA CRUZ

“Então, voltamos, todos, correndo, para o nosso ponto de partida e, aos pés do Cruzeiro, no adro da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Amparo, sobre a terra molhada e ainda cheirosa, ajoelhamo-nos, sensibilizados e agradecidos, rezando e cantando, uma vez mais, as orações daquela novena milagrosa”.

AGRADECIMENTO

“Desta vez, entretanto, ao invés de clamores e apelos, angustiados, soltávamos gritos da mais pura alegria, da mais pura satisfação, da mais pura gratidão, louvando e agradecendo a Deus, nosso pai extremoso, do fundo de nosso coração, por ter tido piedade


de nós, seus filhos brejinos, mandando a chuva de que tanto vínhamos precisando”.

SEM FUTURO

“Já de algum tempo, nas nossas conversas familiares, no recinto de nossa casa, eu ouvia meu pai dizer e redizer para minha mãe da necessidade de retornarmos a São Paulo, porque não via futuro para seus filhos em Brejo do Amparo. Mamãe ora ouvia seus argumentos, absolutamente, calada, ora retrucava, veementemente, sempre recusando qualquer entendimento nesse sentido”.

MAIS TEMIDO “Não havia argumento algum que convencesse mamãe da necessidade desse retorno. As tentativas de papai se sucediam e as negativas de mamãe, também, gerando um grande impasse entre os dois. Enquanto isso, os meses iam passando, passando, passando... Até que um dia estourou a desavença entre papai e Benedito Ferreira, o Coronel mais temido de Brejo do Amparo e do Sertão, naquela época”.

BENEDITO FERREIRA

“Mas, afinal, quem era Benedito Ferreira? Benedito Ferreira era fazendeiro brejino e Coronel da Guarda Nacional. Era rico e tinha grande prestígio político. Ele morava num belo casarão, em sua fazenda, e era dono de extensa faixa de terra, que chegava até ao Brejo do Amparo. Muita gente trabalhava sob as suas ordens, entre empregados e jagunços”. JAGUNÇOS “Os jagunços do Coronel Benedito Ferreira eram homens de sua inteira confiança, todos escolhidos a dedo, ou seja, selecionados


dentre os mais afamados do Sertão. Eles eram rudes, ríspidos, grosseiros, prepotentes, capazes de cometerem, com suas vítimas, as maiores barbaridades, as maiores crueldades, ao menor sinal do patrão coronel”. MUITO AMIGOS

“No passado, papai e o Coronel Benedito Ferreira foram até muito amigos, tendo havido, entre os dois, uma harmoniosa e servil convivência. Assim foi até que, em determinada época de eleições locais, papai decidiu não apoiar o candidato indicado por ele. Ao saber de seu posicionamento, o Coronel Benedito Ferreira ficou furioso, colérico, transtornado, e demudou, completamente, a partir daí, o seu relacionamento com meu pai”.

INIMIZADE “Com a sua decisão de não apoiar o candidato indicado pelo Coronel Benedito Ferreira, meu pai comprou, sem querer, uma inimizade descomunal com ele. O resultado disso foi muito danoso para toda a nossa família, como veremos a seguir, pois o homem ficou cego de ódio por papai. De imediato, todas as relações entre os dois (sociais, comerciais e partidárias), foram interrompidas, de forma brusca e abrupta”.

JURADO DE MORTE

“Conseqüentemente, papai passou a ser considerado não só um adversário político, como, também, um inimigo pessoal do Coronel Benedito Ferreira. Com a sua franqueza e honestidade, meu pai ganhou um opositor, extremamente, poderoso, ferrenho, inescrupuloso e feroz, chegando a ser por ele jurado de morte”.

DESASSOSSEGO


“A partir desse infausto acontecimento, adeus paz, adeus sossego, adeus tranqüilidade, para papai e para cada membro da nossa família, incluindo minhas irmãs mais velhas Olindina, Edite e eu, pois já tínhamos condições de entender a gravidade da situação. A inquietação, a intranqüilidade, a aflição, o nervosismo e o terror, passaram a rondar nossa casa e a nos dominar de dia e de noite. Éramos torturados, até mesmo, pela nossa própria sombra...”.

TOCAIAS

“Os jagunços contratados pelo Coronel Benedito Ferreira, para matar meu pai, viviam armando suas tocaias pelos matos e trilhas da região, por onde papai poderia passar ao término de suas missões policiais, mas nunca conseguiam realizar seus intentos, graças a Deus! Apesar de papai não gostar de tocar nesse assunto, para não afligir mais a família e aos nossos familiares, sabíamos que várias foram as emboscadas preparadas contra ele”. ANJOS DE GUARDA

“Entretanto, por ser muito querido em Brejo do Amparo e povoados vizinhos, papai, sempre, era avisado, com antecedência, por algum amigo ou conhecido, quando viam os jagunços de Benedito Ferreira se posicionarem no mato ou pedirem informações sobre a sua pessoa aos andarilhos nas estradas, possibilitando a sua escapada. Para nós, da família, os informantes de papai eram verdadeiros Anjos de Guarda que Deus colocava em seu caminho, com a missão divina de protegê-lo dos capangas do Coronel”.

PRESSÃO E OPRESSÃO

“Apesar da pressão e opressão que enfrentava, diariamente, papai nunca se abateu e nunca se intimidou diante da tirania. Andava, constantemente, com a sua arma na cintura (afinal, ele era Delegado Especial de Polícia), sempre pronto para qualquer enfrentamento com os capangas do Coronel fazendeiro ou com


quaisquer outros bandoleiros ou arruaceiros. Inusitadamente, porém, algumas tocaias fracassaram, antes mesmo de serem perpetradas...”.

VALENTE E DESTEMIDO

“Fracassaram porque, além da proteção de Deus, que nunca nos faltou, nas horas mais difíceis de nossas vidas, alguns indivíduos, contratados pelo Coronel Benedito Ferreira para executarem as tocaias, simplesmente, desistiram da empreitada, ao saberem que meu pai tinha sido um valente e destemido militar do Regimento de Cavalaria do Estado de São Paulo, e que era ex-combatente da Revolução Constitucionalista de 1932”.

QUASE ENLOUQUECEU “Nessa ocasião, mamãe quase enlouqueceu de tanta preocupação e sobressalto. Era um susto atrás do outro. A cada notícia que ela recebia sobre as pretensas patifarias do coronel fazendeiro contra meu pai, ela ficava angustiada, aflita, ansiosa, transformando seus nervos em frangalhos. Acabou entrando em desespero, ficou depressiva, chorava com facilidade, quase não dormia, quase não se alimentava e fumava demais”.

VIVIA RECLUSA

“Durante o dia mamãe se assustava com freqüência, tinha pesadelos todas as noites, e vivia reclusa em sua própria casa. Ela não tinha disposição para nada. Nada mesmo! Tudo lhe aborrecia. Quase tudo lhe causava aversão. A cada dia, a situação da família piorava a olhos vistos; os temores aumentavam a cada hora; os boatos se sucediam a todo instante...”.


ANGÚSTIA

“A angústia se apossou de toda a nossa família. Até mesmo de nós, crianças ingênuas, que mal entendíamos o que se passava. Repentinamente, perdemos o nosso direito constitucional de ir e vir, a nossa segurança pessoal, a nossa estabilidade, a nossa tranqüilidade e a nossa confiança nos homens. Principalmente, nos homens recémchegados ao povoado, desconhecidos da família”!

INFÂNCIA INTERROMPIDA

“Deixamos de brincar, de pular, de gritar, de cantar, de correr, de sorrir... Diferentemente das demais crianças de Brejo do Amparo, só tínhamos vontade de chorar! Nosso olhar tornou-se melancólico, propagando como uma virose em cada um de meus irmãos. Tivemos a nossa infância interrompida, brutalmente, num piscar de olhos, num estalar de dedos, num passe de mágica, devido ao despotismo de um Coronel da Guarda Nacional”. INSUSTENTÁVEL

“Viver em Brejo do Amparo, a partir desse infeliz episódio, ficou insustentável para todos nós, adultos e crianças. Ficou tão arriscado, perigoso e ameaçador, que mamãe, finalmente, caiu na realidade e decidiu concordar, sem delonga, em voltarmos a residir na cidade de São Paulo, antiga aspiração de papai. Na primeira oportunidade que teve comunicou a papai a sua decisão e com ele, de imediato, passou a acertar os preparativos para a nossa viagem”.

NUM CORTIÇO

“Em 1947 (não me lembro do mês), após cinco anos de uma maravilhosa vida sertaneja em Brejo do Amparo, terra de meus antepassados maternos, convivendo, diariamente, com a fauna e


flora do sertão mineiro e com a gente simples do lugar, respirando o ar puro de seus campos, nadando nas águas límpidas de seus riachos e brincando sob a luz de seu esplendoroso luar, retornamos para São Paulo. Tinha eu, nessa ocasião, dez aninhos de idade. Chegamos à Paulicéia num dia cinzento, garoento e friento e fomos morar em um cortiço fedorento (perdoe-me a expressão), no fundo de um quintal insalubre...”.

QUINZE PESSOAS

“O telhado do cortiço era de zinco e só havia um banheiro para quatro famílias estranhas entre si. Éramos quinze pessoas ao todo, entre adultos e crianças. Todos morando debaixo do mesmo teto! Nós nos trombávamos e nos revezávamos todo dia e o dia todo... e à noite, também! Era, simplesmente, um horror”!

HABITAÇÃO COLETIVA “Você sabe o que é um cortiço? Se não sabe, vou lhe dizer: “É uma casa de cômodos onde moram muitas famílias”. Em outras palavras, “é uma habitação coletiva de gente pobre” – dizem os dicionários, resumidamente. Entretanto, nem de longe eles traduzem a penosa realidade... Só quem viveu num cortiço, como eu vivi, sabe o sofrimento que é”.

APENAS COMEÇANDO

“A parte que nos coube tinha, apenas, um quarto e uma cozinha pequenininha. Dormíamos (dois adultos e seis crianças), embolados, em uma única cama. Nós, crianças, tomávamos banho num tanque, em água fria, em espaço aberto e nossas necessidades fisiológicas eram feitas em um penico. Nosso sofrimento estava, apenas, começando...”.


ESTRANHEZA

“Eu que vivera os últimos cinco anos no Sertão de Minas Gerais, gozando da mesma liberdade das aves e dos pássaros, respirando o ar puro dos campos e bosques, residindo em casas espaçosas, com quintais e pomares imensos, brincando com minhas coleguinhas de escola ou de Igreja, em frente de nossas casas, sob a luz do luar e contemplando o esplendor das estrelas, em noites escuras, fui a primeira a estranhar e a achar ruim a nova situação. Levei tempo, muito tempo, para acostumar-me com São Paulo e seus problemas”.

NOVA VIDA

“Mas fazer o que, né? A vida tem dessas coisas... “A vida é luta renhida, viver é lutar” – já dizia o nosso poeta Gonçalves Dias. Vivemos lutando contra a fome, a miséria, a ignorância, o desemprego, a injustiça, a doença... O jeito, então, foi tentar acostumar-me com a nova vida, pois era minha obrigação, em primeiro lugar, ajudar meus pais a tocar o barco pra frente e a carregar o andor da família, que não era pequeno nem leve...”.

DISTANTE DE CASA

“Com exceção de Olindina, única dos meus irmãos que já havia feito o quarto ano primário, todos os demais, inclusive eu, voltamos a freqüentar a Escola. O Estabelecimento de Ensino mais próximo, entretanto, encontrado por papai, para nos matricular, ficava um pouco distante de casa”.


LONGO TRAJETO

“Para chegarmos até a Escola em que papai nos matriculou, tínhamos que percorrer um longo trajeto a pé. Fizesse calor desmedido – o que era quase impossível acontecer em São Paulo – frio glacial ou chovesse a cântaros, nossa primeira obrigação (recomendada, energicamente, pela nossa professora), era cumprir o horário determinado pela Diretoria. As nossas dificuldades, porém, não tardaram a aparecer...”.

MOLESTADOS

“Mal chegamos a São Paulo, passamos a ser molestados pelos nossos novos colegas de escola e de rua. Ao contrário dos brejinos, os nossos companheiros paulistanos chamavam-nos de “pau de arara”, “cabeça chata”, e “caipira”. Nosso sotaque mineiro passou a ser motivo de gozação e até a exclamação “uai” vivia servindo de chacota, para nosso desespero”.

NÃO AGUENTEI “Não agüentei tanta implicação, antipatia e desconsideração. Como tinha sangue quente e me expressava muito bem, reagi de imediato. Enfrentei meus colegas um a um, cara a cara, olho no olho. Por mim e por meus irmãos que, amedrontados, sempre assistiam aos entreveros de longe. Sempre que nos provocavam, eu partia para o confronto... Isso aconteceu muitas e muitas vezes, até que cessaram, de vez, todas as hostilidades contra nós”.

GUERREIRA

“Certa ou errada, lá em casa prevalecia a seguinte regra, imposta por papai: “se apanhar na rua, apanhará em casa, também”. Eu cumpria à risca esse preceito paterno. Não porque tinha medo de apanhar em casa. Mas, sim, porque, desde pequenininha eu sempre


fui uma guerreira, combatendo, com arrojo, valentia, coragem, indelicadezas, antipatias e iniqüidades de todas as espécies. Viessem de quem viessem”.

QUALQUER PARADA

“Não só me defendia como, também, protegia meus irmãos e amigos. Apesar da minha pouca idade e da fragilidade de meu corpo, na rua eu me agigantava e enfrentava qualquer parada e meus pais nem ficavam sabendo... Na maioria das vezes, entretanto, os desentendimentos com meus colegas (de escola e de rua) não passavam de ameaças (desaforos) verbais...”.

DESSINTONIA

“O que era ensinado na sala de aula pela nova professora, não sintonizava com o que tínhamos aprendido em Brejo do Amparo. Por mais que tentássemos, não conseguíamos acompanhar as matérias ministradas. Consequentemente, meus irmãos e eu ficamos muito preocupados com esse desajuste, pois precisávamos prosseguir nos estudos e já havíamos perdido um tempo precioso. Em breve, vimos que nosso desejo era impossível”.

A VER NAVIOS

“Enquanto a mestra ministrava as aulas aos seus antigos alunos, meus irmãos e eu ficávamos a ver navios, isto é, em atitude contemplativa, esperando pelo nada... Não entendíamos bulhufas! Era impossível continuarmos desse jeito, pensávamos! Com certeza, seríamos reprovados, no final do ano, se essa situação persistisse; se ela não se revertesse, concluíamos! Coube, ao acaso, resolver o nosso problema escolar”.


MUITO DOENTE

“Faziam, somente, seis meses que tínhamos chegado de Minas Gerais e, ainda, estávamos em processo de adaptação, quando um fato novo e grave veio abalar, uma vez mais, os nossos ânimos já bastante enfraquecidos: mamãe ficou doente de novo! Muito doente! Tão doente, que papai não teve dúvidas em mandá-la de volta para o Brejo do Amparo, certo de que, em sua terra natal e junto de seus parentes mais próximos, ela se recuperaria rapidamente”.

CLIMA FRIO

“O diagnóstico, extra-oficial, manifestado e aceito por papai e por nossos amigos paulistas, concluía que mamãe não se dera bem com o clima de São Paulo, eternamente, frio. Essa avaliação tinha sentido, pois, realmente, desde que retornamos de Minas Gerais, houve semanas inteiras em que mamãe não saira do quarto nem da cama. Ficara o dia todo agasalhada com uma blusa de lã e enrolada em seu cobertor, procurando manter-se aquecida”. ABORRECIMENTOS “Mas havia outros motivos, também, aborrecendo mamãe e a todos nós. Infelizmente, motivos é que não faltavam e, apenas, um deles, poderia estar causando todo esse transtorno. As outras prováveis razões, negativas, do comportamento de mamãe, e que, também, nos perturbavam bastante, poderiam ser: a saudade que ela teria de sua terra e de sua gente, curtida em silêncio; a falta de acomodação digna para nossa família; as dificuldades escolares dos filhos; ou, quem sabe, a soma de tudo isso...”

EXTREMA TRISTEZA


“Num momento de extrema tristeza para todos nós, pois, apesar das dificuldades, éramos muito unidos, papai decidiu, após conversar, longa e penosamente, com mamãe, que Olindina, por ser a filha mais velha, e por já ter cursado o quarto ano primário, ficaria morando com ele, em São Paulo. Edite, Elza, João, Helena e eu, regressaríamos a Minas Gerais, juntamente com mamãe, para, de novo, residir em Brejo do Amparo”.

REGRESSO

“E, assim, foi feito. Novamente, pegamos o comboio da Estrada de Ferro Central do Brasil e fizemos o caminho de volta, seguindo o mesmo roteiro anterior, só que ao inverso: São Paulo, Belo Horizonte, Pirapora, Januária. Chegando em Brejo do Amparo, fomos morar na mesma casa que dividíamos com vovó Maria, antes de seu falecimento, cujo proprietário era o nosso primo Geraldo Gonçalves da Rocha”.

ATRASO ESCOLAR

“De novo, entrei na Escola de Brejo do Amparo, pois, ainda, não havia concluído a terceira série primária. E, novamente, para minha alegria, fui colocada na classe de Dona Jovina Carneiro. Já nas primeiras aulas por mim freqüentadas, percebi, desalentada, que meus conhecimentos estavam muito aquém das matérias lecionadas. Concluí, então, que a nossa fuga, apressada, para São Paulo, não trouxera proveito algum para ninguém. Só atrasos, despesas e decepções”.

ESFORÇO REDOBRADO

“A nossa saída de Brejo do Amparo, em decorrência do conflito com o Coronel Benedito Ferreira, não foi proveitosa nem para meus pais, nem para nós, seus filhos. Perdemos muito nessa desastrada


viagem. E não foi só tempo e dinheiro não! Com relação à escola, nosso aprendizado, simplesmente, não progrediu. Tivemos que fazer um esforço, redobrado, para tentar nos aproximar do nível de conhecimentos de nossos colegas brejinos, antes das provas finais de fim de ano”.

SEM RESULTADO

“Por outro lado, ficou constatado, igualmente, que o nosso retorno ao Sertão Mineiro não produziu os efeitos esperados por papai... Pelo contrário! Logo nos primeiros dias da nossa chegada ao Brejo do Amparo, o comportamento de mamãe passou a se modificar a olhos vistos e a nos preocupar, desesperadamente. Com efeito, ela quase não comia, quase não dormia e chorava e lamentava muito a ausência de papai e de nossa irmã mais velha Olindina”.

TRISTE ÉPOCA

“E fumava demais o seu cachimbo! Demais mesmo! Nós, seus filhos, ficávamos, completamente, desnorteados, desorientados, sem sabermos o que fazer para suavizar o sofrimento de nossa mãe e a nossa própria amargura. Passávamos os dias (e as noites) tristonhos, pensativos e chorosos. Parecíamos mais adultos do que crianças. Nosso comportamento amadureceu, de repente. Nossa infância ficou vazia de encanto, deslumbramento, fascinação, tão naturais na nossa idade, ao perdemos a vontade de sorrir e de brincar. Essa foi a época mais triste de minha vida”.

ATAQUES ESTRANHOS

“Com o passar do tempo, mamãe foi ficando cada vez pior. Além de continuar suportando todo o martírio já descrito por mim,


passou a sofrer, também, de uns ataques estranhos, completamente, desconhecidos de nossos familiares e amigos (a quem pedíamos informações e incessante ajuda), durante os quais, enrolava a língua e contorcia-se toda”.

CONTRAÇÃO

“Os nervos e os membros de seu corpo se retraiam tanto, tanto, que ela ficava, completamente, deformada; totalmente, disforme. Para ser, absolutamente, sincera, neste meu triste relato, mamãe ficava pavorosa, nessas ocasiões. Até nós, seus filhos, tínhamos medo dela, quando estava nesse estado lamentável”.

TRAVAMENTO

“Certa manhã, mamãe estava fazendo o almoço, e precisou tirar uma panela do fogo. Quando firmou sua mão no cabo da panela, a mesma ficou travada. Por mais força que ela fizesse, por mais ajuda que recebesse de parentes e vizinhos que, chamados às pressas, foram lhe acudir, não conseguia desprendê-la do cabo. Infelizmente, mamãe foi forçada a ficar nessa posição por muito tempo, até sua mão se destravar por conta própria...”. SEM SOCORRO

“Enquanto isso, instantaneamente, o corpo de mamãe se contraiu mais uma vez, nos causando grande pavor e aflição. Ele ficou tão miudinho, que dava medo (e pena) vê-lo nesse estado. Infelizmente, em Brejo do Amparo, naquele tempo, em matéria de saúde, os brejinos estavam, completamente, desamparados. Não havia socorro algum que se prezasse. Nem de médico, nem de farmacêutico, nem de enfermeira, nem de curandeiro...”.


SEM RECEITA MÉDICA

“Pessoas amigas da família, que acompanhavam o nosso drama mais de perto, condoídas do nosso desespero, aplicavam, periodicamente, injeções em mamãe, com o intuído de ajudar na sua rápida recuperação. Contudo, os dias se passavam e nada de conseguirem o resultado pretendido. Na verdade, nenhum desses nossos amigos entendia do assunto e nem tinha a imprescindível receita médica. Na sua boa-fé, baseavam-se em experiência própria ou na de terceiros”.

CENTRO ESPÍRITA

“Decidiram, então, levar mamãe a um Centro Espírita (às escondidas do Padre Ramiro, claro), para uma consulta espiritual, mas ela não apresentou melhora alguma, depois disso. Era essa a desesperadora situação em que vivíamos, dia após dia, lá em casa, quando alguém sugeriu que se escrevesse uma carta para papai, contando-lhe o que se passava”.

A CARTA “A carta foi escrita por nossa prima Maria José Gonçalves da Rocha, filha de nossos tios-avós Laudelina (Laudi) e João, e relatava, minuciosamente, toda a nossa desventura, todo o nosso sofrimento, toda a nossa preocupação, desde que chegamos ao Brejo do Amparo, e terminava dizendo que, do jeito em que mamãe se encontrava, poderia vir a falecer a qualquer momento”.

TUDO DE NOVO


“Ao receber a carta, escrita por nossa querida prima Maria José, papai não pensou duas vezes; foi rápido ao Brejo do Amparo buscar a sua família. Na volta para São Paulo, fizemos o mesmo trajeto - o único possível naqueles tempos remotos - pois não havia estrada de rodagem ligando o Norte de Minas Gerais aos grandes centros: de vapor até Pirapora e de trem de ferro (que estava no auge de sua utilidade pública) até a Capital Paulista, passando por Belo Horizonte. E, para nossa tristeza e desassossego, voltamos a morar naquele mesmo cortiço abominável”.

PARA SEMPRE

“Nessa viagem, ocorrida em 1947, voltamos, definitivamente, para São Paulo. Em minha bagagem, sentimental, trouxe muitas e inesquecíveis lembranças de Brejo do Amparo, de nossa gente humilde, do sertanejo em geral e da vida campestre, que ficariam guardadas, para sempre, em minha memória e em meu coração. Apesar da idade (dez aninhos), já me sentia responsável e amadurecida. A partir de nosso regresso e de nosso entrosamento na vida urbana de uma grande metrópole, como São Paulo, minha existência tomou rumos novos e imprevisíveis...”.

INTERNADA “Tão logo chegamos a São Paulo, minha mãe foi hospitalizada, de imediato. Ela passou quase sessenta dias internada no Hospital Cruz Azul, da Polícia Militar, do Estado de São Paulo, no Bairro da Luz, fazendo tratamento. Passou todo esse período à base de medicamentos. Os médicos que, inicialmente, lhe atenderam chegaram à conclusão de que ela estava muito atacada dos nervos”.

NA CABEÇA


“A equipe médica que socorreu mamãe, decidiu, também, submetê-la a uma cirurgia na cabeça. Felizmente, não encontraram nada de grave. Ao final de algum tempo, graças ao nosso bom Deus, ela sarou desse tormento e voltou para casa, mas continuou não se sentindo feliz. Suas atitudes não eram de uma pessoa realizada, plenamente. Hoje, eu acredito que ela tenha sido vítima de uma depressão agressiva, pois nunca estava contente com a vida, tanto do ponto de vista pessoal quanto familiar...”.

PRIMEIRO EMPREGO

“A Edite continuou na escola, até concluir o quarto ano primário. Como eu estava muito atrasada nas matérias escolares, meus pais decidiram que não valeria a pena eu continuar a estudar. Concluíram que seria pura perda de tempo... Fui, então, trabalhar fora de casa. Meu primeiro emprego foi como babá”.

SEGUNDO EMPREGO

“Meu segundo emprego foi como empregadinha doméstica. Eu trabalhei, nessa profissão, até completar treze anos de idade. Foram, aproximadamente, dois anos de serviços prestados, diariamente, em casas de família. Entretanto, não me lembro de ter visto, durante esse período, um centavo sequer de meu salário...”. TECELÃ

“Quando completei treze anos de idade, requeri e obtive uma autorização do Juizado de Menores e fui trabalhar em uma fábrica de tecidos (tecelagem). Quando completei quatorze anos de idade, requeri e obtive nova autorização do Juizado de Menores e fui trabalhar numa fábrica de macarrão (pastifício)”.


FALANDO SÉRIO

“Apesar da minha pouca idade, do trabalho diário e extenuante que fazia, da seriedade com que eu o encarava, e da contribuição financeira que todo mês garantia conforto à minha família, nunca tinha tido (até então) quantia alguma em minhas mãos. Todo o meu salário era recebido e administrado por meus pais. Cansada dessa situação anômala, certo dia tomei coragem e resolvi falar sério com minha mãe a respeito desse assunto”.

NOVO SERVIÇO

“Antes de tomar essa decisão, entretanto, arrumei mais um serviço, desta vez, como faxineira, em um consultório dentário. Ele seria executado à noite, em dias alternados, após deixar o pastifício dos Matarazzo, onde eu já estava empregada. Então, procurei minha mãe e disse-lhe que o dinheiro que ganharia com esse novo serviço seria só meu. Seria utilizado nas minhas despesas pessoais”.

SEM OBJEÇÃO

“Pensei que mamãe fosse se zangar... Pensei que ela fosse alegar necessidades superiores para não me atender... Entretanto, nada disso ocorreu. Para meu espanto, mamãe foi, extremamente, tolerante comigo, e não fez objeção alguma. Nenhuma mesmo! Procedimento raro esse da mamãe! A partir desse dia, pela primeira vez na minha vida, passei a ter renda própria...”.

DANÇA E TEATRO


“Passei a me interessar pela dança e pela arte dramática, em plena adolescência, isto é, a partir dos meus quinze anos de idade. Até completar vinte anos, dancei e representei, profissionalmente, muitas e muitas vezes, tanto na Capital, quanto em cidades do interior do Estado de São Paulo”.

NO PALCO

“Na dança e no teatro, eu procurava esquecer as peças que a vida me pregara, desde a minha infância. Dançando e representando eu esquecia as mágoas, as aflições, as melancolias e as frustrações. O palco era, portanto, o meu refúgio, o meu abrigo, a minha proteção. Nele eu passava horas vivendo um mundo irreal, imaginário, fantástico, mas, extremamente, encantador”.

PONTO

“Na minha profissão de atriz, eu não tinha tempo, bastante, para decorar, total e imediatamente, os textos que me destinavam, pois minhas atuações eram, quase todas, variadas e consecutivas, isto é, uma atrás da outra. Felizmente, tínhamos, em nosso grupo, a preciosa ajuda de um colega (denominado “ponto”) que cochichava o texto para os atores e atrizes em cena. Hoje, graças a Deus e à tecnologia, esse trabalho é feito através do ponto eletrônico”. NO CENTRO

“O funcionário da Empresa Teatral, encarregado dessa importante tarefa (Ponto), ficava metido numa espécie de toca, disfarçada para o público, existente no centro do palco, em todas as encenações. Com o texto da peça na mão, ele acompanhava,


atentamente, as falas de cada personagem, pronto para “soprar” (intervir), caso fosse necessário”.

REPRESENTAÇÕES

“Dancei e representei, inúmeras vezes, aqui na cidade de São Paulo, no Teatro Colombo, que funcionava no Largo da Concórdia, no Bairro do Braz, destruído por um incêndio, em 1966. Esse Teatro tinha capacidade para dois mil espectadores. Também, dancei e representei no Teatro Artur de Azevedo, inaugurado em 1952, ainda em atividade, localizado na Av. Paes de Barros, 955, na Mooca, um dos bairros mais tradicionais da Capital Paulista”.

NOS SUBÚRBIOS

“Também, dancei e representei em clubes, circos e pequenos teatros, então existentes nos subúrbios paulistanos. Se não me falha a memória, as cidades mais distantes da Capital Paulista, nas quais, também, tive a ventura de me apresentar como atriz, foram: Mogi das Cruzes, Jundiaí e São Caetano do Sul”.

TRANSFORMAÇÕES

“Enquanto isso, lá em casa, pouco a pouco, a vida da família foi se transformando... Ao longo do tempo, aconteceram fatos bons e ruins, agradáveis e desagradáveis, alegres e tristes. Como acontecimentos bons, poderia dizer que meus irmãos e eu crescemos, nos amadurecemos, nos tornamos independentes e batalhadores do dia a dia, responsáveis pelo nosso próprio destino e sustento”.

VIVÊNCIA


“Terminei minha infância, vivi minha adolescência (dentro das limitações da época), atingi a maturidade, casei-me com um espanhol, natural de Madri, visitei vários países do Continente Europeu, sendo que, num deles, estive várias vezes seguidas, aprendi a falar o castelhano, fluentemente...”.

PAÍSES VISITADOS

“Os países da Europa visitados por mim foram: Espanha, terra das touradas; Portugal, produtor de vinhos de fama internacional; França, uma das nações mais industrializadas do mundo; Itália, pátria de Leonardo da Vinci e Michelangelo, entre outros; e um minúsculo país denominado Principado de Andorra, situado nos Montes Pirineus, a quase três mil metros de altitude, na fronteira de França e Espanha”.

SEIS VEZES

“Foi no Reino da Espanha que eu estive seis vezes seguidas, acompanhando meu marido. Lá eu tive o encantamento de conhecer as seguintes cidades (que têm status de Estados): Madri, Bilbao, Barcelona, Burgos, Valladolid, Valência, Granada, Sevilha, Córdoba, Leon, Salamanca, Segóvia, Toledo, Alicante, Palhos, Vilhada, Alcazar, Guadalajara, Tordecília, Zaragoza e muitas outras...”.

JAMAIS ESQUECEREI “Para completar, realizei-me como esposa e mãe, pois tenho três lindos filhos e quatro adoráveis netos, todos paulistanos. Mas o Brejo do Amparo, aquele aprazível povoado do Norte de Minas Gerais, incrustado como uma pedra preciosa no sopé da Serra do Brejo, que tantas emoções me proporcionou na minha infância, jamais foi (e jamais será) esquecido por mim. Em momento algum! Por toda a


minha vida! Nem a minha ascendência mineira, sertaneja e brejina de que tanto me orgulho”!

DESTINO DE CADA UM

“Edite casou-se em 1952; Olindina, em 1954; Elza, em 1957; Nice, em 1958; João, em 1961; Helena, em 1962 e João, novamente, em 1989. Os acontecimentos ruins: Edite enviuvou-se em 1959; papai faleceu em 1967, no Hospital Cruz Azul, da Polícia Militar do Estado de São Paulo, no Bairro da Luz; Elza mudou-se para o Estado (judeu) de Israel, em 1969; João e Damiana divorciaram-se em 1981; mamãe faleceu em 1989, na Santa Casa de Guarulhos e Edite faleceu em 1995”.

DEPOIS DO CASAMENTO

“Depois do casamento, Olindina ficou residindo no Brás; Edite foi para Santana; Eunice para a Mooca; Elza para a Vila Maria; João para a cidade paulista de São Bernardo do Campo (onde vive até hoje) e Helena foi morar na cidade mineira de Uberaba. Algum tempo depois, Olindina transferiu-se para o Estado do Paraná; Elza foi morar no Estado (judeu) de Israel e Helena foi residir em Jacareí, município paulista, localizado no Vale do Paraíba”.

SEGUNDA GERAÇÃO

“Edite e Geraldo tiveram duas filhas: Vera e Verônica. Edite e Braz tiveram dois filhos: Waldir e Wagner. Olindina e Ramiro tiveram dois filhos: Eliana e Roberto. Elza e Valdeslav tiveram dois filhos: Sérgio e Sarah. Nice e Isidoro tiveram três filhos: Maria de los Angeles, Anaí e Marcos. João e Damiana tiveram três filhos: Solange, Eliane e Wanderley. João e Antônia tiveram dois filhos: Jéssica e Igor. Helena e Francisco tiveram três filhos: Wellington, Walkyria e Wallace”.


CASO DE ELZA

“Por ser casada com Valdeslav Joseforvies, um judeu polonês, no final de 1969, Elza foi morar no Estado de Israel, com seu marido e um casal de filhos, Sérgio e Sarah. Lá chegando, encontraram o País em guerra, por causa do terrorismo palestino contra Israel, intensificado a partir da eleição de Yasser Arafat, chefe da organização guerrilheira “Al Fatah”, para a Presidência da OLP (Organização para Libertação da Palestina)”.

DESESPERADA “Com as bombas estourando, diariamente, viviam correndo para abrigos subterrâneos. Valdeslav teve que pegar em armas para defender a sua nova pátria. Logo depois, foi a vez de seus filhos Sérgio e Sarah fazerem o mesmo. Minha irmã Elza vivia desesperada com a situação de sua família. Ela sempre me escrevia, dando-me suas notícias. Ao responder suas cartas, eu lhes mandava, também, revistas brasileiras”.

ÚLTIMA CARTA

“A última carta que Elza nos mandou foi endereçada à mamãe, e estava datada de 10 de outubro de 1986, três anos antes de mamãe deixar este mundo. A partir daí, suas cartas cessaram, sem que fôssemos informadas dos motivos dessa interrupção. Infelizmente, para nossa tristeza, preocupação e saudade, essa situação perdura até hoje...”.

PORTUGUÊS “Nessa última carta, Elza nos informa que Sarah, sua filha, havia se casado em 1979. Comenta que estava em Israel há dezessete anos. Confidencia que já estava esquecendo a língua portuguesa, por não existirem brasileiros, em seu círculo de


amizades, com quem pudesse manter conversação. Relembra que já estava com quarenta e cinco anos e cinco netos e que estava separada de seu marido há muito tempo...”. SOZINHA “Em dezembro de 1991, quarenta e quatro anos depois que retornei a São Paulo, acompanhando minha família, naquele triste acontecimento da misteriosa doença de mamãe, fiz a minha mala e embarquei, sozinha, às 12 horas, num ônibus da Viação Gontijo. Meu destino: Minas Gerais, Januária, Brejo do Amparo. Graças a Deus, finalmente, ia eu rever meus queridos parentes maternos que lá deixei, quando, ainda, tinha dez anos de idade”.

TINHA PRESSA “Fiz a viagem emocionada, ansiosa, inquieta, febril... Tinha pressa de chegar ao meu destino; tinha pressa de rever o meu passado; tinha pressa de abraçar meu povo sertanejo; tinha pressa de conviver com gente humilde; tinha pressa de respirar o ar puro do Sertão de Minas Gerais. À medida que o ônibus avançava, meu coração disparava, batendo cada vez mais forte e acelerado”.

VELHO CHICO “Em Pedras de Maria da Cruz, fiquei, profundamente, decepcionada e entristecida, ao rever o Rio São Francisco, outrora imponente e belo, durante a sua travessia, numa perigosa balsa. O que fizeram com o Velho Chico, o segundo maior rio do Brasil? Aquele mesmo que nasce na Serra da Canastra, no Município de São Roque, em Minas Gerais e corta cinco Estados brasileiros: Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe? Onde estão as suas águas volumosas”? ONDE ESTÃO? “Onde estão os cardumes de curimatã, dourado, mandi, pacu, piranha, surubim, traíra... que, outrora, povoavam as suas águas caudalosas? Onde estão seus barcos a vapor? Cadê aquele tráfego


intenso, de gente e de cargas, subindo e descendo o Rio, que eu presenciei e admirei, tantas e tantas vezes, quando, menina, ia passear no seu cais? Por que o Governo Federal não promove o seu reflorestamento, desassoreamento, revitalização e navegabilidade”?

NÃO É MAIS “Até meu querido Brejo do Amparo, também, não é mais o mesmo! Não é mais o Brejo do Amparo das minhas lembranças de menina: doces lembranças... Não é mais o Brejo do Amparo das minhas recordações infantis: afetuosas recordações... Não é mais o Brejo do Amparo das minhas imorredouras saudades: quantas saudades...”. POR QUÊ?

“Por que ao invés de aumentar, a população de Brejo do Amparo diminuiu? Ao invés de enriquecer, seu povo empobreceu? Ao invés de cidade, continua Vila? Ao invés de se unir e de se fortalecer, o povo brejino se dispersou? Cadê o comércio de outrora, tão vivo, tão atuante? Cadê as festas, as novenas, as procissões?”.

EMANCIPAÇÕES

“Fui informada por parentes e amigos que, em 1995, dezenas de Vilas, em todo o Estado de Minas Gerais, inclusive na sua Região Norte, foram elevadas à categoria de cidades, por decisão de sua Assembléia Legislativa. Com três séculos de história, por que Brejo do Amparo, também, não teve essa glória?”

ONDE ESTAVAM? “Onde estavam os ilustres filhos de Brejo do Amparo, nessa ocasião? Onde estavam seus políticos mais expressivos? Onde


estavam os representantes da Região Norte na Assembléia Mineira, na Câmara Federal e no Senado da República? Por que faltou empenho, num momento tão importante como esse?”

IGREJA MATRIZ

“Até a sua Igreja Matriz, também, não é a mesma. A Igreja histórica, tricentenária, aquela mesma que fora freqüentada, piedosa e cotidianamente, por dezenas de anos, por nossos trisavós, bisavós e avós; aquela mesma que testemunhou o batizado, a crisma e a união de nossos pais pelos laços sagrados do Matrimônio, não mais existe... Fora demolida, em 1968 (ainda em bom estado de conservação), por mãos inclementes, insensíveis e irresponsáveis, em nome de uma modernidade que, até hoje, lá não chegou...”.

IMAGEM

“Lamentavelmente, nem mesmo a imagem, original, de Nossa Senhora do Amparo, Padroeira de Brejo do Amparo, ficou livre da ação de malfeitores. Fora roubada, em 1987, não tendo sido encontrada, até a presente data. Como puderam deixar tudo isso acontecer, meus brejinos queridos? Como puderam suportar, sem reagir, energicamente, a tamanho desatino, tamanho descalabro, tamanha profanação, tamanha ousadia, tamanha perda histórica?”

EXTREMOSO

“Para completar o meu rosário de decepções e de lamentações, nem mesmo o nosso querido Cônego Ramiro Leite Felício dos Santos, aquele bom e querido Vigário, extremoso pai e conselheiro espiritual de várias gerações de brejinos, que esteve à


frente da Paróquia de Nossa Senhora do Amparo desde 1926, portanto, por quase quatro décadas, existia mais”.

VIRTUOSO PASTOR

“Aquele virtuoso pastor de almas que uniu meus pais pelos laços sagrados do Matrimônio, com as bênçãos de Deus e sob o olhar maternal de Nossa Senhora do Amparo, aquele mesmo pároco que batizou Helena, a minha irmãzinha brejina, na Pia Batismal de sua Igreja Matriz, falecera em 1965, num leito de hospital de Belo Horizonte, longe, muito longe, de seu amado rebanho...”.

NUNCA MAIS

“Aquele santo Vigário faleceu longe da Paróquia que, diligente e zelosamente, administrou por quase quarenta anos... Faleceu longe de seus amados paroquianos que, com tanta dedicação, afeição e desvelo, soube conduzir, desde 1926. A partir de então, nunca mais o Brejo do Amparo foi o mesmo! Nem poderia ser...”.

VIAÇÃO GONTIJO

“Todas as vezes que fui a Januária, os ônibus da Viação Gontijo que me levaram, já seguiam, direto, até aquela cidade, sem fazerem baldeação na Rodoviária de Montes Claros, obrigatória durante a construção e asfalto da BR 040 e MG 135. No retorno para São Paulo, acontecia do mesmo jeito; vínhamos direto. No início das minhas viagens, os ônibus da mesma Viação Gontijo paravam, pelo caminho, a cada duas horas e demoravam uma eternidade para chegarem ao seu destino”.


FROTA MODERNA

Hoje, a frota de ônibus da Viação Gontijo é composta de veículos mais modernos, têm ar condicionado, e não há mais tantas paradas na estrada como havia antes. Seu horário, também, mudou: agora, os ônibus saem daqui de São Paulo, diariamente, às quinze horas. E, nos meses de junho/julho e dezembro/janeiro, são adicionados à frota, tradicionalmente, ônibus extras, conforme a quantidade de passageiros”.

RODOVIÁRIAS

“Até 1995, quando fui para Januária, pela quarta vez, meu embarque em São Paulo foi na Rodoviária Bresser. A partir de 2002, entretanto, já embarquei na Rodoviária Tietê. A Rodoviária Bresser já havia sido desativada para os ônibus destinados a Minas Gerais. A partir de então, dessa Rodoviária, só saem os ônibus rumo ao Aeroporto de Guarulhos”.


Sinhozinho, Neuza, filhos, netos, noras e genro. Montagem feita por minha filha Dorinha.

QUESTIONÁRIO “Sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo nem ensino”. (Paulo Freire)


01 - O que você sabe sobre meus trisavós (paternos e maternos) Antônio Gaspar Torres e Ana Rodrigues? E sobre seus filhos Silvestre Rodrigues Torres e Possidônio Rodrigues Torres? Só para lembrar: eles foram os pais e os irmãos de minha bisavó Faustina Rodrigues Torres, esposa de Antônio Rodrigues Ferreira da Costa, pais de minha avó materna Ambrosina Rodrigues Ferreira e de meu avô paterno Vicente Rodrigues Torres. 02 – Você conheceu Vitorino Rodrigues Ferreira? Conversou com ele (ou o viu de perto) alguma vez? Você sabe com quem ele se casou? Sabe onde o casal morou? Sabe se o casal deixou descendentes e onde eles moram? 03 - Você conheceu meu tio paterno Pedro Rodrigues Torres, filho de meus bisavós paternos e maternos Faustina Rodrigues Torres e Antônio Rodrigues Ferreira da Costa? Conversou com ele (ou o viu de perto) alguma vez? Sabe com quem ele se casou? Sabe onde o casal morou? Sabe se o casal deixou descendentes e onde eles moram? 04 – Você conheceu meu bisavô paterno e materno Antônio Rodrigues Ferreira da Costa? Conversou com ele (ou o viu de perto) alguma vez? Sabe como se chamavam os pais dele? Sabe quantos irmãos e irmãs ele tinha e como eram seus nomes? 05 – Você sabe como era a estatura e o físico de meu bisavô Antônio Rodrigues Ferreira da Costa? Você se lembra se ele era alto, baixo, gordo, magro, branco, moreno... 06 – Você sabe se meu bisavô Antônio Rodrigues Ferreira da Costa era alegre, risonho, divertido, falante, folgazão... Ou tristonho, silencioso, de pouca conversa, de mau humor, de aspecto sombrio, bravo? 07 – Você conheceu minha bisavó paterna e materna Faustina Rodrigues Torres? Conversou com ela (ou a viu de perto) alguma vez? Você conheceu seus irmãos Silvestre Rodrigues Torres, Possidônio Rodrigues Torres e Francelina Rodrigues Torres? 08 – Você sabe se Francelina Rodrigues Torres é a mesma “tia França” citada por papai em suas memórias, reproduzidas neste livro? Você sabe, também, se “tia França” é a esposa de João Ribeiro, padrinho e tutor de papai? 09 – Ainda em suas memórias, papai se refere a cinco rapazes que ele considera seus primos e que, também, eram seus companheiros de folguedos, quando, ainda, residia em casa de seu


padrinho e tutor. Seus nomes: Manoel, José, Joaquim, Francisco e Gabriel. Você conversou com eles (ou os viu de perto) alguma vez? Você sabe se eles eram filhos de “tia França” e João Ribeiro? Você tem notícias dos descendentes dessa família? 10 – Você chegou a conhecer os irmãos Ambrosina Rodrigues Ferreira (minha avó materna), Vicente Rodrigues Torres (meu avô paterno) e Pedro Rodrigues Torres (meu tio-avô paterno e materno), filhos de meus bisavós (paterno e materno) Antônio Rodrigues Ferreira da Costa e Faustina Rodrigues Torres? Conversou com eles (ou os viu de perto) alguma vez? 11 – Você sabe como era a estatura e o físico de minha bisavó Faustina Rodrigues Torres? Você se lembra se ela era alta, baixa, gorda, magra, branca, morena... 12 – Você sabe se minha bisavó Faustina Rodrigues Torres era alegre, risonha, divertida, falante, folgazona... Ou tristonha, silenciosa, de pouca conversa, de mau humor, de aspecto sombrio, brava? 13 – Você sabe onde meus bisavós (paternos e maternos) Antônio Rodrigues Ferreira da Costa e Faustina Rodrigues Torres residiam, se em Brejo do Amparo, Januária, ou em outra localidade? 14 – Você conheceu meu avô paterno Vicente Rodrigues Torres, esposo de Hermenegilda Alves de Souza? Conversou com ele (ou o viu de perto) alguma vez? Você sabe como era a sua estatura e o seu físico? Você se lembra se ele era alto, baixo, gordo, magro, branco, moreno... 15 – Você sabe se meu avô paterno Vicente Rodrigues Torres era alegre, risonho, divertido, falante, folgazão... Ou tristonho, silencioso, de pouca conversa, de mau humor, de aspecto sombrio, bravo? 16 – Você conheceu minha avó paterna Hermenegilda Alves de Souza, esposa de meu avô paterno Vicente Rodrigues Torres? Conversou com ela (ou a viu de perto) alguma vez? Você sabe quem eram seus pais? Você sabe se ela tinha irmãos e irmãs? Você sabe se seus parentes moravam em Brejo do Amparo, em Januária ou em outra localidade? Infelizmente, dela só sabemos o pouco que papai conta em suas memórias, transcritas neste livro. 17 – Se você conheceu minha avó paterna Hermenegilda Alves de Souza, talvez consiga se lembrar de como era a sua estatura e o


seu físico. Você se lembra se ela era alta, baixa, gorda, magra, branca, morena? 18 – Você sabe se minha avó paterna Hermenegilda Alves de Souza era alegre, risonha, divertida, falante, folgazona... Ou tristonha, silenciosa, de pouca conversa, de mau humor, de aspecto sombrio, brava? 19 – Você sabe onde meus avós paternos Vicente Rodrigues Torres e Hermenegilda Alves de Souza moravam, se em Brejo do Amparo, em Januária ou em outra localidade? 20 – Você conheceu meu bisavô materno Lúcio José da Rocha? Conversou com ele (ou o viu de perto) alguma vez? Você sabe como se chamavam os pais dele? Sabe quantos irmãos e irmãs ele tinha e como eram seus nomes? 21 – Você sabe como era a estatura e o físico de meu bisavô materno Lúcio José da Rocha? Você se lembra se ele era alto, baixo, gordo, magro, branco, moreno... 22 – Você sabe se meu bisavô materno Lúcio José da Rocha era alegre, risonho, divertido, falante, folgazão... Ou tristonho, silencioso, de pouca conversa, de mau humor, de aspecto sombrio, bravo? 23 – Eu soube que meu bisavô materno Lúcio José da Rocha era mulato. Você confirma essa informação? Soube, também, que ele era baiano. Você sabe de que cidade da Bahia? 24 – Você sabe onde meus bisavós maternos Lúcio José da Rocha e Joana Leonilda da Rocha moravam, se em Brejo do Amparo, em Januária ou em outra localidade? 25 – Você conheceu minha bisavó materna Joana Leonilda da Rocha? Conversou com ela (ou a viu de perto) alguma vez? Você sabe como se chamavam os pais dela? Sabe quantos irmãos e irmãs ela tinha e como eram seus nomes? 26 – Você sabe como era a estatura e o físico de minha bisavó Joana Leonilda da Rocha? Você se lembra se ela era alta, baixa, gorda, magra, branca, morena... 27 – Você sabe se minha bisavó Joana Leonilda da Rocha era alegre, risonha, divertida, falante, folgazona... Ou tristonha, silenciosa, de pouca conversa, de mau humor, de aspecto sombrio, brava?


28 – Soube que minha bisavó Joana Leonilda da Rocha se casou três vezes. Você conheceu seus três maridos? Mesmo não os tendo conhecido, você se lembra de ter ouvido o nome deles alguma vez? Você sabe se ela teve filhos nos três casamentos? 29 – Disseram-me que minha bisavó Joana Leonilda da Rocha morou no Barreiro. Soube, também, que ela poderia ter residido na Sambaíba. O que você sabe a respeito disso? 30 – Você conheceu Adelaide Leonilda da Rocha? Você sabe se ela era filha de minha bisavó Joana Leonilda da Rocha? Você sabe me dizer o nome do pai dela? Você conversou com ela (ou a viu de perto) alguma vez? Sabe com quem ela se casou? Sabe onde o casal morou? Sabe se deixou descendentes? Conheceu seus filhos? Sabe o nome deles? 31 – Você sabe quem foi Teodoro da Rocha? Conversou com ele (ou o viu de perto) alguma vez? Sabe se o nome dele está completo? Você o conheceu em Sambaíba ou em Januária? Você saberia me dizer se ele era filho de Adelaide Leonilda da Rocha? 32 – Você conheceu Ana Ferreira de Souza, conhecida por tia Dona? Conversou com ela (ou a viu de perto) alguma vez? Você sabe me dizer se ela era filha de Adelaide Leonilda da Rocha? Sabe com quem ela se casou? Sabe onde o casal morou? Sabe se deixou descendentes? Conheceu seus filhos? Sabe o nome deles? 33 – Você conheceu Maria Batista de Azevedo, conhecida por Maroca? Conversou com ela (ou a viu de perto) alguma vez? Você sabe me dizer se ela era filha de Ana Ferreira de Souza? Você sabe com quem ela se casou? Sabe onde o casal morou? Sabe se deixaram descendentes? Conheceu seus filhos? Sabe o nome deles? 34 – Você conheceu minha tia-avó paterna Quinu? Sabe o nome completo dela? Conversou com ela (ou a viu de perto) alguma vez? Sabe com quem ela se casou? Sabe se o casal deixou descendência? Se deixou, sabe quem são? Onde residem? 35 – Você conheceu minha tia-avó paterna Emídia Leonilda da Rocha? Conversou com ela (ou a viu de perto) alguma vez? Sabe onde ela morou? Sabe quantos filhos ela teve com Marinho José Batista? Você sabe seus nomes e onde moram seus descendentes? 36 – Você sabe quem foram os pais de Marinho José Batista? Sabe com quem ele foi casado, antes de conviver com minha tia-avó


paterna Emídia Leonilda da Rocha? Você sabe quem são seus filhos do primeiro consórcio e onde residem seus descendentes? 37 – Você sabe onde Marinho José Batista e tia Emídia moravam, se em Brejo do Amparo ou em Januária? Você sabe em quais datas e onde Marinho e tia Emídia faleceram? Você sabe em que data e onde Jurcinha faleceu? Você tem o endereço residencial (ou telefônico) dos descendentes de Jurcinha? 38 – Você sabe o nome completo de Jurcinha? Você sabe se Jurcinha e Juscelina indicam a mesma pessoa? Sabe com quem ela se casou? Sabe onde o casal morou e quantos filhos teve? Sabe onde residem seus descendentes? 39 – Você sabe o nome completo de Sinhô? Sabe se os nomes Sinhô e Claudionor indicam a mesma pessoa? Sabe com quem ele se casou? Sabe onde o casal morou e quantos filhos teve? Sabe onde residem seus descendentes? 40 – O que você sabe sobre Maria, Júlia e Dativo, os três filhos de Juscelina ou Jurcinha? Sabe com quem eles se casaram? Sabe onde moraram? Sabe quantos filhos tiveram cada um? Sabe onde residem seus descendentes? 41 – Você conheceu Irineu Estrela? Conversou com ele (ou o viu de perto) alguma vez? Sabe quem foram seus pais? Sabe se teve irmãos e irmãs? Sabe os nomes deles? Sabe com quem ele se casou, onde o casal morou, e se teve filhos? Sabe onde moram seus descendentes? 42 – Você conheceu Sant’Clair Valadares? Conversou com ele (ou o viu de perto) alguma vez? Sabe quem foram seus pais? Sabe se ele teve irmãos e irmãs? Sabe o nome deles? Sabe com quem ele se casou, onde o casal morou, e se teve filhos? Sabe onde moram seus descendentes? 43 – Você conheceu meu avô materno Cícero José da Rocha, esposo de Ambrosina Rodrigues Ferreira? Conversou com ele (ou o viu de perto) alguma vez? Você sabe quantos irmãos e irmãs ele teve e como eram seus nomes completos? 44 – Você sabe como era a estatura e o físico de meu avô materno Cícero José da Rocha? Você se lembra se ele era alto, baixo, gordo, magro, branco, moreno...


45 – Você sabe se meu avô materno Cícero José da Rocha era alegre, risonho, divertido, falante, folgazão... Ou tristonho, silencioso, de pouca conversa, de mau humor, de aspecto sombrio, bravo? 46 – Eu soube que meu avô materno Cícero José da Rocha era mulato. Você confirma essa informação? Soube, outrossim, que ele era baiano. Você confirma, igualmente, essa informação? Você sabe de que cidade da Bahia ele era natural? 47 – Você sabe se meu avô materno Cícero José da Rocha viajava muito para a sua fazenda no Cochá? Sabe se essas viagens eram semanais, quinzenais ou mensais? 48 – Em sua opinião, meu avô materno Cícero José da Rocha era pequeno, médio ou grande fazendeiro? O que, realmente, ele criava e plantava em sua fazenda? Você sabe se ele era militante político? Sabe se ele era Escureiro ou Luzeiro? 49 – Você chegou a conhecer minha avó materna Ambrosina Rodrigues Ferreira, esposa de Cícero José da Rocha? Conversou com ela (ou a viu de perto) alguma vez? 50 – Você sabe como era a estatura e o físico de minha avó materna Ambrosina Rodrigues Ferreira? Você se lembra se ela era alta, baixa, gorda, magra, branca, morena... 51 – Você sabe se minha avó materna Ambrosina Rodrigues Ferreira era alegre, risonha, divertida, falante, folgazona... Ou tristonha, silenciosa, de pouca conversa, de mau humor, de aspecto sombrio, brava? 52 – Você conheceu minha tia materna Andrelina Rodrigues da Rocha? Conversou com ela (ou a viu de perto) alguma vez? 53 – Você sabe como era a estatura e o físico de minha tia materna Andrelina Rodrigues da Rocha? Você se lembra se ela era alta, baixa, gorda, magra, branca, morena... 54 – Você sabe se minha tia materna Andrelina Rodrigues da Rocha era alegre, risonha, divertida, falante, folgazona... Ou tristonha, silenciosa, de pouca conversa, de mau humor, de aspecto sombrio, brava? 55 – Você sabe de que doença minha tia Andrelina Rodrigues da Rocha faleceu e qual a sua idade nessa ocasião? Você sabe se ela ficou muito tempo acamada?


56 – Você sabe se quando minha tia Andrelina Rodrigues da Rocha faleceu, minha avó Ambrosina ainda estava viva? 57 – Você conheceu meu tio materno José Rodrigues da Rocha, conhecido por tenente? Conversou com ele (ou o viu de perto) alguma vez? 58 – Você sabe como era a estatura e o físico de meu tio materno José Rodrigues da Rocha, conhecido por tenente? Você se lembra se ele era alto, baixo, gordo, magro, branco, moreno... 59 – Você sabe se meu tio materno José Rodrigues da Rocha, conhecido por tenente, era alegre, risonho, divertido, falante, folgazão... Ou tristonho, silencioso, de pouca conversa, de mau humor, de aspecto sombrio, bravo? 60 – Você sabe de que doença meu tio materno José Rodrigues da Rocha, conhecido por tenente, faleceu e qual a sua idade nessa ocasião? Você sabe se meu tio José Rodrigues da Rocha faleceu de repente ou se ficou acamado durante algum tempo? Você saberia me dizer desde quando meu tio José se deixou levar pela bebida alcoólica? 61 – Você sabe se quando meu tio materno José Rodrigues da Rocha, conhecido por tenente, faleceu, minha avó Ambrosina ainda estava viva? Você sabe a data (pelo menos) aproximada de seu falecimento? 62 – Qual dos meus dois tios maternos faleceu primeiro, minha tia Andrelina Rodrigues da Rocha ou meu tio José Rodrigues da Rocha, conhecido por tenente? Os dois morreram solteiros? Deixaram descendência? 63 – Quando criança e adolescente você conviveu com Antônia Rodrigues da Rocha, minha mãe, e suas irmãs e irmãos? Nessa época, vocês se encontravam e permaneciam juntos (as) na Igreja de Brejo do Amparo, durante a Missa dos domingos e dias santos? 64 – Você freqüentou a escola de Brejo do Amparo na mesma época em que mamãe e seus irmãos freqüentaram? Vocês chegaram a ser colegas de classe? Você se lembra do nome da Diretora e das professoras daquele tempo? 65 - Você sabe se mamãe, tia Maria, tia Laudi e tia Andrelina cantavam no Coro da Igreja e se vestiam de Anjo no mês de maio e nas procissões? Sabe se meus tios freqüentavam o Catecismo? Quem ministrava o Catecismo naquela época?


66 – Você e meus tios e tias eram amigos (as)? Brincavam juntos (as)? Brincavam de que? No tempo das fogueiras e procissões permaneciam juntos (as)? Visitavam-se mutuamente, com freqüência? Sua família era vizinha da família de meus avós maternos Cícero e Ambrosina? 67 – Você conheceu Benedito José de Souza Rocha e sua esposa Maria Ferreira da Conceição, pais de Antônio José da Rocha (o Coronel Rocha) e Joana da Rocha Caciquinho? Conversou com eles (ou os viu de perto) alguma vez? Você sabe se eles residiam em Brejo do Amparo ou em Januária? 68 – Você conheceu o Coronel Antônio José da Rocha e sua esposa Andrelina Caetano da Rocha? Conversou com eles (ou os viu de perto) alguma vez? Você sabe se eles residiam em Brejo do Amparo ou em Januária? 69 – Você conheceu Joana da Rocha (irmã do Coronel Antônio José da Rocha) e seu esposo o Coronel João Ferreira Barros Caciquinho? Conversou com eles (ou os viu de perto) alguma vez? Você sabe se eles residiam em Brejo do Amparo ou em Januária? 70 – Você conheceu Anísio José da Rocha e sua esposa Laurita Carneiro? Conversou com eles (ou os viu de perto) alguma vez? Você sabe se eles residiam em Brejo do Amparo, Januária ou em outra localidade? 71 – Desde criança, eu ouvi mamãe dizer, muitas vezes, que era prima de Anísio José da Rocha. Você confirma essa informação e sabe explicar o porquê desse parentesco? Você sabe em que grau mamãe e Anísio eram primos? 72 – Sabemos que Anísio, Renato, Ana Lúcia, Maria Alípia e Carlos eram irmãos e filhos de Antônio José da Rocha (o Coronel Rocha), que, por sua vez, era filho de Benedito José de Souza Rocha e Maria Ferreira da Conceição. Você sabe se Benedito José de Souza Rocha era irmão de meu bisavô Lúcio José da Rocha? 73 – Você conheceu Adelaide Lindolfina, casada com Luiz José Jatobá? Conversou com ela (ou a viu de perto) alguma vez? Você saberia dizer quem eram seus pais? 74 – Você conheceu Olímpio José da Rocha, que foi Vereador Especial, representante de Brejo do Amparo? Conversou com ele (ou o viu de perto) alguma vez? Sabe de quem ele era filho?


75 – Você conheceu Jacinto Lopes da Rocha, casado com Olegária Joaquina da Rocha? Conversou com ele (ou o viu de perto) alguma vez? Você sabe se ele era parente nosso? Fiquei sabendo que ele era tio de Floriano Lopes da Rocha, José Lopes da Rocha e Manoel Lopes da Rocha. 76 – Você conheceu João Ferreira Torres? Conversou com ele (ou o viu de perto) alguma vez? Você conheceu seus pais e irmãos? Você se lembra do nome deles? Você sabe com quem ele se casou? Onde o casal morou? Quantos filhos teve? Sabe quem são seus descendentes? 77 – Você conheceu Antônio Ferreira Torres (o Antonino), filho de João Ferreira Torres? Conversou com ele (ou o viu de perto) alguma vez? Na minha infância, sempre ouvia mamãe dizer que era prima de Antonino. Durante minhas pesquisas, tenho observado que não era só ela quem dizia isso não... O que você sabe a respeito? 78 – Apesar das afirmativas, veementes, de parentesco com a Família Torres de Cônego Marinho e da ótima receptividade por parte de Manoel Nonato (filho de Antonino) e de seus familiares, ainda não consegui avançar nas minhas pesquisas, por falta de comprovação documental e/ou testemunhal. 79 – Amigo ou amiga, parente ou não, você que me honra com a leitura deste livro, teria condições de ajudar-me na elucidação de alguma das questões acima? Se tiver, por favor, não pense duas vezes, nem deixe para fazê-lo amanhã: ajude-me agora, enviandome um e-mail ou escrevendo-me uma carta. Cite o número da questão que está sendo respondida e relate o que sabe. Ficar-lheemos, imensamente, agradecidos.

CONVITE

“Solidários, seremos união. Separados uns dos outros, seremos pontos de vistas. Juntos, alcançaremos a realização de nossos propósitos”. (Bezerra de Menezes).


Amigo leitor, amiga leitora: você que acabou de ler meu livro com interesse, atenção e simpatia, por favor, atente-me um pouquinho mais. Ocorreu-me aproveitar da oportunidade e da sua benevolência para expor-lhe mais uma idéia. Uma opinião que me parece boa, conveniente e oportuna. Por enquanto, ela é muito frágil, pois, ainda, é considerada uma semente. Para que um dia ela possa vir a ser uma árvore frondosa, acolhedora e frutífera, terá que ser plantada em terra fértil, adubada com freqüência, regada diariamente, protegida do sol, da chuva e dos açoites do vento e, finalmente, nascer, crescer e cumprir o destino que Deus lhe reservara. Mas, uma vez tomadas todas essas providências, por pessoas, mãos e mentes elevadas, a semente medrará, tenho certeza absoluta! Tão certo estou de encontrar na nossa Seara lavradores dessa estirpe, que estou lançando, aqui e agora, os fundamentos do Memorial de Brejo do Amparo ou Memorial Brejino. O MEMBREJ deverá ser uma associação civil, cultural, apolítica, apartidária, e sem fins lucrativos; Deverá subsistir através de mensalidades, doações particulares e de verbas públicas municipais, estaduais e federais; Sua Sede deverá ser, obrigatoriamente, em Brejo do Amparo, Januária, Minas Gerais. Terá como finalidade precípua: a) O trabalho de pesquisa, transcrição e compilação de informações históricas, sociológicas, econômicas e culturais de Brejo do Amparo, incluindo o levantamento da ascendência e descendência de famílias brejinas, naturais e adotivas; b) Recordar, reviver, exaltar, louvar e homenagear, ao longo do tempo, de todas as formas e por todos os meios possíveis e imagináveis (Reuniões mensais, Rádio, Jornal, Revista, Livro, Televisão, Internet, etc.), nossos antepassados brejinos, ilustres ou não; c) Encorajar seus Associados a registrarem, através de textos, gravações e fotos, o cotidiano de seus familiares, principalmente, os relatos históricos de seus pais, avós e bisavós, se, ainda, tiverem a ventura, inigualável, de os terem em suas companhias;


d) Divulgar o Projeto Memória junto aos parentes mais próximos, defendendo a sua importância como história, integração e unificação de nossa parentela; e) Manter as tradições religiosas e culturais dos brejinos, tais como: Festa da Padroeira; Festa do Divino; Festa do Rosário e de São Benedito; Festa da Cavalhada; Coroação de Nossa Senhora, durante o mês de maio; Festas Juninas (com acendimento de fogueiras e danças típicas); Festa Natalina (com exposição da lapinha ou Presépio); Folia de Reis; Pastorinhas; Congado; Dança de São Gonçalo; Desfile de Carros de Bois e outras, identificadas, posteriormente, pelos pesquisadores, e autorizadas pelos Associados, em Assembléia Geral. Mande-me e-mails ou escreva-me cartas, com sugestões, sempre que quiser. Vamos trocar idéias a respeito desta e de outras propostas. Juntos, procuraremos desfraldar mais esta bandeira em homenagem aos nossos queridos antepassados. Temos muito que planejar... Muito que pelejar... Muito que realizar...


DOCUMENTAÇÃO









(*) FONTES: 1) Jornal “A Luz”, Ano II, Nº 40. Januária, Domingo, 28 de junho de 1903. 2) Internet (sites diversos). 3) Livro/Revista (sem data, autoria e editora) “30 anos de apostolado dos Capuchinhos da Província de Messina em Minas Gerais”. 4) Site da Diocese de Amparo (SP). 5) Site da Comunidade Católica Aliança Jesus Te Ama. 6) Bíblia Sagrada – Edição Claretiana – Ano 2000 – Editora Ave-Maria. 7) Documentação recebida dos primos Laurita Rocha dos Santos e Márcio Arthur Tupiná em 28 de agosto de 2006 e datas posteriores, inclusive fotos antigas e certidões de cartório.


“Se não houver frutos, valeu a beleza das flores. Se não houver flores, valeu a sombra das folhas. Se não houver folhas, valeu a intenção das sementes”. (Henfil)


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