Revista Territórios Gastronômicos Especial

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TERRITÓRIOS GASTRONÔMICOSespecial

Uma viagem pelos melhores sabores de Minas

Baroa caipira com gema defumada e caldo de galinha, Chef Henrique Gilberto

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EDITORIAL Quintais 08 Beth Licores 10 Maria do Beijo 12 Receita Mestra Maria do Beijo

TURISMOS GASTRONÔMICOS Cafés e Vinhas 17 Receita Barista Julia Fortini Souza

ESTRADA REAL 21 Receita Chef Felipe Rameh 22 Queijo do Serro 23 Queijo Frei Rosário 24 Receita Chef Ana Estela Marcondes 28 Jabuticabas 30 Receita Chef Flávio Trombino 32 Gil Cogumelos 34 Receita Chef Henrique Gilberto 36 Queijo Catauá 38 Queijo Cruzília 40 Receita Chef Jamile Massahud

CIÊNCIA E TECNOLOGIA Mel de Melato 44 Receita Chef Frederico Trindade

EDUCAÇÃO TERRITÓRIO INFANTIL EXPEDIENTE

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Editorial

EDuaRDO aVELaR Os Territórios e suas Identidades Gastronômicas a gastronomia ou a cultura alimentar de um povo tem se tornado um assunto recorrente no mundo e em especial no Brasil, onde as mídias abrem um espaço privilegiado para os programas e publicações que abordam, principalmente, as cozinhas, os cozinheiros profissionais e as suas criações. Mas o espectro da gastronomia torna-se muito mais abrangente quando a percebemos como uma das mais importantes manifestações culturais desses povos, onde as identidades Gastronômicas bem definidas possibilitam o desenvolvimento de uma infinidade de projetos e ações estruturadoras e transformadoras, seja econômico ou social nas comunidades envolvidas. O projeto territórios Gastronômicos apresenta nesta publicação o resultado de um estudo de 15 anos de viagens de pesquisas com observações e experimentações de um cozinheiro em mais de 1.200 localidades entre cidades, distritos e povoados, que foram devidamente degustados, observando-se os aspectos Território Físico físicos, com suas interferências de solo, clima e relevo sobre o sabor e a qualidade dos produtos. Os aspectos culturais, como migrações ao longo da história, levando e trazendo diferentes costumes e tradições, também foram determinantes para conhecer as receitas e as características alimentares de diversas regiões, assim como os costumes em toda a cadeia produtiva como a produção, a transformação, a distribuição, a comercialização e o consumo.

TF

a convergência desses três aspectos utilizados para esta pesquisa proporcionou uma visão bem próxima da realidade, com a criação de um novo desenho das fronteiras regionais de Minas Gerais sob a ótica gastronômica.

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IG

Território Cultural

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Cadeia Produtiva Produto/ Produção/ Distribuição Comercialização/ Consumo

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Um simples conceito, projetos estruturantes, grandes transformações... Com as Identidades Gastronômicas conhecidas, as vocações e oportunidades vão se delineando em cada região, com os projetos culturais, sustentáveis e de turismo gastronômico se multiplicando, indicando novas alternativas para o desenvolvimento do estado, cujas inquestionáveis vocações de bem receber e de cultuar o agronegócio, se somam a essas identidades intimamente ligadas à paixão pelos fornos e fogões aliadas aos costumes alimentares. Nesta publicação, abordamos um pouco de cada uma destas características de nosso estado e sua diversidade de desdobramentos para o desenvolvimento social, cultural, a geração de emprego e renda, mas, principalmente, a consagração de nossa histórica sustentabilidade. Esse conceito pode ser considerado contemporâneo para muitos países ou regiões do planeta, mas não para nós, pois é parte integrante de nossa história desde os tropeiros, passando pelas roças e se eternizando pelos quintais, onde os produtos locais e os criativos artistas das cozinhas sempre foram os protagonistas dos sabores e saberes. Esses quintais ratificam a autenticidade deste conceito que define a culinária mineira como aquela que se revela ao se abrir a porta da cozinha para as grandes e sortidas despensas. Um capítulo a parte é dedicado ao Roteiro Estrada Real, principal referência turística de Minas que tem, na gastronomia, a síntese da diversidade mineira, apresentando características de todos os cinco territórios definidos com receitas históricas e também com produtos que representam as identidades gastronômicas das várias regiões do estado. E para completar o grande espectro deste saboroso e diverso segmento, destacamos ainda o envolvimento da academia, com a participação de professores e demais profissionais das escolas em Minas, que extrapolam os limites técnicos das cozinhas e das salas de aula, abordando importantes aspectos dos territórios e suas identidades regionais.

Cerrado Espinhaço Rios Central Mantiqueira

O Território Bem-Estar com receitas e informações nutricionais e o Território Infantil, com brincadeiras pedagógicas para aguçar de maneira lúdica o interesse das crianças pela gastronomia, também estão presentes nesta edição, por sua inequívoca importância para a compreensão deste conceito tão abrangente e transformador dos nossos Territórios Gastronômicos.

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QUINTAIS TEMPLOS SAGRADOS Se existe um lugar onde podemos venerar a nossa mineiridade sem medo de nos tornarmos hereges, este lugar está nos quintais de nossas casas, verdadeiros templos do culto à boa culinária, por sua diversidade de sabores e pelo talento dos artistas dos fogões, com suas tradições e receitas. Se os Territórios podem ser divididos e delineados por suas Identidades Gastronômicas regionais, a definição da identidade de Minas Gerais extrapola essas frugais fronteiras, que neste caso são desconstruídas por um conceito único, que nenhuma região do planeta pode reivindicar. Não existe lugar no mundo onde um simples canteiro, uma chácara ou um simples pedacinho de terra nos fundos de casa tenha tanto valor sentimental e cultural para seu povo. A verdadeira cozinha mineira tem suas receitas inspiradas e preservadas pelas mestras e mestres dos quintais em cada canto do estado. Os guisadinhos, preparados com angu e hortaliças não convencionais como cansanção, ora-pro-nóbis, beldroega, cariru de porco, folhas de batata doce, maria gondó, entre outras, como as tradicionais couves, taiobas, quiabos, abóboras, acompanhados de galinha, costelinha ou carne nenhuma, retratam a verdadeira cozinha mineira de todos os tempos, desde quando não se utilizavam o arroz com o angu de fubá e o feijão, fazendo as vezes do hoje insubstituível arrozinho refogado no alho. Além desses guisadinhos, as mestras e mestres de nossos quintais produzem outras iguarias históricas com os produtos de seus terreiros, como doces e geleias de frutas, quitandas de milho, araruta e mandioca, no mais puro, tradicional e inigualável estilo mineiro.

Eduardo Avelar

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Fotos: Carlos Stan

Mestres no quintal em Igarapé, MG

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Quintais - Beth Licores

Paixão e criatividade no quintal da Beth

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abuticaba, acerola, pequi, tamarindo, pitanga, jenipapo. até hoje, tudo que eu plantei aqui nasceu e cresceu”, conta Elizabeth das Dores, a orgulhosa dona de um quintal em são Joaquim de Bicas, no território Central.

Ela começou cultivar a terra há 30 anos, quando ainda trabalhava com contabilidade em Belo Horizonte. todo final de semana plantava em seu sítio uma semente diferente. Em pouco tempo, Beth já colhia uma grande variedade de frutas. “Comecei a perceber que eu perdia muita fruta e o desperdício me incomodava. Foi quando decidi fazer alguma coisa menos perecível e aprendi a fazer licores. Eu gosto de aproveitar tudo”, conta.

Há dez anos, o sítio virou casa e o hobbie, fonte de renda. Hoje, são 24 sabores de licor. Mas quem decide a produção não é a Beth.

“A natureza é que manda. Se é época de maracujá, faço de maracujá”, e completa: “tem gente que me pede pra fazer mais disso ou daquilo, mas não posso me comprometer. só faço o que tem no quintal”. a diversidade dos sabores vem da criatividade da aposentada. O licor feito com a folha da figueira, por exemplo, é um sucesso. O de guaco - uma planta medicinal usada para tosse e bronquite - é dos mais exóticos.

Beth em seu quintal - são Joaquim de Bicas, MG

Beth conta que é impossível revelar a receita. Duas garrafas do mesmo sabor podem ter doses bem diferentes

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de cada ingrediente. “a gente macera a fruta, joga cachaça e vai temperando com melado, uma mistura de água e açúcar. Mas as quantidades, só provando de pouquinho em pouquinho. Depende da acidez da planta, se a fruta está mais doce ou azeda naquele ano”, explica. Outra solução encontrada para evitar o desperdício veio dos doces, molhos e compotas. “se é época de goiaba, faço goiabada. Hoje mesmo estou com um molho de tomate fervendo no fogão a lenha. Depois coloco num potinho, ponho rótulo e vendo. Fica muito leve, não é aquele molho com conservante que vende nos supermercados”, diz.

Um mundo de quintais O fotógrafo Yann arthus-Bertrand registrou em seu trabalho “a suíça vista de cima”, uma foto que chamou a atenção do mundo para as possibilidades da boa alimentação nos centros urbanos.

E os negócios vão bem. Beth tem dois ajudantes e expõe seus produtos em uma banca do Mercado Central, em Belo Horizonte. “Sempre sonhei em vender lá. Ia passear, ficava olhando as lojas… não queria uma muito grande, que não combinasse com o meu produto. até que encontrei uma que só vendia um tipo de cachaça. Fiz a proposta ao dono e, graças a Deus, não sobra nada na prateleira.” aos 59 anos, ela não tem motivos para olhar para trás. “se eu tenho saudade do trabalho no escritório? nenhuma! Faço o que gosto. até os médicos já disseram que isso é o que me mantém viva. Estou muito ocupada pra ter saudades”, diz.

Les avanchets, Genebra, suíça

Les avanchets, em Genebra, tem uma área onde todos têm seu próprio quintal. Os terrenos verdes contrastam com os sete blocos de prédios coloridos que ficam logo ao lado. Os moradores combinam o que cada um vai plantar e depois trocam os alimentos com os vizinhos. uma garantia de variedade a baixos custos. O que sobra é vendido nos centros comerciais do conjunto de edifícios. Os países europeus desenvolveram a ideia de casas com quintais no final do século XIX para melhorar a qualidade de vida da população nas cidades. na suíça, elas surgiram no fim da Primeira Guerra Mundial e já ocupam 50 mil hectares. a chamada agricultura urbana não para de crescer e tem potencial para dobrar nos próximos 20 anos. na Rússia, mais de 70% das casas nas cidades têm alimentos plantados, seja nos fundos, nas varandas ou nos terraços. Em Londres, desde 2004 a prefeitura mantém um Conselho de alimentação para incentivar e controlar a produção de alimentos na capital inglesa. Com incentivos fiscais, várias associações de hortas comunitárias foram criadas. uma das maiores é a OnG Capital Growth, que aproveita locais como pátios de escolas, margens de canais e casas de repouso para plantar produtos orgânicos. Hoje, já são mais de duas mil hortas e 40 mil voluntários envolvidos. Beth e seus produtos

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Quintais - Maria do Beijo Fotos: Carlos Stan

Maria ralando mandioca - igarapé, MG

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er a Dona Maria do Beijo fazendo farinha de mandioca é de encher os olhos. Cada etapa é executada com o cuidado de quem carrega uma tradição. Cumprida com simplicidade e rigor há 70 anos, a rotina começa às quatro da manhã. a mandioca precisa ser descascada, lavada, moída e torrada. a máquina de ralar, comprada com muito suor, é o orgulho desta “mestra dos quintais”. “Eu custei a pagar, nossa senhora! Mas ficou muito mais fácil. antes, eu fazia tudo na mão”, diz.

Maria torrando farinha - igarapé, MG

Maria do Beijo, 70 anos da cultura de quintal

A plantação de mandioca fica logo ali, no quintal de casa, ao lado de couves, almeirões, bananas e tudo o mais que a terra pôde dar. Maria do Beijo casou-se aos 15 anos e teve 15 filhos. Todos criados no quintal.

“Eu não comprava pão, não. Primeiro porque eu morava na roça. Depois, quando eu vim pra cá, continuei do mesmo jeito. Tiro tudo do quintal”, Ela não esconde o conhecimento acumulado ao longo da vida e dá uma dica: “Para o tacho de doce de leite ficar bem limpinho, a gente tem que lavar com limão”.

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A cultura dos quintais é passada de geração em geração. Todos os filhos de Maria do Beijo vivem próximo a ela, em igarapé, cidade de 40 mil habitantes no território Central, Região Metropolitana de Belo Horizonte. Cada um tem sua produção caseira, seja de polvilho, biscoitos ou doces. “Vivemos sempre rodeando as asas da nossa mãe. temos que aproveitar toda a sabedoria que ela pode nos passar”, conta Geralda, filha de Maria do Beijo. O principal cultivo no seu quintal é o da cana-de-açúcar. a rapadura é uma de suas especialidades. “não consigo nem imaginar o que seria a minha vida sem meu quintal. Desde que me entendo por gente trabalho com a terra, sempre com a terra”, lembra. a tradição também é passada às novas gerações. Às sextas-feiras, Maria do Beijo recebe crianças de escolas da cidade. Com os olhos vidrados no forno de barro que ocupa um canto do terreiro, os alunos assistem à mestra da culinária mineira fazendo - e assando - biscoitos de polvilho. “O biscoito também é todo feito aqui. Os ovos, eu tiro das minhas galinhas. aí, dá pra fazer um agrado para os meninos”, comenta. Maria e sua filha Geralda

Quando o quitute fica pronto, a alegria é geral.

“A gente precisa mostrar as coisas da roça pra eles. Me dá alegria no coração. Eles saem daqui com a barriguinha cheia. É bom demais.”

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RECEITA

BISCOITO DELÍCIA DA ROÇA Maria do Beijo

INGREDIENTES 1kg Polvilho azedo 1 “Copo de requeijão” de óleo 2 “Copos de requeijão” de leite 2 “Copos de requeijão” de água 4 Ovos 1 Colher de sopa de sal 2 Colheres de sopa de açúcar 2 Colheres de sopa de margarina (opcional) PREPARO Em uma vasilha, junte o polvilho, o sal e o açúcar. Ferva o leite e o óleo e jogue na mistura do polvilho. Mexa bem. Deixe esfriar um pouco e acrescente os copos de água. Vá mexendo até o polvilho dissolver completamente e a massa ficar bem fina. Bata os ovos no liquidificador (isso impede que o biscoito fique com cheiro de ovo) e misture na massa. Adicione as duas colheres de sopa de margarina se quiser que o biscoito fique fofo por mais tempo, sem endurecer. Quem quiser uma receita mais leve não precisa colocar. Encha um saquinho plástico com a mistura, faça um furo e, num tabuleiro, vá espremendo a massa. Dá para fazer os biscoitos da forma que quiser. Depois, leve ao forno até ficar sequinho.

Mestra Maria do Beijo

Maria do Beijo revela a receita do seu biscoito de polvilho. a tradição, passada de mãe para filha, contém dicas que até cozinheiras experientes desconhecem.

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Fotos: divulgação Culinária Para Convivência

ROTEIROS A gastronomia mineira consolida novos destinos turísticos

Turismo no cafezal da Fazenda Sertão, Carmo de Minas, MG

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ROTEIROS - Cafés e Vinhas

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gastronomia é um dos maiores atrativos para viajantes que procuram novas experiências e destinos. A rica história da cozinha mineira e o manejo tradicional de seus ingredientes tem potencial de transformar cada povoado do estado em um pólo turístico. Uma pesquisa feita pela Secretaria de Estado do Turismo de Minas Gerais (SETUR) perguntou a oito mil viajantes do que eles mais se lembram das viagens quando voltam para casa. Em segundo lugar, está sempre algo ligado à gastronomia. O quesito só perde para a nossa hospitalidade. “O turista, hoje em dia, está cansado de ‘mais do mesmo’. Todo turista, onde quer que esteja, vai ter que dormir e comer. Temos que agregar valor à experiência da mesa”, diz Renata Toffoli, da Setur. O espírito de acolhimento de Minas Gerais, bem como o crescente interesse dos visitantes pelos sabores locais, tem feito multiplicar os roteiros turísticos centrados na experiência gastronômica do estado. A arte de produzir cafés gourmet, por exemplo, atrai cada vez mais turistas para as fazendas mineiras. Cultivado em mais de 100 mil propriedades espalhadas por 600 municípios do estado, o café mineiro está presente em uma a cada quatro xícaras servidas no mundo.

Em Carmo de Minas, ao sul do Território da Mantiqueira, a tradição cafeeira nas altitudes da serra virou rota obrigatória para os amantes da bebida. Dos mirantes da Fazenda Sertão, os visitantes acompanham todas as etapas do cuidadoso processo de seleção dos grãos.

“Os melhores meses para visitar são os da colheita, entre maio e agosto. Chegamos a ter 700 pessoas trabalhando, dá para ver tudo de perto” , diz Gabriel Guimarães, barista da Unique Cafés. “A colheita é manual porque selecionamos apenas os grãos maduros”, diz o barista, cuja família cultiva o café há mais de cem anos.

Viajar é

descobrir sabores

Depois de conhecerem os segredos do melhor grão, os visitantes são convidados a degustar diferentes intensidades e blends de café em uma charmosa cafeteria de São Lourenço. Como não podia deixar de ser, acompanhado de uma fornada de pão de queijo e da mineiríssima broa de fubá.

Fotos: divulgação Culinária Para Convivência

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Fazenda Sertão - Carmo de Minas, MG

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Fazenda Luiz Porto Fazenda Luiz Porto

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as não é só a tradição que tem atraído os novos desbravadores da gastronomia mineira. nos últimos dez anos, os vinhedos vêm mudando as paisagens da região de Cordislândia, uma área de transição entre a Mata atlântica e o Cerrado, o sudoeste do território da Mantiqueira. “sempre fomos uma típica fazenda mineira, que planta café e tira leite. na década de 1990, tivemos muitos problemas e vimos que não poderíamos continuar dependentes das commodities”, lembra Júnior Porto, da Fazenda Luiz Porto, em Cordislândia, também no sul de Minas. “Começamos a plantar uvas em 2002 e hoje já temos 15 hectares de parreirais. Eles representam um potencial econômico muito importante para a fazenda”, completa. a hospitalidade mineira fez com que a família decidisse receber turistas em visitas guiadas pelos vinhedos. “Minha mãe foi quem começou com isso. Ela sempre gostou de receber pessoas e da energia da casa cheia”, conta. a iniciativa deu certo e ajuda a divulgar o vinho produzido na fazenda e fidelizando os consumidores. “O mineiro é muito ligado às coisas da terra. Há uma relação amorosa com as tradições, as histórias que são passadas de pai para filho. As pessoas se emocionam quando chegam aqui”, explica.

Casa Geraldo

“A maior surpresa de quem vai é a qualidade do vinho. Descobrir que Minas faz um vinho bom. Nós temos que pensar no sabor do terroir mineiro. Isso agrega ao paladar” (Sommelier Renato Costa) O sommelier Renato Costa também embarcou no potencial turístico das vinícolas da região. Ele montou um roteiro que, durante três dias, leva os amantes do vinho até a Fazenda Capetinga, em três Corações, Casa Geraldo, em andradas e também para a Fazenda Luiz Porto.

a galinha caipira com quiabo ganha acompanhamento do vinho Merlot da Fazenda Luiz Porto. Já com o leitão a pururuca cai bem o syrah da Fazenda Capetinga. “O syrah é um vinho mais tânico, mais áspero. Combina com a carne de porco. ajuda a dissolver os sabores na boca”, destaca o sommelier.

O turista tem a possibilidade de se esbaldar com a harmonização dos vinhos e com clássicos da gastronomia mineira. O queijo Minas, com um fio de azeite feito na região, forma uma bela dupla com o sauvignon Blanc da Casa Geraldo.

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UMA QUESTÃO DE RAÍZES

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m se tratando de vinho, como ressalta o sommelier Márcio Oliveira, a produção no Sul de Minas ainda é considerada recente, mas já traz peculiaridades de sabores que os produtores e especialistas definem como o terroir mineiro. “Quanto mais profunda a raiz de uma videira, mais complexa a seiva da planta. Como aqui as raízes ainda são pouco profundas, de cerca de dez anos, elas geram vinhos mais simples. Mas é um vinho bom, correto, fácil de beber e de gostar”, diz Márcio. O desafio de implantar uma cultura como a do vinho em Minas exige muita dedicação, a começar pelo clima. O agrônomo Murilo de Albuquerque trouxe da França a técnica da dupla poda, que viabilizou o cultivo da uva no estado. Como a chuva é prejudicial à maturação da uva, a primeira poda é feita entre novembro e dezembro, de modo a impedir que a planta dê frutos no período chuvoso. No inverno, as uvas estarão prontas para a colheita, quando acontece a segunda poda. Segundo Márcio Oliveira, os produtores mineiros estão no caminho certo ao apostar numa diversificação cada vez maior da carta de vinhos. E completa:

“Há desde mais acessíveis, bons para beber como aperitivo, até as linhas de reserva, que harmonizam com queijos frescos, massas de molho branco e carnes”. Então, é só escolher o seu vinho e fazer a harmonização que mais lhe agrada.

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Fazenda Luiz Porto

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RECEITA

LIMÃOZINHO

Barista Julia Fortini souza Rendimento: 4 porções INGREDIENTES 2 Limões capetas 400ml Água 1 Colher de açúcar 40g Bom café (granulometria média/fina) 360ml Água quente Gelo a gosto PREPARO Fazer um concentrado com suco dos limões, açúcar e água. Para cada porção, colocar 100ml dessa mistura em um copo com gelo e coar por cima 10gr de café em 90ml de água quente.

Barista Julia Fortini - academia do Café

Fotos: Léo Braz

Limãozinho

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a barista Júlia Fortini faz parte da quinta geração de uma família produtora de cafés especiais. Fez cursos na Europa e nos Estados unidos e, hoje, é responsável por treinar baristas da academia do Café. Para mostrar as potencialidades de um dos produtos mais tradicionais de Minas, ela criou uma bebida saborosa e refrescante.

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Imagem: arquivo Instituto Estrada Real

ESTRADA REAL Uma viagem pelos cinco territ贸rios gastron么micos de Minas Gerais

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Produção de biscoitos - acervo instituto Estrada Real - Foto: Rodrigo Azevedo

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Estrada Real, o mais importante caminho turístico de Minas Gerais, corta o território da Mantiqueira, passando pelo território Central e subindo até o Espinhaço. a viagem gastronômica e histórica incorpora ao longo de seu trajeto influências do território dos Rios e do Cerrado. a rota leva em cada curva um sabor pra lá de mineiro. se as belezas naturais e a hospitalidade do povo atraem turistas de todo o Brasil e do mundo, o potencial da gastronomia ainda é pouco conhecido e divulgado na maioria dos 169 municípios por onde esse caminho passa. Essa lacuna levou o instituto Estrada Real, do sistema Fiemg, a criar o projeto Terroirs. a ideia é ajudar na promoção de eventos gastronômicos e dar mais visibilidade aos produtos típicos encontrados na rota que podem se tornar apetitosos atrativos turísticos e potenciais elementos de desenvolvimento econômico e social. “Os eventos já acontecem separadamente. Vamos agrupálos e desenvolver estratégias de divulgação e promoção, de maneira a facilitar e incentivar o turismo vivencial nos diversos terroirs da Estrada Real. Queremos atrair e guiar os visitantes pelo estômago”, explica Daniele teixeira, coordenadora do projeto.

“um estudo desenvolvido há quinze anos pelo chef Eduardo avelar permitiu dividir a cultura gastronômica do estado em cinco grandes territórios. todos são identificados na culinária da Estrada Real em algum ponto. Em cada um dos caminhos, uma ou mais identidades gastronômicas se traduzem nos costumes e tradições de suas cozinhas locais”, completa Daniele, reiterando o conceito do projeto territórios Gastronômicos. Delícias de dar água na boca ajudaram a forjar a nossa cultura. É assim com os queijos, as cachaças e a carne serenada no Espinhaço. Esse último produto tem sua grande referência nos territórios do Cerrado e dos Rios. E o que dizer da crocância dos pastéis de angu de Conceição do Mato Dentro e também em itabirito no território Central? Receita que teve sua origem com a chegada dos escravos em Minas. na Mantiqueira, o encanto fica por conta principalmente dos queijos, cachaças, cafés e doces cristalizados. Quem visita a Estrada Real encontra uma grande variedade de ingredientes, receitas, tradições e saberes culinários que têm a cara do povo mineiro. Viaje pelo mapa e descubra os destaques de cada um dos territórios Gastronômicos de Minas.

Outra iniciativa é mapear os produtos típicos encontrados ao longo de cada rota do estado e criar um selo terroir Estrada Real.

“Estamos licenciando os produtos. Até agora, identificamos potencial em 50 cidades. Queremos encontrar produtos consolidados, de qualidade, e divulgá-los para os turistas”, explica Daniele teixeira, coordenadora do projeto.

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RECEITA

galinha caipira confitada, ravioli de miúdos e molho pardo INGREDIENTES

Chef Felipe Rameh Filho de pai cozinheiro, o chef Felipe usa técnicas apuradas para criar pratos com a cara e o cheiro das raízes brasileiras. À frente do Restaurante Alma Chef, em Belo Horizonte, ele valoriza ingredientes saudáveis e produzidos de forma sustentável. A receita de Frango Caipira Confitado resgata uma tradição do garimpo vinda do Território do Espinhaço. Fotos: Marcos Leão

GALINHA CONFITADA 4un Coxa e sobrecoxa de galinha caipira 400g Gordura de pato 400g Banha de porco 5g Pimenta do reino preta moída 2 Ramos de tomilho 2 Ramos de alecrim 1 Folha de louro 3 Dentes de alho 100ml Vinho branco Noz-moscada a gosto Sal refinado a gosto Ravioli de miúdos MASSA 350g Farinha 150g Semolina Aproximadamente 10 gemas de ovos caipira RECHEIO 100g Coração de galinha fresco 100g Moela fresca 100g Fígado de galinha fresco 100g Morcilla 15g Manteiga 100g Gordura de pato 100g Banha de porco 1 Ramo de tomilho 1 Ramo de alecrim 1 Folha de louro 1 Dente de alho 30ml Vinho branco Sal refinado a gosto Pimenta do reino preta moída na hora (a gosto) CALDO DE FRANGO 1un Pé de porco 300g Pé de galinha 300g Dorso de frango 300g Pescoço de peru 125g Cebola 125g Cenoura 125g Salsão 125g Alho-poró Água suficiente para cobrir MOLHO PARDO 500ml Caldo de frango reduzido 100ml Sangue de galinha fresco Sal refinado a gosto Pimenta do reino preta moída na hora (a gosto)

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PREPARO GALINHA CONFITADA Com a coxa e sobrecoxa da galinha ainda unidas, fazer um corte nos tendões que ligam a carne ao osso da peça, bem próximo ao fim do osso e por toda a circunferência do mesmo. Fazer uma marinada com o sal, a pimenta do reino, o tomilho, o alecrim, o louro, os dentes de alho amassados, o vinho e a noz-moscada. Deixar a galinha nessa marinada por 12 horas dentro da geladeira. após o tempo de marinada dispor a galinha sobre uma assadeira e cobrir com a gordura de pato e a banha de porco. Levar ao forno pré-aquecido a 110⁰C. Fechar bem a assadeira com papel alumínio e confitar por aproximadamente 3 horas, ou até que a carne esteja soltando do osso. Retirar as galinhas da gordura e levar ao forno pré-aquecido a 230⁰C, por 4 minutos, ou até que estejam douradas. Finalizar com o molho pardo e servir. RAVIÓLI DE MIÚDOS MASSA Em um bowl colocar as duas farinhas e abrir um buraco no centro delas. Colocar as gemas dentro do buraco e mexer com o auxílio de uma colher. Misturar até que a massa possa ser trabalhada com as mãos. Amassar até que a massa fique lisa e uniforme. A quantidade de gemas pode variar de acordo com o tamanho dos ovos e a umidade do dia. Para massas recheadas o certo é trabalhar com massas mais úmidas. Deixar descansar por 1 hora na geladeira coberta com plástico filme. Abrir a massa com a espessura de 1mm e cortar com a ajuda de uma faca ou cortador de massas. Rechear e modelar as massas em formato de ravióli. Reservar em um recipiente protegido até o momento da utilização. RECHEIO Fazer uma marinada para a moela com sal, pimenta do reino, tomilho, alecrim, louro, o dente de alho amassado e vinho. Deixar a moela nessa marinada por 12 horas dentro da geladeira. após o tempo de marinada dispor a moela sobre uma assadeira e cobrir com a gordura de pato e a banha de porco. Levar ao forno préaquecido a 110⁰C. Fechar bem a assadeira com papel alumínio e confitar até que esteja macia, aproximadamente 1h. Temperar o coração e o fígado de galinha, separadamente, com sal e pimenta do reino moída na hora. Deixar descansar 30 minutos fora da geladeira. Em uma frigideira de ferro dourar o coração e o fígado separadamente com um pouco de manteiga. Picar na ponta da faca todos os miúdos (já frios) e a morcilla em brunoise. Em um bowl, misturar todos os miúdos e acertar o sal e a pimenta. Reservar em geladeira ou congelado até o momento de rechear os raviólis. CALDO DE FRANGO Levar ao forno pré-aquecido a 200°C o pé de porco, os pés de galinha, os dorsos de frango e os pescoços de peru por aproximadamente 30 minutos, ou até que estejam bem dourados. Em uma panela com fogo alto, colocar um fio de óleo e dourar todos os legumes cortados grosseiramente. acrescentar os ossos dourados e cobrir com água fria. Cozinhar em fogo baixo por aproximadamente 12 horas retirando sempre a camada de gordura que se formará na superfície. Reduzir o caldo até ficar com o sabor bem acentuado. Coar e reservar o líquido.

MONTAGEM Cozinhar os raviólis em água fervente e sal até que estejam ‘al dente’. Envolver rapidamente os raviólis no molho pardo e servir junto com a galinha confitada e dourada ao forno. Finalizar o prato com uma folha de sálvia desidratada.

Preparo: 12h Rendimento: 4 porções Dificuldade: Média Categoria: aves e massas

Harmonizando com

Fabiana arreguy Cerveja Jambreiro Badil, uma Brown ale com maltes amendoados, em ponto de caramelização, que traz tostados interessantes e sabores terrosos bastante complementares ao prato.

MOLHO PARDO Quando o caldo de frango estiver bem reduzido, ou seja, espesso e com sabor bem acentuado, retirar a panela do fogo e finalizar o molho com o sangue fresco. acertar o sal e a pimenta.

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ESTRADA REAL - Queijo do Serro

QUEIJO DO SERRO: O EMBAIXADOR DO ESPINHAÇO

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início do Caminho dos Diamantes, na Estrada Real, é marcado por uma das tradições gastronômicas mais associadas à mineiridade: a produção de queijo. E não é qualquer queijo. Patrimônio Cultural do Brasil, de acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o queijo do Serro preserva em seu modo de fazer conhecimentos acumulados ao longo de 300 anos de história. Cercada por montes cobertos de sempre-vivas, que guardam a nascente do rio Jequitinhonha e inúmeras de cachoeiras, a cidade do Serro, com suas ruas e casarões dispostos em forma de anfiteatro, é um centro irradiador da cultura sertaneja do Território do Espinhaço. De olho nas possibilidades do turismo para a região, os produtores de Queijo do Serro firmaram um convênio com o Instituto Estrada Real para a certificação de duas variedades do produto. O objetivo é agregar valor, aumentar o apelo e o alcance dos queijos do Serro aos consumidores e turistas de passagem pela Estrada Real.

“O projeto vai divulgar nossos produtos. O turismo aqui ainda é incipiente e o Serro, com suas belezas naturais, poderia ser mais visitado”, diz Carlos da Silveira Dumont, presidente da CooperSerro, cooperativa que reúne 144 produtores da região. Uma das variedades a serem certificadas é a do Queijo do Serro Estrada Real, que ainda está em fase de desenvolvimento. O queijo será produzido pelos cooperados e maturado pela CooperSerro em um ambiente especial, com umidade e temperatura determinadas a partir de pesquisas desenvolvidas pela Universidade Federal de Viçosa. “Estamos desenvolvendo o queijo, as embalagens e os rótulos. O queijo do Serro é mais popular, embalado em plástico. Esse será para presentear, mais bonito e tão gostoso quanto o outro”, explica Dumont. Já o Queijo Minas Colonial edição Estrada Real será maturado por 25 dias, assim como o parmesão, mas vai preservar a consistência macia típica do queijo fresco. “Ele vai ser feito com um fermento específico e curado a uma temperatura mais alta que a tradicional. Queremos um sabor diferenciado”.

Foto: Douglas Theodoro

Foto: Rodrigo Dai

Outra aposta para atrair clientes e visitantes é o Passaporte Estrada Real – um documento entregue ao turista no início da viagem que, em cada ponto visitado da rota, recebe um carimbo. “Acreditamos que o passaporte, somado à presença mais forte do nosso queijo na estrada, vai fazer os turistas subirem até o Vale. Isso ajudaria não só os produtores como toda a cidade”, afirma Dumont.

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QuEiJO FREi ROsÁRiO: FÉ E saBOR na EstRaDa REaL a religiosidade está presente em cada expressão da cultura gastronômica de Minas Gerais. O santuário nossa senhora da Piedade, casa da padroeira do estado, talvez seja um dos locais onde a união entre fé e comida pode ser apreciada de forma mais evidente. Há 60 anos, um delicioso queijo é curado em uma caverna nas encostas da ermida. Quem começou a tradição foi frei Rosário Joffily, que dedicou sua vida ao santuário. nos idos de 1950, ele comprava queijos frescos e maturava por conta própria na pequena lapa. O frade dominicano viu que o clima úmido do alto da serra da Piedade, uma formação rochosa de 1746 metros de altitude no território Central, permitia a criação de uma crosta de fungos que dava um sabor inigualável à iguaria. O queijo passou a ser vendido aos visitantes do local, que atrai turistas e peregrinos de todo o Brasil. Com a morte de frei Rosário, a produção de queijos foi interrompida. A caverna ficou fechada por quase uma década. Mas, há seis anos, os funcionários decidiram tentar novamente. Eles temiam não conseguir reproduzir o queijo, já que não havia sinal dos fungos. Mas deu certo. “Dentro de um armário onde ficavam os panos que o frei usava para por embaixo dos queijos, ainda tinha fungo. Começamos a fazer e não paramos mais. Graças a Deus tem muita procura dos visitantes, não sobra nada”, conta Lucas teixeira, funcionário do santurário há 17 anos. Hoje, o queijo fresco é comprado dos fazendeiros da serra da Canastra, na região dos Lagos da Mantiqueira. O toque picante - e ligeiramente ácido - do Queijo Frei Rosário fica por conta das 46 culturas de fungos que atuam por 60 dias na massa (sempre macia) que chega da Canastra. “O processo é mais rápido quando está mais úmido. O tempo frio também é importante. O queijo matura melhor. todo dia a gente vai lá, troca os panos que ficam por baixo e vira os queijos. Tem que ser todo dia mesmo, para o queijo ficar bem firme”, explica Lucas.

Delícia inspirada na realeza Fotos: Mary Lane Vaz

Quando Dom Pedro ii e sua esposa tereza Cristina visitaram a província de Minas Gerais em 1881, ficaram surpreendidos com o sabor da rosca preparada com goiabada, iguaria típica do território Central, produzida nas fazendas no entorno do santuário. Encantada com a hospitalidade mineira e com os cafés coloniais, a imperatriz fez um elogio especial a essa quitanda, que leva doce de leite na massa e creme de manteiga na cobertura. a partir daí, o quitute ficou conhecido como Rosca da Rainha e passou a ser oferecido aos romeiros que visitam o santuário. a receita centenária dá água na boca. Vale a pena conferir.

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RECEITA

VIRADO DO SERTÃO Chef Ana Estela Marcondes Além de chef, Ana é também sommelier pela Associação Internacional de Sommeliers. É proprietária do Stella Bistrô, em Montes Claros, no Território do Cerrado. O Virado do Sertão une duas preciosidades bem mineiras: o pequi e a carne de sol. Essa receita contempla um ingrediente símbolo do Território do Cerrado, mas está presente com destaque na Estrada Real, nos Territórios do Espinhaço e Central, especialmente nas cidades de Lagoa Santa, Jaboticatubas, Santana do Riacho e no distrito de Casa Branca, na encosta da Serra do Rola Moça, em Brumadinho. Fotos: Lucas Viggiani

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INGREDIENTES

PREPARO

CARNE 100gr Chã de fora de sol 150ml Vinho branco 150ml Caldo de legumes 2 Dentes de alho inteiros (para perfumar) 1 Colher de chá de manteiga

CARNE Fritar a carne na manteiga e cozinhar no vinho, com o caldo de legumes e o alho. Corrigir o sal, desfiar e reservar.

ARROZ 90gr Arroz já cozido 6 Lascas de pequi em conserva 6 Folhas de ora-pro-nóbis 1 Colher de sobremesa de óleo de pequi VINAGRETE 10gr Cebola picada 10gr Tomate picado 10ml Azeite 5ml Vinagre Sal a gosto

ARROZ Picar grosseiramente as lascas de pequi, cozinhá-las em 300ml de água. Reservar a água. Misturar o arroz com as lascas de pequi e colocar a água aos poucos, até atingir o ponto desejado. Refogar na manteiga as folhas de ora-pro-nóbis e encorporar ao arroz. Adicionar o óleo de pequi e misturar tudo. MONTAGEM Fazer uma cama com a carne de sol, regando com a manteiga de garrafa. Por cima o arroz, finalizando com o vinagrete, sempre sobrepondo. Decorar com um canudo de farinha de milho.

Harmonizando com

Fabiana Arreguy Cerveja Wäls Tripel, doce com toques picantes e potência alcoólica para atravessar os sabores e texturas do prato.

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SC-0027-15 AD REVISTA TERRITORIO GASTRONOMICOS 40x27,5cm.indd 1 Territorios_24.indd 26

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O Governo de Minas Gerais assinou um acordo de cooperação técnica com o Slow Food, movimento internacional que incentiva a produção de alimentos saudáveis, sem aditivos químicos. Além de promover a redução do uso de agrotóxicos, valorizar produtos regionais como jatobá, jurubeba, pau-doce, ora-pro-nóbis e vários tipos de queijos artesanais, a parceria com o Slow Food vai estimular o consumo de produtos sustentáveis, com garantia de origem, e ajudar a elevar a renda de famílias mineiras que vivem da agricultura familiar. Afinal, nada é mais gostoso do que alimentar o desenvolvimento e ver Minas Gerais crescer forte e saudável. SAIBA MAIS: AGRARIO.MG.GOV.BR

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ESTRADA REAL - Jabuticabas

O OURO NEGRO DE SABARÁ

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Ciclo do Ouro deixou em Sabará os casarões do século XVIII com seus amplos quintais repletos de jabuticabeiras. A tradição se espalhou e as árvores frutificam até hoje nos mais simples terreiros da cidade. A partir da criação do Festival da Jabuticaba que, neste ano faz sua 29ª edição entre os dias 4, 5 e 6 de dezembro, os produtores organizaram-se e hoje moradores encontraram diversas formas de tirar da fruta seu sustento. “Com o festival, comecei a me interessar. Há dez anos fiz um curso e aprendi a fazer geleia doce e licor. Produzia tudo em casa”, lembra a produtora Meire

“A cada ano, eu aumentava a produção um ‘tiquinho’. Fiquei emocionada no dia em que consegui ter 15 caixas de geleia na despensa e agora, em 2015, minha meta é processar 15 toneladas de jabuticaba”.

Ribeiro. De lá para cá, os negócios não pararam de crescer.

Fotos: Lucas Maia

Aliando tradição e criatividade, 30 produtoras locais fazem hoje cerca de 15 produtos derivados da jabuticaba. Meire explica que “nenhuma das meninas usa agrotóxico, produto químico, nada disso. É tudo natural. Nosso único conservante é o açúcar”.

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O olhar atento de quem passou a vida testando receitas e fazendo verdadeiras mágicas culinárias com a jabuticaba deu à atividade um caráter sustentável. Cada parte da fruta é aproveitada. O processo de fervura para fazer casca cristalizada, por exemplo, rende o caldo para fazer molho de jabuticaba para carnes. Já o líquido que sai da polpa quando a fruta é descascada vira insumo para compotas. um projeto que tem impulsionado o resgate da identidade gastronômica da cidade é o Jabuticaba Gourmet. Desenvolvida pela agência de Desenvolvimento de sabará, a ideia é capacitar as produtoras, melhorar as marcas e a divulgação dos produtos. “a parte mais técnica, como a elaboração dos rótulos, foi feita por nós. Mas a gente procurou respeitar a história e a identidade de cada uma das produtoras na elaboração das peças. Foi muito prazeroso de se fazer porque elas se abriram, falaram sobre a vida e as expectativas”, conta a coordenadora técnica do projeto, Fernanda Caetano.

grossas e comecem a estourar como pequenos vulcões. aí, pode tirar do fogo”, revela. Chega a hora do toque especial. Ela coloca a lâmina de ouro na panela e mistura com delicadeza. “Meu marido trabalha em uma mineradora que, até hoje, extrai ouro em sabará. Eu vivo em função das jabuticabas. Do mesmo jeito que deu certo aqui em casa, sabia que os dois ingredientes iam casar bem na receita”, brinca. a maior satisfação da produtora é ver as jabuticabeiras da região frutificando e gerando renda. “Um dos meus fornecedores trabalha como motorista de ônibus e colhe a fruta no sítio do pai. na última safra, em duas semanas ele recebeu R$ 5 mil. Faz toda a diferença para a família”, diz a produtora que faz planos ousados para o futuro: “quero crescer, ajudar a impulsionar a região e ter minha própria agroindústria”.

Outro viés do Jabuticaba Gourmet é aproximar produtoras e chefs de cozinha. “Fizemos um workshop e desafiamos as produtoras a fazer um prato usando os próprios produtos na receita. saíram coisas deliciosas. só aí elas perceberam o potencial do que tinham nas mãos”, afirma Milsane de Paula, coordenadora de marketing do Jabuticaba Gourmet. O projeto representou uma guinada na vida de Meire. Ela criou um CnPJ, mudou o nome da empresa, a marca e ainda aprendeu a congelar jabuticaba - a fruta é altamente perecível. “antes, o turista que vinha a sabará encontrava jabuticaba uma vez por ano, durante o festival. Hoje, temos produtos o ano inteiro”, explica. a produtora ainda fez contato com vários chefs e passou a vender novos produtos como vinagre, mostarda e molho de pimenta de jabuticaba. “Para marcar todas essas mudanças, resolvi fazer uma receita especial, que tivesse a ver com a história de sabará. acabei inventando a Geleia Gold, feita com o nosso ouro negro, a jabuticaba, e ouro mineral, comestível”, conta Meire. O luxo jamais imaginado pelos colonizadores portugueses está hoje disponível em um elegante potinho de vidro. O processo artesanal de produção desvenda técnicas tradicionais da gastronomia regional. Primeiro, Meire estoura cinco litros de jabuticaba. a polpa é colocada para ferver em um tacho de cobre no fogão a lenha por 30 minutos. O suco que se forma no fundo da panela é retirado e colocado para descansar. a produtora então coa o suco para retirar as sementes e dá a dica: “é bobagem tirar as sementes antes porque elas soltam na fervura”.

Meire, produtora da geleia sabarabuçu Gold

O líquido volta para o tacho. são dois litros e seis colheres de açúcar cristal. Meire vai misturando com a paciência de quem entende do assunto. “São uns 30 minutos até que as bolhas fiquem mais

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RECEITA

SABARABUÇU Chef Flávio trombino trombino tem no Dna a cultura gastronômica de Minas Gerais. À frente do restaurante Xapuri, em Belo Horizonte, ele preparou uma receita especial. no prato elaborado em homenagem a sabará, o chef harmoniza três ingredientes-chave da culinária local: a jabuticaba, o lobrobó ou ora-pro-nóbis e o queijo. Foto: Fabiana Figueiredo

Harmonizando com

Fabiana arreguy Cerveja Falke Ouro Preto, que, com suas notas de café e doçura sutil, forma um belo par com a sobremesa à base de queijo.

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Foto: Lucilaine Silva

INGREDIENTES

PREPARO

FLAN DE QUEIJO 250gr Creme de leite fresco 60gr Açúcar refinado 5ml Essência de baunilha 12gr Gelatina incolor 300gr Cream cheese 1 Limão (usar 5 gotas)

FLAN DE QUEIJO Bater todos os ingredientes em uma batedeira. Deixe bater bem e, em seguida colocar em formas pequenas (formas tipo de empada). Levar para a geladeira e deixar por duas horas.

SUSPIRO DE LOBROBÓ 1 Xícara de clara (6 claras) 3 Xícaras de açúcar refinado 100ml Corante natural de lobrobó COMPOTA DE CASCA DE JABUTICABA 1kg Jabuticaba 500gr Açúcar cristal 1 Fava de baunilha 1L Água Anis estrelados a gosto

SUSPIRO DE LOBROBÓ CORANTE Bater 1kg de lobrobó no liquidificador e passar em uma peneira. Reserve o corante. SUSPIRO Colocar o açúcar e as claras em uma batedeira (bater bem). Despejar aos poucos o corante natural de lobrobó. Utilizar um saco de confeiteiro e fazer vários suspiros colocandoos em um tabuleiro bem seco. Logo após levar para secar em forno semi-aberto (temperatura baixa). COMPOTA DE CASCA DE JABUTICABA Lavar a jabuticaba em água corrente, colocar em um tacho e levar ao fogo e deixar até dar ponto.

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ESTRADA REAL - Gil Cogumelos

Fotos: divulgação Gil Cogumelos

COGuMELOs FREsCOs aO GOstO DO tuRista

a

pequena Carrancas, na região Centro-sul do território da Mantiqueira, atrai turistas de todo o Brasil. Eles chegam em busca de cachoeiras e voltam para casa apaixonados pela comida. Foi a partir dessa percepção que um jovem produtor de queijos decidiu deixar o laticínio para trás e inovar. “Começou quando eu tinha a lojinha de queijo e percebia que, nos feriados, os turistas só apareciam no último dia. Compravam o queijo para levar para casa. Eu queria que os clientes viessem todo dia. aí, comecei a fazer massas. improvisei um restaurante”, conta Gil Medeiros.

Produtor Gil

Com a típica hospitalidade mineira, Gil tornou-se amigo de vários frequentadores que passaram a dar dicas sobre como melhorar as receitas. Explica:

“Vários clientes me diziam que, se eu usasse cogumelos frescos, ficaria mais gostoso. Não tinha nenhum produtor na região e não tive dúvidas. Fui descobrir como cultivar”.

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Foram nove meses de pesquisas, mais de dois mil artigos sobre o assunto lidos na internet até que Gil tomou coragem e começou a produzir seus próprios cogumelos. “O pessoal da cidade achou que eu era louco. no início, fazia dentro de um dos quartos da minha casa”, lembra. O sucesso das receitas com cogumelos finos foi imediato. Gil passou a vender os molhos usados nos pratos e os turistas logo pediram para comprar shitakes e shimejis para levar para casa. “aí começou a faltar cogumelo para as massas”, ri. Ele fez um plano de negócios, divulgou nas redes sociais e, para sua surpresa, um investidor italiano comprou a ideia. Gil fechou a loja, construiu um galpão para o cultivo dos cogumelos e ainda deu um jeitinho de receber visitantes. “nos feriados, abrimos nossa casa para edições especiais de divulgação. na primeira, fiz frango marinado em molho de cogumelos”, conta.

Frango marinado em molho de cogumelos

agora, o empreendedor quer encontrar uma área maior onde possa construir mais dois galpões. a meta de Gil é dominar toda a cadeia produtiva. a universidade Federal de Lavras ainda fornece as matrizes dos fungos. “Por enquanto, eu só clono os cogumelos. Quero atingir a auto-suficiência, aprender a produzir e melhorar matrizes”, ressalta. E o turismo continua nos planos. a ideia é aproximar o consumidor do campo.

“Nesse novo local, pretendo construir uma casa que sirva como pousada nos feriados. Acho importante as pessoas entenderem as dificuldades e as coisas boas que a gente passa aqui. É preciso saber valorizar isso”. Estoque

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RECEITA

BAROA CAIPIRA COM GEMA DEFUMADA E CALDO DE GALINHA Chef Henrique Gilberto

O chef Henrique já passou por tradicionais restaurantes de Belo Horizonte, Rio de Janeiro e são Paulo. a ascendência profissional não afastou o jovem das tradições. inspirado no pai, também cozinheiro, o chef desenvolve projetos com alimentos orgânicos, observando aspectos de saúde e desenvolvimento social. O prato elaborado com cogumelos frescos homenageia a produção de Carrancas, no território da Mantiqueira, é uma mostra de como podemos fazer uma receita regional, saudável e deliciosa. Fotos: Léo Braz

Harmonizando com

Fabiana arreguy Cerveja altbier Krug, uma cerveja âmbar, bastante maltada, cuja doçura sutil é semelhante ao perfil da baroa.

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INGREDIENTES

PREPARO

1kg Baroa 10 Ovos caipira 1un Galinha caipira 200g Cenoura 200g Cebola 1 Maço de tomilho 1 Maço de salsão 10g Cogumelo porcini 1un Pão rústico 1L Azeite defumado*

Primeiramente, faça um bom caldo com a galinha e os legumes aromáticos (cenoura, cebola, tomilho e salsão). Deixe cozinhar por algumas horas. Em seguida, corte a baroa em cubinhos pequenos e reserve. Faça um banho maria usando um termocirculador a 63°C. Coloque em um bowl todo o azeite defumado e coloque esse bowl na água por 15min. Coloque as gemas no azeite e deixe por 1 hora.

*O azeite defumado é encontrado em alguns mercados, mas para fazer em casa basta incinerar um pedaço de carvão e colocar imerso no azeite.

Comece a refogar a baroa com um pouco de caldo como se fosse um risoto, até que comece a desenvolver cremosidade, e quando estiver macia, finalize com um pouco de manteiga e sirva com a gema, um pouco do caldo de galinha bem reduzido e um pouco do porcini triturado, em pó. Acompanhando, uma fatia bem fina de pão rústico.

Rendimento: 10 porções Detalhe ao servir.

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ESTRADA REAL - Queijo Catauá

QUEIJO CATAUÁ É LEGADO DE SETE GERAÇÕES Ao sul da Estrada Real, nas encostas da Serra da Mantiqueira, a tradição dos queijos artesanais une sustentabilidade e sabor. O turista que visita São João del Rei e Tiradentes não pode perder a oportunidade de experimentar o Catauá.

Fotos: Mary Lane Vaz

O queijo é produzido em uma pequena fazenda na vizinha Coronel Xavier Chaves, onde a preservação das nascentes, a ausência de agrotóxicos e o cuidado com o rebanho são encarados como missão pela família de João Dutra, que há 200 anos vive do laticínio.

“Meu pai sempre teve um olhar preservacionista e cresci buscando cada vez mais alternativas ecológicas e boas para a saúde humana”, conta o produtor, que há 20 anos usa homeopatia e fitoterapia para tratar o rebanho e evitar pragas no pasto nativo. Até a higienização do rebanho para a ordenha é feita com uma mistura natural. “Todos os produtos convencionais têm iodo e eu nunca gostei disso. Fiz um substituto com carqueja, que é um poderoso desinfetante, barbatimão, que tem efeito antibiótico, e urucum, que mata as bactérias. Funciona perfeitamente bem. Nossas vacas raramente adoecem”, explica.

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Preservando técnicas desenvolvidas há sete gerações, o queijo Catauá tem o sabor acentuado das antigas queijarias. No século X VIII, o tempo de cura era determinado pela frequência das visitas dos queijeiros que cruzavam a Estrada Real para levar o produto até os mercados do Rio de Janeiro. Daí a tradição do queijo com a textura mais seca.

“Não dá para produzir escravizando. Queremos que todos se sintam bem e orgulhosos do que fazem. A gente trabalha com a ideia de prosperidade compartilhada”.

Hoje, a maturação leva 21 dias. Primeiro, o queijo passa de dois a três dias descansando em uma mesa de ardósia, coberto por uma camada de sal em pedra. Depois, fica cerca de 18 dias em uma prateleira de madeira, sendo virado diariamente, até a formação de uma deliciosa casca dourada. Em tempos de valorização de conceitos como responsabilidade socioambiental e rastreabilidade de origem, os 35 queijos produzidos por dia são verdadeiras preciosidades. João Dutra não pensa em aumentar a produção. O foco da fazenda é a melhoria da qualidade de vida dos envolvidos na cadeia produtiva.

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ESTRADA REAL - Queijo Cruzília

Fotos: divulgação Laticínios Cruziliense

A SAGA DOS QUEIJOS ESPECIAIS DE CRUZÍLIA

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dinamarquês Thorvald Nielsen chegou ao Brasil no início do século XX. Ele fugia da Primeira Guerra Mundial e pretendia seguir até a Argentina para produzir queijos. Um primo que trabalhava em uma fábrica de creme de leite no Rio de Janeiro, avisou: “aqui no Brasil tem um creme de leite muito bom, chega de trem, é bem cremoso”.

Nielsen correu para a estação ferroviária e descobriu que o creme de leite vinha de uma região de fazendas no Território da Mantiqueira. Veio para Minas Gerais com os cinco filhos e a esposa, associou-se a um fazendeiro e, montou um laticínio. O produtor não conhecia ninguém na pequena Cruzília, incrustada no alto das montanhas, no caminho velho da Estrada Real. Decidiu então trazer dois queijeiros da Dinamarca para ajudá-lo, Hans Norremose e Axel Sorensen. Com eles, vieram técnicas que revolucionaram a pecuária na região. Adubaram as pastagens, introduziram a inseminação artificial do rebanho e foram chamados de loucos quando mandaram ordenhar as vacas duas vezes por dia. A cultura dos queijos europeus prosperou na Mantiqueira, de onde começaram a sair gorgonzolas, camemberts, bries, ementais e provolones de altíssima qualidade. Mas ainda havia desafios. Muitas fazendas eram isoladas. Apenas as maiores

contavam com estradas precárias para escoar a produção. Sem possibilidade de buscar o leite fresco nas propriedades vizinhas, os produtores decidiram abir pequenos laticínios em cada uma delas. Hans chegou a ter 21 fábricas. Ele usava um monomotor para recolher a produção. Assim, a tradição dos queijos finos espalhou-se pela região. Com o tempo, funcionários das fazendas abriram seus próprios laticínios, ensinaram os filhos e passaram aos netos. Tudo ia muito bem até quando, na década de 1990, multinacionais fizeram ofertas tentadoras e compraram a maioria das queijarias da região. Compraram, mas não levaram. Sem a sabedoria dos produtores artesanais e com foco no mercado, todas as fábricas fecharam as portas. Uma tradição fadada a desaparecer, não fosse uma família que comercializava queijos em São Paulo.

“Meu pai vendia queijo em uma banca no Mercado da Cantareira. Em 1996, eu e ele viemos prá cá e passamos a nos dedicar exclusivamente à produção, sempre com essa ‘pegada’ de queijo especial”, lembra o empresário Luiz Sérgio Medeiros.

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mudando de lugar à noite. Era colocado em uma prateleira no fim do expediente e aparecia em outra pela manhã”, comenta. “Eu brincava que aquilo era ótimo. Dizia que o Hans e o sorensen estavam nos ajudando a curar os queijos, que ia ficar uma delícia. Daí, o batizamos de ‘A Lenda’ e ele ganhou o concurso de melhor queijo do Brasil em 2013”, completa.

Terroir da Mantiqueira é o segredo do sucesso Câmara de saturação

Em 2010, a família arrematou, em um leilão, o prédio do primeiro laticínio da cidade, construído em 1920. um local repleto de anedotas da nossa cultura gastronômica. “a primeira vez que os dinamarqueses produziram um queijo como o Danbo, que é redondo e baixo, um fiscal do Ministério da agricultura viu e disse: ‘isso não é um queijo, é um prato’. aí nasceu o queijo prato, que a gente encontra em todo o país”, conta Luiz sérgio. a elaboração de novos tipos de queijos já rendeu diversos prêmios ao laticínio, que há cinco anos figura no topo do ranking nacional de queijos. O destaque fica por conta do queijo ‘a lenda’ criado a partir da descoberta de um verdadeiro tesouro. “Quando compramos o prédio, que estava abandonado há alguns anos, encontramos um cofre em um galpão cheio de entulho. sempre tive curiosidade de saber o que tinha dentro. um dia, chamei um serralheiro e, depois de um dia inteiro de trabalho com a furadeira, conseguimos abrir o cofre”, explica o dono da Laticínios Cruzília. além de documentos antigos, no cofre havia o desenho de uma prensa rudimentar e um pequeno frasco de fermento enrolado em um papel com os dizeres: “sorensen. Contém três fermentos láticos”. “Eu abri e só tinha um fermento. achei que já estava morto, mas meu funcionário insistiu em tentar reativar a sepa”, lembra o produtor. Deu certo. Durante um ano, a fábrica replicou o fermento do cofre. “Mandei fazer uma prensa igual a do desenho. tivemos que improvisar porque vimos que o queijo precisava ser bem grande para ficar bom. A mistura leva 250 litros de leite e o queijo fica com uns 16 quilos”, diz Luiz Sérgio.

a palavra ‘tipo’ sempre incomodou os dinamarqueses. “Hans vivia dizendo que era impossível produzir gorgonzola no Brasil. Ele queria criar o queijo azul, mas nunca conseguiu. O Ministério da agricultura nos obriga a fazer queijo ‘tipo gorgonzola’. não adianta explicar que o terroir mineiro dá outros sabores ao queijo”, afirma Luiz Sérgio. Em 2006, para homenagear Hans, o produtor criou o queijo Azul, que também ficou em primeiro lugar no Concurso nacional de Produtos Lácteos. “no dia da premiação, havia várias pessoas do Ministério no evento e insisti que devíamos começar a reconhecer o queijo especial de Minas como tal. Demorou, mas em 2010 consegui registrá-lo como o primeiro queijo azul de Minas” O produtor explica que as pastagens da Mantiqueira possuem uma bactéria natural, o propriônico, que dá um sabor levemente adocicado ao queijo e permite a formação da olhadura - aqueles furinhos presentes na massa.

“Não adianta termos a tecnologia da produção do parmesão. O pasto é diferente do italiano, o gado é diferente, o clima é outro. O queijo não sai igual. Mas pode ficar até melhor”, comenta sérgio, que luta para acabar com a nomenclatura europeia. “além de ser mais justo com o consumidor, que tem que saber que está comprando um produto típico mineiro, com o sabor da nossa terra, é também uma forma de criar nossas próprias tradições”, diz.

O produtor diz que o nome surgiu quando começaram a curar o queijo. “sempre ouvimos histórias de fantasmas na fábrica e meus funcionários começaram a dizer que os queijos estavam

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RECEITA

PORCO NA LATA AO MOLHO ROTI DE CAFÉ E CAPELETTI DE BRIE COM COMPOTA DE MAROLO

Chef Jamile Massahud

a chef Jamile é dona do Café da Jajá, em Lavras, no território da Mantiqueira. apesar da passagem por restaurantes estrelados na Espanha, a chef tira sua inspiração dos momentos ao redor do fogão a lenha das avós italiana e libanesa. na receita, a tradição de conservar a carne na gordura ganha sofisticação com o queijo brie de Cruzília. Fotos: Ricardo Bastos

Harmonizando com

Fabiana arreguy Cerveja Küd smoke on the Water, uma Porter defumada, que deve cair muito bem com esse molho de café e a carne de lata.

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INGREDIENTES CARNE 1kg Pernil cortado em pedaços médios 1,5L Banha de porco Alecrim a gosto Tomilho fresco a gosto Sal e pimenta a gosto CAPELETTI Massa fresca de pastel Queijo brie de Cruzília Óleo para fritura COMPOTA DE MAROLO 100gr Polpa da fruta 30gr Açúcar cristal 50ml Água ROTI DE CARNE COM CAFÉ Ossos e aparas de carne Legumes: cebola, cenoura, salsão e alho-poró Ervas frescas a gosto Café moído Água Vinho tinto Sal e pimenta a gosto

PREPARO CARNE Temperar a carne de véspera com o sal, a pimenta, as ervas e os dentes de alho amassados. No dia seguinte, cozinhar com fogo bem baixo durante, pelo menos, 3 horas. CAPELETTI Cortar a massa em aros redondos de 7 centímetros e rechear com um pedacinho do queijo de aproximadamente 2 centímetros e fechar a massa como um capeletti. Fritar em óleo quente. Virando até dourar. COMPOTA DE MAROLO Cozinhar a polpa com a água e o açúcar em fogo brando por 20 minutos. Bater no mixer ou liquidificador para formar um purê. ROTI DE CARNE COM CAFÉ Fazer um caldo com os ossos e aparas, legumes picadinhos, ervas e pimenta. Coar, acrescentar vinho tinto, café e deixar reduzir bastante. Temperar e servir sobre a carne com os capelettis.

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CIÊNCIA E E TECNOLOGIA

Turismo no cafezal da Fazenda Sertão Carmo de Minas, MG Foto: arquivo Café Origem

le é mais escuro, um pouco menos doce e bem mais saudável. Apesar de tradicional, o mel de melato foi descoberto há apenas seis anos pelos pesquisadores da Fundação Ezequiel Dias, a Funed.

Mel de melato: a descoberta de uma tradição

“Um amigo trouxe para mim de Janaúba e disse que era um mel diferente. Percebi que ele não cristalizava no tempo frio e fui pesquisar”, lembra Esther Bastos, diretora de Pesquisa e Desenvolvimento da Funed. Nas regiões do Jequitinhonha, São Francisco, Sertão Veredas, partes dos territórios do Espinhaço e do Cerrado, não há chuvas de maio a dezembro e o período de floração das árvores é muito curto. Sem as flores, a natureza encarregou-se de suprir o trabalho das abelhas e providenciou outro tipo de néctar. Um pulgão que vive na Mata Seca - uma área de transição entre o cerrado, a caatinga e a Mata Atlântica - é o fator surpresa dessa história que pode melhorar a vida de centenas de pessoas nas áreas mais pobres do estado. “O pulgão come a casca das aroeiras. No processo de digestão, ele produz dois tipos de açúcar diferentes, a melezitose e a erlose. A substância doce que o pulgão elimina é o melato e a abelha recolhe esse líquido e faz o mel”, explica a pesquisadora que hoje trabalha para conseguir a Denominação de Origem do mel de melato junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial, o INPI. Em parceria com a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e financiado pelo Banco do Nordeste, o projeto da Funed está mapeando toda a cadeia produtiva do mel de melato. Já são 57 municípios e mais de 300 produtores identificados. Com a certificação, o produto passaria a ter uma chancela similar a dos vinhos espumantes da região de Champagne, na França.

“É uma possibilidade a mais de renda para famílias em situação de risco. Na Europa, por exemplo, o mel de melato feito na Floresta Negra, na Alemanha, é muito mais caro e valorizado que o mel de florada”, afirma Esther. 42

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Laboratório - Foto: arquivo Funed

O amigo que deu o pote de mel de presente para a pesquisadora é José Calazans, hoje presidente da Federação Mineira de apicultura. Ele vive em Janaúba há 35 anos e espera ansioso pelo selo do inPi. “Estamos vivendo uma seca histórica, sem precedentes, e o mel de melato é uma fonte de renda que independe da chuva. Quando o mel estiver mais valorizado, poderemos resolver o problema de muitas famílias”, avalia Calazans. O mel de melato, por ser mais escuro, nunca teve valor comercial. O apicultor conta que “as pessoas olham para o mel de melato e acham que ele é misturado ou feito com rapadura. isso é um equívoco”. O mel de melato pode tornar-se ainda mais valorizado. Os pesquisadores da Funed descobriram propriedades medicinais na substância. Ela tem ação antimicrobiana e combate a bactéria H. Pylori, causadora de gastrite, úlcera e até câncer de estômago. “Já ouvimos relatos de pessoas com gastrite que tomaram o mel de melato e pararam de ter refluxo, por exemplo. O efeito é rápido e parece ser muito benéfico”, conclui Esther.

O trabalho com o mel de melato já começa a dar frutos para quem mais precisa, afirma José Calazans:

“Neste ano, toda a produção foi vendida, coisa que nunca acontecia. Agora, temos que organizar os produtores para que os lucros da produção do mel fiquem na região”.

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RECEITA

Cupim serenado, mel de melato e legumes orgânicos Fotos: divulgação Restaurante Trindade

Chef Frederico Trindade O chef Frederico foi pioneiro ao trabalhar com ingredientes regionais na cozinha contemporânea em Belo Horizonte. No comando do badalado Restaurante Trindade, ele transforma tradições em receitas criativas. Para homenagear sua terra natal, Montes Claros, no Território do Cerrado, o chef harmonizou um suculento cupim com o mel de melato produzido na região.

INGREDIENTES PREPARO 1 Cupim inteiro 500ml Caldo de frango 400gr Iogurte natural 1L Leite 6 Dentes de alho 4 Ramos de alecrim 4 Ramos de tomilho Suco de 1 limão capeta 100gr de farinha de puba média 100ml de água 1 Colher de hortelã picado 1 Colher de manjericão picado 1 Colher de coentro picado 1 Colher de salsinha picada 4 Pimentas caipiras inteiras Pimenta do reino a gosto Sal a gosto

CORDEIRO Tempere o cupim com sal, pimenta do reino, alho amassado, alecrim e tomilho. Deixe reservado por 24 horas ou mais. Coloque o cupim em uma assadeira funda e cubra com caldo. Envolva em papel alumínio e deixe assar no forno a 90°C por 10 horas, aproximadamente. Depois de braseado, retirar o caldo e deixar dourar no forno a 250°C. LEGUMES ORGÂNICOS Cozinhar os legumes orgânicos por 30 segundos em água fervente. Cortar a cocção com gelo e saltear em uma frigideira tefal com azeite. Tempere e sirva imediatamente com o cupim. MOLHO MEL DE MELATO Misture em 200ml de roti, 20ml de mel de melato. Tempere com sal, limão e aromatize com pimenta caipira.

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Harmonizando com

Fabiana arreguy Backer três Lobos Pele Vermelha, cerveja amarga, com cascas de laranja, para contraste ao molho de mel. O teor alcoólico diminui a gordura da carne.

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Turismo no cafezal da Fazenda Sertão Carmo de Minas, MG Foto: arquivo Café Origem

EDUCAÇÃO

Territórios Gastronômicos ganham espaço nas faculdades Fotos: arquivo Prof. Rosilene Campolina

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s saberes tradicionais e a cultura de cada território Gastronômico de Minas Gerais são cada vez mais valorizados no meio acadêmico. as raízes mineiras, os frutos e ingredientes típicos, as práticas e fundamentos culinários que regem fogões a lenha, fornos de barro e tachos de cobre passaram a ter espaço cativo nos cursos de gastronomia do estado. a disciplina Cozinha Brasileira já é obrigatória nos cursos de gastronomia do país, mas faculdades que atuam no estado vêm incluindo conteúdo regional de diversas formas ao longo do curso. no currículo da una, por exemplo, a disciplina ministrada é Gastronomia Brasileira com ênfase em Comida Mineira. “a riqueza das nossas tradições é muito grande, não dá para passar de forma relâmpago pela cultura e os costumes mineiros”, explica o professor e coordenador do curso, Edson Puiati. a experiência deu tão certo que virou modelo para os outros quatro centros universitários do Grupo nima, dono da una. Hoje, todos têm aulas com ênfase na culinária regional.

“Nos últimos anos, com a valorização da cultura gourmet, a culinária ganhou um brilho artificial. Temos que mostrar para os estudantes que as receitas hereditárias passadas de mãe para filhos em cadernetas rabiscadas, são as melhores fontes de pesquisa que eles podem encontrar”, conclui Puiati. Faculdade de Gastronomia

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brulée de batata doce com crocante de Baru, por exemplo, fica maravilhoso. O mineiro é muito quietinho. Tem estado que faz um estardalhaço por causa de alimentos simples, enquanto a gente tem verdadeiras joias no Território do Cerrado. O estudo dos territórios é legal por isso, chama a atenção para o que temos de mais precioso”, avalia Cidinha. Já Cláudia Porto Leal, professora do curso de gastronomia da Faculdade de Poços de Caldas, acredita que a divisão de Minas Gerais em cinco territórios gastronômicos é resultado de um trabalho que deve ser encarado como produção científica.

Em Belo Horizonte, a aula ministrada pela professora Rosilene Campolina perpassa todas as nuances da nossa cultura alimentar. “Não é só comida mineira. São os tabus, os mitos, a religiosidade construída em torno dos alimentos”, diz. O modo de fazer as receitas, os ingredientes, os utensílios e equipamentos tradicionais são postos à prova nas aulas práticas. “Eles têm que saber que o café era passado no coador de pano, entender por que o feijão tropeiro tinha que ser uma comida seca e de onde saiu o frango com quiabo e angu”, conta Rosilene. Depois, a lição é criar pratos novos com os mesmos ingredientes. “Os alunos têm que estudar nossa história para criar releituras que façam sentido”, analisa a professora. Outro desafio nas aulas é a sustentabilidade. A ordem, segundo Rosilene, é aproveitar tudo. “A casca da batata, o restinho do caule da couve, dá pra usar tudo. O que torna um produto glamouroso é o poder do cozinheiro em transformar os alimentos”, diz.

“O mapa dos territórios devia ser usado por todos na academia. Muitos professores ainda não falam das nossas origens. É preciso fazer como na França, que tem todos os seus alimentos tradicionais mapeados e subdivididos”, explica Cláudia. O estudo de ingredientes e produtos típicos dos territórios também dá aos futuros chefs noções de economia na cozinha. Cláudia ressalta que “um quilo de baunilha custa uma fortuna e, no cerrado, existe a baunilha-banana, que dá naturalmente por aí. É maior e melhor que a outra. Quantas famílias não poderiam viver dessa baunilha se os chefs valorizassem as coisas da nossa terra?” “Sempre incentivo meus alunos a buscarem ingredientes regionais, testarem frutos, sementes e plantas que estão próximos a eles. Ainda temos muito a fazer na pesquisa dos territórios, mas estamos no caminho certo” completa a professora.

Não é só no contexto da culinária brasileira que os Territórios Gastronômicos são estudados. A professora de Cozinha Contemporânea da Faculdade Promove, Cidinha Lamounier, ensina aos alunos formas de usar ingredientes típicos mineiros em pratos sofisticados e receitas internacionais. “Os estudantes ficam encantados. Aprendem os clássicos enquanto descobrem novidades. Se eu quiser dar aula embaixo de um pé de amora, basta eu levar os meninos para a porta da faculdade. São coisas que eles nem percebem que existem e que precisam ser valorizadas”, conta. O Território do Cerrado é o mais usado pela professora, que aplica a divisão gastronômica nas aulas. “Não preciso usar ingredientes franceses para fazer um prato francês. O crème

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BEM-ESTAR A taioba sumiu

Ministério da Agricultura implanta, desde 2008, bancos das chamadas hortaliças não convencionais em diversas regiões do estado. “Temos 13 bancos multiplicadores em funcionamento. São hortas comunitárias de onde os produtores podem pegar mudas, sementes e a própria hortaliça”, conta Georgeton Silveira, coordenador do projeto. “Atuamos em duas linhas: incentivar a maior ingestão das hortaliças e promover o resgate das tradições. Tem gente que acha que ora-pronóbis é mato. Isso tem que acabar”, completa. Ah, e tem mesmo! Segundo especialistas, a ora-pronóbis é rica em proteínas, ferro, potássio, fósforo, além das vitaminas A, B e C. Faz bem para a visão, combate o estresse, melhora o funcionamento do intestino e ainda regula a pressão arterial.

Onde andam as hortaliças que a gente comia na casa da vovó?

Q

uando alguém pergunta a um mineiro da capital de onde ele é, a resposta normalmente começa com um “eu nasci aqui, mas a minha família é de...” A maioria dos belorizontinos, pelo menos os com mais de 30 anos, tem ou teve uma roça para visitar aos fins de semana, cuidar das galinhas, subir em árvores. O problema é que nesses 30 anos, com a expansão da indústria alimentícia, os hábitos do brasileiro à mesa mudaram drasticamente. As cidades foram se esquecendo das hortaliças tradicionais à medida que os produtores eram convencidos a cultivar o que as grandes empresas queriam comprar. A taioba, por exemplo, saiu de circulação. Com a sua inigualável textura macia, a folha verde escura sempre esteve presente nas receitas dos Territórios Gastronômicos Central, Espinhaço e do Cerrado. Mas, sumiu e levou consigo as azedinhas, a vinagreira, o inhame, o cará e tantos outros que, talvez, você nunca tenha ouvido falar. A boa notícia é que, se depender dos extensionistas da Emater, elas vão voltar com tudo. Um projeto desenvolvido em parceria com a Embrapa Hortaliças, a Epamig e o

“Temos que conscientizar a população sobre a importância de diversificar o cardápio. A pessoa que ingere vários tipos de hortaliças está mais protegida contra doenças do que as que comem sempre as mesmas coisas”, explica a Coordenadora Estadual de Segurança Alimentar da Emater, Dóris Florêncio. A vinagreira, da família do quiabo, tem antocianina, uma substância antioxidante capaz de retardar o envelhecimento e prevenir diversos tipos de câncer. Já a beldroega, boa para sopas e saladas, é rica em ômega 3, que regula o colesterol. O projeto da Emater conta com 34 espécies de hortaliças não convencionais, mas a lista não para por aí. “Cada vez que montamos um novo banco, aparecem outras hortaliças. Os moradores locais trazem e a gente incorpora ao projeto, pelo menos naquela região onde a planta é típica”, afirma Georgeton. Para testar a capacidade de adaptação das hortaliças não-convencionais, o engenheiro agrônomo Gastão Goulart plantou diversas mudas na sede da Emater em Belo Horizonte. “Temos jardins no prédio e usei partes ociosas para plantar. O resultado foi incrível. De cada dez vinagreiras que eu plantei, nasceram onze”, brinca. Ele garante que “é mais fácil cultivar hortaliças não convencionais do que as outras. São plantas rústicas, não sofrem ataques de pragas. Você só precisa de terra boa, sol e água”.

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PUBLICAÇÃO:

PRODUÇÃO

Flávio Jacques Carneiro Antônio Carlos Tardeli Ricardo Galuppo Luiz Fernando Rocha Leandro Figueiredo Erasmo Cabral Renato Caetano Gustavo Brandão Rona Editora Tiragem Eduardo Avelar Léo Braz Deise Lino Jane de Castro Ellis Isabel Andrade Ivana Fonseca Eduardo Avelar Isabel Andrade Felipe Rameh Henrique Gilberto Flávio Trombino Frederico Trindade Ana Estela Marcondes Jamile Massahud Julia Fortini Souza Fabiana Arreguy

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Diretor-Presidente Diretor-Executivo Diretor de Relações Institucionais Diretor de Jornalismo Diretor Comercial Diretor Jurídico Gerente Comercial Projeto Especial Impressão 30.000 exemplares Direção e edição Design e diagramação Ilustração - Território Infantil Pedagogia - Território Infantil Roteiro e revisão Produção de textos

Chefs / Receitas

Barista / Receita Harmonização

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