Centro de Inves gação em Estudos Jurídicos Newsle er CIEJ N.º 4 Julho 2016
FORMAS DE FEDERALISMO E O TRATADO DE LISBOA
Mário Simões Barata MELHORAR O ACESSO AO DIREITO: SIMPLIFICAÇÃO LEGISLATIVA
Sónia Rodrigues ALIMENTOS DEVIDOS AOS FILHOS MAIORES OU EMANCIPADOS: ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI N.º 122/2015, DE 1 DE SETEMBRO, AO ARTIGO 1905.º DO CÓDIGO CIVIL - BREVE ABORDAGEM
Patrícia Rocha O SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL PARA SOLICITADORES E AGENTES DE EXECUÇÃO
Sara Rodrigues A IMUNIDADE RELIGIOSA BRASILEIRA COMO ELA É NO BRASIL: DE GARANTIA E A FOMENTO E DA NECESSIDADE DE UMA REVERSÃO JURISPRUDENCIAL
Daniel Giotti de Paula DIREITO, RELIGIÃO E SOCIEDADE: DOIS CONTRATOS DO CONVENTO DE SANTANA (LEIRIA)
Luís P. L. Cabral de Oliveira LEIRIA SOB O OLHAR DOS ESTUDANTES DE DIREITO DO URBANISMO
José Gonçalves, Magda Cerqueira, Nitchela Dexheimer O DRAMA DAS CRIANÇAS REFUGIADAS
Filomena Carvalho e Susana Sardinha Monteiro
EDITORIAL “O mundo não tem alcatifa, não pense tal, meu caro amigo, nem em Paris o mundo real tem alcatifa. O mundo tem madeira, e a madeira tem falhas evidentes, lascas pontiagudas e quem sobre ela andar não sairá sem feridas (o que também se poderá dizer do mundo). O Mundo não foi feito para sobre ele se andar descalço” Gonçalo M. Tavares Uma viagem à Índia O mundo enfrenta hoje novos desafios. O terrorismo, o drama dos refugiados ou as mudanças climáticas constituem hodiernas preocupações à escala global. A palavra “crise” banalizou-se no quotidiano de todos, transformando-se de exceção em regra difícil de afastar do horizonte das novas gerações. Mas o sistema jurídico mantémse firme no propósito de dar resposta às reivindicações regulamentares nascidas na sociedade em que nos inserimos. Os textos que integram o n.º 4 da Newsletter do CIEJ revelam uma análise rigorosa dos seus autores, sobre os problemas jurídicos que se fazem sentir na atualidade.
Cátia Marques Cebola Visite a nossa página www.ciej.ipleiria.pt
FORMAS DE FEDERALISMO EO TRATADO DE LISBOA Mário Simões Barata Docente na ESECS-IPLeiria; Membro do Conselho Científico do Centro de Investigação em Estudos Jurídicos (CIEJ); Doutor em Direito, na especialidade de Ciências JurídicoPolíticas, pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
O
trabalho ora publicado pela Editora Almedina corresponde, no essencial, à nossa dissertação de doutoramento em Ciências JurídicoPolí cas que apresentámos à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra onde defendemos que a União Europeia encerra caracterís cas de uma confederação e de uma federação. Esta constatação pode ser verificada quando comparamos as cons tuições americanas (i.e., os Ar gos da Confederação e da União Perpétua e a Cons tuição dos Estados Unidos) com os Tratados da União posteriores ao Tratado de Lisboa. A dissertação inicia com uma teoria geral do federalismo (lato sensu), onde examinamos as origens, o conceito, as razões subjacentes ao acordo federal, as caracterís cas, os fins, a história, as formas do mesmo, e uma avaliação geral desta ideia polí ca. De seguida, procedemos à análise das duas mais importantes formas de federalismo: a confederação e a federação. Uma confederação é uma par cular forma de federalismo (em sen do amplo). No segundo capítulo analisamos as várias definições e os pos de confederações que poderão ser encontrados na literatura. Consideramos também as caracterís cas do confederalismo e das confederações, com par cular destaque para
o elenco exaus vo de caracterís cas formulado por Frederick Lister, nomeadamente: união de estados; heterogeneidade; cons tuições ou leis básicas; natureza do mandato; mandato minimalista; funções normalmente centralizadas; grau de apoio popular; grau e alvo de lealdade; resolução de li8gios; órgãos de tomada de decisão; sistemas de tomada de decisão; fontes de financiamento; ins tuições execu vas e judiciais; e problemas hegemónicos. Na parte final do segundo capítulo, procedemos a um exame de outra importante forma de federalismo: a federação. Apresentamos várias definições do conceito e tratamos da questão conexa com as caracterís cas jurídicas e estruturais de uma federação. Merecem par cular ênfase as caracterís cas de uma federação propugnadas por Ronald Wa<s. Estas referem-se à distribuição do poder, à distribuição das finanças, à cooperação intergovernamental, às ins tuições representa vas, e à cons tuição. O terceiro capítulo procura revelar as diferentes formas de federalismo nas estruturas, funções e procedimentos das duas cons tuições americanas (i.e., os Ar gos da Confederação e da União Perpétua, e a Cons tuição dos Estados Unidos) e nos Tratados da União posteriores ao Tratado de Lisboa, através da
consideração das seguintes questões: competências (princípio da atribuição e pologia); ins tuições (composição e seleção dos tulares); sistemas de tomada de decisão; procedimento legisla vo; poder judicial; direitos fundamentais; financiamento; revisão cons tucional e revisão dos tratados; direito de saída. A União Europeia exerce poderes públicos de acordo com o princípio da atribuição, exercendo as competências que lhe são conferidas pelos Estados-membros. Este princípio significa que a União Europeia não dispõe da «competência da competência»: é uma en dade polí ca derivada. A Confederação Americana era igualmente dependente dos Estadosmembros, na medida em que apenas exercia os poderes que lhe eram expressamente delegados. A dependência jurídica do nível ou da ordem de governo central é caracterís ca de uma forma par cular de federalismo: a confederação. A autoridade legisla va, polí ca e administra va da União Europeia encontra-se distribuída por vários pos de competências. Após o Tratado de Lisboa, a União Europeia exerce competências exclusivas, par lhadas ou concorrentes e complementares. Uma cláusula residual está igualmente consagrada no Tratado. De acordo com esta pologia de competências, a distribuição do poder legisla vo da União aponta para uma federação. Na Cons tuição dos Estados Unidos podemos encontrar poderes exclusivos e par lhados, encontrando-se ainda uma cláusula residual na Décima Emenda. A composição e os procedimentos de seleção dos membros das ins tuições europeias (i.e., o Parlamento Europeu, o Conselho Europeu, o Conselho, a Comissão, o Tribunal de Jus ça da União Europeia, o Banco Central Europeu e o Tribunal de Contas) reve-
lam simultaneamente traços de confederação e de federação. Em geral, a composição de todas as ins tuições europeias, à exceção do Parlamento Europeu, observa o princípio da igual representação dos Estados. Trata-se de um princípio confederal, que determinava também a composição do Congresso dos Estados Unidos durante a Confederação Americana. No entanto, a composição do Parlamento Europeu reflete uma realidade diferente. Esta baseia-se na representação proporcional (a população dos Estados-membros), sendo semelhante à composição das assembleias legisla vas federais (i.e., na câmara baixa ou popular). Por exemplo, a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos é organizada de acordo com o
gerais, bem como a adoção de atos legisla vos, podemos afirmar que o sistema normal de tomada de decisão do Conselho Europeu se baseia no consenso, ao passo que o Conselho delibera de acordo com um sistema de tomada de decisão assente na maioria qualificada. Ambas as ins tuições recorrem à unanimidade como exceção. Pelo contrário, o Parlamento Europeu e a Comissão recorrem à regra da maioria como sistema de tomada de decisão. A u lização do consenso, da unanimidade e da maioria qualificada está normalmente associada a sistemas de tomada de decisão nas confederações. Durante a Confederação Americana, o Congresso deliberava de acordo com uma maioria qualificada em todos os assuntos importantes. A u lização da regra da maioria como sistema de tomada de decisão encontra-se nas federações. Na sequência da ra ficação da Cons tuição de 1787, o Congresso passou a u lizar a regra da maioria como sistema de tomada de decisão para aprovar atos legisla vos. A União Europeia adota atos legislavos através dos procedimentos legisla vos ordinário e especial. O processo legisla vo ordinário é semelhante ao processo legisla vo numa federação, na medida em que o ato legisla vo resulta de uma codecisão ou de um acordo entre duas ins tuições europeias que representam realidades dis ntas. O Parlamento Europeu representa os cidadãos da Europa e o Conselho representa os Estadosmembros. Na Federação Americana, a aprovação de um ato legisla vo carece de maioria em ambas as câmaras do Congresso. A Câmara de Representantes representa o povo, ao passo que o Senado representa os estados. Do mesmo modo, a organização do poder judicial na União Europeia apresenta semelhanças com a organi-
A análise das estruturas, das funções e dos procedimentos no Tratado de Lisboa e da decisão do Tribunal Constitucional alemão leva-nos a defender que a União Europeia encerra características de ambas as formas de federalismo: confederação e federação. princípio da representação proporcional (i.e., a população dos estados federados). A seleção dos membros das ins tuições europeias revela também manifestações das duas formas de federalismo. Com a exceção do Parlamento Europeu, os membros de todas as ins tuições europeias têm uma base eleitoral indireta. Na Confederação Americana, as assembleias legisla vas estaduais nomeavam os delegados que representavam os Estados no Congresso confederal. Pelo contrário, os membros do Parlamento Europeu são diretamente eleitos, o que significa que os mesmos dispõem de uma base eleitoral direta, tal como os membros do Congresso na Federação Americana. Há vários sistemas de tomada de decisão nas ins tuições da União Europeia. Se considerarmos as ins tuições responsáveis pela definição das orientações e as prioridades polí cas
FORMAS DE FEDERALISMO E O TRATADO DE LISBOA (cont.) zação do mesmo numa federação, na medida em que o Tribunal de Jus ça da União Europeia é competente para apreciar vários pos de ações que permitem a resolução de li8gios entre a União e os Estados-membros. Estas ações incluem: ação por incumprimento; ação de anulação; responsabilidade extracontratual; exceção de ilegalidade; controlo das omissões. A resolução deste po de li8gios é atribuída a um poder judicial independente numa federação. Na Federação Americana, o Supremo Tribunal é competente para ouvir casos que envolvam os Estados Unidos como parte e os estados federados como outra parte. Há três fontes de direitos fundamentais na União Europeia: os direitos fundamentais que resultam das tradições cons tucionais dos Estadosmembros; a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem. De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Jus ça, os direitos fundamentais aplicam-se à União e aos Estados-membros quando implementam o Direito da União ou legislam no âmbito do Direito da União Europeia, criando assim um efeito ver cal. A entrada em vigor do Tratado de Lisboa conferiu estatuto de direito primário à Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. O ar go 51º da Carta estende a aplicação da mesma à União e aos Estados-membros, quando estes apliquem o Direito da União. Apesar de a redação do preceito apontar para uma noção estreita de implementação, vários autores defendem uma interpretação ampla do termo em questão. O efeito ver cal criado pela Carta, devido ao facto de esta ser aplicável aos Estadosmembros da União Europeia, é semelhante àquele que se encontra em federações como os Estados Unidos da América. Originariamente, a Constuição dos Estados Unidos não incluía uma «bill of rights». Após a ra fica-
ção da segunda lei fundamental americana, dez emendas à mesma foram adotadas em 1791. Estas cons tuem a «Bill of Rights» americana. Quando foram adotadas, as emendas em questão apenas vinculavam o governo federal. Contudo, a ra ficação da Décima Quarta Emenda à Cons tuição dos Estados Unidos estendeu o âmbito de aplicação das mesmas aos estados federados. A União Europeia é financeiramente dependente dos Estados-membros. Apesar de o Tratado de Lisboa se referir a um sistema de «recursos próprios» rela vamente às receitas, o financiamento da União Europeia deriva, em grande medida, das fontes conexas com uma percentagem sobre o IVA e sobre o PNB/RNB. Porém, estas fontes são recursos dos Estadosmembros. A dependência financeira é um atributo de uma confederação. A Confederação Americana era dependente das requisições de dinheiro dos Estados-membros. Os procedimentos de revisão dos Tratados revelam igualmente traços de confederação e de federação. Numa confederação, a revisão do tratado que a ins tui é controlada pelos Estados-membros. As emendas aos Ar gos da Confederação e da União Perpétua careciam de um acordo ao nível do Congresso e da confirmação de todas as assembleias legisla vas estaduais. Pelo contrário, a revisão cons tucional numa federação implica a par cipação e acordo de ambos os níveis de governo. As federações não recorrem à revisão unilateral da cons tuição de modo a evitar a potencial subordinação de uma ordem de governo a outra. O método mais u lizado nos Estados Unidos para rever a Cons tuição de 1787 prevê que a proposta de emenda seja aprovada por dois terços de cada câmara do Congresso e ra ficada por três quartos das assembleias legisla vas estaduais. Na União Europeia, o processo de revisão ordinário dos Tratados e o
processo de revisão simplificado constante do nº 6 do ar go 48º do Tratado da União Europeia (TUE) assentam nos Estados-membros, apesar da par cipação de diversas ins tuições da União numa fase prévia à fase cons tu va ou de redação e posterior ra ficação ou aprovação. O processo de revisão simplificado dos Tratados constante do nº 7 do ar go 48º do TUE é menos confederal, na medida em que depende do acordo entre uma ins tuição europeia que representa os Estados-membros e uma instuição que representa os cidadãos. Finalmente, a consagração no Tratado de Lisboa de uma disposição que regula o direito unilateral de sair da União Europeia revela uma caracterísca de confederação. Por seu lado, as federações não reconhecem qualquer direito unilateral de secessão. A saída unilateral de uma confederação é possível devido ao facto de a soberania dos Estados-membros ficar preservada nesta forma de federalismo. Os Ar gos da Confederação e da União Perpétua reconheciam claramente a soberania dos Estados-membros. Esta análise compara va conduznos à questão da natureza jurídica da União Europeia. O autor alemão Ulrich Everling organiza as várias perspe vas sobre esta questão em três grupos. O primeiro grupo entende que a União Europeia é uma associação especial orientada para a integração funcional. Um segundo grupo defende que a União Europeia deriva dos Estados-membros sendo uma «união de Estados» (i.e., «Staatenverbund»). O terceiro grupo defende que a União Europeia é uma «união cons tucional» (i.e., «Verfassungsverbund»). Apesar de os grupos em questão revelarem uma conexão com o princípio federal, Everling considera que estes não conseguem captar a natureza jurídica da União Europeia. O estudo considera ainda a decisão do Tribunal Cons tucional alemão
sobre o Tratado de Lisboa. O Tribunal entende a União Europeia como «Staatenverbund» ou associação de Estados soberanos, portanto uma confederação. A posição do Tribunal baseia-se, em parte, em algumas das questões que foram analisadas no capítulo rela vo às estruturas, às funções e aos procedimentos da União Europeia no Tratado de Lisboa. Em concreto, o Tribunal invoca o princípio da atribuição, a composição das ins tuições, o financiamento, os procedimentos de revisão dos Tratados e o direito de saída para sustentar que a União Europeia é uma «associação de Estados soberanos». No entanto, consideramos que a abordagem do Tribunal ao problema da natureza jurídica da União Europeia é parcial e incompleta. Em geral, concordamos com a avaliação que o Tribunal faz das cinco questões. Contudo, cri camos a decisão, por não considerar alguns aspetos conexos com estas questões. A nossa crí ca incide especialmente no tratamento dado ao Parlamento Europeu. O Tribunal afirma que esta ins tuição europeia não é semelhante às assembleias legisla vas federais nas federações porque a mesma não representa cidadãos e não está cons tuída de acordo com a regra da proporcionalidade absoluta em relação à população dos Estados-membros. Porém, esta posição ignora o teor dos ar gos 9º, 10º e 14º do TUE e não resiste ao teste do federalismo comparado, dado que existem federações cuja câmara baixa da assembleia legisla va federal não observa o princípio da proporcionalidade absoluta na sua composição, nomeadamente os
Estados Unidos da América, o Canadá e a Suíça. Consideramos igualmente que a decisão do Tribunal Cons tucional alemão comporta omissões significavas. Estas referem-se aos sistemas de tomada de decisão u lizados pelas ins tuições europeias, ao procedimento legisla vo, ao poder judicial e aos direitos fundamentais na União Europeia e à relação destas questões com a sua compreensão da União como associação de Estados soberanos.
Em nossa opinião, o sistema de tomada de decisão que é regra no Parlamento Europeu e na Comissão assemelha-se ao sistema que se encontra num Estado unitário ou numa federação. De modo semelhante, o procedimento legisla vo ordinário é parecido com o de uma federação, na medida em que as duas ins tuições envolvi-
das na fase cons tu va do mesmo (i.e., o Parlamento Europeu e o Conselho) representam interesses dis ntos: cidadãos e unidades cons tuintes. O Tribunal de Jus ça da União Europeia é competente para apreciar ações que permitem a resolução de li8gios entre dois níveis de poder por um poder judicial independente. Esta possibilidade aponta igualmente para os esquemas de resolução de conflitos 8picos de uma federação. Por úl mo, as questões de direitos fundamentais apontam também para uma federação, na medida em que a União Europeia protege os direitos das minorias e o facto de aqueles vincularem os Estados-membros de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Jus ça e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia quando os Estados apliquem ou legislem no âmbito do Direito da União. A aplicabilidade dos direitos fundamentais europeus aos Estados-membros cria um efeito ver cal que se assemelha àquele criado pela Décima Quarta Emenda à Cons tuição dos Estados Unidos referente à aplicação da «Bill of rights» aos estados cons tuintes da Federação Americana. Em suma, a análise das estruturas, das funções e dos procedimentos no Tratado de Lisboa e da decisão do Tribunal Cons tucional alemão leva-nos a defender que a União Europeia encerra caracterís cas de ambas as formas de federalismo: confederação e federação. Consequentemente, a natureza jurídica da União Europeia deve refle r esta realidade. Logo, adotamos a seguinte posição referente à natureza jurídica da União: a União Europeia é uma associação ou união federal de Estados e de cidadãos.
MELHORAR O ACESSO AO DIREITO: SIMPLIFICAÇÃO LEGISLATIVA Sónia Rodrigues Coordenadora do Observatório da Legislação Portuguesa; Membro do Centro de Investigação em Estudos Jurídicos (CIEJ); Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
C
onsideramos boa lei – no sen do formal e não substancial – uma lei que é escrita de forma clara, que usa conceitos determinados e cujo sen do o seu des natário compreende. Além destes aspetos, é também importante que o acesso a cada diploma seja facilitado, bem como às vicissitudes pelas quais já terá passado: alterações, revogações, relações com outros diplomas. O Relatório Mandelkern1, de 2001, assinalou os princípios fundamentais para a qualidade da lei, a saber, necessidade, proporcionalidade, subsidiariedade, transparência, responsabilidade, acessibilidade e simplicidade da lei. Para a concre zação, nomeadamente, dos princípios da transparência e da acessibilidade da lei, as várias técnicas de simplificação legisla va tomam aqui um papel essencial. Detenhamo-nos na acessibilidade da lei, tópico tão relevante que mereceu acolhimento cons tucional (ar go 20.º da Cons tuição da República Portuguesa). Este impera vo cons tucional pode ser concre zado através de diversos instrumentos e deverá ser observado em vários momentos da vida de uma lei – desde a sua preparação até à sua vigência. Este respeito pelo princípio do acesso à lei fomenta a par cipação dos cidadãos na vida cívica e polí ca, aspeto que,
nos nossos dias, se torna essencial. Ora, os vários instrumentos de simplificação legisla va, de entre os quais destacamos a republicação, a compilação legisla va, a consolidação legisla va e a codificação, concorrem para o incremento da par cipação dos cidadãos e, em úl ma análise, para o cumprimento da lei.
cação e formulário dos diplomas3, especialmente depois da alteração levada a cabo pela Lei n.º 26/2006, de 30 de junho, prevê no seu ar go 6.º os casos em que, obrigatoriamente, se deve proceder à republicação de um diploma. O obje vo desta previsão legal é justamente facilitar o conhecimento da lei em vigor, através da publicação do ato integral, já com as alterações realizadas. A compilação legisla va procede meramente ao agrupamento de diplomas que versem sobre um mesmo tema, sem alterar qualquer disposi vo legal. É já um instrumento de simplificação relevante, na medida em que seleciona, de forma sistemá ca, as leis aplicáveis mas que ainda mantém no ordenamento jurídico a dispersão legisla va. Registamse vários exemplos de compilações legisla vas, produzidas, nomeadamente, por organismos públicos que disponibilizam nas suas páginas a legislação que versa sobre as matérias em que são competentes. A 8tulo de exemplo, vejam-se as compilações disponíveis na página da Assembleia da República (www.parlamento.pt)4, elaboradas no âmbito de cada comissão parlamentar. Num patamar acima rela vamente à compilação legisla va, mas ainda longe da codificação, expoente máximo
O respeito pelo princípio do acesso à lei fomenta a participação dos cidadãos na vida cívica e política, aspeto que, nos nossos dias, se torna essencial. Efe vamente, a mera publicação dos diplomas em Diário da República não garante o pleno acesso à lei. Na página do jornal oficial (www.dre.pt) não nos é permi do ter acesso às versões finais das leis, isto é, com todas as alterações que já sofreram e até, se já foram revogadas. Apenas através da subscrição da base de dados Digesto é possível ter acesso a este po de informação «privilegiada»2. Ora, este acesso integral à lei não pode ser um privilégio daqueles que subscrevam bases de dados legisla vas. Apesar dos poucos avanços registados em matéria de simplificação legisla va em Portugal, já foram tomadas algumas medidas, embora 8midas. Assim, a Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, sobre a publicação, iden fi-
da agregação legisla va de uma matéria, encontra-se a consolidação legisla va. Com esta técnica, avança-se já para a junção, num mesmo diploma, das normas dispersas em várias leis, embora sem produção de alterações. Com a consolidação legisla va revogar-se-ão todos os diplomas consolidados. Importa, neste contexto, fazer referência à diferença entre o conceito de consolidação u lizado quando se pretende fazer referência a um diploma que contém todas as suas alterações e nos é disponibilizado na sua versão final, consolidada5, e o conceito de consolidação que aqui nos interessa – quando se unificam vários diplomas num só. Almejando, em concreto, este objevo, foi criado6, em 2013, na Assembleia da República, o Grupo de Trabalho para a Consolidação Legisla va, cuja competência era, designadamente, «Proceder à recolha da legislação sectorialmente existente e à sua apresentação coerente num único ato ou num reduzido número de atos (textos consolidados).». No âmbito deste Grupo de Trabalho, foi alterada a Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, aditando-se-lhe o ar go 11.º-A, versando sobre Leis consolidantes, leis que consolidam, num único diploma, as normas de vários, procedendo a uma mera harmonização, sem alterarem o seu sen do. Foram publicadas, até à data, duas leis consolidantes: a Lei n.º 15/2014, de 21 de março, rela va aos direitos e deveres do utente dos serviços de saúde e a Lei n.º 107/2015, de 25 de agosto, em matéria de direitos das associações de mulheres. O fim da legislatura, em outubro de 2015, determinou também o fim do Grupo de Trabalho para a Consolidação Legisla va que teve o mérito de,
em sede parlamentar, iniciar este esforço de consolidação legisla va, contribuindo para a melhoria da qualidade da lei na ó ca, essencialmente, do cidadão. Por úl mo, importa referir a codificação, técnica que «implica a criação de instrumentos norma vos cien ficamente coerentes, organizados de acordo com uma sistemá ca precisa e que se baseiam numa área ou ramo do direito»7. Porém, nem todas as áreas jurídicas são susce8veis de serem exaus vamente reguladas num único diploma.
Efetivamente, a mera publicação dos diplomas em Diário da República não garante o pleno acesso à lei Em conclusão, a acessibilidade à lei por parte de todos os cidadãos deveria ser uma prioridade ao nível das polí cas públicas, tanto na fase da vigência da legislação, como na fase da elaboração da mesma.
1) Cfr.Mandelkern Group on Be er Regula on, Final Report, 13 November 2001 in h<p://ec.europa.eu/governance/ be<er_regula on/documents/ mandelkern_report.pdf. 2) Esta é uma realidade que, esperamos, seja alterada a curto prazo. No Programa do XXI Governo Cons tucional, no ponto «Melhorar a qualidade da legislação», está previsto «Disponibilizar todo o acervo legisla vo do Diário da República, de forma gratuita, na Internet; este serviço será completado com o acesso a ferramentas de pesquisa, a legislação consolidada, a um tradutor jurídico, a um dicionário jurídico e a legislação e regulamentação conexa com o ato legisla vo em causa». 3) A úl ma versão desta lei foi dada pela Lei n.º 43/2014, 11 de julho, que a republica. 4) Cfr., por exemplo, a compilação na área da Educação e Ciência em h<p:// www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ Leis_area_Educacao.aspx. 5) É o caso da excelente base de dados disponibilizada pela Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa em h<p:// www.pgdlisboa.pt/leis/lei_main.php. 6) Pelo Despacho n.º 73/XII, de 22 de novembro de 2013, da Presidente da Assembleia da República.. 7) CAUPERS, JOÃO; ALMEIDA, MARTA TAVARES DE; GUIBENTIF, PIERRE, Feitura das Leis: Portugal e a Europa, Fundação Francisco Manuel dos Santos, julho de 2014, p. 173.
ALIMENTOS DEVIDOS AOS FILHOS MAIORES OU EMANCIPADOS ,-./0,12/3 45.0678947,3 :/-, L/4 5.º 122/2015, 7/ 1 7/ 3/./BC06, ,6 ,0.4D6 1905.º 76 CF74D6 C4G4-: C0/G/ ,C607,D/B Patricia Rocha Docente na ESTG-IPLeiria; Membro do Centro de Investigação em Estudos Jurídicos (CIEJ); Doutora em Direito, na especialidade de Direito da Família, pela Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca.
S
os prestar, nos casos de divórcio, dos filhos. Com efeito, segundo a egundo o disposto no n.º 1 separação de pessoas e bens, decla- citada disposição legal: "Se no modo ar go 1874.º do Código Civil: ração de nulidade ou anulação de mento em que a ngir a maioridade "Pais e filhos devem-se mutuamente casamento, o n.º 1 do ar go 1905.º ou for emancipado o filho não hourespeito, auxílio e assistência", fido Código Civil consagra a regra de ver completado a sua formação procando os filhos menores sujeitos às que serão regulados por acordo dos fissional, manter-se-á a obrigação a responsabilidades parentais (ar go pais. Este acordo, sujeito a homolo- que se refere o ar go anterior na 1877.º do Código Civil). gação, será recusado sempre que medida em que seja razoável exigir Nos casos de divórcio, tendo não corresponder aos interesses do aos pais o seu cumprimento e pelo presente o disposto nos ar gos menor. tempo normalmente requerido para 1905.º e 1906.º do Código Civil, é que aquela formaobrigatória a Atualmente, de acordo com o disposto no n.º 2 do ção se complete". regulação do É um facto exercício das artigo 1905.º do Código Civil, a obrigação de que os filhos maioresponsabilialimentos aos filhos menores mantém-se, regra res permanecem, dades parentais em rela- geral, até que o filho complete 25 anos de idade. cada vez até mais tarde, em casa dos ção aos filhos Assim, rela vamente à obriga- pais. Esta é, com efeito, uma realimenores, aplicando-se este regime ção de alimentos importa, uma bre- dade que assume grandes propora todas as modalidades de divórcio, ve referência, ao conceito de ali- ções na nossa sociedade e que é, isto é, quer ao divórcio sem consenmentos2. Na verdade, estamos pe- em muito, determinada pelo aumento de um dos cônjuges, quer rante um conceito amplo de alimen- mento do número de alunos a freao divórcio por mútuo consen mentos porquanto abrange não só o sus- quentar o ensino superior e pelas to. tento, mas igualmente a habitação, dificuldades cada vez maiores no O processo de regulação das o vestuário, a instrução e educação acesso ao mundo do trabalho. Este responsabilidades parentais abranda criança (ar go 2003.º do Código fenómeno é descrito por Rita Lobo ge as seguintes questões: fixação da Civil). Estes são, por regra, e segun- Xavier como "(…) uma espécie de residência, regime de visitas/direito do o ar go 2005.º, n.º 1, do Código "adolescência prolongada", caracteao convívio, o modelo de exercício Civil, fixados em prestações pecuni- rizada pela falta de autonomia de das responsabilidades parentais e o árias mensais. vida e dependência económica na montante da pensão de alimentos Sublinhe-se que, nos termos idade adulta, que os obriga a recladevidos ao menor e a forma de os 1 do ar go 1880.º do Código Civil, a mar dos pais o sustento e o dinheiro prestar . obrigação de alimentos poderá sub- "de bolso", inclusivamente depois do Em matéria de alimentos devisis r mesmo depois da maioridade termo da sua formação académica dos aos filhos menores e a forma de
ou profissional"3. A autora destaca, igualmente, o facto de esta sobrecarga ser par cularmente dramá ca" nos casos de pais separados ou divorciados e a insuficiente resposta da legislação portuguesa civil, social e fiscal4. Esta realidade, que nos casos de pais divorciados ou separados de pessoas e bens acaba por onerar, regra geral, maioritariamente as mulheres5/6, reclamava, com efeito, uma alteração legisla va que se concre zou com a Lei n.º 122/2015, de 1 de setembro, que entrou em vigor no dia 1 de outubro de 2015. Este diploma, que introduziu alterações ao regime de alimentos em caso de filhos maiores ou emancipados, alterou o ar go 1905.º do Código Civil e o ar go 989.º do Código de Processo Civil. Atualmente, de acordo com o disposto no n.º 2 do ar go 1905.º do Código Civil, a obrigação de alimentos aos filhos menores mantém -se, regra geral, até que o filho complete 25 anos de idade. No entanto, e nos casos expressamente previstos no referido preceito legal, a obrigação de alimentos pode terminar antes de o filho completar 25 anos de idade. Assim acontecerá se, antes de completar essa idade, o processo de educação ou formação profissional
es ver concluído, se ver sido livremente interrompido e, bem assim, nos casos em que o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência. Desta forma, contrariamente ao regime vigente antes da entrada em vigor da Lei n.º 122/2015, de 1 de setembro, em que sempre que o progenitor não colaborasse voluntariamente com as despesas do filho maior, teria de ser este a requerê-lo nos termos dos ar gos 5.º, n.º 1, al. a), 7.º, n.º 1 e 8.º do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de outubro7/8, atualmente, à exceção dos casos mencionados, a obrigação de alimentos mantém-se até que o filho complete 25 anos de idade. Simultaneamente, a Lei n.º 122/2015, de 1 de setembro, alterou a redação do ar go 989.º do Código de Processo Civil. Assim, nos termos do n.º 3 do referido preceito legal, o progenitor com o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para essas despesas.
1)Como refere Maria Clara So<omayor, Regulação do Exercício das responsabilidades parentais nos casos de divórcio, 5.ª ed., Coimbra, Almedina, 2011, p. 24.
2) Cfr. João Paulo Remédio Marques, Algumas notas sobre alimentos (Devidos a Menores), Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pp. 32-38: "Alimentos são obrigações de prestação de coisa (de dare, in casu, traduzidas em obrigações pecuniárias) ou de prestação de facto (de facere), que visam sa sfazer o sustento, a habitação, o vestuário e bem assim, se o alimentando for menor a sua instrução e educação (art. 2003.º n.º 1 e 2 do CC)". Cfr., também Maria Clara So<omayor, Regulação do Exercício das responsabilidades parentais nos casos de divórcio, ob. cit., pp. 289-294. 3) M.ª Rita A.G. Lobo Xavier, "Falta de autonomia de vida e dependência económica dos jovens: uma carga para as mães separadas ou divorciadas", Lex Familae - Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 6n.º12, 2009, p. 17. 4) Ibidem. 5) Neste sen do, v., parecer da Associação Portuguesa de Mulheres Juristas (APMJ), disponível em www.apmj.pt, consultado a 29 de junho de 2016. Na esteira da solução seguida pelo Código Civil Francês, neste parecer a APMJ apresentou à Comissão Parlamentar de Assuntos Cons tucionais, Direitos, Liberdades e Garan as, uma proposta de alteração legisla va do ar go 1905.º do Código Civil e do ar go 989.º do Código de Processo Civil. 6) Cfr. M.ª Rita A.G. Lobo Xavier, "Falta de autonomia de vida e dependência económica dos jovens: uma carga para as mães separadas ou divorciadas", Lex Familae Revista Portuguesa de Direito da Família ob. cit., p. 19. 7) Para evitar este procedimento, que poderá conduzir a um processo judicial, M.ª Rita A.G. Lobo Xavier apresentou uma proposta de clarificação do ar go 1880.º do Código Civil, sugerindo "que a pensão de alimentos fixada para o filho durante a menoridade con nue a ser devida após a maioridade até este ter completado a sua formação académica ou profissional. Desta forma, deverá caber ao progenitor obrigado a inicia va de fazer cessar tal obrigação e o ónus de alegar e provar as afirmações dos factos que cons tuem os pressupostos dessa ex nção". M.ª Rita A.G. Lobo Xavier, "Falta de autonomia de vida e dependência económica dos jovens: uma carga para as mães separadas ou divorciadas", Lex Familae - Revista Portuguesa de Direito da Família ob. cit., p. 20. 8) Sem prejuízo de exis r jurisprudência em sen do contrário que entendia que a obrigação de alimentos não cessava.
O SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL PARA SOLICITADORES E AGENTES DE EXECUÇÃO Sara Rodrigues Licenciada em Solicitadoria e Mestranda em Solicitadoria de Empresa na Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Leiria. Solicitadora Estagiária
O
Regime Jurídico do Contrato objeto a garan a da responsabilida- caso contrário a não subscrição é de Seguro está regulado pelo Decre- de que, ao abrigo da lei civil, seja im- analisada pela instância disciplinar to-Lei nº72/2008, de 16 de Abril. Es- putável ao Segurado por erros ou competente. Esta obrigatoriedade é ainda mais te regime consagra todo um conjun- faltas profissionais come das no assente no AE, uma vez que da leituexercício da sua a vidade, de acordo to de normas que anteriormente esra do ar go 168º, número 4, se os tavam dispersas por vários diplomas com o Conselho Geral. A obrigatoriedade de celebração mesmos não apresentarem um comlegais. Como parte especial deste do seguro vem es pulada no ar go prova vo de seguro à Comissão de regime, está consagrado o seguro de responsabilidade civil que vem pre- 123º do EOSAE (Estatuto da Ordem Acompanhamento para os Auxiliares visto nos ar gos 137º e seguintes do dos Solicitadores e Agentes de Exe- de Jus ça (ar go 3º, número 1, al. Diploma referido. Com ele pretende- cução aprovado pela Lei número h), da Lei nº77/2013, de 21 de novembro), serão se que o segurador, numa imediatamente obrigação de indemnizar terO contrato de seguro tem por objeto suspensos para ceiros por parte do seguraa garantia da responsabilidade que, nomeação de nodo, lhe cobre esse risco. Incivos processos. dindo o nosso estudo sobre ao abrigo da lei civil, seja imputável Em relação às a obrigatoriedade do seguro ao Segurado por erros ou faltas Sociedades de de responsabilidade civil paprofissionais cometidas no exercício da SOL, de SOL que ra os Solicitadores e Agentes incluam AE e Sode Execução temos de atensua atividade (...). ciedades de AE, a der que o seguro obrigatório quer que àquele que é segurador lhe 154/2015, de 14 de setembro) para celebração deste seguro é obrigatópossa ser exigido que pague direta- os SOL e AE e, bem assim, no ar go ria. Em qualquer dos casos referidos, mente a indemnização ao lesado. 15º, número 2, do Regulamento nú- exceto as Sociedades de SOL, a coPor sua vez, o seguro de grupo mero 202/2015 de 28 de abril bertura da a vidade dos AE é garanda em excesso das apólices indivi(previsto no ar go 76º e seguintes (Código Deontológico dos Solicitadodo Decreto-lei anteriormente referi- res e dos Agentes de Execução). Da duais. Nas Sociedades de SOL que do) assegura em conjunto pessoas leitura do citado ar go 123º verifica- incluam Agentes de Execução fica diretamente ligadas ao tomador de mos que o associado que se encon- também coberto o exercício da a viseguro desde que esse vínculo “não tre inscrito na Ordem dos SOL terá dade de mera solicitadoria. De referir o número 1 do ar goº 15 de celebrar e manter um seguro de seja o de segurar”. do Código Deontológico dos Solicitaresponsabilidade civil profissional. 1. Da obrigatoriedade de contrato Coloca-se a questão se este seguro é dores e dos Agentes de Execução de seguro O seguro de responsabilidade civil faculta vo, sendo, portanto, apenas que sublinha que a responsabilidade dos associados da Ordem dos Solici- um ónus para o associado, tal como decorrente de dolo ou mera culpa tadores (SOL) e dos Agentes de Exe- indica Mar nez (2012, p.613) para dos interesses e direitos do cliente cução (AE) deve ser celebrado tendo os advogados. No entanto, se aten- de SOL ou AE, obriga estes a indemem conta a natureza e o âmbito dos dermos à letra da lei o “deve” indica nizar pelos danos resultantes (tendo riscos inerentes à a vidade dos asso- um dever e portanto o associado de se observar os requisitos do ar ciados. Assim, este contrato tem por não poderá deixar de ter o seguro, go 483º do Código Civil). Acrescente-
se ainda que, de acordo com o ar go pretar que, se faltar algum valor na ros para os Solicitadores. 11º da Lei número 49/2004, de 24 conta-cliente ou houver qualquer 3. Do valor do seguro de agosto, “Os actos pra cados em irregularidade, o autor será julgado O capital está limitado ao que o violação do disposto no ar go 1.º disciplinarmente, não havendo à Conselho Geral deliberar com excepresumem-se culposos, para efeitos par da legi midade para o cliente ção do regime especial em relação às ser indemnizado pela seguradora sociedades e em relação a quem de responsabilidade civil”. Neste contexto, podemos concluir (ar gos 181º e 182º do EOSAE). mantenha um seguro noutro Estado No caso de a responsabilidade se Membro da União Europeia em que que o contrato de seguro é realizado entre a seguradora e o SOL ou AE, fundar em mera culpa, o montante exerça a vidade em território naciosendo que o tomador de seguro nes- tem um limite máximo de 100.000 nal (pelo disposto no ar go 38º da te caso é o segurado, uma vez que é euros e/ou no caso de ser AE, 50% Lei número 2/2013, de 10 de janeiem função da sua a vidade que se do valor da faturação do ano ante- ro) e deverá, se for necessário, coassegura o beneficiário, neste caso, rior se, e apenas, o valor for superior brir o risco em aspetos que surjam a 100.000 euros (número 5 do ar- da a vidade em território nacional o cliente. go123º). Neste sen do devemos que até então não estariam cober2. Do risco associado O objeto deste seguro terá a ver refle r que há uma dis nção entre a tos. Da leitura do número 2 do ar go com os riscos inerentes à a vidade responsabilidade com mera culpa ou 123º deduzimos um valor mínimo de 100.000 euros tanto que o associado exerce. para SOL como para AE. Desta feita, poderemos (…) há uma distinção entre a entanto, quanto ao considerar como riscos ineresponsabilidade com mera culpa ou No úl mo referido, o valor rentes: prováveis violações negligência e responsabilidade civil do seguro também pode boa conduta; consederá ser definido com quências gravosas aquandecorrente de ato doloso. recurso ao valor de do do atraso do processo; atos pra cados sem legi midade ou negligência e responsabilidade civil 50% do valor da faturação do ano fora do prazo estabelecido; atuar decorrente de ato doloso. De certo anterior se e apenas o valor for sudolosamente, entre outros. O seguro modo, tendo em conta a semelhança perior a 100.000 euros (als. a) e b) fará também cobertura a eventuais da redação do ar go 99º do Estatuto do número 2 do ar go referido). De documentos extraviados, cheques, da Ordem dos Advogados, podemos referir também que as sociedades 8tulos de crédito, 8tulos de valores concluir, acompanhando Mar nez profissionais com responsabilidade mobiliários ou outros valores que (2012, p. 612), que o Solicitador que limitada devem também ter e mantenham sido confiados ao segurado tenha responsabilidade civil por ne- ter um seguro com o valor mínimo e, bem assim, falhas que possam ha- gligência não responde pela totalida- de 200.000 euros, mas, no entanto, ver na caixa, entre outros aspetos, de dos danos causados porque o li- não pode ser inferior a 50% da fatucomo a possibilidade de haver res- mite será no máximo de 100.000 eu- ração anual anterior desde que não ponsabilidade de funcionários. Com recurso à analogia do ar go 2º do Regulamento Administra vo nº39/2003 da Ordem dos Advogados, indicamos exclusões da garan a da responsabilidade1. Consideramos ainda como exclusões a sublinhar2 os atos pra cados por qualquer sócio, associado, agentes ou mandatários que não tenham disposição regulamentar ou habilitação legal e os danos decorrentes da violação do sigilo profissional estão excluídos. O seguro também não cobre danos decorrentes de acidentes de trabalho. Em relação às contas-cliente, nada nos dizendo a lei, bastamo-nos por inter-
O SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL PARA SOLICITADORES E AGENTES DE EXECUÇÃO (cont.) ultrapasse 5.000.000 euros (número 3 3 do ar go123º). Caso a Sociedade queira um seguro superior, terá de obter aprovação da respe va Companhia de Seguros. Pode ainda acontecer que os próprios AE queiram contratar a extensão da apólice. No entanto deverão pagar um prémio complementar de 45 euros anuais. Tendo em conta o aspeto referenciado acima acerca das sociedades profissionais, poderemos afirmar que é natural que o SOL ou o AE que exerça a sua a vidade profissional numa sociedade com responsabilidade limitada não tenha de ter o seguro obrigatório. Contudo, neste caso, o SOL ou AE terão de o comprovar (número 4 do ar go123º). Não podemos deixar de referir o ar go 31º, nº 2, al. g), do Regulamento de Publicidade e Imagem dos Solicitadores e Agentes de Execução (Regulamento nº786/2010) que es pula que é obrigatória a cons tuição de um seguro com o valor de 50.000 euros pelo Solicitador que tenha o Balcão Único. Ao seguro acresce o imposto de selo previsto no ponto 22 da Tabela Geral do Imposto de Selo e o custo da apólice. 4. O pagamento integral ou parcial pela Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução Devemos ter em conta o es pulado no número 6 do ar go123º onde se refere que os associados poderão ver suportados os custos do seguro totalmente (até ao montante que anteriormente referimos) ou de forma parcial, pela Ordem dos SOL, caso se verifique que não têm dívidas para com esta en dade. Esta medida é regulada pela Assembleia Geral mas até hoje nada está regulamenta-
do. Existe uma Companhia que mantém contrato com a Ordem dos SOL que assegura o seguro dos seus membros. O fato de a Ordem pagar o prémio leva-nos a concluir que esta é o tomador de seguro e, por conseguinte, poderemos considerar estarmos perante seguros de grupo. O pagamento poderá ser efetuado anualmente, por semestre ou trimestre.
convenção expressa em contrário, até ao prazo máximo de dois anos após o seu termo. O contrato pode cessar por denúncia, caducidade, revogação por acordo das partes ou por resolução. Nada impede o recurso à arbitragem, nos termos da lei, em li8gios decorrentes deste contrato.
1) h<p://lra.pt/ficheiros/esponsabilidade rcivil/fidelidademundial_profissional.pdf e h<p://ww4.generali.pt/documentos/ documentacao_produtos/ responsabilidade_civil_especiais/ SOLICITADOR.pdf 2) O regulamento pode ser consultado em: h<ps://www.oa.pt/Conteudos/Ar gos/ detalhe_ar go.aspx?idc=31559 &idsc=47568&ida=47512
5. Outras questões Em relação à área territorial de abrangência deste seguro, se fizermos analogia com o es pulado no ar go 2º, número 2, da Lei que aprovou o Estatuto da Ordem dos Advogados, a área não será somente nacional. No entanto, a apólice poderá informar a abrangência do seguro que, pelo silêncio da lei – e no nosso entendimento, no mínimo, abrange somente o território nacional. Consideramos também que este seguro seja sucessivamente renovável, desde que o risco se mantenha, naturalmente. Neste âmbito referimos também que os factos ocorridos e não reclamados na vigência da apólice, não serão valorados para o efeito, exceto atos reclamados, salvo
Bibliografia: Cordeiro, A. M. (2013). Direito dos Seguros. Coimbra: Almedina. Mar ns, J.V. (2006). Notas prá cas sobre o contrato de seguro. 4ª Edição, Lisboa: Quis Juris. Mar nez, P.R., Torres, L.C., Oliveira, A.C., Ribeiro, M.E., Morgado, J.P., Vasques, J., Brito, J.A. (2011). Lei do contrato de seguro anotada. 2ª Edição. Coimbra: Almedina. Mar nez, P.R. (2012). Estudos de Homenagem a Miguel Galvão Teles: Seguro de responsabilidade civil dos Advogados, algumas considerações. Vol. 2, pp. 611-618. Coimbra: Almedina.
A IMUNIDADE RELIGIOSA BRASILEIRA COMO ELA É NO BRASIL: DE GARANTIA E A FOMENTO E DA NECESSIDADE DE UMA REVERSÃO JURISPRUDENCIAL1 Daniel Giotti de Paula Doutorando em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pela UERJ, Procurador da Fazenda Nacional, Professor-convidado da pós-graduação lato sensu da PUC-Rio, UFF e PUC-MG
A
imunidade religiosa tem sido, repe damente, alçada à limitação ao poder de tributar nas Cons tuições brasileiras, desde os trabalhos pioneiros de Aliomar Baleeiro em 1946. Curioso que esse jurista, o qual foi professor- tular de Direito Financeiro da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, conseguiu a proeza de, na qualidade de cons tuinte em 1946, levar a expressão “Limitações Cons tucionais ao Poder de Tributar” para os textos cons tucionais desde então. É um dos raros momentos em que a doutrina consegue, claramente, influenciar a atuação legisla va. Entre as limitações cons tucionais ao poder de tributar, destacam-se as imunidades, em geral cláusulas para não-incidência de impostos, embora existentes também imunidades de taxas e de contribuições especiais. Em obra doutrinária, Aliomar Baleeiro, ao se voltar para o texto da Cons tuição de 1946, elenca como princípios também as imunidades (BALEEIRO: 1960, 14-115). Logicamente, princípios aqui não possuem a qualificação técnicojurídica dada posteriormente para vários autores como Ronald Dworkin e Robert Alexy, ou mesmo alguns autores contemporâneos à Aliomar Baleeiro, que, à época, já expunham suas teses para analí cos e
con nentais na Europa e nos Estados Unidos2. Entende-se aqui princípios, em um sen do mais vulgar, como o de normas de especial importância dentro da Cons tuição e para a própria formação do Estado, o que não re ra a genialidade do autor. De qualquer sorte, entre as imunidades existentes no Brasil está a religiosa, consubstanciando clara opção dos legisladores cons tuintes em não ser a tributação um embaraço para a livre expressão das opções religiosas das pessoas.
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios ins tuir impostos sobre templos de qualquer culto.” Tirando a troca dos termos “lançar” (1946) por ins tuir (1998), não existe diferença substancial entre a imunidade religiosa de 1946 e de 1988. Talvez se possa apenas admi r que houve uma ampliação sobre as materialidades econômicas albergadas pela imunidade, pois se entende que são albergados os impostos que, direta ou indiretamente, envolvem renda,
Construiu-se uma jurisprudência que estendeu a imunidade e, ainda, criou-se uma presunção em favor da reversão de patrimônio e da renda das entidades religiosas para suas atividades, cabendo ao Fisco provar o contrário. Na pioneira Cons tuição de 1946, previa-se, no ar go 31, V, b, que a “ à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado lançar impostos sobre templos de qualquer culto bens e serviços de Par dos Polí cos, ins tuições de educação e de assistência social, desde que as suas rendas sejam aplicadas integralmente no País para os respec vos fins”. Na redação da Cons tuição de 1988, no ar go 150, VI, b, tem-se que “sem prejuízo de outras garan as asseguradas ao
patrimônio e serviços dos locais que se prestam ao culto ou prédios anexos. No entanto, o que nasceu como não-incidência cons tucional qualificada, com o fito de proteger as várias crenças religiosas, transformou-se numa verdadeira cláusula de fomento das religiões, indo de encontro com a própria razão de ser da imunidade. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem sido pródiga em estender a imunidade, o que não é equivocado sobretudo pela
A IMUNIDADE RELIGIOSA BRASILEIRA COMO ELA É NO B DE UMA REVERSÃO JU premissa de que as verdadeiras imunidades se relacionam aos direitos fundamentais (TORRES, 1999:42), protegendo-os ou os fomentando. No entanto, nem toda imunidade deve fomentar um direito fundamental, havendo aquelas que apenas protegem o direito frente a um possível embaraço pela via da tributação, como é o caso da imunidade religiosa. Fato é que a jurisprudência do STF, mais do que interpretação extensiva, tem se valido da analogia, aqui no sen do de uso de uma norma para um caso não-previsto, o que resvala na criação judicial e, em algum grau, no a vismo4. Fala-se aqui em a vismo, porque se assume uma postura de criação de uma norma imunizante além do texto. Essa postura a vista gera um quadro de preocupação, porque recursos privados que deveriam vir para o caixa estatal passam a financiar as religiões. Desnatura-se a imunidade religiosa como garan a, transformando-a em um incen vo governamental à difusão de prá cas religiosas. Parcela considerável da dogmá ca tributária se enveredou pelo senso comum de que as imunidades devem ser interpretadas extensivamente – na verdade, criando norma com outras propriedades -, confundindo-se um dever de estender o sen do da norma imunizante por sua finalidade com aclarar o conceito da imunidade, dentro da moldura interpreta va dessa verdadeira norma-garan a. De início, embora se constante que
a Cons tuição use a expressão templos de qualquer culto como os locais sobre os quais não deveria incidir impostos que se refiram direta ou indiretamente a patrimônio, renda e serviços, o Supremo Tribunal Federal ampliou a imunidade para “centros pastorais ou de formação humanoreligiosa, locais de reunião e administração, residências de padres e religiosos encarregados dos trabalhos da igreja”, além dos imóveis alugados a terceiros, desde que a renda ob da seja reves da para as finalidades ins tucionais da religião (BRASIL: 2004).
Construiu-se uma jurisprudência que estendeu a imunidade e, ainda, criouse uma presunção em favor da reversão de patrimônio e da renda das en dades religiosas para suas a vidades, cabendo ao Fisco provar o contrário. A primeira parte do entendimento se mostra correto, estendendo-se a imunidade para edigcios anexos ao local próprio de culto e que sejam vitais a profusão da fé. Quanto ao segundo aspecto, a jurisprudência firmada a par r de 2004 precisa ser bem analisada, pois em verdade torna imunes quaisquer
patrimônio e renda, invertendo-se o ônus da prova e transforma a imunidade-garan a em imunidadefomento da religião, o que não se coaduna com o Estado laico proposto pela Cons tuição de 1988, em seu ar go 19. O ar go 150, § 4º, da Cons tuição da República, reza que “as vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das en dades nelas mencionadas”. No RE n. 325.822/SP, discu a-se recurso extraordinário em face de acórdão do Tribunal de Jus ça de São Paulo, que entendera não ser extensiva a todos os bens da Mitra Diocesana de Jales, mas somente aqueles efe vamente u lizados para celebração religiosas e às dependências que servem diretamente a seus fins. No voto do relator, Ministro Gilmar Mendes, deu-se provimento ao recurso extraordinário, para reformar acórdão que limitara a imunidade apenas para imóveis efe vamente u lizados para celebrações religiosas ou diretamente relacionadas ao culto. O relator, recorrendo ao entendimento de Aliomar Baleeiro, em edição de suas “Limitações Cons tucionais ao Poder de Tributar”, datada de 1977, sugere
BRASIL: DE GARANTIA E A FOMENTO E DA NECESSIDADE URISPRUDENCIAL (cont.) que seria exemplo daqueles que advogam interpretação extensiva da imunidade. Perceba-se, porém, que Aliomar Baleeiro coibia a interpretação restri va quanto à determinação do que seria culto, até porque, quando surgira a Cons tuição de 1946 e nas realidades cons tucionais posteriores, a tolerância religiosa era muito menor do que em tempos contemporâneos. Contudo, isso não tocava ao fato de se alargar a imunidade para patrimônio, rendas e serviços existentes ou gerados e que se revertam, direta ou indiretamente, às finalidades ins tucionais. Assim, não se pode invocar Baleeiro a favor do entendimento consagrado, ainda que haja uma possibilidade de se aproveitar a exploração econômica de bens de uma en dade religiosa, quando essa se reverte à proteção das crenças. No voto do Ministro Gilmar Mendes, invoca-se magistério de Ives Gandra da Silva (BRASIL, 2004), segundo o qual “todos os lucros e ganhos de capital ob dos em aplicações financeiras e des nados às finalidades das en dades imunes são rendimentos e ganhos imunes”. Afasta-se a intributabilidade, “se as a vidades puderem gerar concorrência desleal ou às finalidades das en dades imunes não forem beneficiadas por tais resultados”. Essas orientações doutrinárias e jurisprudenciais devem passar por um filtro de análise mais sofis cado. Durante os debates travados no recurso extraordinário, sobretudo nos votos dos Ministros Ellen Gracie, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence, e na linha de autores como Ronaldo Lidimar José MARTON (2013: 26), houve certa confusão na
jurisprudência firmada. Isso porque uma coisa é pensar na imunidade das religiões, autên ca cláusula de proteção da liberdade de culto; outra, na imunidade prevista no ar go 150, VI, _c_ ..., a qual mais se aproxima de uma exigência de fomento de pluralismo polí co, da seguridade social e de direitos sociais. O enunciando da súmula dominante n. 724 do Supremo Tribunal Federal, à luz de alguns julgados, assentou que “ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das en dades referidas pelo ar go 150, VI, c, da Cons tuição, desde que o valor dos alugueis seja aplicado nas a vidades essenciais de tais en dades”. O fato de o parágrafo quarto do ar go 150, da Cons tuição, referir-se às imunidades estampadas nas alíneas b e c do inciso terceiro não indica, necessariamente, que o entendimento estampado no enunciado n. 724, da Súmula Dominante do Supremo Tribunal Federal, deva ser aplicado fielmente às religiões ou cultos. Ser fiel ao pensamento de Aliomar BALEEIRO (1985:432-433) implica adotar na interpretação elementos sistemá co e teleológico, bem como se afastar de “posições preconcebidas contra o Fisco ou de suspeição sistemá ca do contribuinte por parte dos agentes dele”. Não se deve chancelar, aprioris camente, extensão amplíssima de toda imunidade. Conclui-se, então, que a jurisprudência do STF tem transformado a imunidade religiosa em uma imunidade-fomento, o que não se coaduna com a ideia de um Estado laico e com um ambiente de sustentabilidade fiscal.
Bibliografia - ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho. 2. ed. Barcelona: Gedisa, 1997. - BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro.10ª ed. revista e atualizada por Flávio Bauer Novelli. Rio de Janeiro: Forense, 1985. ___Limitações Cons tucionais ao Poder de Tributar. 2ª ed. revista e atualizada. Forense: Rio de Janeiro, 1960. - BRASIL, RE n. 325.882/SP, Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. em 18.12.02, DJ em 14.05.2004. - DWORKIN, Ronald. Taking Rights Serioulsy. Cambridge: Harvard University, 1977. - MARTON, Ronaldo Lindimar José. A imunidade tributária dos templos de qualquer culto na interpretação da Cons tuição adotada pelo Supremo Tribunal Federal. Disponível em h<p://www2.camara.leg.br/ documentos-e-pesquisa/ publicacoes/estno<ec/areas-daconle/tema20/CP13006_1.pdf, acesso em 20.08.2015. - TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Cons tucional Financeiro e Tributário. Vol. III. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. 1) Este ar go, repete algumas e avança outras ideias expostas no ar go de minha autoria “A imunidade religiosa, como ela é: aproximação ao pensamento de Aliomar Baleeiro e a necessidade de uma reversão jurisprudencial”, no volume 9 – Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento da Coletânea em Homenagem aos 80 anos da Faculdade de Direito da UERJ, publicado em 2016 pela Editora Freitas Bastos. 2) Refiro-me, nesse ponto, aos princípios não serem vistos como mandatos de o mização aplicáveis em grau, segundo possibilidades fá cas e norma vas (ALEXY, 1997: 162) ou como normas que possuem dimensão de peso (DWORKIN, 1977:78). 3) Sobre analogia, ver ÁLVAZEZ, Mônica Siota. Analogia e interpretación en el Derecho tributario. Marcial Pons: Madrid, 2010.
DIREITO, RELIGIÃO E SOCIEDADE: DOIS CONTRATOS DO CONVENTO DE SANTANA (LEIRIA) Luís P. L. Cabral de Oliveira Docente na ESTG-IPLeiria; Membro Colaborador do Centro de Investigação em Estudos Jurídicos (CIEJ); Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
U
ma das caracterís cas que torna o estudo do direito dos contratos par cularmente apela vo é a enorme diversidade de modelos com que, não obstante quaisquer tenta vas de pificação e sistema zação, nos podemos defrontar. Par cularidade essa que é potenciada pelo facto de o direito espelhar a vida, as tensões e as singularidades da comunidade de onde promana e à qual (e pela qual) vai efe vamente ser aplicado. Assim sendo, é admissível parr do princípio de que, em certa medida, os contratos celebrados no seio de uma comunidade a determinada altura e em dado lugar podem servir como espelho desse grupo e da(s) forma(s) como o mesmo recorre ao ordenamento jurídico que o rege. Ancorado neste pressuposto, proponho uma incursão no universo dos contratos celebrados ao longo do século XIX pelas freiras dominicanas de Leiria – cujo convento, entretanto desaparecido, se situava no local onde o município, nas primeiras décadas da centúria seguinte, veio a erguer uma estrutura que lhe herdou o nome: o mercado de Santana. A an ga cerca ou quinta do cenóbio foi urbanizada na mesma altura, cons tuindo um importante
foco de crescimento da cidade. Nos dias que correm, já nada resta dos espaços e ambientes destas religiosas que disfrutaram de algum relevo em Leiria desde a fundação do seu convento nos finais do século XV e administraram um conjunto considerável de propriedades sitas no centro urbano e (sobretudo) nas freguesias limítrofes, quase invariavelmente aforadas a par culares. Mesmo o velho mercado desenhado por Korrodi foi des nado a novo fim nos alvores do nosso século: hoje é o centro cultural que todos frequentamos.
dizer que lá se encontra documentação rela va à (i) gestão do património fundiário da comunidade (emprazamentos, aforamentos, subaforamentos, renovações de aforamentos, transferência de prazos, divisão de prazos, reconhecimentos de direto senhorio, desistência de prazos), a (ii) emprés mos de capitais a par culares (como escrituras de juro e trespasses de juro), ao (iii) processo de desamor zação dos bens daquela casa religiosa (há vários inventários e relações, parte deles muito detalhados) e (iv) consequente passagem dos mesmos para o Estado – o que se relaciona forçosamente com (v) os esforços de urbanização da cerca, a qual é entretanto rasgada pela estrada real. Por fim, temos os (vi) documentos respeitantes ao funcionamento e gestão do cenóbio. Ora, em cada um destes núcleos encontram-se, como é compreensível, inúmeros contratos. De entre todos eles, quais selecionar para o presente ar go? A escolha acabou por recair em dois documentos que são passíveis de ser integrado no sexto e derradeiro grupo. Para além do nexo evidente às dominicanas leirienses, creio que quer um, quer
(…) proponho uma incursão no universo dos contratos celebrados ao longo do século XIX pelas freiras dominicanas de Leiria (…) O espólio documental das freiras de Santana que sobreviveu até à atualidade, apesar de não ser par cularmente impressionante em termos de quan dade e variedade (não nos podemos esquecer de que o convento sofreu dois grandes incêndios ao longo do século XVIII e, décadas depois, foi par cularmente afetado pela passagem das tropas francesas) é ainda rico o suficiente para nos ajudar a compreender melhor a vida conventual e o funcionamento da cidade de outrora. Em que consiste? De forma muito genérica, é possível
outro servem para destacar par cularidades da vida numa comunidade religiosa feminina da época. Ou seja, e retomando o parágrafo introdutório, a existência de tais contratos ganha especial sen do se os contextualizarmos corretamente e, consequentemente, cons tui uma via privilegiada para a compreensão dos propósitos das partes que os celebraram. Começo pela Escriptura de Contracto, que faz a Ill.ma Soror Dona Maria Lucia da Encarnação, actual Vigaria do Convento de Sant’Anna, desta Cidade, com as Religiozas do Governo do mesmo Convento. O que está aqui em causa? De entre os vários aspetos dignos de destaque, saliento três. Em primeiro lugar, o conteúdo do negócio jurídico, celebrado a 8 de janeiro de 1851 sendo partes contratantes, de um lado, a referida soror D. Maria Lúcia da Encarnação e, do outro, “a Sub Prioreza Ill.ma Soror Dona Thereza de Jesus, e as Religiosas do governo e Administração delle [convento] as Ill.mas Soror Dona Maria da Lapa Depositaria, Soror Dona Joaquina do Rosário, Depositaria, Soror Dona Maria Theresa Escrivãa”. O que pretendia aquela? Explicou que “tendo recebido dusentos e quarenta mil reis de uma esmola des nada para socorrer as suas necessidades, e não podendo esta outorgante conservar em seu poder o dicto dinheiro, se convencionou com as segundas outorgantes […] para tomarem entrega della, e administrarem como convier juntamente com os bens da Comunidade, obrigando-se a dár e entregar a ella primeira outorgante, todos os annos, dez mil reis repar damente em quatro partes de trez em trez meses, que vem a ser cada quartel de dois mil e quinhentos reis rados dos rendimentos da Comunidade, recebendo esta em todo esse tempo, tudo quanto poderem produsir de lu-
cro os dictos duzentos e quarenta mil reis, isto é, em quanto ella primeira outorgante viver, ficando por sua morte o dicto Capital para o mesmo Convento como parte dos seus fundos”. Trata-se assim de um exemplo dos constrangimentos ao exercício de direitos que impendiam sobre quem optasse pela vida religiosa e, mais concretamente, sobre as que professavam numa comunidade regular. Mas não só: cons tui em paralelo uma ilustração de como eram estas doações efe vamente aceites, procurando – com aparente eficácia – a sa sfação não só dos interesses da comunidade mas também da principal beneficiária. Tal rigor não é despiciendo, sobretudo se atendermos à época da celebração do contrato: as freiras de Santana estão a viver os seus anos mais digceis, sendo que o estado de exaustão a que nham chegado as contas do cenóbio já não permi a que o mesmo garan sse a subsistência condigna do cada vez menor número de religiosas que albergava. Eis, provavelmente, a razão de ser das “necessidades” expressamente referidas no contrato.
Em segundo lugar, o contrato reflete as opções polí coadministra vas em vigor naquela altura. Ou seja, temos um instrumento de direito privado servindo como exemplo das consequências de medidas de direito público. O decreto de 28 de maio de 1834 – da lavra de Joaquim António de Aguiar, o qual consequentemente passou a ser conhecido por Mata Frades –, representa o início da ex nção das ordens religiosas e reversão do respe vo património para o Estado (processo que ficaria a cargo da direção geral dos próprios nacionais, integrada no ministério da fazenda). Trata-se de uma das opções polí cas, jurídicas e económicas que dominaram quase toda a segunda metade do século XIX português. Desmantelamento e desamor zação prolongaram-se por décadas, sobretudo no caso dos conventos femininos, para os quais fora consagrado um regime transitório com a determinação da sua manutenção até à morte da úl ma religiosa. Foi, em termos muito gerais (uma vez que o processo se revelou extremamente polémico), o que se passou em Santana: o velho cenóbio fecha portas
DIREITO, RELIGIÃO E SOCIEDADE: DOIS CONTRATOS DO CONVENTO DE SANTANA (LEIRIA) (P65..) em 1880, com o falecimento de soror Joaquina do Rosário. Como se espelha tudo isto no texto do contrato? Quando da aceitação da proposta apresentada por soror Maria Lúcia da Encarnação: “obrigando-se mais ellas segundas outorgantes, por si e por suas sucessoras, a que se porventura (o que Deos tal não permi<a) acontecer que este Convento seja suprimido ou por qualquer maneira Secularizadas e Egressas as suas Religiozas em vida della primeira outorgante […], a dár e entregar a esta, dos dinheiros da Comunidade o Capital dos dictos duzentos e quarenta mil reis, ou uma igual quan a de Capital em tulos de Credito de
divida ac va, bem seguros, á sua escolha com os necessarios pertences, Cessão e Procuração em causa propria para ella poder cobral-os como couza sua propria”. Vou talvez até ainda um pouco mais longe: teriam as religiosas contratantes desenvolvido com tamanho rigor o regime de eventual devolução da quan a em questão se o futuro não se mostrasse tão negro no que dizia respeito à subsistência do convento? Em terceiro lugar, uma referência ao local a celebração do contrato. Estamos perante uma das situações em que o notário se via obrigado a uma deslocação. E a ser recebido num espaço especial do convento, no
qual aliás se celebravam quase invariavelmente os muitos contratos que, sempre separadas por um gradeamento de ferro, as freiras de Santana foram promovendo ao longo dos séculos – a chamada “salla do Locutorio, aonde eu publico Tabellião de Notas vim chamado para o Cazo este Instrumento, estando [as partes] presentes de grades adentro”. O outro contrato selecionado remonta aos finais da década de 1860, tendo sido formalizado por escritura de 7 de agosto de 1868. Nela, o funileiro Dâmaso Teodoro e a sua mulher, Teresa de Jesus, declaravam estar “justos e contractados
com as Excellen ssimas Senhoras Prioreza e mais Senhoras do Governo do Convento de S.ta Anna d’esta Cidade, a pagar-lhes a pensão anual de vinte mil reis em metal sonante, pela estada da nossa filha e enteada Luiza das Dores no dito Convento”. Também aqui destaco três ideias. Por um lado, é curioso um ingresso tão tardio no cenóbio, numa altura em que este, mais do que decadente, já agonizava de forma evidente. Não há porém na escritura elementos que permitam determinar a que 8tulo Luísa das Dores aí deu entrada. Como educanda? Ou, vinda de uma família modesta, órfã de mãe e com o pai doente (Dâmaso Teodoro não assina apesar de “saber escrever, mas com muito custo por causa do meu incommodo de saude”), na qualidade de recolhida? Nem sabemos aliás qual a idade que nha quando se instalou em Santana – nem, na verdade, quanto tempo lá se manteve ou se pretendia que conservasse. E se foi de livre vontade, ou pelo menos com o seu consen mento. Por outro, permite perceber em que moldes se processavam semelhantes entradas no convento. A escritura é rigorosa no que diz respeito ao pagamento (“a qual pensão será paga adiantada em duas prestações iguaes de dés mil reis cada uma no comêço dos semestres que forem decorrendo desde o dia cinco do corrente por ser aquelle em que a dita nossa filha e enteada entrou no dito Convento”), sua suspensão (“este contrato terá logar durante o tempo que ella ali se conservar, pois no caso d’ella sair por qualquer circunstancia, então sessará [sic] a obrigação da referida prestação, devendo nós então sa sfazer somente a parte da prestação correspondente ao tempo que ver decorrido no semestre que se es ver vencendo”), liquidação de despesas complementares
(“a dita prestação de vinte mil reis é livre para o mencionado Convento, pois todo e qualquer tributo que por ventura lhe venha a ser lançado, será pago á nossa custa”) e garan as (“E á segurança do pagamento da dita pensão obrigamos em geral todos os nossos bens havidos e por haver, e em especial obrigamos e hypothecamos
uma morada de cazas” sitas em Leiria). E é precisamente em torno da dita “morada de cazas altas com suas lojas” que incide o derradeiro ponto. Onde se situava? Na “rua da enxovia d’esta Cidade”, confrontando “do Norte com rua publica, do Sul, e Nascente com o edeficio da Camara Municipal, e do Poente com cazas de Francisco Theodoro funileiro, d’esta mesma Cidade”. Note-se que está em causa a an ga casa da câmara – ou seja, aquela que outrora se ergueu na praça Rodrigues Lobo e sobre a qual se acha um imóvel que, apesar de rela vamente recente, procura reproduzir a fachada original. O que significa falarmos de um dos prédios despretensiosos entretanto destruídos que se situavam nas traseiras daquele edigcio, na
artéria à qual hoje damos o nome de Rodrigues Cordeiro. Tratase afinal de uma prova mais da importância da an ga documentação jurídica: por vezes, é nos “papéis velhos” que se encontram elementos curiosos para compreendermos a evolução urbanís ca da cidade.
1) Alguns elementos decora vos do an go convento foram depois aproveitados na casa do guarda do castelo, cujas obras de restauro/reconstrução estavam em curso. 2) ADLRA, Convento de Santa Ana /sr: escrituras/doc: 164/cx: 3/ cota: dep. VI 24-B-3. 3) ADLRA, Convento de Santa Ana /sr: escrituras/doc: 277/cx: 4/ cota: dep. VI 24-B-4.
LEIRIA SOB O OLHAR DOS ESTUDANTES DE DIREITO DO URBANISMO
Considerações preambulares de Luís P.L. Cabral de Oliveira O muito desejado regresso do direito do urbanismo ao plano de estudos dos alunos de licenciatura em Solicitadoria1 permi u designadamente (i) aprofundar saberes num domínio em franco desenvolvimento e cujas noções são fundamentais para qualquer operador do direito, (ii) promover a aproximação dos futuros graduados ao direito público e (iii) incen var o emprego dos conhecimentos entretanto adquiridos apostando numa maior interação com os núcleos urbanos que os alunos melhor conhecem. Privilegiando, claro está, o de Leiria. Assim – por acreditarmos que o direito só se aprende efe vamente através da ar culação da sua construção teórica com a aplicação prá ca que lhe é dada em determinado contexto –, es mulou-se o contacto, ao longo do semestre e dentro e fora do período de aulas, dos estudantes com a cidade. Corolário dessa polí ca foi a aula aberta dada a 16 de maio pelos arquitetos Vasco Silva e Joel Correia – a qual contou com dois momentos: um de índole teórica, que teve lugar no espaço privilegiado do Centro Cívico (em pleno casco histórico, rodeado por reminiscências queirosianas)2; outro de carácter eminentemente prá co, pelas artérias da velha cidade. Foi ao longo deste trajeto que Vasco Silva e Joel Correia responderam às mais de vinte perguntas sobre problemas jurídico-polí co-administra vos urbanís cos formuladas semanas antes pelos alunos de ambos os regimes da licenciatura em Solicitadoria. A presença massiva e empenhada dos discentes facilitou grandemente um dos obje vos desta aula: “a realização de uma pequena descrição e análise de um problema urbanís co atual da cidade de Leiria [ou, em casos excecionais, de outros núcleos urbanos portugueses]”. Nas próximas linhas passaremos brevemente os olhos pelos três primeiros de uma seleção de doze dos trabalhos apresentados – os de José Miguel Matos Gonçalves, Magda Cerqueira e Nitchela Dexheimer. Os demais serão apresentados nas próximas edições da nossa newsle er.
José Gonçalves, estudante de Solicitadoria, optou pelo tema A rede ferroviária em Leiria, jus ficando a escolha nos seguintes termos: “foi no seguimento daquilo que considero ser uma falha grave no sistema de vias de acesso e comunicação que servem a cidade de Leiria. Ainda por considerar inconcebível uma cidade no centro do país, com forte componente industrial, e capital de distrito, não ter um meio adequado e verdadeiramente acessível aos cidadãos de rede de transporte ferroviário”. Passa a explicar: “O município de Leiria é servido por um troço da atual Linha do Oeste da rede ferroviária nacional. Esta possui um conjunto de duas estações, Leiria e Monte Real, e um apeadeiro em Monte Redondo. A linha garante a ligação ferroviária de Leiria ao restante território da Alta Estremadura, onde existem mais cinco estações (S. Mar nho do Porto, Valado/Nazaré/Alcobaça, Mar ngança, Marinha Grande e Louriçal) e seis apeadeiros (Famalicão da Nazaré, Cela, Fanhais, Pataias, Guia e Carriço). O seu pico de desenvolvimento deu-se, essencialmente, no início dos anos 90 com a introdução de uma nova plataforma e a automação de algumas passagens de nível. O grande problema em questão prende-se com o facto de a linha do Oeste se encontrar numa fase de claro desinves mento ao nível do plano ferroviário nacional. A empresa gestora desta rede é a
REFER, e nos planos públicos de inves mento não há nenhuma referência de inves mentos recentes na linha. Quanto aos números mais atuais que se conhecem, apresentam valores de taxas de ocupação na ordem de cerca de 35% de circulação num ano. E os proveitos operacionais da linha num ano são sensivelmente de 1 milhão de euros. Note-se que este valor representa apenas 26% dos custos operacionais, o que jus fica o recente desinteresse no inves mento e modernização da linha. De realçar, ainda, que estes valores são garan-
de vista económico, sobretudo no respeitante à afluência de passageiros”. E focando-se na relação da cidade com a sua estação: “A estação de Leiria encontra-se a uma distância de cerca de cinco minutos de viagem em transporte individual do centro da cidade, e creio ser aqui que reside o principal fator a contribuir para a pouca atra vidade do serviço. As ligações entre a estação e o centro da cidade são apenas asseguradas pela carreira 7, numa frequência de 20 a 40 minutos entre as 7:00h e as 20:00h. No sen do
dos sobretudo pela ligação entre Caldas da Rainha e Lisboa, que representa mais de dois terços das circulações na linha. Neste ponto reside um facto que em muito prejudica a cidade de Leiria. O governo classifica esta linha como Rede Complementar, o que se entende perfeitamente, pela falta de afluência e importância no plano nacional. Mas deve combater-se, uma vez que a cidade de Leiria é capital do distrito”. Consequentemente, a “linha do Oeste apresenta os constrangimentos próprios de uma infraestrutura não atra va do ponto
contrário a frequência é ainda menor, aumentando o intervalo médio de passagem de circulações para cerca de 40 minutos. Através de uma pesquisa sobre a afluência da população ao serviço de transportes ferroviários e da simples observação do movimento de passageiros na estação de Leiria, associada a entrevistas com elementos da REFER, facilmente consegui confirmar a insignificância do contributo do transporte ferroviário para a mobilidade na cidade de Leiria. O número de passageiros é diminuto e o modo ferroviário não é capaz de com-
pe r eficientemente com os modos rodoviários. Deveria contudo tornarse complementar destes úl mos. […] Note-se porém que existe uma diferença substancial no uso do comboio no Inverno e no Verão, associado não só às condições meteorológicas como também a um certo efeito das estâncias balneares, nomeadamente S. Mar nho do Porto”. Considera então ser necessário procurar alterar tal estado de coisas, desde logo recorrendo a medidas de natureza urbanís ca. Como assim? Na sua opinião, a questão maior prendese “com o afastamento da estação rela vamente ao centro da cidade”. E prossegue: “Isto deve-se a vários movos. O mais óbvio será talvez o fenómeno […] de a cidade parecer crescer preferencialmente” no sen do contrário ao da estação – “apesar de todos os inves mentos feitos […], nomeadamente ao nível de infraestruturas, como o estádio de Leiria, ou a construção de um espaço de habitação moderno na zona da Nova Leiria”. Tal levou a que a estação permanecesse até aos dias de hoje no que ainda se pode considerar como sendo uma “zona afastada” do núcleo urba-
no. Há pois “que fazer um estudo sério das possíveis soluções”. Passa então a equacionar duas alterna vas. Por um lado, “O exercício mais fácil seria, talvez, […] a criação de uma estação mais próxima do centro. Sabemos que essa solução dificilmente é viável […] por mo vos essencialmente económicos”. Por outro, advoga um esforço dos “órgãos da administração [em] tornar a estação mais próxima graças ao serviço de transportes urbanos, o que passaria por uma ar culação dos diversos meios disponíveis. Não só em termos de funcionamento, mas também ao nível do tarifário. Tanto através do alargamento dos horários da linha de transportes públicos que servem a estação como até da criação de uma linha especializada para o efeito. A solução poderia ainda passar por diversos incen vos na adesão ao serviço, nomeadamente a redução de preços, através de descontos para os estudantes (designadamente os do IPL)”. Ilustra invocando o seu caso pessoal: “Enquanto jovem estudante do en-
sino superior na cidade de Leiria, é com enorme desagrado que vejo esta situação. Está comprovado que os serviços ferroviários são superiores ao nível do tempo de viagem, e até mesmo do conforto, em comparação com os restantes transportes, mais concretamente com a rede de autocarros nacionais. Sobretudo para quem quer ou tem de viajar longas distâncias – como é o meu caso, que me desloco de e para Braga. É muito incómodo ter de me submeter a quarto a cinco horas de viagem de autocarro, tendo mesmo que trocar de viatura, em regra por duas vezes, no Porto e em Coimbra. Estou certo de que se houvesse um serviço ferroviário em Leiria ao alcance dos estudantes a afluência iria aumentar exponencialmente, tornando a estação viável e produ va. E isso também depende de uma boa rede de transportes urbanos servindo a estação”. Trata-se, a seu ver, de uma situação que deve ser encarada “como um inves mento e não como um gasto”. “Mais a mais, Leiria é reconhecidamente um centro empresarial bastante desenvolvido no panorama nacional”, pelo que julga que “uma linha ferroviária capaz, que pudesse servir também o sector empresarial da região, seria altamente rentável, em todos os aspetos, tanto para as empresas da região como para a empresa que explora a própria estação”. Por tudo isto, sustenta que “A estação ferroviária é um inves mento ú l e urgente”.
Magda Cerqueira, estudante de Solicitadoria, propôs-se “desenvolver a questão da a vidade noturna no centro histórico”. Começou por enunciar o tema, um dos mais deba dos quando se reflete sobre a cidade e o aproveitamento do seu núcleo an go: “Os bares e cafés no centro histórico de Leiria já há muito que são um problema constante para os moradores da zona. Esta zona an ga da cidade é muito acarinhada pelos Leirienses e é habitada maioritariamente por pessoas idosas, que já há muitos anos ali residem e que sonham há muito com uma noite tranquila para poder descansar. Pra camente todos os dias da semana há ruido noite fora”. Mesmo quando o número de frequentadores baixa, os poucos que aí se deslocam são por vezes de tal forma ruidosos que “conseguem incomodar os moradores a ponto de os acordar”. As consequências estão à vista: esta “acaba por ser uma zona a evitar para se morar, havendo muitas pessoas que desistem” de aí se fixar. Consequentemente, o centro, que “deveria ser uma zona privilegiada para a habitação”, “tem vindo a perder sucessivamente habitantes”.
Note-se que as principais queixas dos moradores não se referem à existência de espaços de diversão noturna. Na verdade baseiam-se em três mo vos – sendo que nenhum deles exige o fechar de portas de qualquer espaço. Por um lado, o “incumprimento dos horários de encerramento”. Por outro, a concentração de pessoas no exterior dos bares, as quais “acabam por vir consumir as bebidas que adquiriram nos estabelecimentos para a rua” – o que intensifica o ruído que leva às reclamações dos que nelas vivem. Finalmente, o “lixo e garrafas de vidro a radas e par das pelas ruas fora ou
menos quando estão sobre o efeito de álcool, e que os gritos, o falar alto, o cantar, etc. estão a impedir o descanso dos habitantes daquela zona”. Em paralelo, e apesar “o centro histórico já ter alguns prédios reabilitados”, a maior parte dos edigcios são “an gos, com portadas de madeira também an gas e sem isolamento, sendo também um problema a par cularidade de na maior parte deles os quartos serem virados para a rua”. É aliás fácil recolher depoimentos de moradores insa sfeitos: como o de um homem de 49 anos nascido e ainda residente na baixa de Leiria. “Quando ques onado sobre o livre horário de funcionamento dos bares do centro histórico”, não repudia a
até deixadas às portas e janelas dos moradores, chegando mesmo a haver quem urine contra as portas dos prédios”. Mo vos sobejos para jus ficar os incómodos sen dos. Tudo é ainda potenciado por dois outros fatores. Frequentemente, “os clientes destes bares não têm noção do barulho que provocam, muito
medida, “pois considera que a zona velha da cidade é dinamizada pelos bares que ainda se encontram abertos”. Contudo, “lamenta a falta de civismo de algumas pessoas que não respeitam quem ali vive: É embaraçoso querer adormecer e não conseguir, tal é o barulho. A par r das 02h00 os bares fecham a esplanada mas as pessoas con nuam à porta a beber e a
conversar”. Ilustra, referindo-se à porta da sua casa: “quando os mando embora ainda são mal-educados. Uma pessoa chega a ter receio”. Magda Cerqueira dá também o seu “testemunho de moradora no centro histórico”: “deparo-me com a falta de consciência por parte das pessoas que frequentam os bares e cafés desta zona da cidade. Tenho um bar a 20 metros da minha casa, sendo este um dos bares mais frequentados. O barulho é intenso seja dia de semana ou de fim-de-semana. O ruído é constante, as pessoas falam alto e chego a conseguir perceber perfeitamente o que as pessoas dizem na rua. Depois de um certo tempo, o barulho da rua, o burburinho provocado pelas pessoas acaba por já não fazer diferença, há um processo de habituação. Mas qualquer um acorda a par r do momento em que gritam, ou batem nas portas, por estarem sobre efeito de álcool, rando o sono aos que querem descansar. Outro problema é o sen r que não há tanta segurança quanto desejável”. Assim, a reabilitação urbana poderia cons tuir uma solução interessante para ultrapassar o impasse. No entanto, não é suficiente. Espera-se mais da a vidade da administração. No entender de Magda Cerqueira, trata-se de problemas que “já eram graves e frequentemente no ciados quando os estabelecimentos se regiam pela legislação anterior ao decreto-lei nº 10/2015 de 16 de janeiro”. Porém, “a entrada em vigor deste decreto-lei veio alterar o regime, possibilitando que os bares e outros espaços de diversão noturna possam encerrar à hora que pretenderem”. Ora, na prá ca, se outrora os bares man nham a vidade às 2.00 horas, “agora regista-se um agravamento, pois muitos dos que
os exploram passaram a encerrar às 5:00/6:00 horas, basicamente até os clientes se cansarem e irem para casa”. O decreto-lei de 2015 pode contudo revelar-se a chave para o fim do problema, caso as autarquias adaptem as novas dire vas tendo em atenção que os “horários são susce8veis de ser restringidos em casos devidamente jus ficados e que se prendam com razões de segurança ou de proteção de qualidade de vida dos cidadãos”. E lembra o disposto no Regulamento dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos de venda ao Público e de prestação de Serviços do Município de Leiria3. Outra alterna va passaria pelo zonamento mi gado: “Uma solução que poderia ser viável seria concentrar a zona de bares e estabelecimentos de diversão noturna no conhecido Parque do Avião. Esta zona seria mais fácil de controlar a nível de barulho e a concentração facilitaria o controlo por parte das autoridades. E, apesar de exis rem habitações nas proximidades, o próprio parque poderia servir de barreira em termos de ruído”. Deste modo talvez o “centro histórico da cidade volte a
ser uma zona de habitação agradável e apela va”.
Nitchela Dexheimer é uma aluna brasileira de intercâmbio que frequenta o IPL no presente ano letivo. O seu trabalho centrou-se numa comparação sucinta entre Leiria e a sua terra natal, Estrela4, de modo a “demonstrar as grandes diferenças que noto no meu dia a dia aqui na vossa cidade”. Aliás, uma das disparidades que assinala entre brasileiros e portugueses é precisamente a “relação com a cidade”. Assentou a sua análise em quatro grandes pilares: (i) estrutura urbanís ca do centro histórico, (ii) estacionamento, (iii)
poluição e (iv) “preocupação para com a cidade”. No que diz respeito ao primeiro, e rela vamente a Leiria, assinala que “a cidade tem um Centro Histórico maravilhoso, mas infelizmente está mal cuidado e as pessoas não querem morar ali pelo estado que se encontram as casas e prédios. Porém, a Câmara Municipal da cidade tem proposta para haver a reabilitação urbana deste espaço”. Já quanto a Estrela: “Minha cidade possui algumas construções an gas”; no entanto, “não temos o privilégio de ter um Centro Histórico na cidade e menos ainda temos o privilégio de ver um Castelo, assim como o de Leiria”. Prossegue nos seguintes termos: “Aqui em Leiria percebo que as casas em geral são brancas, essa parte cultural é interessante, pois no Brasil as casas são coloridas e não é preciso pedir permissão para pintar a casa, o que acontece nas zonas históricas portuguesas. O cidadão simplesmente escolhe a cor que quer que seja a sua casa e pronto”. No que toca ao segundo item, “Leiria possui estacionamentos onerosos, incluindo estacionamentos no subsolo, o que é bem pensado, até para que o espaço seja bem aproveitado”. Voltando ao Brasil, “Estrela, ao contrário de Leiria, possui estacionamentos de graça, e não tem espaços no subsolo para os carros estacionarem”. E ainda: “Algo muito interessante e diferente é a forma que os carros e motos são estacionados em cima das calçadas. Isso não acontece no município em que vivo. Temos vagas suficientes para estacionarmos e não pagamos pelo estacionamento, o que é diferente de Leiria”, Par cularmente curiosa é a reflexão quanto à poluição. Leiria é descrita como “cidade muito limpa, bem cuidada e muito mimosa com seus jardins e áreas verdes”, sendo que “minha cidade estrelense não possui muitas áreas verdes e flores como vejo aqui. É uma cidade um tan-
to poluída”. Trata-se de um fator diferenciador: “as áreas verdes da cidade de Leiria são aconchegantes lindas, floridas, com muitas pombas e árvores. Considerando que minha cidade, principalmente na área urbana, não é muito preservada com relação às áreas verdes, que temos muito poucas, chego à conclusão que Leiria é uma cidade com uma boa qualidade de vida, com muitos espaços verdes e praças. Isso Estrela não possui”. Por assim ser, Nitchela Dexheimer assinala rela vamente à “tão falada ‘poluição do Rio Lis’”: “não noto qualquer fator poluente. Não vejo lixos e sujeiras no rio. No Brasil rios poluídos, são aqueles que realmente estão sujos, com lixos e sujeiras”. Finalmente, rela vamente à “preocupação para com a cidade”: “Nesses seis meses que estou em Leiria ve oportunidade de notar quão importante é a cidade para os cidadãos. A preocupação com a cidade e com a Câmara Municipal me chama muita atenção”. E, noutro passo: “os cidadãos portugueses se preocupam com o município e seu crescimento, importante lembrar que são muito interessados com a intervenção da Câmara na cidade”. Ora, “Tal interesse me chamou mui-
ta atenção porque eu não sei o que acontece na minha cidade. […] aqui, no correr das aulas de Direito de Urbanismo pude notar que meus colegas são muito interessados em Leiria e dela sabem tudo”. 1) Nas palavras José Miguel Matos Gonçalves, sublinhado o “entusiasmo” sendo perante a alteração curricular: “No ano de 2016 houve uma restruturação no plano de estudos do curso de licenciatura em Solicitadoria do Ins tuto Politécnico de Leiria. Com isso, foram suprimidas algumas cadeiras e aditadas outras. Uma das cadeiras aditadas foi precisamente Direito do Urbanismo. Não sendo, apesar de tudo, novidade, porque esta cadeira já fez, outrora, parte do curso de licenciatura em Solicitadoria neste Ins tuto”. 2) Magda Cerqueira enfa za, entre as virtudes do espaço, a “vista fantás ca para o Castelo de Leiria”. 3) Cf. h<p://www.cm-leiria.pt/uploads/ writer_file/ document/908/20110713102001500937.pdf . (acedido a 10 de julho de 2016). 4) Segundo explica, “Estrela possui 140 anos de história. Está localizada ao sul do Brasil, possui 30.628 habitantes, distribuídos em uma área de 184,2 km². […] No município estrelense prevalece a economia agrícola, na qual se destaca a produção de leite, como oitavo maior produtor do Brasil (mais de 40 milhões de litros por ano)”.
C E alertam para a realidade vivenciada pelas crianças refugiadas
Fotos de Elisabete Maisão
Politécnico de Leiria sensibiliza população para o drama das crianças refugiadas Com o obje vo de contribuir para o debate de uma temá ca que a todos diz respeito e despertar consciências para um problema de proporções dramá cas decorreu, no dia 25 de maio, a par r das 15h30, no Auditório 1, do Edigcio B, da Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instuto Politécnico de Leiria, a Conferência subordinada ao tema “Uma criança é uma criança em qualquer parte do Mundo – um olhar sobre as crianças refugiadas: sen r, pensar, AGIR”. A Conferência foi o culminar de uma semana de sensibilização para as condições em que vivem as crianças refugiadas, com a Exposição “Ilustrações sobre a realidade das crianças refugiadas”, patente nos Átrios da ESECS e da ESTG, da autoria de Sofia Lança Zambujo, mestre em Design de Ambientes e ilustradora. A exposição contou com várias ilustrações de rostos de crianças refugiadas e de crianças portuguesas – demonstrando que “Uma criança é uma criança em qualquer parte do mundo” - acompanhadas de frases de crianças de diversas escolas de Portugal, sobre a guerra e as crianças refugiadas.
Foi esta uma inicia va de cidadania a va e par cipa va, relevante pela sua atualidade e per nência, de interesse transversal quer no âmbito social, económico, polí co e académico. Numa sociedade democrá ca – seja ela de âmbito estadual ou supra-estadual – a par cipação a va dos cidadãos surge como elemento indissociável da garan a do seu bom funcionamento. Ora, como não há exercício de cidadania sem par cipação e não há – nem pode haver – par cipação sem conhecimento, tal como não há conhecimento sem informação, desde que informação correta e credível, é imperioso desenvolver um verdadeiro esforço de informação, explicação e de sensibilização dos cidadãos para a realidade que os envolve. A importância de inicia vas como esta decorre da necessidade de informar, de despertar consciências visando tornar os cidadãos mais interessados, na medida em que cidadãos interessados e informados são certamente cidadãos mais envolvidos e consequentemente mais par cipa vos.
Os números Os números conhecidos (dados da Eurostat de 2015) são impressionantes – dos 1.321.560 pedidos de asilo na UE, 393.040 são de crianças, das quais cerca de 90 mil são crianças desacompanhadas (crianças separadas de ambos os pais e que não se encontram ao cuidado de um adulto a quem, por lei ou costume, incumba essa responsabilidade). Por detrás de cada um destes pedidos, há com toda a certeza uma história de dor dramá ca e desoladora. E se estes dados não fossem já, por si só, impressionantes, acrescentamos que cerca de 10 mil crianças desapareceram, após a sua entrada na Europa, apanhadas nas redes de tráfico e de crime, registando-se, ainda a morte de 2 crianças por dia, desde setembro de 2015. A génese da Iniciativa e as entidades envolvidas Esta Conferencia e Exposição visou replicar uma inicia va dinamizada pelas Associações Meninos do Mundo e Vida Ac va que, com o propósito de a descentralizar, contactou a Associação InterMEDIAR - Associação de Mediadores [de conflitos] do Oeste. Com o intuito de adaptar a inicia va à nossa comunidade e meio envolventes a InterMEDIAR que se associou à EAPN: Rede Europeia An -Pobreza, convidou para a sua organização e dinamização os docentes Dr. Poças Santos, Doutora Filomena Carvalho e Doutora Patrícia Rocha, do Departamento de Ciências Jurídicas da ESTG, e a docente, Doutora Susana Sardinha Monteiro, do Departamento de Ciências Sociais da ESECS, num prisma de intervenção coopera va e consertada, entre Comunidade e Academia. Tendo como missão “divulgar a adoção nacional e internacional e fomentar a solidariedade entre os Povos e o respeito pelos Direitos Humanos, em geral, e das crianças em par cular” e tendo como um dos seus fins “Desenvolver a vidades de consciencialização da sociedade civil em relação à adoção internacional em Portugal”, sempre com o propósito de “trabalhar para uma Sociedade humana mais justa, sem racismo, nem discriminação, na qual a criança seja reconhecida como sujeito de direitos”, a Associação Meninos do Mundo, com sede em Lisboa, passou das palavras aos atos e dinamizou uma primeira inicia va sob o lema “Uma criança é uma criança em qualquer parte do mundo” que decorreu em Lisboa, na semana de 5 a 15 de abril de 2016, no Museu Nacional de Teatro e de Dança, que contou com a parcipação de representantes da sociedade civil e da vida polí ca nacional. O grande obje vo desta inicia va foi o de chamar a atenção da sociedade civil e das autoridades nacionais e europeias, para a necessidade de criar mecanismos que permitam e facilitem a entrada, integração, acolhimento e mesmo a adoção das crianças desacompanhadas, que se encontram “amontoadas” em campos de refugiados, um pouco por toda a Europa. A Conferência Adotando um modelo dinâmico, intera vo e par cipa vo a Conferência foi estruturada em moldes inovadores, com três momentos diferentes: o Momento do SENTIR, do PENSAR e do AGIR, em linha com o próprio Ptulo da inicia va. O primeiro painel contou com a presença dos Presidentes das en dades envolvidas na organização desta inicia va: Doutor Nuno Mangas, Presidente do Ins tuto Politécnico de Leiria; Maria João Louro, presidente da Associação Meninos do Mundo; Filomena Carvalho, presidente da Associação Intermediar e Patrícia Ervilha do Núcleo Distrital de Leiria da / Rede Europeia An -Pobreza.
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alertam para a realidade vivenciada pelas crianças refugiadas O momento do SENTIR, com cariz mais ar8s co, contou com a Intervenção em Voz Off de Teresa Senna Fernandes e com o visionamento do documentário in tulado “Testemunhos de meninos sírios refugiados no Líbano”. O elemento surpresa esteve a cargo da atriz Natasha Marjanovic da Companhia de Teatro “Palco de Chocolate” que apresentou um excerto da peça de teatro “Vento Leste” que conta “as aventuras e desventuras de uma mulher nascida na an ga Jugoslávia, obrigada a emigrar da sua terra, expulsa pela guerra”. Numa narra va carregada de generosidade, emoção e humor, relatou a “nostalgia de uma infância comunista”, os horrores dos bombardeamentos da guerra civil e as suas “hilariantes e atrapalhadas experiências de adaptação aos costumes, à língua e à natureza das pessoas” em Portugal. No momento do AGIR dedicado à “Solidariedade em Ação” e moderado por Fernando Magalhães (Coordenador do Departamento de Ciências Sociais da ESECS) contámos com as intervenções de Ana Cancela do Movimento Solidariedade sem Fronteiras, de Ana Maria Filipe do Ins tuto de Apoio à Criança e de José António Silva, Deputado à Assembleia da Republica pelo círculo de Leiria, em representação do Grupo Parlamentar do PSD. O destaque deste momento ficou a cargo de Elisabete Maisão, fotógrafa e autora da exposição fotográfica “Cartas para Refugiados”. A fotógrafa e voluntária relatou, via Skype, a par r da Grécia, os momentos digceis por que nha passado nas úl mas 24 horas, depois de se ter “refugiado” na tenda de uma família síria que a acolheu, fugindo assim à ordem de expulsão que nha sido dada a todos os jornalistas, fotógrafos e voluntários independentes. Elisabete Maisão fez questão de permanecer no campo de refugiados para poder testemunhar com a sua “obje va” a evacuação do referido campo. No Momento do PENSAR foi dado espaço para “Refle r para AGIR”. Moderado por João Poças Santos (Diretor do Departamento de Ciências Jurídicas da ESTG) as intervenções ficaram a cargo de membros da Academia. Susana Almeida (docente da ESTG) apresentou a temá ca d` “Os direitos das crianças em qualquer parte do mundo: um breve olhar sobre os instrumentos de proteção dos Direitos Humanos”. Ricardo Vieira, docente da ESECS par lhou a sua experiência de Formação da PAR: Par(A)colher Melhor – Acolhimento e Integração de famílias e crianças Refugiadas em Portugal, desenvolvendo a temá ca “A mediação Intercultural como processo pedagógico de acolhimento do outro”. Por fim, Ana Rita Gil (Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa) destacou “O papel dos Estados e da sociedade civil na proteção das crianças refugiadas”. A finalizar uma tarde de reflexão, Pedro Mar nho, diretor da ESTG e Cristóvão Margarido, em representação da Direção da ESECS, enalteceram esta inicia va que decorreu num espírito inovador de colaboração inter-escolas e a importância do envolvimento da sociedade civil e da academia. Por fim Susana Sardinha Monteiro (docente da ESECS e membro da Comissão organizadora) referiu a importância destas inicia vas para a informação e conhecimento no sen do do desenvolvimento de uma cidadania mais a va e par cipa va.
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! com fotos de Elisabete MaisĂŁo
Website: elisabetemaisao.weebly.com
Publica-se no CIEJ No passado mês de Fevereiro do corrente ano, a Editora Vida Económica - Editorial, S. A., publicou a obra da autoria de Ângelo Abrunhosa in tulada “Direito Financeiro Tributário”. O que mo vou este trabalho, um manual conciso e prá co sobre Direito Financeiro Tributário, foi o facto de nunca como hoje se falar tanto de Orçamento, impostos e saldos; de inves mento, exportações e consumo. Todos os dias se repete que é possível pagar a Dívida Pública, se a economia crescer e a taxa de juros for moderada; mas é preciso saber como cresce a economia. Entretanto, a credibilidade bancária esfumou-se e ninguém sabe, verdadeiramente, qual é o papel da união orçamental e da união bancária europeia. Também o cidadão comum fica a saber se pode comprar dívida pública portuguesa e porque é que o Estado não vende o ouro que detém em barras. Muito resumidamente, é de referir que a obra está dividida em quatro partes: - Parte Primeira, sobre as normas estruturantes, os princípios gerais, os tulares, as fontes do ordenamento jurídico financeiro-tributário, a sua aplicação temporal e espacial; - Parte Segunda, sobre a problemá ca do equilíbrio orçamental de todo o sector público, o recurso ao crédito e a dívida soberana; - Parte Terceira, sobre o Direito Tributário e o actual Sistema Tributário Português, enquadrado na sua História e no presente contexto da capacidade económica contribu va dos portugueses; - Parte Quarta, com a apresentação de três breves visões da polí ca financeira, dando relevo à circunstância da nossa integração na Europa Comunitária. Enfim, a obra interessa a todos; desde logo, a quem gere a Segurança Social, as empresas do Sector Público e a res publica, em geral; mas também interessa a todos os contribuintes, que são quem paga as despesas do Estado.
A inves gadora do CIEJ, Susana Almeida, publicou o livro Familia a la luz del Convenio Europeo de Derechos Humanos, pela Juruá Editorial. Esta monografia realiza uma incursão na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, com o fito de extrair os postulados jurídico-familiares de rosto europeu que formam os padrões mínimos que devem ser respeitados pelos Estados signatários da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Em coautoria com Ana Rita Gil publicou ainda o ar go “Family reunifica on for same-sex couples: a step forward in mes of crisis – comments on the Pajić ruling of the ECtHR”, no EU Immigra on and Asylum Law and Policy, em abril 2016, que se encontra disponível em h<p:// eumigra onlawblog.eu/family-reunifica on-for-same-sex-couples-a-step-forward-in- mes-of-crisis-comments-onthe-pajic-ruling-of-the-ecthr/ . A inves gadora do CIEJ, Cátia Marques Cebola, publicou em junho de 2016 o ar go “ADR 3.0 @ Resolução Online de Conflitos de Consumo em Portugal”, na Revista LusoBrasileira de Direito do Consumo, Vol. V, n.º 22, pp. 65-92.
Luís Cabral de Oliveira, inves gador do CIEJ, publicou o ar go “Joaquim Bernardo Soares (1827-1908)”, in Azevedo, Luís Eloy (coord.), “Mais figuras do judiciário, séculos XIX-XX”, da Revista Associação Sindical dos Juízes Portugueses/Almedina, Coimbra; e ainda “Magistrados letrados ou provisionários? O caso de André Francisco de Bragança (Goa, 1832- 1836)”, Revista de Teoria e História do Direito, publicação on-line da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1,1 (disponível em h<p://www.thdulisboa.com/#!revista-thd/r38az)
Acontece no CIEJ II CICLO DE DEBATES CIEJ DIREITO E SOCIEDADE: dúvidas e desafios Nos dias 11 e 14 de março de 2016, sob a coordenação cien8fica de Luís Cabral de Oliveira e Cá a Marques Cebola, o CIEJ levou a cabo o II Ciclo de Debates, promovendo-se a discussão dos seguintes temas: - Sucessão Legi mária. Herdeiros à Força?, moderado por Nuno Mendes Claro - O direito à iden dade pessoal na adoção e no estabelecimento da filiação, moderado por
Susana Almeida e Patrícia Rocha - O direito de acesso aos dados de saúde, moderado por Jorge Barros Mendes - E0ntre tãs: o poder local entre a administração central e uma eventual regionalização, moderado por Luís Cabral de
Oliveira e Hugo Abreu - Barrigas de aluguer - que enquadramento jurídico?, moderado por Ana Lambelho - Direito à greve e serviços mínimos essenciais, moderado por Ana Lambelho e Luísa
Andias Gonçalves
X CONFERENCIA JURÍDICA As profundas alterações recentemente introduzidas nesta área levaram a que a X Conferência Jurídica promovida pelo DCJ em colaboração com o CIEJ fosse dedicada à reforma do contencioso administra vo. O evento, que teve lugar no dia 11 de maio, contou com a presença de dois reconhecidos especialistas na matéria: o Professor Doutor Mário Aroso de Almeida, docente e diretor da Faculdade de Direito da Universidade Católica (Escola do Porto) e vice -reitor da UCP, cuja intervenção prendeu a atenção da numerosa assistência; e o Dr. Marco Caldeira, assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e árbitro no Centro de Arbitragem Administra va, que soube aliar o interesse da exposição teórica aos conhecimentos prá cos adquiridos durante anos de exercício da advocacia. O primeiro, após traçar uma panorâmica do novo contencioso administra vo, abordou o caso específico do novo regime do contencioso pré-contratual urgente. O segundo versou o novo regime das providências cautelares. A organização da Conferência esteve a cargo de uma comissão composta por quatro docentes do DCJ: João
Poças Santos, Eugénio Lucas, Luís Cabral de Oliveira e Hugo Vassalo Abreu.
Próximos Eventos LANÇAMENTO DO LIVRO Formas de Federalismo e o Tratado de Lisboa— Confederação, Federação e Integração Europeia No dia 29/09/2016, às 17h30, o CIEJ levará a cabo o lançamento do livro Formas de Federalismo e o Tratado de Lisboa - Confederação, Federação e Integração Europeia, da autoria de Mário Simões Barata, investigador do CIEJ, que contará com a presença do Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho na sua apresentação.
Prazo para 01/9/2016
envio
do
resumo:
Os interessados deverão submeter à apreciação da Comissão Científica do Congresso um ou mais resumos que se relacionem com o tema do
Prazo para notificação dos oradores: 10/9/2016
Congresso, nomeadamente, nas seguintes áreas: Criação de associa-
Prazo para enfio dos textos completos: 30/9/2016 Email para onde podem enviar os trabalhos: cicje@ipleiria.pt
automóvel; Registo predial, entre outros.
Mais informações em em www.cicje.ipleiria.pt.
que decorrerá na ESTG, Leiria, no dia 28 de outubro de 2016, e publicar o
ções; Criação de fundações; Cooperativas; Registo Comercial; Registo
Os autores dos resumos selecionados poderão apresentar a sua comunicação do VIII Congresso Internacional de Ciências Jurídico-Empresariais seu trabalho nas atas do Congresso.
A Direção do CIEJ agradece a colaboração de todos os autores dos ar gos contantes na presente edição. As imagens u lizadas na presente edição estão disponíveis eletronicamente na web.