Francis Alÿs: percursos e desvios

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Percursos e desvios



FAUUSP

Francis Alÿs Percursos e desvios

Trabalho Final de Graduação Clara Barzaghi de Laurentiis Orientação Vera Maria Pallamin

junho 2014



- If you have nothing to say, said Camier, let us say nothing - We have things to say, said Mercier - Then, why can’t we say them, said Camier - We can’t, said Mercier - Then let us be silent, said Camier - We try, said Mercier Samuel Beckett



Índice

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Agradecimentos

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Apresentação

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Uma primeira problematização

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Capítulo 01 Cuando la fé mueve montanãs

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Capítulo 02 O encontro com uma cidade

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Capítulo 03 Da observação à intervenção

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Capítulo 04 Recusa ao desfecho

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Considerações finais

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Bibliografia

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Anexo



Agradecimentos

À Vera Pallamin, pelo encontro vivo dentro de um espaço que muitas vezes me pareceu árido; pela orientação precisa e a confiança que tornaram possível esse trabalho. Aos professores Laymert Garcia dos Santos e Marta Bogéa, por aceitarem participar da banca. À FAPESP, que financiou a iniciação científica que deu origem a esse trabalho. À Lili, do TFG, por me ajudar com a burocracia. À Laura, minha mãe, pelas semelhanças que me deixam inquieta. Ao Antônio Carlos, meu pai, pela confiança despretensiosa. À Gabriela Laurentiis, por me trazer de volta quando eu perco o chão. À Marina Laurentiis, minha eterna cúmplice. À Carolina Laiate, pelas reverberações. À Marina Carrara, pela ajuda na bibliografia em relação à Cidade do México. À “Mari” Pinheiro, ao Victor “Pord” e ao João Miguel Silva “Joe”, amigos queridos desde o primeiro ano e colegas de TFG. À Thais Marcussi, ao Gabriel Rochetti e ao Ricardo Stanzani, que me acompanharam nesse processo. Ao Acácio Augusto, pelas conversas esclarecedoras e animadas. Ao Rafael Urano, pela doçura. À Suely Rolnik, pelos livros emprestados, a possibilidade de contato com o artista e, acima de tudo, pela cumplicidade com aquilo que meu corpo sabe sem saber. Ao Dárkon Vieira Roque, que me ensinou a expressar graficamente aquilo que não cabe em palavras. À Valéria Marchesoni, pelo trabalho junto e pelas dicas no projeto gráfico. Ao Fernando Passetti, pelo amor que encontramos um no outro, pela relação que construímos diariamente e, especialmente, por me tranquilizar sem deixar que se apague minha potência.

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Apresentação

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Nas páginas anteriores Figura 1. Francis Alÿs com bandeira Mexicana. Fonte: MEDINA, Cuauthémoc; FERGUSON, Russell; FISHER, Jean. Francis Alÿs. 2007: 125.

Essa pesquisa surge do interesse em explorar a poética visual de Francis Alÿs, buscando, a partir da aproximação em relação a sua obra, pontos de articulação com questões levantadas por mim ao longo do curso de Arquitetura e Urbanismo na FAUUSP. Francis Alÿs, de origem belga, graduou-se no Institut Supérieur d’Architecture Saint-Luc, em Tournai, na Bélgica e, no início da década de 1980, iniciou os estudos no Istituto di Architettura di Venezia, em Veneza na Itália, onde desenvolveu sua tese de doutoramento, na qual buscou estabelecer um paralelo entre a eliminação da fauna urbana da cidade pré-renascentista e o progressivo desaparecimento do conceito de animalidade nas representações populares. Mudou-se para a Cidade do México em 1986, para trabalhar com organizações não governamentais, período durante o qual se percebeu cético com relação às políticas urbanísticas. A partir dos anos 1990, Alÿs se afasta da prática arquitetônica para se dedicar à prática artística, através da qual explorou novas formas de aproximação com o espaço da Cidade do México, onde reside ainda hoje. A frustração do artista em relação às possibilidades do planejamento urbano e sua consequente decisão de se afastar do campo da arquitetura foi o primeiro ponto de contato entre sua produção e as problematizações que levantei em meu percurso por esse território. Se as políticas de planejamento urbano muitas vezes parecem ineficazes, elas também podem ser percebidas em seu efeito nocivo a partir de processos urbanos como a gentrificação. Daí o interesse na produção de Alÿs, que permite reflexões sobre formas de intervenção no espaço urbano que não passam por uma discussão da cidade como um todo que deve seguir determinadas diretrizes. O contato com as obras do artista permitiu dar forma a questões sobre a possibilidade de atuar na cidade sem ser capturado pelos movimentos do neoliberalismo que moldam as cidades contemporâneas. Se o urbanismo parece sempre capturável, a produção artística pode problematizar essa condição e produzir situações no espaço que não são regidas pelo traçado institucional. Em um primeiro momento, essa pesquisa pretendia explorar essencialmente as relações espaciais encontradas na poética visual de Francis Alÿs, entendendo o ato de caminhar como um dos principais métodos do artista. No entanto, a aproximação do conjunto da obra de Alÿs revelou outros aspectos de sua produção que levaram a deslocamentos possibilitadores de ramificações no percurso inicialmente pretendido. Para além do caminhar enquanto prática estética, as obras de Alÿs se mostraram especialmente ricas em discussões de temas como a temporalidade e as transformações subjetivas possibilitadas pela experiência artística.


Percebi que a produção de Alÿs se constrói não apenas no espaço, mas também no tempo. Ao realizar suas ações no contexto urbano, Alÿs não trabalha apenas com o uso do espaço, mas também com o ritmo da vida nas metrópoles latino-americanas, especialmente na Cidade do México. Isso se dá de maneira simultânea, ou seja, tempo e espaço não estão desvinculados nas intervenções do artista. Pensar no espaço urbano contemporâneo é também pensar no ritmo que esse espaço implica sobre os corpos. Vivemos apressados, atravessando os mesmos trajetos diários numa velocidade alucinante, tentando chegar do ponto de partida ao ponto de chegada no menor intervalo de tempo possível. Alÿs caminha, para, observa e registra a vida na Cidade do México. Não se mostra muito interessado em chegar a um ponto final definitivo. Dispende tempo e energia em tarefas que parecem não levar a nada. Move montanhas criando um deslocamento quase imperceptível. Repete. Em suas ações, encontrei ressonâncias que me permitiram elaborar as reflexões trazidas neste ensaio. Chamo de ensaio por duas razões distintas: em primeiro lugar, a preferência do artista em evitar conclusões únicas e inquestionáveis me influenciou no sentido de não considerar que este trabalho esteja finalizado, mas sim aberto para retomadas e revisões que poderiam ser reconfiguradas em outras problematizações. Em segundo lugar, pelo conteúdo do texto, que traz uma investigação que é fruto da minha ressonância com a produção de Alÿs. Isso quer dizer que não pretendo aqui buscar verdades ou ideologias a partir de suas obras, mas sim entrar em contato com as questões que pude encontrar em sua poética. Não se trata, por fim, de atribuir valores estéticos à obra de Alÿs, mas sim de abordá-la a partir de uma outra perspectiva, percebendo como as imagens e histórias criadas por ele possibilitam a elaboração de pensamentos críticos. A discussão tenta partir de dentro da produção do artista, ou seja, houve um esforço que consistiu em cartografar as obras de Alÿs a partir da leitura de catálogos de exposição, artigos eletrônicos e entrevistas realizadas com o artista. Nas laterais deste percurso pela poética de Alÿs, situaram-se outros autores que ajudaram a olhar para suas obras. A partir dessas aproximações, o texto pôde ser dividido em 4 momentos: Capítulo 01 – Cuando la fe mueve montanãs Nesse primeiro capítulo, me debrucei sobre uma das mais emblemáticas obras de Francis Alÿs, Cuando la fe mueve montanãs (2002), desenvolvida para a terceira bienal Ibero-americana de Arte, em Lima, no Peru. Considerando o contexto histórico pós-ditadura no qual a obra foi concebida, procuro perceber de que maneira o artista atua a partir das tensões sociais encontradas por ele na capital peruana. Além disso, busco compreender como a obra, que consiste no esforço massivo de 500 voluntários para mover uma duna de areia, possibilita múltiplas experiências que reverberam na vida dos envolvidos na ação.

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Capítulo 02 – O encontro com uma cidade Francis Alÿs desenvolveu, desde o começo dos anos 1990, uma relação bastante interessante com o centro histórico da capital mexicana, onde realiza muitas de suas obras. Esse capítulo revê alguns aspectos do processo de desenvolvimento urbano da cidade, considerando as transformações que moldaram os contextos urbano e cultural que o artista encontrou quando se mudou para a cidade, em 1986. A partir disso, procuro perceber como Alÿs encara a imensidão e o caos urbano para responder poeticamente a essa realidade, observando e registrando como as mais variadas pessoas criam formas de fazer parte da vida dessa cidade. Capítulo 03 – Da observação à intervenção Ainda focando no centro da capital mexicana, me aproximo das obras nas quais Alÿs intervém no espaço, levando em consideração as discussões que abordam a caminhada enquanto prática estética e política, passando pelo flâneur, as derivas situacionistas e as práticas espaciais que propõe o autor Michel de Certeau. Busco compreender, nesse capítulo, quais os efeitos gerados pelas caminhadas de Alÿs, na cidade, no artista e no espectador. Capítulo 04 – Recusa ao desfecho Neste último capítulo exploro o desinteresse do artista em desfechos definitivos, característica frequente em suas obras construídas a partir de uma temporalidade. Ao me aproximar da insistência de Alÿs na repetição e em objetivos que não podem ser alcançados, tento compreender como o artista cria imagens dos países latino-americanos e seu flerte inconsumável com a noção de desenvolvimento.


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Uma primeira problematização

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Nas páginas anteriores Figura 2. Francis Alÿs na montagem de sua exposição Fabíola, em São Paulo (2013). Fonte: BRAVO online

Para compreender a poética visual de Francis Alÿs é preciso situá-la no contexto da produção de arte contemporânea e nas transformações que o meio artístico vem passando, desde meados do século XX, que acompanham a expansão da ordem capitalista. Se, por um lado, o minimalismo buscou refutar o caráter privado da experiência, evidenciando que o objeto artístico não precisava ser resultado de uma experiência pessoal, por outro, a arte conceitual e as novas mídias abriram espaço para temas do cotidiano que, até então, não eram discutidos na arte. Talvez seja possível pensar que, desde a radicalidade de Marcel Duchamp ao propor um mictório como obra de arte (1917), tenha sido semeado o pensamento de que tudo, a priori, pode ser arte. No entanto, a mensagem que traz é mais profunda e parece ser central na discussão da arte produzida ao longo do século XX. Não é Duchamp, mas sim Joseph Beuys quem enfatiza a importante mensagem: todo homem pode ser um artista. Cabe aqui esclarecer as diferentes perspectivas de ambos: para Duchamp, “todo homem pode ser artista porque não há mais ninguém para proibí-lo” (Du Duve, 2010: 187); para Beuys, por sua vez, “todo homem é um artista em potencial porque todo homem é dotado de criatividade” (Idem, Ibidem). Du Duve aponta que, no entanto, essa mensagem só é recebida verdadeiramente pelo mundo das artes a partir da segunda metade do século XX. Essas reflexões inauguram uma espécie de libertação do meio, ou seja, a arte não se limita mais à pintura, escultura, ou qualquer forma clássica. Mais do que isso, um artista não precisa mais ser um pintor, músico, cineasta, especificamente. O artista contemporâneo, “toma a liberdade de explorar os materiais mais variados que compõem o mundo e inventa o método apropriado para cada tipo de exploração” (Rolnik, 2001: 6). Além disso, a arte contemporânea extrapola as práticas estéticas tradicionais no âmbito espacial, abandonando os museus e galerias caracterizados pela neutralidade. As discussões sobre a relação entre a prática artística e o espaço têm sido exploradas por artistas desde os anos 1960, de forma que a escultura moderna e seus objetos herméticos deram espaço aos trabalhos site-specific, pensados em sua relação com o espaço. Enquanto a abstração minimalista dificulta o reconhecimento do corpo no trabalho, de modo que nos liberamos de pré-julgamentos já formatados, ela possibilita uma valoração do aspecto exterior da obra e, por conseguinte, dá espaço para a compreensão da obra na experiência, característica percebida especialmente nos trabalhos site-specific, que rompem com o caráter atemporal da obra de arte e transformam o espaço de arte, que passa a não ser “percebido como lacuna, tabula rasa, mas como espaço real” (Kwon, 2008: 167).


“O objeto de arte ou evento nesse contexto era para ser experimentado singularmente no aqui-e-agora pela presença corporal de cada espectador, em imediatidade sensorial da extensão espacial e duração temporal [...], mais do que instantaneamente ‘percebido’ em epifania visual por um olho sem corpo”. (Idem, ibidem) Se o minimalismo rompia com a ideia de que o objeto artístico é autônomo em relação ao espaço de apresentação, a produção da arte site-specífic rompe com o hermetismo desses espaços, abandonando a galeria e agindo como crítica às instituições e sua forma de controlar o valor de mercado das obras de arte. No entanto, essas obras que surgiram como resistência ao espaço institucional foram, com o passar das décadas, capturadas pelas próprias instituições, de modo que passaram a não mais exercer uma crítica, senão representar uma criticidade. Esse processo de captura e o interesse mercadológico pelas obras site-specific passaram a aparecer em diversas exposições. Para que isso fosse possível, os trabalhos eram deslocados de seu site original para serem, então, recriados ou reproduzidos no espaço de exposição, descaracterizando a especificidade das obras. Dessa forma, a produção artística perde sua potência e sua capacidade de resistência. Se, por um lado, esse processo possibilita que a importância histórica dessas obras seja reconsiderada, por outro, “[...] o próprio processo de institucionalização e a concomitante comercialização da arte site-specific também põe abaixo o princípio de ‘apego a um lugar’ pelo qual esses trabalhos desenvolveram sua crítica da autonomia a-histórica do objeto de arte” (Kwon, 2008: 174) Diante desse cenário, a produção artística se reconfigura, de modo que a noção de site passa a abranger diferentes debates culturais, ou seja, o site, agora, “é estruturado (inter)textualmente mais do que espacialmente, e seu modelo não é um mapa, mas um itinerário, uma sequência fragmentária de eventos e ações ao longo de espaços, ou seja, uma narrativa nômade cujo percurso é articulado pela passagem do artista” (Idem: 172). Essa nova forma de arte, agora chamada site-oriented, busca valorizar as dimensões históricas e sociais de determinados lugares, dimensões essas que foram apagadas a partir da capitalização da arte site-specific. A arte site-oriented caracteriza-se, ainda, por se apropriar de diferentes disciplinas, tais como antropologia, sociologia, arquitetura e urbanismo etc. Mais do que isso, o site pode abranger problemas políticos, situações sociais e até formações particulares do desejo. Em outras palavras, a ideia de site se afasta de uma interpretação literal como uma localidade física, se constituindo como um “vetor discursivo” (Idem: 173).

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A poética de Francis Alÿs conversa com essas questões, caracterizando-se por sua multiplicidade de meios e pelos espaços físicos e subjetivos dos quais se apropria. Em suas obras, o artista explora situações ou espaços cotidianos, elaborando novas formas de relação que reverberam construindo um imaginário que possibilita reflexões críticas. No entanto, a liberdade criativa conquistada pelas poéticas contemporâneas se depara com o avanço do capitalismo global que se expressa de forma cada vez mais explícita no mercado da arte. Ao ser cooptada pelo capitalismo, essa liberdade se transforma e passa a consistir em que a potência de criação “esteja inteiramente disponível para ser instrumentalizada pelo mercado, ou seja, para ser explorada pelo capital, seu cafetão, que dela irá extrair mais valia sem que a isto se oponha qualquer resistência” (Rolnik, 2003: 2). Entende-se que as possibilidades de criação, em seus diversos modos de expressão, “devem opor-se à instauração de um espaço cultural de mercado e de conformidade, isto é, ‘de produção para o mercado’” (Deleuze, 2010: 168). Dessa forma, a potência ativa da arte está justamente na sua capacidade de encontrar movimentos, ou linhas de fuga, que escapam às estratégias de mercado. Em outras palavras, está em sua capacidade de “suscitar acontecimentos, mesmo pequenos, que escapem ao controle, ou engendrar novos espaços-tempos, mesmo de superfície ou volume reduzido”. (Idem: 222) Nos interessa perguntar, portanto, como a arte ainda pode existir enquanto possibilidade de resistência e criação do novo. Aqui, mais do que isso, nos perguntarmos como Francis Alÿs, um artista que teve obras expostas e exposições solo presentes nas maiores mostras e museus de arte contemporânea do mundo, pode ter suas obras encaradas como potências ativas de criação não complacentes com esse mercado que, aparentemente, só tende a crescer.


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Capítulo 01 Cuando la fe mueve montanãs Toda megalópole exila sua paisagem Francis Alÿs (Alÿs; Medina, 2005: 49)

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Nas páginas anteriores Figura 3. Cuando la fe mueve montañas. Fonte: ALŸS, Francis; MEDINA, Cuauhtémoc. Cuando la fe mueve montañas. 2005: 144-145 . Abaixo Figura 4. Estudo para Cuando la fe mueve montañas Fonte: http:// www.1fmediaproject.net

O esforço de mais de quinhentas pessoas para conseguir um mínimo deslocamento de uma enorme duna de areia na periferia de Lima, no Peru. Uma obra de proporções monumentais que, no entanto, volta a se confundir com a paisagem depois de concluída. Restam apenas documentações em vídeo e imagens do processo, que poderiam ser compreendidas como o objeto de arte, reduzindo a obra a sua capacidade de difusão pelo mundo das artes. De fato, o vídeo facilita na disseminação da obra, no entanto, Cuando a fe mueve montanãs tem um outro aspecto que não pode ser registrado e reproduzido. A ação acontece em um sítio com características específicas, trata-se de um roteiro pensado para uma sociedade em uma determinada situação. Ao ser concluída, a ação se transforma em relato, criando vida própria para, assim, ser espalhada através dos registros. No entanto, isso é apenas uma segunda etapa, pois “o que se viveu na duna não pode ser traduzido na documentação, pois não se pode reproduzir a intensidade do momento” (Alÿs; Medina, 2005: 71).

O deslocamento monumental não pode ser encarado apenas como uma intervenção megalomaníaca sem qualquer conotação política. A obra deve ser percebida desde o momento de sua concepção, passando pela etapa de realização do projeto para, por fim, transformar-se em mídia a ser distribuída. Cuando la fe mueve montañas começou a ser concebida a partir de uma visita de Alÿs a Lima, na qual o artista se deparou com um momento determinado da história, a partir do qual foi possível realizar conexões com as discussões que já haviam sido exploradas por outras de suas obras.


Em outubro do ano 2000, data de sua primeira visita à capital do Peru, o país ainda se encontrava sob a ditadura de Alberto Fujimori. O artista se deparou com a proliferação de movimentos de resistência diante de uma tensão social crescente em uma cidade “convulsionada” (Alÿs; Medina, 2005: 19). A obra foi exposta na terceira edição da bienal ibero-americana de Lima, no ano de 2002. Esse ano é marcado pelo fim de uma ditadura que assombrou o país por duas décadas “nas quais o suposto fim das ideologias se vê acompanhado pelo auge dos fundamentalismos e do terrorismo – estatal ou subversivo -, pela revitalização radical dos sentidos, da ideia de sentido.” (Buntinx, 2005: 33) A bienal de Lima, desde sua primeira edição em 1997, atuou como catalisadora de formas criativas subversivas e desde a própria organização da 3a edição da mostra estabeleceu um novo espaço que ajudou na derrubada do sistema ditatorial, pois “coincidiu com a constante redefinição das práticas artísticas que não apenas tornou essa situação extrema visível, mas também interferiu nela e a alterou a ponto de contribuir, em termos culturais, como fim da ditadura de Alberto Fujimori e Vladimiro Montesino”. (Idem, ibidem) Um período ditatorial produz efeitos nefastos na produção de subjetividade, de forma que após esse período se faz necessária uma espécie de ressignificação política das palavras e das coisas construindo uma nova subjetividade que reconfigura a própria potência da produção artística. Nesse sentido, a 3a bienal de Lima proporcionou uma espécie de “acerto de contas” com o fujimorismo e, simultaneamente, atuou como mecanismo que possibilitaria o ingresso peruano na cena de arte global. “A energia coletiva da bienal de 2002, que aconteceu seis meses após a queda do fujimorismo, implementava o método comprovado, com o qual algumas periferias adquirem seu ingresso de entrada na arte global. A única coisa que impediu que nossos passeios se tornassem ‘férias na miséria alheia’ foi o fato de a bienal produzir e acolher o oportunismo saudável da arte local.” (Alÿs; Medina 2005: 51) A participação de Alÿs na mostra fazia parte, portanto, de um contexto de mudanças nas cenas política e cultural peruanas e “não poderia ser encarada como um mero trabalho profissional. Era, antes de mais nada, uma tomada de posição. Implicava um envolvimento pessoal num campo de transações político-simbólicas” (Alÿs; Medina 2005: 51). O artista buscou nas tensões sociais do país uma forma de intervenção que propiciasse reflexões sobre a história local.

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Abaixo e na página seguuinte Figuras 5-11. Cuando la fe mueve montañas - Ventanilla. Fonte: ALŸS, Francis; MEDINA, Cuauhtémoc. Cuando la fe mueve montañas. 2005: 52-55.

Toda forma de intervenção no espaço, em forma de política urbanista ou obra de arte, é atrelada a uma reverberação política. Dado o contexto de tensão que gerou a intervenção de Alÿs, esse aspecto político se destaca de forma que não poderia estar ausente de qualquer leitura do lugar. “Era uma situação que demandava uma resposta épica: infiltrar uma alegoria social naquelas circunstâncias parecia mais apropriado do que a participação em um exercício escultórico” (Alÿs; Medina 2005: 51). Esse contexto político era acompanhado espacialmente por uma expansão da periferia de Lima ao longo de uma região marcada pela existência de dunas de areia. “Após uma semana de observação escolhemos as dunas de Ventanilla, onde mais de 70 mil pessoas vivem sem eletricidade ou água encanada” (Alÿs; 2009: 39). “Lima foi empurrando essas dunas ao longo de décadas. Este constante alargamento das extremidades da cidade é o resultado de sua conversão inevitável em uma megalópole.” (Alÿs, 2005: 49) A expansão desordenada e a falta de planejamento, características comuns a muitas metrópoles latino-americanas, nortearam o artista na escolha do sítio e nos rumos tomados pela intervenção. Nas palavras de Alÿs “um dos motivos fundamentais do projeto foi abordar o modo como a falta de planejamento é, apesar de tudo, a matriz do tecido urbano latino-americano” (Alÿs, 2005: 53).


Dessa forma, o sítio escolhido para sua realização é justificado pelo contexto de expansão constante da capital peruana, que resulta na ocupação dessa “cama de areia” (Alÿs, 2005: 21) por favelas, aonde vivem imigrantes pobres e refugiados políticos. As dunas na periferia de Lima são vistas pelo artista como um exemplo de como a expansão das cidades interfere e elimina a paisagem natural. A obra possui, portanto, o caráter de alegoria social e trabalha, ainda, com a ideia de mito urbano. Nas palavras do artista: “Cuando la fe mueve montanãs tenta traduzir as tensões sociais em narrativas que interferem no imaginário coletivo de um lugar. O propósito da ação é infiltrar-se na história local e na mitologia social (incluindo o âmbito da arte). Se o roteiro responde às expectativas e atende às preocupações de uma sociedade em certo momento e em certo lugar, se converterá em um relato que poderá sobreviver ao evento e transcender sua natureza histórica. Dessa maneira, poderá possuir o potencial de converter-se em uma lenda ou mito urbano” (Alÿs, 2005: 24)

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Cuando la fe mueve montanãs é uma obra que se consolida no espaço e remete aos trabalhos site-specific do começo dos anos 1960, que deslocaram o foco do museu para o espaço cotidiano. Alÿs promove, a partir dessa obra, umas espécie de reconciliação com a Land Art. Considerada como uma das expressões da arte site-specific, as origens da Land Art podem ser buscadas em um relato de Tony Smith, publicado na revista Artforum, em dezembro de 1966, no qual o artista descrevia uma viagem por uma rodovia em construção na periferia de Nova York. Abaixo e na página seguinte Figuras 12-17. Um passeio pelos monumnetos de Passaic, Robert Smithson. Fonte: www. robertsmithson.com

Smith é considerado um precursor de dois caminhos distintos que seriam revisitados, respectivamente, pela arte minimalista e pela Land Art: o primeiro é a rua como signo e como objeto no qual se realiza a travessia; o segundo é a própria travessia como experiência, “como atitude que se converte em forma” (Careri, 2003: 121). A experiência de Smith se aproxima, por um lado, do Readymade dadaísta e, por outro, evidencia o ato de caminhar enquanto prática artística autônoma.


A Land Art começa a ter sua estética formalizada em 1967, tendo como porta-voz Robert Smithson. O artista fora convocado como “artista consultor“ para o desenvolvimento de um aeroporto no Texas. A respeito do projeto, publica um texto no qual expõe ideias seminais de artistas como Tony Smith e Carl Andre, que avançam para uma nova forma de compreensão do espaço: “Nossa noção de voo está jogando fora o antigo significado de velocidade através do tempo e desenvolvendo um novo significado baseado no tempo instantâneo... o mais distante um objeto atinge no espaço, menos ele representa a velha ideia racional de velocidade visível... as linhas de fluxo do espaço são substituídas por uma estrutura cristalina de tempo” (Smithson in Lippard, 1997: 28) No mesmo ano, na edição de dezembro da revista Artforum, Smithson publica Um passeio pelos monumentos de Passaic, relato no qual o artista conta sua experiência em um passeio realizado em sua cidade natal, cuja paisagem era formada por resíduos industriais e construções destinadas à indústria, por uma arquitetura de fábrica. Os monumentos, para Smithson, passam a ser as estruturas e resíduos encontrados em seu passeio.

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“Em seu tour, a descrição do território não o leva a considerações de ordem ecológico-ambientais sobre a destruição do rio ou os resíduos industriais que causam a putrefação da água, mas sim mantém um sutil equilíbrio entre a renúncia e a denúncia e a renúncia da contemplação. Os juízos são de ordem exclusivamente estética, não são éticos e, de jeito nenhum, estáticos. O feito de atravessar a natureza nos subúrbios não implica nenhum prazer, nenhuma complacência e nenhuma participação emotiva. Seu discurso parte de uma aceitação da realidade tal como esta se apresenta e prossegue em um nível de reflexão geral no qual Passaic se converte em um emblema da periferia do mundo ocidental, o lugar dos dejetos e da produção de uma paisagem nova feita de rejeições e transtornos.” (Careri, 2003: 170) Abaixo Figura 18. A line made by walking, Richard Long. Fonte: www.richardlong.com Na página seguinte Figura 19. Spiral Jetty, Robert Smithson. Fonte: http://pictify. com/69235/robert-smithson-spiral-jetty

Ainda em 1967, o britânico Richard Long, encontrou uma via distinta para explorar a caminhada enquanto prática estética. Sua obra A line made by walking é, simultaneamente, radical e simples. Esta peça foi realizada em uma das viagens de longo curso para St Martin, de sua casa em Bristol. O artista parou em um campo em Wiltshire, onde ele andou para trás e para a frente até que a grama achatada se destacasse com a incidência da luz do sol, podendo ser visualizada como uma linha. Ele fotografou este trabalho, registrando sua intervenção física na paisagem.


Os dois artistas diferem no sentido que, por um lado, Long penetra, com seus caminhos, uma natureza não contaminada e, por outro, Smithson explora territórios alterados pelo homem e pela própria natureza, “territórios nos quais se percebe o caráter transitório da matéria, do tempo e do espaço” (Careri, 2003: 174). Ambos seguem, ainda, caminhos distintos no que diz respeito a suas práticas artísticas. Smithson se aproxima da prática de Land Art caracterizada pela produção de obras que intervinham em grande escala nas paisagens naturais. Em obras como Spiral Jetty (1970), o caminhar continua um fator importante, na medida que a percepção da obra se altera com base na experiência do espectador nas novas paisagens criadas. Long, por sua vez, segue com suas intervenções sutis. O artista busca no ato de caminhar a possibilidade de transformação simbólica de um território, realizando ações que não se desenvolvem com base em transformações físicas, mas sim em uma travessia ao longo deste espaço, uma passagem que não deixa, necessariamente, vestígios, “que atua no mundo superficialmente, mas que alcança dimensões maiores do que as que os earthworks haviam alcançado”. (Careri, 2003: 144)

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É importante notar que, apesar das diferentes escalas de atuação, ambos os artista avançavam no sentido de desmaterialização do objeto artístico, que passava a manter relações cada vez mais intensas com o site no qual se desenvolviam. Mais do que isso, os corpos de artistas e espectadores são partes cada vez mais fundamentais da obra e, muitas vezes, não há mais uma distinção clara entre o processo de criação e o resultado final, ou seja, o processo passa a ser parte da obra de arte. Essas novas possibilidades trazidas pela Land Art repercutem ainda hoje na produção de artistas como Francis Alÿs, pois não é possível compreender sua produção sem considerar sua relação com o espaço e a inseparabilidade entre processo e resultado final. Em Alÿs, no entanto, o processo ganha importância maior do que o objetivo a ser alcançado e isso fica claro em obras como Cuando la fe mueve montañas, uma vez que o resultado alcançado pela massiva movimentação de terra poderia passar despercebido. Além disso, o artista parece refutar certo romantismo presente nos trabalhos de Land Art, envolvendo questões de âmbito político, econômico e social. “Quando Richard Long realizou suas caminhadas no deserto peruano, estava propondo um conceito contemplativo, mas se distanciava do contexto social. Quando Robert Smithson construiu a Spiral Jetty em Salt Lake, estava convertendo a engenharia civil em escultura e vice-versa. Aqui, estávamos tentando uma espécie de Land Art para ‘os sem-terra’ e, com a ajuda de centenas de pessoas e pás, construímos uma alegoria social. Este relato não é validado por um rastro físico ou um agregado à paisagem. É quase um processo de alquimia que converte um roteiro em uma ação, uma ação em uma fábula e uma fábula em um rumor, graças à multiplicação de seus narradores”. (Alÿs; Medina, 2005: 25) Nesse sentido, a obra parece anular a pretensão monumental das esculturas públicas, bem como abandonar o caráter ideológico que é comum à constituição da memória e que reduzia a “arte das ruas” a uma iconografia de política de “massas”. Sendo assim, ao desenvolver essa obra Alÿs reloca o conceito iconográfico e formalista da escultura ao propor uma prática simbólica “destinada a tecer narrativas em torno a formas alternativas ou dissidentes do fluxo social” (Diserens, 2005: 157). A obra de Alÿs parte da articulação entre espaço e política, a partir da qual surge a primeira enunciação do projeto: o axioma “a fé move montanhas”. É a partir daí que o projeto passa a ser definido formalmente: uma linha de voluntários que moveriam uma montanha. Um “coude a coude” (ombro a ombro) que possibilitaria uma escultura visual coletiva. Forma-se uma linha, forma de representação que evoca uma coletividade e que, para Alÿs, parecia a forma mais efetiva de expressar a ideia fisicamente (Alÿs; Medina, 2005).


Abaxo Figuras 20-22. Esboços de Cuando la fe mueve montanãs. Fonte: FERGUSON, Russel (org.). Francis Alÿs: Politics of Rehearsal. Hammer Museum, 2007: 113.

Não é coincidência que grande parte das obras de Alÿs possam ser definidas com a imagem de uma linha: a linha de fio que se forma em Fairy Tales; as linhas de tinta verde e vermelha das obras The Green Line (2004, Jerusalém) e The Leak (1995, São Paulo); a linha do gelo derretido em Paradoxis of Praxis I (1995, Cidade do México) etc. Suas linhas não são unidimensionais, não podem ser reduzidas a um simples e único gesto. São expressões formais diversas, visíveis ou não, em constante transformação, que evidenciam as relações entre o homem e o espaço, deixando margem para a abertura de novos caminhos, ou seja, as “linhas de Alÿs são realizações que ocorrem no limite do que é, o que já foi e o que ainda está por vir” (Dos Santos, 2010: 188).

As próprias linhas se tornam o espaço a ser vivido, atravessado, estabelecendo a relação do corpo do artista com o contexto vivenciado. Nesse sentido desenhar uma linha possibilita encontrar brechas no espaço predeterminado e possibilita, ao penetrar nesse espaço, a reconfiguração do tempo espaço, trazendo novas perspectivas (Dos Santos, 2010). “Portanto, desenhar uma linha é equivalente a praticar e exercitar liberdade total dentro de um contexto de opressão” (Dos Santos, 2010: 189). Sendo assim, questões formais recorrentes na obra de Francis Alÿs consolidam-se como questões políticas não apenas no campo da arte, mas também no âmbito político vida do homem, do artista, e, especialmente no caso de Cuando la fe mueve montañas, na vida de todos os participantes. A obra apresenta uma dimensão política que segue uma busca do artista para compreender de que forma a arte pode assumir um caráter político sem, no entanto, “se reduzir a uma doutrina ou uma espécie de ativismo social” (Alÿs; Ferguson, 2007: 40). Percebe-se, aqui, uma ação política numa esfera micro que pertence à vida de cada um dos envolvidos na ação. O deslocamento contou com 500 voluntários, a maioria estudantes de engenharia e arquitetura ou moradores locais, que não receberam nada para participar da operação. Esse foi um primeiro momento de consolidação da obra, a experimentação pessoal de cada uma dessas pessoas. Se a obra de arte contemporânea existe como experiência, em Cuando la fe mueve montañas, o contexto histórico e espacial carrega uma carga pesada que torna a participação desses indivíduos um ponto fundamental na potência da obra. 30

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Essas pessoas trabalharam um dia todo arduamente tentando conseguir cumprir uma tarefa mínima, deslocar cerca de quatro polegadas um corpo de aproximadamente 500 metros de diâmetro. Um ato, a primeira vista, quixotesco. Levando ao limite, o que diferencia o trabalho dispendido na execução da obra do dia-a-dia de milhares de pessoas que vivem nas metrópoles latino-americanas? Milhares de pessoas que se situam “numa trajetória socioprofissional predeterminada, quer seja em uma posição de explorado, de assistido pelo Estado ou de privilegiado” (Guattari, 2012: 149). Esse parece um dos pontos cruciais de Cuando la fe mueve montanãs. Cabe aqui um olhar mais demorado sobre a declaração de um dos participantes do deslocamento. Abaxo e na página seguinte Figuras 23-34. Cuando la fe mueve montanãs.Fonte: ALŸS, Francis; MEDINA, Cuauhtémoc. Cuando la fe mueve montañas. 2005: 82; 91; 93.

Sua declaração começa desmistificando a obra de arte, declara que foi um suplício, chegou em casa cansado, mal humorado. Conta que ouviu muitos reclamando do cansaço. No entanto, continua, ao se deitar, se sentiu bem, tinha feito parte de algo maior. Ao ser questionado por seus primos e tios por que perdeu seu tempo com isso, responde: “mas não é que eu a mova sozinho, é trabalho de um monte de gente” (Alÿs, Medina, 2005: 117).


Para além de uma coletividade que surge em função de um bem maior, o que interessa aqui é a experiência individual de cada um dos participantes da obra, da qual Alÿs se tornou apenas idealizador. Tratam-se de experiências múltiplas que envolvem os sujeitos e suas relações com o político, o social, o espacial e o cultural. Experiências que criam afetos, uma relação corporal com o mundo, com a paisagem. O interessante dessa obra é a vivência poética que ela proporciona, com sua enorme carga subjetiva. Diariamente nas metrópoles latino-americanas, pessoas acordam, vão para o trabalho e voltam para casa cansadas, seguindo uma curva imaginária que representa a vida e que deve ser seguida. Em Cuando la fe mueve montanãs o ritmo parece o mesmo da vida cotidiana, máximo esforço com mínimo resultado, no entanto, a experiência da participação na obra traz para a vida dos voluntários uma nova relação com a paisagem. As dunas que serviam de pano de fundo no dia-a-dia, passam a ter outro significado, criando uma outra relação com o espaço que possibilita a prática estética. A paisagem e o espaço são parte fundamental da obra e, assim, a participação só é possível a partir da relação dos envolvidos com esse espaço. Sendo assim, ainda que o foco da obra sejam as dunas de areia, não se pode desconsiderar o contexto urbano no qual essas estão inseridas. Entende-se aqui que corpo e espaço se articulam de maneira inseparável, de modo que construções de qualquer natureza despertam questões subjetivas, “impulsos cognitivos e afetivos” (Guattari, 2012: 140).

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Ainda que o deslocamento geográfico só seja possível a partir da relação de muitas pessoas trabalhando coletivamente, essa relação só é possibilitada pelos afetos vividos por cada um dos indivíduos que participam da obra. Retomando a declaração do participante anteriormente mencionado, destaca-se o fato de que para ele

Abaixo e ao lado Figuras 35-36. Cuando la fe mueve montañas. Fonte: ALŸS, Francis; MEDINA, Cuauhtémoc. Cuando la fe mueve montañas. 2005: 110; 83.

“arte é todo tipo de expressão e manifestação que envolva um sentimento social.... o reflexo de um momento na sociedade... mas acontece que no Peru, me ponho a pensar, às vezes temos que esperar que venha alguém de fora para que se deem conta das coisas que acontecem aqui. E às vezes nós mesmos.... não nos damos conta disto porque é tão normal, te passa desapercebido...” (Alÿs; Medina, 2005: 119)


Nessa primeira fase, a obra coloca em questão o resultado do trabalho e “sua capacidade de engajamento em uma forma de resistência ou transgressão que possibilite uma reconfiguração das crenças e sistemas políticos.” (Arriola, 2008: 133). O que se vê em Cuando la fe mueve montañas é, portanto, o despertar de relações que escapam à subjetividade afixada no dia-a-dia. Mais do que isso, a obra engaja, simultaneamente, níveis mais individuais com os níveis mais coletivos de cada um dos envolvidos, que dividem um espaço de existência.

Abaixo Figuras 37-38. Cuando la fe mueve montañas. Fonte: ALŸS, Francis; MEDINA, Cuauhtémoc. Cuando la fe mueve montañas. 2005: 75; 113.

O segundo momento da obra consiste na veiculação dos registros a partir de vídeos, postais, fotos etc. Nesse momento se cria uma alegoria, uma fábula. A qualidade universal de uma alegoria facilita o processo de exportação, para além do sitio de produção; mas localmente a ação se refere a uma realidade imediata e atual. (Alÿs; Medina, 2005: 71)

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A documentação da arte (art documentation) é frequente na obra de Alÿs e tem sido alvo de discussões ao longo das últimas décadas. Por um lado, é frequentemente utilizada como mero registro de ações artísticas, tais como happenings, performances e instalações temporárias. “Nesses casos, poderia ser dito que essas manifestações artísticas aconteceram em um momento particular e que a documentação exibida posteriormente é, intencionalmente, apenas uma maneira de relembrá-la” (Groys, 2008: 52). Por outro lado, tem se tornado cada vez mais presente o uso da documentação para apresentar atividades que não poderiam ser mostradas de outra maneira. Em seu texto Art in the age of Biopolitics, o crítico de arte Boris Groys coloca a questão da documentação como sendo uma tentativa de trazer para o interior dos museus a própria vida. Trata-se da documentação de atividades que não levam à produção de um objeto artístico, pois a arte passa, ela própria, a ser atividade (processo).

Nenhuma dessas atividades pode ser apresentada, exceto por meio da documentação, uma vez que desde o começo essas ações não servem à produção de obras de arte nas quais a arte como tal (as such) pode se manifestar. Consequentemente, essa forma de arte não aparece em forma de objeto – não é um produto ou resultado de uma atividade ‘criativa’. A arte é ela própria essa atividade, é a prática de arte como tal. Correspondentemente, a documentação da arte não é tornar presente um evento de arte passado, tampouco a promessa de uma futura obra de arte, mas sim é a única forma possível de se referir a uma atividade artística que não pode ser representada de nenhuma outra forma. (Groys, 2008: 53)


Pode-se dizer que Alÿs não tenta recriar um acontecimento a partir da documentação, pois a experiência vivida jamais poderia ser reproduzida da forma como foi sentida. No entanto, os veículos de reprodução midiática aparecem aqui como meio de disseminar um mito urbano. Vale ressaltar que “o vídeo não pretende substituir, de maneira alguma, o evento mesmo, apenas tenta sugerir, através de imagens em movimento, a essência do projeto, preservar o espírito de um dia mais do que fazer sua crônica, é apenas um produto entre muitos outros...” (Alÿs; Medina, 2005: 175) O artista parece estar mais interessado na possibilidade de propagação da história como mito, do que na reprodução do fato tal como aconteceu. O deslocamento proposto por Alÿs se transforma em uma alegoria social, possibilidade encontrada pelo artista diante do contexto do lugar.

Na página anterior Figura 39. Cuando la fe mueve montañas. Fonte: ALŸS, Francis; MEDINA, Cuauhtémoc. Cuando la fe mueve montañas. 2005: 87. Ao lado Figura 40. Cuando la fe mueve montañas. Fonte: ALŸS, Francis; MEDINA, Cuauhtémoc. Cuando la fe mueve montañas. 2005: 78. Abaixo Figuras 41-42. Cuando la fe mueve montañas. Fonte: ALŸS, Francis; MEDINA, Cuauhtémoc. Cuando la fe mueve montañas. 2005: 145; capa.

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“A obra tenta traduzir tensões sociais em narrativas, que acabam por intervir na paisagem imaginária de um lugar. A ação pretendia se infiltrar na história e mitologia da sociedade peruana (incluindo a história da arte), para inserir um novo rumor em suas narrativas”. (Alÿs, 2009: 39) O que se vê na documentação do trabalho é uma linguagem que veicula o evento de modo que se criem relações entre os participantes e aqueles que ouvem os rumores sobre o feito, entre as imagens produzidas e aqueles que veem as fotos ou o vídeo. As relações subjetivas entre artista e consumidor são, portanto, reformuladas, criando uma função de sentido e alteridade a um subconjunto do mundo percebido. “Além das demandas materiais e políticas, o que emerge é uma aspiração por reapropriações individuais e coletivas da produção de subjetividade” (Guattari, 2006: 81) Não se trata da mera reprodução de um evento, criam-se outras reverberações com os espectadores da obra. A obra traz a ideia de máximo esforço com mínimo resultado, consolidando-se como alegoria da vida na metrópole latino-americana. Ao trabalhar essa ideia, o artista remete a uma sociedade na qual pequenas mudanças (reformas) são alcançadas mediante massivos esforços coletivos. É expresso o fracasso em relação ao princípio desenvolvimentista trazido aos países da América Latina pelos países ocidentais desenvolvidos. Para Alÿs, mais do que perceber o progresso e a modernidade como objetivos a serem alcançados, deve-se valorizar o momento da ação, pois é justamente nele em que é possível surgir uma “maneira de resistir ao conceito importado de progresso. É uma história de esforço mais do que de realização, uma alegoria mais do processo do que da síntese” (Alÿs, Ferguson, 2007: 48). Cuando la fe mueve montañas apresenta uma espécie de alternativa a esses modelos de desenvolvimento, levando-nos a pensar de que forma uma obra de arte “pode fortalecer indivíduos para, de alguma forma, modificar as configurações sócio-políticas de um coletivo” (Alÿs; Medina, 2005: 25).


O artista parece constantemente preocupado em, mais do que elaborar uma crítica ao modelo desenvolvimentista, resgatar a possibilidade de negar esse modelo. Alÿs busca, numa esfera micropolítica, o fortalecimento da ação enquanto resistência às imposições do capitalismo global e a reiteração do poético enquanto político. A partir da criação da alegoria, explora novas maneiras de encarar o político, especialmente o político na arte. Por um lado, se distancia do que poderia ser entendido como arte propriamente política ou engajada; por outro, não se vincula à arte articulada a políticas de Estado. De acordo com Medina, “O mal da cultura latino-americana é que gira em torno do Estado, não sempre em torno das perguntas que poderíamos nos fazer socialmente acerca do político. Eu sinto que quando Francis faz uma intervenção política é sobre nossa relação com o âmbito público, com a ocupação da propriedade informal da rua, com a economia informal, com as possibilidades ou não da prática e com este problema geral que é a entropia da vida econômica cotidiana, ou seja, o esforço inimaginável que nos custa para chegar a nenhum resultado. É a reflexão sobre esta economia da vida latino-americana que fazem políticas suas obras...” (Alÿs; Medina, 2005: 97) Assim, longe de ser uma política pública, ou mesmo do que se entende como arte política, o que se percebe em Cuando la fe mueve montanãs é uma política na esfera da vida, do indivíduo. Não se trata de uma prática institucionalizada que pretende levar a arte às massas, mas sim de uma “reconfiguração das práticas, capaz de penetrar diferentes espaços sociais e imaginário coletivos” (Fisher, 2007: 119). A partir dos encontros, a obra permite, portanto, criar campos de possibilidade para além do equilíbrio da vida cotidiana. “Sim, é certo, não se mudou nada, mas se introduziu por algumas horas a possibilidade de mudança, para além do absurdo e futilidade do ato. “ (Alÿs; Medina, 2005: 105)

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Capítulo 02 O encontro com uma cidade I think the artist can intervene by provoking a situation in which you suddenly step out of everyday life and start looking at things again from a different perspective – even if it is just for an instant. Francis Alÿs (Dezeuze, 2009: 3)

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Nas páginas anteriores Figura 43. Dormientes. Fonte: MEDINA, Cuauthémoc; FERGUSON, Russell; FISHER, Jean. Francis Alÿs. 2007: 22.

Um sujeito diluído na cidade, um caminhante que não pretende inserir objetos no contexto urbano, mas sim fábulas. É assim que Francis Alÿs muitas vezes aparece quando nos deparamos com suas obras desenvolvidas no centro da Cidade do México. Frustrado com sua condição de arquiteto, o artista parece mais interessado em explorar os aspectos já existentes da cidade do que propor soluções ou grandes intervenções. Diante de uma metrópole saturada, o objeto artístico dá, na produção de Alÿs, lugar a fábulas, histórias e rumores que se espalham pela cidade. Francis Alÿs desenvolve grande parte seu trabalho em um raio de atuação que compreende os arredores de seu estúdio, na Plaza de Santa Catarina, no distrito de Cuauthémoc. Nessa região da cidade se encontra o Zócalo, praça central da capital mexicana que serve de palco para muitas das ações do artista e costumava ser o coração de Tenochtitlan, capital do império Asteca. Tenochtitlan foi originalmente pensada para a defesa, correspondendo a uma política voltada à conquista e ao domínio. Era uma cidade com uma malha urbana ortogonal e em seu centro “se localizavam o centro cerimonial, os mercados e os palácios de reis e nobres” (Sánchez, s/d: 2). Com a chegada dos espanhóis, a cidade devastada permaneceu como capital, e o novo traçado urbano, de García Bravo, se baseou na antiga cidade asteca. Até princípio do século XVII, o Zócalo havia se transformado em palco para a monumental arquitetura dos conquistadores e os destroços da antiga Tenochtitlan deram lugar à Iglesia Mayor, ao Palacio de Gobierno, ao Cabildo e ao comércio. Durante o século XVIII, a Cidade do México se consolidou como a mais importante capital dos domínios espanhóis e, com o auge econômico, a cidade teve um desenvolvimento urbano e arquitetônico importante, tendo sido construídos palácios e reformados e ampliados templos e conventos, monumentos e praças, jardins e obras públicas. (Sánchez, s/d: 4). A independência, em 1821, confirmou a Cidade do México como centro político e administrativo da República mexicana. Essa data marca, ainda, o começo da privatização de uma enorme quantidade de terrenos públicos. Além disso, o período é marcado pela influência francesa, refletida em obras como o Paseo de la Reforma, boulevard de 12 km de extensão que conecta o Castelo de Chapultepec ao Palácio Nacional, no Zócalo. A expansão e modernização da capital mexicana foram intensificadas na segunda metade do século XIX durante o governo de Porfírio Diaz. Nesse período, a maior parte dos investimentos em urbanização e serviços eram concentrados na região central e o Zócalo era sede dos edifícios do Conselho do Tesouro e da Catedral e a elite se estabeleceu em seu entorno imediato, de modo que os pobres viviam em moradias precárias distantes do centro. (Matzkin, 2006). Com a revolução de 1910, a população da capital atingiu a faixa de meio milhão de habitantes, número que tendeu a crescer no período revolucionário (1910-1917) e, no ano de 1930, a população já somava mais de um milhão e a super-


1 Esse número leva em consideração a região metropolitana da Cidade do México e não apenas o Distrito Federal. 2 O aparecimento desse interesse no México é concomitante com a inscrição dos centros históricos na Lista de Patrimônio Mundial da UNESCO. O centro da Cidade do México passou a fazer parte da lista em 1987.

fície urbana havia duplicado no primeiro terço do século XX. O ritmo de crescimento aumentou a partir de 1930 e um milhão de habitantes se transformaram em aproximadamente 18 milhões ao longo do século1. Atualmente, as zonas centrais das cidades mexicanas, dentre elas a capital, são marcadas pela presença de edificações de diferentes momentos da história, como algumas modestas edificações do século XVI, suntuosos palácios dos séculos XVIII e XIX e, ainda, edifícios mais recentes que evidenciam a modernização das cidades ao longo do século XX. (Espinosa, 2008) No final da década de 1980, momento no qual Francis Alÿs passa a se dedicar à prática artística, a região central da cidade, anteriormente habitada pela elite, passava por um processo de deterioração. Essa situação pode ser entendida como decorrência de uma política de planejamento urbano que privilegiou a abertura de vias e circuitos periféricos, transformando os padrões de mobilidade da população. Aqueles que moravam no centro passaram a habitar loteamentos afastados e esse deslocamento foi acompanhado pela conformação de zonas comerciais e de serviços estrategicamente localizadas para cobrir as necessidades dessa população, evitando a necessidade de circular pelo centro. (Espinosa, 2008) Durante o século XX, mais precisamente até o final dos anos 1980, as políticas de planejamento urbano no país não atuavam diretamente sobre os centros urbanos, privilegiando a possível conformação de subcentros. Vale notar que o centro da Cidade do México perde muito de sua importância quando o presidente Miguel Alemán (1946-1952), convencido de que a Universidade de um país modernizado deveria se situar em um grande campus com prédios nos moldes estadunidenses, construiu um novo campus universitário no Pedregal de San Ángel, localizado no sul da cidade há cerca de 22 km do Zócalo (Monsiváis, 2006). De acordo com o arquiteto e urbanista Salvador García Espinosa, “os primeiros Esquemas de Crescimento Urbano que datam de 1960, assim como os Planos de Desenvolvimento Urbano elaborados até meados dos anos 80, não contemplaram ações particulares sobre os centros urbanos, as propostas sobre a estrutura urbana se enfocavam em prever cenários de crescimento e, em ocasiões, projetar a conformação de subcentros urbanos, mas sempre em pleno reconhecimento de uma estrutura monocêntrica” (Espinosa, 2008: 5) É apenas no final dos anos 1980 que a região central reaparece nas discussões de planejamento urbano e surge grande interesse em explorar o potencial turístico2 da região. Com isso, o centro urbano passa a ser denominado centro histórico. Não se trata apenas de uma questão semântica, mas de uma ênfase no caráter histórico como recurso a ser explorado pelo turismo cultural. Essas políticas resultam, por um lado, no interesse em uma série de programas de requalificação do centro histórico e, por outro, na tentativa de deslocar a centralidade administrativa e comercial para subcentros urbanos.

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A invenção dos centros históricos como elementos da estrutura urbana faz com que se passe de um esquema monocêntrico para um esquema policêntrico de cidade. Isso significa um esforço em zonear uma série de subcentros de caráter administrativo, comercial e até metropolitano de forma que o centro passe a ter caráter majoritariamente histórico-patrimonial (Espinosa, 2005). “As recorrentes ações de relocação de equipamentos e serviços para outras zonas da cidade, compreender desde instituições educativas e estabelecimentos comerciais, até oficinas administrativas governamentais e terminais de ônibus. Todas com o argumento de serem incompatíveis com a vocação turística dos centros históricos e propiciarem uma diminuição na intensidade de uso das zonas centrais.” (Espinosa, 2008: 8) É notável que o crescente interesse na consolidação do antigo centro urbano como centro histórico é praticamente simultâneo à implementação de uma série de políticas neoliberais no país durante o governo de Miguel de la Madrid (1982-1988). É nesse contexto de transformações econômicas e espaciais que, em 1986, o então arquiteto Francis Alÿs se muda para a Cidade do México, período que é também marcado por uma crescente presença de artistas estrangeiros no país que colaboraram para que, em pouco mais de quatro anos (19871992), a cena artística sofresse grandes mudanças (Debroise, 2006). Esses artistas rapidamente se articularam aos jovens artistas mexicanos que estavam fartos de formas artísticas consagradas e buscavam novas fórmulas. Esses jovens da nova geração de artistas nacionais já haviam começado “a meter as mãos nos modos de difusão de suas obras, na teorização e, inclusive, na educação, sem pedir permissão a ninguém e sem que se importassem com as ‘políticas culturais’ do Estado” (Debroise, 2006: 328) A curadora da exposição México Inside Out: Themes in Art Since 1990, Andrea Karnes, atribui ao terremoto de 1985 um papel importante nesse momento de revitalização da arte no país. “O terremoto foi seguido por um despertar político no qual a corrupção governamental, a violência rampante na capital do país, uma crescente brecha entre os ricos e os pobres e a realidade da megalópoles na qual a Cidade do México havia se convertido [...] foi mais exposta”. (Karnes, 2013: 9) Tratou-se de um período de insatisfações políticas e promessas de modernização para o século vigente, acompanhadas de fracassos econômicos, que possibilitou a produção de uma nova arte. Apesar de não construírem um movimento específico, os artistas do México pós terremoto se articulavam regularmente em diálogos críticos, compartilhavam preocupações formais e conceituais, frequentavam espaços artísticos independentes e, ocasionalmente, exibiam juntos suas obras. (Karnes, 2013)


As discussões formais e críticas desses artistas buscavam referências, por um lado, na arte conceitual europeia e estadunidense e, por outro, na produção contracultural mexicana dos anos 1960 e 70 e suas reverberações na arte. O ano de 1968, na Cidade do México, foi marcado por dois eventos antagônicos e por uma situação sociopolítica de crise. Por um lado, se tem a realização das olimpíadas no México, para a qual foi desenvolvida uma intervenção artística chama Ruta de la Amistad. Essa intervenção consistiu na criação de um passeio escultórico que respondia a uma linguagem de internacionalidade e transmitia uma mensagem de paz, irmanada com a ideologia olímpica. (Ortega, 2012) 3 Francis Alÿs retoma os eventos de 1968 na obra Contos Patrióticos 4 Ver o documentário La masacre de Tlatelolco, do diretor Matias Gueilburt, 2008, (73’) 5 Museu Universitario de Ciencias y Artes

Por outro lado, o ano foi marcado por uma série de manifestações de estudantes na capital mexicana, que questionavam a autoridade do Estado e os valores tradicionais3. Uma dessas manifestações, ocorrida no dia 02 de outubro, deixou mais de 150 mortos e marcou o início de uma rigorosa repressão política e cultural nas ruas da cidade do México4. Com isso, o medo da repressão resultou no esvaziamento das ruas e a cultura juvenil se viu censurada, passando a operar “de modo mais ou menos subterrâneo até meados dos anos 1980”. (Debroise; Medina, 2006: 21) Como uma forma de desdobramento das manifestações de 1968, muitos dos jovens manifestantes se juntaram para formar os Grupos, coletivos artísticos que, explorando diversos materiais e técnicas, buscavam retomar o espaço urbano, bem como as discussões políticas. Muitos destes Grupos tinham um trabalho essencialmente político e se aproximavam da arte conceitual. O que pretendiam não era uma arte conceitual latino-americana, “mas uma arte política inscrita na história latino-americana”. (Tournon, 2012/2013: 39) “A redefinição do conceitualismo mexicano em termos de Grupo correspondeu, portanto, a um processo de politização de seus protagonistas que [...] escolheram uma política: uma maneira de fazer arte que implica e produz um tipo de espaço onde a oposição teria seu lugar.” (Tournon, 2012/2013: 39) Os grupos se consolidam como movimento artístico após a X bienal de jovens em Paris (1977), quando Helen Escobedo, diretora do MUCA5, ficou encarregada de selecionar os representantes mexicanos da mostra e, no lugar de artistas que trabalhavam individualmente, optou por convocar alguns dos Grupos recém formados: Suma, Proceso Pentágono e Tetraedro. Após o evento, logo apareceram novos coletivos. Muitos dos Grupos formados antes e depois da X Bienal estavam comprometidos com uma temática política. Alguns trabalhavam com estratégias informativas, como por exemplo o grupo Germinal, pintando mantas que se transformavam em murais ambulantes nas manifestações. Outros dos Grupos, como Proceso Pentágono e Suma, discutiam política de uma maneira pouco panfletária. O primeiro abordava temas como a tortura na américa latina e a realidade política e econômica do México. Suma, por sua vez, trabalhava a partir das tensões políticas e econômicas que se refletiam pelas ruas da cidade. (Mantecón, 2006)

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6 Em 1977, foi decretada a Ley de Organizaciones Politicas y Procedimientos Electorales (LOPPE), que permitia que os partidos de esquerda, proscritos à época, se regularizassem. A incorporação à vida institucional levou a uma desmobilização da militância vinculada aos Grupos. (Mantecón, 2006)

No entanto, não se pode dizer que a questão política era comum a todos os Grupos. Alguns se mostravam mais interessados em questionar linguagens e materiais, explorando suportes como fotografia, cinema e áudio. De todo modo, os Grupos começaram a desaparecer no começo dos anos 1980, apesar de sua vitalidade. Isso se deu, em parte, devido à diminuição da militância política, em função da incorporação dos partidos políticos de esquerda à vida institucional6; mas também devido ao esgotamento de seu repertório. Alguns dos artistas desses coletivos, como Gabriel Orozco, voltaram ao trabalho individual e, posteriormente, se engajaram nas transformações da arte no começo da década de 1990. Além de Orozco, a nova geração de artistas contava com Eduardo Abaroa, Abraham Cruzvillegas, Daniel Gusmán, que se somavam aos estrangeiros Melanie Smith, Thomas Glassford e Francis Alÿs, entre outros. Muitos desses artistas, assim como Alÿs, optaram por morar no centro histórico da Cidade do México, recém recuperado como foco de intervenções urbanas que, posteriormente, levariam à gentrificação da região central. “Em Abril de 1989, quando [Silvia] Gruner e Pérez Monzón se mudaram para o apartamento desocupado pelo poeta Armando Sariñana, na rua Licenciado Verdad, logo abaixo do estúdio do texano Michael Tracy, Melanie Smith ocupou a Plaza Santa Catarina, onde a alcançou Francis Alÿs, recém ‘convertido’ à arte”. (Debroise, 2006: 330) Se, por um lado, os artistas desse novo período de efervescência problematizaram questões particulares do país, por outro, suas produções fizeram com que o México passasse a ser mundialmente reconhecido pelo mercado da arte. Dessa forma, a produção desses artistas, dentre eles Francis Alÿs, deve ser pensada em suas especificidades, sem que sejam ignorados o processo de globalização da arte contemporânea e o fervor que acometeu o âmbito das artes ao longo da década de 1990. Os ventos que agitaram o território da arte no México não constituíam um caso isolado. A produção artística em todo o mundo reaparece com força nos anos 1990, tendo suas prin-

Ao lado Figura 44. Francis Alÿs e Melanie Smith, Mel’s Café, Plaza de Santa Catarina, Cidade do México, 1991. Fonte: http://www.themodern. org/sites/default/files/alyssmith. jpg


7 O termo cafetinagem empregado pela autora se refere à relação estabelecida entre capital e cultura no neoliberalismo. Não é absolutamente casual que o termo remeta à obvia relação entre prostituta e cafetão. Para Rolnik, a escolha de palavras parece pertinente, pois ambas as relações incidem sobre o erotismo e a semelhança se estende ao modo como operam: o abuso perverso. “Muda apenas a dimensão do erotismo que cada uma dessas relações privilegia: se no primeiro caso, seu objeto é o erotismo vinculado à sexualidade strictu sensu (embora envolva a existência da prostituta como um todo), já no segundo, seu objeto é o erotismo no sentido amplo da vida enquanto potência de germinação de mundos – ou seja, a vida em sua essência.” (Rolnik, no prelo: 1) 8 O Salón des Aztecas foi inaugurado por Aldo Flores, em 1988, como um primeiro espaço artístico independente que ajudaria a transformar o centro da Cidade do México numa espécie de Soho latinoamericano. Flores acreditava que os artistas tinham potencial para trasnformar o espaço urbano e teve o tino de abrir as portas a muitos dos artistas estrangeiros que se mudaram para a cidade no fim dos anos 1980 e que participaram intensivamente na produção de arte da década seguinte. Ver: http:// www.mexartdb.com/#/proyectos/salon-desaztecas e MEDINA, Cuauthémoc; DEBROISE, Olivier (orgs.) Era de las discrepancias. Turner México, 2006: Cidade do México.

cipais origens no mal estar da política que rege os processos de subjetivação no capitalismo financeiro que se instaurou mundialmente a partir de 1970 (Rolnik, 2006b). De acordo com a psicanalista, curadora e crítica cultural Suely Rolnik “o capitalismo cognitivo ou cultural, concebido justamente como saída para a crise provocada pelos movimentos dos anos 1960/70, incorporou os modos de existência que estes inventaram e apropriou-se das forças subjetivas, em especial da potência de criação que então se emancipava na vida social, a colocando de fato no poder, tal como haviam reivindicado aqueles movimentos.” (Rolnik, 2006b: 6) O capitalismo cultural que se instaura no final dos anos 1970 como alternativa aos reflexos causados pelos movimentos das duas décadas anteriores incorpora as experimentações transgressivas das décadas que o precederam e seus protagonistas que, interpretando esse movimento como sinal de reconhecimento, se entregaram à cafetinagem7, tornando-se os próprios concretizadores da nova faceta do capitalismo (Rolnik, 2006b). As práticas artísticas, no entanto, não permanecem indiferentes a esse movimento e o começo dos anos 1990 é marcado por uma tomada de consciência e pela problematização da situação que se instaurou. Olhando para a cidade Francis Alÿs, que se mudou para o México para trabalhar em organizações não governamentais que atuavam nas áreas atingidas pelo terremoto de 1985, se deparou com uma cidade marcada pelo avanço do capitalismo cultural e das políticas neoliberais, acompanhadas por um crescente interesse em revitalizar o recém nomeado Centro Histórico. No final dos anos 1980, Alÿs estava prestes a finalizar seu contrato com as organizações não-governamentais e retornaria à Bélgica, mas enfrentou uma série de problemas legais por ter se ausentado do serviço militar. Simultaneamente, Alÿs encontra pelas ruas do centro da cidade as novas experimentações artísticas que começavam a pipocar pela capital. “Em 1989, a ponto de finalizar seu contrato, deambulando pela Cidade do México na rua de Cuba, viu um tumulto em frente a uma loja de móveis transformada em galeria de arte, que se chamava El Salón des Aztecas8. Nessa noite quente de Março era inaugurada uma exposição de um contingente de artistas britânicos que, em uma reunião em um pub de Londres, meses antes, haviam decidido emigrar ao México em busca de uma alternativa a um mundo de arte, então dominado pela pintura, que oferecia poucas possibilidades aos artistas jovens.” (Debroise, 2006: 329) Nesse mesmo ano, Alÿs passa a se dedicar à prática artística nessa - e a partir dessa - cidade, marcada, simultaneamente, pela presença de um projeto de modernização característico do neoliberalismo, pela permanência de aspectos, arquitetônicos e culturais, do México pré-colonial e colonial e pelas movimentações intensas que começavam a agitar o território da arte. A partir daí, o artista passa a experimentar uma poética visual, na qual a própria cidade – em especial o centro – se torna matéria de investigação. Para Alÿs 46

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“México é uma cidade que te obriga constantemente a responder a sua realidade, te obriga a todo tempo relocalizar sua presença, a reposicionar-se diante desta entidade urbana desmesurada. É exatamente o que posso observar todos os dias em minhas direções, com toda essa gente que não deixa de se reinventar: gente que um dia sente a necessidade de construir uma personalidade, uma identidade para afirmar seu sítio neste caos urbano” (Alÿs; Diserens, 2006: 121) As respostas de Alÿs a essa situação urbana partem das ações, quase contemplativas, de caminhar, observar e registrar a vida como ela é no centro de uma das maiores cidades do mundo. A imensidão da cidade foi, simultaneamente, uma dificuldade enfrentada pelo artista e o disparador de seu processo investigativo. Sem conseguir compreender como a sociedade funcionava como um todo, Alÿs passou por um primeiro momento de observação, tentando perceber de que maneira as pessoas reagiam ao caos urbano. “Eu vivia no antigo Centro Histórico, onde havia todos esses personagens, pela falta de uma palavra melhor. Eu vi como eles sentiam a necessidade de criar uma identidade, de inventar um papel para si mesmos, um ritual que justificaria sua presença no tabuleiro urbano – como esse cara, com seus quarenta e poucos anos, que eu via toda manhã andando de cima para baixo no Zócalo com um fio metálico dobrado em forma de gancho com um círculo no final, uma espécie de roda de bicicleta sem os raios. Começando do canto superior esquerdo da praça, ele seguiria todas as pequenas fendas entre as pedras da pavimentação, metodicamente andando (pacing) pela praça toda. Era o papel que ele inventou para si mesmo. Era sua forma de estar lá, de ser parte da vida da cidade. Encontrar essas pessoas foi, frequentemente, o ponto de partida (entry point) para minhas caminhadas ou intervenções, o cru e poético ponto de partida” (Alÿs; Ferguson, 2007: 8) Em um primeiro momento, portanto, a relação de Alÿs com a cidade era pautada pela observação, em sua tentativa de compreender a dinâmica urbana e a forma como as pessoas se inseriam nesse ambiente. Essa incessante observação o leva a se questionar o quanto pertencia àquela cidade e Ao lado Figura 45. Turista. Fonte: ALŸS, Francis; MEDINA, Cuauthémoc. Diez cuadras alrededor del estudio. Cidade do México: Antiguo Colegio de San Ildefonso, 2006: 27.


poderia julgá-la ou participar de sua dinâmica (Alÿs in Ferguson, 2007). Em 1994, há quase uma década vivendo ali, esses questionamentos ganham forma na obra Turista, registro fotográfico de uma ação na qual Alÿs denuncia e testa seu status de estrangeiro, de gringo. As fotografias registram uma situação cotidiana: do lado de fora das grades da Catedral Metropolitana, no Zócalo, diversos trabalhadores informais oferecem seus diferentes serviços. No entanto, entre carpinteiros, encanadores, pintores, pedreiros e eletricistas, está Alÿs com seus óculos de sol e sua aparência tipicamente europeia oferecendo seus serviços como turista. Com essa obra, o artista se reconhece como outsider sem se excluir da vida na Cidade do México, se coloca num ponto intermediário entre “prazer e trabalho, contemplação e interferência” (Alÿs; Ferguson, 2007: 11). Essa combinação entre observação e interferência acompanhou a obra do artista ao longo da década de 1990, especialmente a partir da segunda metade, e persiste ainda hoje. Se, por um lado, Alÿs registra diversas expressões do uso do espaço urbano, por outro, compreendeu que, ao viver em uma cidade e atuar nela, não seria possível se manter em uma situação completamente passiva. Ações interferem no espaço, bem como o espaço produz reflexos no corpo e nas sensações. O artista entendeu que não poderia ser apenas observador das obras em 1996, quando filmou Si eres un espectador típico, lo que realmente haces es esperar a que suceda el accidente, vídeo no qual segue com a câmera uma garrafa de plástico que era arrastada pelo vento no Zócalo. Ainda que pretendesse ser passivo, apenas esperando o acidente, em pouco tempo os transeuntes, encorajados pela câmera, começaram a chutar a garrafa. O mero ato de filmar altera as variáveis da cena. O acidente que Alÿs esperava aconteceu de maneira diversa; entretido pela movimentação da garrafa, o artista distraído foi atingido por um automóvel. Para Alÿs, esse vídeo marca simbolicamente a impossibilidade de distanciar-se enquanto artista da sociedade ao seu redor. Chegou, assim, o fim do período de sua obra marcado pela não interferência.

Acima Figura 46. Turista. Fonte: GODFREY, Mark. Francis Alÿs: A story of Deception. Inglaterra, Tate, 2010: 51. Ao lado Figuras 47. Si eres un espectador tipico lo que realmente haces es esperar a que suceda el accidente. Fonte: ALŸS, Francis; MEDINA, Cuauthémoc. Diez cuadras alrededor del estudio. Cidade do México: Antiguo Colegio de San Ildefonso, 2006: 48; 49.

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Abaixo Figura 48-49. Dormientes. Fonte: MEDINA, Cuauthémoc; FERGUSON, Russell. Francis Alÿs: Politcs of Rehearsal. Los Angeles: Hammer Museum, 2007: 23, 24. Na página ao lado Figuras 50-52. Dormientes. Fonte: MONSIVÁIS, Carlos, The historic centre of Mexico City. Espanha: Turner, 2006: 25; 57; 92.

Voltando a Turista, um outro aspecto merece ser notado: a situação escolhida para realizar sua ação. O artista opta por registrar uma expressão do comércio informal, a partir de um ponto de vista que não exclui essas pessoas do contexto urbano; pelo contrário, resgata suas práticas como pertencentes da dinâmica do centro da cidade. Essa opção por registrar o uso informal da rua não é totalmente casual e vem se repetindo ao longo do trabalho de Alÿs em séries fotográficas a partir das quais o artista investiga a cidade. Em suas séries de fotografias, Alÿs retrata figuras características da vida no centro da cidade. Em dormientes, registra o uso da rua por pessoas e cachorros que dormem nas calçadas do centro da capital mexicana. As primeiras fotos das série foram tiradas no ano de 1999 e o artista continua os registros ainda hoje, com a intenção de ”resgatar práticas e formas de formas de vida que podem chegar a desaparecer a qualquer momento devido a um ato administrativo ou de regulamentação” (Alÿs; Medina 2006: 73). Essas fotos são sempre tiradas a partir do nível do solo, num plano horizontal, garantindo um registro no mesmo nível onde se encontra o dormente, evitando um ponto de vista hierárquico por parte do observador. A série pode ser pensada como uma tentativa de expor algumas formas privadas de apropriação da rua, que normalmente seria destinada a uma função pública de tráfico (Alÿs; Medina, 2006). Em dormientes, além de pessoas, vemos cachorros que dormem na rua.


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Alÿs demonstra um interesse grande pelos cães que vivem na rua da Cidade do México, inclusive já lhe foi dito que o fator humanizante da série fotográfica é a presença desses parasitas urbanos que são os cães (Alÿs; Diserens, 2006: 104). Para o artista, esses animais conseguem transmitir a sensação de liberdade que pode encontrar vivendo no México, “se bem que falar de liberdade nesse caso é um pouco abstrato, para não dizer politicamente incorreto. Poderíamos encontrar toda uma série de elementos que se opõem a essa noção de liberdade estritamente política, econômica ou racial. Mas, ao mesmo tempo, aqui encontrei um sentimento de ilusão de liberdade que não havia conhecido em nenhum outro lugar”. (Alÿs; Diserens, 2006: 107) Abaixo Figura 53. Dormientes. Fonte: MONSIVÁIS, Carlos, The historic centre of Mexico City. Espanha: Turner, 2006: 87.

A existência de uma fauna urbana tem sido interesse de Alÿs desde seus tempos de arquiteto em Veneza, antes de se mudar para a Cidade do México. Em sua tese de doutoramento, desenvolvida no IUAV de Veneza, o artista buscou estabelecer


9 Esse tema aparece mais explicitado nessa pesquisa na discussão do flâneur e sua relação com a cidade moderna.

um paralelo entre o desparecimento dos animais – inclusive por medidas de saúde pública– das cidades pré-renascentistas e a desaparição crescente do conceito de animalidade das representações populares da época, como por exemplo na produção dos iluminadores (Alÿs; Diserens, 2006). A crescente preocupação com a saúde da população, no final do século XVI e começo do século XVII, levou a um processo de especialização da arquitetura, desde o final o século XVIII, pautado pelos problemas da população, da saúde e da circulação no espaço urbano (Foucault, 2009). De acordo com o arquiteto Andrea Cavalletti, a partir do século XVIII, portanto, a população se torna um princípio econômico e político fundamental, “uma máquina que pode ser governada através da gestão das condições de vida (habitat, cidade, higiene, segurança no sentido mais amplo do termo) [...]” (Cavalletti, 2010: 17). A população se torna o fim último do governo e, com isso, o planejamento urbano passa a ser orientado para garantir a saúde pública, a partir da abertura de grandes vias na cidade9. A cidade da modernidade apresenta dois aspectos arquitetônicos e urbanístico que a norteariam: por um lado, a liberação dos espaços para circulação garante uma cidade que respira livre de endemias. Por outro, a cidade é marcada pelo crescente confinamento dos delinquentes. De acordo com Foucault, o personagem do delinquente é delineado no final do século XIX e sua existência é concomitante à importância que se passa a dar ao confinamento. “A constituição do meio do delinquente é absolutamente correlativa à existência da prisão. Procurou-se constituir, no próprio interior das massas populares, um pequeno núcleo de pessoas que seriam, por assim dizer, os titulares privilegiados e exclusivos dos comportamentos ilegais. Pessoas rejeitadas, desprezadas e temidas por todo mundo.” (Foucault, 2006: 47) Ora, se na cidade moderna o planejamento urbano é norteado pelas demandas de saúde pública e pela tentativa de normalização dos delinquentes, talvez seja possível pensar que, na cidade contemporânea, essas políticas urbanas se atualizam e são expressas nos crescentes projetos de gentrificação dos centros urbanos. De acordo com Alÿs, a capital mexicana apresenta uma espécie de resistência aos processos de modernização; especialmente no que diz respeito ao centro histórico, marcado por anacronismos e características pré-Hispânicas, coloniais e modernas. Em entrevista com Corinne Diserens, o artista afirma que o movimento, característica primeira da modernidade, tem sua maior expressão no Zócalo, no entanto, “pode resultar bastante paradoxal o fato de que sua manifestação mais evidente seja aqui, no centro histórico, em uma zona que funciona precisamente de maneira anacrônica e mais ou menos à margem das regras habituais da cidade moderna; seja em sua organização social, sua economia, sua jurisdição etc.” (Alÿs; Diserens, 2006: 107) 52

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10 Vale lembrar que o centro ficou esquecido pelas políticas de planejamento urbano até a segunda metade do século XX, mas que uma série de reformas urbanas foram feitas no território mexicano no sentido de modernizar a cidade, privilegiando a circulação e a velocidade.

Pode-se pensar que a cidade flerta com a modernidade sem, no entanto, se entregar completamente a ela. No entanto, ainda que o centro cidade não tenha passado por um processo de modernização nos moldes ocidentais10, a retomada de interesse pela região nos projetos urbanos é característica das cidades contemporâneas marcadas pela presença do neoliberalismo e do capitalismo cultural. Talvez por essa razão, o registro sistemático que Alÿs realiza de determinados usos do meio urbano e o valor que dá à fauna urbana são encarados por Medina como “exemplo de resistência à crescente obsessão de controle cívico” (Alÿs; Medina, 2006: 73). Seguindo essa lógica, os cachorros de rua podem ser pensados como um fenômeno do espaço urbano que evidencia, simultaneamente, a deterioração e as tentativas de requalificação da região central da cidade.

Acima Figura 54. Ambulantes. Fonte: http://placenotes.files. wordpress.com/2010/08/francis_alys02.jpg Figura 55. Ambulantes. Fonte: www.sammlung-goetz.de Ao lado Figura 56. Ambulantes. Fonte: http://dailyserving.com/wp-content/ uploads/2010/08/2.-Ambulantes-Pushing-and-Pulling-1992-2006-Mexico-City-80-35mm-slides-carousel-3.jpg Figura 57. Ambulantes. Fonte: MONSIVÁIS, Carlos, The historic centre of Mexico City. Espanha: Turner, 2006: 75.


“Se a rua é como o grande hotel dos párias, as calçadas são o espaço de salvação dos cães, que estão ali porque o Centro (a entidade que é algo mais do que a soma de seus habitantes, proprietários e viajantes) não admite ver-se regimentado pelo culto ao Progresso ou à Pós-modernidade e se agarra seu aspecto irredimível”. (Monsiváis, 2006: 89) Ao longo dos últimos anos, o centro histórico da Cidade do México tem passado por um processo de gentrificação, semelhante aos processos vividos por cidades como Nova York, São Francisco, Chicago, etc. Francis, apesar de não se colocar contrário a esse processo, opta por privilegiar as imagens da deterioração, não com a intenção de explorar uma “estética da pobreza”, mas sim a representação de um “estado de coisas”, “uma reelaboração do Centro da cidade de energias sempre inesperadas e, mais especificamente, um retrato da jornada artística que combina urbanismo, sociologia e experiência de residente.” (Monsiváis, 2006: 54) Além dos dormientes, o artista vem registrando desde o começo dos anos 1990 a presença dos ambulantes nas ruas do centro da cidade. Nessa série Alÿs registra uma variedade de carrinhos, suportes e objetos que são empurrados, puxados ou carregados pelas ruas. O artista registra os participantes de uma economia informal, que usam o espaço público de forma que “incorporam a recusa de populações urbanas em se conformar aos padrões tecnológicos, sociais e culturais do ocidente moderno” (Alÿs; Medina, 2010: 56).

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11 Seu ensaio Menschen des 20. Jahrhunderts foi desenvolvido durante a república de Weimar e visava retratar o homem alemão contemporâneo fotografando trabalhadores de diversas áreas. A inspiração para o trabalho surgiu quando Sander foi a Westerwald fotografar os agricultores da região. A partir deste ensaio, o artista passou a retratar os arquétipos existentes naquilo que ele entendia como um modelo cíclico de sociedade. O primeiro grupo a ser fotografado foram os camponeses agricultores – que, a seu ver, constituíam a base da sociedade alemã –, numa série chamada Stamm-mappe. Outro grupo era formado por profissionais como advogados, parlamentares e banqueiros. Para ele, essas profissões significavam o fundamento da vida cívica. Estes são seguidos pelos intelectuais e artistas; e, para finalizar o ciclo, a população marginalizada, constituída por deficientes mentais, ciganos e mendigos, numa série chamada Letzte Menschen. (ver http://www.moma.org/collection/artist. php?artist_id=5145)

Acima Figura 58. August Sander, Menschen des 20. Jahrhunderts. Fonte: http://www. moma.org/collection/artist. php?artist_id=5145 Ao lado Figura 59. Ambulantes. Fonte: MONSIVÁIS, Carlos, The historic centre of Mexico City. Espanha: Turner, 2006: 67.

O registro neutro – na altura dos olhos - lembra trabalhos como os registros fotográficos do alemão August Sander11 no período entre-guerras. Ao mesmo tempo, além do caráter de registro social, a série remete a outras obras de Alÿs que envolvem o esforço de empurrar, puxar e carregar objeto (Paradoxis of práxis e Colector). Para o artista, a série é uma forma de registrar os improvisos e táticas de sobrevivência no contexto urbano. O registro da presença de vendedores ambulantes no centro da capital mexicana como forma de resgate de práticas cotidianas que tendem a ser eliminadas se justifica quando nos deparamos com as propostas de operação urbana para “normalizar” o centro da cidade, que englobavam o “Progama de Rescate”, concebido no começo dos anos 2000, viabilizado a partir da aliança entre o prefeito Manuel Lopez Obrador e o empresário Carlo Slim Helú, diretor executivo do Grupo Carso Sa. e presidente do conselho administrativo da TELMEX.


12 ver http://www.sedatu.gob.mx/sraweb/datastore/programas/2013/rescate/Lineamientos_PREP_2013(24-may-13).pdf e http://www.carlosslim.com/

O programa surge como uma das diversas estratégias que tinham como objetivo de transformar a Cidade do México na “ciudad de la esperanza” e continua em atividade ainda hoje, atuando concomitantemente a diversas políticas públicas de “revitalização” do centro. Entre outras propostas para a renovação urbana, o programa visava à eliminação de mais de 30 mil vendedores ambulantes que circulavam pelas ruas centrais da capital mexicana no início do século. (Walker, 2008)12 O Programa de Rescate é, portanto, uma expressão do reinvestimento na área central da cidade que busca impulsionar uma transformação na população residente da região e incentivar a valorização simbólica do patrimônio que “encarna a identidade da cidade” (Melé, 2006: 200). Essas tentativas podem ser compreendidas como parte de um processo de gentrificação que não se resume a uma lógica interna de reestruturação do espaço urbano; trata-se de uma lógica muitas vezes extranacional que pode ser percebida na integração da cidade a processos de globalização econômica e cultural. Vale notar que é comum aos processos de gentrificação o interesse em atrair para as regiões centrais um determinado grupo social, comumente formado por profissionais ligados à indústria cultural, dentre eles arquitetos, designers, artistas, entre outros. Por essa razão é interessante pensar na produção de Alÿs em relação a esse processo do qual ele, mesmo que indiretamente, faz parte. Ainda que o interesse em atrair artistas para o centro esteja vinculado à tentativa de revalorização econômica e cultural da área, é possível pensar em práticas artísticas que permitam refletir criticamente sobre a situação. No caso de Alÿs, o esforço sistemático em registrar a realidade urbana não consiste em um posicionamento favorável ou contrário ao processo de gentrificação. A produção de Alÿs não se insere na lógica desse processo, de forma que não pode ser incorporada por ele. Com suas fotografias, o artista não fala contra o processo de gentrificação, mas permite tornar visível a presença viva daquelas pessoas, que passam a fazer parte da visão, gerando um incômodo com os efeitos da gentrificação – aquelas pessoas tendem a ser eliminadas. Não se trata de uma estetização da miséria que não transforma, mas da invenção de uma outra visão que cria diferenças nas relações com as coisas. É desvio, não denúncia.

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Capítulo 03 Da observação à intervenção Cada uma das minhas intervenções é outro fragmento da história que estou inventando, da cidade que estou criando. Francis Alÿs (Alÿs,1997:15)

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Nas páginas anteriores Figura 60. Paradojas de la práctica I. Fonte: MEDINA, Cuauthémoc; FERGUSON, Russell; FISHER, Jean. Francis Alÿs. 2007: 46 Abaixo Figura 61. Cuentos de hadas. (Refeita em Estocolmo em 1998). Fonte: MEDINA, Cuauthémoc; FERGUSON, Russell; FISHER, Jean. Francis Alÿs. 2007: 27

“Eu acredito que meu papel se limita a criar histórias e imagens e deixá-las a sua própria vida, a partir do momento em que tornam públicas” foi uma das questões trazidas por Alÿs em uma suposta entrevista que se transformou em conversa sobre a pertinência desta pesquisa13. A conversa com Alÿs esclareceu que suas obras não pretendem portar verdades absolutas, significados únicos ou pré-definidos. Cada uma de suas obras pode ser encarada como um ponto de encontro que possibilita ramificações.


13 O contato com o artista foi realizado por e-mail em fevereiro de 2013.

Dessa forma, o artista cria com o conjunto de sua produção uma espécie de rede de possibilidades, articulando as diferentes questões de sua poética. Não se trata de explorar uma relação binária entre as obras e seus significados, mas de criar uma abertura a infinitas possibilidades de reverberação que se consolidam através da relação com o interlocutor. Pode-se pensar a poética visual de Alÿs enquanto pertencente a uma microesfera de ação que busca novas práticas do espaço, visando escapar à lógica urbanística da metrópole sem, no entanto, se ver excluída do campo onde é exercida, conseguindo, assim, criar novas formas de relação no tempo-espaço. Ao atuar nas ruas da Cidade do México, o artista encontra uma maneira de criar rumores, muitas vezes nomeados pelo artista de Fábulas, que são inseridos no contexto urbano. Assim, opta por operar entre os resíduos e os vazios, disseminando histórias e novos mitos: “Foi minha maneira de afetar um lugar em um momento preciso na história e por um curto período de tempo. [...] Essa dimensão mítica me interessa. Talvez você não precise ver o meu trabalho, só precisa ouvir sobre ele”. (Lingwood; Alÿs, 2005: 7) Em Cuentos de hadas (1995) Alÿs cria uma fábula sobre a perda, na qual ele caminha enquanto seu suéter se desfaz, deixando um rastro. A ação, extremamente simples, “implica um reverso do princípio de coleta” (Alÿs; Medina, 2010: 90) característico de obras como Colector, e “se torna um modelo para ações que convertem a rota do artista em um procedimento para o desenho urbano” (Idem, ibidem). Cuentos de hadas remete a histórias clássicas como, por exemplo, à lenda do Minotauro, na qual Teseu leva o fio de Ariadne para o labirinto a fim de conseguir encontrar o caminho de volta, e ao conto infantil João e Maria, dos irmãos Grimm, em que as duas crianças marcam seu trajeto deixando uma linha de migalhas. Em todas essas narrativas existe uma espécie de “mapeamento da passagem pelo espaço e no tempo e sua relação com a arte de contar histórias” (Beek, 2011: 6). A linha deixada por Alÿs durante sua caminhada delineia o espaço, mapeando seu itinerário. Essa “não-ação transforma espacialidade em temporalidade, de modo que podemos concluir o método de andar como a essência da performance e, ainda, como a essência da história. A narração é o método”. (Beek, 2011: 7) A linha deixada pelo suéter que se desmancha cartografa o espaço pelo qual Alÿs caminha, não no sentido de criar um mapa estático, mas de elaborar um desenho que é definido simultaneamente ao processo de transformação da paisagem (Rolnik, 2006a). Transformação aqui não sendo entendida como a necessidade de inserir objetos nessa paisagem, mas como a criação de um desenho urbano singular que é delineado a partir da experiência do artista ao contar suas histórias.

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Cuentos de hadas não é a única obra em que Alÿs explora a narrativa. Em Paradojas de la Praxis I – Algunas veces el hacer algo no lleva a nada (1997), mais do que um mito urbano, traz uma reflexão sobre da vida na capital mexicana. A performance, na qual Alÿs caminha por mais de nove horas pelo centro da Cidade do México empurrando um bloco de gelo até que derreta completamente, ilustra comicamente o desperdício de tempo característico da vida na América Latina. O esforço de Alÿs na execução da performance alude às táticas de sobrevivência de grande parte da população mexicana, que demandam um esforço aparentemente improdutivo. Abaixo e na página seguinte Figuras 62-69. Paradojas de la práxis I. Fonte: MEDINA, Cuauthémoc; FERGUSON, Russell; FISHER, Jean. Francis Alÿs. 2007: 46; 47.


Simultaneamente, Alÿs questiona a escultura como produção de objetos permanentes, passando a entende-la como uma intervenção em um tempo e situação determinados, que não necessariamente levam a um objeto de arte nos moldes tradicionais. Com isso, o artista entra em embate com o objeto de arte minimalista: “o bloco, idêntico aos milhares entregues diariamente em estabelecimentos espalhados pela cidade, foi também um jeito de simbolizar o derretimento do objeto genérico da arte contemporânea”. (Alÿs; Medina, 2010: 82)

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Na obra Looking Up (2001), o artista trabalha a partir de um desdobramento da máxima de Paradojas de la práctica, “às vezes fazer algo não leva a nada”. Nessa obra, no entanto, a máxima é invertida e se transmuta em “às vezes não fazer nada leva a algo”. A ação, que é registrada em vídeo (4’), fotografias e notas, se desenvolve de forma simples: Alÿs caminha até a Plaza de Santo Domingo, onde para e se coloca a olhar para o céu. Em pouco tempo, os transeuntes intrigados param ao lado do artista, procurando o que ele estaria vendo. Quando um pequeno grupo de curiosos se forma, Alÿs se afasta, deixando os observadores sozinhos, parados no meio da praça vazia. Abaixo e na página seguinte Figuras 70-82. Paradojas de la práxis I. Fonte: MEDINA, Cuauthémoc; FERGUSON, Russell; FISHER, Jean. Francis Alÿs. 2007: 94; 95.


Nessa obra, ainda que a caminhada não apareça como processo, as relações que se estabelecem no espaço são bastante interessantes. Acostumadas com o ritmo incessante da metrópole, as pessoas param e prestam atenção em algo que nem sequer está lá. O resultado da ação de Alÿs é uma quebra no ritmo diário daquelas pessoas que passam pela praça. Não se trata de criar um ritmo específico de acordo com a pretensão do artista, mas de disparar uma situação que possibilite uma quebra no percurso daquelas pessoas que, por curiosidade, se envolvem na ação. Diante de uma situação cotidiana, na qual as pessoas usam a praça como passagem, Alÿs interfere no espaço e produz uma situação simples que altera, por alguns momentos, a rotina dos envolvidos.

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Alÿs flutua entre ação no espaço e documentação de seu uso. Em Zócalo (1999) o artista registrou, por um período de doze horas, um fenômeno que ocorre diariamente na praça central da capital mexicana. O artista percebeu que, inconscientemente, as pessoas que frequentam o lugar tendem a fugir da aridez de uma praça se abrigando na sombra gerada pela incidência do sol sobre o mastro da bandeira nacional, que se localiza no centro do Zócalo. O artista inicia a filmagem no começo da manhã e, ao longo do dia, registra o uso do espaço mostrando como o encontro entre as pessoas provoca situações escultóricas (Ferguson; Fischer; Medina, 2007). Ao voltar sua atenção a esses usos singulares do espaço, o artista coloca o espaço urbano em primeiro plano e mostra como o corpo é afetado, ainda que de forma sutil, por esse espaço. Essa obra de caráter documental pode ser pensada como uma outra faceta das caminhadas do artista. Ao caminhar pelas ruas da cidade e suas praças, o artista apreende situações do cotidiano, nas quais o uso do espaço não é marcado pela velocidade que se tornou característica das cidades modernas e se reproduz nas cidades contemporâneas. Seus registros do meio urbano não são retratos de uma sociedade acelerada, mas a busca por pequenos movimentos no tempo-espaço que retomam a noção do urbano como espaço que pode ser experimentado e praticado.


Assim, a poética de Alÿs realiza dois movimentos distintos que, no entanto, se tangenciam: por um lado, as caminhadas servem como método investigativo da vida na cidade, que passa a ser registrada por ele em suas especificidades; por outro, elas são experimentações do espaço, a partir das quais Francis Alÿs cria fábulas e conta histórias, que se tornam rumores e se espalham entre as pessoas. Nesse segundo caso, ainda que suas ações muitas vezes apresentem vídeos e fotografias como uma forma de produto final, é durante o processo que os rumores se criam e se propagam numa espécie de teia invisível.

Acima e na página anterior Figuras 83-84. Zócalo. Fonte: MONSIVÁIS, Carlos, The historic centre of Mexico City. Espanha: Turner, 2006: 34; 35.

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Experimentando espaços Caminhar é processo. Criativo. Produtivo. Não se trata do caminhar acelerado daqueles que estão sempre atrasados nas grandes cidades. Tampouco do caminhar cansado daqueles que voltam para casa depois da jornada de trabalho. Alÿs caminha apreendendo a cidade ao seu redor, encarando-a como espaço de investigação. Pode-se perceber suas caminhadas, suas deambulações, como formas de inserção na cidade, não com a intenção de colocá-la à distância para apreendê-la em sua totalidade; ao contrário, consistem em deslocamentos que buscam a interação com a cidade em sua proximidade, encontrando singularidades. A rua definida pelo urbanismo se transforma, assim, em um campo de afetos e estímulos.

Nesta e na página seguinte Figuras 85-88. Colector. Fonte: MEDINA, Cuauthémoc; FERGUSON, Russell. Francis Alÿs: Politcs of Rehearsal. 2007: 29; 30; 31.


É a partir de sua obra Colector (1990-92) que a caminhada aparece pela primeira vez como processo e a obra inaugura a prática de “inserir discretos mitos e propagar rumores no tecido urbanos através de caminhadas (paseos) entendidos como instrumento de operação artística” (Alÿs; Medina, 2006: 19). Nessa obra, o artista cria uma espécie de cão imantado com o qual passeia pelas ruas da cidade atraindo resíduos metálicos. “Durante um período indeterminado, o Colector magnetizado passeia diariamente pelas ruas, acumulando pouco a pouco um casaco feito de qualquer resíduo metálico encontrado por seu caminho. Este processo continua até que o coletor esteja completamente coberto por seus troféus” (Alÿs; Medina, 2006: 19)

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Alÿs passeia com seu cachorrinho magnetizado transformando o espaço de circulação em um “espaço de investigação, acumulação e jogo” (Alÿs; Ferguson, 2007: 21). Além disso, a obra aparece como uma crítica à prática de arquitetura e urbanismo, uma vez que o artista não busca inserir objetos em uma metrópole já saturada, mas sim “intervir na experiência coletiva introduzindo uma lenda urbana que redefiniria a comunidade para seus habitantes” (Idem, Ibidem). Para Alÿs, o contexto da obra poderia ser definido como “político, no sentido da polis grega, a cidade como sítio de sensações e conflitos de onde se extraem os materiais para criar ficções, arte e mitos urbanos” (Alÿs; Medina, 2006: 19). Assim, seja ao trazer a experiência de um sujeito que caminhou pelas ruas com seu suéter se desfazendo até deixar um rastro de uma única linha, de um homem que andou empurrando um bloco de gelo até seu completo derretimento, ou de um sujeito que passeia com seu cão imantado pela cidade, as intervenções de Alÿs encontram no espaço urbano mais do que mero pano de fundo para sua execução; ele torna-se parte fundamental do caráter da obra, pois suas caminhadas emergem como oposição ao urbanismo moderno refletido nas ruas das cidades, reiterando a vida enquanto atividade territorial e crítica. Se a cidade moderna se constituiu de maneira que privilegia os meios de transporte industriais e a ânsia por liberdade e facilidade de circulação se sobrepõe à experiência sensorial do lugar, a caminhada, enquanto prática estética, encontra uma forma de retomada do espaço pensado para o homem. Ao se pensar em Francis Alÿs e suas caminhadas, frequentemente é trazida a figura do flâneur, observador apaixonado que esposa a multidão. O flâneur encontra domicílio no movimento, no inconstante, faz das ruas seu lar. (Baudelaire, 2010). Apreende as ruas durante o dia e, quando a cidade se ilumina, curva-se sobre a mesa “e as coisas renascem sobre o papel, naturais, e mais que naturais; belas, e mais que belas; singulares e dotadas, como a vida do autor, de um estado de exaltação” (Baudelaire, 2010: 32). Figura da sociedade parisiense do século XIX, o flâneur deambula em meio à sociedade, ao mesmo tempo em que se distancia dela, para contemplar o desenvolvimento da cidade moderna, construindo um novo olhar que capta as transformações das cidades industriais organizadas em centros urbanos; um olhar que capta o movimento, a velocidade, o espaço público. Benjamin, em considerações sobre a vida parisiense, destaca a figura do flâneur, aquele que em suas passagens pelas ruas transforma em imagens a cidade fragmentada. Para ele “Paris criou o tipo do flâneur” (Benjamin, 2007: 462). No entanto, há uma certa melancolia no flâneur, uma espécie de romântico voyeurismo social, da qual Alÿs se distancia. O artista nega sua relação com o romantismo do flâneur, pois “ele não tem muito espaço em uma cidade como a Cidade do México. A cidade é muito crua e tudo parece acontecer no presente imediato. Não há espaço para nostalgia” (Alÿs; Ferguson, 2007: 32)


14 Os urbanistas modernos buscaram nos iluministas as noções de veias e artérias no espaço urbano, pautadas pela preocupação com a saúde pública e a respiração nos centros urbanos. No entanto, os urbanistas modernos utilizaram esse imaginário para permitir novos usos. “Se antes concebia-se o indivíduo estimulado pelas multidões agitadas, agora ele estaria protegido por ela”. (Sennett, 2003: 265)

A Paris moderna possibilitou a figura do flâneur, que observava o resultado das transformações ocorridas na cidade desde o século XVIII e, sobretudo, no século XIX, quando os urbanistas passaram a traçar planos urbanos a partir de medidas que possibilitassem a “respiração”14, de modo que se iniciaram as aberturas de grandes artérias (vias) nas cidades, permitindo a livre circulação (Sennett, 2003).

15 Para Rolnik, “’Sensação’ é precisamente isso que se engendra em nossa relação com o mundo para além da percepção e do sentimento. Quando uma sensação se produz, ela não é situável no mapa de sentidos de que dispomos e, por isso, nos estranha. Para nos livrarmos do mal-estar causado por esse estranhamento nos vemos forçados a “decifrar” a sensação desconhecida, o que faz dela um signo.(Rolnik, 2002: 271)

Com a Revolução Francesa, a relação entre corpo em movimento livre e espaço urbano passam a direcionar as intervenções em Paris, de forma que “poder e idealismo – articulando uma nova ordem humana em espaços abertos – justificam os espaços de liberdade, que permitiam a máxima vigilância policial sobre a multidão” (Sennett, 2003: 242). De acordo com Sennett (2003), a implementação dos espaços vazios contribuiu para o esvaziamento das ruas e, mais do que isso, para a pacificação dos corpos. “O espaço da liberdade pacificou o povo revolucionário” (Sennett, 2003: 242) A pretensão de facilitar a circulação das multidões somada à tentativa de desencorajar manifestações de grupos organizados, fez com que os corpos que circulavam pelas cidades planejadas do século XIX passassem cada vez mais desapercebidos uns pelos outros e pelos espaços. A maior expressão disso em Paris foi a reforma urbana de Haussmann, que “levou a cabo o maior esquema de redesenvolvimento urbano dos tempos modernos, destruindo boa parte da malha medieval e da Renascença; retas, as novas vias ligavam o centro da cidade aos distritos.” (Sennett, 2003: 270) É por esse cenário que caminha o flâneur, encantado pela modernidade que se expressa na velocidade. Francis Alÿs não poderia ser flâneur, pois a Cidade do México do final do século XX jamais seria Paris do século XIX. Para Kwon, “as caminhadas sinuosas de Alÿs pelas ruas da cidade, seu lento e, aparentemente, ineficiente uso do tempo e energia ao explorar espaços negligenciados, se aproximam menos da lógica de um emocionalmente destacado voyeur urbano e mais de uma consciência alerta tentando dar sentido às coisas de sua própria maneira.” (Kwon, 2010: 181) Ora, o flâneur pode ser pensado como uma das figuras da arte moderna, uma vez que apreende as mudanças da cidade e decifra sensações15, fazendo delas signos. O artista moderno abandona o estatuto de gênio e passa a operar em seu encontro com um mundo que produz sensações e “é no trabalho com a própria matéria que ele opera sua decifração. É isso que faz dele um artista moderno” (Rolnik, 2002: 271). Francis Alÿs, por sua vez, leva essa postura da arte moderna mais adiante. Como artista contemporâneo, trabalha com qualquer matéria do mundo e, mais do que apreender esse mundo, interfere na cartografia vigente, reiterando a arte

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16 Ver: http://www.davidzwirner.com/wp-content/uploads/2011/10/FA-DB-Artmag-Wittneven-04-09-19.pdf http://papervisualart.com/?p=2464

como uma forma de problematização. Além de decifrar signos, produz sentidos, cria mundos. A partir da decifração dos signos, o artista cria formas de tornar esses signos visíveis, integrando-os ao mapa vigente (Rolnik, 2002). Talvez por se distanciar do flâneur e desenvolver uma prática de intervenção na cidade, alguns autores optem por comparar suas caminhadas às derivas16 dos membros da Internacional Situacionista, que entendiam o urbanismo como uma forma de controle do espaço e viam na deriva a possibilidade de criação de novos espaços sociais, uma prática de caráter lúdico-construtivo que se opunha às formas alienadas de viagem e passeio (Debord, 2003). Os situacionistas propunham a construção de situações espaciotemporais abertas aos estímulos do espaço, que possibilitavam uma presença ativa do caminhante na construção das relações espaciais. Esses momentos construídos apresentavam a possibilidade de ruptura com os moldes da cidade, instante no qual seria possível reinventar o sujeito e a cidade vivenciada por ele. No entanto, os situacionistas pensavam em suas derivas menos como manifestações artísticas e mais como uma estratégia para alcançar uma nova forma de cidade, na qual a arquitetura e o urbanismo seriam pautados por uma deriva constante. Diferentemente dos situacionistas, Alÿs não aborda as relações espaciais de maneira programática, não pensa na cidade a partir da perspectiva de um novo urbanismo que se consolidaria a longo prazo. “Creio que a deriva situacionista cumpre uma função mais concreta, por absurda que esta seja. Não sou especialista nesses temas, mas creio que para eles havia outro tipo de apreensão do território urbano. Minhas caminhadas são mais uma forma imediata e econômica de intervir frente ao que vejo. Me interessa mais a atitude que alguém pode ter enquanto caminha que o próprio ato de caminhar” (Balmisa in Hissa; Nogueira, 2013: 74)

Ao lado Figura 89. Guy Debord, The Naked City. Fonte: MEDINA, Cuauthémoc; FERGUSON, Russell. Francis Alÿs: Politcs of Rehearsal. 2007: 77


O artista se distancia do urbanismo como disciplina e, em suas caminhadas, parece tentar apreender fenômenos do cotidiano que se opõem ao planejamento urbano racional e entender de que forma a cidade o afeta e é afetada por ele. Por esse motivo, autores como Cuauthémoc Medina (2007), Magali Arriola (2008) e Bruce W. Ferguson (1997) afirmam que seus passeios se aproximam de forma mais direta às “práticas espaciais” de Michel de Certeau. Este autor aponta que a organização da cidade moderna se constrói como reflexo das estruturas de poder presentes nela, estruturando-se de forma que privilegia o progresso (tempo), abandonando sua condição de possibilidade, ou seja, o próprio espaço. Para Certeau, o que distingue um lugar de um espaço é a existência de mobilidade, uma vez que este é constituído a partir do deslocamento em determinado lugar, enquanto aquele consiste em uma ordem estável, imutável, “uma configuração instantânea de posições” (Certeau, 1998: 201): “O espaço é um cruzamento de móveis. É de certo modo animado pelo conjunto dos movimentos que aí se desdobram. Espaço é o efeito produzido pelas operações que o orientam, o circunstanciam, o temporalizam e o levam a funcionar em unidade polivalente de programas conflituais ou de proximidades contratuais.[...] Em suma o espaço é um lugar praticado.” (Certeau, 1998: 201) Daí o interesse especial do autor na figura do andarilho, que transforma a rua definida pelo urbanismo em um espaço, possibilitando movimentos que escapam às lógicas da cidade institucionalizada. “Hoje[...] a linguagem do poder ‘se urbaniza’, mas a cidade se vê entregue a movimentos contraditórios que se compensam e se combinam fora do poder panóptico.[...] Sob os discursos que a ideologizam, proliferam as astúcias e as combinações de poderes sem identidade, legível, sem tomadas apreensíveis, sem transparência racional – impossíveis de gerir.” (Certeau, 1998: 174). Ao entender o ato de caminhar como um ato de enunciação e apropriação do espaço, Certeau vê na caminhada uma possibilidade de criar narrativas disruptivas. Se existe uma ordem espacial que organiza as possibilidades e proibições da cidade, o caminhante pode atualizar algumas delas. No ato, mais do que um traçado, o que se cria são possibilidades de transformação constante dos espaços vivenciados. Caminhadas tecem lugares, de forma que as motricidades pedestres funcionam como um sistema que recria os espaços. “A caminhada afirma, lança suspeita, arrisca, transgride, respeita etc, as trajetórias que ‘fala’. Todas as modalidades entram aí em jogo, mudando a cada passo, e repartidas em proporções, em sucessões, e com intensidades que variam conforme os momentos, os percursos, os caminhantes. Indefinida diversidade dessas operações enunciadoras. Não seria portanto possível reduzi-las ao seu traçado gráfico.” (Certeau, 1998: 179)

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Entender o gesto como um ato enunciativo dá a ele força política, pois esse gesto passa a ter significado em seus meios e não apenas em seu objetivo final, funcionando, assim, não mais como inserção em um espaço institucionalizado, mas como tática de transformação. Certeau trata de individualidades que, a partir de ações cotidianas, usam o espaço de maneira disruptiva. Tais práticas podem ser vistas como uma espécie de resistência silenciosa, de modo que, ao operar nos interstícios sociais e políticos, o artista modifica constantemente o contexto em que se encontra, a partir de suas intervenções. “Essas práticas do cotidiano possuem poder narrativo semelhante ao de fábulas e mitos, construindo um espaço não discursivo, no qual os signos de representação ainda podem responder a coordenadas políticas de um determinado contexto, agindo no sentido de possibilitar mudanças.” (Arriola, 2008: 126) Assim, ao validar seus gestos como enunciação, o artista afirma sua prática como estética e política, que não visa a um final, dando prioridade ao momento no qual a ação se desenvolve, ou seja, o momento em que a ação age enquanto transformadora de sua relação com o espaço. O artista interfere no espaço urbano, mobilizando signos em sua experiência, transformando em visível o invisível. Se, com suas fotografias, Alÿs permite tornar visível a existência dos mais diversos personagens urbanos, com suas caminhadas o artista cria fábulas que reverberam mobilizando sensações não apenas no artista, mas naqueles que ouvem suas histórias. Francis Alÿs traz à vista o espaço da vida que pode ser experimentada.


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CapĂ­tulo 04 Recusa ao desfecho Nunca ter tentado. Nunca ter falhado. NĂŁo importa. Tentar outra vez. Falhar outra vez. Falhar melhor. Samuel Beckett (Beckett, 1991: 101)

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Nas páginas anteriores Figura 90. Anotações de Francis Alÿs. Fonte: Fonte: MEDINA, Cuauthémoc; FERGUSON, Russell; FISHER, Jean. Francis Alÿs. 2007: 129. Abaixo e na página seguinte Figuras 91-96. Cantos patrióticos. Fonte: Fonte: MEDINA, Cuauthémoc; FERGUSON, Russell; FISHER, Jean. Francis Alÿs. 2007: 19.

Francis Alÿs possui uma relação ambivalente com a ideia de resolução; suas obras frequentemente trazem ideias e motivos que se mantém em aberto, numa espécie de processo permanente, que se torna mais importante do que o objetivo a ser alcançado. Essa relutância em trazer a seus trabalhos uma conclusão inequívoca pode ser percebida em alguns aspectos de sua produção, como na opção de dar mais de um título a uma única obra ou de repetir o mesmo título em obras diferentes ou, ainda, nas obras que não possuem uma data específica ou continuam ao longo dos anos. A recusa a desfechos conclusivos está presente em suas obras que têm atreladas a elas um elemento de temporalidade, que pode ser percebido de maneira mais clara em obras nas quais a repetição é o fio condutor dos acontecimentos, mas também nas obras onde há ênfase na duração da experiência e, por fim, com a continuidade das obras, que se tornam rumores e fábulas. Para Alÿs, “ir e voltar” de uma mesma ideia pode ser tão produtivo quanto percorrer um determinado caminho em direção a uma meta fixa definida. Em alguns casos, não há necessidade de haver metas para além do processo, que é – quase sempre - uma série de movimentos em direção a uma ideia. (Ferguson, 2010) Ainda que seja possível identificar as questões temporais nas obras de Alÿs do começo dos anos 1990, é a partir do convite para participar da Bienal de Arte de São Paulo, em 1997, que ele passa a explorar a temporalidade como metáfora da América Latina. Diante do convite o artista se deparou com o confronto de sua condição de europeu ocidentalizado frente às questões latino-americanas. Frente a esse conflito, Alÿs passou a desenvolver uma série de obras que exploravam a relação do México com as promessas de modernização e desenvolvimento econômico (Medina, 2006:). “Como abordar, simultaneamente, o desejo e a falha em chegar ao chamado ‘desenvolvimento’? Quais são os parâmetros em que se opera esse trânsito ambíguo?” (Alÿs; Medina, 2006: 65). Em Cantos patrióticos (1998-99), trabalho composto por um vídeo instalação em três canais, documentação da produção, letra musical, notas e fotografias, o artista combina o método da caminhada com a temática da temporalidade. Não é o artista que caminha pela cidade, mas sim um grupo de músicos


17 Termo usado para descrever uma música tipicamente Mexicana e os músicos que a tocam

cegos que vagam pela capital mexicana. E a partir da documentação das cenas protagonizadas pelos músicos, o artista explora o potencial da videoinstalação, usando dois monitores e uma projeção na parede para narrar várias histórias simultaneamente. “Há algo de paradoxal sobre Cantos. Ela é baseada em um roteiro ou cenário muito simples e claro, mas quanto mais eu progredia, mais eu comecei a me entrelaçar e me perder na construção da história, até o ponto em que eu não sabia mais nada e tive que me mover “cegamente”, numa espécie de autopiloto.” (Alÿs; Diserens, 2006: 113) Como o próprio título sugere, o trabalho foi inspirado em uma música patriótica tocada por um grupo mariachi17 . É uma balada de nove versos que conta a história de um barqueiro que, ao atravessar o Rio grande levando seus passageiros, fica estonteado pela luz do sol. Desorientado, o barqueiro não sabe mais qual seu destino, “navegando em círculos fica preso ‘entre dos aguas’” (Alÿs; Medina, 2006: 65). De acordo com Karsten Löckemann, além do interesse pela música, o artista se interessou pela sequencia dos movimentos e pela documentação do tempo. Além disso, para Alÿs, “se mover em círculos pode ser uma forma de avançar” (Alÿs; Diserens, 2006: 113). “Tecnicamente falando, o artista usa a videoinstalação em três canais como um meio de ressaltar e amplificar o fator temporal”. (Löckemann, 2008: 96) Enquanto os dois monitores transmitem a documentação de seis episódios diferentes vividos pelos músicos, a projeção na parede tem sempre a mesma cena que, repetidamente, avança e retrocede. Nessa projeção, o que se vê é uma dança das cadeiras, jogo infantil no qual os participantes andam em volta de cadeiras, enquanto uma musica toca. Quando a música para, os participantes devem sentar em uma das cadeiras, de forma que apenas uma pessoa não tenha onde sentar, sendo eliminada do jogo. A brincadeira recomeça, com uma pessoa e uma cadeira e se repete até que sobre apenas uma cadeira e dois participantes. Quando a música para, o primeiro a sentar na última cadeira é o vencedor.

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Nos dois primeiros filmes documentados, vemos o grupo de músicos cegos. Um monitor mostra cinco músicos vagando pelas ruas da cidade do México, um deles liderando o grupo, enquanto os outros seguram sua mão e eles caminham em fila, carregando vários instrumentos musicais. Alguns passantes os notam enquanto eles caminham através de ruas movimentadas ou lugares quase desertos, tendo como pano de fundo os sons da cidade. Simultaneamente, o outro monitor mostra o mesmo grupo de músicos tocando em ambiente interno.

Nesta e na página seguinte Figuras 97-105. Cantos patrióticos. Fonte: LÖCKEMANN, Karsten; URBASCHEK, Stephan. Francis Alÿs, 2008: 91; 92; 93; 97.

A seguir, dois novos episódios são exibidos nas telas, ainda acompanhados pela projeção da dança das cadeiras. Dessa vez, um dos monitores traz um cantor que encara o espectador enquanto canta a Balada do barqueiro. No outro monitor, vê-se um violinista caminhando pelas ruas da cidade. Alguns param para escutar sua música. Outros o ignoram. Na última sequência, a projeção permanece sendo a brincadeira, enquanto os monitores mostram um coro e um grupo de mariachis parando carros nas ruas.

A sensação de entrelaçamento comentada por Alÿs a respeito da concepção do trabalho aparece refletida técnica e esteticamente na videoinstalação, mas também está presente nas temáticas exploradas pela obra. Para Löckemann, “Nessa obra, Alÿs consegue capturar a atmosfera de um país e sua cultura com grande sutileza. A partir da documentação das andanças dos músicos, ele retrata uma autêntica e característica imagem das ruas dessa metrópole. Ainda, ao fazê-lo, ele não tem um olhar de reprovação ou de acusação em relação à exclusão social no México, em vez disso transmite grande parte da energia positiva a qual as pessoas recorrem ao lidar com seus problemas. Os versos da música sobre o barqueiro refletem, a partir de uma transfiguração metafórica, os problemas diários dos personagens dos trabalhos de Alÿs. Ao ouvir as palavras da música, é fácil interpretar a história em termos de vulnerabilidade, mal-estar e falta de esperança. Contudo, no trabalho de Alÿs, a primeira impressão é sempre bem humorada, amigável e conciliatória e apenas após uma aproximação maior nós discernimos referências a algumas questões problemáticas da atualidade”. (Löckemann, 2008: 97)


Portanto, está presente na obra, uma reflexão sobre a vida urbana na metrópole, tema recorrente na produção de Alÿs. Por outro lado, ao combinar os cortes próprios da brincadeira com os cortes dos vídeos e da música, desconstrói-se a linearidade do tempo e dos acontecimentos, de forma que se tem a sensação de que a brincadeira jamais chegará ao fim. “Todos esses cortes sucessivos transformam a música numa história sem começo nem fim. Alÿs pretendia introduzir ao espectador uma temporalidade complexa e resistente à noção de fim, ou seja, uma experiência na qual as múltiplas tentativas valem mais que qualquer resultado”. (Alÿs; Medina, 2006: 65) Alÿs explora nesse trabalho, simultaneamente, as temáticas do dia a dia na metrópole e da temporalidade latino-americana em sua relação com a noção de desenvolvimento. Como se a obra se situasse num ponto intermediário entre o artista ocidentalizado e o artista que escolheu a Cidade do México como sua morada. Ao articular a caminhada à temática da temporalidade, Alÿs nos permite refletir sobre aspectos das metrópoles. Por um lado, o avanço do capitalismo global levou a um processo de dissipação e, simultânea, afirmação de fronteiras (Kwon, 2008), por outro, resultou na reconfiguração das relações com a temporalidade. Se, à época do modernismo, o presente era visto como uma espécie de obstáculo que deveria ser superado para se chegar a um futuro, hoje vivemos um momento em que o presente se repete sem objetivar um futuro. (Groys, 2009)

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De acordo com o crítico de arte Boris Groys, poderíamos pensar, politicamente, nas utopias modernas como espaços pós-históricos de tempo acumulado, “nos quais a finitude do presente foi vista como sendo potencialmente compensada pelo tempo infinito do projeto realizado: o de uma obra de arte, ou de uma utopia” (Groys, 2009: 4). No entanto, atualmente seria inapropriado pensar numa promessa de futuro infinito e as atenções se voltam ao presente, que não é mais um ponto de transição em relação a passado e futuro, pois “se torna um site de permanente reescrita do passado e do futuro”. (Groys, 2009: 4) Para Groys, “a perda da perspectiva histórica infinita gera o fenômeno do tempo improdutivo, desperdiçado” (Groys, 2009: 5). No entanto, pode-se pensar nesse tempo perdido como site de produção ativa “como o tempo que atesta nossa própria vida como ser-no-tempo” (Groys: 2009: 5), tempo que não está enclausurado por projetos futuros de economia e política.

Nesta e na página seguinte Figura 106. Cancíon para Lupita. Fonte: MEDINA, Cuauthémoc; FERGUSON, Russell; FISHER, Jean. Francis Alÿs. 2007: 18.

O crítico destaca em seu texto How to Do Time with Art (2010) que a arte contemporânea baseada no tempo (Time-based) aborda esse tempo não histórico e improdutivo, pois “capta e demonstra atividades que acontecem no tempo, mas não levam à criação de nenhum produto definitivo” (Groys, 2010: 190). Em Alÿs isso fica evidente, muitas de suas obras tematizam um tempo suspenso, um eterno presente que nunca atinge a promessa do futuro. A temporalidade da arte é reestabelecida explorando o tempo de um presente repetitivo e infinito.


A animação Cancíon para Lupita (1995) traz essa discussão ao colocar em cena uma ação sem começo nem fim, na qual “uma mulher derrama água de um copo para o outro em um fluxo-refluxo que sugere uma abolição do tempo” (Alÿs; Medina, 2010: 92). A animação é acompanhada por uma música que se repete em ‘loop’ falando sobre adiar uma tarefa para “amanhã”. O “amanhã” nunca chegará, pois é o “agora”, ou, nas palavras do artista, “ um presente a ser continuado” (Alÿs; Medina, 2010: 92). Para Groys, esse tempo suspenso e não-histórico não pode ser acumulado ou absorvido por seu produto e, justamente por isso, pode se repetir potencialmente ad infinitum (Groys, 2009: 6). É nessa repetição que se encontra a potência de ruptura e, consequentemente, de criação. Desde Nietzsche, com a morte de Deus e o fim da transcendência, a possiblidade de imaginar o infinito aparece vinculada ao eterno retorno do mesmo. O filósofo Gilles Deleuze, aborda essa questão em seu livro Diferença e repetição (1968). Groys se próxima da discussão trazida por Deleuze, e considera que a prática da repetição pode ser encarada como uma “ruptura inicial na continuidade da vida, criando um excesso de tempo não-histórico através da arte. Esse é o ponto no qual a arte se torna verdadeiramente contemporânea.” (Groys, 2009: 6) As ideias de repetição e tempo desperdiçado evocam, ainda, o ensaio filosófico escrito por Albert Camus a partir de Sísifo, figura da mitologia grega, condenado a passar a eternidade repetindo a mesma tarefa: “Os deuses condenaram Sísifo a empurrar incessantemente uma rocha até o alto de uma montanha, de onde tornava a cair por seu próprio peso. Pensaram, com certa razão, que não há castigo mais terrível que o trabalho inútil e sem esperança.” (Camus, 2012: 121) Após levar a rocha, Sísifo cessa sua tarefa por alguns instantes e contempla a pedra despencando de volta à planície para depois iniciar sua descida até a base da montanha e, então, recomeçar sua tarefa. É justamente esse momento que Camus valoriza, pois essa é “a hora da consciência” (Camus, 2012: 122). Sísifo é um herói daquilo que o autor denomina absurdo, pois tem consciência de sua condição. Grande parte da vida é organizada em função do tempo e constituída de situações que se repetem dia após dia. O homem vive em função do futuro e situa seu movimento no tempo, “reconhece que está num certo momento de uma curva que precisa percorrer” (Camus, 2012: 28). Ao tomar consciência dessa condição e, de alguma forma, negá-la o homem torna-se absurdo. Não mais anseia pelo amanhã, mas o rejeita: “essa revolta da carne é o absurdo” (Idem: 28). Ao desvincular-se da esperança do futuro, o homem absurdo “saboreia uma liberdade em relação às regras comuns” (Idem: 64).

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Antes do absurdo, o homem cotidiano vive em função de suas metas, acredita em uma liberdade eterna e torna-se escravo dela. O absurdo esclarece que não existe “amanhã” e, com isso aniquila todas as possibilidades de liberdade eterna para, no entanto, devolver ao homem sua liberdade de ação. (Camus, 2012: 64) Por isso o que interessa em Sísifo não é a tarefa a ser executada, mas sim o momento no qual se torna consciente, pois “em cada um desses instantes, quando ele abandona os cumes e mergulha pouco a pouco nas guaridas dos deuses, Sísifo é superior ao seu destino” (Camus, 2012: 122), seu destino lhe pertence. Ao revisitar a mitologia grega, o filósofo cria uma alegoria da vida moderna, pois, assim como Sísifo, “o operário trabalha todos os dias de sua vida na mesma tarefa e esse destino não é menos absurdo. Mas só é trágico nos raros momentos em que se torna consciente” (Camus, 2012: 123). A poética de Alÿs se aproxima do ensaio de Camus, pois, assim como o filósofo, o artista busca na repetição a possibilidade de ruptura. Ao criar alegorias da vida na metrópole contemporânea, o artista busca não mais valorizar o futuro, a realização de uma tarefa. Pelo contrário, tenta alcançar os breves momentos nos quais se é possível escapar à continuidade pré-estabelecida da vida para, assim, dar abertura ao novo. Pode-se dizer que o artista trabalha com uma temporalidade na qual as infinitas tentativas são mais importantes que o resultado final. Mais do que isso, a ideia de repetição é trazida como alegoria da relação entre os países latino-americanos e a promessa de desenvolvimento. Esta aparece na história desses países como uma necessidade construída por um discurso estadunidense, como sendo a única possibilidade de escapar da condição de subdesenvolvimento. A noção de subdesenvolvimento foi difundida a partir de meados do século XX, baseada no discurso de que as fragilidades socioeconômicas de alguns países poderiam aproximá-los da União Soviética, de modo que trazer progresso e tecnologia para esses países garantiria a segurança do mundo ocidental. Assim, o discurso estadunidense apresentava a condição de primeiro mundo como objetivo de modernização para os chamados países subdesenvolvidos. “Este sistema de valores, disfarçado sob o consenso tecnocrático de organismos internacionais e críticas sociais, representa um conceito linear de história que, como Frederic Jameson expôs, promove a ‘ilusão de que o Oeste tem algo que ninguém mais possui, mas que todos devem desejar para si mesmos’. Visto em retrospectiva, contudo, o projeto de desenvolvimento do século dezenove se vê preso em um paradoxo eterno: não importa o quanto tentasse, sociedades ‘atrasadas’ não eram capazes de corresponder ao modelo de seus pioneiros” (Medina, 2007: 95)


Assim, se, por um lado, em algumas de suas obras Alÿs trabalha com alegorias da vida na metrópole e com uma crítica ao tempo perdido na sociedade contemporânea, por outro o artista passa a refletir sobre uma promessa de modernização que nunca chega.

Abaixo e nas páginas seguintes Figura 107-110. History of Deception. Fonte: ALŸS, Francis. A history of deception: Patagonia 2003-2006, 2006: 36; 42; 43; capa.

Esse cenário latino-americano no qual se possui um modelo de desenvolvimento inalcançável pode ser entendido, ainda, como uma espécie de miragem. Essa ideia foi desenvolvida por Alÿs em uma obra realizada na patagônia, History of Deception (2003-2006). Buscando expressar a ideia de perseguir algo que sempre escapa, o artista desenvolveu um vídeo no qual filmava uma estrada a partir de um carro em movimento, de modo que no horizonte se formassem miragens. Justamente devido ao fato de serem miragens, as imagens formadas desapareciam conforme o artista se aproximava delas, assim como a promessa de desenvolvimento desaparece quando as elites latino-americanas, acreditando que levam seus países “ao norte”, retornam a um ponto inicial de colapso. O interessante dessa ideia é entender que o desapontamento só acontece porque tentamos alcançar a miragem; sendo assim, ignora-se o presente em busca de uma promessa de futuro.

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A poética de Alÿs é desenvolvida de modo que as obras se articulam entre si. Cada uma dessas obras é parte de uma narrativa mais ampla, “uma investigação pessoal sobre a relação da América Latina com o conceito de produção, com o dogma de eficiência e os grandes programas e promessas de desenvolvimento” (Alÿs; Ferguson, 2007:26). Ao criar situações inusitadas, como a perseguição incessante por uma miragem, a dança das cadeiras descontruída, o esforço descomunal para mover uma montanha ou, ainda, o tempo gasto para não levar a nada senão a um bloco de gelo derretido, Alÿs possibilita uma nova maneira de encarar um determinado contexto. Em entrevista a Corinne Diserens, o artista declara: “Às vezes é significativo introduzir o absurdo (como o de Esperando Godot, de Beckett) em um contexto que já é completamente absurdo. Pode permitir uma espécie de retirada, de recessão do horror, da tragédia da situação que vive um lugar. E, talvez, essa recessão pode, às vezes, provocar uma distância que permite uma possível reformulação da equação que levou ao conflito” (Alÿs; Diserens, 2006: 127) Assim, pode-se pensar que, da mesma forma como em suas caminhadas Alÿs valoriza mais o percurso do que o ponto de chegada, a insistência repetitiva faz com que o objetivo a ser atingido perca sua importância, colocando em destaque o momento no qual se desenvolvem as ações. Para o artista, mais do que perceber a modernidade como um objetivo, deve-se valorizar o momento de movimento, pois é justamente nele em que se encontra a possibilidade de surgir uma “maneira de resistir ao conceito importado de progresso. É uma história de esforço mais do que de realização, uma alegoria mais do processo do que da síntese” (Alÿs; Ferguson, 2007: 48). Temas discutidos em obras emblemáticas como Paradoxis of Praxis e Cuando la fe mueve montañas são retomados por essas obras nas quais o artista, a partir de uma reconfiguração da temporalidade, parece buscar alternativas ao modelo estadunidense de progresso. Na série Politics of Rehearsal, Alÿs desenvolve essa questão a partir de uma série de ensaios, constantemente interrompidos, de modo a adiar uma conclusão.


18 Danzón é um rítmo original de Cuba que se difundiu por países como o México e Porto Rico.

Em Rehearsal I, vemos um fusca vermelho que sobe uma colina ao som de uma danzón18, os dois elementos sincronizados. O carro sobe e os músicos tocam e quando a música cessa, interrompe-se o movimento, então, o carro desce a colina novamente (Alÿs; Ferguson, 2007). O ensaio da banda faz coro com o ensaio do fusca numa história que deixa de ter começo ou fim. Passado um primeiro estranhamento, o movimento pendular do fusca torna-se natural em sua repetição. Não importa mais aonde se deve chegar, pois esse ponto não existe. Tampouco importa o ponto de partida. O que detém a atenção é a repetição, esse tempo-espaço que desloca o foco da ação para o “entre”.

Acima e nas páginas seguintes Figuras 111-115. Rehearsal I. Fonte: MEDINA, Cuauthémoc; FERGUSON, Russell. Francis Alÿs: Politcs of Rehearsal. 2007: 80; 84.

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Em Rehearsal II (2001-06), a obra atinge o clímax, mas não sem passar por uma série de tentativas frustradas, nas quais uma stripper é interrompida incessantemente, enquanto ensaia-se o dueto Lied der Mignon de Schubert.

Abaixo Figuras 116. Politics of Rehearsal. Fonte: www.francisalys.com Na página ao lado Figura 117. Rehearsal II.Fonte: MEDINA, Cuauthémoc; FERGUSON, Russell. Francis Alÿs: Politcs of Rehearsal. 2007: 91. Nas páginas seguintes Figuras 118-131. Rehearsal I. Fonte: MEDINA, Cuauthémoc; FERGUSON, Russell. Francis Alÿs: Politcs of Rehearsal. 2007: 94-97.

Ainda que a stripper consiga atingir sua meta de se despir, o desenvolvimento do vídeo explora a temporalidade de maneira semelhante à Rehearsal I. Mais uma vez, nos deparamos com a repetição como eixo condutor da ação e a angústia provocada pelas interrupções dá lugar à valorização ao tempo-espaço criado pela obra. O material bruto desse ensaio aparece em Politics of Rehearsal (2007), vídeo que é uma espécie de ensaio do ensaio, no qual a trilha sonora é composta por uma conversa entre Francis Alÿs e o crítico Cuauhtémoc Medina acerca da Modernidade no México. Aqui, a combinação de performance com uma voz sobreposta que expõe questões históricas forma uma espécie de ilustração das principais ideias de Alÿs.


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Em seus ensaios, o artista articula som e imagem, induzindo uma experiência interrompida e repetitiva. Ao trazerem situações banais, que não conseguem ser concluídas, essas obras esbarram na diferença entre um modelo ideal e a experiência real (Medina, 2007). Esse adiamento constante é encarado pelo artista como uma alusão à vida na América Latina. Alÿs vê seus ensaios como uma forma de crítica social, pertinente enquanto existir um “romance ambíguo com a modernidade, sempre despertando, e, ainda assim, sempre atrasando o momento no qual irá se consumar” (Alÿs; Ferguson, 2007: 98). Para Groys (2010), ao se encarar o processo de modernização como uma situação permanente que nunca atinge o clímax, esse processo passa a ser pensado como tempo perdido ou excessivo “e deve ser documentado precisamente porque nunca leva a resultado algum” (Groys, 2010: 191) A maneira como Alÿs aborda as ideias de repetição e ensaio que não consegue ser finalizado, não está relacionada à ideia de atingir uma perfeição. Ao romper com a linearidade da narração o artista consegue, com repetição e circularidade, criar “uma situação de impasse que se destina a abrir a possibilidade para transformação política” (Arriola, 2008: 132). Nessas obras, o tempo não se constitui de forma linear passado, presente e futuro. Por um lado, o artista exprime isso ao realizar os cortes nos vídeos e nas músicas. Por outro, a ideia de linha explorada por Alÿs em diversas de suas obras aparece em seus ensaios simbolizando uma espécie de linha do tempo mexicano – ou latino-americano –, que evoca esse flerte interrompido e atualizado como promessa da modernização. Ao trabalhar com uma impossibilidade de conclusão, uma interminabilidade, o artista reconfigura esta temporalidade tornando-a interminável tal como uma linha poderia ser: se fosse circular. Portanto, o passado é colocado por ele como uma espécie de acontecimento que poderia ter sido e não foi, acontecimento esse que, no presente, se depara com uma promessa de futuro que tende a se repetir sem, no entanto, se consolidar. Essa eterna espera pelo desenvolvimento, o flerte que nunca se conclui, é evocada por Cuauthémoc Medina ao analisar as obras de Alÿs, a partir de uma esfera econômica, considerando que os países latino-americanos tendem a seguir um modelo de desenvolvimento proposto pelos países ocidentais desenvolvidos. Segundo o autor “não é absolutamente casual que pareçam submetidas à maldição do eterno retorno: recomeçar a cada dez ou cinco anos um processo de desenvolvimento que, depois do tropeço seguinte, continua inconcluso. “ (Medina, 2005:179)


19 Referência à peça Esperando Godot, de Samuel Beckett, publicada originalmente em francês, em 1952. O trecho citado nessa pesquisa foi encontrado na edição brasileira de 2005, da editora Cosacnaify.

É como se, ao ansiarmos por uma promessa de desenvolvimento que nunca chega, ficássemos estagnados. Como se esperássemos por um Godot19, uma promessa de futuro, que tarda a chegar; provavelmente jamais chegará, mas esperamos. Situamo-nos, portanto, num lugar indefinido, mas não podemos ir embora, temos que voltar. Para que?, diz Estragon. Para esperar Godot, diz Vladimir. Nessa série de Alÿs, portanto, é a repetição que conduz o fio dos acontecimentos, de maneira não-linear. A partir de certo ponto, não importa mais o começo, sequer importa o final, toda a atenção paira apenas sobre o meio, o momento no qual os atos se desenvolvem repetidamente. Alÿs não deve ser encarado como um artista dos países desenvolvidos que pretende ajudar os pobres e oprimidos no combate ao subdesenvolvimento. “Ele sabe que só é possível libertar o primeiro mundo e libertar ele mesmo desse primeiro mundo, se a América Latina, seu outro, também se libertar, assim libertando o Terceiro mundo” (Dos Santos, 2010: 189). Se, para Alÿs, interessa criar imagens da história mexicana e seu eterno flerte com a modernização, aqui interessa-nos buscar as forças ativas de sua poética, ou seja, a maneira com que ele afirma a potência poética da arte, criando sentidos e valores, “a força ativa como força de metamorfose” (Pelbart, 2010: 105). A repetição está presente na história latino-americana podendo ser encarada como repetição do mesmo. Ao pensar na repetição trazida por Alÿs, a lógica é outra: é no fracasso evocado por ele, nas ações que se repetem sem se consolidarem, que se pode encontrar aquilo que se entende como repetição diferencial, produtora do novo. Os ensaios de Alÿs podem ser vistos como processos nos quais o momento de completude está sempre por vir. Se um trabalho ainda está em ensaio, ele sempre pode ser transformado e seu momento de completude sempre é potencialmente atrasado. Cada ensaio completo abre portas para um novo ensaio, mais uma interação na qual as coisas podem ser reconfiguradas. Para Alÿs, portanto, o trabalho final está sempre projetado em um futuro que se mistura com o presente. Ele pode ser constantemente revisitado (Ferguson, 2010). Desse modo, o que aparentemente se repete não se repete de fato, dando possibilidade de transgressão de uma ordem estabelecida, a partir de brechas por onde se pode deslocar um diferencial, ressignificando o âmbito social e as relações que nele operam. Pode-se dizer que nas obras de Alÿs “Se a repetição existe, ela expressa, ao mesmo tempo, uma singularidade contra o geral, uma universalidade contra o particular, um extraordinário contra o ordinário, uma instantaneidade contra a variação, uma eternidade contra a permanência. Em todos os sentidos, a repetição é transgressão” (Deleuze, 1988: 24) 96

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Interessa aqui, portanto, pensar na repetição a partir da diferença, através da qual se possibilita transformação e transgressão do tempo e do espaço, produzindo deslocamentos. Deleuze aborda o tema da repetição, sugerindo que essa porta uma potência própria, “revelada pelas pequenas diferenças que se deixam entrever nas repetições, em um sistema ou série de elementos coexistentes e ressonantes” (Hofstaetter, 2009: 164). Para além do campo do visível do ato, a repetição abrange um campo oculto que introduz uma outra temporalidade. Sendo assim, interessam na arte de Alÿs a possibilidade de criação de um tempo específico, que não está atrelado ao tempo hegemônico, possibilitando uma outra escrita da história, e a repetição que produz diferenças, abrindo brechas para diversas possibilidades de existência. Para além do que é material, visível, a repetição em Alÿs se localiza em um universo mais abrangente, englobando aquilo que se encontra no entremeio das atitudes, gestos, no interior do sujeito. O que se percebe no artista não é mais a linha do tempo mexicano, que se deve percorrer entre o início e o final, tampouco o movimento que se situa em relação ao tempo - passado, presente e futuro. O foco recai sobre o ato, puro fluxo, sem começo nem fim. Desse modo, questões como da onde se veio e aonde se pretende chegar, tornam-se inúteis: “Sempre se busca a origem ou o desfecho de uma vida, num vício cartográfico, mas desdenha-se o meio, que é onde se atinge a maior velocidade. Esse meio é justamente onde os mais diferentes tempos comunicam e se cruzam, num turbilhão” (Pelbart, 2010: 113) Assim, Francis Alÿs opera de maneira que a poética visual não pode ser reduzida a um objeto artístico, mas sim aos deslocamentos gerados durante seus ensaios, que não reproduzem o que já existia, uma direção a ser seguida. Não se trata de uma crítica aos países centrais em defesa dos países subdesenvolvidos, mas sim de uma espécie de “interface na qual Ocidente e América Latina se encontram a fim de exorcizar colonialismo e neo-colonialismo” (Dos Santos, 2010: 189). Ou seja, Alÿs explora a relação desenvolvido-subdesenvolvido de forma que possam ser encontrados momentos de ruptura nessa relação, possibilitando vislumbrar novas formas de existência que não tendem nem tanto ao Norte nem tanto ao Sul. Como um Sísifo que, ao tomar consciência de sua condição e conhecer o Absurdo, nega o amanhã e alcança sua liberdade de ação.


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Consideraçþes finais

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Nas páginas anteriores Figura 132. Anotações de Francis Alÿs. Fonte: MEDINA, Cuauthémoc; FERGUSON, Russell. Francis Alÿs: Politcs of Rehearsal. 2007: 2.

O estudo aprofundado da obra do artista permitiu uma série de reflexões acerca da possibilidade de construir algo novo a partir da experiência que é a arte. Não se tratam de mudanças visíveis, mas sim de transformações subjetivas. Ao perceber as reverberações políticas causadas por intervenções no tempo-espaço, as obras de Alÿs trouxeram a discussão da política numa esfera micro, do indivíduo e da experiência. Longe de ser militante, a política na obra de Alÿs é sutil, ainda que constantemente presente. Ao criar imagens da vida na metrópole, o artista consegue estabelecer novas relações espaciotemporais e é nessas relações que são possibilitados deslocamentos. Em seus sísifos, em suas montanhas movidas, em suas fábulas, Francis Alÿs traz possibilidades de interpretação da vida cotidiana, não como uma mera reprodução da realidade. Desloca significados, reinventado-os. O tempo não aparece mais como passado, presente e futuro: é um novo tempo. A repetição aparece em Alÿs não apenas como insistência em alguns temas específicos, mas também como fio condutor para o desenvolvimento de diversas obras, ensaios que nunca terminam e não têm mais começo preciso. Na repetição, Alÿs explora o inacabado e as novas possibilidades de existência. Não se trata apenas da repetição do visível, mas daquilo que está oculto, que possibilita ao sujeito o entremeio, as experimentações que criam o novo. Não importa mais se em Cuando la fe mueve montanãs houve de fato um deslocamento, se trata mais da experiência coletiva e individual de cada um dos envolvidos na ação. Tampouco importa aonde o fusca vermelho de Rehearsal I pretende chegar, ou se a stripper de Rehearsal II conseguirá, finalmente, despir-se. Trata-se do tempo que rompe com a linearidade e desloca a atenção para o ato, para a importância das ações repetitivas que acontecem em seu tempo próprio, novo. O espaço do dia-a-dia não aparece mais como pano de fundo da vida na cidade, não pode ser reduzido a uma linha entre o ponto de partida e o ponto de chegada que deve ser alcançado. Alÿs encontra brechas que possibilitam vislumbrar novas perspectivas. A multiplicidade de suas obras permite diversas interpretações, como o próprio artista sugere. Ao criar situações em contextos específicos, o artista permite reverberações que os extrapolam. Se o centro da capital mexicana passa por um crescente processo de gentrificação, é possível pensar na semelhança com a cidade de São Paulo, que nos últimos anos tem avançado em relação a esse processo. Em São Paulo, são cada vez mais frequentes os investimentos estatais na tentativa de ‘revitalização’ da região central da cidade, explicitados em projetos como o Nova Luz, nas crescentes tentativas de controle da cracolândia e, ainda, em projetos como a virada cultural. Por outro lado, a região tem atraído galerias de arte, escritórios de arquitetura e design, escolas de arquitetura e os frequentadores desses espaços.


Há, ainda, o crescente interesse no centro por parte de diversos coletivos, a partir de intervenções artísticas ou festivas. Ainda que possa parecer interessante essa retomada do centro como espaço frequentado por diversos grupos, é possível pensar nesses grupos como agentes que, em sua grande maioria, não conseguem escapar ao processo de gentrificação. Fala-se constantemente em ocupar as ruas do centro da cidade, no entanto, essas ruas já estão ocupadas por pessoas que, assim como na Cidade do México, tendem a ser eliminadas. Assim, muitos desses grupos acabam capturados pelos movimentos do neoliberalismo, atuando no avanço do processo de gentrificação. Em Alÿs, o que vemos é distinto. Ele descola desse processo, tornando-o visível e sensível. Essa aproximação reformula as sensações em relação ao espaço urbano e às pessoas que o ocupam. Talvez aí resida algo que se possa pensar como resistência. Se hoje parece que o interesse pela produção e consumo de arte tem se tornado cada vez mais presente como uma faceta do neoliberalismo, talvez seja possível pensar que a potência da arte esteja justamente em problematizar algumas dessas questões. No entanto, não se trata de pensar em uma forma de arte que esteja vinculada a políticas culturais ou que se apegue à identidade de “arte independente”. O que chama atenção em Alÿs é a forma que encontra de criar signos a partir de sua experiência, possibilitando reflexões sobre aspectos dos espaços, subjetivos e físicos, da vida contemporânea. A partir disso, não parece importar em que museus o artista expôs ou se, ao morar no centro da cidade, ele faz parte do processo de gentrificação. No fim das contas, o que importa são os deslocamentos gerados por sua obra, que não podem ser percebidos num campo macropolítico. Por fim, gostaria de terminar esse trabalho deixando-o em aberto para outra questão. A aproximação em relação às obras de Alÿs me permitiu ver algumas coisas que estão para além de sua produção artística. Se podemos pensar nas cidades modernas como cidades disciplinadas, talvez hoje seja possível pensar em cidades controladas. A partir disso, me parece fundamental pensar como o avanço do capitalismo cultural atua cada vez mais no controle contínuo das cidades contemporâneas, a partir de políticas públicas de cultura ou da captura das subjetividades. Nesse sentido, a arte parece ser aquilo que escapa ou busca escapar a esse controle.

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Bibliografia

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Nas páginas anteriores Figura 133. Francis Alÿs, em frente às Fabiolas e às pinturas feitas para a 13a Documenta de Kassel. Fonte: VOGUE online.

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O questionário apresentado foi desenvolvido como complemento para a pesquisa de iniciação científica Francis Alÿs, possibilidades de criar na metrópole contemporânea financiada pela FAPESP (20122013).

Anexo Questionário e e-mail Francis Alÿs

E-mail De: Clara Laurentiis Para: Francis Alÿs Monsieur Francis, comment a dit suely, je étudie architecture à l’Universidade de São Paulo et je suis en train de faire une recherche à fonde de votre oeuvre pour une bourse de initiation scientifique. je vous envoie des questions e j’attends votre réponse. je suis vraiment heureuse grâce à cette opportunité. je souhaite que mon travail vous intéresse. j’ai choisi la langue française pour le questionnaire mais si vous préférez, les réponses peuvent être en anglais ou en espagnol à votre choix. c’est magnifique que vos fabiolas seront à la pinacoteca. viendrez vous au brésil pour occasion de cette exposition? je vous remercie cordialement, clara laurentiis


Questionáro Francis Alÿs Relations spatiales 1 Plusieurs de vos oeuvres montrent une forme d’appropriation de l’espace qui s’approche des pratiques spatiales proposées par Michel de Certeau. Cet auteur souligne que l’organisation de la ville moderne est construite comme reflet des structures de pouvoir y impliquées, par des opérations programmées e contrôlées de sorte à combiner la gestion et l’élimination. Mais il faut souligner que malgré cette “urbanisation” du pouvoir, restent des mouvements contradictoires qui échappent à la logique de la ville institutionnalisée. Pourrait-on dire que l’art peut agir comme mouvement contradictoire à l’espace programmé? De quelle façon des séries de photographies comme Dormientes et Ambulantes peuvent être envisagées en tant que portrait d’une forme de résistance à l’espace institutionnalisé? 2 Encore à propos des propositions de Michel de Certeau, on pourrait concevoir le marcher comme acte énonciatif, et donc la marche dans sa possibilité de produire des narratives troublantes. La compréhension de ce geste comme un acte énonciatif, lui procure de la force politique: la marche n’est plus une insertion dans l’espace institutionnalisé, mais une tactique de transformation. Pourrait-on dire qu’il y a un caractère micro politique dans vos Passeos et Fabulas? Comment ces oeuvres peuvent transformer l’espace urbain? 3 Le philosophe Henri Lefebvre a souligné l’importance de l’espace dans la formation des relations sociales. Ainsi comme Certeau, Lefebvre considère que c´est à l’échelle de la vie quotidienne qui se trouve la possibilité de résistance. Dans vos oeuvres, vous explorez des pratiques quotidiennes dans lesquelles les significations peuvent être réinventées dans une sphère mineure qui échappe aux structures économiques. Comment dans une métropole comme la Ciudad de Mexico l’art peut agir comme une forme de résistance ? La temporalité 4 Plusieurs de vos oeuvres contiennent une approche de la temporalité où les infinies tentatives sont plus importantes que le résultat final. Ainsi il nous semble qu´une relation peut être établie entre certaines de ces oeuvres et l’essai rédigé par Albert Camus sur Sisyphe, la figure de la mythologie grecque. Ce qui Camus met en valeur chez Sisyphe c´est le moment où celui-ci contemple le dévalement de la pierre, parce que c’est alors qu´il prend conscience da sa condition. C´est ce moment que Camus appelle l’Absurde.

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L’Absurde précise qu’il n’y a pas de “demain” et ainsi il détruit toute possibilité de liberté éternelle, en rendant paradoxalment à l’homme sa liberté d’action. 4.1 Il me semble que, comme Camus, vous vous intéressez à la répétition en raison de la possibilité de rupture. À votre avis, quelle est l’importance da la répétition dans la possibilité de créer du neuf? 4.2 De même que Camus a crée, dans son essai, une allégorie de la vie moderne, votre travail crée une allégorie de la vie contemporaine dans les métropoles d’Amérique latine. Dans Paradox of Praxis I, vous explorez l’idée que « as veces hacer algo no lleva a nada ». Cette idée est développée dans votre série Politics of rehearsal, où la répétition apparaît comme idée centrale. Bien que ces œuvres présentent des situations qui, apparemment, n´apporteraient rien, est-ce que quelque chose se produiserait pendant ces actions? Et qu’est-ce que s´est produit à partir ces actions? 4.3 On remarque aussi une allégorie du rapport entre les pays sous-développés avec l’idée de développement. Dans Historia de un desegaño – où l´on trouve l´idée de poursuivre d’une façon répétitive quelque chose qui échappe toujours - il s´agit d ‘une allégorie du processus plutôt que de la synthèse, dont le but est celui de valoriser le moment du mouvement plus qu’un objectif à être atteint. Comment se crée une forme de résistance à des modèles importés de développement? Cuando la fe mueve montañas. 5.1 Cette oeuvre est très intéressant pour ses significations à des différentes échelles. D´une part, elle est une allégorie sociale, d´autre part elle est une action politique dans une micro sphère qui appartient à la vie de chaqu’un des personnes impliquées dans l’action. Comment ce travail a été développé en articulant ces différentes échelles? 5.2 D’abord, l´enjeu ce sont les expériences personnelles des participants. Comment l’art peut permettre que les individus modifient les paramètres socio-politiques d’un collectif? 5.3 Dans une deuxième étape, l’oeuvre se propage en tant que rumeur et devient un mythe urbain. Quelle puissance politique une oeuvre peut acquérir quand elle devient un mythe urbain? Conclusion 6 Dès votre expérience personnelle, qu’est-ce qui l’art vous a crée de nouvel ?


E-mail De: Francis Alÿs Para: Clara Laurentiis

Chère Clara, merci pour votre mail. J’ai lu et relu vos questions, j’y ai pensé calmement. Je suis toutefois au regret de vous avouer que je ne me sens pas la personne indiquée pour apporter les réponses qu’elles demandent ou de porter les jugements qu’elles impliquent sur mon propre opus. Je suis sincèrement désolé d’en être arrivé à cette conclusion, je sens beaucoup de sensibilité et de pertinence dans vos commentaires, mais la vérité est (1) je n’ai qu’une connaissance extrêmement sommaire de Lefebvre et de Certeau, et (2) je pense que mon rôle se limite à créer des histoires et des images et de les laisser à leur vie propre dès l’instant où elles deviennent publiques. Je vous remercie de la même manière pour tout l’intérêt que vous portez à mon travail, je considère que toute interprêtation trouve sa place et lieu d’être, il se trouve simplement ce n’est pas mon fort ni rôle d’usurper ce rôle. J’espère que vous comprendrez ma réponse et à nouveau, merci pour votre questionnaire, qui sait, votre angle d’approche déclenchera-t’il peut-être de nouveaux projets? Amitiés sincères, Francis - if you have nothing to say, said Camier, let us say nothing - we have things to say, said Mercier - then, why can’t we say them, said Camier - we can’t, said Mercier - then let us be silent, said Camier - we try, said Mercier (Beckett, of course! )

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Lista das obras

Turista Cidade do México, 1994 Documentação fotográfica de uma ação

Dormientes Cidade do México, 1999 - presente Série fotográfica

Cuando la fe mueve montanãs Lima, 2002 Video (36 minutos), documentação fotográfica da ação, vídeo com o “making of” da obra (15 minutos) Colaboração de Cuauthémoc Medina e Rafael Ortega

Ambulantes Cidade do México, 1992 - presente Série fotográfica

Si eres un espectador tipico, le que realmente haces es esperar a que suceda el accidente Cidade do México, 1996 Vídeo (10 minutos)

Cuentos de Hadas Cidade do México, 1995 Documentação fotográfica de uma ação

Looking Up Cidade do México, 2001 Documentação em vídeo de uma ação (4 minutos) Colaboração de Rafael Ortega

Paradojas de la praxis I Cidade do México, 1997 Documentação de uma ação em vídeo (5 minutos), fotografias, mapas e notas.


Zócalo Cidade do México, 1999 Documentário: projeção de vídeo (12 horas), trilha sonora, notas, desenhos e “time lapse” de 16 fotografias coloridas Colaboração de Rafael Ortega.

Colector Cidade do México, 1990-1992 Escultura magnética com rodas de patins, modelos e estudos, mapas e notas Colaboração de Felipe Sanabria História de un desengaño Patagônia, 2003 - 2006 Filme de 16mm (‘loop’ de filmagem de 4 minutos e 20 segundos) e “cut painting”

Cantos patrióticos Cidade do México, 1998-1999 Vídeo instalação em três canais (28 minutos e 30 segundos), documentação de produção, letra musical, notas e fotografias Colaboração de Rafael Ortega Rehearsal I 1999-2004 Vídeo (29 minutos e 25 segundos) Colaboração de Rafael Ortega

Cancíon para Lupita 1998 Instalação com animação projetada (‘loop’ de 12 segundos), vitrola e música gravada em vinil Colaboração de Lourdes Villagómez, Philppa B. Day e Antonio Fernández Ros

Politics of Rehearsal Vídeo (30 minutos) Colaboração de Performa, Rafael Ortega e Cuauthémoc Medina

Rehearsal 2 2001 - 2006 Vídeo (14 minutos e 30 segundos) Colaboração de Rafael Ortega

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TFG Clara Laurentiis Orientação Vera Pallamin FAUUSP 2014


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