Cinéfilos - 6ª edição

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6ª edição - Mar/2011 Revista digital de cinema da Jornalismo Júnior

Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo

A ESQUIZOFRENIA no cinema Top 10: personagens ENLOUQUECIDOS

LOUCOS da telona aos palcos


editorial

De cara nova

O

Cinéfilos já existe há mais de um ano. E depois de erros e acertos, avaliamos nosso trabalho e decidimos mudar. Lançamos um desafio a nós mesmos. O de mergulhar mais a fundo no jornalismo cultural, levar a revista a um nível acima. As seções são as mesmas, porém foram atualizadas. Incluímos matérias, conversamos com pessoas de fora sobre produções cinematográficas, exploramos mais as temáticas. Para combinar com tudo isso, a parte gráfica também está diferente. A arte da revista continuará como um elemento diferenciado da publicação, mas, agora, as edições terão mais uniformidade. Mais de um ano de idade. Já estava na hora de uma mudança. No entanto, não vamos parar por aqui. A intenção é sempre ir além, com a criatividade que já é inerente ao projeto Cinéfilos como um todo, e com a vontade de sempre fazer mais que é essencial a uma empresa júnior. Confira ao longo das próximas páginas o novo conteúdo e a nova cara da Cinéfilos. Mas não se preocupe: quem gostava da revista antes, vai gostar ainda mais.

Patrícia Chemin

Cinéfilos Revista Digital 6ª Edição Março/2011 Equipe

Editora: Patrícia Chemin Repórteres: Beatriz Montesanti, Carolina Vellei, Jéssica Stuque, Juliana Santos e Paulo Fávari

Diagramação e edição de arte:

Ana Marques, Anna Carolina Papp, Jéssica Stuque, Lucas Rodrigues, Meire Kusumoto e equipe do Cinéfilos O Cinéfilos é um projeto da Jornalismo Júnior | Empresa Júnior de Jornalismo ECA/USP Presidente: Yasmin Abdalla Vice-presidente: Rafael Ciscati


indice

Atenção: Artigos com essa marca têm spoilers!

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fazendo historia

Em guerra com a propria mente ´

Carolina Vellei

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om um passado e um presente de intervenções militares, os Estados Unidos protagonizaram diversos conflitos mundiais, rendendo muitos temas polêmicos para a sétima arte. A Guerra do Vietnã, uma das mais abordadas, tem no filme “Apocalypse Now” (1979) uma de suas maiores críticas, principalmente por expor a “Síndrome do Vietnã”, mal que abalou a sociedade dos EUA após o retorno dos veteranos. O longa foi rodado no sudeste asiático, e demorou quase dois

anos para ser concluído. O diretor, Francis Ford Coppola, construiu uma história que relata a grande tortura mental que foi a guerra para os soldados norte-americanos. Expostos a uma condição climática extrema, sem nenhum treinamento ou organização, esses jovens passaram a desenvolver o chamado Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). No filme, o capitão Willard (Martin Sheen), do exército americano, é designado por seus chefes para matar um alto comandante (Marlon Brando). Esse oficial aca-


Há o desejo de que a droga possa resolver problemas ou aliviar as dores, as tensões e a solidão” Carine Teixeira Eleutério, psicóloga

Para quem pensa que o TEPT se desenvolve nos veteranos apenas quando eles retornam ao território americano, é preciso lembrar de que o conflito (na fase de intervenção direta dos EUA) durou mais de 10 anos. Esse extenso período de tempo provocou nos soldados problemas psicológicos ainda em território vietnamita. No filme, o capitão Willard demonstra claramente já sofrer desse transtorno. Servindo muitos anos na guerra e morando em Saigon, ele chega a cometer autoflagelação antes de ser convocado novamente. “Essa violência pode estar relacionada a um sentimento de culpa, assim como seu afastamento das pessoas, com a guerra acontecendo onde ele está”, comenta a especialista. c Para saber mais sobre esse e outros tipos de estresse: http://tinyurl.com/4b7y867

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ela, o uso de substâncias químicas também estaria relacionado à sensação imediata de prazer que elas produzem. “Há o desejo de que a droga possa resolver problemas ou aliviar as dores, as tensões e a solidão”, revela. Esse comportamento acompanha os veteranos mesmo após a guerra. A psicóloga ainda enumera outros sintomas da síndrome: “Os soldados americanos que voltaram apresentaram abuso e dependência de álcool, depressão e transtorno da personalidade antissocial”.

fazendo historia

bou trazendo problemas aos EUA depois de adquirir um comportamento extremamente violento e sanguinário. Ao conversar com Willard, seu superior general resume alguns pontos importantes da condição psicológica a que estavam submetidos. “Nesta guerra as coisas se confundem: poder, ideias, a velha moralidade e a necessidade militar prática. Todos os homens têm um ponto fraco. Walt Kurtz alcançou o dele e, obviamente, enlouqueceu”, diz. No meio da viagem, o capitão se depara com os dramas da guerra do Vietnã enquanto segue rumo ao seu objetivo. O TEPT se desenvolve quando uma pessoa é exposta a situações difíceis, fazendo com que ela reviva tais momentos mesmo após terem terminado, levando o organismo a um grande desgaste físico. A psicóloga Carine Teixeira Eleutério, que desenvolve sua pesquisa de mestrado na Unifesp sobre o tema, mostra que esse transtorno pode ter como sintomas suor, taquicardia, irritação e comportamentos típicos de ansiedade. Também cita a possibilidade do surgimento de novas manias, como ela própria reconhece no filme. “Observei nos soldados muitos destes sintomas, como a insistência em cuidar de um filhote de cachorro na guerra, ou brincadeiras impensadas e irracionais, como soltar sinalizador roxo no barco facilitando o ataque do inimigo e propiciando a morte de um soldado”, conta. Coppola mostra ainda em seu filme outro componente típico da “Síndrome do Vietnã”. Em muitas cenas, os soldados fazem uso de drogas alucinógenas, além do constante abuso de álcool. Carine conta que essa é uma tentativa de fuga da realidade da guerra. Para


LETRAS NA TELA

realidade de uma ment

insana

Jéssica Stuque

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omparar um filme a um livro é algo um tanto complicado. No livro há uma riqueza de detalhes relativos aos personagens, suas fisionomias, características e pensamentos. Já o filme não precisa relatar tudo isso, ele simplesmente mostra. O que no livro é “Teddy percebeu que seu parceiro se atrapalhou com a arma” – como se uma pista fosse nos lançada à frente –, no filme é apenas uma expressão no rosto do personagem que dura poucos segundos e é preciso não desgrudar da tela para não perder esses pequenos detalhes que nos levam à conclusão final. Mas é nesse ponto que reside toda a

beleza do cinema. O filme não poderá mostrar em apenas duas horas o que se passa em 300 páginas de um livro, por isso aquele detalhe do estofado, a cor de cabelo ou aquele personagem que aparece só para dizer que o seu sapato está desamarrado podem ficar de lado. O que importa é que a essência seja mantida, que as personalidades não se alterem e que a mensagem passada seja equivalente à do livro. Com “Ilha do Medo” (Shutter Island, 2010) não poderia ser diferente. Escrito por Dennis Lehane, um americano que gosta de escrever romances policiais, o livro (“Paciente 67”) conta a his-


a

ra mais leve e sutil por Lehane, foi adaptado para uma intensidade forte e violenta por Scorsese. Em geral, o filme é muito parecido com o livro, tendo até os mesmos diálogos. Entretanto, é válido ressaltar que algumas das adaptações comprometem a trama, como ocorre com o personagem Chuck Aule. No livro ele é ilustrado como uma pessoa autêntica, engraçada, comunicativa e com um grande jeito com as mulheres, ou seja, aquele cara de que todo mundo gosta. Ainda desempenha um papel mais presente e logo no início já recebe a confiança de Teddy. Porém, no filme, todo o seu charme se perde e ele é tratado como um personagem sem muita importância. A impressão é que toda personalidade de Chuck é passada a Teddy, o que compromete o próprio protagonista, que não passa a imagem séria e mais introspectiva relatada no livro. Entre erros e acertos, pode-se dizer em termos gerais que a adaptação de Scorsese resulta em um bom produto final. Um filme que prende os olhos do espectador na tela, que vai do gótico ao terror e que nos dá uma boa visão do que a loucura pode fazer com uma pessoa. c

LETRAS NA TELA

te

tória do xerife Teddy Daniels. O personagem é chamado para investigar um caso de desaparecimento de uma das pacientes de Ashecliffe, um hospital psiquiátrico para criminosos, localizado numa ilha. Junto à parceria do charmoso Chuck Aule, ele tenta resolver esse caso que se torna mais desconexo a cada investigação. Cada vez mais intrigado com as atividades desempenhadas na Ilha, Teddy suspeita que o Hospital faz práticas ilegais com seus pacientes e tenta achar provas que comprovem isso a todo momento. Mas, ao mesmo tempo em que a trama fica ainda mais envolvente com essa procura, descobre-se que o próprio Teddy não estava lá apenas para resolver o caso de desaparecimento de Rachel Solando, mas sim para um acerto de contas com Andrew Laeddis, o homem que havia matado sua mulher, Dolores, em um incêndio. Quando o caso de Rachel é encerrado com a simples e repentina aparição da personagem, toda a preocupação se volta aos crimes cometidos pelos doutores e a Andrew. Cheio de códigos, pistas e loucos, o livro consegue prender a atenção do leitor e o deixa com cada vez mais perguntas e nenhuma resposta. A loucura em tudo isso não está apenas nos pacientes insanos e nos doutores desumanos, mas principalmente em Teddy, que inventa uma nova realidade para si mesmo para escapar de toda amargura que é sua verdadeira vida. Eis a grande surpresa do autor. O filme não deixa de ser tão intrigante quanto o livro. Martin Scorsese, o diretor, explora a confusão e o suspense e realça ainda mais as partes agressivas. O que foi escrito de uma manei-


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ca entre nos

A poesia d

“E

u sou egocêntrico, eu sou egoísta, eu sou humilde. Eu sou pobre, eu sou ladrão, eu sou mau caráter. Caim matou Abel, ‘Eclesiatis’ 3, é tempo pra todas as coisas, Jeremias 47 versículo 6, maldito um não confia no outro (...) Eu quero ir pro Big Brother 9 porque eu ‘tô’ estudando esse Big Brother tem 8 anos, eu tirei 4 anos de penitenciária, eu sou engenheiro civil (...) Eu sei processamento de dados, Windows, word, excel, internet, multimídia, power point, eu sou ginecologista do Senai, com sífilis, herpes, HIV...” (depoimento de paciente em A Casa dos Mortos). Pudera o homem ficar louco. Pudera o homem ser louco. E de loucura em loucura, que loucura é uma coisa relativa, uns foram internados, outros viraram poetas. Outros foram os dois. Como Bubu, ao recitar a angústia de doze internações em manicômios judi-

ciários, amarrando o enredo de A Casa dos Mortos (2009), curta documental de Debora Diniz que retrata a rotina em uma instituição psiquiátrica na Bahia. As sensíveis imagens reais do trabalho de Debora estão ligadas às perturbadoras imagens realistas produzidas por Laís Bodanzki em “Bicho de Sete Cabeças” (2001). O filme levou às telas a história de Austregésilo Carrano Bueno, relatada na obra autobiográfica “Canto dos Malditos”. O longa sofreu a princípio o preconceito da temática controversa. O livro de Austregésilo, após ganhar destaque, perdeu para a censura de um sistema judiciário comprometido. A primeira censura desde a ditadura. Foi na ditadura que o menino de 17 anos, “por fumar um baseado”, teve a juventude roubada para a “casa dos mortos”. Um sistema retrógrado e sucateado de tratamen-


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Beatriz Montesanti

Pudera o homem ficar louco. Pudera o homem ser louco. E de loucura em loucura (...) uns foram internados, outros viraram poetas” anos após ter iniciado a primeira ação indenizatória por erro psiquiátrico no Brasil. Dez anos também se passaram desde que o filme de Bodanzki chegou às salas de cinema. Hoje, milhares de pessoas ainda vagam pelos chiqueiros psiquiátricos, palavras de Austregésilo. Pelos quais passaram Carrano, Bubu e outros poetas. “Sentidos se misturam, batidas cardíacas invadem a audição. Aspirada a respiração não é... é introchada. Os nervos já não tremem... dão solavancos. A espera está acabando. Ouço barulho de rodinhas. A todo custo, quero entrar na parede. Esconder-me, fazer parte do cimento do quarto. Olhos na abertura da porta, rodam a fechadura. Já não sei quem e o que sou. Acuado, tento fuga alucinante. Agarrado, imobilizado... escuto parte de meu gemido. Quem disse que só se morre uma vez?” (trecho de “Poema das Quatro Horas de Espera para Ser Eletrocutado – Aplicação da Eletroconvulsoterapia”, Austregésilo Carrano Bueno). c

Referências:

A Casa dos Mortos, Débora Diniz http://tinyurl.com/yev8jnh A Construção da Mudança nas Instituições Sociais, Maria Estela Goulart http://tinyurl.com/4ctcwpq

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to médico, que sobrevive graças ao corrupto quadro da saúde pública no país. É a indústria da internação. O filme foi arte e ferramenta. Austregésilo tornou-se militante do Movimento da Luta Antimanicomial, engrenagem essencial para a Reforma Psiquiátrica no país. Surgiu no final da década de 1980 e é formado por psicólogos, psiquiatras, portadores de doenças mentais e seus familiares. As mudanças partem da própria disseminação do termo “problemas mentais” sobre o estigmatizado louco. Pequena alteração terminológica, grande alteração discursiva, como explica a professora Maria Stella Goulart, da UFSJ, no artigo “A Construção da Mudança nas Instituições Sociais: A Reforma Psiquiátrica”. Para além da palavra, combatem-se as internações arbitrárias, os encarceramentos eternos, herméticos esquecimentos nas deprimentes instituições, isoladas, esquecidas, cruéis. As “casas de horror em que você tem que fingir que é louco para não enlouquecer”, como disseram em depoimento recolhido por Bodanzki. Avanços já aconteceram para o fim das práticas de exclusão e discriminação. De acordo com o trabalho de Goulart, desde a instituição do Dia Nacional da Luta Antimanicomial (18 de maio) à fiscalização de clínicas e hospitais psiquiátricos e a redução do parque manicomial no país. Mas ainda há muito a ser feito. Carrano, poeta, louco, ativista, faleceu em 2008, aos 51 anos, devido a um câncer de fígado. Dez

Ca entre nos

do cárcere


Vale a pena ver

men m men t Mestre do suspense Carolina Vellei

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que pode ser mais louco que um psiquiatra com neuroses? Quem sabe um homem com amnésia que se passa por um psiquiatra. “Quando Fala o Coração” (Spellbound, 1945) contém uma receita clássica, muito usada por Alfred Hitchcock, o mestre do suspense: uma pitada de perturbação mental - excelente pedida para quem gosta de cinema. Para quem já viu Psicose, a mais conhecida obra do diretor, e quer conhecer outros clássicos dele, vale a pena experimentar essa história. Quando Fala o Coração, apesar do título, não tem só romance em sua trama. Em seu elenco estão duas das principais estrelas de Hollywood. Ingrid Bergman, famosa por sua atuação no clássico Casablanca, faz nesse filme o papel da forte Dr. Constance Peterson, psiquiatra da clínica Green Manors. O galã Gregory Peck é o misterioso Dr. Edwards. Mas com poucos minutos de filme o mistério toma proporções maiores ao descobrirem que ele, na verdade, é sus-

peito de assassinar o verdadeiro Dr. Edwards. O filme teve seis indicações ao Oscar de 1946, mas ganhou apenas a estatueta de Melhor Trilha Sonora de Comédia ou Drama. As músicas, compostas por Miklos Rozsa – compositor húngaro dono de 3 Oscars – são praticamente outra personagem em cena, de tão marcantes. Hitchcock teve nesse filme uma colaboração muito especial. O gênio do Surrealismo, Salvador Dali, foi chamado para montar a cena onírica, que misturou objetos diferentes com cenários perturbantes. Para quem gosta de cenas inusitadas com a câmera, saiba que essa é uma das características exploradas pelo diretor nesse longa. Como foi rodado em preto e branco, o jogo de luz e sombra sobre os personagens proporciona às cenas uma expectativa muito maior, fazendo do suspense um jogo de mistério. Vale a pena conhecer a história e, como de costume nos filmes de Hitchcock, brincar de encontrá-lo em uma das cenas. c

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principal

ntes mente mentes mentes ntes mentes tesmentes men mentes men me Juliana Santos

No cinema existem muitas obras que retratam a loucura, de alguma forma. Às vezes cômica, às vezes trágica. Ela pode estar ligada a eventos sobrenaturais, pode ser uma obsessão da personagem ou pode nem parecer que existe – até que o filme chega ao final. Mas dentro de um termo genérico como “loucura”, estão também aqueles filmes que se baseiam em distúrbios psiquiátricos reais – sendo a esquizofrenia um deles, cercada por mitos e às vezes até mesmo ideias preconceituosas. Especialistas explicam até que ponto o que nós vemos no cinema condiz com a realidade dos consultórios e a partir de onde a imaginação é que toma conta.

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o solista

principal

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entre os filmes que mostram a doença, as diferenças são imensas. Em “Uma Mente Brilhante” (A Beautiful Mind, 2001), vencedor de quatro Oscars, inclusive Melhor Filme, John Nash é de fato diagnosticado como esquizofrênico, o que faz com que haja uma breve explicação sobre a doença e o tratamento. Em “Shine - Brilhante” (Shine, 1996) e “O Solista” (The Soloist, 2009), o foco principal é a degeneração enfrentada pelo indivíduo acometido pela doença. Já em “Janela Secreta” (Secret Window, 2004) e “Clube da Luta” (Fight Club, 1999), o distúrbio dos protagonistas é o fator surpresa do filme, criando um final surpreendente, sem levar em conta considerações psiquiátricas. Uma recuperação brilhante 1947. Universidade de Princeton. Em plena Guerra Fria, estudantes de Matemática são recebidos em seu primeiro dia de aula com a sentença: “O futuro da América está em suas mãos”. A pres-

são por descobertas era intensa e a relação entre os alunos, extremamente competitiva. É nesse contexto que John Nash inicia seus estudos acadêmicos. O filme Uma Mente Brilhante, estrelado por Russel Crowe, é baseado na história real deste matemático. Uma das cenas mais marcantes do filme é o momento em que Nash recebe o choque insulínico e debate-se, amarrado à cama. Ela traz à tona a questão do tratamento da esquizofrenia, cuja noção que as pessoas têm é frequentemente mitificada. “Hoje em dia, 95% dos casos de esquizofrenia são tratados apenas com medicamentos”, afirma Helio Elkis, professor associado do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. “O tratamento por meio de eletrochoques é seguro e ainda utilizado, mas somente em casos muito resistentes. Já o tratamento mostrado no filme, a insulinoterapia (convulsões provocadas pela injeção de insulina no paciente) já foi abandonado”, completa ele. Quando o tratamento de choque chega ao fim e Nash volta para casa, ele deve continuar tomando remédios, para evitar recaídas. Ele, no entanto, decide interromper o tra-


shine

ente briilhan

Retrato (quase) fiel Além de serem ambos baseados em histórias reais, os filmes O Solista e Shine – Brilhante têm ainda em comum o fato de seus personagens principais serem músicos.

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tamento e lutar sozinho contra a doença. Já no fim da obra, menciona-se que ele havia começado a tomar uma medicação nova, que trazia menos efeitos colaterais. Na vida real, John Nash, que hoje tem 82 anos, já confessou em entrevistas que este foi um artifício utilizado no filme para que as pessoas não achassem que deveriam parar de tomar remédios para esquizofrenia. Ele mesmo, entretanto, jamais voltou a tomá-los. Nash é intelectualmente ativo até hoje, mas sua mais significativa produção acadêmica é anterior à eclosão da doença. “Eu ouvi o John Nash recentemente, numa conferência da Associação Psiquiátrica Americana. Ele falou pra uma multidão de cinco mil pessoas. Infelizmente, o discurso dele me pareceu meio desorganizado. Esse é outro aspecto da esquizofrenia”, lamenta Elkis. Mas a característica de Uma Mente Brilhante que mais merece ressalvas e mais se diferencia do que é visto nos consultórios psiquiátricos, são as alucinações visuais. No filme, Nash descobre que várias pessoas com quem ele conviveu durante anos, inclusive seu colega de quarto, eram alucinações suas. Já na vida real, Nash nunca teve alucinações visuais, mas apenas auditivas. “Tipicamente, pessoas com esquizofrenia não vêem nada. Mas um filme é um

meio visual, então as alucinações são vistas pelo personagem. A pessoa não necessariamente vê nada, ela pode ouvir vozes. Quando você pensa nisso, é difícil fazer isso em um filme”, contou Nash ao site americano schizophrenia. com. Tal fato vai ao encontro do que afirmam os especialistas na doença. “De fato, alucinações de toda espécie são possíveis na esquizofrenia, mas estatisticamente, a mais freqüente é a auditiva”, alerta Carlos Hübner, psiquiatra e professor do curso de Medicina da PUC-SP.

Um filme é um meio visual, então as alucinações são vistas pelo personagem. Mas a pessoa não necessariamente vê nada, ela pode ouvir vozes.”

O primeiro conta a história de Nathaniel Anthony Ayers Jr., levada a público pelo jornalista Steve Lopez. O caso ocorreu em 2005, quando Lopez descobriu que Na-


clube da lu

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thaniel, que era morador de rua naquela época, já havia sido aluno da prestigiada escola de arte Julliard, mas fora expulso no 3º ano, quando sofreu um colapso mental. Diagnosticado com esquizofrenia, Nathaniel (Jamie Foxx), entretanto, não tem alucinações visuais. “Neste ponto, O Solista é muito mais próximo da realidade do que Uma Mente Brilhante”, ressalta Elkis. Nathaniel começou a ouvir vozes quando estava na escola de música. De acordo com o professor Hübner, este sintoma é recorrente em pacientes com esquizofrenia, e a abordagem do filme está correta: “As vozes que o esquizofrênico ouve geralmente vêm em tom de crítica, fazendo comentários maldosos continuamente, o que prejudica sua capacidade de manter o foco em suas atividades”. Além disso, Nathaniel apresenta uma grande dificuldade de interagir com as pessoas e um modo de falar caracteristicamente desconexo. O Solista retrata momentos de um Nathaniel mais agressivo – felizmente, sem exageros –, mas isso não quer dizer que seja um comportamento comum do esqui-

zofrênico. “Associam a esquizofrenia à violência e coisas perigosas, mas as estatísticas de violência em esquizofrênicos são iguais às das outras pessoas. A violência depende do temperamento da pessoa e não da doença”, explica Carlos Hübner. Outro filme que tem um músico como protagonista é Shine – Brilhante, baseado na história do pianista David Helfgott (estrelado por Geoffrey Rush), que também apresenta seu primeiro surto quando está em uma escola de música. David, entretanto, não apresenta alucinações visuais ou auditivas. “Os únicos sintomas mostrados estão em seu maneirismo, na maneira de falar, de interagir com as pessoas”, conta Hübner. Apesar do consenso de que a representação do doente é bastante fiel, o professor Helio Elkis alerta para o que ele considera o ponto fraco de Shine – Brilhante: “O filme também é bom, mas ele tenta colocar a culpa pela doença no pai de David, e nós sabemos que a culpa não é dos pais. O problema da esquizofrenia é uma alteração na evolução do cérebro já desde a formação do feto.


O professor Elkis exemplifica essa cisão: “O indivíduo vira pra você e fala ‘eu sinto que marcianos então controlando o meu pensamento’,

anela secreta

Antes só que mal acompanhado Nem só de “baseado em fatos reais” vive o cinema. Janela Secreta, protagonizado por Johnny Depp, e Clube da Luta, com Edward Norton e Brad Pitt, são filmes que a princípio nada têm em comum. A única ligação entre eles, entretanto, é revelada somente no final: os protagonistas de ambos assumiam uma segunda personalidade, sem que tivessem consciência disso – eles pensavam que estavam de fato tendo contato com outra pessoa. Apesar de o nome “esquizofrenia” não aparecer de fato nessas obras, a menção a casos de dupla personalidade faz com que os personagens sejam automaticamente “diagnosticados” desta forma pela crítica e pelo público. Mas desmitificar é preciso e, para os especialistas, tais películas devem ser avaliadas de um ponto de vista diferente. “Janela Secreta, por exemplo, foi baseado em um conto do Stephen King. É a leitura do artista sobre a doença”, diz o professor Hübner. Helio Elkis é categórico: “isso não tem nada a ver com esquizofrenia”. O maior “problema técnico” desses filmes em relação ao que realmente é a esquizofrenia é o conceito de dupla personalidade. A origem do termo “esquizofrenia” é sim ligada à cisão, mas esta cisão é entre a fala da pessoa e as suas demonstrações afetivas.

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Traumas são fatores menores”.

Não existe uma cisão entre o que a pessoa faz e sua consciência. Um esquizofrênico não faz nada que ele mesmo não sabe que fez. Dupla personalidade só existe em Hollywood.” mas a repercussão afetiva quando você conversa com a pessoa é pequena. Eles têm uma expressão embotada, apática. Você pensa ‘poxa, mas ele está pensando que está sendo controlado por marcianos e não faz nada? Eu estaria gritando, estaria morrendo de medo e ele não está’”. O professor Carlos Hübner faz coro a esta afirmação: “Não existe uma cisão entre o que a pessoa faz e sua consciência. Um esquizofrênico não faz nada que ele mesmo não sabe que fez. Dupla personalidade só existe em Hollywood”. c


Paulo Fávari

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Cine trash

se livrar dela

rovavelmente você já deve ter lido em algum lugar esta famosa anedota: uma em cada quatro pessoas no mundo possui algum tipo de deficiência mental; observe três de seus amigos e, se eles parecem normais, o retardado é você. No filme espanhol “Crime Ferpeito” (Crimen Ferpecto, 2004), essa teoria, definitivamente, não se aplica. Em um único andar de uma mega loja temos a reunião de três doidinhos de pedra. De um lado, na seção de roupas masculinas, está Don Antonio Fráguas. Num primeiro momento, um arrogante homem de idade e dono de uma peruca horrível. Depois, passa a ser o fantasma conselheiro de Rafael. No outro lado do andar, na seção de roupas femininas, ele: Rafael González. Com seu ar de boa pinta e sua lábia irresistível, o muchacho é o macho alfa do lugar; consegue atrair todas as mulheres que quer. Além disso, é obcecado por perfeição. Atrás de Rafael, obcecada por ele e cúmplice de seu crime (o assassinato de Don Antonio), está Lourdes, a mulher mais feia do andar que só tem beldades. Sua família é composta de uma mãe neurótica, um pai narcoléptico co-

lecionador de miniaturas e uma irmã precoce de nove anos que jura ter sido estuprada pelo professor de Física, estar grávida de três meses e ter AIDS. Família simples, comunzinha da silva. Aproveitando que é a única que sabe do crime, Lourdes passará o filme todo chantageando e arrastando Rafael para o casamento, que ela busca tão desesperadamente. Rafael, por sua vez, ficará esse tempo todo arquitetando junto com o já falecido Don Antonio um plano para se livrar de Lourdes. Crime Ferpeito, como usualmente ocorre em filmes latinos, se apóia no exagero e no nonsense para arrancar risadas do público. Isto acaba levando a uma séria constatação: esta comédia é extremamente desaconselhável àquele crícas que vive encontrando erros em filmes, séries e afins. Coerência passa longe dessa película – e é até bom que seja assim, caso contrário o filme seria muito chato. Mas a despeito de toda a aura e estética trash, Crime Ferpeito arrebatou seis indicações ao prêmio Goya, o maior da Espanha. É trash? Sim, mas com glamour. Melhor do que muito filme que passa na Sessão da Tarde. c

cine trash

Tudo para


TOP IO

10 maneiras de R E C E U Q U LO

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Loucos por causa do trabalho, esquizofrênicos, viciados, obsessivos, compulsivos, psicóticos... Tem louco pra tudo neste mundo. Neste e no do cinema. Eles são tantos que tivemos de selecionar dez dos melhores filmes que tratam do assunto. Cuidado, as próximas páginas estão repletas das mais insanas personagens que as telonas já produziram. Paulo Fávari


TOP IO

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' NUMERO 23 - 2007 Quem disse que Jim Carey só serve para fazer caras e bocas em algum filme enlatado? Pois neste suspense ele se dá muito bem. Tudo começa quando Walter Sparrow ganha um livro chamado O Número 23 de sua esposa. É o relato de um homem que vê 23 em tudo, do ângulo de inclinação da Terra a números de camisas de jogadores. À medida em que a leitura avança, Walter vai adquirindo a paranoia até que descobre algo estarrecedor.

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TEMPOS MODERNOS - 1936 Quem nunca ouviu falar deste clássico do cinema? E quem não sabe quem foi Charles Chaplin? Este filme é uma crítica à sociedade industrial. Estamos no início do século XX; a máquina nunca para e ela não está nem aí para o homem. Por causa do trabalho repetitivo da linha de montagem, um operário acaba ficando louco. Tudo vira um possível parafuso a ser apertado.

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BATMAN

O CAVALEIRO DAS TREVAs - 2008 Que Batman, que nada! Este é o fatídico filme do Coringa. Ou mais conhecido como o melhor e último grande trabalho do ator Heath Ledger. Na história, o Coringa surge como novo vilão para tentar destruir o Batman; mas não é só mais um vilão. A versão de Ledger impressiona pelo grau de insanidade que ele dá à personagem. Se houvesse um sanatório para vilões, certamente este Coringa estaria na solitária.


Há um ilustre ator neste filme. Trata-se do diretor Steven Spielberg, que fez uma ponta na cena do aniversário de Aames, no começo do filme. David Aames tem sua vida mudada drasticamente após sua amante jogar o carro, na qual ela e ele estavam, de cima de um viaduto. O rosto de Aames fica todo desfigurado e sua vida, completamente perturbada. Realidade e fantasia já não podem mais ser facilmente distinguíveis.

REQUIEM PARA UM SONHO - 2000 '

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Em filmes comuns são feitos de 600 a 700 cortes. Para dar ênfase às reações que as drogas causam e mostrar ações simultâneas, Aronofsky fez mais de dois mil. Sara Goldfarb tem um sonho: participar de um programa de TV. Para ficar bonita e caber em seu vestido vermelho, começa a tomar afetaminas e sedativos. Harry Goldfarb, seu filho, é viciado em heroína e se envolve com o tráfico. Cada um a seu modo acabará num turbilhão de insanidade.

' CREPUSCULO DOS DEUSES - 1950 Este é um daqueles filmes que todo cinéfilo jura ter visto mas que para muitos não sai da eterna lista de filmes a serem vistos. O filme conta o conturbado relacionamento de um fracassado roteirista com uma ex-estrela de filmes mudos, Norma Desmond. Ela vive encastelada em sua mansão à eterna espera do próximo filme que fará. Com o passar do tempo, a realidade fabricada da mansão faz com que Norma perca completamente o juízo.

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VANILLA SKY - 2001

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CISNE NEGRO - 2010 Badalado pela grandiosa atuação de Natalie Portman e pelos prêmios conquistados, o filme movimentou grande parte da crítica e do público desde sua estreia nos cinemas. Nina, uma bailarina profissional, tem a chance de assumir os papéis principais de O Lago dos Cisnes. No entanto, esse papel duplo (Cisne Branco e Cisne Negro) e sua obessão pelo posto (ameaçado por Lilly) levará Nina à completa loucura. O que é real? O que é criação da mente de Nina? As respostas não são tão simples.

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O ILUMINADO - 1980 Uma boa adaptação de romance para as telonas feita por ninguém menos que Stanley Kubrick. Em sua cena mais icônica, vê-se um Jack Nicholson insano arrebentando uma porta com um machado. Jack Torrance é um escritor em crise que leva sua família a um retiro num hotel isolado, durante o inverno. Lá ele começa a escrever seu livro. O inverno vai passando e o hotel, aos poucos, revela seus mistérios e perigos. Muito siso e pouco riso farão de Jack um infeliz.


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Qualquer pessoa que assistiu a esse filme sabe perfeitamente qual é a primeira regra. Depois de Clube da Luta, a imagem de Edward Norton foi para sempre ligada à de seu personagem sem nome e perturbado. Ele tem um emprego monótono, que detesta, em uma companhia de automóveis. Por sofrer de insônia, fica viciado em participar de grupos de apoio, o que o alivia à noite. Em um vôo de viagem, conhece Tyler Durden, um vendedor de sabão que o ensina outra forma de conseguir dormir: o clube da luta.

PSICOSE - 1960 Este é o famoso “filme da cena da faca”, que se tornou a mais emblemática mas não é a melhor do filme. De qualquer modo, é um clássico de Hicthcock, diretor conhecido por tratar da loucura na grande maioria de suas obras. Após roubar a imobiliária onde trabalhava, Marion Crane foge. Sam Loomis (seu namorado) e o detetive Milton Arbogast saem em sua busca. As pistas levam a um motel de beira de estrada que guarda muitos mistérios e um final surpreendente.

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CLUBE DA LUTA - 1999


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Jéssica Stuque

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ós assistimos a grandes filmes e vemos personagens que entram para a história do cinema, mas raramente paramos para pensar no grande esforço que foi para cada ator interpretá-los. Imaginem, então, como é encenar o papel de um louco. No teatro, isso parece ficar um pouquinho mais evidente para nós, pois estamos frente a frente com o personagem. Pedro Oliveira, estudante de Artês Cênicas, já interpretou muitos personagens, mas indentificou três que considerava loucos. O primeiro foi uma mulher que encontra com ela mesmo no futuro e enlouquece, na peça “Ânsia”, de gênero contemporâneo, o qual procura fugir dos padrões performativos. “Eu tive que pensar em mim como mulher e em mim como uma mulher frustrada que se encontra com ela mesma no futuro”. Pedro teve que gritar, mostrar o choque, ser amordaçado em pleno palco, e isso tudo sem seguir um roteiro específico. Ele era guiado por um roteiro de ações, ou seja, precisava fazer uma série de ações que eram essenciais à peça, mas o resto era improviso e havia muita

interação com o público. “Tive que roubar a roupa de uma menina [da plateia]”, conta. Pedro também atuou na peça adaptada “A Casa de Bernarda Alba”, interpretando a empregada da casa. A peça conta a história de uma mãe que é, praticamente, um general e de suas filhas, sendo que uma delas tenta fugir e, como não pode, ela se mata. Diante de toda essa situação, em um belo dia, a empregada tem um surto e começa a falar milhões de coisas que estavam engasgadas de uma maneira agressiva a cada um, como “Há de comer a minha merda”. A peça também tende ao teatro contemporâneo pós-dramático, ou seja, há pouco contato em si entre os próprios atores, mas a empregada vem quebrar isso, tornando a peça mais realista e encarando as pessoas com os olhos. Toda a peça em si era sufocante, devido à mãe durona, e a personagem da empregada serve como uma linha de escape. Por fim, na peça “Ubu Rei”, Pedro interpreta um marechal da Polônia, no século XIX, que, contaminado pelos argumentos de sua mulher, resolve matar o rei e dar


amigo não existe, porque a ideia de isso poder acontecer me é devastadora, a ideia de a pessoa que você tanto ama não existir e você perceber que é completamente sozinho”. Débora relata que apesar de tudo, adorou interpretar esse papel. “Foi maravilhoso! (...) Essa personagem foi diferente em vários aspectos, mas principalmente pelo fato de eu ter um especial carinho pelo drama da personagem. Eu vivi a dor dela, foi realmente forte pra mim e acredito que isso seja visível no filme”. A loucura é relativa? Quando questionada com relação ao papel de ‘louca’, Débora ficou um pouco incomodada, pois para ela “o assunto ‘loucura’ é muito complexo” e esse foi um dos motivos por ela ter ficado tão maravilhada com o roteiro. “Eu não chamaria a personagem de louca, de forma alguma. Sabe-se lá se pra ela nós é que somos loucos! Não chamaria de louca uma pessoa que é feliz por ‘encontrar’ alguém que a complete e faça feliz, mesmo que esse alguém não seja real, mesmo que apenas ela o veja, ele é real pra ela, ela vive verdadeiramente cada momento com ele”. c

cinetecetera

um golpe de Estado. Mas, além de se tornar um déspota, ele enlouquece e começa a decaptar todo mundo. O trabalho de interpretar um louco diante das câmeras também é muito difícil. Quase sempre, esses personagens únicos demandam ensaio constante e exigem muito tempo e disposição. Foi o caso de Débora Grings, atriz que interpretou uma esquizofrênica no curta metragem “Só pelos Teus Olhos”, produzido por alunos da Faculdade Cásper Líbero. A personagem, que não possuía nome mesmo sendo a protagonista, é uma pessoa extremamente tímida e que não possui amigos. Apesar de não parecer algo muito complicado, Débora conta que isso tudo dependeu de muita preparação. Primeiro, ela pesquisou sobre a esquizofrenia e, depois, realizou um estudo de volume de voz (como a personagem era extremamente tímida, era preciso alcançar um tom de voz diferente). Além disso, estudou o comportamento e os sentimentos da personagem em relação ao transtorno. Segundo Débora, “a parte mais difícil foi, sem sombra de dúvidas, a parte em que ela descobre que é doente, que o seu único


PERSONAGEM

HERE'S

JOHNNY! Carolina Vellei


Seu primeiro grande papel foi o do excêntrico McMurphy, o infiltrado na clínica psiquiátrica de “Um Estranho no Ninho”, do diretor Milos Forman. No filme, Jack é um preso transferido de uma penitenciária rural, na qual suspeitavam de uma possível loucura. Ao chegar na clínica, McMurphy é recepcionado pelos funcionários, que recebem do paciente uma risada forte e sarcástica. E ele merece mesmo estar lá? São pacientes ou prisioneiros voluntários? Debochado, impulsivo e autêntico, Nicholson teve uma de suas melhores atuações. No longa “O Iluminado”, de Stanley Kubrick, o ator faz o papel do sério pai de família Jack Torrance. Decidido a investir em sua carreira como escritor, Jack aceita um emprego de zelador de hotel e se muda para o local junto com sua família. Mas seu filho, “o iluminado”, começa a ter visões de um crime do passado, além de premonições. Jack acaba assumindo uma postura paranoica e passa a ter um comportamento violento. A atuação de Nicholson é marcada principalmente por seus olhares psicóticos e suas feições faciais sinistras. A famosa expressão “Here’s Johnny!” não estava no roteiro e foi improvisada por Jack. Ele se inspirou no programa de entrevistas “Tonight Show”, apresentado por Johnny Carson, que sempre entrava no estúdio dizendo essa frase. No filme “Melhor É Impossível”, de James Brooks, Nicholson interpreta um de seus papéis mais carismáticos. Apesar de preconceituoso, ranzinza e irônico, Melvin Udall consegue conquistar o público e arrancar boas risadas. Seu personagem sofre de Transtorno Obsessivo Compulsivo, responsável por manias excêntricas. Jack consegue usar sua sensibilidade e incrível neurose inata, responsável por fazer dele um dos mais célebres intérpretes da loucura no cinema. c

PERSONAGEM

J

ohn Joseph Nicholson, nascido em 1937 e mais conhecido como Jack Nicholson, ficou célebre em Hollywood por interpretar papéis nem um pouco convencionais. Apesar de ter feito muitos personagens com um parafuso a menos, Jack de maluco não tem nada. Para ter se uma ideia de quão boa é sua saúde mental, no filme “Batman” (1989) ele apenas aceitou o papel de Coringa com uma condição: participação nos lucros. O resultado foi que o ator embolsou quase 50 milhões de dólares, muito mais do que o próprio Michael Keaton, que interpretou o personagem principal. Nicholson começou sua carreira na década de 1950. Com o passar do tempo, foi se destacando no cinema e ganhando cada vez mais espaço, até chegar ao ponto de ser indicado ao Oscar doze vezes, sendo o ator do sexo masculino com mais indicações. Ganhou três: dois como Melhor Ator (“Um Estranho no Ninho” e “Melhor É Impossível”) e um como Melhor Ator Coadjuvante (“Laços de Ternura”). O talento de Jack permite que ele entregue a seus personagens marcas só suas, como expressões faciais características e seu sarcasmo. Não à toa, é sempre chamado para papéis desafiadores, principalmente quando o assunto é o mundo da psique. Entre eles, destaque para “Um Estranho no Ninho” (1975), “O Iluminado” (1980) e “Melhor É Impossível” (1997). Ainda podemos acrescentar os filmes “Batman” (1989), no qual ele representou o já comentado Coringa, o palhaço mais sinistro do cinema, e “Tratamento de Choque” (2003). Neste, apesar de ocupar o lugar do terapeuta, apresenta traços inigualáveis de criatividade para deixar quem assiste com a sensação de que Jack é louco da história.



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