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Edição #05 Junho 2017
EDITORIAL
Capa
Ricardo Abussafy
Conselho Editorial Carlos H. Andreassa do Amaral Éder Capobianco Maria Cristina Bigeli Priscila Sales Ricardo Abussafy
Editores Responsáveis Carlos H. Andreassa do Amaral Priscila Sales Ricardo Abussafy
Projeto Gráfico Carlos H. Andreassa do Amaral
Assessoria Contábil e Fiscal Rosana Ambrosim
Revisor Luiz Fernando Martins
Colaboradores desta Edição ARAN CARRIEL BRUNO FERREIRA MARTINS ÉMILY LAIANE AGUILAR ALBUQUERQUE FERNANDA CIMETTA LOPES FERNANDO LUIZ ZANETTI JOSÉ ANTÔNIO BARBOSA LUIZ GUSTAVO ALENCAR DE MENDON MANOEL RUIZ CORRÊA MARTINS MANOELA MARIA VALERIO MARIA CRISTINA BIGELI MARIO HENRIQUE DE SOUZA MIGUEL AXCAR NATANA BOLETINI NICOLAS CASAL PRISCILA MIRAZ DE FREITAS GRECCO PRISCILA SALES RICARDO ABUSSAFY SAMUEL IAUANY MARTINS SILVA
Site da Revista
http://www.circus.org.br/circuito
Contato revista.circuito@circus.org.br
APOIO
Como parte deste turbilhão de acontecimentos no palco da vida social, a Circuito chega ao seu 5º número, na versão online e impressa, para encenar da realidade o que ainda se faz humano. Mantendo seu estilo multifacetado, por meio do qual o percorrer das páginas inspira um curto-circuito entre as culturas escrita, visual e sonora, busca-se outra vez proporcionar um encontro com aquilo que costumamos chamar, nos bastidores da edição, de produções independentes. Longe de ser uma revista formada por temas, os materiais recebidos deram o tom da diagramação, poetizando o cotidiano, a política, as vivências e as resistências que, no diálogo entre autores e editores, aqui compuseram sentidos. Esses contornos que agora alçam voos podem ser percebidos por inspirações modernas de um click ou pela velha mania de ler após sentir o cheiro do papel impresso. Quem nunca? Em tempos de negação de tudo o que é humano e da tentativa de homogeneização dos sentidos, é o fragmentário enquanto lugar de desvios o que oferecemos, com muito afeto, a cada leitor que este circuito conseguir atingir! Agradecemos a todos os autores que desejaram compor conosco neste projeto; a CIRCUS, por mais uma parceria; e vocês, leitores e leitoras, que neste momento leem estas palavras. Como bem nos aconselhou Belchior, que possamos aprender ou até mesmo desaprender “o delírio com coisas reais”. Boa leitura e que o delírio apenas seja!
Autoboneco Aran Carriel (Das inquietações do convite ao outro) Naná Boletini CorramTodas Fernanda Cimetta Lopes Piadela Miguel Axcar Interior Luiz Gustavo A. de Mendon FLIA - Feira Literária de Assis Organizadores do FLIA Rapsódia XIII ou do tempo que se insiste Fernando Luiz Zanetti Cactos Cotidianos Émily L. A. Albuquerque
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Birosca Manoel Ruiz C. Martin Ruídos Ricardo Abussafy Entrevista Banda Vamo Vovó Meu Desespero Bruno Ferreira Martins Paradoxo Sertanejo Manoela Maria Valerio Respiro Ilícito Samuel I. M. Silva Superlua Nicolas Casal
por NANÁ BOLETINI
Eu vou te convidar para um café ou uma cerveja, não importa. Não importa, desde que você aceite. E que você aceite sabendo que a nossa vida jamais será a mesma depois desse convite, dessa aceitação e, principalmente, desse encontro. Desse bom encontro de dois universos que se juntam, num ponto específico de sua linha temporal de existência. É como um choque. Sim. É como quando um cometa atravessa o céu e marca presença, profundamente, n’algum ponto da Terra, ou quando um corpo celeste se choca com outro corpo celeste e muda, repentinamente, embora para sempre, a trajetória dos dois. Mas voltemos à profundidade. Note a potência e a força que tem um universo em sua infinita existência. Existem milhões de possibilidades e combinações que, eventualmente, darão conta de toda essa mesma potência. E digo isso para que você siga aceitando que nada do que virá a seguir será banal. Porque, como já disse, somos dois universos rumo a uma colisão que provocará a alteração de nossas próprias rotas, ou seja, criaremos outros destinos possíveis. Então, se você aceitar meu convite para um café ou uma cerveja – não importa – esteja ciente de que eu vou querer conversar por horas a fio e saber cada detalhezinho daquilo que mais te importa no mundo, e observar atentamente as suas variações de humor e reações enquanto fala. E eu vou te contar uma porção de coisas que acho interessantíssimas e, no que depender de mim, o dia pode raiar em cantoria de pássaros que eu continuarei disposta a conhecer esse teu universo. Saber se tem flores nele, se tem música, se tem livros e filmes e gostos estranhos e coisas que você não prefere, enquanto outras são essenciais. Porque eu mergulho na minha profundidade todos os dias e tenho a paciência e também o orgulho de ir reconhecendo cada pedacinho meu. Mas esse peso de sustentar minha própria existência não tem sido suficiente, sabe? Necessito de outra galáxia para desbravar. Potencializar a existência. Preciso me afogar em outras águas. Mergulhar! Criar e devorar presença. Transbordar. Então, diante disso tudo aqui exposto, espero que me responda: café ou cerveja?
por Fernanda Cimetta Lopes
Piadela ca l Ax r gue Mi
Aposto que era um gracejo, pois ele, afinal, não era religioso, tampouco místico ou supersticioso, e obviamente sentia-se superior por isso, feito todos os céticos, os universitários inglesinhos, os modernosos e os vanguardistas, que estão na camada acima das crendices populares, dos ditados, dos chás de ervas pro figueiredo e do horóscopo. Então, logo depois de descarregar as coisas, acendeu um cigarro e foi encontrar um grupo de conhecidos, e tão logo ganhou a luz, fez tom de solenidade, ajoelhou-se, calculou de prévia mais ou menos o que iria dizer em segunda pessoa para não tropeçar nas conjugações, empostou a voz e levantou os braços: – Ó Deus, tu que és piadista, rancoroso e vingativo, que tens poder criador e matador sobre a terra, que tens controle sobre esta nossa colônia de formigas, que brinca de dilúvio, que tens o fogo nas mãos, espada branca e canela fina, que tens enorme barba e entendes tudo de biologia, de Hegel, matemática e filosofia moderna, ouça minhas humildes e rústicas preces, que imploram vossa autorização para que eu me divirta uma noite só, só esta, só hoje. Uma. Autorizo-vos a cobrir com as trevas que vos dá tanto divertimento todos os próximos dias da minha vida depois desta noite de prazer. Depois concluiu, só de sacanagem, com "juro por Deus." Meia hora foi o tempo de demora até o primeiro trovão, e, sem nenhum exagero, choveu de enroscar carro e entortar guarda-chuva por seis dias, sem qualquer intervalo. Cada classe de coisas que havia, pouco ou muito, molhou; bolo de cenoura, cabelos de Bowie, organizadores, roupas, cabos e mesas de som, decorativos e romances, e como não estavam na década de 70, o festival acabou tendo que ser cancelado.
E
Entre os dias 16 e 18 de fevereiro de 2017, aconteceu a Feira Literária de Assis (FLIA). Ela se estruturou como espaço privilegiado de discussão sobre Literatura e temáticas transversais. As propostas que mais ganharam espaço vinculam-se à produção literária independente, “às margens” da publicação e editoração que são tidas essencialmente como mercado e regidas, portanto, pela lógica do sistema de investimentos e lucro. Reconhecer a literatura em todas as suas possibilidades e potencialidades, independentemente do modo como venha à tona e consiga conquistar o espaço público, faz com que possamos exaltá-la enquanto produção artística antes de qualquer outra qualidade. Essa perspectiva autônoma e livre acabou representada, no evento, por diferentes caminhos: houve os lançamentos de livros feitos por editoras independentes (como a “Coleção Canto Oeste”, editada pela recém-fundada Severina, com quatro livros de poesia de escritores da região de Assis/SP), as publicações de periódicos (como a revista literária Circuito, o jornal cultural Ruarada e o jornal de psicologia e temáticas afins Psicologia em Foco), a discussão sobre autopublicação (e os autores que se responsabilizam por todo o processo de produção do livro, da criação textual inicial ao objeto final) e, ainda, a produção “artesanal” de material (bem representadas pela oficina de Fanzines, com o [REC215], a oficina de confecção de blocos de anotações e a intervenção “codex ex machina”, proposta pelo Grafatório, grupo de Londri-
por Organizadores da FLIA
na/PR). Além desses, do mesmo modo, houve na feira espaços privilegiados para “fomentação” da criação literária: foram três oficinas diferentes sobre escrita criativa, com propostas e objetivos distintos, voltadas à poesia e à prosa, cuja intenção foi o início da preparação e da formação de novos escritores: obrigado aos escritores Caio Russo, Ricardo Leão e Luis Roberto Amabile pela disponibilidade. Nos bate-papos e lançamentos, as discussões perpassaram os livros de ficção, históricos, de fotografia e arte; um espaço com os livros expostos, à venda ou de distribuição gratuita, esteve montado durante todo o decorrer da feira. Vários coletivos da cidade responsabilizaram-se pela produção e venda de comidas e bebidas ao longo dos três dias de encontro. O encerramento contou com um Sarau estilo “palco livre”, com leituras dramáticas de textos e poemas e a participação do público, além de shows musicais com violeiros de Assis e as irmãs Jacó, tocando músicas sertanejo-raiz, e o Trio Defumados, com versões autorais de músicas das mais variadas trilhas sonoras presentes em filmes, desenhos animados e jogos de videogame. Deixamos, aqui, o registro histórico desses momentos, e mantemos as lembranças e memórias conosco: que nos sirvam não só como experiência de vida, mas também como base para a proposta das feiras seguintes, nos anos vindouros. Agradecemos, por fim, a todos que puderam participar e compor conosco esses encontros e deixamos um convite antecipado: privilegiem as próximas feiras!
Quando estar entre vivos um dispêndio Ainda que entre mundos tecer Um cansado viscoso E assim repetir Um sucesso repetido de malhas E uma prisão de junco fracassado Estar entre mim e aquele incêndio E nada se repetiria E ainda querer Quando foi posta a pergunta E em resposta seguir E seguir Por que fazer-se de vida E assim continuar E continuar em malhas e verdades muito pequenas Um instante de sempre recomeço E mais uma ver singrar Algo de já imponderável Apostamos em permissões alheias E seguimos por insultos vestidos E entre vivos teríamos que �icar.
RAPSÓDIA
ou o tempo que insiste
XIII
FERNANDO ZANETTI
O grito do vaso, que quebra Jorra sangue de si Furam os olhos e vasam tinta vermelha, daquela que sofre Se dura até a morte Sobrevive, ao sangue patriarcal Ela reluta por desejos exclusos A alma de ser, que feminina dizem ser Sangra entre as pernas delas que proclamam, a luta Que resiste ao furor diário Que fortalece naquele Desentendimento aqui, ali E, depois... furam seus olhos Sangra as dores, nas entrelinhas Daquelas que dizem ser poetas Mas, que apenas vivem sob doce amargura que é Sobreviver ao caos, que se derrete indulgente Ao asqueroso licor sanguinário Das míseras entranhas.
Émily L. A. Albuquerque
fotos por Mario Henrique de Souza
por Manoel Ruiz CorrĂŞa Martins
foto por Ricardo Abussafy
com a BANDA
VAMO VOVÓ ales por Priscila S safy Ricardo Abus Bigeli Maria Cristina Barbosa José Antônio
foto: É
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A
banda Vamo V de 20 11. Irr ovó Big Ban e d surg v erente parece iu em por in m e d s o e Ass na de ovar a divert u i m r m hum is, em meio o tem úsica b funk, m ao po or ra a do o p rchinhas de sileira, busc todo, ao pa único, a ba contexto un n am infl s ca i úblico uência so que flert da conta co versitário, e do int rnaval, além álbum m me am co m nov s em s erior e de MP em 20 ados map onorid e inte B da cap 1 não é rofissi g ades d r a ital pa . Receita – u tarefa 7, a banda v n t o e s n i versas alizaçã que m ulista. fácil em cr banda , mesc o. Na iando Com m a receita es tão irr . Nas linhas l b a n u p s e d sca ú e u próp o c s que se e sonho rio esp icas autorai ial da Vovó – rock’n roll, s. Gost verente, e, segue ska, s a m tem claro, ar que te pegar apren os o p ço no interi e tendo lan m agr em os íamos de fri d r a ç o a d e a s r z ó a r d aer de c p c r boa d o seu onhec aulista, que ose de ulos e senta : tudo isso n um pouco p r i m e e o sobre , ir r whisk terço, músic r um pouco como sabem o y cairi em na cade interior pau essa v a, con a melh ira de da tra lista. A ó não o s, je v b c or, po pede b is com alanço para onselhamo ívio, produç tória dessa ença, sa ão cu o diz a entrar ela só ltu pensa no clim todos a faz músic erem u ral e em en a Minh a. Ou, doida m a p ens vó t bolo, r”. Des ejamo á maluca, “e ando bem, u s uma ssa vó ma boa le não re itura! za o
cachorra da casa – e então começamos a pirar com a ideia. Além disso, o Artur já tinha trazido a base da música quase pronta, e começamos a colocar a letra em cima.
CIRCUITO: Vocês têm na página do Facebook da banda uma receita da Vovó: “4 Rock´n Rolls; 4 colheres de (sopa) de Funk; 3 xícaras (chá) de Ska; 2 colheres (sopa) de Marchinha; Modo de Preparo: Misture bem até obter uma consistência cremosa! Sove e nunca deixe descansar. Despeje em uma assadeira em formato hexagonal pré-untada e leve ao forno até dourar. Depois de assado, frite!!! Acredite, vai ficar ótimo! Sirva-se à vontade!” Como é preparar esta receita em nove cabeças, dezoito mãos, enfim, com quase uma dezena de corpos?
CIRCUITO: Em setembro a banda completa 6 anos de história. Vocês poderiam contar um pouco da trajetória da Vovó: como se deu a formação da banda, a escolha do nome e o encontro dos atuais integrantes? Vamo Vovó (Conrado): A banda começou em 2011, com o vocalista Guilherme (Guito), quando ele convidou alguns de nós para tocar duas músicas que ele tinha composto para disputar o Festival de Ilha Solteira. Não ganhamos, mas de lá voltamos com o nome. Um amigo nosso, ouvindo uma das nossas músicas, disse que escutava: “vamo vovó, vamo vovó”, e disso fomos desenvolvendo com o tempo essa identidade da vovó, com músicas e com letras que remetessem à vovó, que tivessem uma pegada irreverente. Então, a partir de 2011 foi um processo continuo de ir amadurecendo essa identidade que culminou no nosso primeiro CD. Sobre a formação dos integrantes, nos conhecemos por conta da UNESP, com exceção do André e do Felipe que vieram depois. Mas todos nós cursamos ou ainda cursam a UNESP e foi a partir desse encontro que começamos a banda. Éramos amigos, já tocávamos juntos com um e outro, e a partir do convite do Guito a banda foi se firmando e outros integrantes foram chegando.
Vamo Vovó (Guilherme): Foi muito trabalho! São seis anos de banda, é muita informação e às vezes não absorvemos direito, mas a gente conseguiu entrar num consenso de organização. Existem núcleos na banda e cada um tem a sua dianteira. Um cuida da técnica, outro cuida das informações que são levadas à mídia etc., existe uma gama de pessoas que trabalham em diferentes focos, além de estarmos todos os dias juntos fazendo som. A formação decorre da experiência e estilo de cada integrante. Nem todos ouvem a mesma música diariamente, cada um tem seu nicho e eu acho que com isso fomos montando a Vamo Vovó. Não é à toa que a gente explora diversos universos musicais.
Vamo Vovó (Artur): Tudo que era desleixado, ou então muito bêbado, era mundrungo. “Ah o cara tá mó mundrungo, ah o Lico tá mundrungo hoje”. Falávamos mundrungo pra tudo, então pensamos: “vamos fazer uma música sobre o que é o mundrungo”. E é isso mesmo, no processo de composição tem música de praticamente todos os membros da banda, todos colocam alguma coisa e vira aquela “saladona” mesmo. A “Tarantela da Nona”, que está no primeiro CD, foi uma brincadeira que o Leonardo puxou no nosso grupo do Facebook. Ele escreveu lá: “spaghetti, capelete, mama mia na mobiliete”. Daí o Tiago comentou: “porpetone, nos molhones da família Corleone”, aí eu já comentei em baixo e fomos compondo a música ali na brincadeira. É mais ou menos assim que saem as músicas, meio no espírito de piada interna. Ou então, quando a música é mais séria, já chega mais pronta. Vamo Vovó (Yedo): As mais sérias chegam na peculiaridade de cada pessoa. A “Coração sujo”, por exemplo, o Conrado fez e trouxe pronta quase. O Leonardo também com a música “Circo”, que é uma parceria com o Guilherme.
“Nem todos ouvem a mesma música diariamente, cada um tem seu nicho e eu acho que com isso fomos montando a Vamo Vovó.”
Vamo Vovó (Artur): Às vezes um vem com uma ideia, com a base de uma música e fala: “ó galera, tô com essa ideia de música”. No ensaio a gente tira a música e começa a formar uma ideia em cima daquele pedacinho, faz letras, os arranjos e aí sai algo. CIRCUITO: Mas vocês também fazem parcerias com outras pessoas nas composições? Vamo Vovó (Yedo): No caso do Mundrunguera, por exemplo, o Artur chegou com a música, com o “mundru, mundruguera”, fazendo uma piada, pois nossa casa estava muito suja. Aí estávamos o Clodoaldo (banda “Clodô Bananeira”), o Guilherme, o Tiago, eu e a Loka – que é a
CIRCUITO: A Maria Rita foi uma das últimas a integrar a banda e é a única mulher. Mudou alguma depois da sua chegada?
Vamo Vovó (Conrado): A Maria é uma pessoa mais organizada, centrada, e acho que a gente precisava desse contraponto na banda. É uma presença feminina que fez toda a diferença no cuidado que a gente tem agora, até para escrever. Eu acho que, algumas vezes, a Maria deu toques fundamentais apontando direções que não seriam legais seguirmos, fora o fato de ela ter uma voz potente e forte. Então para a banda isso agregou bastante. A gente chegou a experimentar com outras meninas, mas foi com a Maria que deu este encaixe.
Vamo Vovó (Maria): Eu cheguei por um convite do Guilherme. Não éramos amigos no Facebook, nem nada (risos). Eu estava zapeando na internet e tinha uma mensagem dele me perguntando se eu podia cantar com eles numa apresentação no Galpão da V.O. (Vila Operária), mas fui ver a mensagem muito tempo depois, entrei em contato e perguntei se ainda dava tempo. Eu estava num momento muito musical e comecei a ir nos ensaios de um jeito muito sutil, por não conhecer direito os meninos e eles já terem uma relação bem construída. Eu estava chegando e observando. Já essa questão de ser mulher
me passa de uma forma muito secundária. Eu acho que durante algum tempo o fato de ser menina criava uma relação de muito cuidado, sabe? Eu falava: “nossa, vocês são todos uns brutamontes e aí eu chego aqui e vocês começam a falar com uma vozinha assim... oi Maria” (falando macio). E eu ainFelipe que estão cursando a UNESP – da estava conhecendo essa galera... Mas mas decidimos ficar pela banda e levar acho que na composição com a banda isso isso de uma maneira mais séria, com não fica em primeiro plano. A gente forma horários marcados para ensaio, enfim, um coletivo com muita sintonia e quando mais para o lado profissional. Esse marsubimos no palco eu me perco nisso. Tem co foi em 2014. apresentações em que vem uma coisa mais feminina, mas tem outras que não, eu esVamo Vovó (Artur): Outro marco foi tou querendo extravasar ali também, sabe? quando decidimos gravar o primeiro E os meninos têm um lado sensível muito CD, também em 2014. Tem vários ponforte, com essa questão da feminilidade. tos, na verdade. Um deles é quando nos Sobre a questão da masculinidade, eles perguntamos o que iríamos fazer após a têm um cuidado muito grande, de se avalformatura, outro era gravar o CD. Depois iar, se olhar, se questionar. Acho que quanpensamos que não era apenas gravar o do o Conrado fala dessas contribuições, eu CD, a gente precisava investir em outras não precisava chegar e falar assim: “meu, coisas, como no Spotify, no iTunes, no vocês são uns idiotas”. Não, era assim: “o SoundCloud. Criamos mídias sociais, teque vocês acham de mos uma pessoa que a gente pensar isso, está trabalhando com essa pauta?; o que a gente agora, no senvocês acham que tido de alimentar a está acontecendo no nossa vida online e de cotidiano, será que tentar vender o nosso vale à pena ir por também. esse caminho? ”. EnVamo Vovó (Conratão, fico pensando do): Nos profissionalna possibilidade desizamos na marra, eu ta pergunta: o que é acho. À medida que a ser mulher? Será que coisa chegava no limexiste uma diferença ite e falávamos: ou a mesmo? gente muda alguma coisa ou não dá mais. Foi um processo longo de seis anos e ainda CIRCUITO: Vocês vêm se profissionalizan- estamos amadurecendo.
“Depois de já ter tomando um monte de cerveja e vodca. O Espanta (Tiago) estava tão louco que a guitarra dele foi parar em Londrina.”
do. Em qual momento vocês sentiram que valia a pena se dedicar e investir no projeto da Vamo Vovó? Houve um momento em específico ou foi cada um em seu tempo? Vamo Vovó (Yedo): Foi mais ou menos em 2014, depois da formatura (risos). Mas foi um momento também em que muitos precisavam ir embora. Nós tínhamos outros planos – tirando o André e o
Vamo Vovó (Tiago): DDesde ajustar os horários de ensaio. Porque imagine nove pessoas que têm que arranjar um horário específico para ensaiar durante duas horas?! Foi difícil. Muito atraso, muita briga por causa disso e fazia falta essa responsabilidade que queríamos enquanto profissionais. foto: Éder Capobianco
Vamo Vovó (Artur): Também saber administrar o dinheiro pensando na continuidade e no crescimento da banda. Por exemplo, nunca recebemos cachê. Todo dinheiro que ganhamos retorna para a banda como investimento. Pagamos o CD, o primeiro clipe e instrumentos assim, e estamos pagando o segundo clipe também assim. Essa profissionalização se deu desde uma organização humana até uma organização material. CIRCUITO: Antes de passar pra próxima pergunta, a gente quer saber: afinal, o que aconteceu na formatura? (Risos generalizados) Vamo Vovó (Maria): Foi na minha formatura. Eu tinha ficado um ano convencendo minha turma a contratar a Vamo Vovó para tocar. Seria um dos maiores cachês que receberíamos! Consegui uns convites para a galera [da banda] entrar e aproveitar o evento [antes de tocar]. Mas na hora foi tão emocionante para mim que eu desconsiderei o caos que estava acontecendo no palco. A galera estava muito louca! Vamo Vovó (Artur): A gente tocou às quatro da manhã. Vamo Vovó (vários integrantes falando): Depois de já ter tomando um monte de cerveja e vodca. O Espanta (Tiago) estava tão louco que a guitarra dele foi parar em Londrina. Quebramos um monte de equipamentos. O cara da outra banda, que era dono dos equipamentos, enviou um e-mail gigantesco acabando com a gente. Isso foi uma grande lição! Vamo Vovó (Maria): E acho que foi importante para a mudança da minha relação com a banda. Porque eles tinham tanto cuidado comigo, mas tanto cuidado, que no dia que precisavam ter mais cuidado, foi o dia em que eles foram mais descuidados. (Risos)
Vamo Vovó (Guilherme): Sobre as prefeituras, é muito importante que os órgãos públicos deem incentivo cultural, isto é, apoio. Mas também há um lado bastante difícil que é o atraso nos pagamentos. Passamos dois meses esperando receber o cachê da prefeitura de uma cidade do interior de São Paulo. Nós tivemos que ficar cobrando, inclusive porque colocamos dinheiro de transporte e alimentação do nosso bolso para irmos até a cidade fazer o show. Vamo Vovó (Artur): Vou contar um “causo” para ilustrar. Oferecemos nosso trabalho para uma prefeitura aqui da região que faz uma festa grande, que atrai por dia cinco mil pessoas ou até mais. Mandamos o clipe, release e o valor do nosso cachê e depois de um mês eles mandaram resposta via documento dizendo que a gestão anterior tinha deixado a festa sem verba. O documento dizia: “gostaríamos muito de contar com vocês, mas não podemos pagar nada”. Aí fica difícil! Nós queríamos tocar, queremos espaço para tocar, mas não pode ser desse jeito. É um desrespeito com o artista independente falar “vem tocar de graça”, entende? As prefeituras deveriam atentar mais para isso. É uma mentalidade que pensa que arte não é trabalho. CIRCUITO: A revista se chama Circuito, nada mais adequado vocês nos contarem sobre o circuito de apresentações que vocês vêm criando nesta trajetória. Quais espaços e eventos vocês encontram para tocar? Vamo Vovó (Artur): Começamos tocando em Assis, nas festas que estão ligadas ao circuito universitário da cidade, principalmente da UNESP. A partir das festas de Assis, começamos a tocar em outras festas do circuito universitário das cidades mais próximas. Fomos para Londrina, Marília, Presidente Prudente, Ourinhos, Bauru, Ribeirão Preto, Franca, em São Paulo tocamos no Zé Presidente, ou então em festas de grupos, como do pessoal do Mobiliza São Manuel. Tocamos ainda no Festival Interunesp de MPB em Ilha Solteira, no Grito Rock em Dourados. Tudo isso bem ligado ao Circuito Universitário, ou ao circuito de música independente e alternativa. De uns dois anos para cá, esse circuito começou a expandir. Mas ainda queremos mais. Vamo Vovó (Tiago): É legal também falar do bar Gato Negro aqui de Assis, no qual tentamos criar uma rede de intercâmbio entre bandas de fora para conseguir espaços em outras cidades, porque ainda há muita resistência com a música própria. Agora a gente está com um CD que vai facilitar a nossa vida, mas até então a gente tentava conseguir os nossos shows desbravando, mandando e-mails e mensagens, enchendo o
saco para conseguir tocar. A gente tem um material de qualidade para oferecer e mesmo assim não consegue muita coisa. Quem faz mais esse papel é o Guito (Guilherme) e agora com o CD a gente consegue mais espaços. Sobre as dificuldades que a gente enfrenta, realmente estamos tentando nos profissionalizar enquanto banda, mas quando cobramos R$ 10,00 pela entrada no bar, valor que cobre os gastos básicos da manutenção da banda, ainda há resistência das pessoas que não querem pagar para assistir.
Vamo Vovó (Tiago): Ou que arte vem da capital, arte não vem do interior, entende? O interior não produz arte.
Vamo Vovó (Guilherme): E tem outra: o artista às vezes se sujeita a isso, o que tem que parar de acontecer. Muitas vezes a gente toca para ninguém ver, principalmente quando é música de bar. O contratante não está nem aí e você tem que responder na mesma altura. A prefeitura não faz o mínimo esforço para compreender a arte, acha que arte é o que traz público. Existem culturas esquecidas que a gente vai deixando de lado, das quais tem sempre que ter alguém para relembrar, só que nunca tem Vamo Vovó (Artur): No caso de Assis, ninguém para assistir. A prefeitura não se sentimos falta de um espaço público ceesforça para fazer a divulgação, para fazdido pela cidade para podermos mostrar er acontecer, e aí ninguém liga para o arnosso trabalho. Nós temos parceria com tista. E na verdade nunca ligou. Esse é um o Galpão Cultural, mas problema que vem a prefeitura não cede desde Roma (risos). espaço nem para nós e Não é brincadeira! nem para outras bandas É brincadeira, mas que fazem som autoral não é brincadeira. – porque tem uma porraEu sempre brinda de banda que gostarco com isso, digo ia de ter esse espaço e que os únicos que acho que é interessante não podiam votar para a própria cidade em Roma eram os conhecer também o que artistas e as prosela mesma tem a oferecer. A partir do motitutas – e os dois mereciam espaço ali, mento em que a gente começou a ter, digporque eles levavam a sociedade a ferro amos, uma “vida online” mais significativa, e fogo. Mas não dá para ficar dependenmuita gente da cidade começou a conhecer do desses órgãos, agora também não dá o nosso som. Mas se tivesse conhecido anmais, e temos que fazer por merecer e tes, vendo a gente tocar ao vivo na cidade, não ficar esperando ninguém. também teria gostado. Nós gostaríamos de tocar na Virada Cultural, por exemplo, que é organizada pelo estado e pela prefeitura, mas como não há esse canal, esse espaço, a gente precisou ter o CD para as pessoas chegarem até a gente.
“Muitos de nós não trabalham só com música, então pra você ser músico hoje, você tem que se desdobrar.”
Vamo Vovó (Artur): Só um toque, se for nos convidar, não vem com esse papo de: “ah vem porque vai ter gente”. Já temos um monte de gente na banda, então já tocamos para um monte de gente. CIRCUITO: Sobre a questão da valorização dos artistas da capital e a questão do circuito de artistas que buscam fazer trocas de experiências. Como se dá este intercâmbio? Vocês têm encontrado bandas autorais? Conseguem fazer intercâmbio de espaço e músicas? Há essa troca de experiências no interior? Vamo Vovó (Guilherme): O próprio circuito que conseguimos desenvolver na região nos proporcionou conhecer outras bandas, e é muito legal esse intercâmbio porque eles também não têm lugar para tocar. As casas de show aceitam mais as bandas que tocam músicas cover – que trazem público e com as quais é mais fácil conseguir bilheteria – porque o pessoal não quer conhecer nada novo. Quando você começa a viajar e a participar de movimentos culturais independentes, na contramão do viés capitalista, começa a conhecer gente muito interessante, e esse pessoal tem a mesma problemática que a nossa: quer ser artista, músico e viver disso. Muitos de nós não trabalhamos só com música, então, para você ser músico hoje, você tem que se desdobrar. Tem que fazer coisas que você não gosta de fazer. Você tem que dar aula, você tem que tocar em bar, você tem que fazer freelance, você tem que fazer uma cacetada de coisas, e às vezes a gente não quer fazer isso. Então, nós ajudamos a todo momento, criando, assim, uma rede independente que se ajuda a todo momento. O pessoal de [Presidente] Prudente é super solícito conosco. Há também várias bandas pela região, como O Mocambo Groove, Dom Pescoço, Depois do Fogo, Brothers Reggae Sound. Em Assis mesmo tem muita gente boa e não há reconhecimento: o Guido, o Shandala, Heresia Blues, Dor de Gulliver, o Clodô.
da música autoral, naquele sentido de “prata da casa”. É aquela coisa, “santo de casa não faz milagre”. Um dos objetivos que a gente alcançou – não sem suar muito – é ter um público na cidade, o que é algo interessante para uma banda independente. Mas esse público está muito direcionado e ligado à UNESP. Quando outras bandas vêm para cá e veem a relação do público com a nossa banda, eles falam: “vocês conseguiram!”. Corremos atrás desses espaços, mas não podemos negar que temos o privilégio de ter esse público. O público universitário já tem uma noção diferente do que é a arte. Vamo Vovó (Guilherme): É um público que sempre se renova. Porque a galera vai embora e leva a nossa música para São Paulo, para Belo Horizonte, aí voltam outras pessoas e levam a música e trazem outras... Acho que é um intercâmbio bem legal esse da UNESP. CIRCUITO: A banda acabou de lançar o álbum MUNDRUNGUERA. Poderiam contar um pouco sobre essa experiência: gravação, arte da capa, escolhas das músicas, lançamento e distribuição. Vamo Vovó (Maria): Foi um processo longo de pensar e planejar até iniciar a gravação do CD. Foram quase dois anos para gravar. Acho que foi um reflexo muito grande do que era a nossa organização. Era muito difícil conseguir conciliar as idas ao estúdio e afinar isso de não estarmos juntos. Eu mesma fui só no final. Quando foi chegando no final da gravação das faixas, conseguimos visualizar isso na própria composição das músicas. No fim nós demos um gás e todo mundo participou junto, o que nos fez perceber que juntos o CD ia sair de fato e mais rápido.
“E o carinho da galera?! Quando você vê a galera chegando e pedindo pra autografar... E não era um, você via uma galera fazendo questão. Imagina pra recolher nove pessoas no meio de quinhentas.”
Vamo Vovó (Artur): Quer ver um exemplo? Tinha um cara em Assis, o André Melo, que infelizmente faleceu no ano passado. Ele era conhecido de todos, talvez o maior músico da história da cidade, e mesmo assim tinha um espaço restrito para tocar. Um cara com o qual todos nós já tivemos contato, tanto com ele como com os filhos dele que tocam. É perceptível que se trata de uma questão cultural de desvalorização
Vamo Vovó (Guilherme): O legal também é que não procuramos gravar em São Paulo. Preferimos ver qual que é a do cara que está aqui na cidade, que é o Paulo e que tem um ponto de vista bem conceituado sobre a música. Vamo Vovó (Maria): A perspectiva é sempre da parceria, de buscar parceiros locais. Depois desse processo de gravação, que é a matéria prima bruta, teve toda a mobilização para produzir o CD, que foi bater no peito e fazer. Corremos atrás de código de inscrição na Biblioteca Nacional, dos direitos autorais. Aprendemos tudo sozinhos, lendo tutoriais. Vamo Vovó (Guilherme): É uma burocracia bizarra! Você tem que ter inúmeras coisas para conseguir lançar um CD e isso acaba deixando o artista independente marginalizado. Há coisas que talvez sejam muito simples e são muito mal explicadas para o público. Além de ser caro, você tem que criar artimanhas para ir driblando várias coisas até chegar e conseguir fazer o negócio. E é confuso mesmo, porque existem vários profissionais no mercado que fazem esse trabalho, então não é interessante o músico independente entender isso. Até aprendermos a fazer isso, tivemos que sentar muito para entender, para conversar com as distribui-
deixando uma dentadura dela, resquícios da vovó. Uma cadeirinha de balanço, um aparelho auditivo quebrado, o livrinho de receitas dela, tudo isso está no encarte. É uma véia underground. CIRCUITO: E no lançamento do CD, vocês também fizeram parceria com um artista independente? E como foi o lançamento do CD no Gato Negro?
doras de CDs e os fabricantes. Um lado é o produtor do CD, outro é o produtor das músicas. Mas, no nosso caso, como foi tudo criado em conjunto, é tudo escrito no nome de todo mundo. Não tem um que é o dono de alguma coisa, todos somos donos, todos fizeram música. Vamo Vovó (Yedo): Continuando esse papo da parceria, foi muito legal a questão da arte com o Diego Martins e com o Rodolfo. Nós demos autonomia para ele, e ficou acima do que esperávamos. O trabalho ficou muito bonito, e me surpreendeu tanto a qualidade da arte quanto a parceria que criamos.
Vamo Vovó (Guilherme): Aqui na cidade de Assis tem muita gente boa, como no caso do Diego Max, que é um ótimo artista gráfico. Então nada mais justo do que compor com essas pessoas. Percorremos lugares que já conhecíamos, com o qual já tínhamos contato, e também do underground. Não adiantava nada a gente pedir patrocínio para as Lojas Cem, por exemplo, tínhamos que pedir patrocínio para um cara do skate, da tatuagem, pessoas que se identificassem com a gente. Vamo Vovó (Artur): Ele sacou o conceito da banda na hora. Ele fez o cartaz com uma mina Black Power e outro de um cara Black Power, nós olhamos e achamos lindo. Mas voltando na questão da profissionalização da banda, por exemplo, a gente nunca tinha saído para pedir patrocínio aqui em Assis, porque também não tínhamos um CD na mão. A partir do momento em que o CD ficou pronto, passamos a apresentar o CD e o release, e fomos muito bem recebidos. Nesse sentido, temos que agradecer a cidade, porque esses patrocínios proporcionaram o lançamento do nosso CD – independente e bem feito. Nos proporcionou fazer um stand para vender nossos produtos com imãs de geladeira, camisetas, adesivos, e a Maria fez bolinho de chuva (risos). O lançamento do CD foi um momento que deu um impacto até na gente.
“No decorrer dos anos vamos aprendendo a mexer com várias coisas. O clipe da música “O fim do mundo” foi uma experiência que foi o fim do mundo (risos).”
Vamo Vovó (Guilherme): Que é o lance de confiar no artista independente. Você lança o trabalho e a pessoa apresenta ideias, nós confiamos e só queremos ver o resultado.
Vamo Vovó (Artur): Sobre o nosso logo, o Diego fez toda uma pesquisa de escrita. O estilo da letra do logo, por exemplo, é um estilo de cartazes de festas quase que pós-hippie dos anos 70. Cartazes de filmes, do Quentin Tarantino, filmes de terror. Misturou tudo e nos mandou todas as referências visuais com vários logos e mandou para escolhermos. Isso há três anos. E ele foi criando esse conceito visual da Vamo Vovó com a gente, que seria a vovó, a “véia”. A gente costuma chamar o nosso público de netos e netas, então pensamos se a vovó iria aparecer na arte da capa do nosso CD. Será que vai ter uma véia ali? Então acabamos
Vamo Vovó (Yedo): E o carinho da galera?! Quando você vê a galera chegando e pedindo para autografar... E não era um, você via
uma galera fazendo questão. Imagina para recolher nove pessoas no meio de quinhentas. E saber que esse material está tendo um retorno para a gente, não só artístico, mas um retorno financeiro para a banda conseguir se fomentar. Estamos vendendo o CD a R$ 10,00. Não é um preço tão exorbitante, é bem simbólico para continuarmos fomentando o custo da banda. Então acho importante ver que teve uma aceitação bacana da galera que fez questão de comprar o CD. Vamo Vovó (Artur): Estes dias teve uma amiga nossa que estava viajando de ônibus, ela mora em Santos e gosta de acompanhar o nosso som, acompanhou o nascimento da banda. Ela falou que achou super legal termos feito o CD, porque ela achou o discman que não usava fazia 15 anos e viajou ouvindo a Vamo Vovó. Pouca gente lança CD hoje em dia, principalmente banda independente. E nós fizemos, e fizemos mil cópias! Mas foi legal, porque o pessoal ouve no carro, ouve em casa. CIRCUITO: Produzir um CD nesta onda digital ainda pode ser uma estratégia ou trata-se de uma insistência romântica? Vocês acham este tipo de materialidade de registro importante pra música? (risos) Vamo Vovó (Guilherme): É até saudosista, não? Porque está dentro da gente percorrer o vinil, percorrer o CD. E é bonito ter o negócio ali (risos). Mas ainda faz parte. Mesmo que você use as mídias digitais, você tem que ter um portfólio, você tem que ter um materi-
al de venda. Não é só a internet que vai ajudar isso, ela é muito boa para quem é muito famoso. Então, a gente tem que ter um material físico, principalmente para chegar mais próximo dos contratantes. Não é só falar “tem lá no SoundCloud”, não é assim. Tem que ter um portfolio, tem que ter um negócio bonito para mostrar. Chegar no cara e falar assim “tá vendo, a gente não vai acabar em um mês, pode deixar que a gente vai vir fazer o show”. Tem que ter a nossa contrapartida de botar respeito no produto. Vamo Vovó (Artur): Quanto a essa questão de ser um produto físico, como vivemos de show, nós termos o CD para vender, é importante, porque traz um cachê a mais e as pessoas voltam para casa com essa arte. Além do romantismo, tem a questão de ter a arte do CD na mão, o encarte, o livro de receitas da vovó. Acho que é uma questão geracional, da nossa geração, então acaba sendo um pouco romântico sim. CIRCUITO: Ainda sobre o CD, qual a diferença de tocar ao vivo e no estúdio? Perguntamos isso por percebemos uma diferença entre o show da banda ao vivo, com uma alta carga de energia e o álbum que apresentam as músicas de forma mais lenta. Foi uma escolha?
relação de convívio no estúdio, precisamos estar quietos e concentrados.
Vamo Vovó (Guilherme): Parece que no CD fica contido, não é? Percebemos isso também. Acontece com inúmeros artistas. Existem várias formas de gravar um CD: ao vivo, em partes, um grupo, depois outro grupo, uma pessoa de cada vez. Então o processo de criação é diferente do show mesmo. É lógico que tentamos transmitir muitas sensações do show, mas seria até impossível em algumas partes. Lembro sempre do Barão Vermelho: no seu primeiro disco os jornais caíram matando. Mas é impossível, entendeu? O disco é legal também. Eu adoro! E o show é muito bom. Então, você tem que saber separar as coisas, tanto que tem músicas no CD que às vezes não apresentamos nos shows. Primeiro temos que sentir a galera para saber se essa música vai caber no momento. Tem música que em determinado lugar não surte efeito. Precisamos ter esse know-how, essa experiência de conhecer as pessoas e ver onde nós estamos tocando. Então são produtos diferentes. Vamo Vovó (Tiago): Ao longo dos dois anos de gravação, essa foi uma preocupação constante. Como tentar transmitir a vibração que tem os nossos shows para o CD. Não foi à toa que demorou tanto tempo. Nosso processo de gravação foi cada um gravando meio que separado. Vamo Vovó (Yedo): Acho que por isso há uma certa contenção das emoções, porque você está sozinho, acabou de sair de um trampo x, aí vai gravar, você se prepara para gravar, só que não consegue olhar para o companheiro e dar risada (risos). No show o negócio ferve, é uma emoção a mais. Eu vi isso em algumas gravações em que estávamos mais unidos no final, as músicas saíram mais enérgicas. Acho que é devido à
Vamo Vovó (Artur): Todos nós já participamos de outros projetos musicais. Posso falar por mim de outros projetos que já participei. A Vamo Vovó tem uma ligação muito grande com o público nos shows ao vivo. É um bate-volta, como se fosse um diálogo mesmo. Tem outro tipo de interação. Costumamos falar que o pessoal fica pelado no nosso show, fica seduzindo a gente, e no estúdio não tem o público. O fato de ter o público e ter o pessoal tocando do lado, tudo isso traz uma energia mesmo. Então o show ao vivo é o que é mesmo. CIRCUITO: Sabemos que vocês já produziram dois clipes (Mundrungueira e Fim do mundo) e estão no processo de produção do terceiro (Coração sujo). Poderiam nos contar um pouco sobre a experiência dessas produções? Vamo Vovó (Guilherme): No decorrer dos anos vamos aprendendo a mexer com várias coisas. O clipe da música “O fim do mundo” foi uma experiência que foi o fim do mundo (risos). Fomos nós que fizemos: filmamos, editamos e tudo. E não é um trabalho inteiramente profissional. Já o “Mundrungueira”... a pergunta é provocativa, porque chegamos à conclusão que “O fim do mundo” não é um clipe. O clipe é o “Mundrungueira”, que consideramos o nosso primeiro, e o nosso segundo clipe vai sair agora, que é o “Coração sujo”. Os dois foram feitos pelo mesmo grupo que se chama Na Veia Filmes (SP), um grupo de São Paulo que faz cinema de guerrilha, um cinema em cima de problemas sociais, ou artístico com roteiros fantásticos. E eles são independentes. Tanto que largaram seus empregos para formar uma produtora de cinema. E eles são parceiros nossos de muito tempo, principalmente meus, porque os conheço desde criança. Tanto que a música “O fim do mundo” é de um dos diretores do Na Veia Filmes. Ao meu ver, o primeiro clipe foi um clipe ao vivo, para o qual retiramos muitas das cenas da Semana de Liberdade Criativa, um evento sensacional fomentado pela
“Acho que o desejo de todos para o futuro é poder viver, pagar as contas a partir da arte que fazemos.”
UNESP/Assis, feito pelos alunos e não pelos docentes, do qual várias pessoas aqui participaram por muito tempo. Buscamos trazer isso para o clipe, porque o “Mundrungueira” faz parte daquele clima, crescemos ali, a gente deve muito àquele evento. Então, o primeiro clipe é muito saudosista, é romântico. E a experiência maior, ao meu ver, foi para os produtores do clipe que ficaram abismados com a diversidade cultural do evento, com a verve do público, aquela emoção abismal e a nossa emoção em cima do palco enquanto artista. As palavras do Calamaris, um dos produtores, foi: “Eu nunca vi isso na minha vida, nem em São Paulo a gente vê isso. Estamos começando a ocupar espaços públicos agora em São Paulo e vocês já fazem isso aqui com muita propriedade”. E é um lance de dez anos, não é um lance de agora. O segundo clipe [Coração sujo], roteirizamos mais, então já tem um contexto cinematográfico. Não é só um clipe, é um curta. Vamo Vovó (Artur): Inclusive em termos estruturais, porque para o primeiro clipe a equipe cinematográfica tinha 5 pessoas e para o segundo tinha 22 pessoas mais os figurantes. Como o Na Veia Filmes produz curtas, eles propuseram fazer um curta com a música e dele extrair um clipe. Então foi uma troca mesmo. Mas quem colocou a estrutura em termos financeiros fomos nós. E temos em vista que esse clipe do “Coração sujo” vai ser concluído até junho ou julho, máximo agosto. Quanto ao primeiro, “O fim do mundo”, por mais que não seja um clipe profissional, foi um experimento nosso e é legal porque ele mostra um pouco do que nós somos. Da zoeira, da gente viajando, brincando um com outro, algumas cenas da gente tocando. Quanto à Semana da Liberdade Criativa, é um evento da UNESP de Assis, do qual eu fiz parte das primeiras [edições]. Depois, também o Conrado, o Leo, os meninos e o Tiago. Era um evento discente que o pessoal da UNESP resolveu fazer, e era justamente a ideia de como o público universitário lida com a arte. Tem muita gente que está estudando e que faz arte. Então buscamos abrir um espaço dentro da Faculdade para que se mostrassem a arte ali produzida. Os anos foram passando e as pessoas iam crescendo, saindo dali e indo pra outros lugares E foi crescendo o evento também com as gestões anteriores. A direção anterior fomentava este evento. Dava um palco que trazia duas mil pessoas, inclusive da cidade. Isso dava um jeito de quebrar esse mundo fechado da universidade. As pessoas iam nas oficinas, tinha um ótimo feedback, tanto que o pessoal veio de São Paulo e ficou abismado. E fica aqui registrado o protesto, não só meu, mas da banda, com a gestão atual da UNESP,
a direção atual que acabou com o evento. Só não acabou porque as pessoas insistiram e fizeram o evento, embora sem estrutura nenhuma, não tendo assim o festival que era o encerramento, o ápice do evento, por conta de uma gestão que não dá a mínima importância para isso. Sabemos como está o contexto atual do país em termos de gestão pública. Lamentável, lamentável... um retrocesso mesmo. CIRCUITO: E sobre o futuro? O que vocês estão planejando? Quais são os próximos projetos? Vamo Vovó (Conrado): Agora é correr um circuito de lançamento do CD. Nós fizemos apenas em Assis, por enquanto. Mas a ideia é que os próximos shows sejam um apêndice desse show de lançamento em outras cidades, percorrendo o circuito do Estado e promovendo o CD. E para o futuro, gravar o segundo CD. Talvez este ano ou no próximo, lançar o clipe, aumentar essa rede que é fundamental para que a gente cresça e continue tocando. Temos seis anos, somos uma banda nova. Estamos caminhando rumo à profissionalização, melhorando a mídia virtual, entendendo esse processo, buscando parcerias cada vez mais profissionais. Acho que é continuar nesta toada. Não demorar tanto pra lançar o próximo CD. (risos) Vamo Vovó (Tiago): Acho que o desejo de todos para o futuro é poder viver, pagar as contas a partir da arte que fazemos. Todos aqui têm outros trabalhos para conseguir sobreviver, mas é um desejo de todos poder trabalhar apenas com a música. Vamo Vovó (Artur): E nós reclamamos que o pessoal não nos dá oportunidade, mas temos que agradecer a vocês da Revista Circuito e do Galpão Cultural que sempre nos prestigiaram. A Vovó agradece, depois ela faz um bolo pra vocês. (risos)
MEMBROS DA BANDA André Diniz (Trompete); Artur Bez (Contrabaixo); Conrado Martins (Saxofone); Felipe Ciasca (Bateria); Guilherme Giordano - Guito (Vocais); Leonardo Lambertini (Guitarra); Maria Rita (Vocais); Thiago Vecchi - Espanta (Guitarra); Yedo Cruz (Percussão e vocais);
ASSISTA A ENTREVISTA NA ÍNTEGRA
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foto por Mario Henrique de Souza
PARADOXO SERTANEJO
por Manoela Valério
Sertão
Ser - tão Nada
Todo ser e
nada ser.
Tão-ser, nada. Ser
Tão
Tudo
e Nada ...
No vazio habita o excesso do inverso, que também é verso
por Samuel Iauany Ma
rtin Silva
O R I RESP O T I C Í IL circulares. sfrego o polegar e o indicador em movimentos na palma Aperto bem até que se esfarele o crime, coloco-o a mão da mão esquerda, enquanto os dedos dessa mesm Marlboro equilibram sensivelmente o que restou do palito de s que que tinha sido esvaziado, futuro recipiente dos farelo caso, não resultarão do trabalho manual que elaboro – nesse na teoria, sei onde entra a mais-valia. Trabalho este simples, palpitar o peito e não fossem os batimentos acelerados que fazem com o que há de vir, esquentam a cabeça. Vejo que já não me importo o status de fato caso meus pensamentos persecutórios mudem para r e angústia, que o ocorrido. Entendo, com essa sensação de praze que eu. Inclusive espaço público que habito, habita em mim mais do também que ao ter me faz palpitar sem o meu consentimento. Percebo afinal, se é público, essa ideia já mudo meu senso comum das coisas: me atrapor que me violenta? Bem no âmago daquilo que criaram e Ou isto!”. é vessaram como coisa, e disseram ao meu corpo: “Você próprio melhor, por que esse lugar incita, sem que eu queria, o meu r, eu pensa de coração? Realizo que já pensei demais, e que além r um havia terminado a primeira parte da minha missão de respira me eu que m pouco. Agora só faltava o fogo. E é claro, faltava també r o sol movesse um pouco dali de onde estava e me arriscasse a encara Outra . Funda que queima a todos os fumantes da rodoviária Barra meu peito ideia, para que cessem os pensamentos: os batimentos no transgrimas eram medo. E medo é desejo. Palpito porque não posso, que dê do porque amo. E porque odeio. Levanto rapidamente para as duas mochilas no meu tempo de respirar em paz. Viro para encaixar de que minha pressão caiu: corpo pequeno e dolorido, e me dou conta também tinha ido ao chão, levantei com muita pressa! Outra coisa em da minha mãe, nordesmeu RG.: Maicon de Aparecida. Homenag pensar no Chico: afinal, de tina, à padroeira do Brasil. Inevitável não ser filho da outra. Mesmo que me vale ser filho da Santa? Melhor seria eles que me encaravam assim, resolvi andar. Ignorando o olhar daqu inho pensando novamencomo encaram tias-avós, segui meu cam isso, isso são só reflexões te...Imagina o dia em que eu for Punk. Mas de um respiro ilícito, ou lúcido.
SUPER
LUA por Nicolas Casal
vai chegar a superlua. desde mil novecentos e quarenta e oito não vinha uma assim. disseram no jornal que a superlua não vinha desde mil novecentos e quarenta e oito porque se assustou com a gandaia. foi publicada uma entrevista de amigos da superlua que preferiam não ser identificados. j., dezenove anos, e m., trinta e cinco anos, contaram que a superlua tem também superouvidos – então os fogos de artifício e as serenatas eram, pra superlua, decibéis que só ouvimos em um lugar.
o jornal não disse qual lugar – o jornal também tem sua espécie de superouvidos, dependendo da palavra se retorce em agonia e vai parar no lixo. a palavra era guerra: a superlua ouve na serenata o que nós ouvimos na guerra, meu bem, e depois dessa declaração não teve mais gandaia. teve guerra? não usemos essas palavras, o jornal tem superouvidos, as pessoas têm superouvidos e corre o risco de desaparecerem com a superlua. a poeta brasileira adélia hilst meireles disse que a superlua não vinha porque viu um soldado atravessar o quinto espaço das costelas de um cristo em dois mil e quinze e dar sumiço no corpo. então ergueram uma lápide sem nome no cemitério da consolação, logo ao lado do mausoléu da família matarazzo. a uns metros da tarsila do amaral. e no terceiro dia tudo estava bem. d. e a. discutem: qual álbum ouvir na chegada da superlua? d. está pensando num álbum do saxofonista pharoah sanders chamado karma, lançado em mil novecentos e sessenta e nove. pharoah sanders tinha oito anos quando veio a superlua. karma tem duas músicas: uma de meia hora chamada the creator has a master plan e uma de cinco minutos chamada colors. a. prefere raça negra. o filósofo francês michel barthes-bataille-deleuze disse, ontem mesmo, que a superlua ia arrebentar a américa latina. e a américa latina ficou vazia, certa de que não iam brincar com uma coisa dessas.
quando vier a superlua, i. vai estar procurando uma esquina onde a luz não fica ligada a madrugada toda e vai estender seu cobertor ali. a superlua vem quando a lua cheia aparece no mesmo dia que o perigeu – o ponto em que a lua está mais próxima da terra. falamos na chegada da superlua como se ela fosse ficar pro jantar. e quando a superlua chegar vamos falar de nós mesmos, estampados na superlua. tememos a chegada da superlua com vergonha de que ela ouça o que falamos pra nossas crianças – não toque nisso! porque a superlua pode achar que é com ela e perguntar: “não toco no quê?” e, incapazes de confessar que estávamos falando com nossas crianças, repetiremos para a superlua: não toque nisso. a superlua vai pedir desculpas e desaparecer. viraremos o rosto, envolvidos demais na coisa toda. e agora? agora só em dois mil e cinquenta e dois, que, segundo o astrônomo c., vai ser a superlua do século. uma lua pra se recordar.