Argumento 149

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ANO XXXI | N. 149 | OUTUBRO 2015 | € 2

NA RETINA

CINE-COSMOS

ENSAIOS

SUBSOLO

60 ANOS CCV

PROVIDENCE, DE ALAIN RESNAIS

DE EDGAR PÊRA

FILME DO DESASSOSSEGO E BELLE TOUJOURS

CRAIG BALDWIN E ARTHUR LIPSETT

PROGRAMAÇÃO OUTUBRO A DEZEMBRO


F I C H A T ÉC N I C A

EDITOR E PROPRIETÁRIO CINE CLUBE DE VISEU inscrito no ICS sob o nº 211173 PERIODICIDADE Quadrimestral

SEDE E ADMINISTRAÇÃO Rua Escura, 62 Apartado 2102 3500 – 130 Viseu

CONCEPÇÃO E EXECUÇÃO GRÁFICA DPX .com.pt

Filme do Desassossego de João Botelho

IMPRESSÃO Tipografia Novelgráfica, Viseu

TEL 232 432 760 geral@cineclubeviseu.pt www.cineclubeviseu.pt

ANO XXXI Boletim inscrito no ICS sob o nº 111174

CAPA

TIRAGEM 300 ex.

COLABORAM NESTE NÚMERO

ANABELA MOUTINHO

EDGAR PÊRA

FAUSTO CRUCHINHO

FERNANDO GUERREIRO

MANUEL PEREIRA

L FILIPE DOS SANTOS

Sócia do Cine Clube de Faro desde 1986, sua dirigente até 2013. Gosta de dizer coisas sobre cinema.

Terminou recentemente a sua última longametragem em 3D, Lisbon Revisited. Está neste momento a escrever/filmar o seu livro-filmetese O Espectador Espantado.

Professor auxiliar da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Investigador Integrado do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra.

Docente da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa onde tem leccionado as cadeiras de Cinema e Literatura, História do Cinema e Análise Fílmica.

Formado em Estudos Artísticos na variante de Estudos Cinematográficos pela FLUC, tem-se dedicado desde então à investigação em torno de autores que a história do cinema se encarregou de obscurecer.

Quando fez 16 anos picou um dedo numa roca de fiar, caindo assim sobre ele a bendição de ter certa facilidade em desenhar. Trabalha sobretudo em ilustração editorial.

O CCV É APOIADO POR

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PA R C E I R O S

SERVIÇOS WEB


ÍNDICE

EDIT!

P.4 BILHETE-POSTAL

Joaquim Jordà, cineasta catalão, diz, a propósito de um suposto regresso aos primórdios do cinema, que olhar para o início é um claro indício de que a coisa em causa está a acabar…

Como vão os cine clubes? Uma cartografia do movimento cineclubista: o que fazem, para quem e com que objectivos trabalham os cine clubes pelo mundo fora.

P.5 NA RETINA

Espaço para partilha de olhares e gostos sobre um filme ou realizador escolhido por um convidado. “Porque o cinema é sobretudo isto: emoção que se quer partilhável”.

P.6 CINE-COSMOS

ESTE ANO A MEMÓRIA FOI, É, UM LUGAR FUNDAMENTAL PARA O CINE CLUBE: Sessenta anos são só um pretexto para lembrar, em festa, por que mãos viemos a ser, com que fito, o que mudou em nós e à nossa volta; reflectir sobre o que fizemos, mas também sobre o que fazemos e sobre o que queremos fazer. Assim, mesmo vendo-se claramente o início deste percurso, parece-nos que não se lhe vê o final, que, pelo contrário, ele se alarga e alonga cada vez mais... Nesta edição do Argumento, apresentamos uma cronologia com alguns dos factos mais marcantes da vida do Cine Clube, um trabalho feito com a colaboração indispensável de antigos dirigentes, nomeadamente o Joaquim “Alex” Rodrigues e o “Zé” Fernandes, que, tendo vivido muitos daqueles momentos, recordam os detalhes e subtilezas que fizeram cada um deles e cuja transmissão distingue uma associação como esta de qualquer outra reunião de pessoas em torno de uma actividade por mais ou menos do que afecto. Contra as obrigações, um cine clube vive disso mesmo, de entrega e palavras amáveis. A Anabela Moutinho também é cineclubista, tem Na Retina o cineamor e uma noção de metamorfose que a faz adorar Providence, de Resnais, a dois tempos… Sobre a cinemacia da escrita de Pessoa e a sua concretização por João Botelho, o espaço dedicado ao ensaio, por Fernando Guerreiro, na sua característica impetuosidade: um texto cheio de informação e decomposição. Fausto Cruchinho vem talvez desconcertar esta edição: no ano da morte de Oliveira, fala do seu Belle Toujours, e não só, sem politicamente-correctos. Short and sweet. No Observatório, lindamente, Corcoise. O Cine Clube alegra-se de sentir que esta rubrica é já, de alguma forma, um espaço de reunião de artistas locais. Mas, mais do que isso, e independentemente de geografias, um lugar onde o cinema se desdobra e produz outra coisa. Nesta edição, a partir de Vacas, de Julio Medem, a ilustração de L Filipe dos Santos, Corcoise.

A crónica de Edgar Pêra.

P.8 NÓS POR CÁ

Espaço de ensaio coordenado por Fausto Cruchinho. Diferentes autores, temas e abordagens, que nos oferecem a visibilidade de outras lógicas de pensamento sobre o cinema.

P.10 FILME DO DESASSOSSEGO DE JOÃO BOTELHO

A estratégia de “figuração” do texto de Pessoa, corresponde, do ponto de vista dos seus processos e meios, à do cinema. P.16 SUBSOLO

Rubrica de Manuel Pereira, abarca autores, obras e tendências que encarnam uma vontade de alargar os próprios horizontes da linguagem cinematográfica.

P.18 WHAT’S UP CCV?

Actividade do Cine Clube de Viseu.

P.20 60 ANOS DO CINE CLUBE

Como nasceu, cresceu e se transformou o cine clube ao longo de 60 anos.

P.23 OBSERVATÓRIO

A palavra aos autores. Edição de trabalhos originais, e um olhar sobre o estado das artes e do cinema na primeira pessoa. A desafiar os convidados, um tema comum, a cinefilia.

Com olhos postos a 360 graus, desejamos a todos uma excelente Retoma, com bons filmes e boas leituras!

ARGUMENTO Publicação editada pelo CCV desde 1984, pensada, originalmente, para a divulgação de actividades e debate do fenómeno fílmico. O boletim tornou-se um veículo indispensável de reflexão da sétima arte e divulgação do CCV, a justificar um cuidado permanente das suas sucessivas direcções. Fundado em 1955, o CCV é um dos mais antigos cineclubes do país, sendo o Argumento um projecto central na sua actividade. 3


BILHETE-POSTAL

Cinema RIF, construído em 1938, “templo árabe do cinema de arte e ensaio”: acolhe desde 2007 a Cinemateca de Tânger, estrutura associativa sem fins lucrativos, que conta com um conselho consultivo presidido por Abbas Kiarostami.

S E D E : TÂ N G E R / M A R R O C O S

Cinemateca de Tânger

dispõe de equipamento de projecção em película (35, 16 e 8 mm) e digital, o que lhe permite garantir uma programação de qualidade a todos os níveis. Pelo alcance de público diversificado, atraído por uma programação que oferece o melhor dos filmes de arte e ensaio nacionais e internacionais (fora do circuito comercial); pelas suas propostas originais de ciclos temáticos e de património cinematográfico; pela colecção de filmes que constituem o seu fundo de arquivo, de valor inestimável; pela sua política de difusão do cinema e sua transmissão aos jovens, desde a escola primária até à secundária; pela formação oferecida aos jovens cineastas, aos estudantes de cinema, aos dinamizadores de cine clubes; pelos programas Fora de Muros, que contribuem para a sua notoriedade e que permitem a descoberta, por todo o mundo, de filmes marroquinos do seu fundo, a Cinemateca é hoje um marco da renovação da prática cultural do cinema, no sentido do desenvolvimento global, pela descoberta de um cinema que procura valorizar as obras, que sabe entreter, enriquecer e emancipar, porque abre uma janela para o mundo. A Cinemateca é membro das redes FIAF (Federação Internacional dos Arquivos do Cinema), NAAS (Rede de Cinema de Arte Árabe) e CICAE (Confederação Internacional dos Cinemas de Arte e Ensaio).

Em 2007, a Cinemateca de Tânger abre portas, no antigo cinema popular, o Cinema RIF, recuperado por iniciativa de um colectivo de artistas, em pleno centro histórico da cidade. Em 2014, torna-se uma instituição e um lugar único no seu género em África, bem como um centro vivo dedicado à sétima arte no mundo árabe. Nos primeiros dois anos de actividade, a Cinemateca acolheu mais de dez mil espectadores. Entre as suas acções, encontra-se a criação do primeiro programa tangerino de cinema dedicado às crianças. Além disso, vários cineastas tiveram já oportunidade de aqui apresentar filmes seus directamente ao público. O preço de um bilhete normal é de vinte dirhams (€1,85); para sócios, menores de vinte e cinco anos e outros casos excepcionais, quinze dirhams (€1,39). Há ainda preços especiais para grupos. A Cinemateca conta com o apoio financeiro de vários parceiros e patrocinadores. No que diz respeito ao acesso às cópias dos filmes, há um trabalho de proximidade com as distribuidoras marroquinas e com os arquivos de Centro Cinematográfico Marroquino. No entanto, grande parte da programação é conseguida por meios alternativos: distribuidoras internacionais, VOD, extensões de festivais, institutos estrangeiros, produtoras… A Cinemateca

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NA RETINA

© ANABELA MOUTINHO

Providence Ter 16 anos na altura da estreia de um filme, vê-lo e deixar-se impressionar; ter mais 40 anos em cima, revê-lo e deixar-se sorrir. É um dos filmes mais esquecidos de Resnais. A ele a culpa: viveu muito, e fez excelente, até morrer. Quem se iria lembrar de um filme-charneira de 1977? Ah, os primeiros documentários, de pintura e nevoeiro feitos, ah, amores atómicos e jardins de pedra com hieráticas figuras – antes da vaga nova, o romance novo, e Resnais, junto deste último, a dizer que seria sempre diferente na onda que queria cavalgar. Disso todos nos lembramos. Agora: do seu único “divertimento macabro”, nas palavras do próprio? Porque divertimentos teve ele muitos (fumar ou não fumar, eis a questão), macabros alguns outros (marienbads difíceis de tragar), mas, entreter-se com a decadência, o sofrimento e a morte, não. Se calhar por isso caiu no oblívio, por ser tão desconcertante; mas tão desconcertantemente Resnais, afinal. Providence é nome de uma villa, de uma cidade, de um sonho, de um pesadelo e de um demiurgo. Aproximamo-nos da primeira ao jeito a que ele nos habituou, implacáveis travellings que nos fazem deslizar por paredes, heras e ramos, e penetrar, luz por debaixo da porta, braço que se estende e copo que se deixa cair, mas não: não é Citizen Kane nem muito menos Rosebud, pois não é flash-back nem infância perdida, é recriação do passado e vida tolhida. O cancro no cólon provoca dores lancinantes, vinho branco e supositórios deslaçam, em consequência, um linguajar rude como não é hábito encontrarmos por ali. “Damn, damn, damn”. Temos a segunda em fotografia gigante prensada num cenário, a Providence de Lovecraft, “I am Providence”, he said, e nesse passado longínquo e hoje falso decorrem diálogos tão cruéis quanto irreais – na forma, porque imaginada é, não no conteúdo, pois da agrura, do cinismo como faca, do desprezo como militância se fazem aqueles dois personagens de uma história na qual tudo faz sentido por sentido nenhum ter, como mais tarde saberemos. “Damn, damn, damn”, on connaît pas la chanson, finalement. O sonho é pesadelo. E com que gozo ambos são sentidos! Noites de insónia, música «alcoólica» e fúnebre (alcoólica porque fúnebre), Resnais pediu e Miklos Rozsa deu, aquele velho escritor de pijama de seda carmim, risadas enlouquecidas e esgares maquiavélicos entretendo-se a criar traços de uma novela, como escarros, 78 sequências em 80 minutos de filme (foi o Jean-Luc Lacuve que contou, não fui eu), tribunais, homens-lobo, assassinatos a sangue-frio misericordioso, adultérios como farpas, mães que são amantes dos filhos, mães que são cadáveres efectivamente suicidados, um jogador de futebol irrompendo inopinadamente em cenas cujo pendor dramático assim hilariantemente se estoura e uma trama absurda que se constrói, ao de leve, tal como a vegetação que cresce e abocanha os cenários rigorosos, artificiosos, arquitecturais,

REALIZAÇÃO Alain Resnais ARGUMENTO David Mercer COM Dirk Bogarde Ellen Burstyn John Gielgud David Warner Elaine Strich MÚSICA Miklós Rózsa FOTOGRAFIA Ricardo Aronovich

gelados. Gelado, o estádio de futebol prenhe de gente assustada, pronta a ser sacrificada, o David Mercer queria muito que o filme fosse sobre a dimensão política do horror que santiagos do chile tinham tornado premente à época, Resnais preferiu que esse fosse só o pesadelo maior, o que faz diluir as tragediazinhas pessoais numa à escala planetária. Todos para dentro do estádio!, et la guerre c’est pas finie. “Damn, damn, damn”, indeed. Andamos 80 minutos nisto e, de repente, a luz. O exterior natural. Uma tarde muito aprazível, o impecável fato creme, o cadeirão de palha, os filhos que chegam – o legítimo, o ilegítimo -, a nora do legítimo que na ficção era amante do ilegítimo, as prendas que se entregam a este velho no seu 78.º aniversário, sorrisos sem suspiros, a nora dá um punhal (as noites como facas), o ilegítimo um telescópio (a imaginação como horizonte), o legítimo – tão cruel e tenso que ele era, tão doce e manso que afinal ele é – um livro, raio de ideia, um livro de outro a quem já é autor e se sacode em convulsões de dor, criativas e literais durante as madrugadas, morrendo a cada uma, escarnecendo de todas elas, sacode-se a oferta, o olhar fica triste, ele gostava tanto que o pai gostasse dele. “Damn, damn, damn”, suspira ele para dentro. Demiurgo providencial portanto, este criador de puzzles ficcionais, este amante de jogos especulares e crepusculares, este autor cerebral tingido por emoções genuínas, severo, perfeccionista, meticuloso obreiro, tão Resnais que ele foi e tão inesperadamente Resnais que ele conseguiu ser. Incredulidade total, do lado de lá do Atlântico, estranheza do lado de cá, mas que importa: “For some reason the more time that elapses after the film opens, the more favorable the reviews become”. Ele sabia, ele sabia: o seu único filme falado em inglês, um portento de representação, em particular por John Gielgud e Dick Bogarde, uma música assombrada por insónias, uma mise-en-scène brilhante e cómica sobre a criação, o inconsciente, os fantasmas e a degradação, haviam de resultar em ‘Damn, damn, damn, tenho mesmo que conhecer este filme’. 5


CINE-COSMOS © EDGAR PÊRA

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RANCHO 3D Rancho Folclórico de Paranhos, filmado frente ao cinema Batalha - Porto. Rodagens de O Espectador Espantado

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NÓS POR CÁ

© FA U S TO C R U C H I N H O

Belle Toujours de Manoel de Oliveira

Com Belle Toujours, Oliveira continua um percurso de homenagens incompreensíveis num cineasta que teve o estatuto internacional que conseguiu pelo seu ineditismo e pela sua autonomia artística. Esta, como todas as homenagens póstumas, só beneficia o homenageador, não o homenageado. Belle de Jour de Luis Buñuel e Belle Toujours de Manoel de Oliveira são filmes da decadência artística de ambos os cineastas. O erotismo serôdio de Buñuel, já reduzido ao pechisbeque para plateias burguesas com gosto pelo pequeno escândalo de alta sociedade, equivale em Oliveira a uma mera homenagem ao realizador e ao ator Piccoli, sem a Deneuve guardada ainda para o recato das plateias púdicas. Na verdade, os dois atores não são um dueto em Belle de Jour: o dueto mais interessante é de Belle de Jour com quem a batiza, Madame Anais: é ela que lhe dá a conhecer os prazeres da carne e a inicia no safismo, um amor de mãe que inicia a sua afilhada. O lar burguês, que Belle deseja sadomasoquista, prolonga-se no bordel. O amor que nasce com Marcel mais não é do que a continuação do casamento com todas as suas prerrogativas de submissão. Belle não quer o amor, quer a segurança do casamento e a aventura burguesa do adultério. Até aqui, o dispositivo de Buñuel está muito longe de Simão do Deserto ou dos mais recuados El e L’Âge d’Or. Os momentos de ilusão do espetador e alucinação do personagem são extraídos de modelos narrativos obsoletos que o cinema moderno de Godard e Resnais atiraram para o caixote do lixo do cinema. Com Oliveira estamos também no campo de um cinema passadista, apoiado nas vedetas da cultura e incapaz de provocar escândalo artístico. O que em Buñuel é convencional (o suposto segredo da denúncia de Piccoli ao marido de Belle) em Oliveira é escancarado. Todo o cerimonial de aproximação de Piccoli a Belle é o convite velado ao encontro sexual que não houve em Belle de Jour, reduzido a uma amizade improvável. Ninguém fica feliz: nem os

atores, nem os espetadores. Como todas as homenagens póstumas, só beneficia o homenageador, não o homenageado. A única homenagem acaba por ser a do galo que vem assistir à decadência impotente do sedutor Husson. Oliveira rendeu-se ao vedetismo dos atores internacionais a partir de Mon Cas, praticando um cinema em que a questão do teatro, da palavra, do texto e da voz passaram a ser a sua matéria-prima. O interesse pelo ator era meramente utilitário: podia ser um ator como podia ser uma estátua. O seu cinema posterior está abundantemente representado nessa matéria: os corpos transfigurados de Os Canibais, as estátuas dos monges em O Convento, a estátua de Pedro Macau em Viagem ao Princípio do Mundo, a iconografia ocidental em Um Filme Falado, etc. Com os atores, Oliveira começa a ter uma relação de encenador de teatro, a ideia de trupe teatral, uma 8


O erotismo serôdio de Buñuel, já reduzido ao pechisbeque para plateias burguesas com gosto pelo pequeno escândalo de alta sociedade, equivale em Oliveira a uma mera homenagem ao realizador e ao ator Piccoli

fidelidade aos atores que vêm substituindo a sua ideia de cinema primitivo, centrada no documentário. O seu surgimento como ator nos seus filmes e nos filmes alheios vem trazer um interesse renovado pela transfiguração do ator em persona, na criação do personagem que nem ele nem o ator sabem que existe em si próprios. De algum modo, Oliveira procura a revelação, um êxtase para lá da matéria ficcional. Esta busca leva-o a momentos de total mau gosto como em Porto da Minha Infância, Cristóvão Colombo, Do Visível ao Invisível, Um Encontro Improvável, filmes baseados nessa convicção que nasceu em Non ou a Vã Glória de Mandar de que o seu cinema tem uma missão didática e moralista. Com este filme, Oliveira continua uma série de homenagens que começou com Jean Vigo em Nice – À Propos de Jean Vigo; continuou com Chaplin no filme de Wim

Wenders Lisbon Story; com Aurélio da Paz dos Reis, primeiro realizador de cinema português em Porto da Minha Infância, num percurso de homenagens incompreensíveis num cineasta que teve o estatuto internacional que conseguiu, fruto do seu ineditismo e da sua autonomia artística. Em Belle Toujours, os verdadeiros duetos são de Michel Picolli com Ricardo Trepa e de Júlia Buisel com Leonor Baldaque, duetos homossexuais, em que, mais uma vez em Manoel de Oliveira, homens e mulheres não comunicam – nem uns com outros, nem entre si. Mas, Oliveira já tinha dito o mesmo em Aniki Bobó, há 73 anos. Trata-se, portanto, dum novo “remake”, não de Belle de Jour, mas de Aniki Bobó. Afinal, Oliveira parece condenado a repetir-se. Este texto segue a norma do Novo Acordo Ortográfico.

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ENSAIO

© FERNANDO GUERREIRO

Zoom sobre o Filme do Desassossego de João Botelho

Fernando Guerreiro tem escrito sobre a problemática da Representação na pintura, na fotografia e no cinema (sobretudo na revista Vértice e no blogue Enfermaria 6). Sobre as relações entre Fernando Pessoa, o grupo de “Orpheu” e o cinema publicou o texto “O Cinema de «Orpheu»” e o “Posfácio” aos “Argumentos cinematográficos” de Fernando Pessoa. Último volume de ensaios (misturados) publicado, “Italian Shoes”.

A "figuração" do(s) sujeito(s) não é feita de forma directa, mas passa por processos de reflexão, divisão e difracção que se "realizam" pelo desdobramento, seja na alteridade de "personae", seja como "sombra". Veículo dessa divisão: encarnação, "diabolia", o cinema, assim, completa e acaba o projecto (livro) de Pessoa.

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2. Um dos textos do Livro do Desassossego utilizados no filme, numa sequência ela própria auto-reflexiva e que expõe por processos e imagens a “teoria” do seu objecto, é “Educação Sentimental” 1. Como defendemos na alínea do texto “O cinema de Orpheu” mais especificamente sobre o Livro do Desassossego (2.2. “a prosa-cinema como revelação e dignificação (problemática) do real”)2, a estratégia de “figuração”, melhor, de visão, do texto de Pessoa, corresponde, do ponto de vista dos seus processos e meios – o seu efeito de zoom visual-sensacionista –, à do cinema. 3 Texto e cinema, simplificando, operam pelo grande-plano (a “alma” do cinema, nesses anos, para autores como Béla Balázs ou Jean Epstein), o qual é encarado como um dispositivo de ampliação do real pela sensibilidade (trata-se de “sentir as cousas minimas extraordinaria – e desmedidamente”, escreve Pessoa [39(40)]) e de assim o revelar, manifestar (presentificar= mostrar mais do que representar ou figurar) o seu ser lá mas oculto4. Encontramo-nos no âmbito do que Pessoa designa por sensacionismo, uma modalidade de “reverberação” (física e simbólica: aurática) das formas e das coisas – ou seja, como Pessoa refere também nesse fragmento, “saber pôr no saborear duma chávena de chá a volupia extrema que o homem normal só pode encontrar nas grandes alegrias” tanto individuais como colectivas [39]. O real, as coisas, significariam deste modo não só numa 3D, ainda perspectiva e óptica, mas numa 4D já fusional e sintética, que tem a ver com o uso pleno do verbo sentir: “não analysar mas sentir apenas”, adverte ainda Pessoa [41]5. A “percepção”, ou a “criação” – melhor, esse acto (único, sintético) de percepção= criação também equacionado pelos “expressionistas” nos anos 20 (é bem conhecida a fórmula de Edschmid que Lotte Eisner cita em O Ecrã demoníaco: “O Expressionismo já não vê, tem visões”) -, consiste, assim, em “visibilizar o invisível”, “exteriorizar o interior”/ o “sonho” [43], ou seja, carnalizar os

1. Se do Livro do Desassossego se pode dizer, como o faz João Botelho numa entrevista ao Suplemento Ípsilon do Público (24/ 9/ 2010), que ele constitui um “livro aberto”, “puzzle sem fim nem solução”, sempre o resultado de uma combinatória mais ou menos arbitrária ou inventiva de editores, leitores ou adaptadores (ao teatro ou ao cinema) – o que faria de cada uma das suas re/leituras e re/escritas antes de mais uma “hipótese” construída sobre ele -, convém de qualquer modo ter em conta que a sua fragmentação/ atomização não é meramente “lúdica” ou “aleatória” mas constitui também uma forma de glosar/ comentar o estado do real (“É a fragmentação de um mundo sem centro, tal como o mundo de hoje”, observa Botelho), isto é, de se tornar “pregnante” a ele e de nele tentar “entrar”, lubrificá-lo mesmo. Deste ponto de vista, o filme de João Botelho (“o filme são fragmentos em série”, diz) é como que “congénito” ao seu objecto já que participa orgânica e elementarmente do seu modo de “fazer” e “criar”, do seu poïen.

1 Citamos da edição do Livro do Desassossego organizada por Jacinto do Prado Coelho, com Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha, Ática, 1982, 2.º vol., pp. 39-43. 2 In Patrícia Soares Martins/ Golgona Anghel/ Fernando Guerreiro (ed.), Central de Poesia – A recepção de Fernando Pessoa nos anos ’40, CLEPUL, Lisboa, 2011 [202-206]. 3  Se, como afirma João Botelho, nessa obra Pessoa “criou um mundo de escrita, uma nova maneira de ligar as palavras portuguesas”, também o cinema, pelo encadeamento dos planos, produz efeitos semelhantes aos da associação mais ou menos livre do pensamento e do discurso (excepto quando houver indicação em contrário, as citações de João Botelho são extraídas de entrevista da entrevista ao Público e os sublinhados são os dos textos). 4 Como escreve Balázs nos anos 20 do século passado, o cinema , pelo “grande-plano”, ”has not only widened our vision oflife, it has also deepened it” (Theory of the Film – Character and Growth of a New Art, Dover Publications, 1970 [55]. 5  É em termos semelhantes que Eisenstein, em 1929, considera a 4D do cinema: “Para o harmónico musical (uma pulsação) não é exactamente adequado dizer: <Ouço>./ Nem para o harmónico visual dizer: <Vejo>./ Para ambos uma nova fórmula uniforme deve entrar no nosso vocabulário: <Sinto>” (“ A Quarta Dimensão do Cinema”, in Da Revolução à Arte/ Da Arte à Revolução, Presença, s/d [79-80].

O real, as coisas, significariam deste modo não só numa 3D, ainda perspectiva e óptica, mas numa 4D já fusional e sintética, que tem a ver com o uso pleno do verbo “sentir”. 11


“simulacros”, criar híbridos de ideias-sensações (“essa proximidade do objecto da sensação que só as sensações carnaes” comunicam [39]) que passam a constituir a “Realidade Absoluta” (com maiúscula) [43]. A “percepção” (=cinema) não só cria (revela) o real (Kracauer) como esculpe, sobre a matéria desses estímulos/ sensações [39], a consciência alterada, alucinada, de uma “visão interior” e do “ouvido do sonho” [ibid.]. Processa-se deste modo, na experiência desse estado convulso e embrionário, a “ascensão” (do sujeito) “para si próprio” [40] que constitui, ao mesmo tempo, um processo de imiscuição na densidade (re/criada) do real/ mundo. Nos termos de Pessoa, “educar-se”, enquanto “requintador (…) de requintes falsos” (“architecto […] de sensações subtilizadas atravez da intelligencia” [42]), por meio da viabilização experimental das “mentiras interiores” [41] que o fazer poético acrescenta ao mundo.

Assim como o cinema pode (deve) procurar dissolver o hiato: o intervalo entre a “arte” e a “vida”, também para o sujeito se trata de “dissolver” o “vidro” (espelho) que o separa de si e do mundo, e que a escrita (a arte) momentaneamente, de uma forma frágil e provisória, fixa.

3. Na entrevista a O Público, João Botelho, a propósito do filme, refere-se ao carácter primordial do tempo e, com efeito, o filme abre com um longo plano-sequência numa taberna (-bar) em que, ao mesmo tempo que é lido um texto do Livro sobre essa mate-ria, o olhar, passando pela figura de Pessoa, vai dar, sem corte, à do seu duplo, Bernardo Soares. O “plano-sequência” – forme-sens cuja matéria, di-lo Deleuze, é não só a profundidade do campo e da imagem mas o próprio “tempo” (“le temps comme matière première immense et terrifiante, comme universel devenir”)6 – constitui, de facto, tanto a expansão (para diante e para os lados mas também para dentro do próprio espaço:tempo do plano) como a densificação que define a “textura” (opacidade, volume) desse tempo em que se dá a substância do livro e das imagens (ou do próprio cinema)7. O travelling (geralmente lateral), no filme, para lá de ser o elemento dinâmico que “anima” (faz vibrar, pulsar) a unidade material (de tempo-espaço) do plano-sequência, constitui também a forma receptáculo= instalação que recolhe (aceita) ou onde caem/ se depõem os átomos de heterogeneidade do real (Lucrécio). “Travelling” da imagem sobre o qual vem, de novo tensional/ dramaticamente, o travelling do texto, das palavras (ditas ou cantadas), que constitui como que a sua “teoria” (ao mesmo tempo desligada e incorporada, paralela e/ou tangente às coisas).

O “tempo” do filme, di-lo Botelho, é contudo um “tempo diistorcido”, não só “anacrónico” e “baralhado” – dado na imagem por justaposição/ colagem de elementos distintos que, pela sua discordância interna e relacional, produzem um efeito cubista-simultaneista de sugestão de uma 3D, sem quebrar com a característica de unidade (bidimensional= de superfície) da imagem (vd. planos de ruas, na Baixa, em que se dá esse efeito de análise e recomposição do espaço no plano à maneira de Piero della Francesca [La Flagellazione di Cristo]) –, mas também um espaço-tempo em que se procede a uma interpenetração reconfiguradora dos planos, conduzindo-os agora ao efeito caleidoscópico de uma 4D (já que é essa sobreposição/ intersecção dos tempos – uma espécie de efeito de “relevo” do tempo, enquanto tal, na imagem – que suporta a dos espaços) – ao fim e ao cabo, uma meta-dimensão a que também corresponde um outro tipo de imagem: já não a imagem-puzzle (de “marcheterie”) de Conversa Acabada (1980) mas uma imagem-massa= volume= fluxo (ou, nos termos de João Botelho, “abstracta”)8. Daí que, do ponto de vista da “figuração”do(s) sujeito(s) (Pessoa e seus heterónimos), esta não se faça de forma directa – desde o início do filme (sequência na taberna) somos confrontados com o desdobramento (em campo) do personagem (Fernando Pessoa/ Bernardo Soares) – mas passe (constitutivamente) por processos de reflexão, divisão (schize) e difracção/ distorção que se “realizam” pelo desdobramento, seja na alteridade (heteronímica ou ficcional) de personae – um desdobramento não só como objectivação da “matéria interior” [40], experiência de hipóteses/ possibilidades de si, mas como sua “encarnação” que se acrescenta ao mundo –, sejacomo “sombra” (aqui, ela tanto se exterioriza projectando-se por paredes e ruas, como se introjecta no sujeito – vd.

6  Gilles Deleuze, Cinéma 2 – L’Image-temps, Éditions de Minuit, 1985 [150]. 7  André Bazin, a propósito de Orson Welles – e de Citizen Kaneem particular – refere a capacidade do plano-sequência para dar “l’impression d’une réalité continue et homogène” [86], colando, por assim dizer, ou implantado actores e acção no “décor”/ fundo, de modo a comunicar às unidades do filme a compacidade de “blocos de realidade” [89]. “Blocos”, contudo, que, por “concentração” (“la scène dans sa durée se charge comme un condensateur” [80]), mantêm o carácter tensional e dramático das imagens: “une impression de tension et de conflit comme si l’image risquait de se déchirer”, de “explodir” (vd. plano-sequência do banquete) ou “implodir” (cenas de Bernardo Soares no quarto) (Orson Welles, Cahiers du Cinéma / Éditions de l’Étoile, Petite Bibliothèque, 2006 [83]).

8  João Botelho: “Por outro lado, queria tornar o filme o mais abstracto possível, com índices de realidade e de inverosimilhança e uma geografia de Lisboa fora do tempo, que tanto pode ser de há 30 anos como de daqui a 50”. 12


4. Que, no filme, não se procure criar nódulos/ efeitos de “romanesco”/ “intriga” – explorando-se antes, como no livro, “a possibilidade de uma ficção quase sem ficção” (Botelho) (a “abstracção” das “micro-tragédias” das coisas, rostos e corpos, a que também se refere Balàzs) –, faz com que o próprio texto exista enquanto “indiferenciação” = “massa”, como a sua dicção em voz alta (“o Livro do Desassossego só existe em voz alta”, observa Botelho), ou seja, como literatura alterada, transportada por essa dicção, passagem dos átomos sólidos (discriminados, escritos) das letras ao seu som/ música (de canções ou árias operáticas) circulando e ecoando (disseminados) pelo ar e redefinindo a matéria das imagens. Não há um desdobramento exterior, exteriorização permitida pelo argumento da “ficção”, mas um inervamento para dentro (como na “profundidade de campo” o espaço:tempo “se creuse intérieurement” [Deleuze: 140]) que faz com que a paisagem interiror se decalque para dentro, as circunvolações da frase repercutam nas do cérebro, dando forma e matéria (fluxional, energética) às imagens de cinema. A essa presença do texto – aqui dito e proferido menos para ser compreendido, de forma discriminada, do que para, imiscuindo-se, fazendo corpo= amálgama com as texturas da imagem (como em Lautrémont) funcionar como volume= massa, mais “emoção”= “afecto” do que “inteligência” (“a ideia é sufocar”, “ser digno do texto”, reforça na entrevista Botelho) –, corresponde a “arte dos fundos” do claro-escuro caravagesco próprio do “maneirismo negro” ou do “barroco encarnado” (Bonnefoy)13 – “deve-se iluminar as caras dos santos e as polainas das pessoas normais da mesma maneira”,

imagem de Bernardo Soares perdendo-se no fundo escuro do espelho, tornando-se ele próprio sombra)9. Veículo dessa divisão: encarnação, diabolia, o cinema, assim, completa e acaba o projecto (livro) de Pessoa. Se esta concepção do sujeito – na continuidade, aliás, das ideias sobre a espectralidade do cinema nos seus primeiros 20/ 25 anos – pode servir de suporte à ficção arqueológica do cinema (ou do real) como “caverna de sombras” (em que se tem não os “originais” mas as suas “cópias”, simulacros)10 – seja esta “caverna” o tecto da casa onde se projectam imagens,a caixa (hitchcockiana) de pássaros ou a noite do mundo, polvilhada de pontos luminosos, que se prolonga no espelho –, no entanto aqui, ao contrário do texto de Platão (República, VII), temos menos uma “fantasmagoria” (Gorki, Pirandello) do que a encarnação (mesmo que instável, sempre indecidida e dada no “intervalo entre nada e nada”) desses simulacros que funda a materialidade (realidade) negro-colorido-luminosa, na opacidade, das imagens11. Assim, não temos aqui a lógica estética (modernista) da “transparência” (do transflex ou “projecção frontal”) de Conversa Acabada (essa hipertextualidade da imagem [vd. cenas com Jorge da Silva Melo como narrador: cronista do filme] que a aproximava do modelo do Grand Verre de Marcel Duchamp) mas sim uma concepção de “forma” (=texto/ imagem) barroca e como massa (densa, volumétrica, texturada)12. 9  Balázs dizia que o cinema tinha não só revelado o “rosto”, como tornado presente a nossa “sombra”: “the close-up shows your shadow on the wall with wich you have lived all your life and wich you scarcely knew” [55]. 10  “Nem sequer admiramos a beleza: apenas admiramos a sua tradução”, lê-se num dos fragmentos do Heróstrato e a busca da Imortalidade, Assírio&Alvim, 2000 [82]. 11  As “imagens” são um pouco como as “nuvens”, “desmembramentos do alto”, “uma paisagem desfeita entre céu e terra, ao sabor de um sopro invisível”, ouve-se no filme. 12  Bazin chama a atenção para o carácter “barroco” de Kane (“Welles avait donné son film <baroque> avant son oeuvre classique”, escreve [73])-, tal como Deleuze que se refere ao “barroco” (ou “neo-expressionismo”) de Welles como “un art de masses” (L’Image-temps [141]).

13  “La<dépense> baroque, c’est un profond enracinement” [37]/ “le baroque n’est pas un trompe l’oeil, mais une expérience de l’être par l’illusion et son ‘éloquence’ désigne cette illusion au moment meme où elle la crée – réjoignant ainsi l’invisble. Une rhétorique mais <négative>” , escreve Yves Bonnefoy em Rome 1630 – L’horizon du premier baroque, Flammarion, 1970 [39]. 13


observa ainda Botelho – que constitui a substância “negativa” mas “dramática” (dinâmica), no latejar dos seus contrastes, do plano(=imagem). Esse fundo, se por um lado detém um poder (centrifugador) de “sucção” para o seu interior: abismo – acentuando, paradoxalmente, as cores nuas (da carne) ou as rutilantes (vermelhos, amarelos, azuis) das últimas coisas (do que lhes resta de ser/ espessura antes de por esse fundo serem engolidas) –, por outro lado constitui também o espelho negro: opaco ante ou contra o qual (é essa a sua rebeldia: selvajaria ontológica, metafísica)14 se levantam momentos de fulguração e beleza (únicos e intransitivos) banhados pela luz (dourada) ou o canto (vd. o coro das crianças na nave da igreja)15. Do modo como vimos, talvez seja esta a fórmula po(i) ética do filme: Lautréamont (dicção do texto como massa que define a substância do real/ imagem) + Welles (carácter dramático da “profundidade de campo” cuja matéria= massa é o próprio “tempo” amalgamado com a imagem: “le temps comme matière première, immense et terrifiante, comme universel devenir”, como observa Deleuze a respeito de Welles [150])16. Compreende-se, deste modo, a centralidade da grande sequência (quase uma “estação” no sentido que o termo tem no drama da “paixão” medieval) com a leitura por Catarina Wallenstein, do texto “Educação Sentimental” do Livro do Desassossego. Sequência em que o texto “cola” às imagens – estas dão-lhe “espessura” enquanto ele, um pouco como no cinema de Manoel de Oliveira (pense-se em Francisca), as faz “cantar” e “cintilar” –, criando-se assim um

movimento de vai-vém, eco= ressonância reversível, entre palavras e imagens, que acaba por constituir um novo termo, única realidade. Segundo o próprio texto de Pessoa, trata-se de “sentir extraordinariamente” as coisas (é o “sensacionismo”) e, por outro, de dar, nessa “proximidade do objecto”, as “sensações carnaes” que “esculpem” o real em nós “de encontro à consciência” [39]. Que assim o é, que assistimos à realização prática, perante os nossos olhos (sentidos), deste programa “estético” (no sentido original, em grego, de que tem a ver com as “sensações”), de-monstram-no (mostram-no desmedidamente, rompendo com as noções/ figurações do belo clássico, e, logo, de forma “monstruosa”) tanto as imagens da “stripper” no varão que acompanham a “dicção” do texto, como, noutro ponto do filme, a cena de “sexo” em que, como é então dito, não se trata de “beleza” (de a “tocar”), ou da “ideia” dela, mas de “sebosa carne”, ali mesmo, exposta e em acção17. O que o filme dá é essa “encarnação” das formas, a “precipitação” da sua “queda”, a sedimentação do seu “peso”= “inércia” (gozo/ prazer) para daí erguer o canto (operático, lírico e épico) da sua plena finitude18 . Dito de outro modo, o cinema faz: mostra o que diz a poesia no acto: gesto de um poïen (fazer) único19. Assim como o cinema pode (deve) procurar dissolver o hiato: intervalo entre a “arte” e a “vida”20 – caso, aqui, do segmento operático da “Marchafúnebre para Luiz da Baviera” (música de Eurico Carrapatoso), momento de ópera wagneriana nafloresta em que se processa essa 17  Botelho, para a figuração do corpo, refere-se a Lucien Freud e Gerhard Richter, aos quais, pelo nosso lado, acrescentaríamos Caravaggio e Helmut Newton (a mulher nua sob o casaco de peles parece-nos vir daí). 18  “This is not a language of signs as a substitute for words, like the sign-language of the deaf-and-dumb – it is the visual means of communication, without intermediary of souls clothed in flesh. Man has again become visible”, escreve Balázs [41]. 19  Na conversa com Fernando Cabral Martins e André Gomes, incluída como extra no Dvd de Conversa Acabada, João Botelho afirma que, no filme – algo que, pensamos, se aplica ainda com mais razão ao Filme do Desassossego -, se tem “não ficcionalização de vidas mas de textos, que cria a sua verdade própria”; por isso considera Conversa Acabada um filme “realista” “sobre o texto, não a imagem” – e, glosando Godard, conclui: “o som está mais perto da verdade do que as imagens” (da ordem do “falso”), “as imagens estão ali para serem solidárias com os textos”, conclui. No Filme do Desassossego, contudo, temos já um complexo imagem-texto que supera essa divisão, mais presente no filme anterior. 20  É o lado de “cerimónia” (mistério) do acto de rodagem a que foram sensíveis autores como Dreyer, Bresson, Oliveira ou Léos Carax (entre outros).

14  O cinema, assim, como defende Florence Bernard de Courville (Nietzsche et l’expérience cinématographique – Le savoir désavoué), teria como objecto o “baixo” (no sentido de Bataille), a matéria (coisas) antes da “nomeação” [40-41]. Porque toma as coisas antes da sua categorização, o cinema (é o que também dizem, à sua maneira, Epstein, Kracauer ou Deleuze [para este, a imagem “c’est une masse plasti-que, une matière a-signifiante et a-syntaxique, une matière non linguistiquemente formée” (L’Image-temps: 44)]) possui a capacidade (dionisíaca) de nos “restituir” o mundo na sua forma primeira (L’Harma-ttan, 2005 [41-46]). 15  É esse o lado “profano” mas “religioso” da imagem: “le baroque est le stade réligieux de la conscience artistique”, escreve Bonnefoy , para precisar: “[la <dépense> baroque] s’attache à son objet de si près qu’elle n’en voit plus l’apparence, le relatif – elle est avec lui dans l’éternel” [37]. 16  Escreve Deleuze: “Dans cette libératiion de la profondeur qui se subordonne maintenant toutes les autres dimensions il faut voir non seulement la conquête d’un continuum, mais le caractère temporel de ce continuuum: c’est une continuité de durée qui fait que la profondeur déchaînée est du temps, non plus de l’espace” (L’Imagetemps [141-142]. 14


Se a palavra é anónima, circula por entre todos, o “travelling” une o espaço, densificando-o como corpo: volume orgânico, monstruoso (in/humano) e vivo, para vir desembocar no grande-plano do rosto (branco) com a boca (rouge) que diz (produz) com o texto o cinema.

“dissolução”/ “resolução” da Arte (artifício) numa natureza superada –, também para o sujeito se trata de “dissolver” o “vidro” (espelho) que o separa de si e do mundo, e que a escrita (a arte) momentaneamente, de uma forma frágil e provisória, fixa (“entre mim e a vida há um vidro ténue”, “por mais nitidamente que eu veja e compreenda a vida, eu não posso lhe tocar”, ouve-se no filme). No plano-sequência da “Educação Sentimental” (não só a do leitor, também a do espectador de cinema), o longo “travellling” funciona triplamente como (1) instalação (do carácter heteróclito como as coisas, os átomos, caem no mundo [Lucrécio]) (“uma lata que caiu, como o destino de toda a gente”, ouve-se a certa altura), (2) como tableau vivant (quadro vivo e quadro ao vivo [Caravaggio, Derek Jarman]) e, por fim, tendendo talvez para isso – de acordo com uma concepção não só “cantada” (coral) mas “coreográfica” de cinema21 –, (3) também como performance= dança. Se a palavra (o texto) é anónima, circula por entre todos (de acordo com o lema de Isidore Ducasse de que “La Poésie doit être faite par tous. Non par un” [Poésies, II]), o “travelling” (não só a deslocação da câmera no espaço mas também deste, da microfísica revolta do ar: atmosfera, na imagem) une o espaço (Bazin), densificando-o como corpo: volume orgânico, monstruoso (in/humano) e vivo, para vir desembocar no grande-plano do rosto (branco) com a boca (rouge) que diz (produz) com o texto o cinema (“Queria chegar à origem, fazer o grande-plano da matéria do texto na sua boca”, diz Botelho, em termos que lembram Herberto Helder22, na sua entrevista ao Público). No “intervalo entre o nada e nada” (Pessoa), a obra reveste-se do estatuto de uma jóia talhada no vazio (Lacan), de que a figura, o “cinematographic symbol”23,

talvez seja a imagem do “candelabro” a boiar na água do charco, num plano que se segue ao momento operático de Eurico Carrapatoso.“Imagem-cristal” (Deleuze), sim, mas aqui “impura”, (semi)afundada e suja, que arrasta consigo o peso mas também a hipótese (mutante, híbrida, viva) da sua materialidade (feliz)24. Se, porque extremada no duplo sentido das “sensações” e do “artifício” – como com a figuração do sujeito (os seus jogos de espelhos, ainda que partidos ou baços) –, a divisão das “formas”, do “signo cinematográfico”, não é resolvida, dela resta/ brota contudo, como “arrasto”, o seu 3.º termo, sombra= corpo= imagem (Lukacs)25, que, no pró-cesso, se autonomiza e projecta, diabolicamente, como cinema. Ao fim e ao cabo, um “nada” (feito de “presença” e “ausência”) que é como o rasto/ traçado da sua passagem (“In so far as things are they cannot cease to be: things pass in so far as they are not”, escreve ainda Pessoa [AG: 81]) e que, enquanto tal, pela “forma”, em toda a sua paradoxalidade (enquanto 3.º ontologicamente incerto) e estranheza (leia-se também “desassossego”), se encarna e apresenta (jogando com as preposições, não como re, repetição, mas a, antepondo-se, pela primeira vez, à nossa frente). Daí, pensamos, uma ideia de cinema como “vaga de sonhos” (o “dormir” dito pelo “quasi-Pessoa” no final do filme que evoca o “to die, to sleep (…) perchance to dream” do Hamlet de Shakespeare), “alucinação consciente” (“acordada” [Jean Goudal]) ou “corrente de pensamento” (melhor, de imagens sensação-pensamento), que, prolongan-do Eisenstein e Deleuze, parece também defender João Botelho: “ O cinema é uma associação de ideias, gosto que o cérebro circule, que não existam soluções mas inquietações”. Numa palavra, desassossego.

21  Cf., por exemplo, de Élie Faure, “A Dança e o Cinema” (1922) (em Função do Cinema e das outras artes, Edições Texto&grafia, 2010), de Suzanne Liandrat-Guigues, Esthétique du mouvement cinématographique (Klincksieck, 2009) e de Dick Tomasovic, KinoTanz- L’art choréographique du cinéma (PUF, 2009). 22  No texto “Cinemas”, publicado em Outubro de 1998, no n.º 3 da revista Relâmpago, Herberto Helder escreve: “Alimentamo-nos de imagens emendadas, de representações conjugadas simbolicamente, pontos fortes, punti luminosi, pensamentos bucais,<o pensamento forma-se na boca>, Tzara, nos olhos, irrompe ali todo este fluxo” [8]. Antes, num dos textos de Photomaton & Vox (“(memória, montagem)”), Helder já se referia a Orson Welles: “A inteligência de Welles, por exemplo, está em desembaraçar os fulcros de energia da inerte matéria que os estrangula, e seguir a sua irradiação. Essa irradiação cria a montagem, a história, a vitalidade do imaginário” (Assírio & Alvim, 1979 [154]). 23  Expressão utilizada num fragmento recuperado por Patrício Ferrari e Cláudia Fischer na sua edição de Argumentos Cinematográficos de Fernando Pessoa (Ática/ Babel, 2011)[c/o AG].

24  Língua escrita da realidade (Pasolini), o cinema, di-lo muito bem Florence de Courville, samplando Nietzsche e Deleuze, “est le don que la nature fait d’elle-même (…) en tant qu’elle est plus essentiellement pure et insaisissable poïesis: énergie au sens strict, perpétuel mouvement de la présentation” (“aptitude à [se] présenter, à se faire la nature même” [ie. a “acabá-la”]) [49]. 25  Como escrevia o jovem Lukacs em 1913 (“Pensées sur une esthétique du cinéma”), com o cinema, “l’homme a perdu son âme [< a tão famosa “aura”] mais il a gagné un corps” (in Daniel Banda/ José Moure (ed), Le Cinéma: naissance d’un art, 1895-1920, Flammarion, Champs-art n.º 798, 2008 [219]). 15


SUBSOLO

© MANUEL PEREIRA

Notas sobre a descolonização da imagem em Craig Baldwin e Arthur Lipsett Contrariar o modo como, em particular no cinema documental, a imagem tende a impor-se autoritariamente, enquanto captação neutral de uma qualquer realidade externa que não o fruto de uma construção técnica, de posicionamento físico da câmara e moral do sujeito, é um primeiro passo decisivo para delimitarmos claramente pontos de partida para a reflexão em torno de imposturas eternamente replicadas. A imagem fotográfica carrega em si “a promessa de uma verdadeira e precisa representação da História”, e a não-ficção alimenta-se desse automatismo; promete a “evidência histórica não só a um nível imediato (o poder icónico da semelhança com a realidade) como enquanto garantia de veracidade (o poder de indexar à imagem fotográfica uma impressão do tempo).” 1 Segundo Debord, a “(…) função do cinema (…) é apresentar uma falsa e isolada coerência como substituto para uma comunicação e actividade ausentes. Desmistificar o cinema documental é necessário para dissolver o seu tema.”2 A actuação dos Situacionistas, e dos artistas que reclamam a sua herança, pauta-se pelo contaminar dos meios de comunicação ao serviço do poder, expondo as suas condições de produção, e permitindo que o objecto que se pretende criticar contenha em si mesmo a génese da crítica, tornada visível através de cortes, desníveis, e sobreimposições. No seguimento deste raciocínio, o cinema de Craig Baldwin apresenta, não apenas preocupações do domínio da experimentação formal, e das capacidades de desregulação que advêm do conhecimento detalhado da sua morfologia e dinâmicas internas, como de um posicionamento adverso a leituras impositivas, sejam traduzidas por fórmulas fílmicas decalcadas e replicadas por mero mimetismo, ou de missões sacralizadas e inimigos necessários à formatação das causas. Quando dilacerado na sua pressuposta integridade histórica, o found footage emana não tanto a sua dimensão factual, mas antes memória e emoção, contexto e contaminação. Mesmo quando Baldwin “inventa a opressão”, esta traduz um ponto híbrido que funciona como simultânea “metáfora para uma situação real, ou é combinada com História verificável (…)”, entendendo-se esta como uma sucessão de eventos, e discursos, “altamente maleáveis, em que as interpretações de cada evento continuam por décadas.”3

A crítica do imperialismo, ou do colonialismo, mais que superficialmente plasmada nos temas de que trata a obra aqui em análise (mesmo que numa visão retorcida em que o facto e a ficção estão claramente entrelaçados), aponta para uma desconstrução mais profunda, de actuação mais transversal e de alcance mais vasto, que incide sobre a colonização da linguagem, através do permanente expor das suas estratégias e das intenções que serve. Os seus filmes pretendem reflectir sobre a forma como “processamos informação e sobre a autoridade das representações.” A sabotagem aponta à “liquidação das distinções entre História oficial, e não oficial”, o que inclui “História popular, História pessoal e a versão extrapolada da História retirada de objectos cinematográficos recuperados dos arquivos.”4 Como vimos antes, a ideia é questionar os mecanismos que permitem que determinadas imagens se confundam mais facilmente que outras com a realidade, e assim, negar a ideia de uma “verosimilhança autoritária” 5, aplicada aqui ao cinema documental mas facilmente transposta para o recorrente ruminar das imagens televisivas, publicitárias ou narcisistas, elementos constitutivos de uma muito actual e sinistra omnipresença. 4  McDONALD, Scott - Craig Baldwin: Sonic Outlaws. A Critical Cinema Issue 3. August 1995. Citado por MALONEY, Tim – Great Directors: Craig Baldwin. Senses of Cinema Issue 40. July 2006. [em linha] http://sensesofcinema.com/2006/great-directors/baldwin/ 5  MALONEY, Tim – Great Directors: Craig Baldwin. Senses of Cinema Issue 40. July 2006. [em linha] http://sensesofcinema.com/2006/ great-directors/baldwin/

1  MALONEY, Tim – Great Directors: Craig Baldwin. Senses of Cinema Issue 40. July 2006. [em linha] http://sensesofcinema.com/2006/ great-directors/baldwin/ 2  DEBORD, Guy. (2003. Complete Cinematic Works: AK Press; 30 p. 3  MALONEY, Tim – Great Directors: Craig Baldwin. Senses of Cinema Issue 40. July 2006. [em linha] http://sensesofcinema.com/2006/ great-directors/baldwin/ 16


O espaço que estas estratégias abrem a nível comunicativo potencia as condições para que o público tome em consideração os mecanismos na génese das ideias, e que participe de forma mais activa na produção de novos encadeamentos e possibilidades na escrita e na leitura. A experiência fílmica em Baldwin deverá ser norteada pelo cepticismo, sendo que os seus filmes são concebidos de forma a questionar a verdade dos factos, isto é, a verdade da documentação dos factos. Num primeiro impacto, o real surge como inacessível, uma impossibilidade que plasma a saturação de estímulos de que se compõe a contemporaneidade à deriva, e consequentemente, a replicação dessa desordem pelas estruturas e pelas texturas do filme. Nesse contexto, talvez o real exista, numa lógica de “extrema ambivalência”, “sintomática das suas próprias estratégias paranóicas”6, apenas no domínio dessa radical desordem da imagem. Mas mais do que o mero adensar de cruzamentos e leituras impossíveis, a estratégia do filme é uma de “condensação, densa mas não ilegível”, dos “discursos históricos que permitem os eventos históricos” 7, e assim, mais uma vez, o foco de Baldwin é no radicalismo da linguagem, na articulação indissociável de motivação e confusão, de caos e consequência. Também a obra do canadiano Arthur Lipsett foi pioneira neste questionamento, “ao destruir o valor representacional da imagem e do som documentais, apontando para lá dos códigos estéticos do género.”8 Muito antes do cinismo pós-moderno, da incessante reciclagem de imagens e ecos que sentencia o seu esvaziamento, Lipsett evocava um universo muito pessoal em que se conjugavam a psicose do pós-guerra e a convocação das multidões para a nova religião do consumo universal. Através das incongruências do discurso, tornadas evidentes pelas ferramentas de montagem disponíveis desde os tempos mais remotos do cinema, pretendia-se expôr “as banalidades, clichés e convenções (…) endémicos aos mass media.”9 Assim, procurar entender o filme-colagem pela observação dos seus detalhes é um exercício infrutífero. Para verdadeiramente “compreender a ordem delicada e a lógica momentânea da colagem é necessário que o espectador se distancie até ao ponto em que as arestas se fundam e as texturas se amaciem.” O foco deverá ser não “as formas individuais, mas como essas formas se movem em conjunto.”10 Lipsett, como Baldwin mais tarde, conseguiria com os seus filmes a substanciação desse esforço comum; “descobrir a beleza no absurdo e no básico”, transformar “o valor fragmentário da recusa” numa “síntese autêntica.”11 6  ZRYD, Michael. (1999). Experimental Ethnograpyhy: The Work of Film in the Age of Video: Duke University Press Citado por Found Footage Film as Discursive Metahistory: Craig Baldwin's Tribulation 99 The Moving Image. Volume 3. Issue 2, Fall 2003, 40-61 pp. 7  ZRYD, Michael. (1999). Experimental Ethnograpyhy: The Work of Film in the Age of Video: Duke University Press Citado por Found Footage Film as Discursive Metahistory: Craig Baldwin's Tribulation 99 The Moving Image. Volume 3. Issue 2, Fall 2003, 40-61 pp. 8  KASHMERE, Brett – Great Directors: Arthur Lipsett. Senses of Cinema Issue 32. July 2004. [em linha] http://sensesofcinema. com/2004/great-directors/lipsett/ 9  WEES, William. (1993). Recycled Cinema: The Art and Politics of Found Footage: Anthology Film Archives, 21 p. Citado por KASHMERE, Brett – Great Directors: Arthur Lipsett. Senses of Cinema Issue 32. July 2004. [em linha] http://sensesofcinema.com/2004/great-directors/lipsett/ 10  KASHMERE, Brett – Great Directors: Arthur Lipsett. Senses of Cinema Issue 32. July 2004. [em linha] http://sensesofcinema. com/2004/great-directors/lipsett/ 11  KASHMERE, Brett – Great Directors: Arthur Lipsett. Senses of Cinema Issue 32. July 2004. [em linha] http://sensesofcinema. com/2004/great-directors/lipsett/

CRAIG BALDWIN Nome maior da contra-cultura cinematográfica contemporânea, encontrou, na herança da Internacional Situacionista e na colagem como estratégia definitiva de sabotagem, o seu foco, interrogando-se permanentemente sobre a abolição de fronteiras entre documentário e ficção, e entre os circuitos da arte e da cultura popular. Tem-se desdobrado num trabalho incansável enquanto realizador, programador (criou e dinamiza a Other Cinema), e activista em questões ligadas à propriedade intelectual. Filmografia seleccionada : “RocketKitKongoKit” (1985) “Tribulation 99: Alien Anomalies Under America” (1991) 17

ARTHUR LIPSETT Cineasta seminal no contexto do cinema experimental canadiano, o seu trabalho desenvolveuse em torno das potencialidades do som, e de uma investigação minuciosa ao nível da montagem e das estratégias disruptivas daí decorrentes. Figura atormentada, cujo declínio psicológico se foi traduzindo em obras cada vez mais bizarras e de difícil interpretação, deixando consigo um curto mas incontornável legado antes de um suicídio precoce. Filmografia seleccionada: “Very Nice, Very Nice” (1961) “21-97” (1964)


WHAT’S UP CCV?

Este é um programa em preparação há vários meses, possível pela colaboração dos nossos associados, instituições parceiras, e um conjunto de criadores e realizadores que contribuem para um momento particularmente feliz na história do Cine Clube de Viseu. É a nossa forma de dar continuidade à programação regular, ao dispôr do público em geral ou em contextos educativos, que é desenvolvida pelo Cine Clube ao longo das últimas décadas.

60 ANOS

Programação Out / Dez 2015 O CINE CLUBE DE VISEU apresenta diversas novidades na sua programação, ao longo de todo o ano, assinalando os seus 60 anos de actividade. Destaques para o último trimestre do ano: espectáculo de lanterna mágica pelo professor Mervyn Heard, exposição de Luís Troufa, desafiada pelo universo pictórico e temático de Andrei Tarkovski, projecto Pequeno Cinema alargado a uma rede de 21 grupos de escolas e jardins de infância. Dezembro, mês do aniversário do Cine Clube de Viseu, tem comemoração marcada para o Teatro Viriato, com a estreia de um filme musicado ao vivo.

Ilustração Rosário Pinheiro [a partir de Pierrot Le Fou, de Jean-Luc Godard] 18


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O fabuloso espectáculo de lanterna mágica do professor Heard SESSÕES acompanhadas ao piano por Filipe Melo e narração em português por Vanessa Sousa Dias > Teatro Viriato

A lanterna mágica é um notável antepassado do cinema que nos conta histórias deslumbrantes e assustadoras, transportando-nos para antigos números de feiras ambulantes e espectáculos de magia. O Cine Clube de Viseu e o Teatro Viriato têm o prazer de proporcionar a todos um espectáculo único, trazido do século XIX para os nossos dias por um dos raros lanternistas da actualidade, vindo especialmente de Londres. Em parceria com a Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema.

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Frame

Madame de...

EXPOSIÇÃO de Luís Troufa > Museu Nacional Grão Vasco

FILME escolhido e apresentado por João Botelho > Teatro Viriato

No último trimestre do ano, outra das novidades para 2015: a exposição individual de Luís Troufa. FRAME deve aos filmes Stalker, O Espelho e Nostalgia de Andrei Tarkovski parte do seu imaginário, servindo como modelo visual na construção das pinturas.

No programa de sessões especiais que o CCV apresenta no âmbito do seu 60º aniversário, João Botelho escolhe e apresenta Madame de... uma obra-prima de Max Ophuls, esboçando uma trilogia com outros dois filmes do realizador sobre amores femininos fracassados, Liebelei e Letter from an unknown woman.

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A PA R T I R D E N OV E M B R O

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Vanguardas e Estéticas no Cinema

Pequeno Cinema

O navegante

CURSO aos sábados, até Março de 2016 > Escola Superior de Educação de Viseu

O Cine Clube e a Escola Superior de Educação de Viseu organizam este programa dedicado à história e estética do cinema a partir de Novembro, integrando sessões temáticas orientadas por vários convidados, e complementadas com o visionamento de excertos de filmes. Curso acreditado pelo CCPFC / 1 crédito.

PROGRAMA de quatro sessões ao longo do ano - as três primeiras na sala de aula, e a quarta, claro, uma ida à sala de cinema > Escolas e salas de cinema da região

Criado em 2010 para alargar o âmbito da intervenção do projecto Cinema para as Escolas ao público do Ensino Pré-escolar e 1º Ciclo do Ensino Básico, o projecto tem, nesta edição 2015/16, 21 grupos participantes, reforçando, de São Pedro do Sul a Penedono, a sua intervenção no terreno.

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BUSTER KEATON E DONALD CRISP FILME CONCERTO comemorativo do 60º aniversário do Cine Clube de Viseu > Teatro Viriato

Filme musicado ao vivo por Filipe Raposo e Bruno Pinto, em estreia, com composição original de Filipe Raposo. O Navegante foi realizado no período em que Buster Keaton fez as suas fabulosas obras-primas e, segundo alguns testemunhos, era o seu filme preferido.


FLASHBACK

DESDE

1955 Nテグ SEREMOS TODOS VOYEURS? A. Hitchcock

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CINE CLUBE DE VISEU 60 ANOS 1955

SESSÃO INAUGURAL: 16 de Dezembro, com a exibição de Passaporte para o Paraíso, de Henry Cornelius (Reino Unido, 1949). Nesta década, sessões no Cine Rossio, Clube de Viseu, Liceu, Orfeão, Escola Industrial e Comercial. A “sede”, na Chapelaria Liz, por isso conhecida como “Cine” Liz, na Rua Formosa, era regularmente vigiada pela PIDE. Em 1955 aderiram desde logo 300 associados; no final da década, o CCV somava 700.

1956

A 20 de Abril, o CCV exibe o primeiro filme português, Douro, Faina Fluvial, de Manoel de Oliveira (Portugal, 1931). O Cine Clube produziu sempre textos de apoio às sessões, submetidos à censura, com a qual era feito um jogo permanente do gato e do rato. A primeira sessão infantil teve lugar a 28 de Abril.

1957

Para a exibição do filme Diário de um Pároco de Aldeia, de Robert Bresson (França, 1951), a 26 de Junho, o pintor António Quadros fez o cartaz da sessão.

1958

O CCV passou a fazer a sua programação em ciclos temáticos. Entre 1955 e 1959 realizou 80 sessões no Cine Rossio (em 35 mm) e 11 sessões infantis no Clube de Viseu (em 16 mm).

1959

SESSÕES NA CASA MUSEU ALMEIDA MOREIRA Nas sessões duplas (sede e Auditório da Casa Museu Almeida Moreira, destaque para o ciclo "3 Mestres / 3 Clássicos", em Dezembro de 1983: Contos da Lua Vaga, de Mizoguchi; Lola Montés, de Max Ophuls e Ivan, o Terrível, de Eisenstein. As sessões duplas mantiveram-se mesmo depois da mudança de sede e já com o equipamento de projecção 35 mm, entretanto oferecido pela Gulbenkian em Agosto de 1985, com sessões nas noites de sexta e tardes (15h) de sábados, agora já sem as limitações dos horários: uma das condições que o protocolo tripartido (Gulbenkian/Cine Clube de Viseu/CM Viseu) de cedência da máquina portátil de 35 mm impunha era a realização de obras de adaptação e autonomização (fecho de portas existentes no palco de acesso directo à Casa Museu e à habitação do funcionário, contígua ao auditório). 30 ANOS DO CINE CLUBE DE VISEU O ano de 1985 foi dos anos mais intensos de actividade: 150 sessões de cinema, 69 filmes, para além de exposições, aquisição e montagem de laboratório de fotografia p/b, cursos e concurso de fotografia, espectáculo de teatro (Companhia Arte Livre do Brasil e Trigo Limpo Teatro ACERT), jantar comemorativo dos 30 anos na Associação de Comerciantes de Viseu, edição do Argumento com depoimentos de antigos directores. Em 1986 realizaram-se colóquios (ciclo de Cinema e Comunicação Social, com a Associação de Jornalistas de Viseu) e "radiografaram-se" filmes (com Ricardo Pais).

A actividade foi interrompida por dificuldades com a distribuição cinematográfica, dona do Cine Rossio, e pela situação política. Durante o interregno (1960/1972), o CCV cumpriu sempre as obrigações estatutárias e teve sempre corpos gerentes.

1972

Recomeço da actividade, com sessões, de novo, no Cine Rossio – As Girls de George Cukor (EUA, 1957), a 3 de Março de 1972. O CCV passa a partilhar a sede, no Adro da Sé, com uma cooperativa livreira; atravessa uma fase de militância sociocultural muito marcada. Faz sessões descentralizadas na região.

1974

Abril: primeiras sessões na Feira de S. Mateus. Na noite de 24 de Abril de 1974, enquanto decorriam as movimentações militares que derrubaram a ditadura, o CCV exibiu Vida em Família, de Ken Loach (Reino Unido, 1971), no Cine Rossio.

1978

Há uma suspensão breve da actividade em 1976, para recomeçar em 1978, sem mais interrupções, até hoje, tendo-se verificado uma estabilização directiva. Espaços de exibição vários: Cine Rossio, Casa Museu de Almeida Moreira, Auditório Mirita Casimiro, Casa da Juventude (IPJ).

1982

Sessões de cinema ao ar livre no Parque Aquilino Ribeiro. Apocalipse Now, de Francis Ford Coppola (EUA, 1979), é exibido em 1983 numa sessão memorável (17 de Junho), que se repetiu no dia seguinte em Abraveses, tal como os restantes filmes desse ano de cinema ao ar livre, tendo alguns sido mostrados também em Vila Chã de Sá e Penedono. Com algumas interrupções, as sessões de cinema ao ar livre mantiveram-se até ao presente, tendo-se realizado no Parque Aquilino Ribeiro até 2001, no Museu Grão Vasco entre 2005 e 2007, e na Praça D. Duarte desde 2009.

1983

Nova sede do CCV, agora na Av. António José de Almeida, em partilha com outras associações: Juventus, CDC (Colectivo de Divulgação Cultural) e Companhia de Teatro de Viseu.

Concerto da Orquestra de Plectros de Viseu, dir. de Santos Nunes, Auditório da Casa Museu Almeida Moreira

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1984

Ano da criação do Argumento, uma das raras publicações nacionais dedicadas ao cinema. Nasce também a secção de fotografia, que organiza, nos anos seguintes, concursos nacionais de fotografia e exposições.

1985

Nova sede, no Largo da Misericórdia, onde o CCV se mantém até 2013, quando é cedida pela autarquia a sede actual, na Rua Escura. A Fundação Calouste Gulbenkian oferece, naquele ano, o projector de 35mm, que o CCV utiliza nas sessões na Casa Museu Almeida Moreira, que já acolhia sessões desde o início da década (ainda em 16mm).

1987

Ante-estreia nacional de As Asas do Desejo, de Wim Wenders (Alemanha, 1987) no Cinema S. Mateus (inaugurado em 1984).

1989

Abre um novo espaço cultural em Viseu, o Auditório Mirita Casimiro. A exibição regular de cinema neste espaço é assegurada pelo CCV, e a programação artística era da responsabilidade de diversas associações, onde o CCV se incluía, sendo emblemático o concerto de Carlos Paredes, em Dezembro de 1989.

1991

É organizado o Colóquio Viseu Cidade Cultural, no Auditório Mirita Casimiro, com vista à discussão de diversos temas de política cultural, tendo contribuído para o desbloquear do impasse na requalificação do Teatro Viriato. A exibição cinematográfica continua a propor ciclos temáticos, divulgando novas cinematografias e autores: Cinema e Comunicação Social (1995), 100 Anos de Cinema Português (1996), As Flores do Mal (1998), Sétima Europa (2000 e 2001).

1996

As sessões passam a realizar-se na Casa da Juventude (IPJ). As comemorações dos 100 anos de cinema português assinalam-se com dezenas de projecções, de Belarmino, de Fernando Lopes (1964), ou À Flor do Mar, de César Monteiro (1986), a Vale Abraão, de Manoel de Oliveira (1993).

1998

Atribuição do estatuto de utilidade pública ao CCV pelo “mérito cultural desenvolvido ao longo da sua história”. Novo equipamento de projecção de cinema em 35 mm, financiado pelo MC e pelo IPJ, instalado no Auditório da Casa da Juventude (IPJ), capaz de receber extensões de ciclos da Cinemateca Portuguesa. Homenagem a Humberto Liz, fundador do CCV e presidente da sua direcção (eleito em 1994), com presença do Ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho.

1999

2004

2010

Performance “O AZUL SANGRENTO DO BOULEVARD”, de e por José Arimateia. Sede do CCV na Avenida António José de Almeida

VISEU, CIDADE CULTURAL Uma iniciativa do CCV com muito impacto, onde se falou da relação da cidade com a cultura, se assumiu o orgulho da cultura urbana e, acima de tudo, se desencalharam as obras do Teatro Viriato que estavam num limbo, nem para a frente nem para trás.

Colóquio Viseu Cidade Cultural, 23 de Fevereiro de 1991

Um teatro representa para qualquer cidade um sinal exterior de riqueza de espírito.

Projecto Cinema para as Escolas: lançamento de um dos projectos pioneiros a nível nacional na sensibilização de novos públicos para o cinema e audiovisual. A actividade conta com a participação média anual de dois mil alunos de todos os níveis de escolaridade.

Ricardo Pais, encenador

Criação da Comum – Rede Cultural, em parceria com a ACERT de Tondela, responsável pela programação artística em 7 municípios (Aguiar da Beira, Mangualde, Oliveira de Frades, Santa Comba Dão, Sever do Vouga, Vouzela, Tondela).

Não queremos cultura para ‘queques’ e ‘betinhos’.

Nasce o Vistacurta – Festival de Curtas de Viseu, criado pelo CCV em parceria com a Emporio – Projecto Património.

O Cine Clube pode reivindicar pelo menos uma viga do Teatro Viriato.

Américo Nunes, Vereador da Cultura da CM Viseu

Mota Faria, responsável do PSD em Viseu

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OBSERVATÓRIO

A R T I S TA C O N V I DA D O

L Filipe dos Santos Quando fez dezasseis anos picou um dedo numa roca de fiar, caindo assim sobre ele a bendição de ter certa facilidade em desenhar. Entregou-se então, de olhos fechados e braços abertos, a esse seu destino. Sonha com o dia em que uma princesa (ou mesmo um cavaleiro andante) lhe assente uma valente bofetada na cara, desfazendo para sempre o feitiço que o traz deslumbrado e feliz pelos caminhos tortuosos da vida. Trabalha sobretudo em ilustração editorial. Na lista de clientes destacam-se as seguintes editoras: Porto Editora, Asa, Grafitexto, Diário de Notícias, Editora Abril (Brasil) e Adweek. Ao contrário do seu trabalho editorial, o seu trabalho pessoal carateriza-se principalmente pela improvisação e pode ser visto em TheSmallestGiantInTheWorld.tumblr.com www.corcoise.net

O ESTADO DA ARTE

SOBRE O CINEMA

O QUE É QUE MARCA A CRIAÇÃO ARTÍSTICA ACTUAL?

O CINEMA É UMA INCONTORNÁVEL MAIS-VALIA NA CONSTRUÇÃO DA VISÃO DO MUNDO, OU NÃO?...

A quantidade e diversidade imensuráveis de criações artísticas, sobretudo. Ao contrário do que acontecia em tempos passados, hoje em dia encontra-se arte para todos os gostos e para todos os desgostos. Atravessamos uma era em que os paradigmas do conceito Arte se encontram sob acesa discussão e em constante mutação, não me cabe a mim julgar se isso trará evolução ou decadência. Como observador, interessa-me mais a arte que cause algum tipo de deslumbre estético, no entanto, não rejeito o valor de criações que se sustentam mais no seu lado conceptual.

Sim, sem dúvida que é. Mas além disso, o cinema possibilita a criação de outros mundos, trazer para o plano da realidade mundos que são fabricados primeiramente no plano imaginação. Mais que na construção da visão do mundo, o cinema é uma mais valia na construção de muitos e diversos mundos, que de outro modo seriam invisíveis. Tanto no cinema de ficção como no documental, a experiência de ver um filme é sempre um convite a entrar durante algum tempo num universo paralelo, numa realidade que só existe dentro do ecrã, mesmo quando essa é um reflexo da realidade per se.

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OBSERVATÓRIO

© L Filipe dos Santos, 2015 Sobre Vacas (1992), de Julio Medem.


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