TRABALHO DOCENTE NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: PROPOSIÇÕES E PERSPECTIVAS
Claudemir de Quadros organizador
CENTRO UNIVERSITÁRIO FRANCISCANO
IRANÍ RUPOLO Reitora CLARÍCIA TEREZINHA THOMAS Vice-Reitora INACIR PEDERIVA Pró-Reitora de Administração VANILDE BISOGNIN Pró-Reitora de Graduação OSWALDO ALONSO RAYS Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa MARA REGINA CAINO MARCHIORI Pró-Reitora de Extensão
2
CLAUDEMIR DE QUADROS Organizador
TRABALHO DOCENTE NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: PROPOSIÇÕES E PERSPECTIVAS
Centro Universitário Franciscano 2003
3
Copyright©Unifra.
Maria de Lourdes Pereira Godinho REVISÃO DE LINGUAGEM Art/Meio Propaganda PRODUÇÃO DA CAPA Art/Meio Propaganda EDITORAÇÃO E COMPOSIÇÃO ELETRÔNICA
E24
Trabalho docente na educação superior: proposições e perspectivas/ Claudemir de Quadros (Org.) - Santa Maria: Unifra, 2003. 111 p. 1. Educação superior 2. Docentes - Qualificação do trabalho II. Quadros, Claudemir de CDU 378
Ficha catalográfica elaborada por Cibele Vasconcelos Dziekaniak CRB 10/1385 Biblioteca do Centro Universitário Franciscano
4
Apresentação A qualificação do trabalho didático-pedagógico do corpo docente do Centro Universitário Franciscano é uma das prioridades institucionais que tem sido conduzida, com atenção, pela Pró-Reitoria de Graduação. Nesse sentido, a Pró-Reitoria de Graduação mantém o Programa de Capacitação Didático-Pedagógico que tem por objetivo oportunizar aos docentes momentos de reflexão sobre os elementos teórico-metodológicos que subsidiam a prática pedagógica universitária na atualidade; compartilhar, por meio de relatos de experiências, atividades didáticometodológicas em desenvolvimento nos cursos de graduação; rever questões e práticas pedagógicas pertinentes ao campo pedagógico-científico voltadas para a educação superior e buscar estratégias político-pedagógicas para a revisão curricular de qualidade dos cursos de graduação. O Programa de Capacitação Didático-Pedagógica visa, enfim, a proporcionar a todos os professores atuantes, em docência superior, a possibilidade de análise, reflexão e reconstrução das concepções teórico-práticas num ambiente propício à dialogicidade e ao trabalho coletivo. No âmbito deste programa, é desenvolvida uma série de atividades que visam à efetivação de um processo de profissionalização continuada dos docentes da instituição e à criação de um espaço educativo em que as diferenças das áreas de conhecimento sejam respeitadas e valorizadas. É nesse contexto que se insere a publicação desta série de artigos, escritos por profissionais de atuação reconhecida na educação superior e que foram convidados para oferecer a sua contribuição à formação de educadores no Centro Universitário Franciscano. Com isso, a Pró-Reitoria de Graduação espera contribuir, de forma efetiva, para qualificação do trabalho docente desenvolvido no âmbito dos cursos de graduação. Claudemir de Quadros, assessor da Pró-Reitoria de Graduação. 5
Sumário Planejamento no ensino superior Délcia Enricone ............................................................................... 7 Aula universitária do futuro: uma arquitetura estratégica entre conhecimento, ética e política Denise Leite .................................................................................... 13 Métodos de ensino: decorrências para a prática docente universitária Jussara Margareth de Paula Loch ................................................... 29 O uso de dinâmicas metodológicas alternativas e criativas para promover a qualificação do trabalho docente Rosane Carneiro Sarturi ................................................................. 35 Reflexões sobre a prática docente no ensino superior Maria Bernadette Castro Rodrigues ................................................ 48 Fundamentos da filosofia franciscana: relação com as finalidades desta instituição e sua prática educativa Iraní Rupolo .................................................................................... 58 Inovação institucional e curricular na formação dos profissionais da educação pós LDB/96: vicissitudes e perspectivas Leda Scheibe .................................................................................. 74 A universidade num ambiente de mudanças Renato Janine Ribeiro ..................................................................... 95 A gestão do ensino superior: o papel dos coordenadores dos cursos de graduação Maria Alice Rodrigues ..................................................................... 109
6
Planejamento no ensino superior Délcia Enricone Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Introdução
Planejamento
As
"Trabalho de preparação para qualquer empreendimento,
seguindo
roteiro
e
método". (Dicionário Aurélio). "Processo que consiste em preparar um
ações
humanas
devem
ser
baseadas nos conhecimentos científicos, mas o planejamento precisa ser encarado também pela Filosofia. Os modelos e as fórmulas
matemáticas
podem
fornecer
conjunto de decisões tendo em vista agir,
bases para uma ação racional que existe
posteriormente, para atingir determinados
em todo o processo de tomar decisões.
objetivos". (Dror).
Entretanto, quando há uma escolha entre
"Conjunto de ações coordenadas entre si que concorrem para a obtenção de um certo resultado desejado". "Previsão metódica de uma ação a ser
valores de natureza moral, política e social não há resolução por cálculo matemático. O planejamento como ação deve estar baseado no conhecimento cientifico, mas
desencadeada e a racionalização dos
também
tem
exigências
meios para atingir os fins".
sociológicas e políticas.
axiológicas,
É comum dizer-se que planejamento é
Maurice Blondel, em sua obra L'Action
um processo de tomar decisões. Seu
(1950), destaca a ambigüidade entre o
campo, porém, é muito mais abrangente
conhecimento e a ação. Para ele, é agindo
do que o da teoria das decisões.
que a pessoa procura a harmonia entre conhecer,
desejar
e
ser.
O 7
desenvolvimento do ser e sua formação
Celso Vasconcellos (1995) apresenta
dependem da ação. É esta que, sendo
três dimensões da ação humana que se
completa, traz ao ser que a concebeu e a
relacionam dialeticamente como funda-
desejou
que
mentos da elaboração do planejamento:
anteriormente não existia, nem quando a
realidade, finalidade e mediação. A cada
concebe e nem quando a está realizando.
uma destas dimensões corresponde um
Blondel faz uma comparação entre a
tipo de atividade reflexiva, respectiva-
clareza
mente,
uma
de
nova
espírito
riqueza
que
prepara,
acompanha ou segue a ação e é suficiente
cognoscitiva,
teleológica
e
projetivo-mediadora.
para dirigi-la com um leme que colocado
A realidade é o ponto de partida, pois
na popa do navio, sendo tão pequeno, guia
quando se planeja o "para onde ir" e quais
o seu curso na direção desejada.
as maneiras de "chegar lá" tem-se em vista
No planejamento, a racionalidade nas decisões torna-se difícil, quando envolve
a situação presente e as possibilidades futuras.
heterogeneidade de valores. Parece-nos
A finalidade trata-se a uma realidade
mais fácil falar sobre a ação em si, a
futura. "É a construção de representações
estratégia do planejamento; é muito mais
mentais
difícil encarar o problema do planejamento
mediação é a previsão das ações, do
considerando as premissas de natureza
movimento" (p. 46).
filosófica,
de
que
se
deseja.
A
O planejamento é uma necessidade
premissas de outras naturezas políticas e
face à complexidade da prática educativa e
sociológicas.
tem entre outras finalidades: tornar a ação ou
deixar
o
reconhecer
Implícita
sem
sobre
explicitamente,
o
pedagógica
mais
eficaz
planejamento reconhece a existência de
racionalizar
o
problemas de escolhas entre valores ou
sistematicamente sobre a realidade.
tempo,
e
eficiente,
pensar
mais
objetivos, em qualquer nível de realização.
8
Planejar
pessoas envolvidas, dos processos e dos
Planejar é atividade previsora e reflexiva
valores, adquire peculiaridades singulares.
que faz parte do ser humano, voltada para Plano
as mais diversas situações de vida. Considerando que planejar é:
Em
-"elaborar o plano de intervenção na realidade,
aliado
à
exigência
de
Sacristán
Pérez Gómes
(1998), encontramos sobre plano: "esquemas flexíveis para
intencionalidade de colocação em ação"
prática" (p. 279);
(id., p. 43).
"roteiro
-"antecipar mentalmente uma ação a
e
orientador
da
atuar
na
prática
do
professor e do aluno" (p. 279);
ser realizada" (id., p. 42), evidencia-se que
"concretização
da
ordem
para
planejar implica previsão de ação futura
desenvolver atividades" (p. 199);
antes de realizá-la.
“esboço de realidades complexas para
Vasconcellos observa que a elaboração
guiar processos cujo desenvolvimento
não é ainda a ação. Entretanto são etapas
se define no próprio curso de realização
que se sucedem: "são momentos em que
da prática." (p. 205.)
predomina a reflexão ou a ação, mas
Como
ambos
constituem
a
idéia
de
unidade
flexibilidade e o caráter de tentativa estão
indissolúvel" (id., p.43). Às duas etapas ou
presentes nos planos, produtos provisórios
momentos,
do planejamento.
junta-se
uma
constatamos,
a
avaliação
do
conjunto. É importante destacar a posição
Ao planejar, estamos refletindo e
de Vasconcellos de que "planejar implica
deliberando sobre a prática docente que se
acreditar na possibilidade de mudança e
caracteriza
que planejamento é uma mediação teórico-
simultaneidade, rapidez, imprevisibilidade,
metodológica necessária." (id., p. 26).
contextualidade e, ainda, pela experiência
Planejar, portanto, dependendo do
pela
multidimensionalidade,
subjetiva de cada um.
objeto, das situações, das atividades, das 9
Sem
dúvida
apesar
destas
por ele proposta para estudar o esquema
características da prática docente, o plano
das três dimensões de ação humana;
tem várias utilidades como: facilitar a
realidade, finalidade e mediação, e nelas,
autoformação do professor, por ser um
situar
momento de reflexão sobre a prática;
autores.
as
reflexões
de
vários
outros
proporcionar mais confiança para enfrentar
O ponto de partida para elaboração do
aspectos imediatos e imprevisíveis do
plano de ensino-aprendizagem é a análise
cotidiano; tornar a ação pedagógica mais
da realidade que inclui os sujeitos - alunos
eficaz e eficiente ao racionalizar o tempo e
e
as
metodologia e recursos.
experiências
de
aprendizagem;
estabelecer a comunicação com outros professores
objetivos,
conteúdos,
Os pressupostos a seguir apresentados introduzem reflexões que podem ser e têm
experiências; servir de recurso para a
sido aprofundadas por diversos autores e
avaliação.
aqui
plano
envolve
a
-
compartilhar
O
visando
professores
idéias,
teorias,
apenas
procuram
criar
novos
questionamentos e propor inovações. Eles
finalidades, experiências práticas e como
dizem
diz Sacristán,
planejamento do processo de ensino-
privilegiado
de
"torna-se um potencial
momento
comunicação
respeito
ao
aprendizagem
é
modo
como
vivenciado
o
e,
entre o pensamento e a teoria com a ação"
evidentemente, abrangem apenas alguns
(p. 279).
dos seus aspectos. Estes pressupostos, que são amplos, podem ser desdobrados
Estrutura do plano de ensino-
em
aprendizagem Partindo
da
idéia
proposta
pressupostos
visualizados
instrumentais
diferentemente
sendo pelos
por
educadores, conforme suas teorias e
Vasconcellos de que a elaboração do
ideologias e conforme os momentos de
plano é um processo de construção de
elaboração, de realização interativa e de
conhecimento, pode tomar-se a estrutura
avaliação de conjunto. 10
a)
O pressuposto fundamental da
educação é tão importante quanto suas finalidades, supondo que a pessoa seja
- construir seqüências didáticas; - trabalhar a partir das representações dos alunos;
perfectível e que o mundo seja um
- envolver os alunos em pesquisa;
processo
- criar
eternamente
inacabado
de
potencialidades dialéticas. b)
espaços
O estabelecimento de objetivos de
- desenvolver fundamentadas
os fins da educação é um processo
tecnológica.
dinâmico.
h)
O
conteúdo
conhecimentos,
habilidades,
O
processo
de
competências em
uma
cultura
Cabe ao professor suscitar o
envolve
desejo de aprender e desenvolver a
atitudes,
capacidade de auto-avaliação dos seus
valores, operações mentais. d)
conhecimentos
compartilhados;
ensino é essencial e o relacionamento com
c)
de
alunos. seleção
de
i)
O aluno deve construir sua própria
conteúdos precisa, a partir da realidade do
aprendizagem, ter autonomia intelectual e
aluno e da sociedade, considerar vários
definir seu projeto pessoal.
critérios. e)
j) Os
integrados
conteúdos para
propiciar
devem
ser
experiências
culturais em espaços mais vastos. f)
A
relação
interpessoal
entre
professores e alunos deve envolver todas as dimensões dos sujeitos. k)
As atividades pedagógicas devem,
O professor, como pessoa, deve
a partir da localização histórica de um
ser analisado segundo pontos de vista
conhecimento percebido interdisciplinar-
humano, ético, intelectual e profissional.
mente,
g)
Ao organizar e dirigir situações de
aprendizagem o professor deve: -evidenciar
conhecimento
a
curiosidade
e
desenvolver a análise e a criticidade. l)
dos
estimular
A avaliação tem o caráter de
acompanhamento do processo e está
conteúdos; 11
relacionada ao projeto pedagógico da instituição.
É
nesta
linha
de
reforma
do
pensamento que isola, que deve ser pensado o planejamento, buscando-se o Conclusão
pensamento que une, que solidariza, que
Concordando-se que planejar é aceitar
favorece o senso de responsabilidade.
a possibilidade de transformar a realidade reformando-se o pensamento e, portanto, reformando o ensino, convém registrar os quatro
itens
básicos,
para
que
isto
aconteça, que são propostos por Edgar Morin: 1)
Conhecer as partes depende do
conhecimento do todo. Conhecer o todo depende do conhecimento das partes. 2)
Os fenômenos multidimensionais
devem ser reconhecidos e examinados. Isolá-los em suas respectivas dimensões é uma forma de mutilar o conhecimento. 3)
A realidade, seja qual for sua
procedência (política, social, religiosa), deve
ser
reconhecida
e
tratada,
simultaneamente, de forma solidária e conflituosa. 4)
A diferença deve ser respeitada. A
unicidade, reconhecida.
Bibliografia principal BLONDEL, Maurice. L´action. Paris: PUF, 1995. HANNOUN, Hubert. Educação: certezas e apostas. São Paulo: Unesp, 1997. MORIN, Edgar. Cabeça bem-feita. Rio de Janeiro: Bertrand, 1999. PERRENOUD, Philippe. 10 novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000. ____________. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed, 1998. SACRISTÁN, J. Gimeno., PÉREZ GÓMEZ, A. L. Compreender e transformar o ensino. Porto Alegre: Artmed, 1998. VASCONCELLOS, Celso S. Planejamento: plano de ensino-aprendizagem e Projeto educativo. São Paulo: Libertad, 1995. VEIGA, Ilma P. A., CASTANHO, Maria Eugênia L. M. (org.). Pedagogia universitária: aula em foco. Campinas: Papirus, 2000.
12
Aula universitária do futuro: uma arquitetura estratégica entre conhecimento, ética e política Denise Leite Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Introdução Ao
falar
sobre
este
avaliação institucional. Desta forma, vou tema,
devo
abordar o assunto proposto, resumido no
esclarecer o lugar de onde o faço. Minha
título, a partir deste perfil.
experiência na universidade prende-se ao
datado, acrescido com o peso de uma
ensino e à pesquisa com temas como
bagagem experiencial de
inovação,
pedagogia
universitária1
e
Um olhar
três décadas;
um olhar como profissional da educação que tem seus referenciais em dois séculos
1
Na tradição cultural francesa, a pedagogia iniversitária, está voltada para o estudo do conhecimento como matéria-prima do ensinar, aprender. No contexto latino-americano, a Pedagogia Universitária tem como objeto de estudo o ensino, a aprendizagem e a avaliação educativa e institucional na universidade. Preocupa-se com a formação docente para o exercício pedagógico profissional. No contexto brasileiro, a pedagogia universitária vem sendo desafiada pela diversidade institucional, pela ausência de programas continuados de formação docente e pelas constantes pressões sobre a modificação de currículos das carreiras profissionais. A pedagogia universitária, em nosso meio, confronta-se com a Didática e as Metodologias do ensino superior, distanciando-se destas disciplinas pela especificidade de seu objeto - a universidade. O conhecimento e os currículos das carreiras de formação universitária, o ensino, a aprendizagem e a avaliação em cada um dos campos científicos são algumas de suas temáticas. Desenvolve também, a avaliação
diferentes, como muitos que aqui estão. Vejo como uma responsabilidade, o fato de ter vivido em um tempo que, no Brasil, conheceu-se
a
educação
clássica
e
humanista dos jesuítas, do Alceu de Amoroso
Lima
e
do
Fernando
de
Azevedo; o progressivismo, de Anísio Teixeira;
o
behaviorismo;
a
epistemologia genética; o construtivismo;
institucional das universidades na perspectiva de sua contribuição pedagógica para melhoria da qualidade do ensino.
a educação dialógica e crítica de Freire e,
Repeti
essa
pergunta
aos
meus
agora, na passagem de século, vislumbra
estudantes de pós, todos professores
o desconstrutivismo e as incertezas pós-
universitários como nós. Respondeu-me
modernas.
outra aluna:
Com
tal
número
de
concepções e tendências, vejo como uma responsabilidade a orientação teórica e prática do ensino e da aula universitária, de hoje e do futuro. Ainda me inquieta saber como vou ensinar, o que vou ensinar, diante de tantas possibilidades e, ao mesmo tempo, tantas incertezas. Mas me anima saber que não estou só nesta inquietação e na caminhada em busca de respostas. Aula universitária do futuro Se neste momento perguntasse a vocês: o que vão ensinar no ano 2010? Como vocês vão ensinar no ano 2010?
Atualmente sou responsável pela disciplina Teoria Eletromagnética Aplicada, do curso de graduação em Engenharia Elétrica. Esta disciplina, no campo conceitual, repousa sobre as relações descritas pelas leis de Maxwell divulgadas em meados do séc. XIX, o magnetismo clássico. Certamente, daqui a dez anos o conteúdo vai ser o mesmo, pois este conjunto de relações descreve os campos elétricos e magnéticos de tal forma que até hoje não foi contestado (verdade física). Além do mais, estas relações conseguem modelar a realidade com que operam os Engenheiros eletricistas com bastante precisão. De tal forma que permitem projetar novas máquinas elétricas, enlaces rádio-elétricos e assim por diante.
Qual seria a resposta? Fiz estas perguntas em uma de minhas aulas para docentes universitários.
Mais adiante, ela explica o “como”, justificando seu pensamento:
Imediatamente, uma aluna me disse: “Eu não sei! A cada semestre que reinicia eu não sei como fazer.”
A inovação nesta área, deve aparecer nas aplicações estudadas. Por exemplo, há dez anos atrás se estudavam os projetos de enlaces rádio-elétricos ionosféricos (rádio difusão em ondas curtas) e hoje 14
estudam-se os enlaces em virada direta (telefonia móvel). 2 Será esta a verdade em todas áreas do
Acredito que a resposta seria um não. Nas Ciências Matemáticas e Físicas, o conhecimento
acumulado
pela
humanidade é essencial para o avanço do novo. Contudo, se pensarmos um pouco adiante, veremos que a própria Física, uma hard science,
trabalha com a
incerteza,
especialmente
grandes
campos
ao
teóricos
abordar (teorias
de
conhecimento
das
Ciências Humanas e Sociais, acredito solenemente que ainda vamos ver muitas novidades nos próximos dez anos. Se avançarmos outras
nosso
áreas
envolvendo
ser
professores,
captadas
com
por
profunda
nós,
atenção.
pensamento do
saberes
à frente das linhas de pesquisa das áreas “científicamente avançadas”, reconhecem que é na sala de aula que o conhecimento científico se transforma em conteúdos de ensino para dinamizar as aprendizagens de todos. Precisamos estar atentos. A mesma questão vista por outros professores dá algumas pistas sobre
a
sensibilidade para perceber mudanças: “Eu não teria a mesma disciplina”, diz a
quânticas, por exemplo). áreas
precisem
Mesmo aqueles que, entre nós, não estão
conhecimento?
Nas
Estas mudanças e inovações talvez
para
conhecimento, pluri
ou
multidisciplinares, como a Informática, a Microeletrônica, a Genética, as Ciências da Comunicação, então, teremos maiores, mais velozes e profundas mudanças.
professora da Pedagogia. “Haverá
grande
conhecimento, aprendido”,
diz
quantidade
impossível outro
de
docente
de ser da
Educação. A certeza de que vamos ter uma quantidade imensa de informação, muito conhecimento,
está
delineada
hoje.
Delineia-se igualmente uma certa reflexão sobre as condições do exercício das profissões no campo social. A professora de Ética e Filosofia, por exemplo, afirma
2
Depoimentos escritos Seminário PPGEDU/Ufrgs maio, 2000.
EDP53-
que os conteúdos, as formas de ensinar e 15
as concepções do trabalho acadêmico
figura
do
docente-sabedoria
com
talvez não mudem muito, mas serão
respostas ilimitadas a todas às questões.
profundamente influenciadas pelo campo
Como organizador de espaços, ele vai
social. E, eu acrescentaria, pelo campo
prover tecnologias. Vai ser também, um
econômico.
mediador de conhecimentos. Ou seja,
Avançando um pouco mais, com as
parece que, na opinião dos alunos, o
respostas dadas às “perguntas 2010”.
docente perderia poder no espaço áulico,
Quais são as características apontadas
sendo organizador; do contexto ensino-
para o docente, o aluno e as metodologias
aprendizagem,
de sala de aula universitária?
mediador de conhecimentos produzidos
Meus alunos docentes responderam que o professor não vai mais ser o dono do conhecimento. Eles dizem:
O professor do futuro, sintetizando, trabalhará com outros docentes em sala aula
e
será
um
orientador
se
tornaria
um
por outros?. Por outro lado, o aluno é representado como alguém que vai fazer o seu
(O professor) “Perde o estatuto de possuidor de conhecimento passando a orientador.” “Não estará ensinando, mas, interagindo com outros aprendentes na construção de conhecimentos; O professor será um organizador de espaços (ateliê, projeto) e mediador dos conhecimentos. Ou, dará aulas compartilhadas com outros docentes”
de
ele
de
aprendizagens de um aluno visto como bastante autônomo. Não vai encarnar a
currículo: (O aluno)“Define seu currículo em função das necessidades de mercado.” “O aluno será um gestor do seu próprio currículo”. “Os currículos serão planos de estudos
organizados
pelos
grupos.”
“Currículo com áreas transversais, como bioética, espiritualidade e qualidade de vida e sistema referencial por região.” Os alunos serão: “Sujeitos autônomos com
suas
aqueles
que
competências aprendem
cognitivas; a
aprender,
aprendem a ser, aprendem a conviver.”
16
Há quase uma unanimidade em torno das novas tecnologias influindo no ensino. As aulas serão presenciais e não presenciais”; “Com ênfase nas atividades de pesquisa”; “Educação à distância”; “novas tecnologias”; “momentos presenciais, momentos à distância”; “recursos computacionais disponíveis”; “valorização de novos espaços de integração social, de leitura de realidades, junto à população por ex.” ;” recursos de laboratórios de ensino, ateliês, de informática, uso de redes, uso de internet e tv”...
um docente mediador e um aluno gestor de seus conhecimentos e currículo. Estaremos nós, docentes do terceiro milênio, preparados para dar as aulas do futuro com as teorias do passado?
Docentes universitários: epistemologias e pedagogias Na realidade presente, em geral, os docentes
universitários
formação
na
área
não
possuem
educacional
ou
pedagógica. Quer sejam contratados em De
todos
os “sonhos
inovadores”,
colocados no futuro próximo, chamou-me a atenção uma convicção de que “Haverá um processo crescente de caos (aparente desordem) para uma ordem estabelecida pelos coletivos” e uma „expansão das questões para campos mais amplos, diferentes linguagens se encontrando, diferentes processos expressivos”.
professores pensam que ela será uma engenharia pedagógica e o conhecimento ser
trabalhado
na
medida
completo
encontramos
quer, na
em
parcial,
universidade,
profissionais liberais e de distintas áreas de conhecimento com pós-graduação; profissionais
docentes
apenas
com
licenciatura ou bacharelado, às vezes com especialização. Entre os docentes part time, aloca-se o maior contingente de profissionais com experiência na sua área
Ao descrever a aula do futuro, os
vai
tempo
da
experimentação, mais aberto, com maior flexibilidade, a partir da seleção feita por
de competência. Em muitos casos, as avaliações desses docentes, feitas pelos discentes,
reconhecem
que
os
professores universitários sabem muito de sua matéria de ensino, às vezes possuem grande
experiência
profissional, 17
especialmente profissões
aqueles
liberais,
vinculados
mas,
dizem
às
90), o professor acredita no mito da
os
transferência
de
conhecimento,
até
estudantes, “não sabem ensinar”, “não
mesmo porque foi assim que ele aprendeu
têm
docentes-
na universidade. “Nessa sala de aula nada
pesquisadores, full time, estas mesmas
de novo acontece: velhas perguntas são
queixas, com outras justificativas, também
respondidas com velhas respostas. A
podem ser registradas. (Leite et al, 1998)
certeza do futuro está na reprodução pura
didática”.
Por
outro
Entre
lado,
a
os
pesquisa
tem
e simples do passado”.
mostrado que as pedagogias empregadas
O mesmo autor discute pedagogias não
em sala de aula costumam ser diretivas -
diretivas, quando o professor é um
o professor fala e o aluno escuta e copia,
mediador do conhecimento, um facilitador,
ou faz cópia reproduzida do caderno do
aquela posição defendida ou sugerida por
aluno do ano anterior, da central de
meus alunos, para o professor do futuro.
provas
Diz
armazenada
pelos
estudantes
Becker:
o
professor
não-diretivo
veteranos, das apostilas do professor,
acredita que o aluno aprende por si
quando estas existem. Admite-se que o
mesmo, ele traz conhecimentos de sua
professor ensina porque transmite um
prática, de sua herança genética. “O
conteúdo que domina e o aluno aprende,
professor deve policiar-se para interferir o
porque reproduz na prova ou no trabalho
mínimo possível. Qualquer semelhança
escrito, aquilo que foi solicitado pelo
com a liberdade de mercado do neo-
professor. Para Becker (1994), ainda
liberalismo é mais do que coincidência.”
estamos
empirismo,
O apriorismo é a epistemologia que
epistemologia que sustenta a doutrina
fundamenta esta visão pedagógica, ou
pedagógica diretiva que supõe o aluno
seja, o que vem antes, a priori, disciplina
como tabula rasa sobre a qual o docente
o depois.
diante
do
vai imprimir uma formação, um direção
Becker, neste texto, sobre modelos
educacional. Segundo Becker (1994, p.
epistemológicos e pedagógicos, ainda 18
discute a possibilidade de uma pedagogia relacional
fundamentada
epistemologias
em
construtivistas.
Nesse
Teóricamente, epistemologias universitária.
pode e Na
falar-se
em
em
pedagogia
prática,
essas
sentido, o conhecimento seria sempre
construções, no cotidiano da sala de aula,
aproximado,
não
resultam difíceis. É preciso vencer os
absoluto. Poderia estar em construção na
obstáculos epistemológicos, a “preguiça”
sala de aula universitária. Em trabalho de
ou acomodação intelectual e resolver
1997, Benoni discute a possibilidade de
aquilo que, na prática, os professores
uma postura pedagógica inter-relacional,
universitários referem como “questões
chamando a responsabilidade da ciência
pedagógicas” ou “questões didáticas”.
relativo,
incerto,
na instauração dessa postura. Argumenta Questões chamadas didáticas
a partir da visão de Bachellard. Nessa dissertação, Benoni mostra que a verdade
O que são “questões didáticas”?
científica, o conhecimento aproximado
Questões
produzido
pela
pesquisa,
pode
ser
didáticas
ou
indagações
didáticas dizem respeito àquelas dúvidas
distorcido na sala de aula se não se
sobre
considerar
universitária, ou seja, sobre o saber fazer
a
postura
inter-relacional.
a
condução
prática
da
Lembro de Bachellard, que diz que a
pedagógico.
melhor maneira de avaliar a solidez das
complexidade
idéias é ensiná-las,
é
universitária, com o respeito devido aos
também aprender. Aprender e construir
investigadores que se dedicam à essa
conhecimento
temática,3 ouso simplificar, por meio de
pois,
em
sucessivas,
pela
ensinar
aproximações dúvida,
de
análise,
são
formas
de
empregar epistemologias construtivistas em sala de aula.
da
sala
de
a aula
pelo
questionamento, pelo uso do erro como postura
Considerando
aula
3
Vide trabalho profundo e minucioso sobre “Aula: acepção e função críticas” de Oswaldo Alonso Rays; “Docência na universidade” de Marcos Masetto; “Aula universitária: ruptura, memória e territorialidade - a reconstrução pedagógica do conhecimento” de Cleoni Maria Barbosa Fernandes, os trabalhos de Elisa Lucarelli, de 19
a) Conhecimento
imagens, seus elementos-chave. Essa aproximação, de finalidades didáticas, tem
Em sala de aula se trabalha com uma
seu apoio em Bernstein (1986; 1998) para
fatia do universo dos conhecimentos que
quem uma teoria deve ser prática o
compõem o currículo do curso.
suficiente para permitir integrar os níveis micro e macro de análise, isto é, os níveis de
interação
institucionais
e
Currículo = conhecimento
macro-
institucionais e construir linguagens para efetuar a integração desses níveis. Ou
Disciplina = conteúdo
seja, para o autor, em sala de aula, lidamos com três elementos centrais : a) currículo: conhecimento considerado válido;
Em sala de aula, um conteúdo apenas, uma
b) pedagogia: forma de transmissão de conhecimento;
pequena
conhecimento,
fatia é
do
universo
selecionada
do e
organizada, pelo menos, em 3 momentos
c) avaliação: realização adequada do conhecimento.
ou
etapas,
não-concomitantes
ou
necessariamente seqüenciais.
Usando o recurso da representação gráfica,
encontraríamos
a
seguinte
Introdução
situação, visualizada nas figuras abaixo:
Desenvol-
Fechamento
vimento
Maria Isabel Cunha, dentre outros, a respeito do tema. 20
A pergunta chave que preciso fazer
Em aula, transmito o que vejo e o que
para definir esta sequência responde à
não vejo, por meio de pedagogias visíveis
indagação: “o que meus alunos vão
e invisíveis. As pedagogias são visíveis,
aprender hoje?”
como ensina Bernstein, porque seus
No desenvolvimento, na introdução ou
critérios de seqüência, tempo e formatos
no fechamento, cuja ordem varia, a
ficam claros para alunos e professores.
pergunta chave que direciona a escolha,
São pedagogias invisíveis quando os
passa
critérios empregados para sua seleção,
pela
intenção
de
produzir
aprendizagem.
ficam implícitos, sendo de conhecimento, de domínio do professor. Bernstein coloca
b) Pedagogias
e
formas
de
transmissão do conhecimento Para
ensinar,
para
trabalhar
com
as
pedagogias
construtivistas
nessa
última possibilidade. Tanto as pedagogias visíveis quanto as invisíveis podem ser
conhecimentos/conteúdos, selecionam-se
desenvolvidas
formas de transmissão, que podem ser
tecnologia
presenciais e não-presenciais, visíveis ou
repertório do professor: aulas dialogadas,
invisíveis, quer a escolha recaia sobre um
aulas expositivas, estudos de textos,
quer
livros, trabalhos em grupo, pesquisa,
recaia
sobre
outro
formato
pedagógico.
de
por
toda
ensino
e
qualquer
disponível
no
estudo de casos, júri simulado, jogos, Presencial
tecnologias da informação e outras. As pedagogias podem ser presenciais e não-presenciais, conforme se efetivem em classe,
Visível
Invisível
com
presença
de
alunos
e
docentes, ou via rede, correio eletrônico, educação à distância e outros formatos
não presencial
que dispensam a presença física do 21
docente com o aluno, mas não dispensam
outro,
a presença, mesmo que
relações.
virtual, da
relação pedagógica.
sem estabelecer ligações ou
Por meio das formas de transmissão,
Para Bernstein, aqui reside a força da
ou seja, pelas pedagogias, posso manter
educação – nas formas de transmissão do
as coisas separadas, isoladas e, com isto,
–
conhecimento
é
aqui
que
se
contribuir para que cada sujeito/aluno
disponibilizam aos alunos, os códigos de
permaneça
acesso
do
classe/categoria/condição. Pelas formas
assunto/conteúdo; que se possibilitam, ao
de transmissão do conhecimento podem
maior número de pessoas,
conhecer,
ser reproduzidas as relações de poder e
construir
relacionar
controle existentes na sociedade.
ou
os
mistérios
conhecimentos,
saberes
e
significados,
experiências, criar
ou
inferir
destruir
mitos,
em
sua
É aqui, no espaço da aula universitária, que
se
pode
construir,
a
relação
apropriar-se do universo de sentidos que
sujeito/conhecimento/ mundo; a relação
a cultura humana produz. Mas, é também
indivíduo-sociedade.
por meio das formas de transmissão e das
princípio, que ao falar em sociedade, não
pedagogias,
se está excluindo dela o setor produtivo, o
que
enquadramentos, separações,
se
fazem
classificações
principalmente
com
e
entenda-se,
em
mercado e as empresas.
o
emprego de: - fronteiras fortes - separação entre
Estado
conteúdos ou entre sujeitos, entre sujeitos e conhecimentos -
códigos
códigos
coleção que
-
utilização
de
Sociedade
universidade
colocam
conhecimentos/saberes, um ao lado do
22
c) Avaliação
As formas de transmissão se realizam nas mais variadas interações aluno-aluno e
professor-aluno.
relações
sujeito/sujeito,
Constroem-se, como
atos
constitutivos da aprendizagem.
Em uma aula, tradicionalmente, seja ao final do mês, ou do semestre, ou em todas as aulas, a título de fechamento, faz-se avaliação,
isto
é,
verificam-se
as
aprendizagens do aluno. A avaliação revela o elo entre ensino e aprendizagem. Aluno Professor Aluno
ensino
Aluno Aluno professor
currículo
aprendizagem Para Fernandes (1999), a interação em sala de aula cria uma teia de relações entre o intelecto e o afeto que mobiliza os sujeitos
A
avaliação
revela
o
entre
para o conhecer. Vários autores confirmam
conhecimento-formas
que reside na interação positiva em sala de
valores-atitudes. Da mesma forma, como
aula, na convivência com troca de afetos,
as pedagogias
presencial
acesso ao conhecer, ou códigos de não-
ou
não-presencial,
fundacional da aprendizagem.
o
elo
acesso
-
de
elo
carregam
pelas
transmissão,
códigos de
separações
entre
conteúdos, defesa de fronteiras entre conhecimentos- as formas de avaliação produzem classificação e enquadramento. A
avaliação,
como
as
formas
de 23
transmissão
pedagógica
do
emancipação, as propostas feitas na aula
desenvolver
universitária incitam o aluno a duvidar, a
elementos que modelem a consciência
experimentar, a levantar hipóteses e,
dos sujeitos, pois reproduzem princípios
fundamentalmente, a trabalhar com o erro.
de poder e de controle social, reproduzem
A avaliação serve à aprendizagem, não
controle
social.
para o alcance dos mesmos resultados
e
para todos os alunos, mas para, trilhando
conhecimento,
podem
e
regulação
Contraditoriamente
produzem
reproduzem emancipação e autonomia.
diferentes
caminhos,
atingir
distintos
patamares de aprendizagem. Como diz Stenhouse (1987), só em presença da dúvida se faz ensino que promova a Regulação/controle
aprendizagem. Na medida em que o docente
ensina
indagando,
avaliar,
perguntar e estimular respostas diferentes Emancipação/autonomia
de seus alunos, ele avalia ao deslocar poderes. Ao conceder poder ao aluno, ajudá-lo
A
avaliação
de
sua
conhecimento que tem valor, por isso,
resgatem o princípio da autonomia, a
merece ser lembrado, ou seja, qual o
educação será libertadora; a avaliação,
conhecimento que importa, para quê.
emancipadora.
Porém, muitas vezes, o “para que”, na
emancipar, envolve acompanhar o aluno,
avaliação, não fica explicitado ao aluno.
ajudá-lo a refletir, a dar-se conta, com
Assim como, a construção da autonomia
responsabilidade,
produzida ou incentivada pelos formatos
percorridos e dos resultados que alcançou
avaliativos. Para caminhar em direção à
reportando-se
ao
autonomia
aprendizagem
anterior.
em
qual
sujeito
aprendizagem por meio de avaliações que
desta
dizer
ser
o
e,
vai
a
direção
à
Avaliar,
dos
seu
a
fim
de
caminhos
estágio Avaliar
de desta 24
forma, é mais do que devolver ao
Cada
professor o que ele ensinou. A avaliação
personagens, novos atores em busca de
resulta ser um elemento-chave da aula
conhecimento. Um conhecimento que,
universitária na medida em que, como
afetado pelo campo científico, sem dúvida,
parte íntegra e integradora da aula
é recontextualizado para a sala de aula e
universitária,
para
reconstruído, transformando-se em um
desenvolver as capacidades de pensar e
conhecimento social4. Ao ser reconstruído
refletir e de ser sujeito do aluno.
no cotidiano dos territórios de sala de
ela
contribui
Além disso, convém lembrar de que a aula
universitária,
ao
reunir
distintos
espaço
aula,
tem
diferentes
interpõem,
sempre
novos
racionalidades
influindo
nas
formas
se de
elementos, configura-se como um espaço
transmissão, por meio de uma complexa
complexo
a
rede de relações, chamada por Fernandes
ser
(1999) de “teia de relações”. Teia porque,
influenciados pelo campo científico de
como a construção da aranha, é uma
cada carreira profissional e por sua força
arquitetura
na estrutura social, como comprovado em
também uma teia porque se faz e desfaz
estudo anterior (Leite e Cunha, 1996).
com qualquer vento contrário. Emoções e
Decorre que não podemos pensar em um
afetos, assim como o intelecto, objetivam
ensino monolítico ou apenas reprodutivo,
a construção da teia de conhecimentos e
no qual, o conteúdo que serve para uma
das relações que ajudam a conhecer.
onde
pedagogia
e
o
conhecimento,
avaliação
podem
única,
laboriosa.
Mas,
é
aula, serve para outra, o que foi visto com Revolucionar a sala de aula?
um grupo de alunos, serve para outro com distintas
características,
o
que
foi
ensinado no ano passado serve para os
Não
são
apenas
os
docentes
e
pedagogos que se preocupam com a sala
alunos deste ano. Cada aula é diferente de outra: em cada ano e semestre este espaço
se
reconstrói
dinamicamente.
4
Ver a respeito “Conhecimento social na sala de aula universitária e auto-formação docente” (Leite, 2000). 25
de aula. Com o título “revolucionar a sala
No
entanto,
pesquisas
recentes
de aula?” foi publicada, recentemente,
continuam
uma crônica em revista de circulação
responsabilidade, quase iluminista, de
nacional (a interrogação é minha). O autor
obtenção de sucesso no ensino. Sucesso
era um consultor e administrador de
e responsabilidade pelos resultados, pelos
empresas que pede atenção para a aula,
produtos. O professor é chamado de
dizendo
prático-reflexivo,
que
os
alunos
estão
centrando
no
suas
professor
memórias
a
são
desmotivados, intelectualmente passivos,
resgatadas, seus saberes docentes são
ouvem e obedecem, decorando. Tal como
pesquisados, julga-se que ele é possuidor
nosso aluno que descreveu o professor do
de um conhecimento prático. Sem dúvida,
futuro, ele fala em um arquiteto de salas
tudo isto é muito importante para agora.
de aula – aquele que faz a arquitetura
Mas, e para o futuro? Não basta ser um
estratégica dessa complexidade simples
mediador,
que é a aula. Tal como nossos alunos que
estratégica de sala de aula.
dão ao professor do futuro um papel de mediador,
fazer
uma
arquitetura
Se, de dentro e de fora do campo
pede aos alunos que eles
educativo, discute-se o que sabe e o para
revolucionem a sala de aula, olhem para o
que sabe o docente, melhor seria assumir,
problema da comunidade, da favela, da
com
sociedade,
trabalho – o espaço da aula universitária
sejam
criativos,
resolvam
competência,
todas
as
nosso
situações. E, acrescenta que se os
com
suas
professores quiserem, será ótimo. Porém
necessidade de inovação.
espaço
implicações
de
e
a responsabilidade pela revolução deve
Lembrando de Bernstein, reside na
ser do próprio aluno pois no futuro não vai
Pedagogia, nas formas pelas quais se
ser o professor que vai aprová-lo, mas a
trabalha com o conhecimento, o segredo
vida. Ou seja, tal como meus alunos, o
da produção, do acesso aos códigos, o
professor é visto como desnecessário.
sentido do uso da ética, a compreensão dos princípios e valores humanos. No 26
cotidiano, a meu ver, este será sempre o
educativa na sala de aula universitária,
eterno papel do docente em sala de aula
sem o qual, qualquer conhecimento, por
universitária,
importante
presencial
ou
não-
que
seja,
perde
a
sua
presencial, pedagogia visível ou invisível –
finalidade. Cabe o papel, como ensina
lidar com o humano, demasiado humano,
Stenhouse (1987) de valorizar “a arte do
da relação educativa. Até porque, é na
ensino” como uma “dialética entre a idéia
sala
e a prática, que não deve separar-se da
de
aula
que
se
constrói
aprendizagem e esta sendo individual na
mudança.”
existência dos sujeitos, é coletiva na sua essência, ou seja, ninguém aprende sem o outro. Não é preciso muito para revolucionar a sala de aula, de hoje ou do futuro. Protagonismo dos atores, sem dúvida; epistemologias
e
pedagogias
em
consonância, sem dúvida; criatividade, novas tecnologias, sem dúvida. Mas, o arquiteto de sala de aula, agora e no futuro, construirá com seus alunos, teias, redes de relações, entre conhecimento social, ética e política por meio de diferentes e entrelaçadas dimensões que produzam
novas
configurações
de
aprendizagens. Nesse sentido, nenhuma tecnologia substituirá o professor, pois a ele cabe o papel de resgatar, de tornar presente, o sentido humano da relação
Referências bibliográficas BECKER, Fernando. Modelos pedagógicos e modelos epistemológicos. Educação e Realidade. Porto Alegre, 19 (1) : 89-96 Jan – Jun, 1994. BENONI, Ilton. A ciência enquanto instauradora de uma postura pedagógica interrelacional. Ijuí: Unijuí, 1997. Dissertação Mestrado. BERSTEIN, Basil. A teoria de Berstein em sociologia de educação. (Orgs) DOMINGOS, Ana Maria et al. Lisboa: Gulbenkian, 1986. __________. Pedagogia, control simbólico e identidad. Madrid: Morata, 1998. CUNHA e LEITE. Decisões pedagógicas e estrutura de poder na universidade. Campinas, Papirus, 1996. FERNANDES, Cleoni Maria Barbosa. Sala de aula universitária: ruptura, memória e territorialidade. Porto Alegre: Ufrgs/PPGE, 1999. (Tese de doutorado). 27
LEITE, Denise (org.). Pedagogia universitária: conhecimento, ética e política no ensino superior. Porto Alegre: Ufrgs, 1999. LEITE, Denise. Conhecimento social na sala de aula universitária e a autoformação docente. In: MOROSINI, M (Org) Professor do ensino superior. Brasília: Inep, 2000. MASETTO, Marcos (org.). Docência na universidade. Campinas: Papirus, 1998. STENHOUSE, L. La investigación como base de la enseñanza. Madrid: Morata, 1987.
28
Métodos de ensino: decorrências para a prática docente universitária Jussara Margareth de Paula Loch Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Em primeiro lugar quero agradecer o
como aprendemos nos constituem como
convite para estar aqui trabalhando e
sujeitos?
dialogando com os professores desta
subjetividade?
universidade.
forma
a
nossa
aos
Segundo Edgar Morin (2000, p. 11), a
integrantes da mesa e a todos aqui
missão da educação que ele chama de
presentes.
ensino educativo, para distinguí-la de
Inicio
Cumprimento
Também
minha
fala,
escrita,
outras formas educativas, é transmitir não
problematizando algumas questões, logo
o mero saber, mas uma cultura que
após busco analisar as concepções de
permita compreender nossa condição e
educação, ensino e aprendizagem para
nos ajude a viver, e que favoreça, ao
então ir ao foco deste encontro que é a
mesmo tempo, um modo de pensar aberto
metodologia no ensino superior.
e livre.
Convido a todos para refletirmos sobre
algumas
questões:
Qual
a
Morin afirma que Kleist tem razão ao escrever que “o saber não nos torna
metodologia mais adequada? Existe um
melhores
nem
mais
felizes”
mas,
método? Para respondermos a essas
complementa dizendo, que a educação
questões existem outras questões que se
pode nos ajudar a sermos mais felizes e
impõem! O que queremos ensinar? Para
melhores, a assumir a parte mais prosaica
quê? Para quem? O método também é
e viver a parte mais poética de nossas
conteúdo? A forma como ensinamos e
vidas. 29
Neste sentido podemos refletir sobre o pensamento
de
Brandão
(2002):
“a
gerar intelectuais polivalentes, abertos, capazes de refletir sobre a cultura em
educação não muda o mundo, muda os
sentido
amplo.
homens e, os homens mudam o mundo”,
encorajar professores de todos os níveis a
essa idéia dá finalidade ao ato educativo
religarem suas disciplinas assim como a
tanto do ponto de vista individual e não
investir em reformas curriculares que
individualista, como também coletivo e
propiciem uma reflexão sobre natureza e
não competitivo.
cultura,
homem
E,
e
considera
cosmo
urgente
rejuntados
A educação, nessa perspectiva, deve
tratados como totalidade e, que edifiquem
contribuir para a autoformação da pessoa,
uma aprendizagem cidadã capaz de repor
isto é a ensinar a assumir a condição
a dignidade da condição humana.
humana, ensinar a viver, vivendo e, a
Importante para isso é compor energia
ensinar a como se tornar cidadão, sendo
cognitiva
e
ou exercendo cidadania. Portanto, nesta
construir
uma
concepção
transgressora, democrática, que garanta
conhecimento
é
meio,
cidadania é o fim.
política
suficientes
educação
para
pluralista,
às futuras gerações o direito planetário de
Um cidadão é definido em uma democracia, por sua solidariedade e
repensar o mundo de modo mais ético, responsável.
responsabilidade com o outro, com a sua
Portanto, eleger uma metodologia
comunidade, e em relação a sua pátria. O
envolve fazer opções e ver até onde
que supõe nele o enraizamento de sua
podemos criar o novo ou adaptar, ou
identidade
conservar
nacional,
continental,
os
paradigmas
sociais
e
planetária. Exemplo: as marchas pela paz
educacionais existentes. Os métodos são
realizadas no mundo inteiro por ocasião
caminhos a serem construídos e não
da guerra contra o Iraque.
receitas, que aplicadas mecanicamente
Nesse
sentido
Morin
coloca
um
desafio importante ao ensino universitário:
produzem
resultados imediatos.
Pode
dizer-se que não há método ou o método, 30
há
sem
dúvida
uma
variedade
de
PUCRS, pelas alunas e as professoras
procedimentos, práticas pedagógicas que
responsáveis por este setor na Faced,
se aproximam, uns mais, outros menos,
participando
daquilo que pretendemos.
reuniões ,encontros, grupos de estudos,
Pedro Demo propõe como método em todos os níveis e, especialmente no universitário, a pesquisa, dentro desta
de
capacitações
todas
de
as
atividades:
alfabetizadores,
pesquisas. É preciso reconhecer que sendo
perspectiva, com uma multiplicidade de
nossas
práticas científicas. Aprende de verdade o
recente e imerso hoje num processo de
aluno que pesquisa. Vê a realidade ,
massificação, não seria viável esperar que
problematiza,
analisa
começassem com a pesquisa. Mas é
relacionando teoria e prática, elabora,
necessário mudar essa trajetória. Aí entra
produz, comunica, publiciza, avalia.
o desafio da política científica, por meio da
outros
assistem
estuda,
aulas.
Os
Esses
qual
universidades
se
propõe
um
criar
marcado
um
pela
fenômeno
ambiente
comparecem apenas para assistirem a
acadêmico
capacidade
aulas, tomarem nota e devolverem o
sistemática de reconstruir conhecimento.
conhecimento copiado na prova. Dois
Figura central é o professor. E professor
exemplos: o provão, que em vez de
não é quem dá aula, mas quem se
conduzir para o caminho do saber pensar,
compromete a fazer o aluno aprender. O
reforça o contexto do vestibular em que o
que faz o professor não é o título, mas seu
aluno responde questões treinadas pela
compromisso com a aprendizagem dos
repetição de macetes de um conteúdo
alunos. Cuidar todo dia que o aluno
selecionado e dado pelos professores a
aprenda é sua função máxima, sua razão
partir do próprio instrumento. O segundo
de ser. Informar é questão eletrônica,
exemplo que trago e que se contrapõe a
cada vez mais no mundo moderno.
esse é o trabalho desenvolvido no Núcleo
Formar é coisa de professor, isto é
de Educação de Jovens e Adultos (Neja),
indispensável. 31
Propõe,
educação
metodológico e para isso reafirma três
universitária como processo de formação
dimensões do ato educativo: a leitura do
da competência humana, com qualidade
mundo ou estudo da realidade, tomar a
formal
no
prática social como ponto de partida;
alavanca
realizar um processo de teorização sobre
e
portanto,
política,
conhecimento
a
encontrando
inovador
a
principal da intervenção ética. O critério
a
diferencial
o
conhecimentos que distribuiremos, ou que
que
dão conta da transformação desta mesma
engloba teoria e prática, qualidade formal
prática? e, a terceira dimensão como se
e política, inovação e ética. Ética da
dará a criação/ aplicação de inéditos
competência que não pode ser reduzida à
viáveis
competividade. Inovação, por tratar-se do
conhecimentos construídos pelos alunos e
conhecimento crítico e criativo.
disponibilizados pelos educadores?
da
pesquisa
questionamento
é
reconstrutivo,
A qualidade formal, dos meios, das técnicas,
dos
instrumentos,
da
prática,
quais
advindos
os
conteúdos
destes
processo. Segundo Martins (2002), há conhecimentos
desenvolvidos
acompanhada
aprendiz
há
devida
qualidade
novos
Vou detalhar um pouco mais esse
reconstrução do conhecimento precisa vir da
/
e
pelo
conhecimentos
política. Pois esta é o fim, aquela é o
desenvolvidos pelo professor. Entre eles,
meio. Característicamente, o mercado
estão os saberes, que o segundo deve
aprecia apenas a qualidade formal, não
ensinar de forma que o primeiro aprenda e
gosta de cidadania, porque não convive
transforme em seus conhecimentos. Se
bem com o espírito crítico e a busca de
há conhecimentos do lado dos alunos,
sociedades alternativas. A politicidade de
importa que o professor os descubra, se
Paulo Freire volta à tona:” aprender é
há conhecimento do lado dos professores
constituir-se num sujeito capaz fazer-se,
importa também que os aprendizes os
de construir história própria”. Coloca a
descubram,
concientização
como
sendo
os
saberes
os
princípio 32
intermediários
para
esta
descoberta
mútua.
que haja o conflito cognitivo e, portanto a aprendizagem.
Durante muitos anos, os erros dos
O debate em sala de aula, onde o
alunos foram considerados dignos de riso,
professor não impõe os saberes de
só mais recentemente é que se passou a
referência como ponto de partida, mas
considerá-los como conhecimentos dos
tenta descobrir os conhecimentos prévios
quais os aprendizes dispõem e utilizam
dos alunos, introduz na relação didática a
como meio para apropriarem-se dos
metáfora da devolução didática, isto é, o
saberes que os professores trabalham na
professor se recusa, voluntariamente, a
relação didática. Quaisquer que sejam os
apresentar atos de ensino com o fim de
conhecimentos prévios, é com eles que os
que
alunos
a
apresentando assim, conhecimentos e
respeito dos saberes que o professor
atitudes de aprendizagem. Abre-se desse
apresenta e quer ensinar.
O professor,
modo, a possibilidade de que o aluno
então, precisa lançar o debate e deixar
comece a se tornar o responsável por sua
que
seus
própria aprendizagem. Por outro lado isso
conhecimentos prévios sobre o que está
só tem sentido se houver a possibilidade
interessado em
da contradevolução, ou seja, o aluno
vão
os
estabelecer
alunos
relações
expressem
ensinar, sem impor o
saber inicialmente de referência. Esse
conhecimento
é
importante
cada
aluno
se
apresente,
solicitar ao professor que reassuma seu papel de professor.
porque o professor precisa desestabilizar
Em se tendo um pouco mais claro as
a concepção que os alunos apresentam. É
estratégias metodológicas a usar para que
necessário desempenhar o seu papel de
os
mediador, colocando em interação o saber
conhecimentos, também pode ficar um
objeto
pouco mais claro o ato educativo de
de
ensino,
os
conhecimentos
alunos
desenvolvam
Poderemos
perceber
seus
prévios dos alunos e as exigências da
avaliar.
se
um
situações( singularidade dos alunos ) para
determinado aluno ou grupo de alunos 33
construiu conhecimentos que estavam
saber se torna um especialista neste
sendo trabalhados em sua relação com os
campo. Ele ainda não é um professor! Ele
saberes codificados, se, a partir de
só se tornará um professor no momento
situações práticas criadas, demonstram
“em que for capaz de levar em conta os
capacidades e habilidades de colocar em
conhecimentos
ação estes conhecimentos na busca de
adaptar o saber especializado, o saber
soluções
codificado, que deseja ensinar” (Jonnaert
para
as
situações-problema
enfrentadas. Aquele
de
seus
alunos
para
e Borght, 2002, p. 95). que
estuda
em
uma
universidade e se forma em um campo de
34
O uso de dinâmicas metodológicas alternativas e criativas para promover a qualificação do trabalho docente
Rosane Carneiro Sarturi Centro Universitário Franciscano
A formação de professores tem se configurado
em
uma
preocupação
que, naquele momento, consolidavam-se os
princípios
de
uma
sociedade
permanente no contexto da sociedade
organizada
atual, não apenas nos meios chamados
estrutura urbano-industrial, superando a
educacionais, como também na sociedade
forma
em geral, realidade confirmada a partir do
fortemente até os finais da primeira
estabelecimento
república.
da
relação
entre
economicamente
agro-exportadora
que
em
uma
vigorou
educação e desenvolvimento que, a partir
Em 1971, com a reforma da LDB,
da década de 1960 (Aranha, 1999),
surgiu a lei n. 5692/71 que trouxe consigo
começa
a preocupação em formar técnicos e torna
a
fazer
parte
do
cenário
educacional.
obrigatório o acesso e a freqüência à
Com a primeira Lei de Diretrizes e
escola, baseada em premissas tecnicistas
Bases da Educação Nacional, lei nº
de origem estadunidense, que fortalecem
4024/61, a educação no País assumiu
a
uma dimensão pública, o que abriu a
econômico e educação, reforma que sofre
possibilidade
pessoas
outra, em 1984, com a lei n. 7044, tendo
tivessem acesso à escola, considerando
em vista o não atingimento dos objetivos
de
que
mais
conexão
entre
desenvolvimento
35
esperados, mas isso é assunto para ser
dinâmico-dialógica3, pois apresenta um
tratado em outra oportunidade. Depois de quase vinte e cinco anos de
discussões
nos
A lei n. 9394/96 assume uma postura
mais
diversos
interesse explicitado na emancipação do sujeito, apresenta formas alternativas de
segmentos da sociedade, chega até a
organização
comunidade educacional outra lei, que
preocupação com a aprendizagem, porém
traz
ao adotar como referência curricular os
consigo
muitas
discursivas
dos
apropriações professores
curricular
Parâmetros
e
defende
Curriculares
a
Nacionais
progressistas1, que vinham defendendo a
(PCNs), recai em uma operacionalização
qualidade da educação para todos, visto
mais
que os liberais sempre defenderam a
preocupação em controle técnico. Este
2
técnico-linear,
que
denota
dualização da escola, com a intenção de
fato pode ser apreciado por ocasião da
atender
construção
às
leis
de
mercado
que
das
propostas
político-
atualmente adquiriram uma força ainda
pedagógicas, dos planos de estudo e dos
maior no contexto mundial.
planos de trabalhos de muitas escolas brasileiras, caracterizando um retrocesso ao modelo predominante na década de
1
Cabe aqui lançar mão da reflexão de Libâneo (1986) que diz ter tomado emprestado de Snyders o termo “progressista”, para designar as tendências que partem de uma análise crítica da realidade social, o que contaria a tendência “liberal”, que surgiu para defender os princípios de uma sociedade capitalista centrada no individualismo e na privatização dos meios de produção. 2 A escola dual vem sendo denunciada por Gramsci (1978), como uma marca acentuada da estratificação social, que trata de uma escola para os filhos de operários e outra para os filhos das castas mais abastadas, uma que prepara para o trabalho, para a vida e outra que prepara para seguir uma carreira acadêmica. Tema que também foi objeto de estudo de Willis (1991).
1970 e 1980. Nesta altura do texto, o leitor deve estar 3
se
perguntando
o
que
esta
A expressão dinâmico-dialógica é utilizada por Domingues (1986), ao realizar o estudo sobre os paradigmas curriculares, a partir dos estudos do americano James Macdonald para o currículo e de Thomas Kuhn para paradigma, ele estabelece a relação entre os interesses humanos classificados por Habermas (1982) como: técnico, de consenso e emancipador e os paradigmas de currículo disponíveis na literatura: Técnico linear; Circular consensual e Dinâmico dialógico.
36
superficial análise tem a ver com o título
qualificação do trabalho docente”, faz-se
deste estudo? Como o uso de dinâmicas
necessário situar estas “dinâmicas” no
metodológicas alternativas e criativas para
referencial que aqui tomamos para definir o
promover
a
“como ensinar”.
docente?
Qual
qualificação a
do
solução
trabalho para
a
César Coll (1999) estabelece quatro
superação de uma prática bancária4 em
componentes do currículo: Que ensinar?
educação?
Ou as necessárias concretizações das
As respostas a estes questionamentos
intenções educacionais; Quando ensinar?
vêm conectadas diretamente à visão de
..ou
totalidade que, segundo Kosik (1995), é
seqüenciação das intenções educativas:
muito mais do que a simples soma das
Como
partes,
metodologia de ensino. O que avaliar?
porque
ao
percebermos
a
educação em sua totalidade, não é
que é o currículo .
problema
ensinar?
da
Ou
organização
o
problema
e
da
Quando avaliar? Como avaliar?
possível falar sem partir da sua essência, 5
o
Para o autor supracitado, se partirmos de
uma
concepção
construtivista
de
Para Gimeno Sacristán (2000, p. 26),
conhecimento, é impossível pensar os três
“toda prática pedagógica gravita em torno
primeiros componentes do currículo de
do
forma independente, porque eles estão
currículo”
encontrarmos
isso
significa
“dinâmicas
que,
para
metodológicas
alternativas e criativas para promover a
inter-relacionados
e
constituem
uma
totalidade. Como pensar o “como”, sem pensar “o quê” ou o “quando”?
4
Para Paulo Freire (1999), a educação bancária acredita que “quanto mais se dá mais se sabe”. 5 Muitas têm sido as definições atribuídas ao termo currículo, a polissemia do termo assume várias nuanças, para efeito deste estudo recorro a sua etimologia, que o designa como percurso a ser feito (Veiga Neto, 1996, Pedra, 1997, Gimeno), para defini-lo como “construção social que preenche a escolaridade de conteúdos e orientações (Giimeno, 2000, p. 20), que são realizadas a partir deste percurso.
Ao dividir a Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa (2001b) em três capítulos: “Não há docência sem discência”; “Ensinar não é transferir conhecimento”; e “Ensinar é uma especificidade humana”, Freire assume o 37
seu
compromisso
construtivista
de
com
visão
“concepções epistemológicas implícitas”
porque
ao relacionar os conteúdos exigidos com a
uma
educação,
relaciona a partir destes pressupostos
posse por parte de seus alunos.
dialéticos uma série de exigências que
Esta ponderação remete para os
cobram dos professores e professoras
estudos de Becker (1996b, p. 32), quando
uma reflexão sobre a sua epistemologia.
analisou “A epistemologia do professor: o
se
cotidiano da escola”, demonstrando que a
fundamenta nos estudos de Ÿoung (1981),
maioria dos professores e professoras, ao
para dizer que existe uma conexão muito
encaminhar o processo de aquisição do
especial entre as crenças epistemológicas
conhecimento
dos professores e os estilos pedagógicos
aprendizagem, apresentam basicamente
que adotam, o que pode ser percebido
três formas:
Gimeno
quando
Sacristán
eles
(2000)
desmacaram
ou
processo
de
suas
38
As formas de encaminhamento da aprendizagem por parte dos professores a partir do cotidiano da sala de aula Formas Relações Conteúdos Métodos Relação professor/aluno Representação Aprendizagem
Resultado
Empirista
Já está pronto.
Já está pronto.
Construtivista (interacionista ou dialética) Construído.
Transmissão de conhecimentos. Pedagogia centrada no professor- ele é um transmissor. S O
Livre, o aluno escolhe Organizado a partir o que vai aprender. das ações de ambos. Pedagogia centrada Relação dialética. no aluno- o professor é um facilitador. S O S O
Submissão aos estímulos do professor, o aluno é visto como tábula rasa, o conhecimento é aistórico. Alunos passivos repetidores de conhecimento cientificamente comprovados.
Ações espontâneas, É construída a partir insights perceptivos. da inter-relação entre os sujeitos e o meio.
As conclusões de Becker1, levam-no a denunciar que: a epistemologia subjacente ao trabalho docente é a empirista e de que só em condições 1
Apriorista
Alunos perdidos no Alunos críticos que excesso de liberdade interagem com os da ação. conhecimentos com base em uma relação de respeito- equilíbrio entre liberdade e autoridade. especiais o docente afasta-se dela para buscar fundamentação na epistemologia apriorista voltando a ela assim que a condição especial tiver sido superada. Muito raramente detectam-se momentos de
Ler Becker, A epistemologia do professor: o cotidiano da escola. Petrópolis: Vozes, 1996a.
39
verdadeira construção. (Becker, 1996b, p. 34)
que
fundamentam
a
sua
prática
pedagógica.
A conclusão a que chega Becker, após acompanhar o cotidiano da sala de aula nos dois níveis da escolaridade no
Em busca de conceitos: definindo metodologia
Brasil, reforça a análise que Gimeno Sacristán apresentou ao citar Young, porque a conexão entre as crenças epistemológicas dos professores e os estilos pedagógicos que adotam estão intimamente relacionadas e demonstram a impregnação
da
postura
“bancária”,
fundamentada no autoritarismo e na mera transmissão de conteúdos, que concebe o conhecimento como verdade acabada e
Para Marques (1999, p. 80), “o método indica quais serão os papéis do professor e do aluno. Indica, portanto, uma postura a ser adotada.” Freire (2001b) diz que “ensinar exige rigorosidade metódica.” E é um dos saberes necessários à prática docente. Veiga Neto define metodologia como a “forma” na qual os conteúdos são ensinados. Pois:
não permite a emancipação do sujeito. Arroyo (2000), Freire (2000-2001a, 2001b), Gimeno Sacristán; Péres Gomes (1998),
entre
outros
defendem
a
necessidade da apropriação da teoria por parte do professor, porque as mudanças preconizadas pelas leis, e pelos modelos curriculares só poderão ocorrer se os professores se apropriarem da teoria que as sustenta e reverem os pressupostos
Quando se fala em conteúdos, é preciso entender que aí estão incluídos tanto os conteúdos propriamente ditos, isto é, a substância do que é ensinadoquanto a forma como esta substância é ensinada- o que se costuma referir sob a denominação de metodologia. Portanto, falar sobre currículo é falar, ao mesmo tempo, sobre os conteúdos, os métodos de ensino e a avaliação. (1996. p. 24)
40
esgota na leitura de um livro, de um texto, Dessa forma, a metodologia ocupa um
ou do término de um curso, a relação
espaço dentro do currículo escolar que
dialética entre ensino-aprendizagem, na
carece de uma conexão interativa entre
qual, um existe na complementariedade
conteúdos e avaliação, pois a definição de
do outro, ou seja, só existe ensino se há
“como” trabalhar os conteúdos ou como
aprendizagem e esta só ocorre se houver
avaliá-los pertence a uma órbita muito
ensino, uma não existe sem a outra. É
maior. Não bastam técnicas dinâmicas,
nesta
criativas, inovadoras, se eu, enquanto
mantemos em eterno processo de ensino-
professor
aprendizagem, por isso:
continuo
preso
a
uma
epistemologia que acredita que o meu
procura
permanente
que
nos
é fundamental que, na prática da formação docente, o aprendiz de educador assuma que o indispensável pensar certo não é presente dos deuses nem se acha nos guias de professores que iluminados intelectuais escrevem desde o centro do poder, mas, pelo contrário, o pensar certo que supera o ingênuo tem que ser produzido pelo próprio aprendiz em comunhão com o professor formador. (2001b, p. 43)
aluno é determinado pelo meio, que ele é um objeto a ser lapidado, ou se penso que ele nasce predeterminado, que nasceu geneticamente determinado. A metodologia, os caminhos que eu vou escolher para percorrer necessitam ter em consideração as premissas que orientam a minha postura profissional no mundo e para com o mundo o que, para
Neste
Freire (2001b), significa reconhecer que a educação é ideológica, que não posso estar de luvas nas mãos constatando apenas. A consciência do nosso inacabamento como pessoas nos possibilita a busca permanente pelo aprender, que não se
entre
processo
professor-aluno
de
construção surge
a
necessidade de “reflexão crítica sobre a prática”, para que a nossa postura supere a ingenuidade de acreditar-nos detentores do conhecimento e das suas aplicações práticas. Pois: 41
a grande tarefa do sujeito que pensa certo não é transferir, depositar, oferecer ou doar ao outro, tomado como paciente de seu pensar, a intelegibilidade das coisas, dos fatos, dos conceitos. A tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo como ser humano a irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando com quem se comunica e a quem comunica, produzir sua compreensão do que vem sendo comunicado. (2001b, p.42) Depois de refletirmos sobre a nossa prática e buscarmos diminuir a distância entre o que dizemos e o que fazemos,
duplo sentido de ir e vir. Assim, todas as técnicas (dinâmicas de grupo), e recursos físicos (ferramentas de apoio), que forem utilizadas com o intuito de estabelecer a riqueza da comunicação entre professores e alunos serão sempre bem-vindos em uma pedagogia que busca a construção do conhecimento. Todavia, dizem as escrituras que não podemos
atender
a
dois
senhores,
portanto como professor ou professora, faz-se mister definir a minha postura político-pedagógica.
então poderemos encontrar métodos que A modo de síntese
contribuam para equacionar o diálogo entre professor e aluno. Para Arroyo (2000), ao referir-se a nossa
humana
docência
revitaliza
a
importância do “como”, um “como” que carece de compromisso, de afetividade, de respeito, de criticidade, de tolerância, de ética, de curiosidade, de pesquisa e de rigorosidade metódica nas palavras de Freire (2001b), mas também um “como” que encontre um caminho para o diálogo, não uma via de mão única, mas com um
Durante todo o texto, que foi produzido com base em uma reflexão sobre a contextualidade da nossa prática acadêmica ora como aluna ora como educadora,
cabe
tentar
sintetizar
o
redemoinho de conceitos e fundamentos que percorrem os caminhos da escola, seja pública, privada, de nível básico seja superior. Tendo a história não como uma simples evolução natural, mas como uma 42
construção realizada pela ação de seus
constatar por ocasião da pesquisa interna
sujeitos, o quadro síntese que agora
feita entre os professores do Centro
apresento
de
Universitário Franciscano, no ano de
simplificar a longa discussão que a
2003, quando foram consultados sobre os
Filosofia, a Psicologia, a Pesquisa, a
temas que acreditavam ser importantes
Pedagogia e o Currículo têm desenvolvido
para
ao longo desta trajetória histórica. Posso
profissionais.
não
tem
a
pretensão
a
sua
qualificação
enquanto
afirmar que a pretensão passa pela
Penso que a pesquisa realizada
provocação para que mais educadores e
pode ser objeto para estudos futuros, nos
educadoras parem para estabelecer as
quais cada um de nós, professores e
co-relações entre estas ciências que ao
professoras, poderá aprofundar os temas
longo dos anos insistiram, por força
em questão. Cabe ressaltar que esta
teórica em se manterem separadas. Fala-
preocupação não é apenas local, pois
se tanto em interdisciplinaridade2, ou mais
muitos são os programas e as publicações
em transdisciplinaridade, pois sim, creio
que se voltam para este tema.
que é este o nosso desafio: transpor as barreiras das disciplinas. A sistematização do conhecimento humano tem sido uma preocupação de
Como, segundo este mesmo autor, o homem é um ser de relações, apresento para reflexão e discussão o quadro que segue:
muitos estudiosos, o planejamento, a metodologia, as relações professor-aluno e a avaliação são temas que rondam as práticas pedagógicas, e isto se pôde
2
Ler Lück, Heloisa. Pedagogia Interdisciplinar, 1995. Ela fala da realidade fragmentada e da necessidade de transpor estes limites para chegar na transdisciplinaridade.
43
As relações entre os campos epistemológicos, filosóficos, investigativos, pedagógicos, curriculares e sociais Tendências pedagógicas Libâneo (1986)
Liberal Tradicional Tecnicista
Saviani (1981)
* Humanismo tradicional.
Liberal Renovada progressista Renovada não-diretiva Progressista Libertária Humanismo moderno.
Progressista Libertadora Crítico-social dos conteúdos
Dialética.
Campos do conhecimento Epistemologia Empirista Apriorista Dialética Fernando Becker S O S O S O (1986) Filosofia Positivismo Fenomenologia Marxismo (Triviños, 1987) Teorias curriculares Tradicional Críticas Críticas (Tomaz T. da Silva) Pós-críticas Paradigmas Linear Circular consensual Dinâmico-dialógico curriculares (Domingues, 1986) Pesquisa Empírico-analítico Histórico-hermenêutico Praxiológico (Habermas,1982) Dimensões Trabalho Linguagem Poder fundamentais da vida humana (Habermas, 1982) Interesses humanos Controle técnico Consenso Emancipação (Habermas, 1982) * O quadro foi construído a partir do estudo dos autores referendados, as relações entre as tendências pedagógicas e os demais campos do conhecimento obedecem à lógica das relações entre sujeito e objeto, ou homem e mundo.
Descartes (1637), ao escrever o seu
aparecem em forma pura, mas com
clássico Discurso do método, dizendo que
características particulares, muitas vezes
empregaria toda sua vida para cultivar a
mesclando aspectos de mais de uma linha
razão e progredir tanto quanto fosse
pedagógica.(PCNs, vol 1, 1997, p. 39)
possível, no conhecimento da verdade,
Esta mescla de linhas pedagógicas
segundo o método que lhe havia prescrito,
é provocada pela apropriação desprovida
estabeleceu a direção na busca da
de uma reflexão teórica sobre a evolução
exatidão das ciências que permeou os
destas tendências e os seus fundamentos
séculos
conseguindo
conceituais, não que aqui se defenda a
apenas a partir da metade do séc. XX
mera teorização, pois a ação deve vir
solidificar as críticas a este modelo
acompanhada
fragmentado e possuidor de verdades
reflexão-ação-reflexão sobre a prática, o
absolutas.
que evitaria estar sobre o domínio da
subseqüentes,
A educação como um grande campo de conhecimento que recebe a influência da transversalidade das ciências criadas e debatidas pelo homem, recebe de todos as direções, as informações que vão constituindo a sua forma. Este dado fortalece professores
a
indefinição e
que
professoras,
nós, temos
vivenciado com relação às pedagogias, com a intenção que lhe atribuímos na prática educativa, porque: As tendências pedagógicas que se firmam nas escolas brasileiras, públicas e privadas, na maioria dos casos, não
de
um
processo
de
visão pedagógica que acredita que: a ação vem depois que nossa mente souber o que fazer e porque fazer. Em realidade, na vida nossa de cada dia, e das crianças e adolescentes e até adultos aprendemos antes ou concomitantemente a fazer, a intervir do que a entender conceitual e mentalmente o que e por que estamos fazendo e intervindo. Matrizes pedagógicas diversas que temos o direito e o dever de conhecer como docenteseducadores e que poderão trazer outras sensibilidades à nossa docência. (Arroyo, 2000, p. 117).
As matrizes pedagógicas as quais se refere
Arroyo
(2000)
extrapolam
o
conhecimento didático-pedagógico e vão até o convívio do cotidiano escolar, levando este autor aos pressupostos freireanos e propor a necessidade de conhecer o “subsolo comum da nossa humana docência”, já que Freire vinha alertando
para
a
necessidade
de
recuperar a humanidade perdida. Bibliografia ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação. São Paulo: Moderna, 1996. ARROYO, Miguel. Ofício de mestre: imagens e auto-imagens. Petrópolis: Vozes, 2000. BECKER, Fernando. A epistemologia do professor: o cotidiano da escola. 4.ed. Petrópolis: Vozes, 1996. _______. Pensando a construção do conhecimento. In: MORAES, Vera Regina Pires (Org.). Melhoria de ensino e capacitação docente: programa de aperfeiçoamento pedagógico. Porto Alegre: Ufrgs, 1996. BRASIL/ SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais, vol. 1, Brasília: MEC/SEF, 1997.
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SILVA, Thomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução as teorias do currículo. 2. Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
47
Reflexões sobre a prática docente no ensino superior Maria Bernadette Castro Rodrigues Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Um sonho: alegria cultural
Primeiramente meu agradecimento a esta instituição pelo convite e a
O aluno
confiança na abordagem de temática
Como começar? Um personagem
tão instigante - a prática docente no
importante
ensino superior. Instigante porque, ao
acadêmico é preenchido por centenas
refletir com vocês, estarei também
de alunos. São eles a razão do nosso
refletindo sobre minha atuação, estarei
fazer pedagógico. A eles desejamos
me
e
que sejam felizes durante os anos em
educadora. Será inevitável o resgate
que estão na universidade. Compartilho
das
venho
do sonho de Georges Snyders (1995,
acumulando no exercício docente no
p. 10) “meu sonho é que a universidade
ensino
uma
seja vivida ao mesmo tempo como
evocar
formação profissional e como alegria
episódios de minha trajetória para
presente”. Trata-se de uma alegria
apoiar e ilustrar as reflexões aqui
cultural contemplando o entusiasmo, a
sistematizadas.
curiosidade,
expondo
como
experiências
superior.
abordagem
Sem
pessoal,
professora
que
fazer tento
-
o
a
aluno.
O
disposição
espaço
para
o
estudo, a investigação, ou seja, trata-se de
um
eixo
desenvolvimento
relevante cultural.
do Uma
pergunta a ser feita para cada um de 48
nós: estamos trabalhando com alunos
burocrática e tornar cada grupo de
felizes? Anterior a essa talvez haja
aluno em um grupo/turma peculiar?
outras perguntas: O que sabemos sobre os alunos que freqüentam o
O projeto acadêmico do curso
curso? Por que optaram por esse
Importante que nós, professores,
curso? Quais suas expectativas?
sejamos
Entendo que ao pensar essas
incomodados
rotina/rotineira
e
com
façamos
a dos
questões somos impelidos a refletir
encontros, das aulas, momentos de
sobre
alegria. Para tanto, é indispensável
a
rotina
de
nossa
prática
docente. Súmulas, planos de ensino,
tentarmos
distribuição
porque estamos em sala de aula
de
encargos
docentes,
responder
reunidos,
sala
ou
Busquemos as finalidades do ensino
anualmente, novos grupos de alunos.
superior e, em especial, do curso de
Um cenário bem conhecido. Rotina
Pedagogia. Quais as finalidades desse
inevitável. Entretanto, no corre-corre e
curso? Em que consiste a formação de
no
exigências
professor? Provavelmente a resposta
burocráticas, o aluno e sua identidade
está no projeto acadêmico do curso.
ficam em segundo plano, ou pior
Entretanto, cada professor e cada
esquecidos e desconsiderados. E aí,
aluno precisam pensar sobre, “ensaiar”
estamos diante de alunos e o que
(no sentido de exercitar) respostas para
fazemos para torná-los participantes do
essas questões. O projeto acadêmico
processo
precisa
aula.
Semestralmente
cumprimento
de
das
ensino-aprendizagem?
e
pergunta:
hora de lançar os conceitos (ou notas), de
alunos
à
ser
professor?
retomado
Estamos percebendo cada aluno, sua
permanentemente,
individualidade?
estamos
efetivamente do curso. Onde está este
fazendo para romper com a rotina
documento? Como torná-lo acessível?
O
que
para
tornar-se
49
Quem participou (ou participa) de sua
empirista, ao conceber o conhecimento
elaboração?
como
Como vocês, sou professora em um
curso
que
forma
professores.
aistórico,
pedagogia
fundamenta
centrada
no
uma
professor,
detentor do saber, preocupado com a
Acredito que defendemos a formação
transmissão
de professores críticos, conhecedores
epistemologia
da área de atuação, engajados na
conhecimento se produz porque há no
melhoria do (con)viver em coletividade.
indivíduo uma capacidade interna inata
Se
essas
(a priori) e, conseqüentemente, recai
perguntar-nos
em uma Pedagogia centrada no aluno,
quais têm sido nossas ações, nossa
em suas ações espontâneas e seus
prática docente em direção a esses
insights. Na epistemologia genética de
fins. Isso alia-se à seguinte questão:
Jean Piaget o conhecimento não está
Quais
sobre
no sujeito nem no objeto e sim, ele
conhecimento e aprendizagem? Se
resulta da interação do sujeito com o
conhecimento não é algo dado, não é
objeto. A interação do sujeito, agindo e
acúmulo de informações e, ainda, se
sofrendo a ação do objeto, permitirá
aprendizagem
de
que ele construa e produza seu próprio
informações na cabeça do outro, como
conhecimento. Conseqüentemente, a
vêm
prática pedagógica será basicamente
concordamos
finalidades,
podemos
nossas
concepções
não
sendo
conceitos?
com
é
depósito
concebidos
Como
um
esses
grupo
de
relacional,
do
conhecimento.
exigindo
apriorista
um
Na o
professor
professores, atuando em uma mesma
problematizador diante da ação do
instituição, cria espaços para que
aluno. Daí a importância de refletirmos
sejam
questões?
acerca de nossas concepções, pois a
Afinal, sabemos que o modo de ensinar
opção (nem sempre consciente) por
está
uma determinada epistemologia recairá
discutidas
vinculado
epistemológico.
essas
a A
um
modelo
epistemologia
no modo de ensinar. 50
podem ser feitas de uma súmula! O plano de ensino
Explicitadas as finalidades da proposta
É importante que o aluno tenha
(o que e para que), a escolha de
conhecimento do plano de ensino.
estratégias
Entretanto, é pertinente perguntarmo-
facilitada. As referências bibliográficas
nos se os objetivos da disciplina estão
são fonte para o reconhecimento de
compatíveis
finalidades
quem as lê sobre as escolhas, sobre as
expressas no projeto acadêmico do
abordagens e, principalmente, acerca
curso. Quais os vínculos da disciplina
dos fundamentos que embasam a
com
com
esse
aprendizagens
as
e
recursos
é
tarefa
projeto?
Quais
proposta. Costumo sugerir aos alunos
estão
sendo
que façam a leitura de um plano
priorizadas? Pretensões à parte, qual o
começando pela bibliografia.
conteúdo programático proposto? A
Entendo que aí reside a riqueza
articulação está sendo contemplada? A
cultural da academia. A pluralidade de
proposta está adequada ao tempo?
planos de ensino, a pluralidade de
Estratégias
professores e suas convicções,
e
recursos
estão
explicitados? A bibliografia é adequada
pluralidade
de
e atualizada? E a avaliação? Quais os
convicções
geram
critérios
efervescente de saberes. Perseguir a
explicitados?
Por
estas
alunos um
perguntas refaço os procedimentos que
formação
crítica
supõe,
adoto
entender,
viver
esse
para
elaborar
semestralmente,
os
e
revisar,
planos
das
e
a
suas
ambiente
no
meu
ambiente
acadêmico.
disciplinas sob minha responsabilidade. A avaliação
A partir da súmula (ou ementa) da disciplina, cabe a cada professor a
Prioritariamente, como professores,
elaboração do plano. Quantos rumos
precisamos atentar para o desenrolar
podem ser tomados! Quantas leituras
da
disciplina,
compreendendo
a 51
avaliação como imprescindível na ato
Desde minha primeira experiência
de planejar e organizar o fazer. Manter
profissional,
um
conceitos
acompanhamento
permanente,
com como
o
sistema
de
representação
do
recolhendo nos alunos os indicativos
aproveitamento ou desempenho dos
dos efeitos do trabalho pedagógico
alunos.
proposto. As tarefas propostas aos
aprendizagens,
a complexidade do
alunos,
processo
aprender,
conseqüentemente,
servirão
Difícil
de
reduzir
as
em
um
como material investigativo para o
arremedo de abecedário. Resisto e não
professor,
as
adoto a relação notas e conceitos, pois
aprendizagens feitas, as necessidades
entendo que tanto o uso de notas como
de melhoria na proposta de trabalho, as
o uso de conceitos exige indicadores
necessidades de aprofundamento em
avaliativos. O que pode definir uma
determinadas abordagens. Por isso
nota 7 e não 9? Ou ainda, o que define
entendo que, no decorrer da disciplina,
um conceito B e não C? Por exemplo,
o
retornos
em uma instituição que oferece aulas
imediatos sobre as tarefas realizadas,
presenciais os indicativos avaliativos
contendo
como
aluno
podendo
deve
detectar
receber
pequenos
pareceres
e
freqüência
e
assiduidade
e
evitando o uso de notas e conceitos.
pontualidade podem ser considerados
Se a divulgação de conceitos ou notas
para definição de conceitos ou notas.
é feita ao final da disciplina, não há
Outro exemplo pode ser o indicativo -
razão para sua emissão no decorrer do
consistência teórica. Manter registros,
processo.
observar
Entendo
que
proceder
se
o
aluno
suas
emitindo notas e conceitos parciais é
manifestações
desmerecer a importância do processo
apresenta
avaliativo,
argumentação teórica, utiliza-se de
tornando-o
banal
mesquinho em cálculos e médias.
e
orais
em
e/ou
escritas
posicionamento
crítico,
exemplos, estabelece relações com leituras e estudos anteriores e com 52
O tempo acadêmico
outras disciplinas. Enfim, defendo que nós,
professores,
da
O número de créditos de uma
disciplina, devamos apresentar para os
disciplina, resulta em um limitador. Há
alunos, os critérios de avaliação e
tanto a ser “trabalhado” em tão pouco
como
considerados
tempo! O que fazer? Primeiramente,
indicadores na definição dos conceitos
cabe a nós, professores, admitirmos a
e/ou notas. Obviamente, esses critérios
arbitrariedade
estarão sintonizados com o projeto
conteúdos, ou seja, admitirmos que o
acadêmico do curso.
“recorte”, a escolha do que será ou não
esses
no
serão
início
abordado,
na
seleção
consistem
em
de
uma
O espaço acadêmico
parcialidade ideológica. Parece-me que
Os estudos promovidos em cada
a nossa tarefa reside em um estado de
disciplina devem extrapolar os limites
alerta
da sala de aula. Devem levar os alunos
percamos as razões da seleção feita.
à consulta, à investigação, à procura do
Cito Raymond Williams (apud Silva,
saber,
espaço
1992, p. 80) que denominou tradição
acadêmico é a sala de aula, o corredor,
seletiva àquilo que vai, no decorrer do
a biblioteca, o auditório, a cantina, o
tempo sendo cristalizado, tornando-se
laboratório, o museu, a escola visitada,
alternativa única, àquilo que no início
a internet, enfim, aonde os estudos
não passava de uma seleção particular
levarem
e arbitrária de um campo muito mais
dos
os
saberes.
alunos,
O
o
espaço
permanente
que
amplo
desafio está em extrapolar a sala de
colocação incita algumas questões:
aula
Quais os fundamentos de nossas
desafiadoras.
propostas
instigantes,
possibilidades.
não
acadêmico estará sendo ampliado. O
com
de
para
Esta
escolhas? Estamos rompendo com a tradição seletiva? De que forma? Em suma, é relevante reconhecermos que 53
a definição, a seleção do que é
conhecimento produzido. Para além da
considerado
transmissão
conhecimento,
particularmente,
como
e sendo
devemos
propor
a
produção, a criação. É importante
conhecimento escolar, não é um ato
lembrar
de
que,
como
atividade
sem intenções ou imparcial.
humana e social, também a pesquisa
Sujeita à tradição seletiva, além
traz consigo a carga de valores,
dos conhecimentos de uma disciplina,
preferências, interesses e princípios
está também a seleção das disciplinas
que orientam quem pesquisa.
e ementas que constituirão o curso e o
forma, o pesquisador irá propor suas
tempo necessário para cada uma e
pesquisas
influenciado
para o curso em seu todo. Evitar ao
pressupostos
que
máximo a fragmentação do tempo pode
pensamento.
Desta
pelos
orientam
seu
ser um caminho para a constituição de Sonho possível?
uma proposta mais integrada. Se
estou
sendo
prescritiva
A investigação
demais, peço desculpas. Sem colocar-
Entendo que a iniciação científica,
me com a verdade, com o certo,
no âmbito da graduação, é tarefa
pretendo deixar meu ponto de vista.
inevitável.
Destinar
Um ponto entre milhares de outros,
específicas
como
disciplinas introdução
à
como já manifestei, que vem sendo
pesquisa, não basta para atender ao
constituído ao longo de minha prática
eixo relevante que a investigação deve
como docente no ensino superior.
ocupar nos currículos universitários. A
Acredito no sonho possível, acredito
postura
estar
que a vida na universidade pode ser
presente em todas as disciplinas. A
bem mais do que uma passagem para
pesquisa deve atrelar-se ao ensino e
os alunos, objetivando a obtenção
suas
rápida de um título. Pode ser um tempo
investigativa
relações
deve
constituindo
o
54
e um espaço de aprendizagens e de muita alegria cultural. Penso que há
ensinar quanto mais sujeitos e não puros objetos de processo nos façamos.
pistas básicas para que possamos chegar perto (e talvez até concretizá-lo em sua plenitude) desse sonho.
Parece-me continuarmos
que,
enquanto
admitindo
nossa
condição de inacabados, estaremos O trabalho em equipe
perseguindo
O trabalho em equipe é uma das pistas.
Reuniões,
trocas
o
aperfeiçoamento,
a
capacitação de nossa formação. Não
de
se trata de mais um título a ser obtido,
experiências, avaliações sistemáticas.
trata-se sim, de uma necessidade de
É preciso que haja uma estrutura que
busca.
permita que cada uma das disciplinas e
coordenadores do trabalho pedagógico
níveis
– um ofício complexo e exigente.
estabeleçam
comunicação,
criar
canais
de
espaços
que
Somos nós, docentes, os
Haverá
características/
qualidades
permitam o trabalho em equipe, que
indispensáveis para aqueles e aquelas,
tornem possível levar a efeito um
que como nós, optam pela docência?
trabalho interdisciplinar. Romper com a A participação
tradição do trabalho individual.
Tanto docentes quanto alunos, O nosso ofício No
livro
Pedagogia
à medida em que forem participando de da
autonomia (1996), Paulo Freire nos diz: não tenho dúvida nenhuma de que, inacabados e conscientes do inacabamento, abertos à procura, curiosos, “programados”, mas para aprender, exercitaremos tanto mais e melhor a nossa capacidade de aprender e de
propostas
curriculares
integradoras,
irão aprendendo a debater, refletir em equipe
e
a
negociar,
democraticamente, tarefas e formas de efetivá-las.
55
A formação de professores Formar professores é finalidade primeira
do
nosso
trabalho.
Em
especial, são alunos e alunas do curso que já atuam como professores. Pode ser chavão, mas acredito na proposta de que viver o exemplo é ainda uma bom caminho. Para
encerrar,
penso
ser
apropriado lembrar de que a maneira de formar pessoas democráticas é propiciar a elas a condição de serem partícipes de instituições escolares com formas de funcionamento democrático. Bibliografia Citada FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. SNYDERS, Georges. Feliz na universidade: estudos a partir de algumas bibliografias. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. SILVA, Tomaz Tadeu da. O que produz e o que reproduz em educação: ensaios de sociologia da educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.
Indicada ARROYO, Miguel G. Ofício de mestre: imagens e auto-imagens. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2000. CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artmed, 2000. FREIRE, Paulo. Professora sim tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olha D’Água, 1993. MOREIRA, Antônio Flávio B. (org.) Conhecimento educacional e formação do professor. Campinas, SP: Papirus, 1994. MOREIRA, Antônio Flávio B. (org.) Currículo: questões atuais. Campinas: Papirus, 1997. PERRENOUD, Philippe. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens – entre duas lógicas. Porto Alegre: Artmed, 1999. ___________. Pedagogia diferenciada: das intenções à ação. Porto Alegre: Artmed, 2000. RODRIGUES, Maria Bernadette Castro. Inclusão, humana docência e alegria cultural como finalidades da prática pedagógica. In: ÁVILA, Ivany Souza. (org.) Escola, sala de aula, mitos e ritos: um olhar pelo avesso do avesso. Porto Alegre: Ufrgs. (No prelo). SACRISTÁN, J. Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000. 56
SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e interdisciplinariedade: o currículo integrado. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. VASCONCELLOS, Celso dos S. Planejamento: projeto de ensinoaprendizagem e projeto políticopedagógico. 6. ed. São Paulo: Libertad, 1999. 205 p. (Cadernos Pedagógicos do Libertad, 1).
57
Fundamentos da filosofia franciscana: relação com as finalidades desta instituição e sua prática educativa Iraní Rupolo Centro Universitário Franciscano
Introdução Neste
texto
maneira
interpessoais considerando a prática
pretende-se,
concisa,
de
destacar
componentes básicos do pensamento franciscano, especificidade ensino
considerando desta
superior
confessional;
e
a
instituição seu
sua
educativa. Algumas premissas e questões básicas conduzem a presente reflexão: 1)
O
Centro
Universitário
de
Franciscano expressa, em seu projeto
caráter
educativo e nas ações institucionais, os
concepção
antropológica em vista do compromisso
princípios fundamentais que professa. 2)
Os
princípios
institucionais
ético-social na formação de cidadãos
expressos nos documentos devem ser
capacitados a exercer em sua profissão
materializados
com dignidade e competência.
interpessoais e na sinergia dos diversos
Na organização desses elementos fundamentais, pretende partir-se de
nas
relações
órgãos e setores da instituição. 3)
As pessoas que compõem a
uma reflexão inicial sobre os conceitos
comunidade universitária são o vetor
centrais do tema em epígrafe, sua
mediante o qual se torna concreta a
relação com a concepção antropológica
filosofia institucional.
e
as
implicações
nas
relações
4)
Como romper com estruturas
pessoais e institucionais que dificultam 58
a relação pensamento e princípios
interpessoais guiadas pela simplicidade
institucionais
e
e o respeito. Manifesta uma forma de
franciscano
relacionamento em que as coisas não
ambiente/relacionamento entre as pessoas? 5)
se interpõem nem criam barreiras, mas
Proposições práticas para a
consecução das metas propostas.
permitem espaço para a comunicação direta e franca em que a pessoa se percebe integrante e dependente da
Princípios fundamentais da
realidade/natureza,
filosofia franciscana
na
concepção
os
pessoas.
pessoa
A fraternidade, elemento chave do
humana a partir de São Francisco de
projeto franciscano, está solidamente
Assis. Os aspectos que marcam mais
assentada na verdade teológica de que
fortemente
e
Deus é Pai e os seres humanos são
constituem elementos básicos da visão
seus filhos e, portanto, são irmãos entre
franciscana são:
si. O tratamento de Francisco de Assis
esse
da
com
demais seres existentes e com as
A filosofia franciscana tem sua origem
ligada
entendimento
a) Fraternidade: Elemento original
a seus seguidores é o de irmão. Os
no contexto da mentalidade medieval
textos em que ele se dirige aos seus
na qual viveu Francisco de Assis. Ideal
companheiros chamando-os de irmãos
de
são numerosos. A organização, na vida
ordem
social
franciscana,
a
fraternidade criou uma nova dinâmica
franciscana
do elo social: a irmandade. O conceito
relações fraternas e não hierárquicas. A
de
à
fraternidade leva ao uso democrático
essência do pensamento franciscano.
dos bens e do poder. A autoridade não
Ela é forma vitae dos seguidores de
é exercida como poder que domina,
Francisco de Assis. Expressa o modo
mas como serviço.
da
fraternidade
presença,
está
das
vinculado
se
estabelece
sobre
relações 59
b) Pobreza/partilha: Francisco de
fraternidade.
Fundamentalmente,
a
Assis fez a experiência da posse dos
pobreza não consiste em não ter, ela é
bens
antes de tudo, a capacidade de doar
e
da
sua
perda
absoluta,
introduzindo um elemento novo na vida
bens pessoais ou materiais.
social da Idade Média, um novo sentido
No franciscanismo, a pobreza vai
da pobreza: saber repartir. Elemento
além da repartição dos bens. Seus
complementar
a
seguidores se desapropriam de coisas
pobreza é entendida como uma postura
naturais como da posse individualista
pessoal de liberdade. O valor da
das capacidades pessoais. Os escritos
igualdade, do trabalho solidário, a
franciscanos orientam que “de nada se
rejeição à riqueza alienante e do poder
apropriem nem casa nem lugar nem
opressor, a partilha dos bens não são
coisa alguma” (II Regra 6.1).
da
fraternidade,
atitudes de modismo. Elas constituem expressão
de
costumes
e
de
c) Trabalho: O trabalho relacionase, em seu ponto de origem, com a
manifestações culturais recolhidas por
pobreza,
Francisco de Assis da vida do povo. Ele
sobrevivência, de compromisso com os
as apreendeu e as traduziu a partir do
mais necessitados e de realização
seu carisma particular.
humana.
Embora
Francisco
não
tenha
proposto mudanças na vida social de
com
uma
forma
de
Francisco de Assis expressa em seu testamento:
seu tempo, pode, seguramente afirmarse que seu modo de vida contrastou com as relações econômicas e sociais da Idade Média que deram origem ao capitalismo e contrastam frontalmente com a fraternidade. Por isso, a partilha dos
bens
é
indissociável
da
Eu trabalhava com minhas mãos e quero trabalhar. Eu quero firmemente que todos os irmãos se ocupem num trabalho honesto. E os que não souberem trabalhar o aprendam, não por causa de receber salário, mas por causa do bom exemplo e 60
para afugentar a ociosidade... a fim de que não se tornem um fardo para o povo. Não exerçam ofício algum que possa causar escândalo. O
conceito
de
trabalho
está
ao comércio, à justiça ou às finanças não eram permitidas. Na concepção medieval, o trabalho não era apenas instrumento necessário à
sobrevivência,
mas
punição
do
relacionado à compreensão cultural da
pecado original, pensar em trabalho
época.
era
apenas para a subsistência era, no
escravos,
mínimo, uma atitude inovadora. E a
enquanto só os homens livres gozavam
idéia de Francisco em relação ao
do
trabalho não era em primeiro lugar a de
O
trabalho
considerado
privilégio
tarefa
de
manual de
exercer
atividade
intelectual. Neste contexto, Francisco
produção,
de Assis desenvolveu em seu grupo
ociosidade e incentivar a desenvolver a
novas relações de trabalho. Rompeu
dignidade da pessoa.
parâmetros sociais e contestou de
senão
Assim,
não
a
de
evitar
cabe
a
também,
maneira pacífica, não porém, sem
conforme este ideário, a categorização
dificuldade,
sociais
do trabalho, ou seja, a atribuição
vigentes. Trabalhavam ele e seus
distinta de valor por trabalho manual e
seguidores,
trabalho
sempre
os
em
para
a
padrões
ofícios
diversos,
subsistência,
sem
intelectual,
conhecimento
não
pois
devia
o
constituir
pretensões de acumular riquezas. Não
elemento de poder. O trabalho libertado
lhes era permitido receber dinheiro
da visão mercantilista ou produtivista
pelos
a
quer facilitar o sentido do tempo para a
recompensa/pagamento devia ter a
convivência, à comunicação, à música,
medida da necessidade de cada um.
à arte, todo um mundo de expressões
Havia funções incompatíveis com sua
humanas
visão de trabalho: as atividades ligadas
encerra uma concepção de rejeição do
trabalhos,
pois
relegadas.
Essa
atitude
poder opressor do feudalismo e das 61
relações
estabelecidas
por
esse
A paz não é um sentimento para
sistema. É um contraponto às relações
ser
sociais vigentes e desencadeia nova
individualista. É resultado de uma forma
concepção do trabalho.
compartilhada de vida. Não é possível
d)
Paz:
No
cenário
vivido
de
forma
intimista
ou
pessoal,
viver a paz solitária. Ela diz respeito
familiar, social e político em que a
aos outros. A paz e o respeito aos
hostilidade está manifesta e palpável, a
direitos humanos são indivisíveis e
proposta de paz é acolhida como um
comuns a todos. A cultura de paz está
desejo individual e de grupos. O
intimamente ligada ao desenvolvimento
caminho é o cultivo da espiritualidade:
e
“a paz que desejam aos outros brote
desenvolvimento não se sustenta da
espontânea do coração de vocês”.
mesma
O cultivo da espiritualidade propicia harmonia e equilíbrio para lidar com
à
justiça
social.
Sem
maneira
paz,
que,
o
sem
desenvolvimento e justiça, não há paz. A cultura de paz requer rigorosa
situações normais ou adversas. Educa
mobilização
reflexiva
e
prática.
para o domínio da palavra, dos gestos
Poderíamos propor a seguinte questão:
e do agir. O desejo de paz está
Acaso, não é melhor um mundo em que
associado à ação: paz e bem. O desejo
reine a paz e não a guerra?
de paz é intrínseco à natureza humana.
e) Alegria: O coroamento dos
Na cultura cristã faz parte da tradição
componentes anteriores da filosofia
bíblica. O livro de Números, cap. 6 diz:
franciscana se enuncia pela alegria. A
“O Senhor te abençoe, O Senhor te dê
vida franciscana é expressão simples e
a paz”. E o Evangelho expressa:
alegre.
anunciem
ao
observada em obras de arte que trazem
com
temas do pensamento franciscano bem
a
encorajamento:
paz
e
incentiva
a
paz
esteja
vocês, não tenham medo!
como
Essa
atitude
traduzem
pode
integração
ser
de
elementos, cores, formas e harmonia. 62
Francisco recomendava aos irmãos
acadêmica que, de modo rigoroso e
que vivessem alegres, como pessoas
crítico, contribui nas diferentes áreas de
satisfeitas e amáveis. (RNB 7, 15).
conhecimento, para a defesa e o
Como pessoas livres, que interagem
desenvolvimento da dignidade humana,
com respeito e cortesia. A alegria
para a preservação da herança cultural,
espontânea
uma
mediante a investigação, o ensino e a
psicologicamente
divulgação do saber. Concebe-se e
brota
personalidade
de
equilibrada,
reconciliada
organiza-se
como
instituição
ontologicamente e livre espiritualmente.
educacional de produção e divulgação
Manifesta-se no convívio simples do
do conhecimento, de promoção da
cotidiano, coerente com a concepção
cultura
de pessoa que dirige sua vida em
desenvolvimento
comunicação/comunhão/sintonia
social, em consonância com a filosofia
com
os demais seres originados do mesmo criador.
e
de
contribuição
no
técnico-científico
e
franciscana. Tem por finalidades: a) educar cidadãos oferecendo um lugar permanente para o aprendizado
Princípios expressos nos
superior e a busca da verdade e justiça
documentos institucionais
pelo exercício da ética e do rigor
O Centro Universitário Franciscano, não obstante gozar
científico em todas atividades;
de autonomia
b) contribuir para a formação de
administrativa e didático-científica, pela
cidadãos capacitados para o exercício
sua natureza, atua em consonância
profissional
com os propósitos educacionais da
investigação científica e dos ofícios
Mantenedora
profissionais
que
se
propõe
desenvolver a educação cristã. Como
instituição
de
da
docência,
correspondentes
da
a
diferentes áreas do conhecimento; ensino
superior, constitui uma comunidade
c)
promover
qualidade,
a
educação
contribuindo
para
de a 63
formação
de
profissionais
críticos,
c)
responsabilidade
no
capazes de se inserirem na sociedade
cumprimento de diretrizes, políticas e
para mudá-la;
normas institucionais;
d)
produzir
conhecimento
e
em
divulgar suas
o
diferentes
formas e aplicações, orientado para a
d)
transparência
decisórios,
nos
atos
na administração e na
aplicação de recursos;
preservação da vida, mantendo uma
e)
estreita relação de responsabilidade e
tratamento
compromisso com o desenvolvimento
necessidades próprias de diferentes
da região, do estado e do país;
atividades e/ou funções;
e)
desempenhar
a
função
flexibilidade
f)
e
de
equilíbrio
interesses
viabilização
de
no e
adequadas
prospectiva de percepção e análise das
condições de trabalho à realização
tendências da sociedade, ao exercer
profissional do corpo docente e técnico-
um papel preventivo de colaboração,
administrativo;
estabelecendo proximidade entre o que
g)
a instituição realiza e o que a sociedade
meios
dela espera.
administrativo e nas atividades de
O cargos
desempenho órgãos
e
recursos
execução
do
e
trabalho
ensino, pesquisa e extensão; h)
administrativa obedece aos princípios
esfera
de:
decisões de ordem acadêmica ou compromisso
de
funções
na
dos
estrutura
a)
em
de
otimização
com
o
respeito à ética e aos valores
de
da
competência
respectiva para
as
administrativa.
cumprimento da missão institucional; b)
observância
O Centro Universitário Franciscano de
Santa
Maria, suas
ao
procurar
professados pelo Centro Universitário
estabelecer
diretrizes
Franciscano;
pedagógicas para o ensino superior, buscou contemplar, dentro da inerência 64
de suas limitações e de sua efetiva capacidade, princípios
o
entrelaçamento
fundamentais
que
dos vêm
a)
Cultura de justiça, paz e
fraternidade. b)
orientando sua caminhada desde os
natureza.
primórdios de sua criação e dos
c)
Respeito ao ser humano e à
Fortalecimento
propósitos e preocupações assinalados
subjetividade
no texto do documento acima citado.
valores pessoais e institucionais.
Assim, as diretrizes pedagógicas
d) externas.
missão, de seus objetivos, metas e
e)
ações para o ensino, pesquisa e
qualificada.
a uma formação de qualidade que possa ser mensurável em relação às suas implicações para a qualificação permanente
e
o
compromisso
f)
descoberta
dos
Ética nas relações internas e
que orientam o estabelecimento de sua
extensão, foram idealizadas com vistas
na
da
Competência
profissional
Discernimento para o novo e
a mudança. g)
Compromisso com a geração
do conhecimento. h)
Compromisso
com
o
decorrente de sua função social na
desenvolvimento humano e o bem-
complexidade
estar social.
da
sociedade
em
mudança.
i)
Os princípios, que inspiram tais diretrizes,
são
fruto
de
estudo
sustentação. Diretrizes curriculares
e
institucionais
reflexão para aproximar a realidade institucional
dos
propósitos
educacionais
franciscanos.
Os
Compromisso com a auto-
Faz-se, a seguir, o destaque de algumas
diretrizes
pedagógicas
princípios fundantes que norteiam as
elaboradas em consonância com a
diretrizes pedagógicas da instituição
visão filosófica institucional e suas
são os seguintes:
finalidades. Em linhas gerais, essas 65
diretrizes
básicas
são
assim
enunciadas: a)
O
educação
e
profissionalização
permanentes. ensino,
a
pesquisa,
a
d)
As matrizes curriculares dos
extensão, a gestão institucional e o
cursos deverão expressar, de forma
acompanhamento
do
objetiva, a indissociabilidade entre o
serão
ensino, a pesquisa e a extensão.
desempenho
global
institucional
planejados e materializados a partir do
Expressar,
exame da realidade concreta de todos
indissociabilidade,
os segmentos setoriais e institucionais,
flexibilização curricular considerando a
com vistas à integração do trabalho
questão da cidadania, da ética e da
acadêmico e administrativo em seus
diversidade sociocultural, possibilitando
aspectos
ao aluno o desenvolvimento de suas
social,
político,
filosófico,
científico e econômico. b)
Os
ao
e
lugares
de
transitar
institucionais para a assimilação, a
conhecimento
socialização
instituição.
conhecimento
a
o
dessa
processo
de
reais potencialidades e a oportunidade
espaços
e
lado
produção
filosófico
e
do
técnico-
e)
A
entre
as
áreas
oferecidas
dinâmica
curricular
de pela
dos
científico deverão refletir concretamente
cursos deverá prever a introdução de
a
nacional,
novas formas de aprendizagem onde a
realidade
pesquisa e as atividades de extensão
internacional, almejando uma formação
constem do ensino de graduação,
profissional
objetivando
realidade
perpassada
sociocultural pela
consistente
com
os
desafios do mundo contemporâneo. c)
Os
cursos
de
graduação,
bacharelados e licenciaturas, serão estruturados de forma a ter um papel de formação inicial para o processo de
a
produção
do
conhecimento e a promoção de práticas socioculturais na comunidade em que o aluno está inserido. f)
A
gestão
acadêmico-
administrativa dos cursos será, antes 66
de
cultural.
contextualização concretas ao processo
Ocorrerá na mediação dialética entre o
de formação tanto dentro quanto fora
projeto político-pedagógico, o projeto
do espaço Institucional.
de
tudo,
pedagógica
auto-avaliação
e
e
o
Plano
de
h)
Os
estágios
curriculares,
Desenvolvimento Institucional. A gestão
conjunto de atividades teórico-práticas,
acadêmico-administrativa
pautar-se-á
deverão ser desenvolvidos por meio de
pelos princípios da gestão democrática:
Projetos de Estágio Integrados, a fim de
autonomia,
superar todo e qualquer distanciamento
participação
e
compromisso. g)
As
entre o pensamento e a ação e atividades
curriculares
promover a aproximação concreta com
complementares ofertadas pelos cursos
o
de graduação, respeitadas as diretrizes
formação universitária.
curriculares
nacionais
específicas,
campo
de
Essas
trabalho
diretrizes
objeto
da
pedagógicas
deverão ser previstas com o objetivo de
básicas vêm sendo implementadas,
suprir possíveis lacunas da estrutura
avaliadas, recriadas e aperfeiçoadas,
curricular, tanto em relação à formação
desde
básica quanto à formação diferenciada.
desenvolvimento
Este componente curricular deverá se
acadêmico-administrativas do Centro
preocupar em oferecer espaços dentro
Universitário Franciscano. No entanto,
e fora da dinâmica curricular formal ao
continuam a orientar o futuro próximo
desenvolvimento
da vida da instituição buscando:
atividades
conteúdos,
socioculturais
emergentes, renovada
de
ligados e
não
à
e
temas
atualidade
contemplados
a
criação e ao das
a) estruturar
longo
do
atividades
as
atividades
filosóficas e técnico-científicas de forma a
promover
previamente na estrutura curricular do
comprometidos
curso. Trata-se de estratégia curricular
sociocultural,
que
reflexivo ao crítico-criativo, tendo em
oferece
flexibilidade
e
com
profissionais a
conjugando
realidade o
senso
67
vista a apropriação, reelaboração e
maior e da área de conhecimento em
produção do saber, com base no
estudo,
avanço da ciência e no conhecimento
correlacionado
crítico da realidade;
produção do conhecimento;
b) entender
que
o
profissional
visando
ao
entre
d) incentivar
entendimento ambas
a
e
a
organização
formado sob essas condições estará
curricular que valoriza metodologias
consciente
e
formativas capazes de desenvolver nos
devidamente preparado para superá-
educandos a cultura investigativa e a
las, de modo individual e coletivo, a fim
postura
de construir um projeto de vida pessoal
indispensáveis para avançar diante do
e profissional centrado nos problemas
desconhecido;
de
suas
limitações
reais da sociedade;
a
formação
devidamente
de
profissionais,
preparados
para
a
com vistas à integração planejada e sistemática entre o ensino, a pesquisa e a extensão;
sociedade atual, requer uma dinâmica curricular
que
condições
e) criar componentes curriculares
c) entender que o compromisso com
proativa,
se
esmera
em
f) assegurar
na
organização
curricular dos cursos: formação integral
proporcionar ao seu corpo discente não
de
apenas
formação sobre a mera informação; a
a
oportunidade
de
uma
qualidade;
predominância
assimilação crítica do conhecimento e
flexibilização
das
interdisciplinaridade; a articulação entre
competências
e
habilidades
e
curricular;
da
científicas requeridas atualmente do
teoria
profissional com formação superior,
atividades
mas, ao mesmo tempo, a oportunidade
político-social;
de conhecer, dominar e pôr em ação
entre ensino, pesquisa e extensão.
metodologias investigativas apropriadas
Essas
para o conhecimento da realidade
nasceram,
prática;
a
a
promoção
educativas a
natureza
indissociabilidade
diretrizes no
de
de
pedagógicas processo
de 68
planejamento
do
crescimento
das
Educador é aquele que tem o
atividades desenvolvidas pelo Centro
domínio da área de conhecimento que
Universitário
ensina;
Franciscano
de
Santa
está
disposto
a
aprender
Maria e ao longo do processo de
sempre; não é resistente à mudança;
avaliação institucional e representam,
contribui para a formação de seus
assim, uma referência concreta à sua
alunos; transmite valores aos seus
vocação
de
educandos; é capaz de motivar, animar
antecipar necessidades futuras diante
e incentivar seus alunos; cultiva o
da
sociedade
otimismo e o entusiasmo; é consciente
contemporânea. São, portanto, opções
de ser ele mesmo incompleto e estar
orientadoras
que
o
sempre a caminho; é estudioso, alguém
compromisso
educacional
desta
que optou por não ter uma vida
e
à
à
sua
realidade
instituição
a
fim
capacidade
da
revelam
de
conjugar
as
orientada
fundamentalmente
para
questões postas pela legislação do
objetivos materiais; tem auto-estima e é
ensino superior com a missão, os
capaz de criar laços afetivos com seus
objetivos e as metas institucionais.
alunos. A educação nunca é um ato
Compromisso na preparação
individual. É uma tarefa ativa de
profissional e processo educativo
pessoas que interagem e, na interação,
Um projeto institucional torna-se realidade,
pela
próprio pensar. Escuta-se a opinião do
equipe administrativa e docente e
outro. Desperta o respeito pela posição
passa a fazer parte das relações e
diferente. À medida que se educa, a
ações
pessoa abandona quadros mentais
em
quando
todas
assumido
aprendem e se educam. Afirma-se o
as
instâncias
institucionais. Neste âmbito, todos são
preconcebidos,
educadores e pelo convívio no trabalho
falsas visões e encontrar sua realidade
se educam.
pessoal.
A
pode
desmascarar
educação
torna-se 69
verdadeira à medida que se traduz
conceder a palavra ao outro. Nele,
numa
descobre-se o modo de pensar do
palavra,
atitude.
Ela
num
pode
gesto,
numa
transformar
as
pessoas. A educação não muda a sociedade. pessoas.
A
educação
As
pessoas
muda
as
mudam
a
outro. A cultura de paz é um paradigma necessário,
urgente
estabelecer-se
em
e
vital.
Deve
relações
de
sociedade. A educação deve ajudar a
cooperação, integração, convivência e
pessoa a valorizar-se naquilo que é e
por que não, de reconciliação. É
no que poderá vir a ser.
construída
por
pessoas
que
Em consonância com a filosofia
compreendem que a paz, até no âmbito
institucional, queremos praticar, em
pessoal de desgaste de energia, tem
todo nosso ambiente institucional, o
menor custo e maior benefício que o
bom relacionamento uns com os outros
conflito; pessoas para as quais a paz
e
não é só um instrumento, mas também
expressá-lo
em
atitudes
de
colaboração, de apoio e, sempre que necessário,
apoiados
corrigir-nos
de
Especialmente
na
nossos
queremos
um fim.
verdade,
A promoção de uma cultura de paz
erros.
implica na incorporação de uma cultura
à
de diálogo e de reconhecimento do
importância de cultivar a paz, atitude
outro, de respeito ao diferente e à
indispensável tanto para a realidade
diversidade. Esta atitude requer, entre
pessoal quanto para o relacionamento
outras coisas, a cultura da tolerância, a
interpessoal.
tentativa de melhoria e da aproximação
A
disposição
referir
para
o
diálogo não desconhece as diferenças
entre as pessoas.
ou a possibilidade de existência de
Quantos
jovens
egressam
de
conflitos. O diálogo deve dirigir-se por
nossas salas de aula ou se titulam em
atos de liberdade e aí pode estar o seu
nosso
sentido educativo. Ele é um meio de
incorporado em sua formação uma
ensino
superior
sem
haver
70
concepção suficiente e eficiente no
conhecimento, são quase incapazes de
tratamento
lidar com os conflitos. Apresentam
dos
conflitos,
que
os
capacite a se conduzirem de maneira
dificuldades
de
comunicação,
são
produtiva e ativamente pacífica em sua
inacessíveis para estabelecerem um
vida pessoal e profissional.
relacionamento em que haja diferença
Nas salas de aula, pode aprender-
de idéias, diversidade de faixa etária ou
se a tratar e resolver conflitos. Pode-se
de posição social, são destreinadas e
conduzi-los pelo processo do diálogo e
inaptas ao diálogo.
do entendimento ou pela exclusão e o
A concepção educativa franciscana
isolamento. Não se pode negar a
traz a intencionalidade de que a
existência de conflitos. Pode aprender-
estrutura organizacional, as relações de
se a resolvê-los ou a fugir deles ou a
gestão, a função de ensino e todo
negá-los.
ambiente
Pode-se
trabalhá-los
de
maneira educativa.
institucional
devem
estar
impregnados da filosofia institucional
A forma de tratar os conflitos é uma
que perpasse a materialidade de todo o
poderosa experiência de aprendizagem
fazer educativo, seja nos aspectos
social. Não se deve acobertá-los. O
metodológicos, seja nos conteúdos,
melhor tratamento dos conflitos, no
projetos,
processo educativo, pode ser uma
desenvolvimento
forma não só de educar mas também
habilidades, competências e relações
um
humanas. O ambiente institucional deve
produtivo
tratamento
para
a
melhoria dos problemas sociais.
dentre
outros, de
para
o
capacidades,
atender à educação para a convivência
Não raro defrontamo-nos no dia-a-
e o desenvolvimento do estudante, do
dia com situações em que pessoas,
funcionário e do professor em sua
que
de
individualidade e em sua integração
ou
com
desempenham
responsabilidade possuidoras
alto
nível
profissional de
reconhecido
o
grupo
de
estudo/trabalho.
Conscientemente, possamos investir na 71
relação
do
a
aperfeiçoamento
melhoria das relações interpessoais
desenvolvimento
para
institucional.
a
conhecimento
solução
de
com
problemas
circunstanciais e o desenvolvimento de ações que qualifiquem a vida humana.
e
ao
avanço
humano
do ou
O desafio que se apresenta é não resistir
à
mudança
para
o
bem.
Na reflexão e nas proposições aqui
Acredita-se que a mudança é possível
descritas, a concepção e a prática
desde a pessoa e, que a partir de cada
educativa
pessoa, é possível tornar real o mundo
são
entendidas
como
unidade em que as situações do
que
cotidiano institucional se orientam pelo
educação, como processo, engloba a
conhecimento técnico-científico e pelo
idéia
pensamento filosófico inspirado em
reformulação. O fazer educativo e sua
Francisco de Assis. Esse ideário deve
concepção
estar em permanente construção, a
inconclusos assim como o ser humano.
criar e recriar, para as novas situações,
Essa realidade exige empenho no
respostas novas, sem se constituir
processo de construção contínua em
jamais em categorias acabadas ou
meio a situações de resistência ao ato
estáticas.
educativo confrontadas pelo desejo do
Para concluir A
idéia
de
estabilidade
e
se
deseja.
de
A
concepção
aprimoramento
teórica
educador
na
educação
é
estão
ação um
e
de
sempre
educativa.
caminho
de
a
A ser
de
construído no confronto teórico/prático
conforto assegurados pela experiência
com a concretude da ação educativa e
do caminho já percorrido pode, por
deve ser continuamente renovado.
vezes, dificultar o processo educativo.
Propõe-se,
também,
cultivar
a
Ao rejeitar a priori uma idéia, uma nova
esperança. Ela faz transcender limites e
possibilidade, a posição de resistência
acreditar que, apesar das limitações e
poderá
dificuldades,
ser
um
empecilho
ao
a
vida
humana
tem 72
sentido. É preciso, pois, deixar que a esperança seja vitoriosa, e mesmo que em nosso pensamento, o desejo seja maior do que a realidade evidencia, acreditemos
que
novas
sementes
continuam a germinar.
Bibliografia citada SILVEIRA, Ildefonso.; REIS, Orlando (orgs.). Escritos e biografias de São Francisco de Assis. 6. ed. Petrópolis: Vozes/Cefepal, 1991. Plano de Desenvolvimento Institucional. Diretrizes políticopedagógicas. 2003-2007. Santa Maria: Unifra, 2002. Bibliografia indicada MERINO, J. Antonio. Humanismo franciscano: franciscanismo y mundo actual. Madrid: Cristandad, 1982. FLOOD, David. Frei Francisco e o movimento franciscano. Tradução por Almir Ribeiro Guimarães. Petrópolis: Vozes, 1986. LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis. Rio de Janeiro / São Paulo: Record, 2001. CAYOTA, Mario. Semeando entre brumas. Petrópolis: Vozes/Cefepal, 1992. 73
Inovação institucional e curricular na formação dos profissionais da educação pós LDB/96: vicissitudes e perspectivas
Leda Scheibe Universidade Federal de Santa Catarina
O cenário da reforma
defasados e ao qual deveríamos,
Inovações educativas, como todas
segundo a nova lógica, ajustar-nos,
mudanças nos âmbitos econômico,
pressupõe
cultural e político, podem ter um
descentralização,
sentido de avanço ou de retrocesso.
privatização, nos vários setores, a fim
Neste final de século XX e início do
de anular inúmeras conquistas sociais
século XXI, vivenciamos um tempo que
anteriores: segundo Frigotto (2001), o
traz uma forte marca de retrocesso
filósofo Iztvan Mézaros considerou que
para a humanidade, seja pelo aumento
o capital esgotou sua capacidade
exponencial
da
civilizatória e para prosseguir precisa
pela
agora destruir os direitos adquiridos
riqueza
no
da
concentração
mundo,
seja
apropriação privada da ciência e da tecnologia, cada vez mais subordinada à lógica do mercado.
modernidade
competitiva,
reestruturação
produtiva do
flexibilização
e
pelos trabalhadores. Como cenário geral para as atuais reformas educacionais temos, portanto,
O tempo da globalização, da
reengenharia,
desregulamentação,
qual
um quadro de reformulação política e
da
econômica do sistema, destacando-se
da
aí a redução do tamanho do Estado no
estamos
que trata das políticas sociais para a
e
74
manutenção e proteção do capital, no
encarada como um serviço a ser
entanto,
papel
prestado e adquirido no mercado, ou
controlador e regulador dos sistemas
oferecido como filantropia. É comum
sociais.
encontrarmos campanhas filantrópicas
É
sobressai
neste
o
seu
contexto
ideologizado
que
fortemente
vemos
diretrizes
educacionais
gestadas,
buscando
compatibilizá-las institucional
tanto
quanto
no
substituindo
políticas
efetivas
de
novas
educação. O parâmetro do mercado
serem
para a qualidade do ensino evidencia,
a
ele
no
plano
plano
de
cada vez mais, a
dominância do
pensamento privatista como diretriz educacional.
concepção educativa. A discussão que
O ideário sobre o que deveria ser
acompanhou a formulação da nova Lei
um projeto nacional efetivamente crítico
de Diretrizes e Bases da Educação
de educação, que foi se constituindo ao
Brasileira,
foi
longo das últimas décadas e que
dos
encontrou, em vários locais do país,
iniciada
aprovada com
a
em
1996,
participação
educadores nos anos 1980.
Suas
algumas
possibilidades
de
formulações e propostas, incompatíveis
implementação não teve na formulação
com as políticas de ajuste assumidas
final da nova LDB o mesmo destino.
pelos idealizadores do modelo imposto
Esta Lei, apresentada como uma lei
aos governos latino-americanos e pelo
moderna
Banco Mundial, foram rejeitadas pela
ressignificou vários consensos do rico
maioria
debate dos anos 1980, traduzindo-os
subordinada
governamental. ao final,
ao
Instaurou-se,
grupo assim,
com esta lei, uma reforma
para
para
uma
o
outra
desenvolvimento,
século
lógica na
XXI,
de qual
autoritária e consoante com o ajuste
descentralização, por exemplo, passa a
neoliberal. A educação, de direito social
significar
e subjetivo de todos, passa a ser
desconcentração da responsabilidade
principalmente
uma
75
do Estado; autonomia, compreende-se
plano
como
engendradas pelas relações sociais de
liberdade
de
captação
de
recursos; igualdade, como eqüidade; cidadania
crítica,
como
das
contradições
que
são
produção.
cidadania
A reforma de ensino proposta para
produtiva, e a melhoria da qualidade,
a
como adequação ao mercado (Shiroma
educação, área estratégica para as
et al., 2000).
mudanças
Mediante curriculares
os e
os
parâmetros mecanismos
de
formação
dos
profissionais
pretendidas,
da
introduziu
assim, no cenário brasileiro uma nova compreensão do professor e da sua
avaliação (Enem, Saeb e Provão) entre
formação,
outras medidas, a reforma no ensino
institucional como base, determinando
pós-LDB elegeu como perspectiva ou
novas instâncias para a sua realização,
eixo
das
como o Instituto Superior de Educação
competências para a empregabilidade,
e o Curso Normal Superior, e o
assumindo assim claramente, no plano
desenvolvimento
da concepção educativa, o ideário do
profissionais
mercado como perspectiva geral do
subordinado a uma concepção de
Estado. Esta perspectiva pedagógica,
racionalidade econômica. No plano
individualista
epistemológico,
central
a
na
pedagogia
sua
essência,
tomando
a
de
competências
como
dos
conteúdo,
processos
concepções
trabalho, é coerente com o desmonte
socialização do conhecimento, a noção
dos direitos sociais ordenados por uma
das competências reduz a complexa,
perspectiva de compromisso social
diversa e mesmo a desigual realidade
coletivo,
dos
portanto,
contrária
à
alunos,
dos
construção
e
imediatista em relação ao mercado de
e
de
reforma
seus
pais
e
e
perspectiva de uma "qualificação como
professores "num receituário genérico
relação social" (Ramos, 2001), que
e abstrato. Treinar professores para
situa a relação trabalho-educação no
esse receituário é mais barato e rápido 76
do que oferecer-lhes condições para
trabalho,
distanciando-se
fazerem cursos onde se articula ensino
significado
com a análise e pesquisa da realidade"
humanização, de formação para a
(Frigotto, 2000, p. 1).
cidadania.
mais
do
seu
amplo
de
Kuenzer (2000) considera, com muita pertinência, que embora não
O novo modelo para a formação dos
ocorra a ninguém educar para a
profissionais da educação
incompetência, é preciso reconhecer
As novas diretrizes curriculares
neste conceito o significado que o
para a formação dos professores da
mesmo adquire no interior das novas
Educação
demandas do mundo do trabalho.
componentes de um novo modelo de
Recorrendo a Tanguy e Roupé (1994,
formação, que tem base na criação de
in Kuenzer, 2000), a autora identifica a
uma nova agência de formação de
competência, nas atuais circunstâncias,
professores, o Instituto Superior de
como
à
Educação, precisam ser vistas como
capacidade para resolver um problema
uma etapa da implementação desse
em uma situação dada, o que implica
contexto das políticas educacionais
ação mensurável por meio da aferição
oficiais, entre outros dispositivos legais.
dos seus resultados imediatos. O forte
No seu artigo 62,
apelo ao conceito de competência,
determinou
presente em todas as diretrizes que
docentes para atuar na educação
deverão nortear o ensino nas próximas
básica far-se-á em nível superior, em
décadas, vincula-se, segundo a autora,
curso de licenciatura, de graduação
a
plena, em universidades e institutos
uma
fortemente
concepção
vinculada
produtivista
e
pragmatista na qual, a educação é
superiores
confundida
como
com
informação
e
instrução, com a preparação para o
Básica
que
de
formação
no
Brasil,
a nova LDB a
formação
educação, mínima
de
admitida, para
o
exercício do magistério da educação 77
infantil e nas quatro primeiras séries do
universitárias,
ensino fundamental, a oferecida em
professores. No interior de uma política
nível médio, na modalidade normal.
que
Este
modelo
de
formação
pela
diferenciou
formação
e
de
hierarquizou
formalmente o Ensino Superior1, os
profissional para a área da educação,
ISEs foram
onde esta formação, embora vinculada
preferencial para a formação destes
ao
é,
profissionais, em cursos com menores
do
exigências, para a sua criação e
ensino universitário, tem o significado
manutenção, do que aquelas inerentes
de formalizar uma preparação técnico-
às
profissionalizante de nível superior para
diretrizes curriculares que orientam a
ensino
preferencialmente,
superior desvinculada
instituídos como
instituições
universitárias.
local
As
esta formação. É importante que se ressalte, neste modelo, que não há espaço objetivo para a existência do curso de Pedagogia, curso básico de graduação de formação acadêmicocientífica do campo educacional. A extinção
gradativa
do
curso
de
Pedagogia no Brasil, que se apresenta como
uma
forte
possibilidade
no
contexto das novas definições, tem base na previsão de que, com o tempo, o curso perderia suas funções, desde as mais antigas até as mais recentes. O modelo dos Institutos Superiores de Educação (ISE) coloca uma clara desresponsabilização
às
instituições
1
Já regulados pela resolução 1/99 do Conselho Nacional de Educação (CNE) os Institutos Superiores de Educação foram definidos no contexto de um conjunto significativo de alterações no ensino superior brasileiro, formuladas no âmbito do governo, como a que decorreu do decreto 2.306 de 1997 que regulamentou a existência de uma tipologia inédita para o sistema quanto à sua organização acadêmica. As instituições de ensino superior passaram, então, a ser classificadas em: Universidades, Centros Universitários, Faculdades Integradas, Faculdades e Institutos Superiores ou Escolas Superiores, instaurando-se indesejável distinção não apenas entre universidades de pesquisa e universidades de ensino, mas entre ensino superior universitário e não universitário. Certamente não por acaso, estabeleceu-se como local privilegiado para a formação dos docentes o nível mais baixo dessa hierarquia, uma solução que, independentemente do setor ao qual se vincula (pública, particular, comunitária), deverá ser a mais barata em todos os sentidos. 78
proposta dos Institutos Superiores de
graduação
Educação,
representações
diferenciam-se
parâmetros
que
de
consolidou descrédito
da
uma
educação e dos seus profissionais
esta
(Nunes, 2000). Dessa forma, uma
necessariamente vinculada à pesquisa
situação de desresponsabilização pela
e produção de conhecimento.
formação
formação
orientam
dos
etc.,
universitária,
Considerando
que
a
formação
de
professores,
ao
determinar-se que o locus de sua
inicial é momento-chave da construção
institucionalização
de
uma
preferencialmente
esta
superiores de educação, reedita o
determinação é desqualificadora para a
privilegiamento do bacharelado em
profissionalização docente no país,
relação às licenciaturas.
uma
socialização
identidade
e
de
profissional,
desqualificação
institutos
Um teor complexo e polêmico
longo tempo, no interior de uma
envolve a política que está sendo
tradição de desvalorização tanto dos
engendrada no campo da formação
profissionais que atuam nas faculdades
docente:
de educação quanto dos professores
possibilitadas,
que
de
confronto entre o art. 62 e o art. 87,
Pedagogia, de licenciaturas e de pós-
parágrafo 4, da LDB, este último no
graduação. Essa tradição foi sendo
Título das Disposições Transitórias; o
atualizada em níveis cada vez mais
teor vertical do decreto n. 3.276 de
complexos
as
6/12/99 já alterado, por pressão, pelo
da
decreto
formam
ao
concepções
se
sobre
cultivada,
os
por
elas
esta
seja
nos
cursos
definirem o
papel
interpretações
n.
por
3.554
confusas
exemplo,
de
7/8/2000;
no
a
universidade, que sempre estimulou
resolução n. 2/97, que "dispõe sobre os
certas áreas e/ou cursos em detrimento
programas de formação pedagógica de
de
docentes
outros;
pesquisa;
separou a
o
graduação
ensino da
da pós-
para
as
disciplinas
do
currículo do ensino fundamental, do 79
ensino
médio
educação
oficial de colaboradores/assessores do
profissional em nível médio", e que
Ministério da Educação, as diretrizes
permite com uma complementação de
foram aprovadas pelo CNE quase na
540 horas conferir
de
sua totalidade, num processo mais
licenciatura para bacharéis ou outros
homologatório do que propriamente de
graduados; a resolução n.1/99, que
discussão
dispõe sobre os Institutos Superiores
reformulação de pequenos detalhes.
de Educação (Cfe. Cury, 2001). Todas
Apesar de terem sido realizadas várias
estas normatizações, baixadas pelo
audiências públicas e outras reuniões
MEC, precederam
o estabelecimento
nacionais e regionais com as mais
oficial supostamente participativo das
diversas entidades educacionais do
diretrizes curriculares para a formação
país, como resposta à pressão do
dos docentes. O ponto de chegada já
movimento dos educadores e pela
estava pois definido e não dependia de
vontade
uma construção a ser encaminhada.
conselheiros, a comissão oficial e a
Após
da
o diploma
se
de
reduziu
alguns
à
poucos
de
maioria do CNE não abriu um autêntico
mobilização
da
diálogo, fechando-se em torno da
comunidade acadêmica na tentativa de
proposta apresentada pelo MEC e
influir
recusando-se
em
e
longo
que
período
expectativa
um
e
de
suas
definições,
foram
a
aprovadas as Diretrizes Curriculares
proposição
Nacionais
consulta realizada.
para
a
Formação
de
admitir
com
base
situação
ampla
Professores da Educação Básica, em
Esta
Nível Superior, curso de licenciatura,
expectativa
de Graduação Plena, no dia 8 de maio
comunidade acadêmica e profissional
de 2001, por meio do parecer do
na
CNE/CP 9/2001. A partir de proposta
reforma em curso foi mais uma vez
inicial elaborada por uma comissão
desmistificada
de
construção
de
na
sua
criar
participação
dos
no
caminhos
processo
uma da
da
de 80
aprovação das Diretrizes Curriculares
integração desta formação no contexto
Nacionais
universitário.
para
a
Formação
de
Professores da Educação Básica, em
A integralidade e a terminalidade
nível Superior, curso de licenciatura
própria
plena.
desejada O texto do parecer do CNE n.
9/2001,
consolidou
de
pelo
licenciatura,
movimento
dos
educadores para dar conta de uma preparação
com
qualidade
ao
formação superior "para três categorias
profissional
da
educação,
é
de carreiras: bacharelado acadêmico,
consolidada
bacharelado
e
curriculares. Sobre esta questão, o
licenciatura" (BRASIL, 2001, p. 6), o
artigo 7 do projeto de resolução anexa
que implica que a licenciatura ganha
ao parecer CNE/CP 9/2001 ressalta
identidade,
e
que, "a serviço do desenvolvimento de
terminalidade própria. Tal concepção
competências a formação deverá ser
se revelaria como um avanço na
realizada em processo autônomo, em
qualificação
do
curso de licenciatura, numa estrutura
esquema
com identidade própria". Mais adiante
tradicional de uma formação puramente
esta identidade própria parece estar
complementar e acessória. Mas, se de
explicitada
um lado, busca colocar a licenciatura
organizativo com direção e colegiados
em
o
próprios, que formulem seus projetos
bacharelado, dando-lhe autonomia e
pedagógicos e articulem as unidades
integralidade, de outro, no entanto, ao
acadêmicas envolvidas. Determinadas,
estabelecer o modelo dos institutos
no entanto, pelo modelo dos Institutos
superiores
como
Superiores
de
Educação,
preferencial para a formação em pauta,
destacado
das
demais
tende a comprometer a desejável
universitárias (Cf. resolução 1/99), tais
pé
direção
curso
de
educador,
a
do
profissionalizante
integralidade
técnico-científica diante
de
de
do
igualdade
educação
com
pelas
como
diretrizes
um
modelo
que
é
unidades 81
uma
como ato educativo intencional.2 Mas
dicotomia não almejada, qual seja, a
todo educador deve dispor também de
sua separação dos locais de formação
uma capacitação para o exercício de
dos
construção do conhecimento na área
características
induzirão
bacharelados.
discriminatório,
a
Além
este
de
distanciamento
do conteúdo da sua docência.
revela uma concepção educacional de clara opção pelo ensino
Como
sinalização
para
as
reprodutivo,
resistências necessárias impostas pela
nos termos fortemente alertados pelos
direção das atuais reformas, e para
sociólogos
amplamente
conquistas futuras, cabe ressaltar mais
referenciados no Brasil, na década de
uma vez os princípios formulados para
1980 .
uma base comum nacional para todos
críticos
e
O que se pode prever, daí, é a
os cursos de formação de educadores,
consolidação oficial e prática do fosso
apresentada no documento final do X
entre a formação do bacharel e aquela
Encontro Nacional da Anfope (2000),
do licenciado. A formação acadêmicocientífica pedagógica rigorosa colocase
cada
vez
necessidade,
mais
como
uma
considerada
a
epistemologia da prática profissional, que
alerta
para
conhecimentos
a em
natureza jogo
dos numa
profissionalização. O movimento dos educadores
tem
defendido,
neste
sentido, que a preparação para a docência, na formação de todo o educador, deve ser uma dimensão intrínseca, entendendo-se a docência
2
No sentido de contrapor-se à conjuntura vigente, já no início da década de 1980, o movimento dos educadores firmou o princípio de que a docência constitui a base da identidade profissional de todo educador. Tal princípio passou a ser alvo de debates intensos no sentido da sua formulação enquanto um novo paradigma, e os primeiros entendimentos sobre a base comum nacional começaram a ser apontados. "A base comum nacional seria a garantia de uma prática comum nacional a todos os educadores, qualquer que fosse o conteúdo específico de sua área de atuação. Esta base comum deveria, portanto, contemplar estudos comuns a todas as licenciaturas, objetivando formar o hábito da reflexão sobre as questões educacionais no contexto mais amplo da sociedade brasileira e a capacidade crítica do educador, em face da realidade da sua atuação". (in: Scheibe e Aguiar, 1999, p. 2289). 82
como indicações que ainda merecem
bacharel
maior aprofundamento3:
considere suas especificidades;
a) Sólida
formação
interdisciplinar educacional
sobre e
teórica
o
seus
e
fenômeno
fundamentos
e
do
licenciado,
embora
c) Gestão democrática da escola o
profissional
da
educação
deve
conhecer e vivenciar formas de gestão
históricos, políticos e sociais, bem
democráticas
entendidas
como os domínios dos conteúdos a
superação
serem ensinados pela escola;
Administração,
do
como
conhecimento enquanto
de
técnica,
b) Unidade entre teoria e prática,
apreendendo o significado social das
que implica em assumir uma postura
relações de poder que se reproduzem
em
de
no cotidiano da escola, nas relações
conhecimento que perpassa toda a
entre os profissionais, entre estes e os
organização
se
alunos, assim como na concepção e
reduzindo à mera justaposição da
elaboração dos conteúdos curriculares;
relação
à
produção
curricular,
não
teoria e da prática ao longo do curso; que
não
divorcia
a formação
do
d) Compromisso
social
do
profissional da educação na superação das injustiças sociais, da exclusão e da
3
discriminação, As recém-aprovadas diretrizes explicitam a natureza das orientações que levaram à proposição do modelo que fundamentou a criação dos Institutos Superiores de Educação enquanto estrutura institucional para a formação de professores. Esta foi a forma encontrada pelo MEC para traduzir a concepção de uma base comum nacional, bandeira histórica do movimento dos educadores. O que poderia ser tomado como um consenso, no entanto, padece de uma contradição fundamental, uma vez que a base comum nacional perseguida pelos educadores nasce de um projeto de sociedade diametralmente oposto ao que produz o neoliberalismo.
na
busca
de
uma
sociedade mais humana e solidária; e) Trabalho
coletivo
e
interdisciplinar- processo coletivo de fazer e pensar, pressupondo uma vivência de experiências particulares que possibilite a construção do projeto pedagógico-curricular
de
responsabilidade do coletivo escolar;
83
f) Integração da concepção de
profissional, entre outras questões, têm
educação continuada como direito dos
contribuído,
profissionais
desprofissionalização dos docentes no
da
educação
responsabilidade
das
empregadoras
e
das
sob redes
instituições
formadoras.
Brasil.
historicamente,
Há
certamente
para
a
situações
emergenciais, relativas a carências de docentes em certas regiões e para
Tais princípios, pela sua própria natureza,
só
áreas,
que
deverão
ser
ser
enfrentadas por meio de uma sólida
que
articulação entre as universidades, o
assegurem a interface entre as várias
MEC, as secretarias de Estado e as
áreas do conhecimento e o espaço
secretarias municipais de Educação,
para
tendo
desenvolvidos
a
poderão
certas
em
cursos
produção
experiências
científica.
educativas
demonstrado
que
a
As têm
produção
do
conhecimento e formação do professor
em
vista
programas
de
a
realização formação
de de
professores, para atender a demandas específicas.
são dimensões indissociáveis, posto
Para reverter o processo em curso,
que tomam como eixo a ação docente
no entanto, é necessário fazer cada
em
vez mais das faculdades de educação
suas
distintas
formas
de
materialização.
os verdadeiros centros superiores de
Concessões
a
políticas
de
formação
do
educador,
enquanto
formação aligeiradas, fora do espaço
espaços de articulação entre formação
universitário,
de quadros para a docência e gestão
Estratégias
devem
evitadas. do
da escola, produção e divulgação do
conhecimento na formação e da própria
conhecimento pedagógico. Estes locais
ação pedagógica do professor, e a
têm como tarefa para exercer bem
criação
diferente
suas funções, a busca de articulações,
qualidade para a formação do mesmo
tanto internas com os demais cursos e
de
de
ser
escolas
redução
de
84
docentes
da
universidade,
como
externas, particularmente com a rede
carga horária dos cursos (CNE/CP 28/2001).
de escolas e seus docentes, mas
Os pareceres já referidos (CNE/CP
também com os movimentos sociais
9/2001 e CNE/CP 28/2001), que
organizados
explicitam as novas diretrizes para a
e
outros
ambientes
educativos, pesquisando os processos,
formação
dos
atores
educação,
nos
e
espaços
pedagógicos,
profissionais induzem
já
da neste
subsidiando práticas educativas que
momento para nova mobilização no
estão presentes em todos os espaços
sentido de encaminhar uma proposta
escolares e não-escolares. (Kuenzer,
superadora
1999).
particularmente no que diz respeito às
do
modelo
afirmado,
questões destacadas a seguir: As novas diretrizes
-
Pelo parecer do CNE/CP 9/2001 foram aprovadas, no dia 8 de maio de 2001,
as
Nacionais
Diretrizes para
a
de
da
noção
de
competências como concepção nuclear para orientar a formação:
Curriculares Formação
Significado
Ao tomar a noção de competências como concepção nuclear para orientar
Professores da Educação Básica, em
a
Nível Superior, Curso de Licenciatura,
educadores, em lugar dos saberes
de Graduação Plena, após um longo
docentes, as diretrizes em questão
período
mostram
de
mobilização
expectativa da
e
de
comunidade
formação
profissional
seu
vínculo
com
conforme a
definições. Pouco depois, em 2 de
(Frigotto,
2000;
Küenzer,
outubro,
Shiroma,
2000),
em
CNE
aprovou
também
parecer que estabeleceu a duração e a
um
determinado projeto societário que,
acadêmica, que tentava influir em suas
o
dos
visão de vários autores
globalização,
ajusta
educacionais
às
nome as
2000; da
questões
regras
da 85
mercantilização
com toda
exclusão
estabelecidos, embora contraditórios,
que tal escolha produz. Nisto reside,
indicam para o curso de Pedagogia a
certamente,
condição
uma
divergência
de
um
bacharelado
fundamental entre nossos projetos de
profissionalizante, destinado a formar
formação.
os
especialistas
administrativa -
A
intenção
de
extinguir
gradativamente o curso de Pedagogia. A definição do estatuto teórico da Pedagogia
em
e
gestão
coordenação
pedagógica para os sistemas de ensino (LDB/96, Art. 64). Depois de muitos embates ocorridos por ocasião da
sempre envolveu relativa
formulação de normas complementares
complexidade. O reconhecimento do
à LDB, a atribuição da formação de
campo
conhecimento
professores para a educação infantil e
pedagógico permitiu, no entanto, a
séries iniciais do ensino fundamental
institucionalização da Faculdade de
ficou assegurada também para o curso
Educação na estrutura universitária
de Pedagogia, mas apenas àqueles
brasileira. Esta institucionalização, que
que
antecedeu
ensino
universitárias (universidades ou centros
superior de 1968 (Lei n. 5.540/68), e foi
universitários). Para os cursos de
por
o
Pedagogia fora destas instituições não
crescimento acadêmico da área, a
há permissão para a citada formação
partir dos seus cursos de graduação e
(parecer CNE-CES 133/2001).
próprio
esta
a
do
reforma
incorporada,
de pós-graduação,
do
ensejou
se
situam
em
instituições
cuja abrangência
Este é um percalço que deriva da
extrapola as funções do curso de
decisão já colocada pela LDB/96 e que
Pedagogia, mas tem nele, certamente,
foi reforçado pelas regulamentações
a sua referência acadêmico-científica,
posteriores, que optou pelo modelo dos
que prossegue na pós-graduação. Os
institutos
preceitos
formação técnico-profissionalizante de
legais
atualmente
superiores
de
educação,
86
professores, que se contrapõe ao
dicotomizar, na formação, carreiras
modelo das Faculdades de Educação,
diferenciadas
conforme
a
onde a formação destes profissionais é
categorização
pretendida
pela
vista
Sesu/MEC:
de
mediada
forma pelas
mais
acadêmica,
possibilidades
de
bacharelado acadêmico,
bacharelado
profissionalizante
e
maiores interfaces na formação. A
licenciatura. A formação do pedagogo
proposta de diretrizes apresentada pela
envolve
Ceep
podendo, no seu aprofundamento, dar
defende
para
o
curso
de
Pedagogia, responsável pela formação acadêmico-científica educacional
na
do
estas
três
dimensões,
maior relevo a uma destas dimensões.
campo
graduação,
uma
- Comprometimento da desejável
graduação plena na área, que não se
integração
entre
a
formação
realiza concretamente sem que seja
bacharel e aquela do licenciado
do
considerada a sua dimensão intrínseca,
De acordo com o parecer 9/2001,
que é a da docência. A tese defendida
consolida-se a licenciatura como um
por esta proposta procura garantir a
curso autônomo, que ganha identidade,
formação
Pedagogo,
integralidade e terminalidade própria.
profissional que, tendo como base os
Tal concepção valorizaria, no plano
estudos
da
conceitual, a formação do professor,
a
superando os esquemas tradicionais de
educação,
unificada
do
teórico-investigativos é
capacitado
para
docência e conseqüentemente para
uma
outras funções técnicas educacionais,
acessória,
considerando que a
docência é a
Severino (2001,p.2): "se, de um lado,
mediação para outras funções que
busca colocar a licenciatura em pé de
envolvem o ato educativo intencional.
igualdade com o bacharelado, dando-
Não
sentido,
lhe autonomia e integralidade, de outro,
Pedagogia,
no entanto, tenderá a comprometer a
se
aplicável
considera, para
neste a
formação mas,
complementar como
nos
e
alerta
87
desejável
integração
da
formação
universitária."
e opções realizadas pelos alunos e
Dado o modelo institucional que passa
a
ser
de possibilidades de aprofundamentos
privilegiado,
também,
tempo
para
dos
pesquisas, leituras e participação em
institutos superiores de educação, que
eventos, entre outras atividades, além
autonomiza o local de formação de
da elaboração de um trabalho final de
professores,
desvinculando
curso que sintetize suas experiências.
institucionalmente as licenciaturas dos
A carga horária deve assegurar a
bacharelados, fica comprometida a
realização
desejável
especificadas.
integração
na
o
propiciar,
formação
das
atividades
acima
destas duas categorias de carreiras,
Para atingir este objetivo, além de
com sérias conseqüências presumíveis
cumprir a exigência de 200 dias letivos
para a formação do professor.
anuais, com 4 horas de atividades
O fosso entre a formação do
diárias, em média, é desejável que a
bacharel e a do licenciado precisa ser
duração de um curso de licenciatura
evitado para que a formação deste
seja de 4 anos, com um mínimo de
último, ao avançar na sua qualificação
3.200 horas,
técnico-científica,
contemplar de forma mais aprofundada
não
seja
comprometida na sua formação
para que se possa
tanto a carga teórica necessária para a formação, como o desenvolvimento das
- Duração do curso e carga-horária do curso: comprometimento do tempo
práticas que aproximam o estudante da realidade social e profissional
necessário para uma sólida formação profissional Uma
Há, nesse sentido, modalidades de prática que são complementares e
organização
curricular
necessárias
para
a
formação
do
inovadora deve contemplar uma sólida
profissional da educação, quais sejam:
formação
a
profissional acompanhada
prática
como
instrumento
de 88
integração e conhecimento pelo aluno
conseqüente
da realidade social, econômica e do
profissionalização do
trabalho de sua área/curso; como
identidade do seu profissional.
instrumento de iniciação à pesquisa, ao
movimento
pela
ensino e da
A área da Educação, ou seja, da
ensino e à prática como instrumento de
Pedagogia
como
campo
de
iniciação profissional.
conhecimento próprio passou a ser
Nos cursos de licenciatura a prática
fundamentada de forma mais concreta
pedagógica não deve ser vista como
enquanto concepção de ciência da
tarefa individual de um professor, mas
prática
configurar-se como
entendimento do papel da escola na
trabalho coletivo
educativa.
o
do conjunto dos professores, fruto de
socialização
seu projeto pedagógico. É desejável
conhecimento, aumentando a disputa
que todos os professores responsáveis
pela
pela
campo
formação
participem,
em
e
Cresceu
ingerência
produção
neste
ideológico.
É
local
do
como
evidente
a
diferentes níveis, da formação teórico-
influência destas questões sobre a
prática
promoção de
dos
estudantes,
uma profissionalização
complexificando-a e verticalizando-a de
mais consistente para a área, com
acordo com o desenvolvimento do
apelo para a constituição de um
curso.
repertório
de
conhecimentos
profissionais: assim como nas demais Para onde caminhamos?
profissões, o professor deve possuir
O debate sobre a questão da formação
de
professores
vem
saberes eficientes que lhe permitam organizar,
intencionalmente,
as
crescendo nas últimas décadas, à
condições ideais de aprendizagem para
medida em que , não só no Brasil, mas
os alunos. Os impasses históricos do
em todo o mundo, há um importante
estatuto teórico do conhecimento na
desenvolvimento do conhecimento e
área da Pedagogia fizeram-se sentir na 89
história
da
profissionalização
(ou
desprofissionalização) dos educadores. A solução de criar uma nova institucionalização
28/20016,
é
preciso
considerar, deu-se no contexto de um conjunto significativo de alterações no
organização
ensino superior brasileiro formuladas
curricular e dos estudos a serem
no âmbito do governo (decreto 2.306
oferecidos, permite hoje a existência de
de 1997, posteriormente confirmado
local e níveis diversos para uma
pelo
mesma
do
regulamentou a existência de uma
educador. Ao estabelecer o Instituto
tipologia inédita para o sistema de
Superior como o local preferencial e
ensino superior brasileiro quanto à sua
como o modelo de formação ( Res.
organização acadêmica. As instituições
01/99), e não à ambiência universitária,
de ensino superior passaram, então, a
identifica-se pelo seu caráter técnico
ser classificadas em: universidades,
profissional
centros
de
formação
campo
CNE/CP
das
possibilidades
no
nos pareceres CNE/CP 9/20015 e
profissional
uma
situação
decreto
n.
3.860/2001),
universitários,
discriminatória em relação aos demais
integradas,
faculdades
cursos
superiores
ou
de
graduação,
distinta
do
faculdades e
escolas
institutos superiores,
projeto que sempre se defendeu e
instaurando-se,
perseguiu para a formação de docentes
distinção
em nível superior.
pesquisa e universidades de ensino,
A criação dos institutos superiores de
educação,
já
regulados
pela
4
resolução 1/99 do CNE e configurados
4
Dispõe sobre os Institutos Superiores de Educação, considerados os art. 62 e 63 da Lei 9.394/96 e o art. 9, parágrafo 2, alíneas "c" e "h", da Lei 4.024/61, com a redação dada pela Lei 9.131/95.
entre
não
que
apenas
universidades
uma de
como também entre o ensino superior 5
Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores da educação básica, em nível superior, curso superior de graduação plena, aprovado em 8/5/2001. 6 Dá nova redação ao parecer CNE/CP 21/2001, que estabelece a duração e a carga horária dos cursos de formação de professores da educação básica, em nível superior, curso de licenciatura de graduação plena, aprovado em 2/10/2001. 90
universitário
e
o
Normatizou-se
não-universitário.
uma
hierarquia
redução do conhecimento na formação
no
do professor e, conseqüentemente, de
interior do ensino superior. Certamente
sua ação pedagógica. Some-se a isto,
não por acaso, estabeleceu-se como
as precárias condições de trabalho e a
local preferencial para a formação dos
perda crescente do poder aquisitivo do
docentes o nível mais baixo dessa
salário para se ter um panorama do
hierarquia,
que
uma
solução
que,
poderá
acontecer
em
prazo
independentemente do setor ao qual se
relativamente curto com a carreira do
vincula
magistério e com a qualidade da
(pública,
particular,
comunitária), deverá ser a mais barata
educação no país.
em todos os sentidos. Assim, se a
No final da década de setenta,
formação inicial é o momento-chave da
iniciou-se
construção de uma socialização e de
reformulação dos cursos de formação
uma
de educadores no Brasil que partiu das
identidade
profissional,
como
um
movimento
acreditamos, esta determinação, cuja
discussões
preocupação com a certificação da
Pedagogia,
competência
discussão mais geral sobre a formação
é
desqualificadora, medida
no
preponderante será
mais
sentido
e uma da
de
todos
movimento
sobre
o
curso
pela
de
e ampliou-se para a
os
professores. articulou-se
Este mais
desprofissionalização dos professores
fortemente em 1980, com a instalação
(Scheibe & Bazzo, 2001).
do Comitê Nacional Pró-Formação do
Nas circunstâncias hierárquicas já apontadas,
esta
significar,
mais
descaracterização
situação uma profissional
Educador, durante a I Conferência
pode
Brasileira de Educação em São Paulo e
vez,
teve continuidade com a criação da
do
Associação Nacional pela Formação
docente, como aquela já produzida, ao
dos
Profissionais
da
Educação
longo da história, por estratégias de
(Anfope), em 1990, entidade que vem 91
liderando desde então a construção
últimas duas décadas, entre as quais
coletiva de uma Base Comum Nacional
ressalta-se a abertura das Faculdades
para a formação destes profissionais.
de Educação para a formação dos
O movimento, preocupado em
professores da Educação Infantil e das
melhor qualificar e profissionalizar a
séries iniciais do Ensino Fundamental
carreira do magistério, já nos anos
nos seus cursos de graduação em
1980,
Pedagogia.
reafirmou,
oportunidades,
em
a
várias
necessidade
Este
curso
até
então
de
voltava-se principalmente à formação
extinção das licenciaturas curtas e
dos professores para os cursos de
parceladas e, na sua continuidade, ao
Magistério em nível de ensino médio e
longo da década de 1990, criticou
dos especialistas com funções técnicas
outras
nas
fragilidades
cursos
de
existentes
licenciatura
destacando-se
o
nos plena,
problema
da
escolas
supervisores, Entendendo
(administradores, orientadores).
a
preparação
de
dicotomia teoria e prática, refletido na
professores para todos os níveis como
separação entre ensino e pesquisa; o
uma tarefa universitária e também
tratamento
defendendo
diferenciado
dispensado
a
formação
de
aos alunos do bacharelado e da
especialistas educacionais vinculada a
licenciatura; a falta de integração entre
uma base docente, o movimento dos
as
educadores
influiu
mudanças
que
disciplinas
pedagógicas
de e
conteúdo o
e
as
distanciamento
fortemente resultaram
nas nas
existente entre a formação acadêmica
características assumidas por esses
e as questões colocadas pela prática
cursos, até a normatização oficial.
docente na escola ( Pereira, 2000). Em
função
importantes
desses
debates,
mudanças
foram
realizadas no âmbito da formação nas
Desde o início da década de 1990, várias instituições de ensino superior instalaram
também
fóruns
de
discussão e de deliberação a respeito 92
da problemática das licenciaturas em
que acontece em outros países latino-
geral. Os fóruns de licenciaturas, como
americanos de forte tradição educativa,
ficaram
como a Argentina e o Chile.
conhecidos,
iniciaram
um
debate amplo, visando à reformulação desses cursos, nas diversas áreas do conhecimento.
Surgiram
propostas
inovadoras em muitos locais do país e, como
produto
construídos, princípios
do
debate,
coletivamente, formativos
foram vários
para
a
constituição de uma base comum nacional
para
a
formação
dos
profissionais da educação. Cabe iniciativas
dar
prosseguimento
referidas,
nascidas
às e
desenvolvidas no ambiente acadêmico, para
que
possam
subsidiar
e
realimentar com teoria e com práticas inovadoras a melhoria da formação. E estimular, cada vez mais, a luta destas instituições, em conjunto com a Anfope e outras associações educacionais preocupadas com a temática, pela superação
das
normatizações
subordinadas às políticas dos órgãos internacionais,
cujos
resultados
nefastos já podem ser avaliados pelo
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SEVERINO, Antonio Joaquim. Por uma formação multidimensional do
94
A universidade num ambiente de mudanças Renato Janine Ribeiro Universidade de São Paulo
Meus
comentários
sobre
a
infelizmente
sem
muita
facilidade.
universidade nos próximos anos talvez
Curiosamente, este projeto, que tem tido
sejam um pouco marginais em relação às
amplo sucesso de crítica no país afora,
discussões mais usuais que tenho ouvido.
parece até ter chances de ser implantado
Não discutirei, embora a repute essencial,
antes em outras universidades do que
a
das
naquela em que trabalho. Remeto, para
universidades; o que pretendo é, partindo
quem o queira conhecer no detalhe, o livro
de uma experiência que estou montando
e o site que o contêm (os dados estão no
há alguns anos, pensar o que significa um
fim do artigo); aqui me limito a delinear
ambiente universitário em nossos dias.
seus grandes traços.
questão
do
financiamento
Daí decorrerão algumas sugestões e críticas.
uma boa base em Filosofia, em Artes
Começo assim da experiência de montar
O propósito deste novo curso é dar
um
experimental,
curso
de
graduação
interdisciplinar,
em
(sobretudo visuais, mas também em música) e em Literatura, a fim de formar futuros
pesquisadores
em
ciências
Humanidades, o que venho tentando na
humanas e sociais de modo geral. A idéia
USP, desde três ou quatro anos,
é que não se forma um profissional pela reiteração dos temas de sua área, mas pelo confronto com linguagens, à primeira
vista diferentes da sua. Por exemplo, hoje
aos
muitos querem ser cineastas vendo filmes;
programação
mas um dos maiores diretores do século
Aliás, não teremos um corpo docente fixo,
XX, Federico Fellini, certa vez disse que
nem um departamento. Daí também, que,
via pouquíssimos filmes, e que concebia
para este curso não haja um vestibular
os seus a partir basicamente de livros, ou
como
de outras experiências que tivesse. Diria,
efetuada entre estudantes da USP que,
seguindo o seu mote, que hoje as
desejando
Ciências Humanas estão vendo cinema
completado um mínimo de créditos em
demais – isto é, tendem a se confinar em
outro curso, prestem um exame especial,
sua área, a conhecer muitíssimo bem o
mais voltado para suas capacidades do
que nela se faz ou discute, mas com isso
que para seus conhecimentos. (A cabeça
perdem
bem
de
vista
a
estranheza,
a
perplexidade, a indagação que vêm do
alunos.
os
Poderemos sempre
habituais:
que
a
mais
que
e
a
quisermos.
seleção
freqüentá-lo
feita,
mudar
já
repleta,
será
tendo
como
pretendia Rabelais em sua escola ideal).
confronto com o radicalmente outro. E é
Durante os dois primeiros anos do
por isso que vamos, para formar em
curso, os alunos de Humanidades terão
Ciências
nas
acesso a diversos enfoques - diferentes
humanidades, ou seja, no que não é
entre si, opostos mesmos - em Filosofia,
ciência.
em Artes e em Literatura, mas também
Por
Humanas,
ser
experimental,
nas Ciências Sociais, na História, em
uma
grade
Direito, Economia, tudo isso podendo
curricular fixa. Isso, por um lado, reduz o
alterar-se de ano para ano. A partir do
valor de seu diploma, pelo menos do
terceiro
ponto de vista imediatista de quem deseja
matérias da universidade como um todo,
ter uma reserva de mercado, mas por
construindo – com o apoio de um
outro lado – e é o que conta para nós –
professor-tutor um itinerário pessoal que
confere enorme liberdade aos docentes e
leve a um trabalho de conclusão de curso,
Humanidades
um não
curso
investir
terá
ano
no
curso,
freqüentarão
96
que por sua vez constituirá a base para
universidade,
uma futura pós-graduação. Eis as linhas
cotidianas. Na verdade, o que me inspira
gerais do projeto. Passo agora a expor
é exatamente a percepção de que o
quais idéias da universidade me vieram
mundo mudou tanto, e com
em função deste projeto. Algumas destas
mercado,
idéias existiam antes do projeto, e ele as
universidade tentar tomar o seu pulso e
aplica; outras, porém, nasceram dele. É
seguir o seu ritmo.
delas que quero tratar, mais do que do curso em si.
afastada
que
é
vão
das
e
lides
ele o
ocioso
a
Se não, vejamos. Espera-se que um jovem opte por uma carreira universitária
A idéia pela qual começo diz respeito
em torno dos dezesseis ou dezessete
à relação entre a universidade e o
anos, ao iniciar o último ano do segundo
mercado. Com a possível exceção dos
grau. Daí a um ano, ele estará começando
cursos seqüenciais, que me parecem idéia
um curso universitário de quatro ou cinco
muito boa – e aos quais voltarei –, parece-
anos. Sua maturidade profissional é de se
me
propriamente
esperar que ocorra daí a quinze ou vinte
universitários talvez devam emancipar-se
anos. Seu apogeu, sua acme, como
da preocupação com o mercado de
diriam os gregos, daí a vinte e cinco ou
trabalho. Dizendo isso, é possível que eu
trinta. Tudo isso somado, quer dizer que
vá a contrario sensu de uma das idéias
esperamos o sucesso inicial - o que
mais
chamei de maturidade - vinte ou vinte e
que
os
enfatizadas
cursos
dos
últimos
anos,
inclusive por boa parte dos próprios
cinco
anos
depois
alunos, receosos hoje de terem uma
escolha. Opto por uma carreira hoje, com
formação boa em termos acadêmicos,
dezessete
porém inútil na prática. Mas quero deixar
profissional reconhecido aos trinta e cinco,
claro que não sustento esta tese - de que
quarenta anos,
a universidade não deva clonar o mercado
digamos. Ora, alguém que acompanhe o
- por defender um modelo antigo de
andar das coisas neste mundo pode
anos,
e
do
momento
espero
ser
da
um
entre 2020 e 2025,
97
considerar sensata alguma pretensão de
pacificação dos filhos, emblemática de
prever como estará o mercado nessa
uma sistemática terceirização da relação
data? Não será quase delirante esperar
com eles (até festas de aniversários são
que um jovem possa realizar hoje uma
feitas em ambientes especializados: muito
escolha passível de ser bem sucedida
do que outrora era resolvido - ainda que
daqui a duas décadas, e capaz de manter-
mal - no âmbito da família vai agora para
se viável por três, quatro décadas, em
profissionais,
suma, por toda a sua vida profissional, até
péssimos; ninguém, da classe média para
uma aposentadoria que - tudo indica -
cima,
será mais tardia do que hoje é?
psicólogo.
cresce
uns
sem
ótimos,
outros
fonoaudiólogo
ou
Não é completamente irrealista essa
Mas num momento da vida, num só,
expectativa? Some-se a isso um fato,
quando se avizinha a escolha profissional,
talvez peculiarmente brasileiro. Em nossa
esses pais que até então apostaram -
sociedade, os pais - especialmente de
para usarmos a linguagem freudiana - no
classe média - se tornaram bastante
princípio de prazer para aplacar os
permissivos.
desejos dos filhos, subitamente, invocam
Ou
porque
não
dão
importância à educação ética, à imposição
um
de regras, ou porque está cada vez mais
implacável: a carreira profissional, o futuro
difícil decretar e manter limites (penso que
financeiro. Valem-se de um argumento
há os dois lados neste fenômeno), os pais
que cala fundo: meu filho, o seu nível de
favorecem um certo hedonismo filial. A
vida não se manterá se você não tiver
adolescência, antecipada já para os anos
uma boa profissão. Os prazeres que lhe
pré-teen e prolongada para depois dos
proporcionei, a ausência de regra, tudo
vinte anos, desenha assim um período de
isso depende, para se manter, de você
busca
pouca
agora curvar-se a uma regra duríssima, a
responsabilidade. Exemplar disso é o
que lhe manda escolher uma profissão de
recurso
futuro.
de
da
prazer
babá
e
de
eletrônica
para
a
princípio
de
realidade
claro,
98
Veja-se o contraste entre a omissão
fracasso deram resultados opostos aos
paterna, ao longo de vários anos, a
que se esperava. Provavelmente a maior
demissão da Lei, a renúncia ao papel de
parte dos presentes a este seminário teve
impor limites, de fazer reconhecer a
sucesso mesmo em carreiras das quais
alteridade – e a súbita invocação de uma
pouco se esperava, o que indica o alcance
lei abstrata, intangível, impiedosa, a do
da autonomia individual, com o sucesso
mercado; veja-se, aliás, como isso é
resultando da iniciativa pessoal e não só
terrível para o próprio papel de pai,
do escaninho escolhido no vestibular.
reduzido que ele se vê a porta-voz
Porém, mais importante ainda é que
acovardado de uma lei vaga e sem rosto,
várias
de uma mão invisível, tão invisível que
desaparecem. O avanço da informática foi
nem face tem e assim priva o pai do que
impiedoso, e pode continuar a sê-lo.
lhe poderia restar de nome, autoridade e
Certas profissões - o mais das vezes, as
voz, voz que ele perdeu porque carrega a
não criativas, burocráticas, mecânicas –
do mercado.
deixaram ou deixarão de ter sentido. É
Pois bem, para além dos problemas
profissões
simplesmente
verdade que isso pouco se aplica a
que isso coloca para a psique de nossos
carreiras
jovens, o que quero salientar é que essa
universitária, mas não posso esquecer as
inesperada preocupação com o futuro
páginas de Italo Svevo, na Consciência de
deles
há
Zeno, em que o personagem-título se
condições, hoje, de prever qual carreira
gaba de sua capacidade para escriturar
terá destaque em vinte anos. Nossa
balanços em partidas dobradas. Hoje,
própria história, a dos aqui presentes que
certamente um programa de DOS, num
têm vinte, trinta ou quarenta anos de
daqueles disquetes flexíveis que já nem
exercício profissional, pode ilustrar este
encontramos, daria conta de todo o saber
ponto.
que Zeno demorou anos para acumular.
é
totalmente
Profissões
inútil.
que
Não
pareciam
que
tenham
formação
prometidas ao sucesso ou fadadas ao 99
Treinamentos
inteiros
se
tornaram
dispensáveis. Então, para quê?
realistas (o princípio de realidade, a pressão familiar, a ambição, a ilusão de
Acrescento uma experiência pessoal:
que dá para escolher como vencer na
sou professor num curso de Filosofia.
vida) – para outros caminhos. A pergunta
Sabidamente, este não forma ninguém
relevante
para uma carreira profissional bem paga.
evasão? O que faz muitos, dentre os mais
A única habilitação que damos permite
brilhantes cérebros, mas não apenas,
lecionar no segundo grau – com salários
seguirem um itinerário profissional que
baixos – ou na universidade, aí em
acabará longe de seu diploma?
condições
melhores,
mas,
que
não
é:
o
que
determina
essa
Histórias de vida nesse rumo são das
chegam a ser competitivas com as
mais
promovidas
No
seguidos vestibulares, não se formando
entanto, nossos egressos têm tido êxito
em nenhum curso - ou pelo menos não no
profissional às vezes admirável, em outras
primeiro,
áreas, como o jornalismo, a edição, a
acumulando
empresa, e isso devido à formação que
concursos de seleção os mais diversos.
receberam. A inutilidade do ponto de vista
Há os que se formam, mas não exercem a
burocrático (o diploma) ou linear (como
profissão, ou apenas a seguem por algum
naquelas perguntas em suplementos para
tempo. Há os que perdem o emprego, e
vestibulandos: para que serve o curso?)
por isso se vêem forçados a rever seu
resulta, na prática, razoavelmente útil.
perfil e vida. Este último caso é mais triste,
por
outras
carreiras.
variadas.
nem
Há
no
os
que
segundo
primeiros
prestam
-,
mas
lugares
em
E isso porque, cada vez mais, os
e aqui a mudança no trajeto é ditada por
profissionais seguem, no mercado e na
fatores externos, negativos; mas são
vida, uma trajetória em diagonal, que os
inúmeros os casos em que as alterações
leva de uma primeira formação escolhida
vêm por assim dizer de dentro. Disso se
com certa segurança – a partir de
segue, não mais uma pergunta, mas um
avaliações que se acreditam bastante 100
questionamento mais complexo. Vamos a
apenas à instituição escolar e ao corpo-a-
ele.
corpo que nela se trava entre os alunos e Será que a evasão, tão denunciada
pelos
gestores
é
Se eu tiver razão, isso significa que
mesmo o monstro que tanto se critica?
numa sociedade em rápida mudança é
Esforços notáveis foram envidados para
ilusório
reduzi-la, penso que com êxito a curto
profissionais sejam fixadas a partir de
prazo. Mas penso também que a evasão
escolhas efetuadas antes ou em torno dos
não se explica apenas pelo ambiente
vinte anos de idade. Mesmo adiar a data
interno à universidade, por uma dialética
da escolha, aliás, não adiantaria grande
entre aluno e curso. Ela tem a ver com um
coisa, até porque, certamente, nossos
mundo
as
jovens dispõem hoje de uma informação
escolhas - desse a quem chamamos de
muito maior do que seus equivalentes em
aluno, numa fase jovem de sua vida, mas
qualquer época do passado. O problema
que deveríamos considerar ao longo de
não está no jovem, está no mundo. Talvez
toda ela, como alguém que não cessa de
eu devesse então radicalizar a frase com
aprender – muito mais difíceis e precárias.
que comecei o parágrafo, e dizer que
É claro que nenhum de nós deseja
numa sociedade em rápida mudança é
em
currículos
das
universidades,
o estabelecimento.
mudança,
superados,
que
torna
professores
ilusório
acreditar
que
acreditar
que
identidades
identidades
desmotivados, bibliotecas desatualizadas
profissionais sejam fixadas, ponto – pouco
- para mencionarmos alguns dos fatores
importando as idades.
que fazem os alunos se evadirem dos
Ora, isso significa nos prepararmos
cursos. Mas minha pergunta é se a
para
mudanças
mais
freqüentes
de
chamada evasão não tem a ver com
profissão - no limite, para uma sociedade
fatores mais amplos, que dizem respeito à
na qual as pessoas troquem de inserção
sociedade, à inclusão social do ser
profissional até com certa regularidade.
humano, jovem e depois adulto, e não
Não sei se os presentes lembram de um 101
texto que aparecia nas primeiras páginas
que
da carteira profissional, de lavra de algum
declinações
administrador da era Getúlio Vargas, e
compreender os versos de Catulo à
que dizia que aquele documento permitiria
Aritmética e à Geometria era o domínio do
ver se o trabalhador se tinha esforçado no
pensamento lógico. Foi, depois, suprimido
seio da empresa, se era fiel à mesma - ou,
o Latim porque seria inútil. Ninguém
ficava
de
pensaria em excluir a Matemática ou em
emprego em emprego, o que seria menos
dizê-la inútil, é claro. Mas, se havia
nobre. Pois bem, é esse antigo vício da
mesmo algum parentesco entre as duas
mudança que veio a constituir uma
disciplinas, como então se murmurava, é
característica de nosso tempo.
claro que a incorporação do Latim ao
implícito,
Seria pesquisa
se
preciso de
teria
saltado
promovermos
longo
fôlego,
unia
o
bom e
conhecimento
das
capacidade
de
a
uma
patrimônio mental dos alunos iria muito
que
mais
longe
do
que
o
simples
considerasse os egressos das instituições
conhecimento dos clássicos romanos: ela
de ensino superior, e procurasse ver –
significaria uma agilidade maior no trato
passados cinco, dez, vinte anos – o que
da frase como construção lógica. Ou seja,
ficou para eles, o que passou a fazer parte
o
do seu DNA, de que maneira foram
Matemática
incorporados
pensamento científico.
o
conhecimento
e
as
Latim
seria
tão
para
bom
quanto
desenvolver
a o
vivências havidos ao longo de seus
É possível, se fizermos a pesquisa
cursos. Certamente colheremos muitas
que sugeri, que descubramos por que
surpresas. Lembro de que, quando entrei
tantos engenheiros viraram suco (o nome
no
ginásio,
de uma lanchonete na avenida Paulista,
costumava-se dizer que o aluno bom em
em São Paulo, no final dos anos 1980),
Latim
por que tantas pessoas passam por uma
que
então
saía-se
se
bem
chamava
igualmente
em
Matemática; haveria afinidades eletivas,
formação
de
primeira
qualidade
em
secretas, entre as matérias; no caso, o
carreiras disputadíssimas para, depois, 102
tomarem outro rumo. Parece um enorme
é, potencialmente, a qualquer um de nós)
desperdício
uma profundidade de campo para lidar
alguém
estudar
numa
excelente faculdade de Medicina ou de
com uma vida em risco.
Engenharia para, depois, escolher outra
Não se trata, então, de fazer esse
carreira. São numerosas essas pessoas,
follow-up dos nossos ex-alunos para
ou constituem exceção? Certamente elas
descartar
são minoria, mas não quer dizer que
tiveram papel em sua vida. Às vezes,
sejam, em quantidade e em qualidade,
pode ser exatamente o contrário: notar o
insignificantes.
que lhes faltou, perceber o que truncou
as
(in)formações
que
não
Do que aprenderam, quanto lhes
suas vidas pela falta. Alguns excelentes
serviu? E lhes serviu como? Porque servir
alunos que passaram por mim, na pós-
não quer dizer apenas ter um uso
graduação, não conseguiram terminar
imediatista. Acabo de redigir um projeto
suas teses, não porque fossem fracos,
de
futuros
mas porque aliavam a uma inteligência de
empresários e economistas, na Faculdade
primeira qualidade uma autocrítica tão
Pitágoras, de Belo Horizonte, e nele
severa que não chegavam a completar o
proponho que a última aula – para essas
trabalho; faltou, na formação que tiveram,
pessoas que, por profissão cultuam e hão
talvez
de cultuar o sucesso – seja voltada para o
Humanidade. Ficaram amputados em sua
sentido pedagógico e ético do fracasso. É
capacidade de realização. Imagino que no
fundamental que elas saibam, que todos
mercado de trabalho possamos detectar
saibamos, que em certas circunstâncias, é
multidões de egressos das IES a quem
melhor perder do que vencer. Há vitórias
falta algo essencial, algo que os impede
de Pirro. Há um êxito profissional que
de se realizarem melhor; e descobrirem
aniquila a pessoa. E da mesma forma há
esse ponto truncado será quase fabuloso,
aprendizados inúteis, profissionalmente,
de tão importante para pensarmos melhor
mas que dão à pessoa em formação (isto
os cursos, os currículos.
curso
de
Ética
para
Psicologia
ou
simplesmente
103
Mas a questão é que a vida tornou-se
profissão, era garantida pela família. O
extremamente arriscada. Podemos perder
mundo público e o íntimo ou, se quiserem,
o emprego; uma profissão inteira pode ser
a boca e o fundo do palco eram ambos
substituída por um novo software; mesmo
seguros. Hoje, gostemos ou não, ambos
aqueles de nós que são efetivos, como os
os espaços, o da visibilidade profissional e
professores de universidades públicas,
o
têm diante de si a perspectiva de uma
transparência exibida, porém frágil e o do
aposentadoria
ocultamento tonificante foram seriamente
muito
pior
do
que
esperavam; os casamentos se desfazem;
da
invisibilidade
afetiva,
o
da
perturbados.
os filhos somem. Todos os fatores de
A vantagem que situação tão adversa
estabilidade que antes tornavam a vida
proporciona é somente uma: que ficamos
segura, dos profissionais aos pessoais,
mais livres para trilharmos caminhos mais
dos mais secos aos mais quentes, do
adequados às capacidades e desejos de
dinheiro ao amor, estão sendo postos em
cada qual. Não precisamos mais nos
xeque. Isso requer, na formação da
modelar segundo um rol escasso de
pessoa – e sobretudo na educação que
possibilidades, tanto profissionais quanto
culmina
na
universidade
–
se
pessoais. Mas esta vantagem tem de ser
construa para cada um o que eu chamaria
agarrada com todo o empenho, com
uma
uma
paixão, porque ela é a única vantagem
retaguarda. Não podemos viver sem este
que se tem, num contexto tão caro e
espaço de intimidade no qual possamos
custoso. Estamos pagando um preço
retemperar nossas forças, assegurar uma
muito caro pela vida, hoje, em termos
nova dose de energia, ter a convicção de
tanto profissionais quanto pessoais; então,
alguma paz. Antes, a cena pública – no
que pelo menos aufiramos o bem que nos
caso, profissional – era mais segura, e a
custa tanto.
profundidade
de
que
campo,
profundidade de campo, para o caso do desemprego
ou
do
insucesso
na
Como então, formar esta profundidade de campo? Penso que a universidade tem 104
sua contribuição nisso. Antes de sugerir
nossa subsistência e crescimento. Mas a
qual seja, porém, tenho de dizer que não
academia
é só ela que deve incumbir-se disso; este
profundidade de campo, numa associação
deve ser um empenho de todos nós, na
entre conhecimento e ação, entre saber e
medida
sabedoria. Volto aqui, ao projeto de curso
mesma
em
que
tomemos
consciência desta crise generalizada das posições sociais, incluindo as profissões e
pode
elaborar
uma
outra
de Humanidades de que antes falei. Tradicionalmente,
entendeu-se
por
os compromissos, a qual vem desde
muito tempo que, para sua boa formação
décadas e parece que continuará ainda
ética, o homem - e mais ele, o varão, do
por bastante tempo. Mas a universidade
que a mulher - deveria passar por uma
pode melhorar este quadro de duas
boa leitura dos clássicos, de preferência
formas.
os greco-romanos. Essa convicção nasce
A primeira é alertando para esta
em Roma antiga, reaparece com a
instabilidade que tomou conta da vida
Renascença e está presente ainda nos
atual. Ela tem condições de captar o que é
inícios do século XX, em nossa República
um mundo da qual desapareceu a solidez.
Velha, dessa feita com um forte viés
Ela
conhecê-lo,
conservador. Não é nada disso o que
apresentá-lo. Fazê-lo é diminuir as ilusões
pretende o nosso curso de Humanidades.
de que se nutrem as pessoas, e isso é
E isso pela simples razão de que o mundo
bom. E assim agindo a universidade pode
atual não comporta, em absoluto, a idéia
- segundo ponto - reduzir a dor que esse
de obras clássicas como fiadoras da
chão ensaboado proporciona. É aqui que
estabilidade dos valores essenciais, que
entra o que chamei profundidade de
era o que pretendia a convicção a que
campo.
que
aludimos. A formação do homem de bem
campo
passava, então, pelo aprendizado de uma
afetiva, o espaço formado por vínculos de
ética permanente, inconteste. Ora, tudo o
amizade e de amor que é essencial para
que dissemos até aqui enfatiza, em nosso
pode
descrevê-lo,
Não
construirá
a
é
a
universidade
profundidade
de
105
tempo, a mudança. Daí que um curso de
que cada uma dessas ferramentas de
Humanidades tenha hoje um sentido
pensar está dotada não só de qualidades
inteiramente distinto do que seria a
mas também
formação ética estável de outros tempos.
diante de nós uma geração de pessoas
Seu sentido só poderá ser o de lidar com
a
mudança.
Pode-se
e
de limitações, teremos
mais apta a lidar com o que é mutável no
deve
conhecimento e no mundo. Não as
trabalhar-se com os clássicos, sim, mas
conformaremos a um único modo de
pela sua qualidade, por sua excelência
conversar com o mundo; esse tipo de
filosófica, artística e literária, e não por
formação é, hoje, desastroso no mais alto
valores morais que eles portariam no lugar
grau, por deixar as pessoas inteiramente
de sua qualidade específica. O que se
despreparadas para as crises que tenham
procurará estudando o cânone da cultura
em
humana - ocidental mas também a oriental
intelectualmente insuficiente, por vender-
- será acentuar as diferenças, ao invés
lhes como verdade definitiva o que,
portanto, de uma ilusória homogeneidade
cientificamente, nunca pode ser mais que
e permanência. Um dos mais destacados
provisório.
críticos literários do século XX, Erich
suas
vidas,
além
de
ser
Uma última palavra: é evidente que
Auerbach, começa seu livro Mímesis
um
projeto
de
curso
como
o
de
distinguindo uma forma de narrar bíblica,
Humanidades não pode servir de modelo
e judaica, de uma homérica, e helênica.
para toda uma universidade, ou sequer
Essas diferenças, essas irredutibilidades
para o seu setor de Humanas. É um curso
são o que interessa ressaltar.
experimental, antes de mais nada. Mas
Se educarmos pessoas que não
ele, pelo menos, permite marcar um
partam da crença na existência de uma
ponto, a meu ver essencial, que é o de
única teoria certa, mas que tenham sido
como podemos e devemos enfrentar um
formadas no confronto de linguagens, de
mundo em mudanças. Isso exige uma
teorias, enfoques e abordagens, sabendo 106
reflexão
final
sobre
o
mercado
de
trabalho. Penso
experimentarem ao longo de suas vidas profissional e pessoal, teremos dado a
que
à
universidade
cabe
elas o melhor de nós. E os ambientes de
promover sobretudo a formação dos
trabalho em que elas depois se integrarem
alunos, enquanto o seu treinamento pode
proporcionarão a sintonia fina dos meios
ser conduzido no ambiente das empresas.
pelos
Obviamente, a formação é mais integral
profissional.
do que o treinamento. Este, por sua vez, é mais
mutável,
mais
específico,
quais
exercerão
sua
vida
É claro que isso não significa dois
mais
compartimentos estanques, um a cargo da
nervoso, mais sujeito aos tempos: uma
universidade, outro, da empresa (e, por
escola de jornalismo, por exemplo, que
que não, dos sindicatos, dos movimentos
pretenda treinar para as redações terá na
sociais). Um diálogo entre esses dois
verdade que mudar a cada ano ou mesmo
mundos é mais que desejável. O curso
semestre suas rotinas – e o fará mal,
seqüencial pode ser um feliz exemplo
enquanto num órgão de imprensa o
disso,
recém-contratado poderá aprender, em
intelectuais distintas para preparar um
bem poucos meses, as técnicas que
bom profissional em áreas que, por sua
porventura ainda lhe falte saber.
própria natureza, são de fronteira. E
se
articular
bem
disciplinas
A universidade não deve tentar fazer
quando se diz que hoje o aprendizado
(mal) o que a empresa pode fazer melhor.
nunca cessa, e que vivemos numa
O papel do ensino superior é o de fazer
sociedade do conhecimento, é importante
bem o que só ele pode fazer – no caso,
que a empresa – a cliente por excelência
formar pessoas para um ambiente de
que pode, inclusive, custear esse trabalho
mudanças. Se dermos às pessoas a
de informação e formação constantes –
densidade intelectual, cultural e ética que
esteja articulada com o ambiente da
depois as capacite a enfrentar – e mesmo
pesquisa acadêmica. Nada do que eu
a
esposar
–
as
mudanças
que
disse, portanto, propõe um alheamento 107
dos
dois
conseguiremos
mundos. converter
Mas o
não que
é
assustador, neste mundo instável em que hoje estamos, em produtivo e promissor, se não soubermos proporcionar uma formação densa e rica que prepare as pessoas para as trajetórias tão díspares, tão imprevistas, que é cada vez mais freqüente que venham a ter.
Referências bibliográficas A principal referência bibliográfica deste artigo é o livro Humanidades – um novo curso na USP (São Paulo: Edusp, 2001), que organizei e para o qual escrevi dois artigos. O primeiro deles é uma apresentação, na qual sustento uma série de princípios sobre a universidade. O segundo é o projeto propriamente dito do curso. Este último está disponível na página
eletrônica
http://naeg.prg.usp.br/humanidades/.
108
A gestão do ensino superior: o papel dos coordenadores dos cursos de graduação Maria Alice Rodrigues Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Tratar do papel dos coordenadores
tecnológico e humano do país. Como foi
dos cursos de graduação na gestão do
destacado no convite para este encontro,
ensino superior é tarefa desafiadora e
as políticas públicas oficiais para a
instigante. O tema é complexo e comporta
educação superior trazem implicações
várias abordagens, razão pela qual não
profundas nas estruturas curriculares dos
tenho a intenção de esgotá-lo. Assim,
cursos de graduação como, por exemplo,
pretendo abordá-lo a partir de uma
a gestão didático-pedagógica dos cursos,
reflexão
exigindo
sobre
as
responsabilidades
a
elaboração
e
constante
atribuídas às coordenações dos cursos,
aperfeiçoamento dos projetos político-
um
pedagógicos e sistemas permanentes de
olhar
sobre
as
atividades
que
consomem a maior parte do tempo dos coordenadores e a análise de algumas
avaliações dos cursos superiores. Em
decorrência
dessas
propostas que visam ao aprimoramento
transformações e exigências da política
do trabalho.
governamental,
Nos últimos anos, as instituições de
ficaram
sob
a
responsabilidade das coordenações dos
ensino superior têm sido demandadas a
cursos
a
elaboração,
prestar ensino qualificado, a promover a
implementação
pesquisa e a extensão, para cumprir a
curriculares, atendimento às demandas da
função de propiciar o desenvolvimento
avaliação institucional, da avaliação das
das
revisão
e
propostas
condições de ensino e do exame nacional
Evidentemente essas rotinas não são
de cursos. São atribuições que exigem
desenvolvidas
planejamento, tempo para execução e
coordenações,
espaços de avaliação e reavaliação.
colaboração de outros setores da IES.
Para
o
atendimento
somente pois
pelas
contam
com
a
dessas
Contudo, é inegável a necessidade da
demandas, as coordenações precisam
participação e envolvimento direto das
trabalhar em sintonia com outros setores
coordenações em todos os processos.
da IES, que devem estar conscientes da dimensão
das
tarefas
a
Ao lado das atividades mencionadas,
serem
as coordenações também têm a atribuição
desenvolvidas pelas coordenações, a fim
de viabilizar a integração dos professores
de que possam disponibilizar os dados
com os objetivos do curso, acompanhá-los
necessários, nos prazos estabelecidos
em
pela legislação.
especialmente,
suas
práticas em
pedagógicas suas
e,
relações
No entanto, embora tenham funções
interpessoais com os alunos. Trata-se de
de tamanha envergadura, que poderiam
atuação difícil e delicada, especialmente
tomar todo o tempo de trabalho, as
nos tensionamentos que se acentuam no
coordenações também são responsáveis
final de cada semestre.
pelas chamadas tarefas do cotidiano. A
Analisando-se
o
trabalho
cada semestre, é necessário programar a
desenvolvido,
oferta de horários, orientar o processo de
coordenações passam a maior parte do
matrícula,
tempo envolvidas com questões que
participar
do
processo
de
constata-se
podemos
planejar
administrativas. Embora cientes de que
lotação
dos
professores,
não
promover
a
calouros,
administrativos e acadêmicos, corremos o
planejar
viagens
intercâmbio
risco de um envolvimento maior com
acadêmico e atividades de extensão.
rotinas que, literalmente, consomem o
de
aos
indissociáveis
acadêmico-
organizar a matrícula dos vestibulandos, recepção
são
de
as
seleção e contratação de professores, a
denominar
que
os
aspectos
110
nosso tempo, enquanto negligenciamos
desenvolvimento
reservar o tempo para a reflexão.
pedagógico.
É
importante
ter
consciência
da
As
do
coordenações
político-
precisam
atentas
planejar o curso, reservar espaço para a
político-pedagógico, que se torna efetivo
reflexão
no
o
curso
e
seu
trabalho
implementação
desenvolvido
do
estar
questão. É essencial destinar tempo para
sobre
à
projeto
por
projeto
cada
desenvolvimento e, especialmente, estar
professor. É na sala de aula que o projeto
atento ao cumprimento dos objetivos do
e os objetivos do curso ocorrem ou não.
projeto
a
Um trabalho articulado favorece o diálogo
e
permanente com professores e alunos.
readequações. Um tempo e espaço para o
Esse espaço aberto de comunicação
trabalho coletivo, que envolva direção,
permite aferir como está o projeto do
coordenações e professores.
curso,
político-pedagógico
necessidade
de
e
alterações
Para assegurar o tempo à reflexão, algumas ações são importantes. Em
podendo
apontar
para
a
necessidade de reformulações que visam a sua qualificação.
primeiro lugar, as equipes de coordenação
Para dar conta de tantas atividades,
devem assegurar um espaço semanal
considero importante a experiência que
para
e
desenvolvemos em nossa universidade há
permanente avaliação do trabalho. Além
alguns anos. Trata-se da criação de um
disso, é indispensável desenvolver um
fórum de coordenadores. O fórum é
trabalho
direção,
integrado por todos os coordenadores de
coordenações de pesquisa e de extensão
cursos da universidade, com reuniões
e, especialmente, com o núcleo de apoio
mensais. Neste espaço, são tratadas
pedagógico. Um trabalho conjunto com o
questões e angústias comuns a todas as
núcleo de apoio pegagógico permite a
coordenações. São objeto da reflexão e
constante qualificação do nosso fazer
busca de soluções coletivas às avaliações
pedagógico bem como viabiliza o bom
externas e internas, elaboração, revisão e
planejamento,
articulado
discussão
com
a
111
implementação pedagógico,
do
projeto
avaliação
do
ensino-aprendizagem,
políticoprocesso
relações
da
concretização
do
projeto
político-
pedagógico do curso, com a participação de todos os seus atores - professores,
coordenação com os professores, com os
alunos,
alunos e demais setores da universidade.
integrados e movidos por um único
A troca de experiências realizadas no fórum,
levou-nos
a
planejar
ações
funcionários
-
sentindo-se
objetivo - o desenvolvimento de um ensino superior de qualidade.
conjuntas. O fórum consolidou-se como um espaço de reflexão e planejamento, desencadeando capacitação
um
programa
dos
de
coordenadores,
assumido pela universidade, que já se encontra
na
segunda
capacitação
dos
possibilitou
atribuições,
das
A
coordenadores
uma
aprofundada
etapa.
reflexão nossas
mais
funções
e
e uma avaliação da nossa
própria prática como educadores. A experiência relatada deve ser encarada como uma contribuição que, com
outras,
desempenho
permitirá das
um
melhor
coordenações.
As
coordenações são o coração dos cursos, pois
a
elas
responsabilidade
cabe de
o
papel promover
e
a a
articulação que permita e viabilize a 112