PEDRA
PEDRA
matheus chiaratti
s達o paulo, fevereiro de 2013
abertura
a tormenta do meio Cruzou a estrada da serra em um ônibus cálido e vagaroso, desceu a serra ao lado de seu companheiro quieto, estava todo caído, uma tormenta ruidosa e opaca silenciou árvores em outubro para sempre e todo atirado ao solo sem relutância natural. As árvores se convertiam em escombros naturais tais quais paixão e amor. As raízes afora, expostas, ferinas, desenraizadas do solo, extirpadas feito um machucado de segunda-feira, um braço quebrado, um osso calado e cansado. Companheiros feridos que não se falam, dúvidas e assombros comedidos, pela janela, um passo torto bem no meio da rota. Bem adentro, um pássaro torto, bem no meio do estômago, corações alvejados e uma mata densa intransponível. Há tormenta que não se cura, como uma doença febril, esta que não vemos quando vem o repouso, mas que ao amanhecer se reitera como um rabisco intenso. Córdoba, 2 de Janeiro de 2013.
poemas
Acomodação Estar encerrado em si mesmo, o vento que desacomoda os sentimentos é o mesmo vento que os encaixa, ainda que sob outras cores e outros tons.
A oração perfeita os rabiscos da pele e a dobradura dos lençóis: sudário santo encerra o corpo; o desejo das mãos e pés ludibriados, estamos quase estamos quase na oração perfeita.
Amantes na esquina Resulta mágica transformação de pedra em pó, de pó em corpo antúrias decoram o céu da boca que perde o beijo e todo o anseio é vão arremessado com ímpeto, há amantes na esquina, em mim, já não há. Se eu distraio o coração, desato as cordas e suas veias.
Piscina vazia O verão vem como uma pedra rolando e desaba sob o campo, a casa que construí tão lindamente findada em grama e terreno estudado, há uma piscina de cores, mas vem o verão e me mata. Os cachorros circundam as pernas das visitas ofereço vinho argentino que comprei em Córdoba, todos bebem. A piscina suja de pedras de verão, aqui, caem pedras, desacomodo da sala o retrato do Sr. Piedra escondo-o na saleta da minha habitação, já não me habitei a ele, seus olhos duros, desenlacei o nó da garganta para o cheio escoar mais fácil, há um verão que me mata. Os cachorros assustam as visitas ameaçam as pernas e os braços, destroçam mudas de plantas, um roseiral, eu tenho o verão inteiro para me recompor, mas a casa segue destroçada. A piscina vazia e enrugada de calor.
Descanso O descanso é azul, perturbado pelo vento amarelado de sol forte e rajadas de poeira. Eu descanso na pedra, eu sou o rei da pedra, sigo com a cabeça avoada, mas já não vejo pássaros, o que vejo é a queda livre de uma bela mariposa.
A bainha do lençol Por hora adentra uma enxurrada e me molha o lençol gotículas estufadas de sujeira, um ponto cego na correnteza, meus pés se perdem de mim, eu tento salvar os documentos, mas tudo está alagado.
Para que não me esqueçam as pombas Jantarei um poço de águas juntarei um balde de folhas despejarei um quilo de migalhas para que não me esqueçam as pombas.
Os passos do passado Calço um sapato velho e nele há a inscrição: a você, pertencem meus passos. Tento me distrair com os botões, cadarços me amarram, imploram. Saio para passear, mas eles pedem outros lados, não os controlo bem. Calço um sapato velho que não me sai, sentimentalismo, o par.
Pirâmide Uma a uma, pedra a pedra, porções galgo a escada com ardor, destrincho o caminho e me perco, pirâmide labiríntica.
Sê outro Sê outro se outro lhe atropela, abraça seu torço e lhe distorce, emagrece seus flancos, prepara-lhe prece bizantina, mas lhe reprime ao amanhecer. Sê outro, se o seu outro não é você.
As Ondas Levantam em solavancos goles de ternura ondas entristecem os campos o abraço molhado ao pé da flor retira suas pétalas, desfalecem os pássaros no ninho: a pedra mergulhada no bolso do casaco eu me lembro do rio de Virgínia W.
O prisioneiro Parafraseio: “O amado se move, dele só temos fotografias defeituosas.” É assim o ponto.
Angústia & rebelião Assentou-se poeira, há restos da fumaça do cigarro nos dedos turvos que esperam pela mão, mas de antemão cobriu-lhe uma névoa de angústia: o labirinto de angústia, ausência de perdão. Se eu decidir lutar aos sete ventos, setembro me escolherá vitorioso, mas as galochas enlameadas, detenho os cavalos! Tontura e marteladas, à cabeça fraca um desejo forte, um amor fraco e esguio, rebela-se a poesia, o ponto se sobressai teclas de um piano enfraquecido, melodia do meio-dia, rajada seca. Se decidir desistir aos sete ventos, fevereiro me cobrirá à sete palmos, as cartas erraram a mão, o amor para janeiro encalhou.
A biografia do vento Sopram os dentes um assovio amarelado, penso na pedra, na poeira intergaláctica e num pedaço de pão, o vento se anuvia em linhas que eu não quero escrever.
Carroça Estranhos pneus e pedras do caminho carroça leve, cantoria leve, pedras a sobressalto, aparato do ido. O círculo do vento escurece o céu eu nada posso ver senão meus cavalos.
Casa vazia O copo tocado e o corpo escondido, a trilha de assombros, o cristal sujo, os talheres vendidos. Dias findos em uma cadeira de balanço, o vime do vulto. A cama é queimada, o quintal, invadido, vendem-se azulejos portugueses. A adega está cheia, violáceos rubores trêmulos.
Poema de domingo à noite Passam os domingos passados, atesto a memória. Eis, que aflito e levado detesto a memória.
A tirania da mem贸ria De hoje em diante eu serei faca no meu passado
O antever das asas A madrugada é o antever do anjos, quem foi que disse anjos são estrelas? Caem estrelas na terra os cupidos estão enlouquecidos – anjos afogados no rio da Prata.