Gestão de resíduos eletroeletrônicos 2014 livro

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Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos



Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos Lúcia Helena Xavier Tereza Cristina Carvalho


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CDD: 628 CDU: 628


Agradeço aos grandes mestres da minha vida, a começar pelos meus pais, que sempre apontam e me direcionam a seguir meu Projeto de Vida. Tereza Cristina Melo De Brito Carvalho A Victor, Pedro e João. Lúcia Helena Xavier


A gestão de resíduos eletroeletrônicos no Brasil

Apresentação A gestão de resíduos no Brasil tem sido motivada, prioritariamente, por exigências legais, mas aspectos de ordem social, econômica e ambiental também desencadeiam ações e favorecem as políticas públicas nesse segmento. Por vezes considerado um problema social e, outras vezes, uma questão econômica, a gestão de resíduos suscita amplas discussões e embates em diferentes esferas de poder. Há algumas décadas verifica-se a destinação de resíduos perigosos gerados nos países desenvolvidos, seguindo para os países em desenvolvimento. A partir do Acordo da Basileia (Suíça), estabelecido na década de 1980, essa movimentação de resíduos perigosos passou a ser acompanhada de perto e restrições foram impostas. Recentemente, evidência de casos de contaminação decorrentes da exposição a altas concentrações de metais pesados ganhou destaque na mídia e institutos de pesquisa passaram a estudar, de forma mais pontual, o efeito de diferentes agentes tóxicos na saúde humana. Desta forma, os resíduos de equipamentos eletroeletrônicos (REEE) ganharam destaque dentre os resíduos considerados perigosos. A Europa foi a precursora na elaboração de mecanismos regulamentadores a respeito da gestão de REEE a partir da elaboração da Diretiva RoHS (Restriction of Hazardous Substances) e da WEEE (Waste Electrical and Electronic Equipment). Ambos os instrumentos regulamentam a respeito dos riscos e ações esperadas para a destinação das classes de REEE comercializados, dando instruções referentes à gestão desses resíduos e auxiliando na compreensão de técnicas de destinação de produtos pós-consumo, bem como de formas de reciclagem e políticas de reúso. Toda a cadeia de valor, considerando o pré e pós-consumo, é considerada nessas duas Diretivas. A União Europeia motivou o comprometimento por parte de diversos países e, na América Latina, o Brasil ganhou papel de destaque a partir da elaboração das Políticas Estaduais e Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Além do Brasil, países como Argentina, Paraguai, Peru, Uruguai e Colômbia já possuem legislação própria sobre o assunto. O Brasil se destaca entre os países latino-americanos pela profundidade de sua


abordagem nos instrumentos legais e ainda pela prioridade dada, no âmbito da inclusão social, aos catadores de materiais recicláveis. Ainda são muitos os desafios que permeiam a inovação tecnológica, a gestão de resíduos e os instrumentos regulatórios. As pesquisas apontam avanços significativos no segmento tecnológico, mas os avanços ainda são tímidos na área social e ambiental. Particularidades da América Latina, Ásia e África delimitam um cenário que requer uma forte intervenção do poder público e conscientização dos cidadãos na busca por uma gestão sustentável dos REEE. Neste livro propomos a abordagem dos aspectos relacionados à gestão dos REEE sob as diferentes perspectivas, com o propósito de consolidar o conhecimento a respeito da temática, tendo como base a experiência de diferentes especialistas da academia e outros segmentos. Os autores, em sua maior parte professores envolvidos com pesquisa e projetos relacionados a essa área, apresentam as diferentes percepções a respeito da gestão de resíduos eletroeletrônicos e permitem ao leitor a compreensão dos principais argumentos que embasam o gerenciamento de REEE no Brasil. Desejamos que apreciem a leitura e, acima de tudo, que compartilhem essa trajetória singular que percorremos desde a aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, visando a melhoria da qualidade de vida em nosso país.

Lúcia Helena Xavier Tereza Cristina Carvalho


Sobre os Autores

TEREZA CRISTINA MELO DE BRITO CARVALHO – Graduação em Engenharia Eletrônica (1980), mestrado em Engenharia Elétrica (1988), doutorado em Engenharia Elétrica (1996) e Livre Docência em Engenharia Elétrica (2012) pela Universidade de São Paulo (USP) e Especialização em Liderança Humanista pela Universidade Estatal da Rússia (2013). Possui MBA na área de administração e negócios (2002) pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology). Atualmente é professora associada da USP, coordenadora geral do Laboratório de Sustentabilidade em Tecnologias Digitais(LASSU), Coordenadora do Centro de Descarte e Reúso de Resíduos de Informática (CEDIR) e pesquisadora do Laboratório de Arquitetura de Redes de Computadores (LARC). Além disso, é colunista (TI Inside) e membro do Conselho Editorial da InformationWeek Brasil. Tem experiência na área de Engenharia da Computação, atuando principalmente em projetos relacionados a Internet Avançada, Redes de Computadores, IPTV, Gerenciamento e Segurança da Informação, Governança de TI e Sustentabilidade em TI. Recebeu diversos prêmios por sua atuação em projetos de Sustentabilidade e Tratamento de Resíduos Sólidos, dentre eles: Prêmio Von Martius de Sustentabilidade, Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha (2013); 1° Lugar – Categoria Tecnologia – Projeto CEDIR (2013); 2o. Lugar – Categoria Humanidades – Projeto Eco-Eletro(2013); 3o. Lugar – Categoria Natureza – Programa Origem Sustentável para Indústria Calçadista (2013); Prêmio FECOMERCIO de Sustentabilidade – Categoria Professor – 1o. Lugar – Projeto Eco-Eletro (2013); Prêmio Governador Mário Covas - Categoria Inovação, Governo do Estado de São Paulo - Secretaria da Gestão Pública pelos Projetos CEDIR e Eco-Eletro (2008 e 2009) e Prêmio Iniciativa verde, Revista Info Exame - Editora Abril (2010). LÚCIA HELENA XAVIER – Graduação em Biologia, Bacharelado em Genética pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997), mestrado (2001) e doutorado (2005) em Gestão Ambiental pelo Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE/UFRJ). Possui experiência na área de Engenharia de Produção, com ênfase em Engenharia Ambiental, atuando principalmente nos seguintes temas: Gestão ambiental, Desempenho ambiental (ISO 14031), Logística reversa e Logística ambiental. Desenvolveu pesquisa em parceria com a Universidade de Oviedo (Espanha) em Logística reversa e ambiental. Bolsista PRODOC/CAPES pelo Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção da UFPB (2006). Pesquisadora Titular na Coordenação de Estudos Ambientais da Fundação Joaquim Nabuco (CGEA/ FUNDAJ). Professora Colaboradora no Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil na Universidade Federal de Pernambuco. Professora do MBA em Planejamento e Gestão


Ambiental da Universidade Católica de Pernambuco. Pós-doutora pela Universidade de São Paulo (2011-2012). Pesquisadora colaboradora do CERSOL (Centro Multidisciplinar de Estudos em Resíduos Sólidos da USP). ANA PAULA BORTOLETO – Possui graduação em Engenharia Civil pela Universidade Estadual de Campinas (2002), mestrado e doutorado no curso de Engenharia Ambiental pela Universidade de Tóquio (2006 e 2009). Pesquisadora financiada pela Comunidade Europeia (Marie Curie Fellowship) na Universidade de Sheffield, Inglaterra (2011 – 2012). Tem experiência na área de Engenharia Civil, com ênfase em Engenharia Ambiental, atuando principalmente nos seguintes temas: prevenção de resíduos sólidos, análise de comportamento e fatores sociais, análise de ciclo de vida, sustentabilidade e impactos ambientais e sociais do gerenciamento de resíduos sólidos. ANTÔNIO CONDE – Técnico em Eletrônica com 28 anos de experiência no segmento. Aluno do curso de Bacharelado em Gestão Ambiental pelo Instituto Metodista de Ensino Superior (2012). Atua no segmento da indústria de reciclagem de resíduos eletroeletrônicos desde 2008 e atua em empresas que estabeleceram parceria com o Cedir/USP desde 2011. CARLOS R. V. SILVA FILHO – Advogado, pós-graduado em Direito Administrativo e Econômico pela Universidade Mackenzie. Atualmente é Diretor Executivo da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE), Membro da Diretoria da ISWA (International Solid Waste Association - Associação Internacional de Resíduos Sólidos) e Coordenador da Secretaria Subregional da IPLA – Parceria Internacional para expansão dos serviços de gestão de resíduos junto a Autoridades Locais, um programa mantido pela ONU - UNCRD. Editor da Revista Conexão Academia, revista científica sobre resíduos sólidos, autor do livro “Resíduos Sólidos: o que diz a lei”, da Editora Trevisan e do capítulo “Os serviços de limpeza urbana e a PNRS”, que compõe a obra Política Nacional, Gestão e Gerenciamento de Resíduos Sólidos, da Coleção Ambiental, da Editora Manole. Professor convidado e palestrante em eventos nacionais e internacionais. CECÍLIA LOSCHIAVO – Professora Titular de Design da Universidade de São Paulo e Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Graduação (1976), Licenciatura (1977), Mestre (1985) e Doutora (1993) em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Obteve o título de livre-docente pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (2003). Orientadora em dois programas de pós-graduação da Universidade de São Paulo: na FAU - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e no PROCAM - Programa de Ciência Ambiental, do qual é presidente (20122014). Presidente da Comissão de Pós-Graduação do Instituto de Energia e Ambiente/ USP (2012-2014). Presidente da Comissão de Cultura e Extensão - CCEx do IEE - USP (2011-2012). Pós-Doutorado: University of California, Los Angeles, School of Public Policy and Social Research (1995-1997); Nihon University, Tóquio (1999); Centre Canadien d Architecture, Montreal (2001), University of California, School of Public Affairs, Los Angeles (2007-2008). Pesquisadora visitante Waseda University, Tóquio (2001); Tokyo Zokey University (2006); Indian Habitat Center, Nova Delhi (2006); Tama Art University (2008), University of Tokyo (2009); Loughborough University (2012); San Francisco


State University (2012). Membro do Comitê de Ética em Pesquisa da FSPUSP (20072013). Membro do Laboratório de Sustentabilidade em TIC da Escola Politécnica da USP. Membro do Conselho Editorial: Estudos em Design, Design em Foco, Design Philosophy Papers. Exerce atividades de coordenação e assessoria científica nas principais agências de fomento brasileiras, destacando-se seu papel como membro do Comitê de Assessoramento do CNPq e CAPES para a área de Design. Tem experiência na área de Design, com ênfase nos seguintes temas: design, design para a sustentabilidade, design brasileiro, design social, exclusão sócio espacial, moradores de rua, catadores de recicláveis. www.closchiavo.pro.br DANIELA DA GAMA E SILVA VOLPE MOREIRA DE MORAES – Possui gra­ duação em Administração Pública pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2008), mestrado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de São Carlos (2011) e, atualmente, é doutoranda do mesmo programa na linha de pesquisa de Gestão da Tecnologia e Inovação. É pesquisadora do Programa AMBIENTRONIC - Produtos Eletroeletrônicos Ambientalmente Corretos - no Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI), dedicando-se a temas relacionados à gestão de resíduos eletroeletrônicos. Participa de atividades de normalização ambiental para produtos e sistemas elétricos e eletrônicos na comissão de estudos CE 03:111 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e no TC 111 da International Electrotechnical Commission (IEC). DENISE CROCCE ROMANO ESPINOSA – Professora Associada do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e professora visitante da Rede Temática em Engenharia de Materiais (REDEMAT). Possui graduação em Engenharia Metalúrgica pela Universidade de São Paulo (1995), mestrado (1988) e doutorado (2002) em Engenharia Metalúrgica pela Universidade de São Paulo. Atuou como pesquisadora visitante no Massachusetts Institute of Technology (MIT) em 2001. É editora da Seção de Metalurgia e Materiais da Revista Escola de Minas e editora adjunta da Revista Brasileira de Ciências Ambientais. Integrante da Comissão de Avaliação da Área de Engenharias II da Capes (2013). Atua principalmente na área de Engenharia Metalúrgica e de Materiais com ênfase em: Metalurgia Extrativa, Reciclagem e Tratamento de Resíduos. DENNIS BRANDÃO – Possui graduação em Engenharia Mecânica (1998), mestrado em Engenharia Mecânica (2000) e doutorado em Engenharia Mecânica (2005) pela Universidade de São Paulo. Atualmente é professor doutor no Departamento de Engenharia Elétrica da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área Automação Industrial e atua nos seguintes temas: redes de campo, integração industrial, monitoramento e controle de processos. JOÃO MÚCIO AMADO MENDES – Mestrando em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Bacharel em Direito pela USP (2010), com graduação-sanduíche na Faculdade de Direito da Ludwig-Maximilians-Universität München (2007-2008). Foi bolsista do Deutscher Akademischer Austauschdienst (DAAD) e da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da USP. Atualmente, realiza estágio supervisionado em docência em Direito Civil na USP, com bolsa do Programa de Aperfeiçoamento do Ensino


(PAE). É pesquisador do Grupo de Estudos Aplicados ao Meio Ambiente (GEAMA/USP), do Centro Multidisciplinar de Estudos em Resíduos Sólidos (CeRSOL/USP), do Centro de Estudos e Pesquisas sobre Desastres no Estado de São Paulo (CEPED/USP) e da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (DIREITO GV). Realiza pesquisa em Direito Civil Ambiental, com ênfase em: responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos; resíduos de equipamentos eletroeletrônicos; logística reversa; prevenção de resíduos; tutela do consumidor e do meio ambiente; design sustentável do produto; responsabilidade civil por danos ambientais; áreas contaminadas; e prevenção de desastres. Membro da International Solid Waste Association (ISWA) e associado benemérito do Instituto Sustentabilidade e Saúde. Professor convidado, consultor ambiental e advogado em São Paulo. JORGE ALBERTO SOARES TENÓRIO – Professor Titular da Universidade de São Paulo (2005). Engenheiro Metalurgista (1984). Mestrado e Doutorado em Engenharia Metalúrgica (1988-1992) pela Universidade de São Paulo. Professor Livre-Docente pela Escola Politécnica (1996). Sabatino no Department of Materials Science and Engineering do Massachusetts Institute of Technology (2001). Atua nas áreas de Engenharia de Materiais e Metalúrgica, com ênfase em Reciclagem, Tratamento de Resíduos Sólidos e Metalurgia Extrativa. Presidente do ICTR - Instituto de Ciência e Tecnologia em Resíduos e Desenvolvimento Sustentável (20082011). Professor e orientador convidado do programa de Ciência e Engenharia de Materiais da REDEMAT UFOP desde 2000. Professor e orientador convidado do Programa de Mestrado em Engenharia Metalúrgica do Instituto Federal do Espírito Santo PROPEM IFES desde 2009. Editor da Revista Brasileira de Ciências Ambientais do ICTR (qualis B2) e da Seção Metalurgia e Materiais da Revista Escola de Minas (qualis B1) e da Revista Tecnologia em Metalurgia e Materiais da ABM (qualis B2). Integrante do Comitê de Assessoramento do CNPq de Engenharia de Minas e de Metalurgia e Materiais (CA-MM) desde 2010. Integrante da Comissão de Avaliação da Área de Engenharias II da CAPES (2004-2009). Intercâmbios Internacionais com a Northeastern University (2000) e com o MIT (2001-2002). Coordenador de projetos em Rede Nacionais PROCAD (2000-2004), Pro-Engenharias (2008-2013) e Rede Nanobiotech (2008-2013). Chefe do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Escola Politécnica desde 2010. Coordenador do CERSOL (Centro Multidisciplinar de Estudos em Resíduos Sólidos da USP). LUCIANA LUCENA – Possui graduação em Engenharia Civil (1996) e mestrado em Engenharia Civil (1999) pela Universidade Federal da Paraíba, e doutorado em Economia pela Universidade Federal de Pernambuco (2004). Atualmente é Professora Adjunta na Escola de Ciências e Tecnologia da UFRN e Professora Colabora na Pós-Graduação em Engenharia Civil na UFRN. Tem experiência nas áreas de Engenharia e Economia, com ênfase em Planejamento de Transportes, Materiais Alternativos e Economia dos Recursos Naturais, atuando principalmente nos seguintes temas: gestão de resíduos sólidos, meio ambiente, economia e materiais alternativos. MARCIA REGINA EWALD – Possui mais de 25 anos de experiência industrial, atuando nas áreas de engenharia de produtos, engenharia de processos e produção de placas


de circuito impresso. Desde 2005 vem se dedicando às atividades de consultoria nas áreas de sistemas de gestão da qualidade e participa, desde 2006, de projetos do Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer para qualificação de componentes eletroeletrônicos (SAC PCI) e para produtos eletroeletrônicos ambientalmente corretos (Ambientronic), sendo responsável técnica para implantação de Sistemas de Gestão de Substâncias Perigosas. Atua desde 2006 nas atividades de normalização nacional e internacional sendo coordenadora da comissão de estudos CE 03:091 (montagens eletrônicas), secretária da CE 03:111 (Normalização ambiental para produtos e sistemas elétricos e eletrônicos) e delegada em comitês técnicos do IEC. Técnica química e administradora de empresas. MARIANA MARENKO FERRON – Possui graduação em Medicina pela Universidade de São Paulo (2002), residência em Medicina de Família e Comunidade pelo Grupo Hospitalar Conceição e Mestrado em Medicina Preventiva pela Universidade de São Paulo (2010). Cursando Doutorado em Medicina Preventiva na Universidade de São Paulo. Atualmente trabalha como Diretora do Departamento de Atenção a Saúde da Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde. Tem experiência na área de Medicina, com ênfase em Medicina de Família e Comunidade e Saúde Indígena, atuando principalmente nos seguintes temas: atenção primária, medicina de família, saúde ambiental e saúde Indígena. NELSON GOUVEIA – Graduado em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo (1986), tem Mestrado em Epidemiologia (MSc) (1993) e Doutorado em Saúde Pública (PhD) (1998), ambos pela London School of Hygiene and Tropical Medicine - University of London. Atualmente é Professor Associado do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Membro do Grupo Temático de Saúde e Ambiente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), e tem atuado em diversos comitês técnico-assessores do Ministério da Saúde. Tem experiência na área de Epidemiologia e Saúde Coletiva, com ênfase em Saúde Ambiental, atuando principalmente nos seguintes temas: poluição do ar, poluição eletromagnética, contaminação química, poluição das águas e sistemas de informação geográfica. NEUCI BICOV FRADE – Graduação em Licenciatura Matemática no IME - Instituto de Matemática e Estatística da USP (1992). Especialização Lato Sensu em Gestão Ambiental do Espaço Urbano (2007). Responsável técnica pelo Centro de Descarte e Reúso de Resíduos de Informática (CEDIR/USP), atuando como gestora ambiental na gestão de resíduos de equipamentos eletroeletrônicos da Universidade de São Paulo desde 2009. PATRÍCIA FAGA IGLECIAS LEMOS – Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Livre-docente (2011), doutora (2007) e mestre (2002) em Direito pela USP, com graduação em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1991). Orientadora nos Programas de Pós-Graduação em Direito (FD/USP) e em Ciência Ambiental (PROCAM/USP). Pesquisadora líder do Grupo de Estudos Aplicados ao Meio Ambiente (GEAMA/USP), do Centro Multidisciplinar de Estudos em Resíduos Sólidos (CeRSOL/USP) e do Centro de Estudos e Pesquisas sobre Desastres no Estado de São Paulo (CEPED/USP). Realiza pesquisa em Direito Civil Ambiental, com ênfase em: responsabilidade civil pós-consumo; resíduos sólidos; logística reversa; responsabilidade


compartilhada; consumo sustentável; design sustentável do produto; áreas contaminadas; responsabilidade civil por danos ao meio ambiente; nexo de causalidade; compensação ambiental; e prevenção de desastres. Conferencista no Brasil e no exterior, possui diversas obras publicadas, com destaque para o livro “Resíduos sólidos e responsabilidade civil pós-consumo”, pela Editora Revista dos Tribunais. Vice-presidente da região Sudeste do Instituto O Direito por um Planeta Verde. Coordenadora, para o Estado de São Paulo, da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil (APRODAB). Membro da European Environmental Law Association (EELA) e do Conselho Estadual do Meio Ambiente (CONSEMA). Advogada e consultora ambiental em São Paulo. PATRÍCIA GUARNIERI – Professora adjunta na Universidade de Brasilia (UnB). Doutora em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) (2012). Mestre em Engenharia da Produção, com ênfase em Gestão Industrial, pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) (2006). Especialista em Gestão Empresarial pela Faculdade de Ciências Sociais e Aplicadas de Cascavel e Instituto Brasileiro de Pesquisas Sócio-Econômicas (2002) e Especialista em Docência no Ensino Superior pela União Pan-americana de Ensino (2005). Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) (2000). Tem experiência em Gestão de Empresas, atuando principalmente nas seguintes áreas: Logística de Suprimentos e Logística Reversa, Gestão de parcerias e relacionamentos colaborativos no SCM, Contabilidade Ambiental, Análise Financeira de Empresas e Análise de decisões. É autora do livro Logística Reversa: em busca do equilíbrio econômico e ambiental. Possui artigos publicados em eventos e periódicos nacionais e internacionais, capítulos em livros nacionais e internacionais. Referee dos periódicos: Journal of Industrial Engineering and Management; International Journal of Sustainable Engineering e Independent Journal of Management & Production, além de eventos nacionais e internacionais. PATRICIA SILVERIO FERNANDES – Coordenadora de Logística Reversa na empresa Telefônica Transporte e Logística LTDA com mais de 13 anos de experiência na área de Logística com foco em eletroeletrônicos. Os três últimos anos dedicados totalmente à área de reversa contribuindo para implantação da Central de Logística Reversa cujo projeto ganhou o premio Inovador na FGV em 2010. Tecnóloga em Logística pela Universidade Nove de Julho e cursando atualmente MBA em Logística e Cadeia de Suprimentos na FMU. RÚBIA KUNO – Possui graduação em Farmácia e Bioquímica, mestrado em Saúde Pública na área de Epidemiologia e Doutorado em Ciências na área de Medicina Preventiva, todos pela USP. Atualmente é gerente da Divisão de Toxicologia e Genotoxicidade da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo – Cetesb, onde trabalha desde 1982. Tem experiência na área de Toxicologia Humana e Saúde Ambiental, atuando principalmente nos seguintes temas: contaminação ambiental, chumbo, biomonitoramento, toxicologia e qualidade ambiental. SONIA SENGER – Possui graduação em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Viçosa (1988), mestrado em Engenharia Civil e Ambiental pela Universidade Federal de Campina Grande (1993) e doutorado em Interunidades em Energia pela Universidade de São


Paulo (2002). Tem atuado na área interdisciplinar de Energia, com ênfase no estudo da organização da produção e distribuição da energia na Sociedade. SYLMARA DIAS – Professora Doutora da Escola de Artes Ciência e Humanidades, Universidade São Paulo. Orientadora do Programa de Ciências Ambientais (PROCAM-USP). Doutora em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas - SP. Doutora em Ciência Ambiental pela Universidade de São Paulo. Mestre em Administração pela Universidade de São Paulo. Graduada em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e em Pedagogia pelo Instituto de Educação de Minas Gerais. Pesquisadora visitante Loughborough University (2012), San Diego University (2013), Secretária Executiva da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Ambiente e Socidedade ANPPAS (2012-2014). Membro da Rede de Pesquisadores em Gestão Social (RGS). Membro do Laboratório de Sustentabilidade em TIC da Escola Politécnica da USP; Vice-coordenadora do Centro de Inovação em Tecnologia Social SocialTec (LASSU-PCS-EPUSP). Membro do Conselho Editorial: Cadernos EBAPE, Cadernos de Gestão Social, Nau Social, Revista Eletrônica Economia e Gestão. Exerce atividades de assessoria científica para principais agências de fomento brasileiras: CNPq, CAPES, FAPESP (áreas Administração e Interdisciplinar). Avaliadora de artigos científicos para periódicos e congressos nacionais e internacionais. Tem experiência na área de Administração, com ênfase nos seguintes temas: sustentabilidade, gestão socioambiental, produção-consumo e meio ambiente, sustentabilidade em cadeia de suprimentos, ciclo de vida de embalagem, logística reversa, resíduos sólidos, catadores, negócios sociais, planejamento estratégico, organizações e sociedade. VIRGÍNIA PRAGANA – Possui graduação em Gestão Ambiental pela Universidade de São Paulo (USP). Realizou iniciação científica e trabalho de conclusão de curso sobre a gestão de resíduos eletroeletrônicos em cooperativas no município de São Paulo. Tem experiência no gerenciamento de resíduos industriais. Atualmente trabalha com auditoria de responsabilidade socioambiental em cadeias produtivas. VIVIANE TAVARES DE MORAES – Possui graduação em Tecnologia Ambiental e em Engenharia Ambiental, e mestrado, doutorado e pós-doutorado em Engenharia Metalúrgica pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente faz pós-doutorado em Engenharia Metalúrgica pela USP. Tem experiência na área de Química, atuando principalmente nos seguintes temas: resíduos eletroeletrônicos, reciclagem, hidrometalurgia.


Prefácio

O acelerado crescimento populacional, acompanhado dos avanços tecnológicos, produziu o intenso consumo do chamado capital natural acompanhado de um aumento na geração de resíduos, estabelecendo um cenário crescente de promoção da gestão de resíduos que se gerenciados adequadamente levam à degradação ambiental. Após duas décadas de um esforço que envolveu amplo debate entre os setores da sociedade brasileira, o governo promulgou a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305 de 02 de agosto de 2010). Esse instrumento legal resultou num importante avanço que permitiu ao Estado brasileiro dar prosseguimento a uma estratégia concreta tratamento das questões ambientais agora incluindo os resíduos sólidos em toda a sua diversidade e problemas sociais acarretados. Considerada um dos instrumentos mais desafiadores trazidos pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, a logística reversa representa um desafio para sociedade e governo brasileiros que se propõem a implantar tal ferramenta para viabilizar a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, promovendo a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial para o reaproveitamento em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final e sua ambientalmente adequada. A logística reversa é responsável também por incluir o consumidor neste processo, trazendo a sociedade para atuar a partir de suas residências na promoção da qualidade ambiental e contribuindo para uma responsabilidade mais efetiva sobre os nossos recursos naturais. Ao assumir esse desafio, o Brasil deverá considerar questões ambientais, tecnológicas, sociais e econômicas e aceitar o compromisso de gerir os resíduos sólidos com o envolvimento dos setores públicos, iniciativa privada e segmentos organizados da sociedade civil. Zilda Maria Faria Veloso Diretora de Ambiente Urbano Secretaria de Recursos Hídricos e Meio Urbano Ministério do Meio Ambiente


Lúcia Helena Xavier, Tereza Cristina Melo de Brito Carvalho

Capítulo 1

Introdução à Gestão de Resíduos de Equipamentos Eletroeletrônicos RESUMO

Os resíduos tecnológicos representam, por um lado, um considerável passivo ambiental ainda ignorado por grande parte dos fabricantes no Brasil e, por outro lado, um nicho de mercado que demanda conhecimento e tecnologia para a efetiva gestão ambiental. Os mecanismos regulatórios nacionais e internacionais têm papel de grande relevância na mobilização dos atores envolvidos na gestão da cadeia reversa dos resíduos eletroeletrônicos. O Brasil foi um dos primeiros países em desenvolvimento a consolidar um conjunto de regulamentações acerca da gestão de resíduos e, mais especificamente, legislar a respeito da gestão de resíduos de equipamentos eletroeletrônicos, especificando a responsabilidade compartilhada como modo de gestão. Por isso, alternativas de gerenciamento têm despontado a partir dessa regulamentação. Este capítulo discute brevemente a motivação para a gestão dos eletroeletrônicos, bem como apresenta as principais ferramentas utilizadas por gestores e recicladores.

1.1 Introdução A questão ambiental tem gradativamente encontrado espaço na administração de organizações do setor privado e público, seja pela necessidade de adequação aos requisitos legais, seja pela necessidade de alcançar ou manter patamares de sustentabilidade que garantam

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2  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos parcela competitiva do mercado. Na implementação da gestão ambiental, as empresas são responsáveis não apenas pela administração de suas atividades, como também pela tomada de decisões que impactam diretamente o projeto, a fabricação de seus produtos, bem como a destinação de resíduos na etapa pós-consumo e a reinserção de materiais e produtos em cadeias produtivas que suportem materiais reciclados e/ou recicláveis (GONZALEZTORRE et al, 2004). O gerenciamento de resíduos, enquanto parte da gestão ambiental, ocorre de forma diferenciada em cada país ou região. Isso em função, principalmente, da percepção e avaliação de impacto, da conscientização ou da legislação vigente em cada território. Deve-se considerar na avaliação de impacto alguns aspectos específicos, como: a escassez de recursos naturais e a restrição de espaços para a disposição de resíduos, além da possibilidade de recuperação energética a partir dos resíduos. As diferentes interpretações de sustentabilidade são refletidas no tipo de abordagem e tratamento dado às questões referentes à gestão de resíduos. Os países em desenvolvimento, por exemplo, tendem a focar em ações corretivas, enquanto os países desenvolvidos possuem, em sua maioria, políticas preventivas abrangentes. Em uma breve análise cronológica da evolução da gestão ambiental, pode-se observar que a administração de resíduos avançou de um comportamento prioritariamente de controle da poluição e dos seus impactos (até antes da década de 1980), para uma postura de prevenção (década de 1990), e posteriormente para a condição de monitoramento integrado e prevenção (a partir das décadas de 1990 e 2000), conforme proposto por vários autores (WILSON, 1985); (KREITH, 1992); (MORRISSEY, 2004). O potencial de impacto de cada categoria de resíduo tende a ser um dos principais fatores a serem observados para a definição das ações preventivas e corretivas a serem adotadas. Em relação à gestão de Resíduos de Equipamentos Eletroeletrônicos (REEE), os danos resultantes da exposição de metais pesados e outros compostos tóxicos consistem nos principais indicadores a serem considerados no manejo dessa categoria de resíduo. Com base nesse entendimento, a primeira referência mundial sobre a destinação desse tipo de resíduos foi a proposição da Convenção da Basileia,1 que estabelece limites para a movimentação transfronteiriça de produtos perigosos, bem como apresenta restrições a respeito da destinação de diferentes categorias de resíduos. Os REEE são contemplados a partir do Anexo VIII da Convenção da Basileia que especifica resíduos metálicos. São considerados Equipamentos Eletroeletrônicos (EEE), aqueles que dependem de corrente elétrica ou campo eletromagnético para funcionar, bem como aqueles que geram, transferem ou medem correntes e campos magnéticos. E os Resíduos de Equipamentos Eletroeletrônicos (REEE) são aqueles produtos, partes ou componentes de EEE pós-consumo. As substâncias presentes ou resultantes do uso de equipamentos 1 A Convenção da Basileia foi proposta em 1989 para adesão por parte dos signatários, mas só foi amplamente reconhecida a partir de maio de 1992. Em março de 2011 havia 175 países que se declararam signatários. http://www.basel.int/Portals/4/Basel%20Convention/docs/text/BaselConventionText-e.pdf


Introdução à Gestão de Resíduos de Equipamentos Eletroeletrônicos   3 eletroeletrônicos e consideradas de maior impacto à saúde humana e ao meio ambiente são os metais pesados, gases de efeito estufa (como os CFC - CloroFluorCarbonetos), as substâncias halogenadas, bifenilas policloradas, bromatos e o arsênio (RODRIGUES, 2007), além dos retardantes de chama PPBs (Bifenilas Polibromadas) e PBDE (Éteres Difenílicos PoliBromados). A Comunidade Europeia estabeleceu duas diretivas especificas sobre a gestão de REEE: a WEEE (Waste Electrical and Electronic Equipment) e a RoHS (Restriction of Certain Hazardous Substances). Tais diretivas consistem em recomendações consensuais entre os países-membros, que servem como orientação para a regulamentação in loco, podendo adaptá-las de forma a conferir aderência às metas e arcabouço legal específicos de seu país. A partir dessas diretivas foram estabelecidos prazos para a adaptação das leis, com o propósito de alinhamento entre os países-membros, em prol de mecanismos operacionais e de mercado comuns a eles. A Diretiva da Comunidade Europeia sobre REEE (2002/96/EC) foi precedida pela Directiva RoHS (2002/95/EC), que restringe o uso de substâncias tóxicas, dentre as quais estão incluídas as substâncias presentes nos REEE. Dentre as substâncias mencionadas na diretiva como de caráter perigoso, estão: cádmio (Cd), chumbo (PB), cromo hexavalente (Cr(VI)), mercúrio (Hg), bifenilas polibromadas (PBB) e éteres difenil-polibromados (PBDE). Por meio da Diretiva n° 65 de 2011 (2011/65/EU) (EU, 2011), que atualiza a Diretiva sobre REEE (Directive 2002/96/EC), a Comunidade Europeia sugere que os equipamentos eletroeletrônicos sejam classificados em 11 categorias. Essa distribuição tende a facilitar a discriminação do potencial de risco de cada classe de produto em função de especificidades, como: vida útil, composição por tipo de materiais, porte do equipamento, entre outros requisitos para a categorização. Em 2012 também foi revisada a Diretiva n° 96 de 2002 e uma nova versão foi publicada (2012/19/EU) (Tabela 1.1). A Diretiva n° 65 de 2011 (EU, 2011), diferente da anterior, ainda especifica uma última categoria genérica, na qual seriam considerados todos os equipamentos que não foram considerados nas demais categorias. Paralelamente à Convenção da Basileia e às Diretivas Europeias, a organização não governamental EPEAT2 – (Ferramenta para Avaliação Ambiental de Equipamentos Eletroeletrônicos –, uma iniciativa americana para a proteção ambiental, propôs a avaliação de produtos eletroeletrônicos em função de um conjunto de critérios de desempenho ambiental. De acordo com o resultado da avaliação, o produto é categorizado em um dos perfis prédefinidos. O perfil bronze é atribuído aos produtos que atingem todos os critérios básicos necessários, o perfil prata equivale aos produtos que atingem todos os critérios básicos e, pelo menos, 50% dos critérios opcionais. Enquanto os produtos qualificados como ouro são aqueles que, além de atingirem os critérios básicos, ainda alcançam, pelo menos, 75% dos critérios opcionais. 2

EPEAT – Electronic Product Environmental Assessment Tool. www.epeat.net


4  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos TABELA 1.1  Categoria dos REEE segundo a Diretiva n° 19 de 2012 da Comunidade Europeia. Categoria

Exemplo de equipamentos

1. Eletrodomésticos de grande porte

Refrigeradores, freezers, fogões, máquinas de lavar e de secar roupas, micro-ondas, máquinas de lavar louças, equipamento de ar condicionado.

2. Eletrodomésticos de pequeno porte

Aspirador de pó, ferro de passar roupa, torradeiras, fritadeiras, facas elétricas, relógios de parede e de pulso, secador de cabelo.

3. Equipamentos de TI e Comunicação

Mainframes, impressoras, minicomputadores, computadores pessoais, laptop, calculadoras, aparelho de fax, netbooks, celular, telefone, tablet.

4. Equipamentos de consumo e painéis fotovoltaicos

Aparatos para rádio e TV, câmera de vídeo, gravadores hi-fi, amplificadores de áudio, instrumentos musicais, painéis fotovoltaicos.

5. Equipamento de iluminação

Luminárias para lâmpadas fluorescentes (exceto luminárias domésticas), lâmpadas fluorescentes, lâmpadas fluorescentes compactas, lâmpadas de vapor de sódio, lâmpada de halogêneo.

6. Ferramentas eletroeletrônicas

Serras, esmeril, furadeiras, máquinas de corte, parafusadeiras, ferramentas de atividades de jardinagem, máquinas de solda.

7. Equipamentos de lazer, Trens e carros elétricos, vídeo game, console de videogame, computadores esporte e brinquedos para ciclismo, corrida, e outros esportes, equipamentos de esporte. 8. Equipamentos médicos

Equipamentos de radioterapia, cardiologia, diálise, medicina nuclear, análise de laboratório, freezeres.

9. Instrumentos de Detector de fumaça, regulador de aquecimento ou resfriamento, termostatos, monitoramento e controle equipamentos de monitoramento para uso doméstico ou industrial. 10. Caixas de autoatendimento

Dispenseres (caixas de autoatendimento) de bebida, produtos sólidos, dinheiro, entre outros.

11. Outros

Outras categorias não consideradas anteriormente.

Os critérios adotados pela EPEAT: Redução e/ou eliminação de materiais tóxicos ao meio ambiente Seleção de materiais j Projeto para o final da vida útil j Extensão da vida útil do produto j Conservação de energia j Gestão do fim de vida útil (pós-consumo) j Desempenho corporativo j Embalagens j j

Ao todo, segundo a metodologia EPEAT, são 51 critérios para as categorias mencionadas acima, sendo esses identificados como necessários ou opcionais para fins de avaliação e certificação do produto. A proposta da EPEAT consiste em uma abordagem interessante, que possibilita a identificação do nível de comprometimento do produto com os principais critérios de sustentabilidade ambiental ao longo da cadeia produtiva.


Introdução à Gestão de Resíduos de Equipamentos Eletroeletrônicos   5

1.2  Ciclo de vida dos equipamentos tecnológicos Recentes avanços tecnológicos proporcionaram o crescimento econômico e a melhoria de vida das pessoas de diversas maneiras. Entretanto, a dependência crescente por produtos eletrônicos gerou um novo desafio ambiental: os resíduos e rejeitos gerados a partir de Equipamentos Eletroeletrônicos (EEE) pós-consumo. O ciclo de vida desse tipo de equipamento está cada vez mais curto, dada a rápida evolução tecnológica das últimas décadas, o que acaba por acelerar o processo de obsolescência desses equipamentos. Com isso, o uso, o tratamento e a destinação dos Resíduos de Equipamentos Eletroeletrônicos (REEE) tornam-se uma preocupação mundial. Metas de longo prazo, estabelecidas anteriormente para a gestão de resíduos domésticos, parecem não ser suficientes para a gestão de resíduos tecnológicos, em função do seu aumento em quantidade e variedade, bem como da pouca disseminação de técnicas de tratamento desses resíduos eficientes e de custo aceitável para a maioria dos países. A inovação tecnológica tem propiciado o crescimento econômico e a melhoria de vida das pessoas. Tal perspectiva pode ser observada no contínuo desenvolvimento de equipamentos e estruturas que facilitam as atividades diárias. Por outro lado, porém, a dependência crescente de produtos eletrônicos gerou um novo desafio ambiental: o lixo gerado pelo aumento exponencial do consumo de equipamentos eletroeletrônicos (EEE). O ciclo de vida desse tipo de equipamento está cada vez mais curto, dada a evolução tecnológica e consequente aprimoramento dos aparatos. Metas de longo prazo, estabelecidas anteriormente para a gestão de resíduos domésticos parecem não ser suficientes para a gestão de resíduos tecnológicos, em função do aumento em quantidade e variedade, bem como pouca disseminação de técnicas de tratamento eficientes e de custo aceitável para a maioria dos países. Outra questão relevante, que remete a Convenção da Basileia, é o fluxo de REEE dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento, muitas vezes de forma clandestina, ou até mesmo realizado por meio de ações de cunho pseudo-humanitário. Uma questão ainda por ser amplamente debatida por tomadores de decisão. Os equipamentos eletroeletrônicos, apesar de amplamente comercializados e consumidos em todo o mundo, tendem a ser recondicionados e reutilizados nos países em desenvolvimento, inclusive na fase considerada pós-consumo. Esta opção de consumo é conhecida como consumo em cascata, na qual o equipamento que tem seu uso descontinuado (seja em função da apresentação de falhas ou da simples substituição por um equipamento mais moderno) é recondicionado e reutilizado. De acordo com Griese et al (2004), a opção pelo uso em cascata está melhor estabelecido em países em desenvolvimento, onde também há larga experiência no reparo de equipamentos antigos e a mão de obra tem valor relativamente mais baixo do que nos países desenvolvidos. A partir dessa premissa, os autores entendem que há uma maior eficiência no uso de equipamentos eletroeletrônicos nos países em desenvolvimento. Desta forma, o ciclo de vida de EEE pode variar de acordo com o país, a situação econômica, as opções tecnológicas, entre outros critérios. Por isso, optamos por trabalhar com um modelo genérico.


6  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos Conforme apresentado na Figura 1.1, no modelo conceitual de ciclo de vida da UNEP (UNEP, 2007) as fases se sucedem em um ciclo fechado, em que os materiais residuais são preferencialmente destinados para outros ciclos produtivos, sob a forma de produtos recondicionados ou materiais, enquanto os rejeitos seguem para aterros.

Figura 1.1  Ciclo de vida conceitual de EEE. Fonte: UNEP, 2007.

O processo de destinação ambientalmente adequado dos resíduos depende do atendimento de uma série de critérios para se aproximar do modelo conceitual, o que seria considerado ideal. O modelo pressupõe o fechamento do ciclo com o retorno de materiais ao segmento produtivo e a minimização da disposição em aterros. Dentre os critérios a serem atendidos, pode-se destacar as tecnologias e equipamentos para tratamento dos materiais, o interesse econômico despertado por esses resíduos para transforma-los em matéria-prima a fim de reinseri-los no mercado e a disposição do consumidor em encaminhar esse material no pós-consumo para uma destinação ambientalmente correta. De acordo com o modelo proposto (UNEP, 2007), as etapas preliminares de produção e venda já devem considerar as etapas subsequentes, como forma de favorecer a desmontagem, a separação dos materiais e o retorno à cadeia produtiva. A proposta da EPEAT e as diretivas WEEE e RoHS incentivam a eliminação do uso de metais pesados, como o chumbo, por exemplo, reduzindo o impacto ao longo da cadeia e, consequentemente, reduzindo os custos das etapas de tratamento pós-consumo e destinação, tais como o transporte e a desmontagem, facilitando as demais etapas do processo, como a reciclagem final, possibilitando o retorno desses materiais como matéria-prima de novos produtos. O investimento em design sustentável também é outro aspecto de grande relevância na produção, pois se esse equipamento for pensado de forma a facilitar sua “desmanufatura” e reaproveitamento de partes ou dos materiais de sua composição, isso facilitará todo o processo, gerando menos rejeitos e aumentando a taxa de reciclagem. A venda dos equipamentos é a etapa do ciclo na qual o consumidor exerce o papel mais importante, pois é ele que regula o mercado, comprando equipamentos procedentes de empresas sustentáveis que tenham respeito pelo consumidor, que atestem a qualidade e confiabilidade de seus produtos e que também se mostrem preocupados com o seu descarte.


Introdução à Gestão de Resíduos de Equipamentos Eletroeletrônicos   7 A gestão de resíduos tem início quando o consumidor já não tem suas expectativas atendidas com o produto adquirido e, por isso, resolve descartá-lo. Segundo o relatório STEP 20113 (Solving The E-waste Problem), a reutilização deve ser priorizada como meio de diminuir impactos ambientais dos equipamentos eletroeletrônicos. O reúso é uma resposta à tendência do encurtamento do tempo de vida útil dos produtos, por meio da manutenção das funcionalidades a partir de ações como: reparo, recondicionamento ou remanufatura. Apenas quando o produto é considerado obsoleto e não mais apresenta condições de reúso, passam-se a considerar, então, as etapas seguintes de destinação ou, em casos específicos, de disposição final. O investimento em tecnologias e aquisição de equipamentos que possam separar e favorecer a reciclagem também são de significativa importância nessa etapa do ciclo, pois é importante ter como tratar e recuperar a maior parte dos materiais empregados na sua fabricação, evitando extrair mais materiais das reservas naturais, o que causa grande impacto ao meio ambiente. Atualmente, o custo de extração ainda favorece que esses materiais sejam retirados da natureza e sua reciclagem seja menos importante para a indústria brasileira. Apesar de o Brasil ter muitas fontes de recursos minerais, grande parte dos componentes eletroeletrônicos ainda é fruto de importação (ABINEE, 2012). As indústrias de computadores que atuam no país no segmento de Tecnologia, Informação e Comunicação (TIC), produzindo computadores, celulares e outros, atuam na grande maioria dos casos na montagem desses equipamentos a partir de peças e partes adquiridas de outros países. Em poucas palavras, na cadeia produtiva dos TICs, os recursos minerais são exportados e os produtos com alto potencial tecnológico são importados, em sua grande maioria de países asiáticos, para montagem no Brasil. A situação repete-se em outros países latino-americanos. Retomando a questão da extração mineral, apesar do seu processamento ser restrito e limitado no país na área de TIC, essa etapa implica em significativo impacto ao ambiente e à saúde humana. Por esse motivo, a mecanização aliada a mecanismos de reparo de impactos são priorizadas por grandes empresas mineradoras. A questão pode ser exemplificada a partir da mineração do ferro. Segundo relatório do MME (Ministério de Minas e Energia): “Via de regra, a mineração de ferro constitui-se de extração a céu aberto com bancada sendo o minério transportado por caminhões fora de estrada para beneficiamento a seco ou úmido, com britagem, moagem, peneiramento, filtragem e classificação e homogeneização, e em alguns casos concentração. Os efluentes, sólidos e líquidos, são depositados em barragens normalmente com controle da vazão de efluentes e água no vertedouro. Para esses procedimentos o uso de energia elétrica é o utilizado como força motriz das usinas de beneficiamento. No tratamento do minério hematítico, os produtos são obtidos, após uma simples sucessão de etapas de britagem e classificação. O aproveitamento dos minérios itabiríticos de mais baixo teores obriga as empresas a investirem em circuitos de concentração.” 3

STEP, 2011. http://www.step-initiative.org/tl_files/step/_documents/StEP%20Annual%20Report%202011_ lowres.pdf


8  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos É possível identificar na citação vários fatores de risco dessa extração, desde formação de barragens para os efluentes até mesmo o transporte rodoviário, além dos gastos energéticos ao longo de todo processo. Segundo o instituto Aço Brasil,4 a produção de aço a partir de sucata reduz o consumo de matérias-primas não renováveis, economiza energia e evita a necessidade de ocupação de áreas para o descarte de produtos em obsolescência. A Figura 1.2 apresenta um fluxograma da inserção do ferro reciclado no processo de fabricação do aço.

Figura 1.2  Fluxograma exemplificando o processo de reciclagem do aço. Fonte: Instituto Aço Brasil., 2013.

Segundo relatório do Ministério de Minas e Energia (MME, 2009), o refino do ferrogusa e do ferro-esponja para transformá-los em aço é feito nas aciarias, processo a partir do qual ainda resulta em uma parcela considerável de sucata. Existem, basicamente, dois procedimentos para a produção do aço: o primeiro, nas usinas siderúrgicas integradas, cuja matéria-prima é o minério de ferro e o segundo, nas usinas semi-integradas, que tem como matéria-prima a sucata ferrosa ou o gusa produzido por terceiros (gusa de mercado). Dessa forma, na produção de aço a sucata é um insumo que reflete nas quantidades procuradas de minério de ferro. Mundialmente cerca de 40% da produção de aço tem a sucata como matéria-prima. No Brasil, este insumo (a sucata) contribuiu com pelo menos 24% da produção anual de aço. Vemos, portanto, que o reaproveitamento do ferro encontrado em equipamentos eletroeletrônicos pode ser ainda muito maior, e sua parcela pode ser bem mais significativa, poupando recursos naturais e também evitando que esse material vá parar em aterros e lixões. Na Tabela 1.2 e no Gráfico 1.1, vemos que o ferro representa 67% do peso médio de uma CPU de um microcomputador desktop, ou seja, 5,7 kg por unidade, valor significativo que é perdido caso esse material seja encaminhado de forma inadequada. 4

http://www.acobrasil.org.br/site/portugues/sustentabilidade/reciclagem.asp


Introdução à Gestão de Resíduos de Equipamentos Eletroeletrônicos   9 TABELA 1.2  Ensaios realizados na área de reciclagem da Itautec. Materiais

Peso (Kg)

Percentual (%)

Ferro

5,4

67

Placas eletrônicas

1,2

15

Plástico

0,6

7

Alumínio

0,5

6

Fios e Cabos

0,4

5

Total

8,1

100

Gráfico 1.1  Ensaios realizados na área de reciclagem da Itautec. Fonte: Elaboração própria.

Outra pesquisa evidencia que, na Europa, uma parte significativa dos materiais buscados em sucatas para reaproveitamento é proveniente de móveis, eletrônicos e metais pós-consumo. Do total de fontes de resíduos reutilizados, 23% são provenientes dos REEE nos países europeus (Gráfico 1.2).

Gráfico 1.2  Preferência de produtos pós-consumo para reúso ou reciclagem na Europa. Fonte: TRANSWASTE, 2010.


10  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos Os dados apresentados no Gráfico 1.2 evidenciam que os REEE possuem alto valor agregado, o que reflete nas questões econômicas relacionadas à gestão de resíduos nessa cadeia produtiva. Cientes do valor dos resíduos resultantes da destinação de equipamentos eletroeletrônicos, os catadores de materiais recicláveis no Brasil têm buscado esse tipo de material. Entretanto, os mecanismos de coleta e pré-processamento não apresentam, ainda, padrões de eficiência que garantam a sustentabilidade econômica a partir da atuação de catadores. Os próprios consumidores ainda não estão cientes dos impactos resultantes da destinação inadequada.

1.3  Produção e consumo de REEE Em relação aos equipamentos de informática, calcula-se que em 2010 foram vendidos em torno de 347 milhões de computadores no mundo. Desse montante, 145,8 milhões (42%) eram computadores desktops e 201,2 milhões (58%) notebooks e netbooks (IDC, 2011). Considerando-se que os equipamentos eletroeletrônicos possuem uma vida útil relativamente curta, os valores apresentados acima reforçam o entendimento a respeito da necessidade de se implementar políticas públicas que atendam aos padrões de sustentabilidade exigidos internacionalmente. No entanto, compreender as etapas do ciclo de vida dos EEE também pode fornecer importantes subsídios para a gestão sustentável dessa categoria de produtos. O ciclo de vida dos EEE inicia-se com a extração de minérios para a produção dos equipamentos, que são distribuídos, vendidos, consumidos e, ao chegarem ao final da vida útil, são destinados, podendo ser reutilizados, reciclados ou dispostos em aterros. Extração de recursos (pré-produção) Fase em que são extraídas as matérias primas e produzidos os insumos que serão utilizados nos componentes dos EEE. Compreende a aquisição dos recursos, transporte e transformação dos recursos em materiais ou energia. j Produção Manufatura dos componentes e montagem dos equipamentos. É constituída por três momentos fundamentais: a transformação dos materiais em componentes, a montagem e o acabamento. j Distribuição Três momentos principais caracterizam esta fase: embalagem, armazenagem e transporte. j Uso Esta fase corresponde ao uso dos EEE, que demandam energia para o seu funcionamento. O produto continua em uso até o momento em que seu proprietário decida descartá-lo definitivamente. Isto pode ocorrer por motivos variados, como o mau funcionamento e obsolescência tecnológica. j Destinação Ao chegar ao final da vida útil, seja por apresentar falhas de funcionamento, seja por tornar-se obsoleto tecnológica ou energeticamente, o equipamento é descartado pelo j


Introdução à Gestão de Resíduos de Equipamentos Eletroeletrônicos   11 consumidor. Pode-se considerar como alternativas de descarte: o recondicionamento do produto ou de seus componentes; triagem, separação e encaminhamento dos materiais para reciclagem; ou ainda pode-se optar pelo encaminhamento à disposição final dos rejeitos de REEE em aterros. j Reutilização Os REEE e seus componentes podem seguir para a fase de recondicionamento por meio da manutenção, com a finalidade de recuperação da função do produto para o mesmo objetivo para o qual foi desenvolvido ou para outros fins. Outras formas de reutilização são: o recondicionamento dos REEE (recuperação) e a metareciclagem, a qual consiste na desconstrução do lixo tecnológico para a reconstrução da tecnologia. j Reciclagem Nesta fase ocorre o processo de transformação dos resíduos, que envolve a alteração de suas propriedades físicas ou físico-químicas, com vistas à transformação em insumos ou novos produtos. j Disposição final Os REEE e seus componentes, que não são recuperados ou reciclados através das opções anteriores, são encaminhados a um local de disposição final (aterros industriais), onde devem receber tratamento especial, devido à presença de substâncias tóxicas em sua composição, a fim de evitar efeitos adversos à saúde humana e ao meio ambiente.

1.3.1  Sustentabilidade na gestão dos REEE Os mecanismos de produção e consumo são os principais indicadores de pressão na cadeia de REEE, pois são essas etapas as principais responsáveis pela geração dos resíduos em qualquer cadeia produtiva. A contaminação em larga escala por Césio 137, ocorrida em setembro de 1987 em Goiânia, é o caso mais emblemático da importância da gestão de resíduos a partir da destinação de equipamentos eletroeletrônicos pós-consumo. A partir do manuseio por um catador da cápsula contendo o elemento radioativo, estima-se que houve a contaminação de 1.600 pessoas, com a morte de 104 indivíduos (CARVALHO, 2012). Nesse caso, caracterizado como um dos maiores em todo o mundo, o desconhecimento de informações sobre como gerenciar os resíduos eletroeletrônicos e, principalmente, o potencial de dano que possuem, foram os aspectos cruciais para a ocorrência do impacto. Conforme proposto no relatório Estado do Mundo 2010 (WWI, 2010), a Pegada Ecológica da humanidade superou a biocapacidade global a partir da década de 1980, indicando um aumento gradativo desse indicador rumo à insustentabilidade do planeta (Gráfico 1.3). Os indicadores de sustentabilidade relacionados à biocapacidade do planeta incorporam outro conceito importante, a da resiliência, que consiste na capacidade de absorção e recuperação de um determinado sistema a partir da ocorrência de um impacto. É fácil perceber que, à medida que se ultrapassa o limite da biocapacidade, a resiliência diminui e, dessa forma, o impacto tende a exigir mais esforços para sua mitigação ou, até mesmo, gerar


12  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos

Gráfico 1.3  Pegada Ecológica da Humanidade. Fonte: WWI, 2010.

danos irreversíveis. A título de exemplo, a contaminação por radiação ou metais pesados são aspectos que podem resultar em danos irreversíveis. A produção da maior parte das categorias de REEE hoje não é planejada de modo a considerar os critérios de sustentabilidade. Propostas de DfX (Design for eXcellence, onde X = Produtibilidade, Testabilidade, Viabilidade Econômica) raramente são incluídas no desenho do produto, com o objetivo de se produzir produtos sustentáveis sob a ótica do consumo e pós-consumo. A produção de equipamentos aptos para a desmontagem, por exemplo, constitui um ganho significativo em relação ao tempo de desmontagem, como também em relação à triagem e classificação dos materiais – esses últimos são de grande relevância no propósito de agregação de valor à cadeia reversa para recuperação e reciclagem, bem como na geração de emprego e renda por meio da criação de novos postos de trabalho. A questão central, no entanto, a ser tratada na análise da produção e do consumo é a obsolescência dos equipamentos. Teorias a respeito da obsolescência planejada e percebida têm sido comprovadas por meio de práticas empresariais focadas nos argumentos econômicos. No segmento de equipamentos eletroeletrônicos já experimentamos a realidade da redução da vida útil do equipamento em função de sua obsolescência tecnológica. Equipamentos mais novos são mais eficientes em termos técnicos e energéticos. Além disso, o reparo de falhas, em alguns casos, implica em custo superior à aquisição de um novo equipamento. Em ambos os casos, a substituição dos equipamentos resulta na geração


Introdução à Gestão de Resíduos de Equipamentos Eletroeletrônicos   13 de resíduos. O alto custo da assistência técnica de equipamentos defeituosos representa a valorização do serviço especializado em detrimento do custo do material. Esse último aspecto colocado, referente ao custo total do produto, no qual estão embutidos os custos de extração de matéria-prima, processamento, transporte, armazenagem e comercialização, remete a aspectos econômicos de globalização. Em uma primeira leitura parece paradoxal o fato de equipamentos com alto potencial tecnológico possuírem um custo total significativamente inferior ao custo de manutenção, para o qual seriam despendidas apenas horas de trabalho e reposição de peças. No entanto, há que se considerar que a assistência técnica requer alto grau de especialização do profissional, uma vez que esse deve ter conhecimento aprofundado sobre o funcionamento de equipamentos de diferentes categorias e de diferentes marcas e modelos. Da mesma forma, o custo de reposição de peças tende a ser mais alto para aqueles equipamentos que foram descontinuados, ou seja, não são mais produzidos. O caso descrito acima tem como premissa o ponto de equilíbrio entre o quão vantajoso é prolongar a vida útil por meio da manutenção do equipamento ou substituir um equipamento por um novo. Este aspecto é uma simplificação de uma das principais questões relacionadas à gestão do ciclo de vida dos equipamentos eletroeletrônicos através de preceitos de sustentabilidade. De acordo com (BOENI, 2009), a América Latina tem aumentado significativamente o consumo de computadores: entre 2003 e 2005, o mercado digital latino-americano cresceu em média 14%; este valor é mais que o dobro das taxas de crescimento da Europa e Estados Unidos (5%) e da Ásia-Pacífico (6%). O Gráfico 1.4, apresentado a seguir, enfatiza o crescimento do número de computadores para cinco países da América Latina. O Brasil destaca-se entre os países analisados em função do crescimento exponencial do número de computadores em uso.

Gráfico 1.4  Número de computadores em uso em alguns países da América Latina (em milhões de unidades). Fonte: ANDRADE-LIMA, 2012.


14  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos De acordo com a Internacional Telecommunication Union (ITU, 2012), em 2011 existiam em torno de 5,98 bilhões de celulares em uso no mundo, 117,7% a mais do que em 2006. Deste montante de celulares, 24,4% encontravam-se em países desenvolvidos e 75,6% em países em desenvolvimento, o que pode ser explicado pelo fato da Ásia concentrar mais da metade da população mundial e possuir, aproximadamente, 48,5% da base ativa mundial de celulares. Em linhas gerais, a produção de equipamentos eletroeletrônicos consiste no principal indicador de pressão para a elaboração de estratégias para a gestão adequada dos resíduos gerados, em termos não somente ambientais, mas também econômicos e sociais. Por outro lado, a inexistência de políticas consolidadas para a efetiva gestão dessa categoria de resíduos também configura como fator de impacto a ser trabalhado.

1.3.2  Insumos e matéria-prima Os processos produtivos iniciam-se a partir da obtenção e do processamento de insumos para a obtenção dos produtos. As indústrias produtoras de componentes de equipamentos eletroeletrônicos representam um segmento energo-intensivo, ou seja, que demanda proporções significativas de energia para a execução de suas atividades e, por este motivo, desde etapas iniciais do ciclo de vida este setor produtivo é responsável por impactos ambientais e econômicos importantes. Nesse sentido, a otimização dos gastos energéticos na produção de equipamentos eletroeletrônicos já representa um ganho significativo em termos de metas de sustentabilidade. Os equipamentos eletroeletrônicos são altamente dependentes da atividade extrativista, que fornece os minerais essenciais para a produção dos seus componentes eletrônicos, cuja composição apresenta ouro, prata, cobre, ferro, alumínio, cádmio, níquel, chumbo, lítio, índio, berílio e tálio, dentre outros. Segundo o United Nations Environment Programme (UNEP, 2009), estes equipamentos demandam 80% da produção mundial de índio (utilizados em telas de LCD), mais de 80% de rutênio (utilizados na produção de Hard Disk) e 50% de antimônio (utilizados como retardantes de chama). Conforme proposto por QUARIGUASI FROTA NETO et al (2009), computadores e celulares representam categorias de EEE que chegam a consumir, na etapa de produção, 60% do total do consumo energético ao longo da sua vida útil. Por outro lado, equipamentos como máquina de lavar, refrigerador e televisores, apresentam maior consumo energético ao longo de sua fase de uso. Tal característica está fortemente relacionada ao tempo de vida útil de cada equipamento. Os refrigeradores, por exemplo, por serem equipamentos de vida útil longa, beneficiam-se de campanhas para a economia de energia ao longo de sua fase de uso (Gráfico 1.5). Os critérios considerados no processo de desenvolvimento de um produto são essenciais para que sejam colocados no mercado produtos mais sustentáveis em termos energéticos e da gestão de materiais ao fim de sua vida útil. Equipamentos de vida útil curta, por exemplo, devem priorizar a redução ou eliminação de substâncias tóxicas em sua composição.


Introdução à Gestão de Resíduos de Equipamentos Eletroeletrônicos   15

Gráfico 1.5  Consumo de energia por eletrodomésticos. Fonte: QUARIGUASI, 2009.

Já os equipamentos de vida longa, por exemplo, podem priorizar a redução do consumo energético. Conforme já mencionado anteriormente, a cadeia dos equipamentos eletroeletrônicos tem início com a aquisição da matéria-prima. No caso dos equipamentos de informática e telecomunicação, as substâncias provenientes dos metais correspondem a quase 50% do peso total (EEA, 2003), sendo obtidos, essencialmente, através da mineração. A extração mineral é uma atividade muito antiga e se intensificou com o advento da revolução industrial. Estima-se que para o ano de 1999 foram extraídas quase 10 bilhões de toneladas de minerais comercializáveis em todo o mundo, praticamente o dobro do que foi extraído em 1970 (WWI, 2003). De acordo com o World Watch Institute (WWI, 2010), entre 1950 e 2005 a produção de metais cresceu seis vezes, a de petróleo, oito, e o consumo de gás natural, 14 vezes. Valores – para além da capacidade suporte do planeta – preocupantes, tanto em relação ao potencial de uso dos recursos, quanto ao aumento excessivo da consequente geração de resíduos.

1.4  Considerações finais As políticas públicas têm enfatizado a importância de se promover a destinação dos REEE por meio da proposta da gestão cíclica dos produtos e materiais ao final de sua vida útil. A disposição final, por sua vez, deve ser deixada como última opção para o


16  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos caso de obtenção de rejeitos que não estejam aptos a qualquer modalidade de reinserção na cadeia produtiva. Em primeira instância são adotadas medidas de recondicionamento dos equipamentos com vistas à extensão da vida útil e reinserção na cadeia produtiva sem a necessidade de substituição deste por um equipamento novo. Não havendo possibilidade de reparo, o equipamento é submetido às etapas de desmontagem, descaracterização e destinação de peças, partes e materiais com a finalidade de reutilização ou reciclagem. O setor produtivo que reincorpora materiais reciclados tem se beneficiado do processo de reciclagem por motivos econômicos e ambientais. No entanto, nem todos os materiais mostram-se vantajosos sob o ponto econômico da reciclagem. Há situações nas quais a prática da reciclagem pode se mostrar menos eficiente economicamente do que a logística tradicional de produção. Os aspectos logísticos, em linhas gerais, exigem um planejamento de atividades para a gestão de volumes, das rotas a serem percorridas e dos tipos de materiais a serem processados. Uma das principais características dos canais reversos que gerenciam materiais residuais é justamente a necessidade de se gerenciar diferentes tipos de resíduos, com grande diversidade de fontes geradoras e um número menor de destinações. São necessários estudos mais aprofundados a respeito da destinação de materiais com vistas a aprofundar a análise econômica da cadeia reversa para fomentar tanto o processo decisório quanto a elaboração de políticas de incentivo à destinação adequada sob a modalidade de reciclagem. Apesar das políticas públicas ainda apoiarem a atuação de catadores, no segmento de eletroeletrônicos a atuação desses profissionais ainda é restrita e pouco difundida em função dos riscos envolvidos na logística reversa desses materiais. Percebe-se, por fim, que a consolidação dos instrumentos legais e normativos no Brasil, bem como dos processos relacionados ao gerenciamento de resíduos de equipamentos eletroeletrônicos têm favorecido a organização de novos mercados e segmentos dentro do conceito de logística reversa. Nesse sentido, a integração de cadeias produtivas da reciclagem se faz necessária com o propósito de tornar viável e sustentável a destinação ambientalmente adequada dessa categoria de resíduos. Nos próximos capítulos serão abordados, de forma mais aprofundada, questões técnicas, sociais, ambientais, legais e da área de saúde na gestão dos resíduos de equipamentos eletroeletrônicos.

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Introdução à Gestão de Resíduos de Equipamentos Eletroeletrônicos   17 BOENI, H.; SILVA, U. & OTT, D. Reciclaje de residuos electrónicos en América Latina. Panorama general, desafíos y potencia. In: SILVA, U., Ed. Gestión de residuos electrónicos en América Latina. Santiago de Chile: Ediciones Sur, 2009. p. 51-66. Disponível em:<http://www.resol.com.br/cartilha14/gestion_de_ residuos_en_america_latina.pdf>. Acesso em maio de 2012. CARVALHO, V. Maior acidente radiológico do mundo completa 25 anos essa semana. O Globo. 2012. Disponível em: http://g1.globo.com/goias/noticia/2012/09/maior-acidente-radiologico-do-mundo-completa-25-anosnesta-semana.html. Acesso em janeiro de 2013. EU. Directive 2011/65/EU. Restriction of the Use of Certain Hazardous Substances in Electrical and Electronic Equipment (recast). 2011. Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:; 2011:174:0088:0110:EN:PDF Acessado em maio de 2012. EEA. Waste from Electric and Electronic Equipment (WEEE): quantities, dangerous substances and treatment methods. EUROPEAN ENVIRONMENT AGENCY - EEA Copenhagen, 2003. Disponível em: <http://eea. eionet.europa.eu/Public/irc/eionet-circle/etc_waste/library?l=/working_papers/weeepdf/_EN_1.0_&a=d>. Acesso em maio de 2012. GONZALES-TORRE, P., ADENSO-DIAZ, B.; ALVAREZ, M.J. Logistica inversa y medio ambiente. Madrid: McGraw-Hill, 2004. GRIESE, H., POETTER, H.; SHINSCHKE, K., NESS, O., REICHL, H. Reuse and Lifetime Extension Strategies in the Context of Technology Innovations, Global Markets, and Environmental Legislation. In Proceedings of the 2004 IEEE International Symposium on Electronics and the Environment. Washington DC: Institute of Electric and Electronics Engineers, 2004, pp. 173-178. IDC. Slowing Consumer Demand Reduces PC Growth for 2011 While Longer-Term Growth Will Remain In Double Digits, According to IDC. 2011. Disponível em <http://www.idc.com/getdoc.jsp?containerId=prUS22861211>Acesso em maio de 2012. INSTITUTO AÇO BRASIL,2013. Disponível em: http://www.acobrasil.org.br/site/portugues/index.asp. Acesso em julho de 2013. ITU, 2012. INTERNATIONAL TELECOMMUNICATION UNION – ITU. Key global Telecom indicators for the world telecommunication service sector. 2012. Disponível em<http://www.itu.int/ITU-D/ict/statistics/ at_glance/KeyTelecom.html>Acesso em maio de 2012. KREITH, F. Solid waste management in US and 1989-1991 state legislation. Energy, vol. 17, 5, 1992, pp. 427-476. MME. Perfil da Mineração de Ferro, Relatório Técnico. 2009. http://www.mme.gov.br/sgm/galerias/arquivos/ plano_duo_decenal/a_mineracao_brasileira/P09_RT18_Perfil_da_Mineraxo_de_Ferro.pdf Acesso em julho de 2013. MORRISSEY, A.J., BROWNE, J. Waste management models and their application to sustainable waste management. Waste Management, vol. 24, 3, 2004, pp. 297-308. QUARIGUASI FROTA NETO, J.; WALTHER, G., BLOEMHOF, J. VAN NUNEN, J.A.E.E., SPENGLER, T. 2009. Disponível em: http://peer.ccsd.cnrs.fr/docs/00/59/94/99/PDF/PEER_stage2_10.1080%25 2F00207540902906151.pdf. Acessado em maio de 2012. RODRIGUES, A.C. Impactos socioambientais dos resíduos de equipamentos elétricos e eletrônicos: estudo da cadeia pós-consumo no Brasil. 2007. 303 p. Dissertação de Mestrado. Departamento de Engenharia de Produção. Facultadade de Engenharia, Arquiterura e Urbanismo. Universidade de Piracicaba, São Paulo, 2007. TRANSWASTE Transwaste 2010. Disponível em: http://www.transwaste.eu/www_main.php?page_id=1611. Acesso em novembro de 2012. UNEP, 2007, United Nations Environment Programme - UNEP. Life Cycle Management: A Business Guide To Sustainability. 2007. Acessado em março de 2012. http://www.unep.org/pdf/dtie/dti0889pa.pdf. UNEP, 2009.Recycling – from waste to resources. Disponível em: http://www.unep.org/pdf/pressreleases/Ewaste_publication_screen_finalversion-sml.pdf. Acesso em abril de 2013.


18  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos Wilson, D.C. Long-term Planning for Solid Waste Management. Waste Management & Research, vol. 3, 3, pp. 203-216, 1985. WWI, 2003. World Watch Institute. O Estado do Mundo 2010. Disponível em: http://www.wwiuma.org.br/ edm2003.htm Acesso em maio de 2012. WWI, 2010. World Watch Institute. O Estado do Mundo 2010. Disponível em: http://www.worldwatch.org.br/ estado_2010.pdf Acesso em maio de 2012.


Capítulo 2

A Prevenção e a Análise do Ciclo de Vida na Gestão de Resíduos de Equipamentos Eletroeletrônicos Ana Paula Bortoleto

RESUMO Os equipamentos eletroeletrônicos são parte da rotina de trabalho e de lazer da maioria da população mundial, trazendo agilidade no dia a dia. Contudo, essas máquinas passaram a fazer parte da preocupação ambiental pelo crescente volume descartado diariamente no mundo todo e requerem ações de prevenção condizentes com o avanço tecnológico que proporcionam. É preciso ir além de construir canais que possibilitem a transformação dos resíduos de pós-consumo em matéria-prima para novos produtos. As iniciativas que até agora têm sido tomadas não parecem ter tido o efeito esperado sobre a quantidade total de resíduos gerados. A avaliação das ações de prevenção é um dos maiores problemas para as empresas e autoridades. A dificuldade se verifica ao tentar relacionar a evolução da geração de resíduos e as ações práticas de prevenção. Considerando esses desafios, esse capítulo vai em direção a compressão de como esses atores e tomadores de decisão podem implementar políticas de prevenção através da aplicação da análise do ciclo de vida a fim de diminuir não somente os impactos ambientais e sociais dos REEE, mas também seu custo final, tendo em vista os princípios do desenvolvimento sustentável. 19


20  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos

2.1 Introdução O espaço alcançado pelo debate sobre resíduos de equipamentos eletroeletrônicos (REEE) se deve, principalmente, a transformação da antiga sociedade industrial em uma sociedade de informação com o crescente uso de tecnologias de informação e comunicação. Em consequência, a produção de equipamentos eletroeletrônicos (EEE) é um dos mercados que mais rapidamente crescem no mundo (CUI e FORSSBERG, 2003). Ao mesmo tempo, isso também significa uma maior geração de REEE. Segundo a OECD (2011), na maioria dos países para os quais existem dados disponíveis, a crescente afluência econômica da população associada às mudanças nos padrões de consumo são responsáveis pelo excesso contínuo de resíduos sólidos per capita. De acordo com a Comissão Europeia, a geração de REEE na Europa deve crescer entre 3% a 5% por ano até 2020 (European Union, 2002). Tal aumento na geração de REEE deve ser visto como um dos mais sérios problemas ambientais da vida contemporânea. As consequências se refletem tanto direta como indiretamente na população e na sobrevivência dos ecossistemas, tendo em vista que os custos ambientais decorrentes da produção, consumo, manejo e disposição de REEE são substanciais e crescentes. Em resposta a este cenário, a União Europeia adotou uma política estratégica de gerenciamento de resíduos sólidos fundamentada em três pilares: prevenção, reciclagem e disposição final reduzida (European Union, 2002). No caso da reciclagem, diversos estudos foram realizados, considerando diferentes tipos de embalagens, verificando a sustentabilidade dessas práticas (HISCHIER et al, 2005). A questão, entretanto, é aplicar a mesma metodologia em resíduos mais complexos, como os REEE, levando-se em consideração o papel da prevenção. Esse tipo de material restante, algumas vezes ainda não identificado claramente nas estatísticas, proporciona um impacto relevante por se tratar de produtos baseados em elementos químicos pesados e contaminantes, como: mercúrio, chumbo, entre outros. Outro fator importante, já mencionado anteriormente no Capítulo 1, é a vida média desses equipamentos. Segundo Ansanelli (2008), no Brasil, a vida média chega ao máximo de 4 anos. Como resultado, cresce um movimento que antes somente era visto em países ricos, como, por exemplo, Japão e Estados Unidos: EEE em perfeito uso descartados como lixo. Quando esses equipamentos são eliminados em condições inadequadas, são os catadores que manuseiam de forma perigosa os seus resíduos. Eles desmontam os equipamentos e removem itens como cabos e placas para serem revendidos como forma de garantir sua sobrevivência. Esse descarte constante de EEE incentiva os catadores a migrarem do papel, latas de alumínio ou outros materiais recicláveis de baixo valor para os componentes eletroeletrônicos. O curto tempo de vida dos EEE, a sua periculosidade e a problemática dos catadores mostram que somente a reciclagem desses resíduos não satisfaz as premissas da sustentabilidade estabelecida pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), implementada pela Lei n° 12.305/2010. Embora a PNRS seja um referencial regulatório extremamente importante, a lei ainda tem condições e práticas generalizadas no âmbito da prevenção de


A Prevenção e a Análise do Ciclo de Vida na Gestão...  21 RS e, dada a falta de informações e conhecimentos técnicos, não é possível de determinar quais os produtos e serviços são os menos impactantes ao ambiente. Assim, há uma necessidade imperativa de utilizar a Análise do Ciclo de Vida (ACV) para implementar e avaliar efetivamente as medidas de prevenção de REEE. Na gestão de REEE, a prevenção evita a coleta desnecessária, bem como o tratamento e descarte. Ela oferece um significativo potencial de diminuição do REEE destinado ao aterramento do mesmo modo que contribui para a mitigação dos seus impactos ambientais. Consequentemente, a prevenção é a parte integradora dentro da gestão de REEE, na qual cada opção é avaliada com o objetivo principal de otimizar o sistema em vez de geri-lo dentro de uma hierarquia piramidal. Medidas de prevenção devem ser consideradas nos vários estágios do ciclo de vida do produto, desde a sua concepção, fabricação, comercialização, utilização, descarte, tratamento e disposição final. A prevenção também incentiva o uso eficiente de energia no setor industrial ao agir em todas etapas do processo produtivo, eliminando os custos na produção da mesma maneira que reduz a demanda por matéria-prima (WHITE et al, 2001). Isso permite uma melhor performance e maior eficiência, tornando essas empresas mais competitivas no mercado. Não existem dúvidas de que a prevenção possui um enorme potencial para tornar a gestão de REEE mais eficiente e sustentável. Enquanto isso é verdade, a prática está longe de alcançar seu pleno potencial. No Brasil, tanto a academia quanto os setores públicos e privados ainda carecem de uma melhor compreensão das influências e dos efeitos das ações de prevenção dentro de uma visão integradora do sistema, para que possam implementá-las eficientemente. Considerando os desafios da gestão de REEE tanto para a sociedade quanto para as empresas fabricantes, este capítulo vai em direção à compressão de como esses atores e tomadores de decisão podem aplicar a ACV como uma ferramenta a fim de diminuir não somente os impactos ambientais, econômicos e sociais dos REEE, mas também para avaliar e monitorar a implementação e a eficiência das ações preventivas dos planos de gestão de REEE.

2.2  A prevenção de resíduos de equipamentos eletroeletrônicos Desenvolvimento sustentável significa atender as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras satisfazerem suas próprias necessidades (BRUNDTLAND, 1991). O MMA/IBAM/Parceria21 (2000) publicou um documento em que estabelece quatro estratégias de sustentabilidade urbana, identificadas como prioritárias para o desenvolvimento sustentável das cidades brasileiras. Na estratégia 3, que trata da mudança de padrões de produção e de consumo da cidade, o documento destaca a importância de reduzir significativamente a quantidade e os impactos dos resíduos produzidos nas cidades, levando o setor produtivo e a população a desperdiçarem menos, consumirem somente o necessário e reutilizarem matérias que seriam descartadas. Em resumo, a adoção de práticas de prevenção de resíduos está diretamente relacionada ao desenvolvimento sustentável.


22  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos Por outro lado, o conceito de prevenção de REEE não é algo novo em si. Desde meados dos anos 1970, o planejamento da gestão de resíduos em países europeus tem incluído medidas de prevenção de REEE e vários esforços foram conduzidos para a sua institucionalização. Por exemplo, o artigo 7° da Diretiva n° 75/442/CE já definia a estratégia da União Europeia para a gestão de REEE considerando medidas de prevenção como prioritárias. Em âmbito nacional, a Alemanha (AbfG, 1986) e a Áustria (AWG, 1990) aprovaram o princípio da prevenção como o principal objetivo dos seus planos de gestão de REEE. Outros países europeus ainda especificaram metas para a prevenção de resíduos, como a Escócia, que determinou a estabilização da geração de resíduos para 2010 no seu Plano Nacional de Resíduos Sólidos em 2003 (HUGUES, 2005). No âmbito local, a cidade de Viena foi pioneira em implementar iniciativas de prevenção em 2001, cerca de 42 projetos foram financiados. Como resultado, de acordo com os relatórios oficiais, a cidade evitou a geração de 2.190 toneladas de resíduos (MA 48, 2006b). Entretanto, em geral, esses esforços locais e nacionais não resultaram em efeitos perceptíveis na geração de resíduos (incluindo os REEE) como indicado pelo aumento da quantidade total de resíduos produzidos na Europa (EEA, 2002). Outras tentativas de definir estratégias para a prevenção provaram-se sem êxito. Uma análise dos efeitos da Politica de Resíduos na Finlândia (MELANEN et al., 2002) mostrou que os instrumentos implementados não contribuíram para a prevenção, enquanto a infraestrutura para a recuperação e tratamento foram extremamente aperfeiçoadas nos anos 1990. Essa discrepância entre a importância dada à prevenção de resíduos nos planos de gestão e a falta de progresso na realidade pode ser explicada através das definições inconsistentes, problemas de medição, avaliação, monitoramento e ausência de uma estratégia abrangente. Somando a isso, regulações ambientais sobre a atividade industrial, como também no caso das medidas de prevenção, são geralmente consideradas caras para as empresas ganhando um impacto negativo dentro do setor privado (CHAPPLE et al., 2005; BEAUMONT e TINCH, 2004). A prevenção é um processo de longo prazo que necessita da mudança de comportamento tanto dos cidadãos, produtores e demais atores envolvidos (BORTOLETO e HANAKI, 2007). Medidas regulatórias possuem um papel importante, mas são raramente efetivas se aplicadas isoladamente (Commission of the European Community, 2003b). Programas de prevenção de REEE devem integrar todas as atividades do ciclo de vida do produto, tanto no nível dos processos de produção e consumo, como no de pós-consumo. Assim, o valor prático da prevenção será específico e dependerá das características do material, produto, fluxo de resíduos ou público-alvo em questão (BORTOLETO et al, 2012).

2.2.1  Definição de prevenção de REEE Como citado anteriormente, as definições inconsistentes de prevenção podem ser apontadas como uma das causas da falta de êxito dos planos de gestão em alcançar suas metas de diminuição da geração de resíduos. Embora os termos “prevenção” e “minimização” sejam comumente utilizados, não existem definições exatas para esses termos, e distingui-los na literatura prova-se difícil em alguns casos. Em 1996, a Organização para a Cooperação e


A Prevenção e a Análise do Ciclo de Vida na Gestão...  23 Desenvolvimento Economico (OECD) determinou a prevenção como uma ferramenta para a minimização de resíduos. Em 2000, a OECD definiu medidas preventivas em três principais ações práticas: eliminação na origem, redução na fonte e reutilização do produto. Assim, a minimização de resíduos, além da prevenção, inclui também a reciclagem e outras formas de melhoramento da qualidade dos resíduos, como a incineração. Dentro da definição de prevenção deve-se levar em conta também os atores envolvidos no ciclo de vida do produto para os quais as medidas preventivas serão requisitadas e os instrumentos a serem utilizados para a sua implementação (KAUFMANN-HAYOZ et al., 2001). No caso de REEE, os impactos ambientais não se limitam somente na quantidade mas também na composição do resíduo gerado. Prevenção da poluição é outro termo cuja definição ainda gera controvérsias. Em essência, é o processo pelo qual a redução de REEE impede que os poluentes sejam liberados no ambiente pelo ar, água e solo (FRANCHETTI, 2009). Isso significa que a prevenção da poluição combina ações de redução da toxicidade do REEE na origem e de prevenção da geração final desses resíduos. Desta forma, a prevenção qualitativa dos resíduos (diminuição da periculosidade) também foi incluída entre as ações práticas preventivas. Em resumo, a prevenção compromete todas as medidas tomadas antes que o produto seja reconhecido como resíduo; sejam essas medidas para a redução da quantidade ou eliminação da toxicidade dos REEE. Dentro desta definição, as ações preventivas podem ser aplicadas em qualquer fase do ciclo de vida do produto, envolvendo diversos atores e processos que geralmente não estão diretamente ligados na gestão de resíduos. Nesse contexto, se torna necessário identificar indicadores e ferramentas para monitorar as atividades de prevenção tanto em micro como em larga escala. Esses indicadores devem avaliar a redução na geração como também seus impactos ambientais, econômicos e sociais; garantindo a sustentabilidade da gestão de REEE.

2.2.2 Indicadores de programas de prevenção Por definição, um indicador é um instrumento utilizado para monitorar e avaliar o estado de evolução de um sistema com objetivo de compreendê-lo. É importante salientar que um indicador sozinho não pode explicar o sistema por completo, ele somente mostra uma visão parcial e subjetiva do mesmo. No caso dos resíduos sólidos, a avaliação das ações de prevenção é um dos maiores problemas para as empresas e autoridades. A dificuldade se verifica ao tentar relacionar a evolução da geração de resíduos às ações práticas de prevenção, pois a geração também está ligada a outros parâmetros cujo efeito não é possível identificar facilmente. Por exemplo, a recente queda na geração de resíduos na Europa se deve particularmente a uma grande influência da crise econômica iniciada em 2008. Além disso, ainda existem outras dificuldades ao lidar com as estimativas de eficiência das medidas de prevenção: Heterogeneidade: das ações – regulatórias, incentivos, campanhas –, dos atores envolvidos – população, empresas – e do estágio do ciclo de vida do produto – design, pós-consumo.

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24  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos Natureza da prevenção: ao evitar a produção de resíduos ou diminuir sua toxicidade, a prevenção não cria “resultados”, o que dificulta a observação dos seus efeitos. j Critérios de avaliação: não existe um critério ou terminologia comum entre os diferentes países ou órgãos regulatórios a respeito da prevenção de resíduos; além disso, existem ainda as diferenças de composição, custo e impactos ambientais. j

Para a maioria, o maior desafio é como calcular a quantidade de material retirado do ciclo de vida, que não pode ser contabilizado através dos indicadores tradicionais de gestão de resíduos. Para ações de curto e médio prazo, a OECD (2004) recomenda como indicadores o número de sistemas de gestão ambiental certificados (total, per capita ou por PIB) à taxa de consumo e reciclagem de certos materiais, como, por exemplo. vidro, papel e metais. Para ações de longo prazo, o mesmo estudo propõe como indicadores a existência de projetos e estratégias de prevenção, além de políticas de responsabilidade estendidas ao produtor (com uma lista dos produtos regulamentados), e o número de casas com preços – de taxa variável – para a coleta de resíduos. Tais indicadores podem ser importantes no momento de avaliar e comparar as medidas preventivas em nível internacional, mas são ineficientes para compreender os efeitos delas in loco. O mesmo problema aparece em outros relatórios e documentos referentes à avaliação de prevenção de resíduos (Bio Intelligence Service, 2009; MAZZANTI e ZOBOLI, 2008). Nesses relatórios, o monitoramento é extremamente dependente do objetivo do programa de prevenção, e uma das principais finalidades dos indicadores é avaliar a situação atual em comparação com metas quantitativas. Assim, a disponibilidade de dados também é um parâmetro importante para a escolha correta dos indicadores. O fato da prevenção geralmente ser compreendida com um conjunto de ações para a redução da quantidade de resíduos também gera obstáculos para o seu monitoramento e avaliação. A OECD (2004) define prevenção como todas as medidas que reduzem a quantidade de resíduos e seu teor de toxicidade, mas também os impactos negativos de resíduos gerados no ambiente e na saúde humana. Vale ressaltar que a redução na quantidade de resíduos não significa automaticamente um menor impacto ambiental, uma vez que um material mais leve pode gerar um maior impacto no ciclo de vida de um produto, ao contrário de um material mais denso. No caso dos REEE, a maior fonte de impactos ambientais se deve a composição do resíduo gerado. Assim, ao avaliar as medidas de prevenção é necessário focar nos impactos ambientais evitados como indicadores ao invés de se atentar à redução da quantidade de resíduos gerados. Uma das ferramentas de gestão ambiental mais utilizada para esse fim é a análise do ciclo de vida.

2.3  A análise do ciclo de vida Tendo em vista uma série de impactos ambientais que envolveram interesses internacionais na década de 1990, a Organização Internacional de Padronização (International Organisation for Standardisation – ISO) criou em março de 1993 um Comitê Técnico (TC-207) para a elaboração de um conjunto de normas sobre gestão ambiental. O TC-207,


A Prevenção e a Análise do Ciclo de Vida na Gestão...  25 sediado no Canadá, foi coordenado por seis Subcomitês (SC) e um Grupo de Trabalho (WG), localizados em vários países com a participação dos 110 organismos nacionais regulatórios que o compunham, entre os quais a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Tal Comitê Técnico elaborou as cinco primeiras normas da série ISO 14000 (Moura, 2000)]. As quatro normas da série ISO 14040 relativas a Análise do Ciclo de Vida (ACV), uma das ferramentas de gestão ambiental formalizadas pela ISO para as organizações empresariais, foram aprovadas a partir de 1997, na seguinte sequência (WHITE et al, 2001): 1. ISO 14040 – Environmental Management – Life Cycle Assessement (LCA) – Principles and Framework1 (1997) 2. ISO 14041 – Environmental Management – Life Cycle Assessement (LCA) – Goal and Scope Definition and Inventory Analysis2 (1998) 3. ISO 14042 – Environmental Management – Life Cycle Assessement (LCA) – Life Cycle Impact Assessment3 (2000) 4. ISO 14043 – Environmental Management – Life Cycle Assessement (LCA) – Life Cycle Interpretation4 (2000) Essas normas foram traduzidas e adaptadas às terminologias brasileiras pela ABNT, representante do Brasil na ISO. Dessa forma, tem-se hoje, no Brasil, as seguintes normas correspondentes as homólogas normas ISO, respectivamente: NBR ISO 14040, ABNT NBR ISO 14041, ABNT NBR ISO 14042, ABNT NBR ISO 14043. De acordo com a Sociedade de Toxicologia e Química (FAVA et al, 1991), a ACV tem como objetivo avaliar as cargas ambientais associadas a um produto, processo ou atividades para identificação e quantificação da energia e materiais usados, além das descargas para o ambiente. As informações geradas podem servir para análise e implementação de oportunidades, a fim de influenciar melhorias ambientais, abrangendo desde a extração, o processamento da matéria-prima, a manufatura, o transporte e a distribuição; o uso e reúso, a manutenção; a reciclagem e a disposição final. De um modo geral, a ACV abrange as seguintes etapas: 1. Identifica e quantifica o consumo de energia, materiais e geração de resíduos. 2. Avalia o impacto no meio ambiente do consumo de energia, materiais e geração de resíduos. 3. Identifica e avalia oportunidades para aumentar a eficiência nos processos de fabricação, distribuição; tratamento e disposição final de resíduos e produtos de pós-consumo, além da redução de custos.

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Gestão Ambiental - Avaliação Ciclo de Vida - Princípios e Estrutura Gestão Ambiental - Avaliação Ciclo de Vida - Objetivo e Definição do Escopo e Análise de Inventário 3 Gestão Ambiental - Avaliação Ciclo de Vida - Avaliação do Impacto do Ciclo de Vida 4 Gestão Ambiental - Avaliação do Ciclo de Vida - Interpretação do Ciclo de Vida 2


26  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos O principal objetivo da ACV é a obtenção, através de uma visão global e completa, de subsídios que qualifiquem e quantifiquem os efeitos ambientais, implementando melhorias nesses efeitos (FRANCHETTI, 2009). Segundo a Norma NBR ISO 14040 (ABNT, 2001), um estudo de ACV é composto por quatro fases que se relacionam entre si de forma interativa, tal como é representado na Figura 2.1.

Figura 2.1  Fases de uma ACV. Fonte: Norma NBR ISO 14040:2001.

Uma das restrições ao uso da ACV é sua complexidade, o que leva a custos altos na sua elaboração, além da necessidade de uma grande quantidade de dados devido a sua abrangência, o que pode levar a uma extrema dificuldade de interpretação dos dados (BOUSTEAD, 1998). Esses problemas podem ser contornados a partir do momento em que se delimita e se formula claramente os objetivos do trabalho. Outra dificuldade na elaboração de um estudo de ACV se encontra na Análise de Inventário, graças a inúmeros e diversificados dados que devem ser coletados. Na prática, o inventário é difícil e trabalhoso de ser executado por uma série de razões, como: a ausência de banco de dados conhecidos, a necessidade de estimá-los e a qualidade dos dados disponíveis. Um estudo de ACV poderia ser inacabável pelas suas dimensões e, consequentemente, pela abrangência de informações. Para tanto, um estudo de ACV prático e objetivo deve possuir fronteiras ou limites antecipadamente estabelecidos. Assim, é recomendável o


A Prevenção e a Análise do Ciclo de Vida na Gestão...  27 estabelecimento prévio de etapas visando assegurar a compreensão uniforme e consistente dos sistemas a serem estudados, bem como a objetividade do estudo e a adequação do tempo gasto no mesmo (WHITE et al, 2001). Tais limitações restringem as comparações entre diferentes estudos de ACV, entretanto, avaliações comparativas dentro de um mesmo sistema podem ser realizadas desde que os estudos tenham considerado as mesmas fronteiras e parâmetros. No caso dos REEE, a ACV é uma ferramenta importante no desenvolvimento de novos produtos, minimizando seu impacto ambiental (MANZINI, 2002). As empresas identificam as questões ambientais como um dos mais importantes fatores de sucesso para a aceitação de produtos tanto no mercado interno como no externo. O dilema da empresa contemporânea consiste em adaptar-se ao novo mercado, ou correr o risco de perder espaços conquistados, sendo imperativo aplicar ferramentas de gerenciamento ambiental. Assim, o desenho de um equipamento que considera o tipo e a quantidade de matéria-prima utilizada, o processo produtivo mais eficaz, a orientação para o consumo e descarte, além da preocupação do fabricante com o que será feito com o equipamento após a sua utilização, podem gerar um impacto positivo na aceitação do produto pelo mercado e na redução de REEE. No início, a ACV identificava e quantificava a energia e materiais utilizados, as emissões e o esgotamento dos recursos. Resultado da intensificação pela busca de tecnologias mais limpas no sentido de se evitar a poluição e desperdícios de recursos. Essa “tecnologia limpa” se tornou uma alternativa aos meios convencionais de indústrias altamente competitivas (CLIFT, 1995). Nesse caso, a ACV teve um papel central na promoção do uso dessas tecnologias. Em um segundo momento, a análise do ciclo de vida foi dirigida a fabricação de componentes e sistemas que facilitassem a reciclagem e o uso final do produto devido ao aumento da conscientização do potencial de reciclagem. Designers e demais profissionais passaram a utilizar a ACV para explorar novas combinações de matérias-primas. Atualmente, a ACV vem sendo aplicada na redução do consumo de energia e materiais, tanto na produção quanto no pós-consumo, o que viabiliza a aplicação e o monitoramento de ações de prevenção através de uma visão mais sistêmica da cadeia produtiva.

2.4  Avaliação de programas de prevenção através da análise do ciclo de vida Uma das maiores dificuldades para a avaliação e monitoramento de programas de prevenção de resíduos é a determinação de indicadores confiáveis. Na prática, esse problema se deve por uma série de razões, mas principalmente pela ausência de dados conhecidos e confiáveis. Entretanto, tal contratempo pode ser contornado a partir do uso dos resultados da análise do ciclo de vida como um dos indicadores para monitorar as medidas de prevenção. Ao utilizar a ACV como ferramenta de avaliação, é possível não somente verificar os impactos ambientais dessas ações, como também os impactos no consumo de matérias-primas, energia e custos. Esses elementos em conjunto permitirão


28  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos uma maior precisão e consistência na avaliação, além de fornecer importantes informações nas dificuldades a serem enfrentadas. É importante lembrar que nem todos os indicadores apresentados neste capítulo poderão ser aplicados a todas as ações de prevenção, seja devido a dificuldade em monitorá-las, seja pela complexidade em correlacionar esses dados com a geração de resíduos. Assim como na ACV, é necessário relacionar os objetivos com os indicadores a serem determinados antes de iniciar o estudo, a fim de assegurar a qualidade e consistência da coleta de dados. O principal objetivo deste capítulo é apresentar uma lista abrangente que permita profissionais e pesquisadores envolvidos neste tópico a construírem plataformas de avaliação e monitoramento de acordo com seus objetivos. Nem todos os possíveis indicadores estão listados aqui devido a diversidade das ações de prevenção.

2.4.1 Indicadores de impacto De acordo com estudos anteriores (RDC Environnement, 2008; Bio Intelligence Service, 2009), indicadores de impacto são os mais comuns e os mais simples de estimar. Eles se referem ao tripé do desenvolvimento sustentável: impactos econômicos, ambientais e sociais. Cada um desses impactos abrange uma grande quantidade de problemas e atores, e é impossível – e irrelevante – considerá-los todos ao mesmo tempo. Assim, a escolha desses impactos deve ser baseada na facilidade de obtenção de dados e na importância do impacto no contexto das medidas adotadas. Impactos econômicos podem se referir à questão do crescimento econômico, à criação de valor e à análise de custo-benefício. No caso da prevenção de REEE, o impacto mais pertinente é a análise de custo-benefício pela facilidade de obtenção dos dados de custo de cada ação preventiva e a agilidade de cruzá-los com os dados de consumo de energia e matéria-prima. Além disso, é possível ainda analisar o impacto para outros atores, como, por exemplo: funcionários, consumidores, fornecedores e distribuidores, oferecendo-lhes um incentivo para que eles participem do programa de prevenção. Os impactos sociais cobrem desde desigualdade social até desemprego. Neste caso, um indicador de fácil coleta de dados é a criação de novas posições de trabalho devido ao programa de prevenção, como: lojas de reparo e serviços de coleta. No entanto, a prevenção de resíduos também pode apresentar impactos negativos no setor de emprego, já que pode direcionar a um menor nível de consumo que gerará um aumento no nível de desemprego. No entanto, esses impactos negativos são relativamente difíceis de monitorar a priori. Devido a essa dificuldade, mais estudos ainda são ne­cessários para considerar tais impactos sociais como indicadores confiáveis na avaliação de programas de prevenção. Impactos ambientais se referem a uma grande variedade de assuntos: poluição local, mudanças climáticas, biodiversidade, exploração de recursos naturais etc. Novamente, não seria realístico considerar todos, e já que muitas empresas focam suas estratégias em mercados globais, se torna mais importante focar em impactos ambientais globais do que nos impactos locais. Assim, propõe-se concentrar na emissão de gases estufa que representam uma das maiores ameaças para a conservação ambiental.


A Prevenção e a Análise do Ciclo de Vida na Gestão...  29 Tabela 2.1  Indicadores de Impacto para Programas de Prevenção. Impacto

Indicador

Definição

Econômico

Custos reduzidos no gerenciamento de REEE

Custos evitados graças a redução na quantidade de REEE (coleta, tratamento, disposição final)

Custos reduzidos devido a substituição da compra por uma ação de prevenção

Caso a ação preventiva tenha evitado a aquisição de produtos, matéria-prima ou serviços, permitindo a redução do custo total

Balanço econômico da ação Balanço entre custos, custos evitados e geração de lucros preventiva Ambiental

Social

Impacto relacionado a ação preventiva

Soma de todos os impactos ambientais relacionados a ação preventiva

Impactos evitados ligados a menor quantidade de REEE a ser gerenciado

Os impactos que ocorreriam caso a geração de REEE evitada fosse tratada e destinada à disposição final

Impactos evitados devido a substituição induzida pela ação preventiva

A ação preventiva pode substituir um produto/ matéria-prima/serviço ou um processo que teria um impacto ambiental; este indicador se refere a esse impacto evitado

Criação de empregos

Números e tipos de empregos criados através da implantação da ação preventiva

A Tabela 2.1 apresenta uma relação de indicadores de impactos a serem aplicados na avaliação de programas de prevenção. A tabela ainda sugere um processo bem simplificado para determinar os indicadores de impactos; métodos e cálculos provavelmente se diferenciarão de acordo com a ação preventiva, bem como dependem do tipo de REEE. Contudo, esses devem ser determinados e calculados através de estudos da ACV, conforme descrito anteriormente no item 2.4 deste capítulo. No caso dos indicadores sociais, futuros estudos ainda precisam ser conduzidos a fim de determinar uma metodologia mais consistente e completa. A respeito da relação entre custos e o impacto ambiental, avaliar “impactos evitados” requer um nível abrangente de conhecimento a respeito da gestão dos REEE, uma vez que o destino do produto d­ entro do plano de gestão deve ser identificado a priori como também as diferentes frações desses resíduos e seus impactos de acordo com as possibilidades de tratamento e disposição final. Consequentemente, o inventário da ACV deve ser conduzido de forma a incluir os dados locais específicos da gestão de REEE, como: opções de coleta, tratamento e disposição; legislação.

2.4.2  Demais indicadores Outros indicadores secundários são importantes na avaliação e monitoramento de programas de prevenção como também para comparar e interpretar os indicadores de impactos. Dentro dessa categoria dois se destacam: os indicadores de recursos e os indicadores de resultado. Indicadores de recursos são necessários, pois permitem comparar os efeitos com os investimentos feitos na implementação das ações preventivas e, assim, avaliar a eficiência de todos os recursos utilizados, como: pessoal, campanhas, equipamentos). Um ponto


30  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos importante é que os recursos não vêm somente do responsável direto pela implementação da ação, mas também de outros atores envolvidos. Por exemplo, um projeto de reutilização de dispositivos de impressão pode envolver funcionários de outras empresas ou organizações não governamentais para coleta e também poderá envolver a participação dos consumidores no processo de pós consumo. Entre esses indicadores destacam-se: custos, lucros diretos e indiretos, custos externos, funcionários externos e internos envolvidos, número de equipamentos instalados, número de ferramentas de comunicação – panfletos, eventos, website –, número de pessoas que tiveram acesso a essas ferramentas. Indicadores de resultados são importantes dentro do sistema de avaliação, uma vez que seu objetivo é avaliar a eficácia da ação preventiva, tanto na participação quanto nas quantidades de REEE evitados. No entanto, estes indicadores são menos relevantes, se nenhum estado inicial for definido antecipadamente; assim, antes de iniciar a avaliação é necessário determinar a participação inicial. Por exemplo, para avaliar a eficiência de uma campanha de comunicação sobre o reúso de dispositivos de impressão, deve-se conhecer a quantidade de pessoas que já reusam o dispositivo. Considerando a dificuldade sobre a avaliação e o monitoramento de programas de prevenção de resíduos, tais indicadores representam um grande desafio para muitos gerentes de projetos de prevenção de resíduos, principalmente porque eles não podem ser medidos diretamente. Indicadores de resultados sobre quantidades evitadas são essenciais para avaliar a eficiência de uma determinada ação de prevenção de resíduos, e são calculados principalmente pela multiplicação do número de participantes “reais” pela quantidade média evitada por participante.

2.5  Considerações finais A preocupação com a crescente geração de REEE é global. A utilização de equipamentos eletroeletrônicos, cada vez mais presentes no cotidiano de todos, requer ações de prevenção condizentes com o avanço tecnológico que proporcionam. É preciso ir além de construir canais que possibilitem somente a transformação dos resíduos de pós-consumo em matéria-prima para novos produtos. A inovação dos materiais para a fabricação de EEE é outra vertente do problema, pois acompanha com a mesma velocidade a evolução tecnológica desses equipamentos. Muitos desses materiais chegam ao mercado sem a perspectiva do que ocorrerá ao final do seu ciclo de vida. Neste caso, cabe aos pesquisadores com altíssimos investimentos financeiros se ocuparem em achar soluções de reciclagem e novos processos de tratamento parar os REEE produzidos pelos novos materiais. O problema da visão tradicional, na maioria dos casos, se deve ao fato de não levar em consideração a viabilidade ambiental e econômica de novos processos de coleta, reciclagem e tratamento dentro do ciclo de vida do EEE. Além disso, os custos são elevados e de difícil absorção tanto pelo setor produtivo quanto pelo consumidor. Assim, o primeiro requisito na utilização de novos materiais na fabricação de EEE não é o seu potencial reciclável, mas sim o entendimento sistêmico do seu ciclo de vida, levando em consideração as diretrizes da prevenção.


A Prevenção e a Análise do Ciclo de Vida na Gestão...  31 Diversos países já adotaram medidas de prevenção em seus planos de gestão de resíduos sólidos, incluindo REEE. A União Europeia, por exemplo, estabeleceu a Diretiva n° 2002/96/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de Janeiro de 2003 relativa aos REEE. Nos EUA, a EPA propõe medidas para a prevenção e minimização de REEE, e cada estado tem políticas específicas tratando do tema. No Brasil, embora seja um referencial regulatório extremamente importante para a gestão de resíduos sólidos em todo o país, a PNRS apresenta conceitos, diretrizes e condições altamente generalizados a respeito. Apesar da implementação das regulações supracitadas, as iniciativas que até agora têm sido tomadas não parecem ter tido o efeito esperado sobre a quantidade total de resíduos sólidos gerados. Medidas conservadoras, que não necessitam de uma redução do consumo, podem apenas evitar a geração de 1% a 3% da quantidade total de resíduos (SALHOFER et al, 2008). Não bastam somente ações do governo para diminuir o impacto dos REEE. O setor produtivo também tem sua responsabilidade. As empresas fabricantes devem dar prioridade para ações de prevenção como parte integrante do projeto de qualquer produto, já que é nesse momento que a interface entre o ambiente e o consumidor será desenhada, possibilitando a análise dos impactos em cada etapa do ciclo de vida do item (CAPELINI, 2007). Existe uma discrepância entre a prioridade dada à prevenção de resíduos e a eficiência das atividades de prevenção de resíduos. No caso dos resíduos sólidos, a avaliação das ações de prevenção é um dos maiores problemas para as empresas e autoridades. A dificuldade se verifica ao tentar relacionar a evolução da geração de resíduos e as ações práticas de prevenção, pois a geração também está ligada a outros parâmetros cujo efeito não é possível identificar facilmente. A prevenção de resíduos é uma estratégia essencial e eficaz na gestão de REEE, podendo ser aplicadas em qualquer fase do ciclo de vida do produto, permitindo o envolvimento de diversos atores e processos que geralmente não estão diretamente ligados na gestão de resíduos. Assim, se torna necessário avaliar e monitorar as atividades de prevenção para garantir a eficiência e a sustentabilidade da gestão de REEE. Alguns fatores podem facilitar a quantificação de indicadores, enquanto outros podem dificultar. Por exemplo, uma ação preventiva pode ocorrer em diferentes estágios do ciclo de vida de um produto ou serviço, caso ocorra nos estágios iniciais, será mais difícil vinculá-la a uma quantidade de resíduos evitados do que uma ação que ocorreu pouco antes da disposição final desses resíduos. A ideia geral por trás da utilização de indicadores de impacto não é muito complicada, mas a sua aplicação prática requer tempo, investimento e um método sólido. É necessário o estabelecimento de um painel representativo de uma pesquisa, encontrar perguntas adequadas para um questionário e a criação de um estudo de ACV para determinar os impactos evitados e gerados e, consequentemente, as relações de redução. Além disso, outros obstáculos poderão surgir no momento de avaliar os indicadores econômicos, uma vez que os custos não são sempre completamente proporcionais a quantidades. Taxas, depreciação de equipamentos e outros parâmetros podem exigir cálculos mais complexos. Assim, a implementação, bem como o sucesso da implementação de um programa de prevenção de REEE, requer um planejamento antecipado, a fim de determinar os indicadores a serem monitorados, as barreiras potenciais e os resultados esperados.


32  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos

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Lúcia Helena Xavier

Capítulo 3

Design e Sustentabilidade na Cadeia de REEE RESUMO

Os produtos eletroeletrônicos, de modo geral, são projetados para atender prioritariamente as necessidades dos consumidores por inovação e praticidade. Os impactos ambientais causados pelo uso desses produtos ou a obsolescência como causa da crescente geração de resíduos ainda não são prioridade no momento da compra, principalmente, de produtos com alto potencial tecnológico. Entretanto, com a consolidação do conceito da sustentabilidade, os critérios ambientais passaram a ser considerados no projeto do produto e nos processos produtivos. Tem sido priorizada a redução da quantidade de materiais, uso de materiais alternativos ao invés dos materiais perigosos, como também a redução do consumo energético ao longo da vida útil do produto. Para além das questões estéticas ou de forma, o design para a sustentabilidade surge como uma releitura da proposta tradicional e, ao mesmo tempo, como uma solução para os problemas decorrentes da obsolescência.

3.1 Introdução Os produtos eletroeletrônicos, assim como os demais produtos, são projetados para atender a necessidade dos clientes. Entretanto, com a consolidação do conceito da sustentabilidade, os critérios ambientais passaram a ser inseridos cada vez mais no projeto

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36  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos do produto. Tem sido priorizada a redução da quantidade de materiais, o uso de materiais alternativos em substituição aos materiais perigosos, como também a redução do consumo energético ao longo de sua vida útil. Para além das questões estéticas ou de forma, o design sustentável surge como uma releitura da proposta tradicional e, ao mesmo tempo, como uma solução para os problemas decorrentes da obsolescência. A sustentabilidade tem ganhado vulto no projeto de produtos e serviços em diferentes segmentos de atuação. A variedade de opções de produtos sustentáveis tem tido forte apelo nas vendas, inclusive como diferencial de competitividade. No entanto, nesse mesmo ínterim surge o conceito de green washing, que, diferentemente da proposta de sustentabilidade, se pauta em uma “roupagem” ambiental para processos e produtos que ainda possuem significativo potencial de dano ambiental. A esse respeito, Mahoney et al. (2012), apresentam um instigante trabalho a partir do qual identificam o perfil de empresas que, apesar de não terem políticas fortes de sustentabilidade e responsabilidade corporativa, conseguem passar uma imagem de ambientalmente conscientes para o público. O padrão de consumo e descarte de equipamentos eletroeletrônicos varia entre os países e observa-se uma significativa diferença entre o tempo de vida útil de equipamentos eletroeletrônicos (EEE) entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento. Em virtude, principalmente, da obsolescência tecnológica nos países desenvolvidos, mesmo mantendo suas funcionalidades, os EEE têm o final de vida decretado em função de sua substituição por equipamentos mais novos e com maior potencial tecnológico (SANTOS e PEREIRA, 1999). Por outro lado, nos países em desenvolvimento, é patente o efeito cascata, no qual os equipamentos que são substituídos são imediatamente inseridos em outra condição de uso, na qual exigem maior dedicação de serviços de manutenção para reduzir ou eliminar a incidência de falhas. Geralmente a cadeia subsequente tende a ser uma cadeia menos sofisticada que a imediatamente anterior e, por esse motivo, apresenta menor grau de exigência, dispensando investimentos na aquisição de novos equipamentos ou peças.

3.2  A sustentabilidade, a logística e a gestão ambiental De acordo com Xavier et al. (2004), a crescente necessidade de inclusão de questões ambientais na gestão da produção tende a tornar cada vez mais intensa a relação entre gestão ambiental e logística, inclusive por meio da elaboração de mecanismos legais e normativos que considerem especificidades do ambiente produtivo e das estratégias de negócio em consonância com as dimensões de sustentabilidade. Outras áreas de interesse, bastante desenvolvidas nas décadas anteriores, como a análise do ciclo de vida, a gestão ambiental da cadeia de suprimentos, a distribuição reversa e a modelagem matemática ainda podem agregar valor à logística ambiental, de uma forma mais específica. Deve-se considerar, no entanto, que a logística reversa, enquanto parte do contexto da logística ambiental, tem ganhado grande importância, de modo complementar, tanto no âmbito empresarial quanto em pesquisas acadêmicas.


Design e Sustentabilidade na Cadeia de REEE  37 Entretanto, a integração entre a logística e a gestão ambiental, que originou a logística ambiental, é considerada um paradoxo por alguns autores, na medida em que alguns questionamentos relacionados à sua viabilidade tornam-se evidentes. Um estudo recente proposto por Barba-Gutiérrez et al. (2008) realiza a análise de possíveis impactos negativos da implementação de regulamentações a respeito da obrigatoriedade da coleta de resíduos eletroeletrônicos. Os autores evidenciam possíveis impactos ambientais decorrentes de uma ineficiência logística que, por sua vez, gera um aumento significativo nas emissões atmosféricas de poluentes a partir da inclusão de rotas antes inexistentes, resultante do consumo de combustíveis fósseis durante o transporte dos resíduos. Uma outra abordagem semelhante, no sentido de mapeamento das rotas de deslocamento do transporte de resíduos eletroeletrônicos e a crítica ao impacto das emissões é apresentada por Kim et al. (2009). Esses autores enfatizam a importância de estudos das rotas de deslocamento para a captação de REEE, ao mesmo tempo em que evidenciam a importância da responsabilidade pós-consumo como aspecto-chave para a eficiência do processo. Em ambos os casos verifica-se a importância de se considerar as emissões atmosféricas como critério de análise de sustentabilidade na cadeia de suprimentos, com foco na recolha de material pós-consumo para processamento em cadeias reversas. A geração de resíduos perigosos na cadeia de equipamentos eletroeletrônicos, juntamente com o potencial tóxico dos materiais, é resultante da redução do ciclo de vida útil e aumento de consumo desses produtos. Alguns estímulos ao consumo, como a obsolescência induzida (que consiste na substituição de produtos ainda em condições de uso por modelos com melhor desempenho ou design mais atraente) e a obsolescência programada (redução do ciclo de vida do produto com função da aplicação de estruturas ou materiais menos resistentes), tem gerado um tipo específico de resíduo sólido urbano, os denominados resíduos tecnológicos ou resíduos de equipamentos eletroeletrônicos – REEE – (MORALES e SANTOS, 2010). O gerenciamento da cadeia reversa de resíduos tecnológicos é uma das soluções possíveis para a minimização do volume de detritos que impactam a vida útil dos aterros. Por outro lado, essa categoria de resíduos ainda tem grande potencial de agregação de valor por meio da coleta, triagem e separação. Diferentes países já possuem ações implementadas no sentido de gerenciar a cadeia reversa de resíduos de equipamentos eletroeletrônicos. De acordo com Griese et al. (2004), observa-se que o uso em cascata está melhor estabelecido em países em desenvolvimento, onde também há larga experiência no reparo de equipamentos antigos e a mão de obra tem valor relativamente mais baixo do que nos países desenvolvidos. Segundo esse entendimento, os autores percebem que há uma maior eficiência no uso de equipamentos eletroeletrônicos para os países em desenvolvimento. Outro aspecto relevante, relacionado à gestão da cadeia reversa e colocado por Toktay et al. (2003), é a relação entre a previsão de retorno de matéria-prima secundária (resíduos passíveis de serem reincorporados à cadeia produtiva) para alimentar a logística reversa de produtos pós-consumo. Tal questão está diretamente relacionada à definição do final da vida útil de determinado produto.


38  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos Por outro lado, um produto pode atingir o final de sua vida útil em uma determinada fase do consumo; entretanto, por ainda apresentar funcionalidades, pode ter sua vida útil estendida ao passar por manutenção e ser reincorporado por outras unidades nas quais seu consumo seja continuado.

3.3  Sustentabilidade na cadeia produtiva de eletroeletrônicos A primeira referência histórica a respeito da regulamentação da gestão ambiental de REEE consiste nos termos da Convenção da Basileia, estabelecida em 1989, com o propósito de estabelecer critérios a respeito da harmonização internacional da movimentação de resíduos perigosos entre os países. Muitas discussões se seguiram, até que em 2002 a Comunidade Europeia elaborou diretrizes sobre gestão de resíduos perigosos (RoHS) e, na sequência, outra diretriz específica sobre a gestão de REEE. Novas frentes de debates foram iniciadas e muitos países do continente Europeu elaboraram regulamentações específicas para a gestão de resíduos de equipamentos eletroeletrônicos. O Brasil tem apresentado relevante atuação política no sentido de colaborar, por meio da elaboração de políticas públicas, com a melhoria do gerenciamento de resíduos sólidos no país. A título de ilustração, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), implementada pela Lei n° 12.305 de 2010 e regulamentada pelo Decreto n° 7404 de 2010, representa forte marco regulatório por meio da exigência da implantação de sistemas de logística reversa, bem como do estabelecimento da corresponsabilidade por parte das empresas envolvidas ao longo da cadeia produtiva. A avaliação de critérios e indicadores de sustentabilidade em determinada cadeia produtiva pode se pautar em aspectos definidos em legislação ambiental específica, bem como por meio de normas relacionadas à Avaliação do Ciclo de Vida, como a norma ISO 14.040 (ISO, 2006). Por outro lado, a avaliação pode ser complementada ainda por meio da definição de critérios e indicadores para a avaliação do desempenho ambiental de determinado segmento produtivo. A esse respeito, há orientações na norma ISO 14.031 (ISO, 2004). A partir do modelo genérico proposto na Figura 3.1, é possível evidenciar três pontos críticos da gestão da cadeia reversa de equipamentos eletroeletrônicos. O primeiro é a etapa

Figura 3.1  Modelo geral da gestão de REEE. Fonte: Elaboração própria.


Design e Sustentabilidade na Cadeia de REEE  39 de coleta que deve ser fomentada tanto por iniciativas sociais, como por incentivos políticos e fiscais para garantia de um volume mínimo de material a ser processado e, desta forma, torne os custos da reciclagem viáveis. O segundo ponto crítico é a própria etapa da reciclagem, que poderá alcançar um padrão de excelência ambiental na medida em que mecanismos regulamentadores possibilitem a padronização e fiscalização de suas técnicas. O principal objetivo dessa abordagem é buscar minimizar os impactos negativos à saúde humana e ambiental, verificados a partir do manuseio de resíduos perigosos ao final da vida útil de equipamentos eletroeletrônicos. Outro tópico de grande relevância nos principais debates é a regulamentação por parte do governo a respeito da responsabilidade sobre a gestão de produtos órfãos, cuja origem não é possível identificar ou cujo fabricante não se encontra mais atuando no mercado. Nesse sentido, alguns países desenvolvidos têm sido apontados como exportadores de REEE para países em desenvolvimento, ferindo a Convenção da Basileia. Grande parte dos países em desenvolvimento não estaria apta tecnológica e socialmente para o gerenciamento eficaz e efetivo dessa categoria de resíduos perigosos. Nesse sentido, a elaboração de normas e procedimentos para a implementação de sistemas de logística reversa, bem como o estabelecimento e a adequação de uma infraestrutura mínima, deve ser provida pelo Estado, ou ainda pela iniciativa privada. Em linhas gerais, a Figura 3.1 apresenta um modelo conceitual a respeito da gestão de REEE. Propõe-se que os estímulos que incentivam os consumismos podem configurar como ponto de partida para a amplificação do consumo e consequente geração de resíduos. Com o aumento da quantidade e diversidade de produtos pós-consumo, torna-se necessária a implantação de sistemas eficientes de coleta e separação que, por sua vez, demandam ações logísticas coordenadas para o transporte e acondicionamento de materiais e produtos que serão destinados. De acordo com Jinglei et al. (2009), métodos simples de reciclagem e a carência de mecanismos eficazes de controle da poluição, verificado em países em desenvolvimento, os tornam mais susceptíveis a poluição ambiental, resultando em impactos significativos à saúde humana. Nesse sentido, Sepúlveda et al. (2010) relatam um fluxo relativamente intenso de REEE partindo, principalmente, de Estados Unidos, Canadá, Austrália, Europa, Japão e Coreia com destino à países asiáticos como China, Índia e Paquistão. O contato com agentes contaminantes ao longo da cadeia reversa de equipamentos eletroeletrônicos pode ocorrer em diferentes etapas e em distintas intensidades. O contato direto com metais pesados durante a etapa de desmontagem dos aparatos resulta na absorção pela pele e possível contaminação por bioacumulação nos organismos. Por outro lado, a queima de material provoca a liberação de material tóxico na atmosfera e, nesse caso, a contaminação ocorre pela inalação dos agentes tóxicos. Desta forma, o uso de equipamentos de proteção pode minimizar ou eliminar os impactos decorrentes da destinação (reúso, reciclagem e outros) ou disposição final (aterro e incineração), dos equipamentos eletroeletrônicos pós-consumo. Deng et al. (2006 e 2007) sugerem a análise de compostos tóxicos liberados na atmosfera a partir da atividade de reciclagem de REEE. Os artigos apresentam a relação entre


40  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos níveis de contaminação de áreas onde predomina a reciclagem desses equipamentos e alertam para a necessidade de consolidação de políticas públicas para o gerenciamento dos resíduos em questão. Outros autores ainda evidenciam o impacto da contaminação em solo, água e sedimentos (WONG, 2006; LEUNG, 2007), consequente fonte potencial de contaminação de animais, vegetais e humanos. Além das questões de cunho técnico e gerencial, outro aspecto que merece atenção dos gestores é o impacto socioambiental de ações decorrentes da gestão de resíduos e, mais especificamente, da logística reversa na qual a atuação de catadores, por meio de associações e cooperativas, mostra-se de vital importância. A gestão de resíduos a partir de uma mobilização massiva e voluntária de catadores de resíduos tem fomentado uma cadeia bastante lucrativa de suprimentos da indústria da reciclagem (LEAL et al., 2009). De acordo com recente estudo realizado por Sembiring e Nitivattananon (2010), dentre os países pertencentes ao G-20, os que mais se destacam por apresentarem ações bem-sucedidas com a atuação de catadores são: Brasil, México, Filipinas, Índia e Indonésia.

3.4  Design e sustentabilidade na gestão de REEE A reciclagem dos REEE tem importância econômica e ambiental por recuperar componentes reutilizáveis, especialmente metais preciosos, além de criar empregos para as populações mais pobres, ajudando na erradicação da pobreza. No entanto, devido à falta de instalações apropriadas, altos custos trabalhistas e regulamentações ambientais exigentes, os países mais ricos tendem a não reciclar seus resíduos eletroeletrônicos. Em vez disso, ele ou é depositado em aterros, ou exportado para países mais pobres, onde pode ser reciclado através de técnicas primitivas e com pouca consideração à proteção do meio ambiente e à segurança do trabalhador (ROBINSON, 2009). Tradicionalmente, ao se conceber um produto, os principais critérios considerados são a funcionalidade, a eficiência e o custo. Ainda são poucas as iniciativas de design de produto e processo que priorize a redução dos impactos ambientais durante a vida útil e também no estágio pós-consumo. Entretanto, algumas iniciativas interessantes já se encontram em desenvolvimento, inclusive especificamente para a gestão de REEE. É possível perceber a gestão de REEE como uma parte da gestão de resíduos que, em função do retorno de produtos e materiais ao mercado, também possuem inserção na gestão empresarial e na economia. Tais aspectos ainda impactam a sociedade por meio da efetividade de ações ambientalmente adequadas de destinação de resíduos, ao mesmo tempo em que colabora para a geração de emprego e renda. Nesse contexto, a gestão de REEE ainda necessita da consolidação do projeto, ou seja, do design de produtos e materiais como forma de otimização da cadeia reversa. A título de exemplo, a elaboração de produtos com materiais com maior potencial de reciclagem, bem como o investimento no desenvolvimento de produtos facilmente desmontáveis ao


Design e Sustentabilidade na Cadeia de REEE  41 final da vida útil, são perspectivas com significativo potencial de inovação no contexto da logística reversa. A esse respeito, além das determinações contidas na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), um dos principais documentos legais é o Edital de Chamamento para a elaboração de Acordo Setorial para a implantação de Sistema de Logística Reversa de produtos eletroeletrônicos e seus componentes (Edital n° 01 de 2013, do Ministério do Meio Ambiente). Esse edital estabelece como meta o recolhimento e a destinação ambientalmente adequada de 17%, em peso, dos produtos eletroeletrônicos colocados no mercado nacional em 2012. A importância desse documento reside, mais especificamente, no fato de representar o principal aspecto motivador para a configuração dos fluxos de reciclagem. Considerando-se, hipoteticamente, que no Brasil sejam colocados no mercado anualmente cerca de 1 milhão de computadores, deveria-se delinear um sistema de recolha e processamento de 170 mil desses equipamentos anualmente. Como resultado, buscaria-se identificar os principais pontos geradores de resíduos e, desta forma, localizar as unidades de destinação o mais próximas possível dessas fontes. Outra questão relevante seria a natureza do equipamento e sua condição de funcionalidade. Assim, enquanto alguns aparelhos necessitam apenas de manutenção ou pequenos reparos, outros já exigem troca de peças ou total recondicionamento para recuperar total ou parcialmente suas funcionalidades. Desta forma, a triagem por meio do teste dos equipamentos caracteriza-se como uma das atividades iniciais no processo de destinação de equipamentos eletrônicos pós-consumo. Uma abordagem bastante recente que agrega processo e produto é a virtualização de processos operacionais, que tem uma ampla aplicação por meio, por exemplo, da proposta do cloud computing. Em poucas palavras, consiste na virtualização de atividades em função da disponibilidade de espaço físico nas máquinas ou até mesmo da disponibilidade de energia em determinada região geográfica. Uma das principais aplicações nesse sentido tem sido desenvolvida pelo grupo Green Star Network, do Canadá (http://www.greenstarnetwork.com/). A proposta desse grupo consiste no desenvolvimento de ferramentas informatizadas que possibilitem o uso eficiente da energia a partir da migração das bases de transmissão de dados em diferentes regiões e países, tendo-se como premissa a disponibilidade de recursos renováveis como energia solar (following the sun) e energia eólica (following the wind). Intitulada como a primeira rede mundial de transmissão de dados com emissão zero de carbono, essa proposta consiste como um dos projetos mais bem-sucedidos na área de Tecnologia, Informação e Comunicação. Os impactos na gestão de resíduos são perceptíveis na medida em que se permite o prolongamento da vida útil dos equipamentos a partir do uso alternado dos equipamentos em diferentes regiões do planeta. É fácil entender a importância dos processos de virtualização em alcançar padrões adequados de sustentabilidade ambiental. A melhoria no consumo de energia e, consequentemente, a redução das emissões de carbono durante o ciclo de vida de equipamentos TIC são os exemplos mais concretos, que refletem a redução da necessidade de energia ao longo das últimas décadas. De acordo com Dubey e Refley (2011), a estimativa do consumo anual de CO2 para diferentes equipamentos é apresentada na Tabela 3.1.


42  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos Tabela 3.1  Toneladas de CO2 produzidas por ano por equipamento. Equipamento (unidade)

Quantidade de CO2 produzida por ano

Servidor

8 toneladas

PC

4 toneladas

Impressora e fotocopiadora

10 toneladas

Roteador

20 toneladas

Switch

5 toneladas

Fonte: Dubey and Refley, 2011.

Além do design do processo, o design do produto focado na sustentabilidade tem ganhado importância em diferentes segmentos. Nesse sentido, uma proposta recente foi a concepção do laptop verde por um grupo de estudantes da universidade de Stanford, nos Estados Unidos (Figura 3.2).

Figura 3.2  Protótipo de laptop desmontável. Fonte: http://www.greenbiz.com/ blog/2011/02/01/recyclable-laptop-designed-disassembly

Esse projeto foi concebido com o objetivo de agregar valor às partes e peças do equipamento pós-consumo por meio da otimização do tempo e da qualidade da desmontagem. O produto permite uma desmontagem rápida e com alto grau de separação dos materiais, o que não é comum nos equipamentos eletroeletrônicos, principalmente naqueles de pequeno porte ou em placas de circuito impresso, por exemplo. Por outro lado, uma iniciativa dessa importância não teria muita utilidade se não houvesse a universalização da informação a respeito dos riscos e da necessidade de se descartar adequadamente os equipamentos eletroeletrônicos pós-consumo. Pensando nisso, a Comunidade Europeia propôs, por meio de uma diretiva específica, a convenção do desenho


Design e Sustentabilidade na Cadeia de REEE  43 de um recipiente de lixo tachado, ou seja, indicando a proibição da destinação de aparatos eletroeletrônicos no lixo convencional (Figura 3.3).

Figura 3.3  Símbolo indicativo da destinação de REEE pela Comunidade Europeia. Fonte: Elaboração própria.

O símbolo proposto pela Comunidade Europeia é hoje aceito e difundido na maioria dos países, a partir da comercialização dos produtos europeus. Percebe-se um impacto positivo na proposta na medida em que o design e disseminação do símbolo trazem uma ação educativa em seu contexto, colaborando significativamente para o processo de destinação dos resíduos eletroeletrônicos. Recentemente foi publicada no Brasil uma norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) para a gestão eficiente de resíduos de equipamentos eletroeletrônicos por meio da manufatura reversa (ABNT, 2013). Por meio dessa norma são definidos os requisitos para a gestão ambientalmente adequada dos REEE através da gestão dos riscos à saúde e segurança no trabalho. Em outras palavras, essa norma confere uma nova dimensão ao entendimento da cadeia produtiva ao regulamentar o ciclo reverso por meio de conceitos sedimentos a respeito da saúde e segurança do trabalhador. Ainda no contexto do design e sustentabilidade na logística reversa de resíduos eletroeletrônicos, destaca-se uma iniciativa brasileira conhecida como kit didático para ensino na área de computação e eletrônica, construído inteiramente a parte de resíduos eletroeletrônicos (Figura 3.4). A proposta de Andrade et al. (2013) é um bom exemplo das soluções que agregam tanto a proposta de destinação ambientalmente adequada quanto no desenvolvimento de soluções socialmente aceitas e desejáveis. Tal modelo de projeto é um exemplo emblemático das soluções que agregam a proposta de destinação ambientalmente adequada e a inclusão social por meio da proposta da tecnologia social. Nesse caso, especificamente, os kits foram desenvolvidos de forma que possam ser construídos e utilizados por alunos de cursos técnicos e também universitários. Outra proposta alinhada nesse mesmo sentido foi o projeto Trash Track, coordenado pelo laboratório SENSEable Cities do Massachussets Institute of Technology (MIT) nos Estados Unidos. O projeto consistiu na colocação de dispositivos de rádio frequência (RFID) em amostras de resíduos de diferentes tipos e, em seguida, o rastreamento da destinação. Por meio dessa proposta foi possível identificar, ao longo do monitoramento por dois


44  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos

Figura 3.4  Kit didático operacional a partir de comandos do computador. Fonte: Andrade et al. (2013).

meses, as rotas de destinação, localização de pontos de transbordo, processamento, rotas de destinação de resíduos para outros países e ainda a localização de aterros clandestinos nos Estados Unidos. Conforme apresentado na Figura 3.5, as etiquetas RFID dispostas nos resíduos possibilitou um mapeamento preciso das rotas percorridas. De posse de informações relativas ao tempo de deslocamento, pontos de destinação e modais de transporte (inferido a partir do tempo de deslocamento), é possível evidenciar boas práticas e pontos a serem melhorados com o intuito de se construir estratégias de gerenciamento de resíduos.

Figura 3.5  Rotas de deslocamento na destinação de resíduos. Fonte: SENSEable Cities, 2012.


Design e Sustentabilidade na Cadeia de REEE  45

3.5  Considerações finais A possibilidade de retorno econômico por meio da gestão de REEE em localidades onde os indivíduos possuem baixo poder aquisitivo tem superado a busca por formas alternativas na gestão de resíduos na cadeia produtiva desses equipamentos. Por outro lado, percebe-se um significativo potencial para mitigação dos impactos potenciais dos REEE por meio da ação de cooperativas, ONGs, poder público e iniciativa privada, com base nos mecanismos legais e normativos vigentes. A regulamentação da gestão ambiental de REEE tem evidenciado função de significativa relevância com impacto tanto na sustentabilidade ambiental do processo, como também na garantia da manutenção do sistema por meio de benefícios de ordem social, econômica e técnica. O aprimoramento de técnicas para a otimização dos processos de destinação e disposição final de REEE aumenta a eficiência e, ao mesmo tempo, reduz consideravelmente o potencial de impacto negativo da atividade desenvolvida por recicladores. Os benefícios de ordem econômica tornam-se perceptíveis à medida que a cadeia se torna mais eficiente e há redução dos riscos. Por fim, os ganhos sociais são atingidos por meio da geração de postos de trabalho, melhoria das condições de trabalho e geração de renda por meio da uma atividade com grande impacto na manutenção da vida útil e qualidade da área de aterros sanitários. Apesar de se verificar o consenso a respeito do potencial de risco da destinação inadequada dos REEE, os textos científicos e da literatura cinza apresentam detalhamento dos impactos na saúde humana e contaminação ambiental, principalmente, em estudos realizados em países asiáticos. Diversos estudos realizados na China apresentam um grau significativamente alto de detalhamento do potencial de risco da gestão de REEE e, desta forma, colaboram para a compreensão da dimensão dos danos potencial e, consequentemente, fomentam ações direcionadas. Nos países da América Latina, as questões sociais e socioambientais têm sido priorizadas como principal argumento das discussões políticas e ambientais. As principais leis elaboradas no Brasil, por exemplo, focam a legitimação da atuação dos catadores por meio de associações e cooperativas. Por outro lado, os países europeus, em função da escassez de mão de obra para a realização das atividades de catação, triagem e desmontagem dos equipamentos, buscam o aprimoramento de técnicas que permitem a consecução das metas sem prejuízo para a economia e para o meio ambiente. Diante das questões abordadas neste capítulo, percebe-se que os processos divergem entre os países e o grau de desenvolvimento social e econômico. Tais diferenças possuem significativo impacto e trazem resultos diversos para as etapas operacionais de coleta, triagem, recondicionamento, desmontagem, descaracterização, destinação e disposição de produtos e materiais pós-consumo.


46  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos

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Design e Sustentabilidade na Cadeia de REEE  47 SEMBIRING, E., NITIVATTANANON, V. Sustainable solid waste management toward an inclusive society: Integration of the informal sector. Resources, Conservation and Recycling, vol. 54, 11, 2010, pp. 802-809. SEPÚLVEDA, A., SCHLUEP, M., RENAUD, F.G., STREICHER, M., KUEHR, R., HAGELÜKEN, C., GERECKE, A.C. A review of the environmental fate and effects of hazardoussubstances released from electrical and electronic equipments during recycling:examples from China and India. Environmental Impact Assessment Review, vol. 30, 1, 2010, pp. 28-41. SENSEable Cities, 2012. MIT SENSEable City Lab Forage Tracking. Disponível em: http://katerva.org/2012nominees/mit-senseable-city-lab-forage-tracking/. Acesso em abril de 2013. TOKTAY, L.B., VAN DER LAAN, E.A., BRITO, M.P. Managing Product Returns: the Role of Forecasting. pp. 45-64. In Dekker R., Fleischmann M., Inderfurth K., van Wassenhove L.N., editors. Reverse Logistics: Quantitative Models for Closed-Loop Supply Chains. Springer, 2003, pp. 436. WONG, M.H. Sources, fates, and environmental and health effects of persistent toxic substances from e-waste recycling. Presentation in Nepal. Croucher Institute for Environmental Sciences, Department of Biology, Hong Kong Baptist University, 2006. XAVIER, L. H.; VALLE, R. A. B. CANEN, A.G. Logística e a Gestão Ambiental: convergência para o sucesso organizacional. In: SIMPOI, São Paulo. VII Simpósio de administração da produção, logística e operações internacionais. São Paulo SP : FGV/EAESP, 2004.


Patrícia Faga Iglecias Lemos, João Múcio Amado Mendes

Capítulo 4

Resíduos eletroeletrônicos e seus aspectos jurídicos no Brasil RESUMO

Historicamente, a geração de resíduos, em variáveis escalas, de diferentes origens e espécies, incluindo os resíduos de equipamentos eletroeletrônicos (REEE), com diversos impactos socioambientais pode ser compreendida como inerente à vida humana e ao desenvolvimento de suas relações sociais. No Brasil, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), já com grande atraso instituída pela Lei Federal n° 12.305/2010 e regulamentada pelo Decreto n° 7.404/2010, estabeleceu um esquema de responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto, de que decorrem inúmeros deveres legais para a cadeia produtiva, como, por exemplo, a obrigação de estruturar e implementar sistemas de logística reversa para os produtos eletroeletrônicos e seus componentes. Comparativamente à regulação europeia dos REEE e mesmo à situação regulatória brasileira de outros tipos de resíduos sujeitos à logística reversa, ainda se mostra bastante tímida no Brasil a regulamentação dos REEE, inexistindo nos dias atuais um marco regulatório federal que forneça uma simples definição do que sejam propriamente os REEE, não obstante algumas experiências legislativas estaduais e municipais, e mesmo com o advento da PNRS que finalmente incluiu os produtos eletroeletrônicos e seus componentes no rol das espécies de resíduos abrangidas pelas regras de logística reversa obrigatória. 49


50  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos

4.1 Introdução Em um cenário de franca expansão da produção, consumo, descarte e implicações ambientais dos REEE no país, encontra-se em andamento, nos termos da PNRS e seu Decreto Regulamentador, o procedimento de implantação dos sistemas de logística reversa dos eletroeletrônicos, com abrangência nacional, desafiando as dificuldades técnicas, regulatórias e operacionais existentes. Com fundamento na PNRS e no princípio da função socioambiental da propriedade (ou posse), o design sustentável do produto há de ser concretizado no desenvolvimento de equipamentos eletroeletrônicos duráveis para prevenir e reduzir, ao máximo possível, a geração de REEE, que podem resultar em sérios impactos ambientais e à saúde pública, ora em razão de sua composição potencialmente perigosa, ora por sua facilidade de acumulação em volumes expressivos em locais inadequados, devendo ser estimulada, após o uso desses equipamentos, a sua reutilização, reciclagem ou outra forma de destinação final ambientalmente adequada, também sob uma perspectiva de oportunidade, para evitar o desperdício de recursos valiosos. Por mais que a compreensão dos problemas decorrentes dos resíduos seja bem recente e a sua proteção legal recentíssima, o fato é que fazem parte da história do ser humano no planeta (LEMOS, 2012b, p. 83). Assim, já no período paleolítico, os ocupantes das cavernas confinavam resíduos nas reentrâncias das rochas (WALDMAN, 2010, p. 11). Nos vestígios arqueológicos, é possível encontrar desde objetos manufaturados e sepulturas a objetos rejeitados decorrentes da atividade técnico-econômica, dotados de elevado valor para a Arqueologia e outras ciências afins. Nesse sentido, aponta-se (GALLAY, 1986, p. 126) para resíduos domésticos de origem animal, como ossadas; resíduos domésticos de origem vegetal, como especiarias; e resíduos de atividades artesanais e de objetos inutilizáveis, como cacos de barro e outros objetos partidos. Portanto, a geração de resíduos, em maior ou menor escala, das mais variadas origens e espécies, desde os vestígios arqueológicos até os modernos resíduos eletroeletrônicos, com diferentes impactos ambientais, pode ser percebida como inerente à própria vida humana e ao desenvolvimento de suas relações sociais. A preocupação com os resíduos começa basicamente a partir do surgimento das primeiras cidades na Antiguidade. Na Roma Antiga, a limpeza das cidades ficava a cargo dos Aedilis Curules, que eram magistrados de baixa hierarquia, no âmbito do cursus honorum romano (ARAGÃO, 2006, p. 72; LEMOS, 2012b, p. 84). No sistema romano-germânico, o primeiro tratamento jurídico dado aos resíduos é justamente o da res derelictae, isto é, o abandono da coisa móvel. Referências a esse respeito podem ser encontradas em Ulpiano, Paulo e Modestino, nos fragmentos do Digesto 41,7 – Pro derelicto. Sob essa perspectiva tradicional, o abandono corresponde a uma hipótese de perda da propriedade, desde que exista “um comportamento do proprietário da coisa que inequivocamente traduza a sua intenção de abandoná-la” (ALVES, 1983, p. 360).


Resíduos eletroeletrônicos e seus aspectos jurídicos no Brasil  51 Dessa forma, o regime jurídico geral dos direitos reais advindo do direito romano mostra-se insuficiente e inadequado para a atual concepção dos resíduos trazida pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), uma vez que aquele prevê o abandono como uma das formas de extinção do direito de propriedade, na linha do que se estabelece mesmo hoje no Código Civil Brasileiro atual (Lei n° 10.406/2002). Durante a Idade Média, com a expansão do comércio, as cidades cresceram enormemente, o que trouxe uma maior dimensão para o problema dos resíduos, que eram muitas vezes lançados na rua, de forma indiscriminada. A propósito, esse fato é mencionado como uma das causas da peste negra na Europa Ocidental, implicando a morte de metade da sua população em somente quatro anos (ARAGÃO, 2006, p. 72; TCHOBANOGLOUS, THEISEN, VIGIL, 1993). Com a Revolução Industrial, a intensificação do processo de urbanização e a explosão demográfica, os problemas se agravam e os resíduos (e os chamados danos residuais) passam a ser tratados como um problema de direito de vizinhança (LEMOS, 2012b, p. 85). No que diz respeito ao uso anormal da propriedade, o Código Civil Brasileiro de 2002 revela preocupação com as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos habitantes de uma determinada área, decorrentes da utilização da propriedade vizinha, o que certamente contempla a necessidade de cada um colaborar com a adequada gestão dos resíduos domésticos, inclusive no âmbito das relações de vizinhança. Contemporaneamente, com a sociedade de massa e a exacerbação do risco, os resíduos passam a ser vistos também como um complexo problema ambiental, que toma proporções inéditas e exige adequado enfrentamento, sob pena de comprometer a qualidade de vida e a sobrevivência de todos na Terra (LEMOS, 2012b, p. 85). É evidente que um fator imprescindível para a percepção atual dos resíduos como uma questão socioambiental está associado ao crescimento da população do planeta, decorrente especialmente da melhoria das condições de vida, inclusive dos alimentos, o que ocasionou um aumento na expectativa de vida, além dos próprios impactos ambientais que os resíduos podem acarretar, afetando a fauna, a flora, a saúde pública e os recursos naturais em geral (LEMOS, 2012b, p. 85). Assim, a alteração nos padrões de produção e de consumo e a responsabilidade pós-consumo se tornam essenciais para a manutenção da vida das presentes e das futuras gerações, notadamente em relação ao segmento de eletroeletrônicos, frequentemente afetado por práticas de obsolescência planejada.

4.2  A conceituação legal dos resíduos sólidos pós-consumo e suas implicações No Direito brasileiro, antes da Lei n° 12.305/2010 (a nossa Política Nacional de Resíduos Sólidos), não havia uma legislação abrangente, sistêmica e integrada, de âmbito federal, que conceituasse o resíduo em si, e poucos Tribunais no país haviam se manifestado diretamente


52  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos sobre o tema, embora a essa época já pudessem ser encontrados julgados interessantes1 de algumas espécies de resíduos. Nos termos da PNRS (art. 3°), os “resíduos sólidos” são definidos como “material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido”, assim como os “gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnica ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível” (inciso XVI), ao passo que os “rejeitos” são tidos como os “resíduos sólidos que, depois de esgotadas todas as possibilidades de tratamento e recuperação por processos tecnológicos disponíveis e economicamente viáveis, não apresentem outra possibilidade que não a disposição final ambientalmente adequada” (inciso XV). Com efeito, o ciclo econômico clássico compreendia apenas três fases: a produção, a distribuição e o consumo dos produtos, sem qualquer referência aos resíduos finais ou pós-consumo. Vale observar que o problema da visão da res derelictae é justamente a irresponsabilidade daí decorrente. A coisa abandonada passaria a pertencer ao patrimônio de ninguém, podendo ser objeto de ocupação como forma de aquisição da propriedade. Portanto, essa concepção tradicional dos direitos reais, reproduzida mesmo no Código Civil Brasileiro de 2002 (arts. 1.263 e 1275, III), não pode ser a solução para a situação dos resíduos na atualidade (LEMOS, 2012b, p. 87). Nesse sentido, é importante compreender que o resíduo pós-consumo tem natureza jurídica de bem socioambiental. Assim, o reconhecimento de que o meio ambiente é um direito fundamental de terceira geração ou dimensão demanda uma interpretação atualizadora do conteúdo do direito de propriedade e da sua função socioambiental (LEMOS, 2012a, p. 99). Aliás, na VI Jornada de Direito Civil do Centro de Estudos Judiciários (CEJ) do Conselho de Justiça Federal, realizada em março de 2013 em comemoração aos 10 anos de vigência do Código Civil, restou aprovado o Enunciado 565, proposto e defendido nesse evento pela Professora Associada Patrícia Faga Iglecias Lemos, da Faculdade de Direito da USP, com o seguinte teor: “Não ocorre a perda da propriedade por abandono de resíduos sólidos, que são considerados bens socioambientais, nos termos da Lei n. 12.305/2012”. A desejada proteção ambiental não se exaure na tutela de bens singulares componentes do meio ambiente unitariamente considerado. Deve-se incluir em seu escopo também a tutela dos chamados bens ambientais difusos, essenciais à manutenção da sadia qualidade de vida das espécies, pouco importando discutir se consistem em bens de titularidade privada ou pública. Com isso, pode-se reconhecer a dupla titularidade dos bens socioambientais (LEMOS, 2012b, p. 85). 1

A respeito da aplicação da responsabilidade pós-consumo decorrente dos resíduos de embalagens plásticas tipo PET de refrigerantes, por exemplo, vale conferir pioneiro julgado do Tribunal de Justiça do Paraná (PARANÁ, 2002).


Resíduos eletroeletrônicos e seus aspectos jurídicos no Brasil  53 Dado o exposto, pode-se perceber que a perda da propriedade via abandono, prevista desde o direito romano até o Código Civil Brasileiro de 2002, não se compatibiliza com a noção atual de bens socioambientais, principalmente em matéria de resíduos, cuja disposição inadequada pode ocasionar diversos efeitos nocivos para o meio ambiente em si e para a saúde pública (LEMOS, 2012b, p. 88). Por isso, parece fazer todo o sentido classificar os resíduos como bens socioambientais, diante de sua relevância para as presentes e futuras gerações, na medida em que geram responsabilidade pós-consumo para o seu proprietário ou possuidor, devendo ser atendida a função socioambiental dessa propriedade ou posse. Tal entendimento é respaldado pelo art. 6°, VIII, da PNRS, ao reconhecer que o resíduo sólido reutilizável e reciclável deve ser tido “como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania” (LEMOS, 2012b, p. 88). Ainda segundo Lemos (2012, p. 88), mesmo o rejeito (art. 3°, XV, da PNRS) deverá ser considerado bem socioambiental, dotado de dupla titularidade, na medida em que não poderá ser livremente disposto, impondo-se a sua disposição final ambientalmente adequada, consistente na “distribuição ordenada de rejeitos em aterros, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos” (art. 3°, VIII, da PNRS).

4.3  Resíduos, logística reversa e embalagens De acordo com a PNRS, são juridicamente responsáveis todos aqueles que participam do ciclo de vida, que se inicia com o desenvolvimento e fabricação do produto, e vai até a destinação adequada do resíduo do produto ou da embalagem, ou, eventualmente, até a disposição final ambientalmente adequada dos seus rejeitos. Em razão de sua posição privilegiada no âmbito da cadeia produtiva, os fabricantes de produtos e embalagens devem responder efetivamente pelo ciclo completo desde a fabricação até a disposição final, agindo preventivamente diante de potenciais danos ambientais decorrentes desses resíduos. Assim, no caso dos equipamentos eletroeletrônicos, após o período útil haverá o descarte. É sabido que esse denominado “lixo eletrônico” (ou e-lixo) prejudica bastante o meio ambiente e que certamente o destino mais utilizado pela população ainda hoje tem sido o lixo comum, quando não as vias públicas. Nos termos do art. 14, § 1°, da Lei n° 6.938/1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente), trata-se de hipótese de responsabilidade objetiva do causador do dano, ou seja, responsabilidade independentemente de culpa, que não necessariamente demandará a imediata ocorrência do dano (ou de todos os danos), incidindo mesmo sobre os danos futuros, diante da transtemporalidade de determinados efeitos nocivos dos resíduos, notadamente, os REEE. Para a PNRS, a logística reversa é o “instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento,


54  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada” (art. 3°, XII). Dessa modo, não existe dúvida de que se adota no país a visão objetivista do resíduo, pouco importando tratar-se ou não de matéria-prima secundária, já que o referido dispositivo legal considera a logística reversa como meio de viabilizar a coleta e o retorno dos resíduos sólidos ao setor empresarial, de forma ampla, tanto para destinação final, que inclui a reutilização, a reciclagem, a compostagem, a recuperação e o aproveitamento energético dos resíduos, quanto para disposição final ambientalmente adequada, no caso dos rejeitos (art. 33, § 6°, da PNRS). No contexto da Constituição Federal 1988, compete concorrentemente à União, Estados e Distrito Federal legislar sobre matéria de proteção do meio ambiente e de responsabilidade por dano ambiental (art. 24, VI e VIII), limitando-se a União a estabelecer normais gerais (art. 24, § 1°), o que não exclui a competência suplementar dos Estados, diante da inexistência de lei federal sobre normas gerais (art. 24, §§ 2° e 3°). Já aos Municípios compete legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, I) ou suplementar a legislação federal e estadual no que couber (art. 30, II). Sob esse intrincado desenho constitucional de competências legislativas, antes mesmo da superveniência da PNRS, promulgada apenas em 2 de agosto de 2010, algumas iniciativas regulatórias esparsas em matéria de gestão de resíduos sólidos e obrigações de logística reversa já se faziam presentes no país, seja por meio de lei ordinária estadual ou municipal (excepcionalmente, por lei federal no caso específico de agrotóxicos), seja via Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), órgão consultivo e deliberativo do Sistema Nacional do Meio Ambiente (art. 6°, II, Lei n° 6.938/1981). No que se refere à regulação federal, desde o final da década de 1980, já se conta no país com uma lei federal pioneira (Lei n° 7.802/1989) que dispõe sobre o destino final dos resíduos e embalagens de agrotóxicos, estabelecendo um eficiente sistema de logística reversa para o setor. Também no âmbito federal, mas infralegal, algumas Resoluções do CONAMA editadas antes do advento da PNRS já traziam regras de logística reversa relativas a determinadas espécies de resíduos, destacando-se: óleos lubrificantes (CONAMA n° 9/1993, revogada pela CONAMA n° 362/2005, alterada pela CONAMA n° 450/2012); pneus inservíveis (CONAMA n° 259/1999, revogada pela CONAMA n° 416/2009); pilhas e baterias (CONAMA n° 257/1999, revogada pela CONAMA n° 401/2008, alterada pela CONAMA n° 424/2010); embalagens vazias de agrotóxicos (CONAMA n° 334/2003). Na esfera estadual, pelo menos desde o início da década de 1990, vem se proliferando uma série de Políticas Estaduais de Resíduos Sólidos, até mesmo para suprir a ausência de uma lei federal geral sobre resíduos sólidos, verificada até pouco tempo no Brasil, trazendo, dentre outros problemas, o da falta de uniformidade da legislação nos diversos Estados. Sem pretender exaurir, mas apenas exemplificar, podem ser mencionadas algumas iniciativas estaduais nesse sentido: Rio Grande do Sul (Lei Estadual n° 9.921/1993); Paraná (Lei Estadual n° 12.493/1999); Pernambuco (Lei Estadual n° 12.008/2001, substituída pela Lei Estadual n° 14.236/2010); Estado do Rio de Janeiro (Lei Estadual n° 4.191/2003); Estado de São Paulo (Lei Estadual n° 12.300/2006); e Espírito Santo (Lei Estadual n° 9.264/2009).


Resíduos eletroeletrônicos e seus aspectos jurídicos no Brasil  55 Com a superveniência da PNRS, que estabeleceu normas gerais federais sobre resíduos sólidos, tem-se que as normas gerais estaduais sobre a matéria, editadas sob a égide da competência suplementar dos Estados, terão suspensa sua eficácia no que forem contrárias àquelas estabelecidas na Política Nacional de Resíduos Sólidos, em observância ao previsto no art. 24, § 4°, da Constituição Federal de 1988. Nesse sentido, é possível que algumas leis estaduais sejam até mesmo reformuladas, em consonância com os novos preceitos da PNRS, como aconteceu com a Política Estadual de Resíduos Sólidos de Pernambuco, acima referida. Não obstante a existência de algumas leis estaduais e municipais esparsas, bem como das Resoluções do CONAMA sobre determinados tipos de resíduos, verifica-se que as obrigações de logística reversa trazidas nesses precedentes regulatórios foram, em geral, consolidadas e fortalecidas pela PNRS, tornando-se menos suscetíveis a questionamentos quanto à constitucionalidade formal de leis estaduais ou municipais por eventual usurpação de competência legislativa ou das próprias Resoluções do CONAMA por alegada violação do princípio da reserva legal, na medida em que enquanto resoluções não poderiam inovar na ordem jurídica, prerrogativa esta das leis em sentido estrito. A PNRS estabelece a responsabilidade compartilhada em relação aos resíduos sólidos em geral e, relativamente aos bens listados em seu art. 33, institui a sistemática da logística reversa. Similarmente à Diretiva Europeia n° 2008/98/CE (art. 4°, § 1°), relativa aos resíduos, a PNRS também prevê, em seu art. 9°, enquanto estratégia de gestão a seguinte linha de prioridades (a denominada “hierarquia de resíduos”): não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos e disposição final e ambientalmente adequada dos rejeitos. Na Alemanha, por exemplo, há regulamentação específica para o segmento de embalagens, a qual obriga os fabricantes e os distribuidores a aceitar a devolução de vasilhames e embalagens, levando-os a uma recuperação material que independe do sistema público de eliminação dos resíduos. Por esse motivo, os fabricantes e comerciantes criaram uma sociedade sem fins lucrativos chamada Duales System Deutschland GmbH (DSD), que organiza a coleta, a seleção e a valorização dos vasilhames e dos resíduos comerciais. Existe uma taxa de filiação que permite a identificação pelo ponto verde (grüner Punkt), bem como o pagamento em função do volume das embalagens, contando esse sistema com metas fixas (JURAS, ARAÚJO, 2006, p. 125; LEMOS, 2012b, p. 107). A regulação alemã veio a se tornar bastante exitosa nas medidas de equacionamento de resíduos sólidos, com o advento da Lei de Minimização e Eliminação de Resíduos, de 1986, que gerou a promulgação de diversos regulamentos protetivos como o de Minimiza­ ção de Vasilhames e Embalagens, de 1991. Posteriormente, foi editada a Lei de Economia de Ciclo Integral e Gestão de Resíduos, em 1994, estabelecendo a responsabilidade do fabricante por todo o ciclo de vida do produto. Na sequência, tal lei alemã de resíduos veio a ser substituída pela Gesetz zur Förderung der Kreislaufwirtschaft und Sicherung der umweltverträglichen Bewirtschaftung von Abfällen (Kreislaufwirtschaftsgesetz - KrWG), de 24 de fevereiro de 2012.


56  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos No tocante aos resíduos sujeitos à logística reversa obrigatória no âmbito normativo brasileiro, surgem diversos deveres para a cadeia produtiva (fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes), como o de divulgar informações relacionadas a como proceder para evitar, reciclar e descartar adequadamente resíduos ligados aos seus produtos, assim como o dever de recolher os produtos e resíduos remanescentes após o uso, além, é claro, da obrigação de lhes dar destinação final ambientalmente adequada. Para tanto, essa cadeia produtiva deverá estruturar e implementar sistemas de logística reversa, para que o retorno dos produtos pós-consumo possa ser realizado, independentemente do serviço público de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos (LEMOS, 2012b, p. 107). Sob o respaldo legal da PNRS (art. 33, I a VI), ficarão sujeitos à logística reversa, no mínimo os seguintes itens: agrotóxicos, seus resíduos e embalagens; pilhas e baterias; pneus; óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens; lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista; produtos eletroeletrônicos e seus componentes. A cadeia produtiva possui certa liberdade para implementar e operacionalizar o sistema de logística reversa que julgar conveniente, contanto que sejam respeitados os princípios de tutela do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Dentre outras medidas possibilitadas pela PNRS (art. 33, § 3), vale mencionar: a implantação de procedimentos de compra de produtos ou embalagens usados; a disponibilização de postos de entrega de resíduos reutilizáveis ou recicláveis; e a atuação em parceria com cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis, considerada para tanto a viabilidade técnica e econômica da logística reversa, bem como o grau e a extensão do impacto ambiental e à saúde pública dos resíduos gerados (LEMOS, 2012b, p. 108). Quanto às embalagens, inclusive as que acondicionam os equipamentos eletroeletrônicos, cabe aos seus responsáveis no âmbito da cadeia produtiva zelar, de um modo geral, para que possam propiciar a reutilização ou a reciclagem (art. 32, caput, da PNRS), assegurando que: sejam restritas em volume e peso às dimensões requeridas para a proteção do conteúdo e a comercialização do produto; sejam projetadas de modo a serem reutilizadas de maneira tecnicamente viável e compatível com as exigências aplicáveis ao produto contido nessas embalagens; sejam recicladas, quando impossibilitada a sua reutilização (art. 32, § 1°, da PNRS). Conforme o art. 32, § 3°, da PNRS, são considerados responsáveis quem manufatura embalagens ou fornece materiais para a fabricação de embalagens, bem como quem coloca em circulação embalagens, materiais para a fabricação de embalagens ou produtos embalados, em qualquer fase da cadeia do comércio. Apenas excepcionalmente, por razões técnicas ou econômicas, poderá ser inviabilizada a aplicação dessas obrigações, segundo seja disposto em regulamento (art. 32, § 2°, da PNRS). Ao contrário das embalagens, que tendem a ter uma maior homogeneidade em sua composição, os equipamentos eletroeletrônicos são muitas vezes constituídos por materiais perigosos, como metais pesados, por materiais dificilmente recicláveis, como determinados plásticos, por materiais sem valor de mercado, como a sílica, ou ainda com expressivo valor econômico, a exemplo de metais preciosos que podem ser encontrados em circuitos impressos e integrados, como prata, ouro e platina (ARAGÃO, 2003, p. 73).


Resíduos eletroeletrônicos e seus aspectos jurídicos no Brasil  57

4.4  O tratamento jurídico dos resíduos eletroeletrônicos Comparativamente a outros tipos de resíduos sujeitos à logística reversa, ainda se mostra tímida a regulamentação dos resíduos eletroeletrônicos no Brasil, não obstante a crescente expansão de sua produção, consumo e descarte no país, com importantes efeitos danosos ao meio ambiente e à saúde, ora em razão de sua periculosidade inerente, ora devido à sua facilidade de acumulação em volumes expressivos. Nesse sentido, Miguez (2010, p. 23-24) afirma que a indústria eletrônica é uma das que mais rapidamente crescem, sendo tal crescimento acompanhado de uma maior obsolescência dos produtos e de um maior descarte de resíduos eletroeletrônicos. Dentre todas as espécies de resíduos previstas pela PNRS como objeto de logística reversa obrigatória, os resíduos e embalagens de agrotóxicos constituem o setor mais avançado em termos regulatórios e de implementação da logística reversa. Isso se deve, em grande parte, ao pioneirismo de o setor contar desde o final dos anos 1980 com uma lei federal que veio a tratar sobre a destinação final ambientalmente adequada dos resíduos e embalagens de agrotóxicos, a saber, a Lei n° 7.802/1989 (também conhecida como Lei dos Agrotóxicos), alterada pela Lei n° 9.974/2000. No relatório “Recycling: from E-waste to resources”, publicado em julho de 2009 pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), foram reunidos dados de 11 países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, para estimar a geração atual e futura do lixo eletrônico. Em relação ao Brasil, constatou-se que a informação sobre a situação do e-lixo no país é escassa e que são desconhecidos estudos abrangentes de avaliação. A análise realizada nesse relatório também sugeriu que a então ausência de um marco regulatório abrangente, em âmbito federal, poderia ser vista como um sério obstáculo para o desenvolvimento de uma regulação específica sobre resíduos eletroeletrônicos no país (NAÇÕES UNIDAS, 2009, p. 65). Até a edição da PNRS em 2010, que incluiu de maneira expressa os “produtos eletroeletrônicos e seus componentes” dentre as espécies de resíduos abrangidas pelas regras de logística reversa, em seu art. 33, caput, inciso VI, não se dispunha, no Brasil, de regulação federal (seja legal ou infralegal) que disciplinasse juridicamente a gestão dos resíduos eletroeletrônicos, especialmente no que concerne à obrigação de a cadeia produtiva estruturar e implementar sistemas de logística reversa para esse gigantesco segmento. Mesmo hoje, a regulação federal não nos fornece sequer uma definição do que sejam propriamente os resíduos eletroeletrônicos. Um bom indicativo desse cenário de déficit regulatório é o fato de a própria PNRS ter ressalvado, em seu art. 56, que a logística reversa relativa aos produtos de que tratam os incisos V e VI do caput do art. 33 (lâmpadas e eletroeletrônicos) será implementada de forma progressiva segundo cronograma ainda a ser estabelecido em regulamento, o que significa na prática postergar a sua exigência diante das dificuldades técnicas e operacionais previstas. De acordo com o esquema de responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do pro­ duto trazido pela PNRS, os consumidores deverão efetuar, após o seu uso, a devolução dos


58  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos produtos eletroeletrônicos e seus componentes, aos comerciantes ou distribuidores. Estes, por sua vez, deverão devolvê-los aos fabricantes ou importadores de tais produtos, os quais promoverão a destinação final ambientalmente adequada de seus resíduos eletroeletrônicos, e a disposição adequada de seus rejeitos. Partindo de uma noção de design sustentável do produto, que revisita o instituto da função socioambiental da propriedade e da posse, é possível compreender a importância da PNRS na prevenção e redução dos resíduos eletroeletrônicos. Nesse sentido, a responsabilidade compartilhada dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes abrange inclusive o dever de investir no desenvolvimento, na fabricação e na colocação no mercado de produtos eletroeletrônicos que sejam aptos, após o uso pelo consumidor, à reutilização, à reciclagem ou outra forma de destinação final ambientalmente adequada, e cuja fabricação e uso gerem a menor quantidade possível de resíduos. A propósito, a maior ou menor durabilidade dos produtos é tema que concerne não apenas aos interesses ambientais, mas também do consumidor, a exemplo do fenômeno da obsolescência programada ou planejada dos produtos. Na União Europeia, a Diretiva n° 2012/19/UE, de 4 de julho de 2012, relativa aos resíduos de equipamentos elétricos e eletrônicos (REEE), revogou e reformulou a Diretiva n° 2002/96/CE, com efeitos a partir de 15 de fevereiro de 2014. A nova Diretiva considera que o mercado continua em expansão, ao passo que os ciclos de inovação se tornam cada vez mais curtos e a substituição dos equipamentos mais acelerada, o que vem contribuindo para o rápido crescimento dos REEE no planeta. Em seu art. 3°, item 1, alíneas a e e, são definidos os “equipamentos elétricos e eletrônicos” (EEE),2 bem como os “resíduos de equipamentos eletroeletrônicos” (REEE), incluindo todos os componentes, subconjuntos e materiais consumíveis que fazem parte integrante do produto no momento em que este é descartado. Ao prever a responsabilidade do produtor, a Diretiva n° 2012/19/UE incentiva a concepção e fabricação de produtos eletroeletrônicos que permitam, de forma facilitada, a reparação, atualização, reutilização, desmontagem e reciclagem desses equipamentos. No que tange à questão da periculosidade, a Diretiva RoHS n° 2002/95/CE, relativa à restrição do uso de determinadas substâncias perigosas em EEE, contribuiu efetivamente para a redução de substâncias perigosas contidas nos novos equipamentos eletroeletrônicos colocados no mercado, ao dispor que, a partir de 1° de julho de 2006, eles não contivessem chumbo, mercúrio, cádmio, cromo hexavalente, polibromobifenilo (PBB) e/ou éter de difenilo polibromado (PBDE), ressalvadas as aplicações previstas em seu Anexo. Em 3 de janeiro de 2013, a referida Diretiva RoHS foi revogada e reformulada pela Diretiva n° 2011/65/EU, segundo a qual os Estados-Membros deverão assegurar que os

2

“a) ‘Equipamentos elétricos e eletrônicos’ ou ‘EEE’, os equipamentos dependentes de corrente elétrica ou de campos eletromagnéticos para funcionarem corretamente, bem como os equipamentos para geração, transferência e medição dessas correntes e campos, e concebidos para utilização com uma tensão nominal não superior a 1 000 V para corrente alterna e 1 500 V para corrente contínua”.


Resíduos eletroeletrônicos e seus aspectos jurídicos no Brasil  59 EEE colocados no mercado, inclusive os cabos e as peças sobressalentes, para a respectiva reparação, reutilização, atualização das funcionalidades ou melhoria da capacidade, não contenham determinadas substâncias acima da concentração ponderal máxima especificada no Anexo II: chumbo (0,1 %); mercúrio (0,1 %); cádmio (0,01 %); cromo hexavalente (0,1 %); bifenilos polibromados (PBB) (0,1 %); éteres difenílicos polibromados (PBDE) (0,1 %). Mesmo para a realidade europeia, que há muito vem aperfeiçoando sua regulação geral e específica em matéria de resíduos, inclusive de EEE, considera-se que o teor de componentes perigosos nos equipamentos eletroeletrônicos constitui um grande desafio para a gestão de REEE e que a sua reciclagem ainda não é realizada em um nível tido como suficiente, o que resulta no desperdício de recursos valiosos. Nessa linha, Sunil Herat e P. Agamuthu (2012, p. 1114-1115) descrevem não apenas problemas, mas também oportunidades associadas aos REEE nos países asiáticos, a exemplo da possibilidade de recuperação de metais preciosos muitas vezes contidos nos produtos eletroeletrônicos. No caso brasileiro, a situação se torna ainda mais delicada, diante do já referido déficit regulatório, além de dificuldades de ordem técnica e operacional. No Brasil, a Resolução CONAMA n° 452, de 2 de julho de 2012 (que revogou e substituiu a anterior Resolução CONAMA n° 23/1996), dispõe sobre procedimentos de controle de importação de resíduos, em conformidade com as normas da Convenção da Basileia sobre Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito.3 Tal regulação infralegal federal apresenta uma interface com os REEE, na medida em que determinados componentes eletroeletrônicos também podem ser configurados como resíduos perigosos, para efeito dessa Resolução, a exemplo de compostos de cromo hexavalente, cádmio, mercúrio e chumbo. A propósito, a PNRS proibiu expressamente em seu art. 49 a importação de resíduos sólidos perigosos e rejeitos, dentre os quais se podem encontrar os eletroeletrônicos, ainda que para tratamento, reforma, reúso, reutilização ou recuperação em outro país. No âmbito estadual, algumas iniciativas legislativas recentes podem ser apontadas como a Lei do Lixo Tecnológico do Estado de São Paulo (Lei n° 13.576, de 06 de julho de 2009), anterior, contudo, à promulgação da PNRS em 2010. Tal Lei Estadual utiliza a expressão “lixo tecnológico”, definida em seu art. 2° como “os aparelhos eletrodomésticos e os equipamentos e componentes eletroeletrônicos de uso doméstico, industrial, comercial ou no setor de serviços que estejam em desuso e sujeitos à disposição final, tais como: I - componentes e periféricos de computadores; II - monitores e televisores; III - acumuladores de energia (baterias e pilhas); IV - produtos magnetizados”. Por seu caráter amplo, entende-se que a denominação “lixo tecnológico” pode abranger uma grande variedade de objetos e equipamentos, a exemplo de geladeiras, microondas, televisores, microcomputadores, impressoras, entre outros (GOMES, FIAMENGUE, 2011, p. 48).

3

Adotado em 1989 na cidade da Basileia, no âmbito das Nações Unidas, esse tratado internacional conta atualmente com 179 membros (Partes), dentre eles o Brasil, e reconhece a qualquer Estado o direito de proibir em seu território a entrada ou disposição de resíduos perigosos provenientes do exterior ou mesmo de outros resíduos, assim como coíbe, de um modo geral, movimentos transfronteiriços dessa natureza, especialmente em países em desenvolvimento.


60  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos Além disso, resta estabelecido nessa Lei paulista que a responsabilidade pela destinação final do lixo tecnológico será “solidária” entre as empresas produtoras, comercializadoras ou importadoras de produtos e componentes eletroeletrônicos, o que destoa, de certo modo, da sistemática da responsabilidade “compartilhada” trazida pela PNRS, que considera atribuições “individualizadas e encadeadas” para cada elo da cadeia produtiva, excepcionando assim o regime geral da solidariedade obrigacional diante do dano ambiental. Em razão disso, é possível que a referida Lei estadual passe por uma atualização, em conformidade com as diretrizes dadas pela PNRS. Já no Espírito Santo, a Lei Estadual n° 9.941, de 29 de novembro de 2012, editada posteriormente à promulgação da PNRS, dispõe sobre normas e procedimentos para a coleta seletiva, o gerenciamento e a destinação final do “lixo tecnológico”4 no Estado, instituindo inclusive a obrigatoriedade de pontos de coleta seletiva para produtos e componentes eletroeletrônicos, em todos os estabelecimentos comerciais que comercializam, representam ou fabricam produtos eletroeletrônicos no âmbito estadual. É interessante notar que, em seu art. 7°, a referida Lei do Estado do Espírito Santo estatui que a destinação final do lixo tecnológico será de responsabilidade “solidária” entre as empresas que comercializam e as fabricantes que fornecem os produtos para comercialização no Estado, e que nos casos de produtos importados, a responsabilidade solidária será atribuída entre a empresa que comercializa e a empresa importadora. Conforme já apontado em relação à Lei Paulista de Lixo Tecnológico, essa imputação de responsabilidade solidária aos produtores, comerciantes e importadores também diverge da sistemática da responsabilidade compartilhada estabelecida pela PNRS, merecendo reflexão e eventual atualização. Na esfera municipal, um exemplo regulatório recente é o da Lei do Lixo Tecnológico do Município de Manaus (Lei n° 1.705, de 27 de dezembro de 2012), que define lixo tecnológico em seu artigo 1°, parágrafo único,5 e estabelece, em seu art. 2°, que as empresas produtoras, importadoras ou que comercializem tais produtos “deverão apresentar ao órgão de proteção ambiental municipal, em conjunto ou individualmente, projeto de coleta, reutilização, reciclagem, tratamento ou disposição final ambientalmente adequados ou mecanismo de custeio para esse fim”, devendo ser previstos nesses projetos mecanismos eficientes de 4

“Art. 4° Para efeitos desta Lei, consideram-se lixo tecnológico: I - aparelhos eletrodomésticos; II - sistemas de rede; III - parques de telefonia; IV - equipamentos e componentes eletroeletrônicos de uso doméstico; V - equipamentos e componentes eletroeletrônicos de uso industrial; VI - equipamentos e componentes eletroeletrônicos de uso comercial; VII - equipamentos e componentes eletroeletrônicos utilizados no setor de serviços tais como: a) componentes e periféricos de computadores; b) monitores e televisores; c) acumuladores de energia (baterias e pilhas); d) produtos magnetizados”. 5

“Parágrafo único. Considera-se lixo tecnológico os resíduos gerados pelo descarte de equipamentos tecnológicos de uso profissional, doméstico ou pessoal, inclusive suas parte e componentes, especialmente: I – computadores e seus equipamentos periféricos, tais como monitores de vídeo, telas, displays, impressoras, teclados, mouses, alto-falantes, drivers, modens, câmeras e outros; II – televisores e outros equipamentos que contenham tubos de raios catódicos; III – eletrodomésticos e eletroeletrônicos que contenham metais pesadas ou outras substâncias tóxicas”.


Resíduos eletroeletrônicos e seus aspectos jurídicos no Brasil  61 informação aos consumidores sobre a necessidade e a importância do descarte adequado dos resíduos eletroeletrônicos. Por fim, no âmbito do Comitê Orientador para Implantação da Logística Reversa (CORI), vale destacar a criação de cinco Grupos Técnicos Temáticos em 2011, os quais discutem a logística reversa para cinco cadeias prioritárias de resíduos, a fim de fornecer subsídios para os editais de chamamento de seus acordos setoriais: GTT01 – Descarte de Medicamentos (coordenado pelo Ministério da Saúde); GTT02 – Embalagens em geral (coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente - MMA); GTT03 – Embalagens de óleos lubrificantes e seus resíduos (coordenado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento); GTT04 – Eletroeletrônicos (coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior); GTT05 – Lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista (coordenado pelo MMA). Por meio da Deliberação CORI n° 7/2012, de 19 de dezembro de 2012, publicada em 3 de janeiro de 2013, foi aprovada a viabilidade técnica e econômica da implantação do sistema de logística reversa de produtos eletroeletrônicos e seus componentes, de acordo com a avaliação efetuada por seu Grupo Técnico Assessor (GTA), pressuposto para que se seguisse a publicação do respectivo edital de chamamento, cuja iniciativa coube ao poder público. Em 13 de fevereiro de 2013, restou finalmente publicado o Edital de Chamamento n° 1/2013, conclamando fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de produtos eletroeletrônicos e seus componentes, para a elaboração e apresentação de propostas de Acordo Setorial, ao MMA, no prazo de 120 dias a contar de sua publicação, visando à implantação de Sistema de Logística Reversa de abrangência nacional para tais produtos. Em consonância com o Decreto n° 7.404/2010 (art. 20, § 3°), o Edital n° 1/2013 prevê em seu item 4.3 que tais propostas de Acordo Setorial poderão ser elaboradas com a participação das cooperativas ou outras formas de associações de catadores de materiais recicláveis ou reutilizáveis, das indústrias e entidades dedicadas à reutilização, ao tratamento e à reciclagem dos REEE, das entidades de representação dos consumidores, e também do poder público federal, estadual e municipal. No que concerne ao seu objeto, o Edital de Chamamento ora analisado se restringe apenas aos resíduos provenientes de produtos eletroeletrônicos de uso doméstico e seus componentes cujo adequado funcionamento dependa de correntes elétricas com tensão nominal não superior a 220 V, os quais não abrangem aqueles de origem, uso ou aplicação em serviços de saúde, conforme consignado em seu item n° 2. De acordo com o Edital n° 1/2013, as propostas de Acordo Setorial dos resíduos eletroeletrônicos a serem submetidas ao MMA no prazo indicado deveriam necessariamente apresentar todos os requisitos previstos em seu item n° 6, dentre os quais vale destacar a discriminação das várias etapas do sistema de logística reversa, de sua operacionalização e do conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos participantes do sistema no processo de recolhimento, armazenamento, transporte e destinação final ambientalmente adequada, bem como as formas de participação do consumidor de modo a maximizar a entrega e eliminar o descarte inadequado de REEE.


62  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos Também deveriam ser estabelecidas nessas propostas de Acordo Setorial as metas de implantação progressiva do sistema de logística reversa para um prazo de cinco anos a contar da assinatura do Acordo, com abrangência nacional, exigindo-se, dentre outros requisitos específicos e obrigatórios, que se atingissem diretamente, até o quinto ano após a sua assinatura, 100% dos Municípios com população superior a 80.000 habitantes, nos quais a destinação final ambientalmente adequada deveria abranger 100% dos resíduos recebidos. Já em relação às metas quantitativas de recebimento, recolhimento e destinação final, deveriam ser atingidos, até o quinto ano após a assinatura do Acordo Setorial, o recolhimento e a destinação final ambientalmente adequada de, no mínimo, 17%, em peso, dos produtos eletroeletrônicos em comento que houvessem sido colocados no mercado nacional no ano anterior ao da assinatura do Acordo, devendo ser apresentada metodologia para conversão de unidades em peso para os produtos objeto do Edital n° 1/2013. No mais, deveriam ser previstas ainda as penalidades aplicáveis em face de eventual descumprimento das obrigações consignadas no referido Acordo Setorial. Em 12 de junho de 2013, no último dia do prazo previsto no referido Edital de Chamamento, foram entregues à avaliação do Ministério do Meio Ambiente quatro propostas de Acordo Setorial para a instituição do sistema de logística reversa dos REEE no país, contemplando as especificidades no descarte das diferentes categorias de produtos eletroeletrônicos, tais como celulares, computadores, televisões e eletrodomésticos de grande porte, conforme noticiado no site do próprio MMA (TOLENTINO, 2013). Na sequência, nos termos do Decreto n° 7.404/2010, as propostas de acordo setorial encaminhadas serão ainda objeto de consulta pública, na forma definida pelo CORI, a quem caberá, concluída a avaliação a ser realizada pelo MMA (art. 26), finalmente: I - aceitar a proposta, convidando os representantes do setor empresarial para assinatura do acordo setorial; II - solicitar complementação à proposta de acordo setorial; ou III - determinar o arquivamento do processo, quando inexistir consenso na negociação do acordo. Vale lembrar que, sem prejuízo do disposto sobre os acordos setoriais, a logística reversa poderá ainda ser implantada diretamente por regulamento, veiculado por decreto editado pelo Poder Executivo, o que não dispensará, todavia, a exigência de prévia avaliação da viabilidade técnica e econômica da logística reversa pelo CORI, nem de consultas públicas previamente realizadas (arts. 30 e 31, do referido Decreto).

4.5  Considerações finais 1. Historicamente, a geração de resíduos, em maior ou menor escala, das mais variadas origens e espécies, desde os vestígios arqueológicos até os modernos resíduos eletroe­ letrônicos, com diferentes impactos ambientais, pode ser compreendida como inerente à própria vida humana e ao desenvolvimento de suas relações sociais.


Resíduos eletroeletrônicos e seus aspectos jurídicos no Brasil  63 2. No contexto da PNRS e da responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos, o resíduo pós-consumo, assim como o rejeito, passa a apresentar natureza jurídica de bem socio­ ambiental, dotado de dupla titularidade, incompatível com a concepção tradicional de res derelictae, que conduziria fatalmente à irresponsabilidade do proprietário ou possuidor que viesse a abandonar a coisa anteriormente havida sob sua titularidade, não obstante os nocivos efeitos de sua disposição inadequada, para o meio ambiente em si e para a saúde pública. 3. Sob o paradigma da sustentabilidade (ambiental, social e econômica), a alteração nos padrões de produção e de consumo, e o reconhecimento da responsabilidade pós-consumo tornam-se essenciais para a manutenção da vida das presentes e das futuras gerações, notadamente em relação ao segmento de eletroeletrônicos, muitas vezes marcado por práticas de obsolescência programada ou planejada. 4. Com fundamento na PNRS e na ideia de função socioambiental (seja da propriedade, seja da posse), o design sustentável do produto deverá ser buscado especialmente no desenvolvimento de equipamentos eletroeletrônicos duráveis, a fim de prevenir e reduzir ao máximo possível a geração de REEE, que podem resultar em graves impactos ambientais e à saúde pública, ora em razão de sua composição potencialmente perigosa, ora por sua facilidade de acumulação em volumes expressivos em locais inadequados, devendo ser estimulada, após o uso desses equipamentos, a sua reutilização, reciclagem ou outra forma de destinação final ambientalmente adequada, também sob uma perspectiva de oportunidade, para evitar o desperdício de recursos valiosos. 5. Comparativamente a outros tipos de resíduos sujeitos à logística reversa, ainda se mostra bastante tímida a regulamentação dos resíduos eletroeletrônicos no Brasil, inexistindo nos dias atuais um marco regulatório federal que forneça uma simples definição do que sejam propriamente os REEE, não obstante algumas experiências legislativas estaduais e municipais, e mesmo com o advento da PNRS que finalmente incluiu os produtos eletroeletrônicos e seus componentes no rol das espécies de resíduos abrangidas pelas regras de logística reversa obrigatória, ao mesmo tempo em que sinaliza a progressividade de sua implementação segundo cronograma ainda a ser estabelecido em regulamento, o que significa, na prática, postergar a sua exigência diante das dificuldades técnicas, regulatórias e operacionais previstas, a despeito da franca expansão de sua produção, consumo, descarte e desdobramentos socioambientais no país. 6. No que diz respeito ao atual estágio do procedimento de implantação dos sistemas de logística reversa dos eletroeletrônicos no país, delineado pela PNRS e pelo seu Decreto Regulamentador, vale registrar que, em 12 de junho de 2013, foram finalmente entre­ gues para a avaliação do MMA quatro propostas de acordo setoriais para a instituição da logística reversa dos REEE em âmbito nacional, conforme os requisitos mínimos estabelecidos no respectivo Edital de Chamamento e na legislação pertinente, as quais serão objeto de consulta pública, na forma definida pelo CORI, contemplando as espe­ cificidades das diversas categorias de produtos eletroeletrônicos.


64  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos

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Resíduos eletroeletrônicos e seus aspectos jurídicos no Brasil  65 ESPÍRITO SANTO. Lei n° 9.264, 15 de julho de 2009. Disponível em: <www.al.es.gov.br/antigo_portal_ales/ images/leis/html/LO9264.html>. Acesso em: 8 jan. 2013. ______. Lei Estadual n° 9.941, de 29 de novembro de 2012. Disponível em: <http://www.al.es.gov.br/antigo_portal_ales/images/leis/html/LO9941.html>. Acesso em: 8 jan. 2013. GALLAY, A. L’Archéologie demain. Paris: Pierre Belfond, 1986. GOMES, G.; FIAMENGUE, E.C. A gestão do lixo tecnológico em Itabuna-Bahia: inferências jurídico-ambientais. Fórum de Direito Urbano e Ambiental, Belo Horizonte, Editora Forum, n. 55, p. 47-58, jan.-fev. 2011. HERAT, S.; AGAMUTHU, P.E. Waste: a problem or an opportunity? Review of issues, challenges and solutions in Asian countries. Waste management & research: special issue: waste electrical and electronic equipment, Los Angeles, SAGE, ISWA, v. 30, n. 11, p. 1113-1129, nov. 2012. JURAS, I.; ARAÚJO, Suely Mara Vaz Guimarães de. Uma lei para a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, Ed. RT, n. 43, p. 115-132, jul.-set. 2006. LEMOS, P. Meio ambiente e responsabilidade civil do proprietário: análise do nexo causal. 2. ed São Paulo: RT, 2012. ______. LEMOSPatríciFgIlesResíduos sólidos e responsabilidade civil pós-consumo. 2. ed. São Paulo: RT, 2012. MANAUS. Lei n° 1.705, de 27 de dezembro de 2012. Disponível em: <http://dom.manaus.am.gov.br/pdf/2012/ dezembro/DOM%203077%2028.12.2012%20CAD%201.pdf>. Acesso em: 8 jan. 2013. MIGUEZ, E. Logística reversa como solução para o problema do lixo eletrônico: benefícios ambientais e financeiros. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2010. NAÇÕES UNIDAS. Basel Convention on the control of transboundary movements of hazardous wastes and their disposal, de 22 de março de 1989. Disponível em: <www.basel.int/Portals/4/Basel%20Convention/docs/text/ BaselConventionText-e.pdf>. Acesso em: 8 jan. 2013. ______. Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Recycling: from E-waste to Resources: Final Report. Nairobi: UNEP, jul. 2009, p. 65. Disponível em: <http://www.unep.org.br/admin/publicacoes/texto/ EWaste_final.pdf>. Acesso em: 8 jan. 2013. PARANÁ. Lei n° 12.493, de 22 de janeiro de 1999. Disponível em: <www.iap.pr.gov.br/arquivos/File/Legislacao_ ambiental/Legislacao_estadual/LEIS/LEI_ESTADUAL_12493_DE_01_1999.pdf>. Acesso em: 8 jan. 2013. ______. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível n° 118652-1. Relator: Ivan Bortoleto. Curitiba. J. em 5 ago. 2002. Disponível em: <http://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/j/1393017/Ac%C3%B3rd%C3% A3o-118652-1#integra_1393017>. Acesso em: 8 jan. 2013. PERNAMBUCO. Lei n° 14.236, de 13 de dezembro de 2010. Disponível em: <http://www.arpe.pe.gov.br/ downloadDoc.php?d=imgLegislacao&f=LEI_Estadual__N_14236.pdf>. Acesso em: 8 jan. 2013. RIO DE JANEIRO (ESTADO). Lei n° 4.191, de 30 de setembro de 2003. Disponível em: <alerjln1.alerj.rj.gov. br/CONTLEI.NSF/b24a2da5a077847c032564f4005d4bf2/cf0ea9e43f8af64e83256db300647e83?OpenDoc ument>. Acesso em: 8 jan. 2013. RIO GRANDE DO SUL. Lei Estadual n° 9.921, de 27 de julho de 1993. Disponível em: <www.mp.rs.gov.br/ ambiente/legislacao/id479.htm>. Acesso em: 8 jan. 2013. SÃO PAULO (ESTADO). Lei n° 12.300, de 16 de março de 2006. Disponível em: <www.al.sp.gov.br/repositorio/ legislacao/lei/2006/lei%20n.12.300,%20de%2016.03.2006.htm>. Acesso em: 8 jan. 2013. ______. Lei n° 13.576, de 6 de julho de 2009. Disponível em <www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/2009/ lei%20n.13.576,%20de%2006.07.2009.htm>. Acesso em: 8 jan. 2013. TCHOBANOGLOUS, G.; THEISEN, H.; VIGIL, S.A. Integrated solid waste management: Engineering principles and management issues. Blacklick: McGraw-Hill Inc., 1993. TOLENTINO, L. Descarte de celulares, computadores, geladeiras e televisões terão normas para proteger o meio ambiente. InformMMA: notícias. Brasília, 12 jun. 2013. Disponível em: <www.mma.gov.br/informma/ item/9416-responsabilidade-compartilhada>. Acesso em: 28 jul. 2013. UNIÃO EUROPEIA. Directiva n° 2002/95/CE, de 27 de janeiro de 2003. Disponível em: <eur-lex.europa.eu/ LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2003:037:0019:0023:pt:PDF>. Acesso em: 8 jan. 2013.


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Capítulo 5

Elementos Econômicos da Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos Patricia Guarnieri, Sonia Seger

RESUMO Antes mesmo de validar alternativas tecnológicas ou ambientalmente viáveis, o empreendedor deve investigar as perspectivas econômicas que evidenciem sinais de viabilidade para a manutenção da gestão de resíduos como um negócio sustentável, ambiental e economicamente. Este capítulo tem como objetivo abordar questões relativas aos impactos econômicos da gestão de resíduos de equipamentos eletroeletrônicos. Mesmo sem um maior aprofundamento em ferramentas da economia e contabilidade, o capítulo visa apresentar alguns dos principais indicadores de sustentabilidade de empreendimentos no setor.

5.1 Introdução A pujança econômica possibilitada pela trajetória humana de apropriação de recursos, energia e de criação e transformação científica e tecnológica trouxe consigo consequências sobre as quais não se pode dizer que são totalmente imprevistas. Entre elas, a explosão da população de humanos, a brutal desigualdade que divide aqueles que de fato tem acesso a esta pujança daqueles que jamais a terão e, sobretudo, para os objetivos desta discussão, uma produção crescente e cada vez mais complexa de resíduos, da produção e do uso, dos recursos e dos bens e serviços oriundos dos processos produtivos. A produção dos resíduos

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68  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos de equipamentos eletroeletrônicos (REEEs), uma categoria bastante recente, reflete de forma cristalina este processo, que parece, muitas vezes, escapar do controle. Para refletir sobre a gestão dos REEEs, torna-se necessário abordar elementos da análise econômica e, também, financeira, uma vez que se trata de caracterizar o potencial de revalorização de uma série de componentes que integram estes resíduos e sua reinserção no ciclo de produção, ou de circulação (ou ambos). Há algum tempo, identificou-se a oportunidade e, mais do que isso, tornou-se necessário, frente à velocidade com que o volume deste tipo de descarte se multiplica, encontrar meios de frear a superexploração de materiais finitos, a contaminação ambiental, que parte desses mesmos materiais pode produzir, e o abuso do espaço urbano, cuja utilização poderia se dar para finalidades muito mais urgentes e nobres, como a habitação popular, em lugar da mera deposição de resíduos sólidos, por meio da revalorização dos resíduos eletroeletrônicos. Uma possível futura escassez de insumos utilizados na produção dos componentes dos equipamentos eletroeletrônicos deve ser também objeto da atenção da sociedade. Diversas empresas têm visto na reciclagem dos materiais constituintes a oportunidade de criar um nicho de mercado, ao passo que esperam contribuir para mitigar o risco de escassez, o que tem motivado o “garimpo urbano”. Entre esses constituintes, muitos são considerados metais preciosos como ouro, prata, cobre, chumbo, entre outros, possuindo alto valor de negociação, não se justificando a sua simples destinação final. A revalorização desses metais por meio da reciclagem passa a ser uma possibilidade vantajosa, sob o ponto de vista econômico. Em uma trajetória de consolidação de um conjunto de políticas há muito reivindicadas pela sociedade brasileira, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) foi promulgada pelo governo Lula em 2010. Nesta norma foram estabelecidos critérios para regulamentar a destinação ambientalmente adequada dos REEEs, obrigando esta cadeia de produtos à implantação da logística reversa como parte do atendimento a estes critérios. A PNRS estabelece ainda a responsabilidade compartilhada, que abrange todos os atores responsáveis pela geração e gestão dos REEEs, incluindo: fabricantes, importadores, comerciantes, consumidor final e poder público. Diante das obrigações estabelecidas e dos atores envolvidos, acredita-se que crescerá progressivamente a importância da abordagem econômica das medidas aplicáveis à gestão dos REEEs. Em fevereiro de 2013, foi publicado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) o edital de chamamento para acordos setoriais no segmento de eletroeletrônicos. Os acordos setoriais constituem-se em um instrumento da PNRS para viabilizar a efetiva implementação da logística reversa de REEEs do ponto de vista da responsabilidade compartilhada. Da perspectiva da Sociedade, este capítulo tem por objetivo apresentar elementos para a discussão, bem como introduzir algumas noções econômicas, com vistas a subsidiar futuras análises sobre a gestão dos REEEs, tendo por premissa a inclusão do seu reaproveitamento como uma das medidas de maior potencial positivo. Potencial que se aplica não apenas ao encaminhamento de ações de prevenção ou mitigação dos impactos ambientais decorrentes do consumo e do descarte, mas que se mostra também como forma de organizar e prover os meios de produção passíveis de apropriação pela enorme massa excluída do mundo do trabalho formal – os catadores de recicláveis.


Elementos Econômicos da Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos  69 Do ponto de vista do empreendedor, considera-se que, mesmo antes de validar alternativas tecnológica ou ambientalmente viáveis, ele deve buscar informações e ferramentas que possam sinalizar o potencial de viabilidade da gestão de resíduos como um negócio sustentável, ambiental e economicamente interessante. Dessa perspectiva, o capítulo tem como objetivo abordar questões relativas aos impactos econômicos da gestão de resíduos de equipamentos eletroeletrônicos e apresentar uma contribuição no sentido de evidenciar os principais indicadores de sustentabilidade de empreendimentos no setor.

5.2  Valoração dos materiais e do processo Em geral, a parte mais difícil da reintrodução de materiais descartados no sistema produtivo, assim como outras medidas cujo caráter as aproxima do conceito de “bem público”, é a valoração monetária dos materiais residuais e a consequente avaliação da viabilidade econômica dos processos, projetos, programas e ações necessárias e envolvidas nessa reintrodução. Neste caso, a visão neoclássica recorre ao conceito de “falha de mercado” para explicar que o Estado deve assumir a responsabilidade de solucionar as contradições que o mercado não é capaz. Assim ocorre com os ditos “serviços ambientais”, entre os quais se pode incluir, em alguma medida, a gestão dos resíduos sólidos. Apenas nessa visão seria possível atribuir custos e preços a fatores que não se prestam à comercialização pura e simples, pois a ninguém pertencem e por ninguém podem ser recusados. Outros conceitos serão apresentados e discutidos neste capítulo, tendo em mente que se inserem em uma determinada escola de pensamento, com finalidades bastante objetivas. E embora esta visão não seja a única, é, no presente, hegemônica. A destinação ambientalmente adequada de resíduos de equipamentos eletroeletrônicos (REEE) foi ordenada no país mediante critérios estabelecidos pela PNRS, Lei Federal n° 12.305/2010, regulamentada pelo Decreto Federal n° 7.404/2010. No tocante às atribuições impostas pela PNRS ao segmento dos REEEs, a obrigatoriedade da implantação de sistemas de logística reversa pareceu, num primeiro momento, um grande desafio para as empresas produtoras de equipamentos eletroeletrônicos. Porém, a regulamentação especifica que a responsabilidade pela gestão desses resíduos deve se dar de forma compartilhada entre os diferentes agentes da cadeia reversa. O que não significa que a responsabilidade seja menor para a indústria produtora, mas implica na negociação de metas e ações, com o objetivo de tornar o sistema de destinação mais eficiente e com a devida responsabilização por eventuais danos ou geração de passivos ambientais. A indústria (produtora e recicladora), o comércio, os consumidores e os recicladores compartilharão as responsabilidades, mas também os benefícios. A ocorrência desses benefícios e sua potencial repartição tornam-se mais evidentes com a aplicação de ferramentas que permitam a valoração econômica ao longo da gestão da cadeia reversa de resíduos tecnológicos. Pela regulamentação, os agentes da cadeia produtiva direta e reversa são corresponsáveis na gestão dos REEE. Recentemente, em fevereiro de 2013, foi publicado edital n° 01/2013 pelo MMA convocando fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de produtos


70  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos eletroeletrônicos e seus componentes, para a elaboração de proposta de Acordo Setorial visando à implantação de sistema de logística reversa de abrangência nacional para a gestão dos REEEs. Este mesmo edital estabelece que as empresas envolvidas devem efetuar o recolhimento e a destinação final ambientalmente adequada de 17% (dezessete por cento), em peso, dos produtos eletroeletrônicos colocados no mercado. Os impactos ambientais e sociais, por sua vez, podem ser avaliados tanto por meio de indicadores quantitativos quanto qualitativos. Na gestão de resíduos, de modo geral, a mensuração dos indicadores quantitativos baseia-se na atribuição de valores monetários, por meio dos quais tornam-se mais viáveis os métodos de comparação de desempenho entre diferentes países, por exemplo. Nesse sentido, a valoração ambiental surge como um instrumento de significativa importância na gestão que, apesar de não tão recente, presta-se sobremaneira às necessidades econômicas e exigências legais. Esses dois últimos tópicos suscitam os principais debates a respeito da gestão dos REEE e, ao mesmo tempo, permitem a consolidação e validação das propostas para a gestão de resíduos tecnológicos. Por fim, ressaltam-se os aspectos econômicos relacionados às questões socioambientais, como a inserção de catadores na cadeia da logística reversa e a própria gestão de resíduos.

5.3  Abordagem legal e econômica De acordo com a PNRS, o fluxo reverso de produtos e materiais pós-consumo deve ocorrer a partir do descarte pelo consumidor até atingir a destinação final ambientalmente adequada. Várias etapas estão compreendidas ainda entre o final da vida útil do equipamento e a destinação. De acordo com a referida lei, entende-se como destinação final ambientalmente adequada para os REEE: a reutilização, a reciclagem, a recuperação (ou remanufatura) e a incineração de partes com o aproveitamento energético, entre outras destinações permitidas pelos órgãos competentes. Somente devem ser dispostos em aterros sanitários os resíduos considerados pela PNRS como “rejeitos”, os quais não são passíveis de revalorização econômica alguma. Ainda assim, é necessária sua descontaminação antes da disposição final, processo que, consequentemente, gera custos para as empresas envolvidas. Apesar de a lei sugerir que o consumidor entregue o material residual ao comerciante, (seja ele localizado no país, um distribuidor ou importador) que, por sua vez, entregará ao fabricante, sabe-se que o fluxo nem sempre ocorre dessa forma. Por razões econômicas, o fluxo seguramente iniciará no consumidor, que pode ser pessoa física ou jurídica, mas pode seguir diretamente para uma indústria recicladora ou então ser entregue à uma cooperativa de catadores, ou ainda, ser revendido no mercado secundário e até mesmo doado. Sendo que, desses agentes da cadeia reversa, a indústria recicladora não aparece de forma evidente na PNRS. A dificuldade de controle do retorno dos REEEs pela cadeia produtiva no Brasil deve ser considerada, pois tendo em vista seu valor econômico mesmo após o equipamento deixar de ter utilidade para o primeiro usuário, este dificilmente o retorna para a indústria, já que os


Elementos Econômicos da Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos  71 canais de venda ao mercado secundário e doação são muito presentes na cultura brasileira. Além destes fatores, cabe ressaltar que muitos consumidores mantêm seus equipamentos eletroeletrônicos obsoletos em suas residências por não terem conhecimento de como destiná-los adequadamente e também por um relativo apego a estes bens. Diante do exposto, fica evidente a importância da caracterização da função e importância econômica de cada agente da cadeia no cumprimento dos preceitos legais. A Figura 5.1 apresenta um modelo para a organização da cadeia da logística reversa apresentado na PNRS, segundo a ótica econômica. Conforme a Figura 5.1, considerando o fluxo direto, a matéria-prima virgem é enviada à indústria, após seus processos produtivos serem finalizados, os produtos eletroeletrônicos são distribuídos por meio dos canais de venda dos comerciantes e distribuidores, aos quais o consumidor tem acesso. Considerando o fluxo reverso, o qual inicia pelo descarte realizado pelo consumidor, há duas opções: i) entrega do REEE diretamente a um reciclador e ii) entrega do REEE nos Pontos de Entrega Voluntária (PEVs) disponibilizados nos canais de venda (comerciante e distribuidor). Por meio de ambas as opções o resíduo pode ser revalorizado, pois após sua triagem e desmontagem, os componentes podem ser separados, reciclados e voltar ao ciclo produtivo como matéria-prima secundária. Há estudos que comprovam que, ao adquirir matéria-prima reciclada, as empresas obtêm de 20 a 25% de economias, ou ganhos econômicos. As Tabelas 5.1 e 5.2 apresentam, respectivamente, a estimativa dos benefícios econômicos e ambientais gerados pela reciclagem dos componentes dos REEEs e os custos dos insumos para produção primária.

Figura 5.1  Organização econômica da cadeia da logística reversa. Fonte: Adaptado a partir da PNRS.


72  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos TABELA 5.1  Estimativa dos benefícios econômicos e ambientais gerados pela reciclagem. Materiais Benefícios relacionados ao processo produtivo (R$/t) Benefícios econômicos

Benefícios ambientais

Aço

127

74

Alumínio

2.715

339

Celulose

330

24

Plástico

1.164

Vidro

120

Benefícios (custos) associados à Quantidade gestão de resíduos Benefício disponível sólidos (R$/t) por nos resíduos Dispositonelada coletados Coleta ção final (R$/t) (t/ano)

Benefício potencial total (R$ mil/ano)

88

1.014

89.232

2.941

166

488.206

241

6.934

1.671.094

56

1.107

5.263

5.826.141

11

18

1.110

19.980

(136)

23

Total

8.094.653

Fonte: IPEA (2010).

TABELA 5.2  Custos dos insumos para produção primária, preços de produtos e de sucata. Materiais

Custos da produção Preços de mercado primária (R$/t) dos materiais (R$/t)

Preços das sucatas de material de reciclagem (R$/t)

Aço

552

932

423

Alumínio

6.162

4.725

3.447

Celulose

687

879

356

Plástico

1.790

2.186-3.516

440-750

Vidro

263

1.036

142

Fonte: IBGE (2007b); CEMPRE (2007).

Percebe-se, observando as tabelas 5.1 e 5.2, as economias geradas com a aquisição de materiais provenientes da reciclagem, bem como os benefícios ambientais gerados pela redução da extração destes recursos diretamente da natureza. Sem dúvida, estes benefícios aliados constituem-se em motivação para a adoção de materiais recicláveis no procsso produtivo.

5.4  Barreiras e oportunidades De acordo com os preceitos de funcionamento de mercados concorrenciais, quanto mais disponível estiver determinado produto, menor tenderá a ser o seu preço. Nessa relação inversamente proporcional, o preço aumenta em função da escassez do produto. Na etapa anterior, de produção, a proximidade entre unidade produtiva, a disponibilidade dos insumos e matéria-prima, bem como a proximidade com o cliente, são importantes parâmetros que


Elementos Econômicos da Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos  73 impactarão a composição do custo final, mantendo a relação de proporcionalidade inversa entre escassez e preço/custo. Em termos da gestão de resíduos, a pulverização observada na distribuição e consumo de determinado produto tende a refletir o mesmo padrão no descarte pós-consumo. Neste exemplo, como no anterior, o custo de coleta e destinação de produtos dispersos em dada região geográfica tende a ser maior do que aqueles cuja coleta e destinação ocorre de forma centralizada. Por outro lado, na fase pós-consumo, os produtos necessitam ser desmontados e cada parte ou peça seguirá para um destino diferenciado. Neste caso, torna-se necessário obter economias de escala para tornar viável o processo. Em outras palavras, há necessidade de aumento de volume de produto (reciclável) para gerar vantagem econômica no transporte e processamento dos materiais residuais, o que, por sua vez, exige espaço para armazenagem de peças e partes até se atingir os níveis mínimos estabelecidos pelas empresas recicladoras. Barreiras relatadas por fabricantes e recicladores de resíduos eletroeletrônicos consistem na burocracia vinculada à identificação dos materiais residuais, com vistas ao transporte, bem como na ampla diversidade de documentos exigidos para atender às diferentes demandas legais de cada estado do país pelo qual for necessário trafegar. Para fins de identificação dos materiais ou produtos residuais transportados, há, por vezes, orientação da Secretaria de Fazenda para que o Código Fiscal de Operações e Prestações (CFOP) do material ou produto seja o n° 5.940 que indica “Outra saída de mercadoria ou prestação de serviço não especializado”, no qual “Classificam-se neste código as outras saídas de mercadorias ou prestações de serviços que não tenham sido especificados nos códigos anteriores.” Em outras palavras: uma classificação genérica, atribuída por um documento legal estabelecido em 1970, trata da forma como os resíduos eletroeletrônicos são identificados para fins de transporte no presente.

5.4.1  Penalizações e Incentivos econômicos e fiscais No que se refere às penalizações mediante o não atendimento à legislações ambientais, a Lei n° 9.605/1998, que trata dos Crimes Ambientais, amplia a tipificação desses crimes e estabelece sanções administrativo-penais resultantes de atividades e comportamentos nocivos ao meio ambiente. Conforme o art 3°, parágrafo único, da referida lei, “a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato”. As penas previstas às pessoas jurídicas que desrespeitarem a Lei n° 9.605/1998 são: Multa. Restritivas de direitos: suspensão parcial ou total de atividades; interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações. j Prestação de serviços à comunidade: manutenção de programas e de projetos ambientais; execução de obras de recuperação de áreas degradadas; manutenção de espaços públicos; contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas. j j


74  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos Ainda estabelece o art. 54, § 2°, inciso V desta lei, que é prevista: “pena de reclusão, de um a cinco anos, para aquele que causar poluição de qualquer natureza, decorrente do lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas”. Além disso, o art. 56 prevê: “pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa para aquele que produz, processa, embala, importa, exporta, comercializa, fornece, transporta, armazena, guarda, tem em depósito ou usa produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos e também para aquele que abandona esses produtos ou substâncias, ou os utiliza em desacordo com as normas de segurança”. Quanto aos incentivos econômicos, é importante destacar a Lei n° 12.375 de 2010, que determina que os estabelecimentos industriais farão jus, até 31 de dezembro de 2014, a crédito presumido do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI – na aquisição de resíduos sólidos utilizados como matérias-primas ou produtos intermediários na fabricação de seus produtos. Conforme o Art. 6° da referida lei, o crédito presumido desta Lei: I – será utilizado exclusivamente na dedução do IPI incidente nas saídas dos produtos que contenham resíduos sólidos em sua composição; II – não poderá ser aproveitado se o produto que contenha resíduos sólidos em sua composição sair do estabelecimento industrial com suspensão, isenção ou imunidade do IPI; III – somente poderá ser usufruído se os resíduos sólidos forem adquiridos diretamente de cooperativa de catadores de materiais recicláveis com número mínimo de cooperados pessoas físicas definido em ato do Poder Executivo, ficando vedada, neste caso, a participação de pessoas jurídicas; e IV – será calculado pelo adquirente mediante a aplicação da alíquota da TIPI a que estiver sujeito o produto que contenha resíduos sólidos em sua composição sobre o percentual de até 50% (cinquenta por cento) do valor dos resíduos sólidos constantes da nota fiscal de aquisição, observado o § 2o do art. 5o desta Lei.

5.4.2 A importância da economia na logística reversa O conceito de logística reversa apresentado na PNRS permite evidenciar a vinculação entre os aspectos econômicos e sociais nesta prática. No entanto, é importante acrescentar que o processo de Logística Reversa possui três dimensões principais, que devem ser destacadas: logística, financeira e ambiental: j

Do ponto de vista logístico, o ciclo de vida de um produto não se encerra com a sua entrega ao cliente. Produtos que se tornam obsoletos, danificados ou não funcionam devem retornar ao seu ponto de origem para serem adequadamente descartados, reparados ou reaproveitados e revalorizados;


Elementos Econômicos da Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos  75 Do ponto de vista financeiro, existe o custo relacionado ao gerenciamento do fluxo reverso, que se soma aos custos de compra de matéria-prima, de armazenagem, transporte e estocagem e de produção já tradicionalmente considerados na Logística. Ademais existem também valores gerados com a venda dos resíduos e economias obtidas com a compra de matéria-prima reciclada, os quais podem ser considerados como receitas ambientais e, consequentemente, geram resultados econômicos; j Do ponto de vista ambiental, devem ser considerados, e avaliados, os impactos do produto sobre o meio ambiente durante toda sua vida. Este tipo de visão sistêmica é importante para que o planejamento da rede logística envolva todas as etapas do ciclo do produto. j

Infelizmente, muitas empresas ainda veem o fluxo reverso de mercadorias como um entrave ao processo de negócios, que demanda pessoal, estrutura física e, consequentemente, aumenta os custos da empresa. Em parte, esse entendimento provém da não utilização de sistemas contábeis e de tomada de decisão que auxiliem os gestores na evidenciação dos valores movimentados por esta área. Entretanto, existem retornos econômicos, ecológicos e de imagem corporativa que o gerenciamento do fluxo reverso pode proporcionar e que devem ser considerados.

5.5  Produtos pós-consumo e resíduos na logística reversa de REEEs O processo reverso da gestão de resíduos tecnológicos compreende, de forma simplificada, as etapas de recolhimento, triagem, separação e destinação. Como destinação há diferentes processos que podem ser escolhidos conforme o tipo e condição do material ou produto, tais como: reúso, reciclagem, remanufatura, incineração, doação, venda ao mercado secundário ou encaminhamento para aterro. A PNRS possui basicamente dois eixos principais. Um é a consolidação de uma metodologia para a gestão pública e integrada de resíduos por meio da elaboração de Planos de Gestão e o segundo é a proposição de Sistemas de Logística Reversa que priorizem a recolha e destinação dos resíduos considerados especiais. Os REEE, classificados como resíduos especiais, possuem potencial de valorização dos materiais que os constituem por meio da identificação e segregação de materiais com alto valor de mercado. No entanto, nem sempre os volumes coletados são suficientes para fomentar investimentos nessa cadeia. Para destinação de resíduos pós-consumo, existem dois tipos de canais de distribuição reversos: de ciclo aberto e de ciclo fechado. Os de ciclo aberto caracterizam-se pelo retorno dos materiais de pós-consumo como metais, plásticos, vidros, papéis, embalagens, e outros ao ciclo produtivo na forma de matéria-prima, utilizada na fabricação de novos bens, distintos do original. Nesse caso há um foco na matéria que constituirá os novos produtos, mas não nos produtos em si.


76  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos Os canais de ciclo fechado são caracterizados pelo retorno de resíduos de pós-consumo e pós-venda de um determinado produto, quando ocorre a extinção da sua utilidade pelo primeiro consumidor, sendo dele extraído o material constituinte de forma seletiva para a fabricação de outro similar ao de origem. Podem ser citados como exemplo dos resíduos característicos dos canais reversos de ciclo fechado, os componentes dos resíduos eletroeletrônicos, pilhas e baterias, os quais possuem metais preciosos com alto potencial de recuperação e valor agregado.

5.5.1 O valor do resíduo na cadeia reversa Os resíduos já representam, há muitas décadas, fonte de recursos para pessoas em situação de vulnerabilidade social. Os resíduos são descartados ao chegarem ao final de sua vida útil, o que nem sempre significa o fim de suas funcionalidades. Apesar de uma parcela dos equipamentos eletrônicos ser descartada a partir de mau funcionamento, há ainda aqueles que são descartados por razões de obsolescência tecnológica, ou seja, suas funções possuem defasagem em relação às funções de equipamentos novos. Geralmente esses equipamentos passam pelo processo de consumo em cascata que significa o repasse dos produtos para o consumo por indivíduos que não poderiam adquirir um produto novo. Esse exemplo é observado no consumo, por exemplo, de refrigeradores que tem sua vida útil ampliada por meio da doação sucessiva para pessoas mais pobres. O fluxograma do ciclo dos resíduos eletroeletrônicos pode ser visualizado na Figura 5.2.

Figura 5.2  Fluxograma do Ciclo do Resíduo Eletroeletrônico. Fonte: E-waste guide (2009).


Elementos Econômicos da Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos  77 No Brasil, os principais participantes do fluxo reverso dos eletroeletrônicos são os catadores de materiais recicláveis, os sucateiros, as indústrias de reciclagem, os aterros, os produtores e os distribuidores (Figura 5.2). Os catadores de materiais recicláveis desempenham funções em duas diferentes etapas do ciclo de do resíduo eletroeletrônico: na coleta e na recuperação do material reciclável. Eles coletam materiais provenientes dos agentes consumidores e centros de recondicionamento, encaminhando-os, para a limpeza pública. Por outro lado, contribuem com a recuperação do material por meio da desmontagem dos equipamentos recebidos por assistências técnicas ou por outros agentes, já mencionados, e da venda de peças para os sucateiros e empresas de recuperação e reciclagem. Além disso, os sucateiros atuam na etapa de recuperação dos equipamentos, realizando a desmontagem do material recebido pelos catadores de recicláveis, assistências técnicas e centros de recondicionamento, e, posteriormente, vendendo as peças que possam ser reaproveitadas para as empresas de recuperação e reciclagem. Já as indústrias de reciclagem recebem peças dos catadores de recicláveis e sucateiros para a montagem de novos equipamentos, que retornarão ao mercado consumidor. O material não aproveitado é encaminhado para a disposição. Os aterros funcionam, no caso do resíduo eletroeletrônico, como locais de disposição final para os resíduos gerados. Dessa forma, eles receberão materiais da limpeza pública, do transporte privado e das empresas de recuperação e reciclagem. O local de disposição final será definido de acordo com as possibilidades e necessidades de cada região ou município. Os produtores e distribuidores atuam no início do ciclo do resíduo eletroeletrônico, a partir da fabricação e distribuição dos EEEs. Assim, são os produtores e distribuidores que possibilitam o consumo desses equipamentos pelos agentes consumidores (residências, empresas públicas e empresas privadas). Por serem indesejados, os produtos pós-consumo tem sua posse transferida do consumidor para outros, conforme Figura 5.3. O produto pós-consumo é aquele que não apresenta mais utilidade para o respectivo consumidor, podendo ou não ser caracterizado como resíduo. Um produto pós-consumo, conforme o caso dos refrigeradores ilustrado anteriormente, ainda pode permanecer na cadeia de valor por meio da restauração de suas funcionalidades e, desse modo, o consumo

Figura 5.3  Transferência de posse no descarte de produtos. Fonte: Elaboração própria.


78  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos acontece por meio de um consumidor secundário. Nesse caso, apesar de haver a depreciação esperada do valor do bem, o mesmo não chega a ser considerado um resíduo. O produto pós-consumo pode atingir o estágio no qual passa a não apresentar possibilidade de utilização segundo sua função original e, por este motivo, passa a ser considerado um resíduo, seguindo para o descarte convencional, quando possível. Nesse estágio, não havendo restrições, o resíduo é coletado por meio de empresas de limpeza pública, ou seja, passa a ser propriedade do poder público, Nesse estágio, o produto passa a ter mais valor agregado como resíduo do que em relação aos benefícios dos aspectos funcionais que um dia ele possuiu. Há ainda outras situações nas quais, ainda classificados como resíduos, os materiais provenientes da desmontagem do produto apresentam valor de mercado. A compra desses materiais residuais por associações e cooperativas de catadores ou pelas próprias indústrias da reciclagem representa o estágio de valorização dos destroços, estimulando o processo de reaproveitamento de materiais residuais. A Tabela 5.3 mostra os principais componentes existentes nos computadores, sua localização, o percentual de cada material no computador, o percentual que pode ser reciclado e o valor de mercado disponível para alguns metais por kg. Entre os metais citados na Tabela 5.3, alguns são mais valiosos, como ouro, paládio, platina e prata, oriundos de placas de circuito impresso presente em computadores pessoais, no entanto o processo para retirada desses materiais não é simples e requer tecnologia e conhecimento apropriados. A maioria das empresas que detém essa tecnologia está localizada na Europa.

5.6  Ferramentas clássicas da economia e administração financeira e sua aplicação à gestão de REEE A fim de planejar e implementar de forma economicamente viável as atividades de logística reversa dos REEE, é necessário integrar ferramentas clássicas da economia e administração financeira, as quais são descritas em detalhes nas seções seguintes.

5.6.1 Retorno sobre o investimento (ROI) O método de análise do retorno sobre o investimento (ROI) é uma ferramenta bastante consolidada que permite a avaliação do desempenho de determinado investimento, mediante medição a posteriori. Realiza-se a comparação entre o retorno previsto e o retorno realizado. A diferença entre esses últimos consiste na taxa de retorno ou retorno sobre o investimento (ROI). Em outras palavras, o retorno permite quantificar o valor do investimento em análise. Geralmente, esse valor é expresso em percentagem. Sua aplicação na gestão de resíduos eletroeletrônicos pode ser de grande utilidade na definição do investimento no estabelecimento de infraestrutura para unidades de transporte, armazenagem ou processamento de REEE.


Elementos Econômicos da Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos  79 TABELA 5.3  Componentes dos computadores e % de reciclagem. Metal pesado Parte onde é encontrado

% Em relação ao peso

% Reciclável

Preço por kg (*)

Alumínio

Estrutura, conexões

14,1723

80,00

0,24

Bário

Válvula eletrônica

0,0315

0,00

Berílio

Condutivo térmico, conectores

0,0157

0,00

Cádmio

Bateria, chip, semicondutor, estabilizadores

0,0094

0,00

0,24

Chumbo

Circuito integrado, soldas, bateria

6,2988

5,00

0,01

Cobalto

Estrutura

0,0157

85,00

0,02

Cobre

Condutivo

6,9287

90,00

0,68

Cromo

Decoração, proteção contra corrosão

0,0063

0,00

Estanho

Circuito integrado

1,0078

70,00

0,20

Ferro

Estrutura, encaixe

20,4712

80,00

0,02

Gálio

Semicondutor

0,0013

0,00

Germânio

Semicondutor

0,0016

60,00

0,20

Índio

Transistor, retificador

0,0016

60,00

Manganês

Estrutura, encaixes

0,0315

0,00

Mercúriio

Bateria, ligamentos, termostatos, sensores

0,0022

0,00

Níquel

Estrutura, encaixes

0,8503

80,00

0,18

Ouro

Conexão, condutivo

0,0016

99,00

0,40

Prata

Condutivo

0,0189

98,00

0,21

Sílica

Vidro

24,8803

0,00

0,12

Tântalo

Condensador

0,0157

0,00

Titânio

Pigmentos

0,0157

0,00

Vanádio

Emissor de fósforo vermelho

0,0002

0,00

Zinco

Bateria

2,2046

60,00

* Valores por kg; (—) sem informações. Fonte: Adaptado de MCC – Microeletronics and Computer Technology Corporation (2007) e Miguez (2010).

O cálculo do ROI possui diversas metodologias, algumas simples, outras nem tanto. Cada metodologia varia em função da finalidade ou do enfoque que se deseja dar ao resultado. A seguir estão algumas das mais conhecidas e facilmente encontradas em livros de Contabilidade, Economia e Finanças. j ROI = (Lucro Líquido÷Vendas) × (Vendas÷Total de ativos) Representa a relação entre a lucratividade e o giro dos estoques. j ROI = Lucro líquido/Total de ativos


80  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos Representa o retorno que o ativo total empregado oferece. Utilizado geralmente para determinar o retorno que uma empresa dá. j ROI = Lucro líquido/investimentos Representa o retorno que determinado investimento oferece. Geralmente é utilizado para determinar o retorno de investimentos isolados. Invertendo-se a relação (Investimento÷Lucro Líquido), obtém-se o tempo necessário para se reaver o capital investido. Há também a Rentabilidade do Ativo Total Médio ou Taxa de Retorno sobre o Ativo Total Médio ou Taxa de Retorno sobre o Investimento Total Taxa = [(Lucro Líquido do Exercício) / (Vendas Líquidas)]*[(Vendas Líquidas)/ ATM]*100 = [(Lucro Líquido do Exercício) / ATM]*100 ATM = Ativo Total Médio = (Ativo Inicial + Ativo Final)/2

5.6.2 Análise de viabilidade econômica da logística reversa Apesar de que a decisão da adoção da logística reversa não deve se basear somente no retorno econômico que possa proporcionar, esse constitui um aspecto essencial na análise de sua implementação. Tal análise deve ser mais sistêmica, ocorrendo em função do retorno econômico, mas também dos outros tipos de benefícios que gera, principalmente no que tange ao cumprimento da legislação e geração de uma imagem corporativa positiva no quesito ambiental. Para realizar a análise de viabilidade econômica é necessário se utilizar de conceitos de contabilidade e administração financeira para analisar a composição de custos fixos e variáveis, das receitas, do capital de giro, da carga tributária, do preço de venda, da margem de contribuição, da margem de lucratividade, do ponto de equilíbrio, da TIR – taxa interna de retorno –, da projeção de fluxo de caixa, da análise dos investimentos a serem realizados em estrutura e equipamentos e da mão de obra direta e indireta a ser empregada. São vários elementos que devem ser analisados a fim de aumentar a probabilidade de sucesso de implementação da logística reversa, o que deve ser feito não somente nesse contexto, mas em qualquer decisão de investimento em uma nova atividade ou processo, pois a partir do momento que são envolvidos recursos financeiros, o cuidado deve ser redobrado.

5.6.3 Capital de giro dedicado às atividades de logística reversa Um fator importante a ser considerado quando a empresa opta por implementar atividades de logística reversa é a necessidade de recursos dedicados a essas atividades, todo o controle financeiro e econômico para fins gerenciais deve ser feito separadamente do controle de outras atividades foco da empresa. Assim, será possível aos gestores identificar que parcela de recursos e resultados são aplicados e provém da logística reversa, o que facilitará a tomada de decisões nesta área.


Elementos Econômicos da Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos  81 O capital de giro se constitui em um dos principais aspectos que deve ser levado em conta, neste sentido. Para iniciar qualquer projeto ou atividade são necessários recursos financeiros para a empresa garantir a dinâmica do seu processo de negócios, no caso da implementação de projetos de logística reversa deve ocorrer da mesma forma. Esses recursos precisam de controle permanente, pois têm a função de minimizar o impacto das mudanças no ambiente de negócios no qual a empresa atua, principalmente quando considerados a inconstância do volume e qualidade dos resíduos gerados. O capital de giro é constituído de ativos circulantes, também chamados de ativos ­correntes, e representa a quantidade de dinheiro que a empresa utiliza para movimentar seus negócios. Envolve estoques, dinheiro em caixa e em bancos, financiamentos a clientes por meio de contas a receber, salários, conta de água, luz etc. O desafio da gestão do capital de giro em atividades ambientais deve-se, principalmente, à ocorrência dos fatores a seguir: j j j j j j j

variação dos diversos custos absorvidos pela empresa; aumento de despesas financeiras, em decorrência das instabilidades do mercado; baixo volume de vendas; aumento dos índices de inadimplência; pagamento das parcelas de possíveis financiamentos; baixa entrada de produtos para reciclagem; e altos níveis de estoques em determinados períodos.

Além disso, é essencial que a empresa realize um controle orçamentário rígido de forma a não consumir recursos sem previsão, a fim de evitar a retirada de valores além dos estipulados, pois no início todo o recurso obtido pela empresa deverá permanecer nela, possibilitando o crescimento e a expansão do negócio da logística reversa. Geralmente o nível de capital de giro para o segmento de logística reversa ou atividades que a compõem seja suficiente para suportar a movimentação operacional em torno de 18 meses, e deve ser elaborado em relação aos desembolsos que compõem o início das atividades empresariais.

5.6.4 Análise do ponto de equilíbrio A análise do ponto de equilíbrio também deve ser realizada antes da decisão final de investimentos em logística reversa. Caso a decisão seja a de investir em uma estrutura física própria para a logística reversa, é necessário o estudo do volume e qualidade dos resíduos gerados e, se serão suficientes para cobrir os custos associados ao processo de remanufatura. Nesse sentido, o ponto de equilíbrio é muito útil, pois representa a quantidade de vendas que precisa ser realizada mensalmente para gerar receitas suficientes que cubram os custos variáveis, as despesas comerciais e as despesas fixas que a empresa gerar no período. Um volume de vendas inferior ao ponto de equilíbrio levará a empresa a ter prejuízo. Um volume de vendas superior ao ponto de equilíbrio permitirá acumular lucro, um volume de vendas igual ao ponto de equilíbrio, possibilitará apenas o pagamento de custos e despesas, o cálculo é simples, a fórmula mais utilizada é:


82  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos

Volume de Vendas

Despesas fixas 1 − %custo variável + %desp.comerciais + %lucro 100

Por meio deste cálculo, se o percentual referente ao lucro não for considerado, então o volume de vendas resultante será o valor do ponto de equilíbrio, isto é, o valor mínimo que terá de vender para não ter prejuízo, mas também nenhum lucro. No entanto, se for considerado o percentual de lucro, o resultado será o volume de vendas que precisa ser conseguido para obter a margem de lucro determinada. Mesmo tendo sido calculado o lucro em cada venda, pode ocorrer que o pagamento das despesas fixas do período consuma todo este valor e ao final, o resultado da empresa seja nulo ou negativo. Muitas empresas entram nesta situação por realizar a venda dos produtos com uma margem de lucro insuficiente, pois não dimensionam exatamente o quanto possuem de obrigações, o que gera ao final do período falta de recursos, ou porque acreditam que o retorno financeiro e econômico da logística reversa deve ocorrer em curto prazo, o que definitivamente não acontece. Todas as decisões que forem tomadas na implementação de programas de logística reversa terão impacto direto no volume de vendas, no volume de gastos, no preço e, principalmente, na lucratividade da empresa e na rentabilidade do seu investimento.

5.6.5 Análise do retorno dos investimentos realizados na logística reversa

Algumas análises em termos de rentabilidade e lucratividade devem ser feitas antes da adesão a atividades ou programas de logística reversa, pois como em qualquer outra atividade, espera-se que gere lucro em longo prazo. O resultado positivo acumulado em um determinado período de tempo será o retorno ou resgate do investimento realizado nessa atividade. O lucro da atividade pode ser obtido facilmente pela seguinte fórmula: Lucro = Receitas − (custo variável + desp. fixas + desp. comerciais) O cálculo da margem de contribuição complementa esta análise, revelando quanto cada tonelada de resíduos processada contribui para pagar as despesas fixas mensais e quanto contribui para formar o lucro. Isso significa que toda vez que vender uma tonelada, a empresa deve reservar um determinado % até completar a quantia que precisa para pagar as despesas fixas da empresa e ainda obter lucro. Margem contribuição =

Preço de venda − (custos variáveis + desp. comerciais) × 100 Preço de venda

Além disso, para que estes cálculos sejam feitos de forma coerente e acurada, é essencial que o gestor tenha total conhecimento dos custos variáveis, que são os que se alteram de acordo com a produção; das despesas fixas, aquelas que não se alteram de acordo com


Elementos Econômicos da Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos  83 o volume de produção e não possuem oscilações significativas no decorrer dos meses e, também, das despesas comerciais, aquelas que correspondem a comissões de vendedores, gastos com publicidade e propaganda e variam de acordo com o volume movimentado. Como a característica das empresas que atuam o processo reverso é totalmente diferente de empresas que realizam o processo direto, é necessário que primeiramente, na fase de análise de viabilidade do projeto, os valores sejam estimados e, no decorrer das operações sejam frequentemente ajustados para demonstrar a real situação da empresa e não causar erros que prejudiquem o andamento dos processos.

5.6.6 Retorno do investimento (TIR – Taxa Interna de Retorno) Retornar o investimento significa que mensalmente a atividade de logística reversa devolve parte do investimento realizado inicialmente ou durante o tempo de duração da atividade. Essa parcela que retorna, remunera o investimento realizado. Cabe ressaltar que em grande parte dos resíduos o retorno é bastante reduzido, principalmente no início das atividades, no entanto, como citado anteriormente, é necessário considerar os outros tipos de retorno proporcionados, que não só os financeiros, principalmente no que se refere ao atendimento à legislação. O negócio de qualquer empresa, bem como da atividade de logística reversa só será viável se for capaz de retornar ou devolver o investimento realizado. A expressão taxa interna de retorno (TIR) é a taxa que equaliza o valor presente dos pagamentos (saídas de caixa) com o valor presente dos recebimentos (entradas de caixa). Há, portanto, um fluxo de caixa inicial que representa o valor do investimento, ou do empréstimo ou do financiamento, e diversos fluxos futuros representando os valores das receitas e custos envolvidos no ciclo de vida do empreendimento. O resultado dessa fórmula será o percentual referente ao retorno mensal do investimento. Como comparação mais imediata, o negócio é bom se gerar uma taxa de retorno superior ao que outro investimento proporcionaria para você, por exemplo, se investir em uma aplicação financeira, o que é mensurado pelo custo de oportunidade. Só vale a pena investir em uma atividade se a taxa de retorno que gerar for superior àquela paga pelo mercado. O cálculo do prazo de retorno do investimento pode ser realizado pela seguinte fórmula: Taxa de retorno do investimento =

Lucro × 100 Investimento

Por meio dessa fórmula é possível verificar qual o prazo em que o investimento realizado na atividade de logística reversa retornará. O resultado será dado em meses. Deve-se considerar a comparação entre as possibilidades de investimento existentes no mercado, que possuam uma taxa superior à taxa fornecida pela fórmula anterior. Caso exista, a atividade passa a não ser viável e deve ser considerada a opção da terceirização. Esses cálculos podem ser muito úteis na fase inicial e análise da viabilidade de um projeto de logística reversa, servindo como base para a tomada de decisões no que tange aos investimentos a serem realizados neste processo. No entanto, caso a empresa opte


84  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos por investir em processos de logística reversa é necessário também realizar um acompanhamento dos valores movimentados por ela. Para tal, se sugerem alguns procedimentos de contabilidade ambiental e análise financeira das demonstrações contábeis que podem ser utilizadas nesse contexto.

5.6.7 Contabilidade ambiental como ferramenta para a mensuração da logística reversa Caso seja tomada a decisão por aderir a atividades ou programas de logística reversa, torna-se necessário registrar e controlar todos os fatos decorrentes. Tais fatos geram impactos financeiros e econômicos que devem ser mensurados corretamente, de forma a fornecer informações úteis e confiáveis aos gestores. Um sistema de informação é um conjunto de dados e técnicas que permitem tratar as informações de natureza repetitiva com relevância ao mesmo tempo em que minimiza os custos e ainda fornece condições para, por meio da utilização de informações básicas unidas a técnicas de Contabilidade, fornecer relatórios para finalidades específicas aos diversos usuários da informação. O desenvolvimento e implantação de um sistema integrado do controle de geração e do retorno de resíduos de pós-consumo possibilitarão à empresa demonstrar com maior facilidade e segurança, seus processos produtivos relacionados à revalorização e à destinação dos seus resíduos; auxiliar na identificação dos seus ganhos ambientais, legais, econômicos; e ainda, disponibilizar para seus gestores, clientes, fornecedores, parceiros e sociedade informações úteis relativas às suas ações nesse sentido. Esse sistema é capaz de disponibilizar todas as informações relacionadas à geração e operacionalização do retorno dos resíduos tais como: controles de inventário de resíduos, investimentos, quantidades geradas, locais geradores, destinação, itens comerciais e não comerciais, mão de obra, valores gerados pela comercialização, parceiros, segurança legal e ambiental, e possíveis oportunidades de redução de custos ou ganhos nesse processo. Ademais, é importante ressaltar que a instalação de processos de logística reversa pode ter efeitos positivos e negativos no ciclo de caixa das empresas, por isso requer muita atenção. É necessário que as empresas compreendam que as estratégias de logística reversa podem gerar fluxos de caixa negativos periodicamente, os quais são difíceis de prever e contabilizar, no entanto, quando tais estratégias são bem planejadas e executadas, podem proporcionar retornos monetários consideráveis em longo prazo. Essa característica de incerteza se dá devido à qualidade, quantidade e variedade dos resíduos, que são inconstantes e difíceis de prever. Por isso, a estimação de custos operacionais relacionados à logística reversa e as decisões a respeito do retorno dos produtos e sua coordenação ao longo da cadeia de suprimentos são essenciais. A implementação de sistemas de contabilidade ambiental possibilita: j j

Verificar se a legislação está sendo cumprida; Auxiliar os gestores no processo de decisão no estabelecimento de objetivos e políticas ambientais;


Elementos Econômicos da Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos  85 Comprovar a evolução do desempenho ambiental e identificar tendências; Detectar áreas críticas da empresa que precisam de atenção especial em termos de aspectos ambientais; j Verificar se os objetivos ambientais estão sendo cumpridos; j Identificar oportunidades para um melhor gerenciamento ambiental da cadeia de suprimentos; j Descobrir como a empresa pode obter vantagem competitiva devido a melhorias concretas no gerenciamento ambiental e; j Fornecer informações em tempo real sobre custos, receitas, investimentos e passivos ambientais para os gestores. j j

5.7  Considerações finais A logística reversa tornou-se um assunto que influencia e ganha cada vez mais espaço nas discussões e decisões no ambiente empresarial, vários fatores motivaram o crescimento dessas discussões: a sanção e regulamentação da PNRS; a necessidade de um diferencial competitivo sustentável em relação à concorrência; os curtos ciclos de vida dos produtos e a busca constante pelo desenvolvimento sustentável. Esses fatos também geram inúmeros questionamentos no sentido de se encontrar formas de tornar a logística reversa, não somente um centro de custos, mas também um gerador de benefícios econômicos para as empresas que a adotarem. No que tange a resíduos eletroeletrônicos, esta necessidade se torna ainda mais premente tendo em vista o alto valor agregado dos seus componentes e os indícios de escassez desses materiais no meio ambiente. Após a sanção da PNRS algumas iniciativas vêm sendo tomadas para controlar a quantidade de resíduos descartada e para, quando possível, revalorizá-los. Dentre elas, podem ser citadas: a sanção da Lei n° 12.375/2010 que prevê incentivos fiscais para as empresas que utilizarem materiais provenientes de resíduos sólidos em seus processos; a publicação do edital n° 01/2013 de chamamento para acordos setoriais para execução da logística reversa de REEEs e, a aprovação do documento referente ao projeto de norma 03:111.01-009, da ABNT. Nesse sentido é evidenciado um problema que muitas empresas que optam por adotar a logística reversa enfrentam: a falta de planejamento financeiro; a falta de formalidade e registro das operações decorrentes da gestão de resíduos e; a falta da mensuração dos retornos econômicos gerados por ela. Essa situação pode ser contornada com a utilização de ferramentas da administração financeira e contabilidade, as quais possibilitam o correto planejamento e controle financeiro e econômico da logística reversa. Além disso, tais aspectos se tornam importantes tendo em vista que, de acordo com a PNRS, as empresas devem, além de cumprir a lei, manter registros e informações acuradas de todas as práticas ambientais realizadas, de forma a prestar contas ao poder público e à sociedade referente às suas ações.


86  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos

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Capítulo 6

Catadores: uma reflexão sobre os aspectos socioambientais da gestão de Resíduos dos Equipamentos Eletroeletrônicos Sylmara L.F. Gonçalves Dias, Virginia Rosa Pragana, Maria Cecilia Loschiavo dos Santos

RESUMO Neste capítulo serão analisadas e discutidas as principais questões socioambientais relacionadas à gestão dos resíduos de equipamentos eletroeletrônicos (REEE) e os de­ safios para a inserção dos catadores. No caso brasileiro tais desafios são evidenciados por causa da atuação de associações e cooperativas de catadores no manejo desses resíduos. Apesar de a legislação enfatizar a inserção do catador na gestão de resíduos, ainda são muitas as questões a serem trabalhadas para a legitimação, estruturação técnica, capacitação, instrumentação, profissionalização e regulamentação da atuação desses trabalhadores, visando à redução dos impactos socioambientais que a temática enseja. 87


88  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos

6.1 Introdução Nas últimas décadas, a indústria de equipamentos elétricos e eletrônicos (EEE) tem amplia­ do sua produção de modo exponencial, os produtos eletroeletrônicos tornaram-se onipresentes na vida dos indivíduos em todo o planeta e indispensáveis às mais diversas áreas de atividades humanas. A popularização dos eletroeletrônicos e a rápida obsolescência dos modelos cria a necessidade de substituição, que se tornam quase obrigatórias. Entretanto, faltam regras claras e locais apropriados para a deposição desses equipamentos que, em desuso, vão constituir o chamado resíduo de equipamento eletroeletrônico (REEE), lixo eletrônico ou e-lixo. Consideram-se como REEE os resíduos gerados ao final da vida útil de equipamentos como: televisores, rádios, celulares, eletrodomésticos, equipamentos de informática, vídeos, filmadoras, ferramentas elétricas, DVDs, lâmpadas fluorescentes, brinquedos eletrônicos, entre outros. Quando os REEE são dispostos de forma inadequada ou ainda quando desmontados sem controle, podem ocasionar impactos ambientais, através da contaminação do solo, das águas superficiais e subterrâneas, representando risco à saúde da população do entorno ou dos trabalhadores que realizam a reciclagem (WIDMER et al., 2005). Por causa da urbanização em curso, muitos municípios enfrentam desafios para fornecer infraestrutura básica para coleta de lixo, reciclagem e reúso aos seus cidadãos. Em muitos lugares, esses serviços são prestados por um crescente setor informal (NEUWIRTH, 2006; SASSEN, 1994). Nesse sentido, os REEE tem exercido a função da geração de empregos e da potencial redução de seus impactos por meio da criação de sistemas de logística reversa capazes de revalorizar os resíduos e retorná-los a um novo ciclo produtivo. Destarte, os resíduos antes tidos como indesejados passam a ser considerados materiais com valor agregado e, portanto, passíveis de geração de renda para comunidades em situação de vulnerabilidade socioambiental. Trata-se de aspecto de grande relevância às temáticas socio­ ambientais, pois se refere à geração de emprego e renda a partir da gestão dos REEE. A esse respeito, Ongondo et al. (2011), enfatizam a importância da discussão desse tema nos países em desenvolvimento – onde há grande exposição dos trabalhadores representando riscos à saúde e ao ambiente, principalmente em países onde há a carência de mecanismos regulamentadores. No Brasil, os REEE estavam até recentemente numa espécie de vazio regulatório. Entretando, a nova Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS –, aprovada em 2010, destina-se a aumentar a cooperação entre os diferentes segmentos da sociedade, como empresas, governos, consumidores e recicladores (Brasil, 2010). No entanto, as atividades de reciclagem no Brasil continuam sendo realizadas muitas vezes de modo não estruturado e até na informalidade.

6.2  Impactos socioambientais da produção, consumo e destinação de REEE O consumo dos EEE testemunha crescimento constante no Brasil, fruto da expansão do mercado interno, de incentivos ao crédito e de isenções pontuais de tributação, bem como mudanças de comportamento na sociedade. Os eletroeletrônicos cada vez mais fazem parte da vida cotidiana do brasileiro.


Catadores: uma reflexão sobre os aspectos socioambientais...    89 O mercado brasileiro de EEE é considerado o quinto maior do mundo, após China, EUA, Japão e Rússia, e apresenta uma geração crescente e diversificada. Assim, o crescimento da indústria de eletroeletrônicos no Brasil aponta também para o aumento das quantidades de resíduos eletrônicos gerados por habitante por ano no país. Em 2007 estimava-se 2,6kg/ hab/ano de REEE (RODRIGUES, 2007), em 2009 3,3 kg/hab/ano de REEE (FEAM, 2009) e em 2011 6,4kg/hab/ano de REEE. A projeção para 2015 é de 8kg de resíduos eletrônicos por habitante por ano (THE WORLD BANK, 2012). Desse modo, a tendência da geração de e-lixo é crescente ano após ano, tanto no Brasil quanto mundo afora. Esse tipo de resíduo apresenta um crescimento três vezes maior do que o do lixo comum, uma vez que modelos novos de celulares, computadores e eletrônicos rapidamente tornam obsoletas suas versões anteriores. Os dados de consumo crescente de EEE são contrastantes com a realidade da gestão de seus resíduos, que compreende a etapa de geração de destroços até a destinação, considerando, de acordo com a categoria dos resíduos, especificidades inerentes àquelas cadeias produtivas específicas. Na Figura 6.1 é possível visualizar os aspectos e impactos da produção, consumo e destinação de REEE. O lixo eletrônico cresce mais rapidamente que qualquer outro tipo de lixo, devido ao mercado em expansão e à crescente taxa de obsolescência dos equipamentos ele­ trônicos (THE WORL BANK, 2012). Ainda na etapa de geração, ações educativas de conscientização e divulgação dos impactos do consumo tendem a minimizá-los por meio de ações que consideram o consumo sustentável, optando, para tanto, por produtos energo-eficientes, com materiais sustentáveis e, quando plausível, prolongando a ex­ tensão da vida útil. Principalmente por falta da estrutura adequada de coleta e de informação a esse res­ peito, o consumidor brasileiro não tem o hábito de dar a destinação adequada a seus REEE (INVENTTA, 2012). Existem frequentes casos de pessoas e empresas que depositam os REEE junto ao resíduo comum. Por outro lado, a persistência de uma cultura do reúso faz com que parte do material eletroeletrônico seja guardado, doado ou vendido.

Figura 6.1  Aspectos e impactos da produção, consumo e destinação de REEE. Fonte: Elaboração própria.


90  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos Entretanto, dado a uma maior visibilidade da destinação adequada de materiais como pilhas e baterias, a partir de pontos de recebimento no varejo, bem como a maior presença na mídia de discussões sobre resíduos sólidos, tem direcionado a opinião pública no sentido de uma maior atenção a tais assuntos. Após o consumo, os produtos são descartados por diferentes motivos. (i) não atendem mais às necessidades do consumidor; (ii) não são mais utilizados; (iii) são substituídos por produtos mais novos, econômicos e/ou eficientes. Os aspectos ambientais decorrentes da geração e destinação de REEE estão diretamente relacionados ao potencial tóxico dessa classe de detritos que, por sua vez, resultam em impac­ tos negativos ao ambiente e à saúde humana. Assim, os resíduos de equipamentos elétricos e eletrônicos (REEE), por serem classificados como perigosos e apresentarem risco ao ambiente e à saúde, têm causado preocupação a respeito da ocorrência do descarte ambientalmente inadequado, principalmente nos países em desenvolvimento (FRAZZOLI et al, 2010). Os REEE são complexos com relação aos materiais que os compõem, pois apresentam uma gama de diferentes substâncias, muitas das quais perigosas, como os metais pesados, mercúrio, chumbo, cádmio, arsênio, bário e cromo; gases de efeito estufa, como os cloro­ fluorocarbonetos (CFC); substâncias halogenadas; bifenilas policloradas (PCBs); cloreto de polivinila (PVC) e retardantes de chama bromados (WIDMER et al, 2005). No entanto, o lixo, muitas vezes, é tratado apenas como um novo negócio, no qual alguns segmentos da sociedade, principalmente aqueles com maior poder econômico e político, acabam se beneficiando (PEREIRA e TEIXEIRA, 2011). Na verdade, os REEE são, ao mesmo tempo, um problema socioambiental e uma oportunidade econômica. Segundo o Banco Mundial (2012) os problemas se devem: Pela geração de impactos ambientais negativos devido à gestão inapropriada no fim de vida dos REEE; j Pelos impactos ocupacionais devido à segregação manual; j Por conta da contaminação do solo e da água por substâncias presentes nos REEE; j Pela incineração inapropriada dos plásticos dos REEE, que gera dioxinas e outros contaminantes. j

E as oportunidades econômicas se devem a: Presença de componentes e materiais valiosos; Novas regulações e responsabilidade estendida ao produtor, demandando a estruturação da logística reversa dos REEE.

j j

6.2.1  Um panorama da gestão de REEE (mundo e Brasil) As regulamentações ambientais relativas à gestão de resíduos diferem entre os países. No que se refere à gestão de resíduos eletroeletrônicos, poucos países possuem uma legislação especifica e direcionada à solução do problema. Verifica-se ainda diferenças na busca de soluções adotadas pelos países desenvolvidos e pelos países em desenvolvimento. Enquanto os primeiros focam nas questões ergonômicas e de saúde ocupacional, como estratégia


Catadores: uma reflexão sobre os aspectos socioambientais...    91 para a gestão dos resíduos eletroeletrônicos, os últimos priorizam ações voltadas para a inclusão social, tais como o estabelecimento e manutenção de associações e cooperativas de materiais recicláveis e a capacitação de indivíduos em situação de risco socioambiental. Nos países em desenvolvimento considera-se a gestão de resíduos como uma signifi­ cativa oportunidade de obtenção de recursos a partir da mobilização de mão de obra para fins de inclusão social. Os grupos de trabalhadores, organizados ou não em associações e cooperativas, se submetem a condições precárias e insalubres de trabalho. Geralmente são mal remunerados e não dispõem de condições mínimas de segurança. O estabelecimento de formas de organização como associações e cooperativas de catadores representou grandes avanços na organização do trabalho, principalmente nos países em desenvolvimento, cuja mão de obra que se dedica a coleta e triagem de resíduos tem aumentado com o passar do tempo, principalmente como ocupação informal (WILSON et al, 2006; BESIOU, 2012). De acordo com Medina (2007), a China possui um número expressivo de pessoas alocadas na cadeia da reciclagem (Gráfico 6.1). As condições de coleta de resíduos em diferentes partes do mundo têm levantado a questão do que constitui métodos inclusivo e exclusivo na gestão de resíduos sólidos. Em um recente seminário patrocinado pela Kagad Kach Patra Kashtakari Panchayat (KKPKP, 2012), uma união internacional de catadores, trabalhadores de diferentes partes do mundo foram convidados a explicar através de esboços os mecanismos pelos quais eles realizam atividades de gestão de resíduos em suas cidades. Os desenhos mostrados nas Figuras 6.2 e 6.3 sintetizam a complexidade dos processos e, ao mesmo tempo, destacam as características específicas das regiões onde vivem.

Gráfico 6.1  Número de pessoas ocupadas na catação de resíduos em países selecionados (milhões). Fonte: Medina, 2007.


92  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos

Figura 6.2  Coleta de residuos na Índia. Fonte: KKPKP - WIEGO, 2012.

Figura 6.3  Coleta de resíduos na China. Fonte: KKPKP - WIEGO, 2012.

Conforme apresentado na Figura 6.2, os catadores podem atuar em uma ampla faixa de complexidade do processo e contribuir com soluções de baixo custo e de colaboração. Ambas as imagens apresentam alguns aspectos de valores e diversidade de produtos pós-consumo que são manipulados por catadores de recicláveis. É entendimento comum


Catadores: uma reflexão sobre os aspectos socioambientais...    93 nesses países que a atividade de coleta e triagem de resíduos constitui a força motriz da indústria da reciclagem. No entanto, o estado atual da regulamentação ambiental não parece muito alinhado com esta noção. Na maioria dos países não se verifica aderência entre as políticas preconizadas e os modelos de gestão focados na saúde e segurança do trabalho, principalmente para os trabalhadores da cadeia dos resíduos eletroeletrônicos. Por outro lado, nos países desenvolvidos, encontram-se estabelecidos padrões para o desempenho das atividades da cadeia de reciclagem fortemente amparados nas diretrizes de sustentabilidade ambiental. A esse respeito, as normas europeias estão organizadas em metas escalonadas de coleta e reciclagem de resíduos eletroeletrônicos. Nesses países, a gestão de resíduos eletroeletrônicos é desenvolvida a partir da atuação de empresas privadas em consórcio com a municipalidade. A prática da coleta seletiva ou retorno para os produtores, segundo proposto pelo conceito da responsabilidade estendida, são ações que contribuem significativamente para a eficiência do processo. Dessa forma, a prática de coleta e catação a partir da atuação de catadores é praticamente inexistente.

6.2.2 Novo cenário brasileiro imposto pela aprovação da Políitica Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) O Decreto Federal n° 7.404 regulamentou a Lei n° 12.305/2010, em 23 de Dezembro de 2010 (Brasil, 2010). Esse documento estabelece que “o sistema de coleta seletiva de resíduos sólidos priorizará a participação de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis constituídas por pessoas físicas de baixa renda”. A Tabela 6.1 apresenta as principais alterações ocorridas com a aprovação da PNRS. A lei tem como princípio a responsabilidade compartilhada entre governo, empresas e sociedade, impulsionando o retorno dos produtos após o consumo. Ou seja, o recolhimento dos materiais para o retorno como matéria-prima à produção industrial, sem que tenham como destino os aterros sanitários ou os lixões (INVENTTA, 2012). Dessa forma, foi estabelecida obrigatoriedade imediata à adoção de medidas de logística reversa aos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de (1) agrotóxicos, seus resíduos e embalagens, assim como outros produtos, cuja embalagem, após o uso, constitua resíduo perigoso; (2) pilhas e baterias; (3) pneus; (4) óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens; (5) lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista; e (6) produtos eletroeletrônicos e seus componentes, e também a: Investir no desenvolvimento, fabricação e colocação no mercado de produtos aptos à reutilização, reciclagem ou outra forma de destinação ambientalmente adequada e cuja fabricação e uso gerem a menor quantidade de resíduos sólidos possível; j Divulgar informações relativas às formas de evitar, reciclar e eliminar os resíduos sólidos associados a seus respectivos produtos; j Assumir o compromisso de, quando firmados acordos ou termos de compromisso com o Município, participar das ações previstas no plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos, no caso de produtos ainda não inclusos no sistema de logística reversa. j


94  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos TABELA 6.1  Alterações nas responsabilidades dos atores a partir da PNRS. Ator

Antes

Depois

Poder Público

• Falta de prioridade para o lixo urbano • Existência de lixões na maioria dos municípios Resíduo orgânico sem aproveitamento • Coleta Seletiva cara e ineficiente

• Municípios farão plano de metas sobre resíduos com participação dos catadores • Os lixões precisam ser erradicados até 2014 • Prefeituras passam a fazer a compostagem • É obrigatório controlar custos e medir a qualidade do serviço

Catadores

• Exploração por atravessadores e riscos à saúde • Informalidade • Problemas de qualidade e quantidade dos materiais • Falta de qualificação e visão de mercado

• Catadores reduzem riscos à saúde e aumentam renda em cooperativas • Cooperativas são contratadas pelos municípios para coleta e reciclagem • Aumenta a quantidade e melhora a qualidade da matéria-prima reciclada • Trabalhadores são treinados e capacitados para ampliar produção

Iniciativa Privada

• Inexistência de lei nacional para nortear os investimentos das empresas Falta de incentivos financeiros • Baixo retorno de produtos eletroeletrônicos pós-consumo • Desperdício econômico sem a reciclagem

• Marco legal estimulará ações empresariais • Novos instrumentos financeiros impulsionarão a reciclagem • Mais produtos retornarão à indústria após o uso pelo consumidor • Reciclagem avançará e gerará mais negócios com impacto na geração de renda

Consumidor • Não há separação do lixo reciclável nas residências • Falta de informação • Falhas no atendimento da coleta municipal • Pouca reivindicação junto às autoridades

• Consumidor fará separação mais criteriosa nas residências • Campanhas educativas mobilizarão moradores • Coleta Seletiva aprimorada para recolher mais resíduos • Cidadão exercerá seus direitos junto aos governantes

Fonte: CEMPRE, 2011.

O estabelecimento da logística reversa busca fortalecer o mercado de reciclagem no Brasil, podendo trazer benefícios que vão além dos impactos ambientais esperados, como pode ser visto na Tabela 6.2. Destaca-se como um dos aspectos relevantes da PNRS, para os fins do presente capítulo, o apoio à inclusão dos catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis na coleta seletiva e na logística reversa como forma de enfrentamento das desigualdades sociais (INSTITUTO ETHOS, 2012). No texto da Lei, a inclusão desses trabalhadores é colocada como um dos objetivos. No Artigo 18, é definida a prioridade de acesso aos recursos da União para os municípios que em seus serviços de gerenciamento de resíduos “implantarem a coleta seletiva com a participação das cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda”. No Artigo 42, que dispõe sobre linhas de financiamento, encontra-se explicitada a prioridade às inciativas de


Catadores: uma reflexão sobre os aspectos socioambientais...    95 TABELA 6.2  Impactos sociais, econômicos e ambientais esperados com a implantação da Logística Reversa de REEE. Sociais

Econômicos

Ambientais

Geração de empregos formais

Maior retorno ao mercado de matérias-primas advindas da reciclagem de REEE

Diminuição de casos de descarte incorreto de REEE

Fortalecimento das associações de catadores com geração de oportunidades de prestação de serviços ao sistema

Fortalecimento da indústria da reciclagem pelo consequente aumento da demanda

Melhoria da qualidade dos serviços de reciclagem e consequente menor nível de rejeitos nos aterros

Promoção de maior conscientização da população quanto às questões ambientais relacionadas aos equipamentos eletroeletrônicos

Desenvolvimento de conhecimento e tecnologias relacionados à reciclagem de REEE

Redução de gasto energético por conta de uso de reciclados (ex: o gasto de energia para reciclagem de alumínio é 95% menor do que para a sua produção primária)

Minimização de problemas Geração de emprego e renda de saúde causados pelo manuseio incorreto de REEE

Redução do volume e diversidade de eletroeletrônicos destinados a aterros

Fonte: INVENTTA, 2012.

“implantação de infraestrutura física e aquisição de equipamentos para cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas de baixa renda” (IPEA, 2010).

6.3  A coleta e a destinação dos REEE no Brasil Pesquisa realizada por Rodrigues (2007), referente à cadeia pós-consumo de REEE, mostra que no Brasil o manejo dos equipamentos eletroeletrônicos ainda é deficitário. Isso é consequência, principalmente, da falta de estrutura adequada de coleta e de informação a respeito da destinação adequada desses resíduos. Por isso ainda existem casos de pessoas e empresas que depositam esses materiais juntamente ao resíduo comum (INVENTTA, 2012). As primeiras informações oficiais sobre a coleta seletiva foram levantadas pela Pes­ quisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB) de 1989, que identificou a existência de 58 programas de coleta seletiva na época no país. Esse número cresceu para 451, segundo a PNSB 2000, e para 994, de acordo com a PNSB 2008, demonstrando um grande avanço na execução da coleta seletiva nos municípios brasileiros (PNSB, 2008). Em 2011, dos 5.565 municípios brasileiros, 3.263 (58,6%) indicaram a existência de iniciativas de coleta seletiva, conforme pode ser visto na Figura 6.4. Contudo, embora a quantidade de municípios com coleta seletiva seja expressiva, é importante ressaltar que muitas vezes essas iniciativas resumem-se a disponibilização de pontos de entrega voluntária à população ou a formalização de convênios com cooperativas de catadores para a execução dos serviços (ABRELPE, 2011).


96  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos

Figura 6.4  Quantidades / Percentuais de municípios por região em que existem iniciativas de coleta seletiva. Fonte: ABRELPE, 2011.

O IPEA, em estudo realizado em 2010, calcula em R$ 8 bilhões os recursos financeiros passíveis de serem poupados direta e indiretamente pela reciclagem no Brasil e estima-se que 90% de todo o material reciclado no Brasil seja recuperado dos resíduos pelas mãos dos catadores (CEMPRE, 2011), constituindo-se um importante ator para infraestrutura de reciclagem essencial para a cidade (MEDINA 2007, CEMPRE, 2011). No caso dos EEE, usualmente no fim de vida útil, são encaminhados à limpeza pública, doados ou coletados por catadores de recicláveis. No tratamento dos REEE, têm-se diferen­ tes destinos, dentre eles destacam-se: a revenda, ou seja, a venda de alguns equipamentos ainda funcionais após certo tempo de uso; o reparo, quando avariados; a reutilização em um segundo ciclo vida; e a armazenagem para uma troca futura. Quando são encaminhados para centros de recondicionamento, e, também para assistências técnicas que substituem partes defeituosas por novas, possibilitam o reúso de componentes e de dispositivos. Alguns desses equipamentos podem, de acordo com o grau de funcionalidade, retornar ao uso após o seu devido conserto, dando assim continuidade ao seu ciclo de vida. Nesse contexto, os catadores acabam realizando a coleta de REEE, juntamente com os demais tipos de materiais recicláveis, e frequentemente afirmam não saber como destiná-los de maneira apropriada.

6.4  O papel dos catadores no campo da reciclagem no Brasil A consolidação da indústria de reciclagem no Brasil, ocorrida nos últimos 25 anos, teve os catadores como base fundamental desde seu início, já que eles constituíram a força de trabalho barata que tornou viável essa consolidação (SANTOS; GONÇALVES-DIAS, 2012).


Catadores: uma reflexão sobre os aspectos socioambientais...    97

Figura 6.5  Posição dos catadores na coleta de resíduos recicláveis pós-consumo. Fonte: IPEA, 2010.

Esses trabalhadores coletam, selecionam, separam, comprimem e comercializam o material reciclável que se encontra misturado ao lixo in natura. O material coletado é vendido a intermediários, os quais o revendem para as indústrias de pré-beneficiamento, seguindo depois para as grandes indústrias de reciclagem do país (SANTOS et al, 2011). A posição dos catadores na recuperação dos materiais recicláveis é representada pela Figura 6.5. A catação, inicialmente, se tornou uma forma de trabalho nas grandes cidades e res­ tringia-se a papel, vidro e sucata de metal. Somente a partir da década de 1980 os catadores se tornaram visíveis como força de trabalho e surgiram suas primeiras iniciativas de organi­ zação de trabalho. Na década de 1990 várias experiências de cooperativas e associações de catadores foram desenvolvidas no Brasil, motivadas pela perspectiva de geração de renda e autonomia, assim como o estabelecimento de algumas parcerias com o poder público em programas de coleta seletiva municipais. Foi nessa década que a temática ganhou repercus­ são, o que culminou na criação do Fórum Nacional Lixo e Cidadania em 1998 (SANTOS; GONÇALVES-DIAS, 2012). Os catadores, inseridos num modo de organização econômica e formalmente orga­ nizados, estabeleceram as bases para criação do Movimento Nacional dos Catadores de Recicláveis (MNCR) em 1999. O MNCR tem buscado estabelecer frentes de articulação, mobilização e interlocução com agentes governamentais e empresariais na defesa dos interesses desses trabalhadores (SANTOS et al, 2011). Os catadores entram com a mão de obra e os insumos que serão reprocessados nas grandes empresas recicladoras que detêm o controle sobre as decisões técnicas, estando assim, via de regra, as decisões acerca de novas tecnologias e produtos e da concepção


98  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos produtiva fora de sua governança (SANTOS et al, 2011). De outro lado, a atividade realizada por esses trabalhadores nos processos de manejo dos resíduos sólidos urbanos é de grande importância na colaboração no processo de limpeza pública; diminuição do volume dos resíduos; ampliação da vida dos produtos e dos materiais; redução do custo de operação de aterros sanitários; reintrodução dos materiais na produção e na redução de consumo de matérias-primas, além de promover a inclusão social e a geração de renda para os catadores (SANTOS; GONÇALVES-DIAS, 2011). A Tabela 6.3 apresenta um resumo dos marcos na história dos catadores no país. Em 2010, o governo federal aprovou a lei nacional de resíduos sólidos, reconhecendo pela primeira vez o trabalho dos catadores, e exigindo das cidades e empresas privadas a parceria com as cooperativas e associações de catadores no sistema de gestão dos resíduos sólidos (Brasil, 2010). Embora a lei ofereça novas oportunidades para as cooperativas, também traz novos desafios, colocando-as sob pressão para formalizar, capacitar e profis­ sionalizar todos os seus associados e cooperados, enquanto enfrenta crescente concorrência de empresas privadas envolvidas com coleta, triagem e reciclagem dos resíduos sólidos urbanos. A inclusão social dos catadores na cadeia da reciclagem vem sendo objeto de uma série de medidas indutoras na forma de leis, decretos e instruções normativas de fomento à atividade de catação. Como exemplos de ações federais voltadas aos catadores de materiais recicláveis, IPEA (2012) cita: Destinação de mais de 280 milhões de reais para ações voltadas aos catadores de materiais recicláveis entre 2003 e 2010. j Constituição do Comitê Interministerial de Inclusão dos Catadores de Materiais Reci­ cláveis (CIISC) em 2003, e a formação de sua secretaria executiva em 2007. j Proposição de uma política de Pagamento por Serviços Ambientais Urbanos (PSAU), com a previsão de remuneração dos catadores pelos serviços ambientais resultantes de sua atividade. j Instituição do Programa Pró-Catador, com a finalidade de integrar e articular as ações do Governo Federal voltadas ao apoio e ao fomento à organização produtiva dos catadores. j

O Decreto n° 7474/2010, voltado a parcerias municipais com cooperativa de catadores e cujo modelo organizacional surgiu na década de 1990, processa-se essencialmente pela cessão, por parte das prefeituras municipais de galpão de triagem, equipamentos e veículos de coleta às cooperativas (BESEN; RIBEIRO, 2007, BARKI; MAGNI, 2011). A realidade dessas parcerias entre organizações civis e o poder publico remete à sociedade a questão da gestão integrada dos RSU e a sua relação com o fortalecimento da cidadania e do espaço jurídico público. Fato a se destacar, porém, é que embora cercados de aparatos e incentivos oficiais, os convênios formais com as prefeituras locais não são garantia de condições dignas de trabalho àqueles que atuam em cooperativas de reciclagem de Resíduos Sólidos Urbanos, requisito fundamental à sua inclusão social.


Catadores: uma reflexão sobre os aspectos socioambientais...    99 TABELA 6.3  Principais marcos na história dos catadores no Brasil. Ano

Evento

1998

Fórum Nacional Lixo e Cidadania.

1999

Criação do Movimento Nacional dos Catadores de Recicláveis (MNCR).

2001

1° Encontro Nacional de Catadores de Papel e Material Reaproveitável, realizado em Brasília. 1° Festival de Lixo & Cidadania em Belo Horizonte.

2002

Reconhecimento da profissão de “catador de material reciclável”, no Código Brasileiro de Ocupações (CBO 94).

2003

I Congresso dos Catadores organizados do MNCR, realizado em Caxias do Sul Decreto presidencial cria o Comitê Interministerial de Inclusão Social dos Catadores de Materiais Recicláveis. Programas federais passam a condicionar o repasse de recursos aos municípios para a erradicação dos lixões e a elaboração de Planos de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos Urbanos com o componente de inclusão dos catadores.

2005

I Congresso Latino-americano de Catadores, realizado no RS.

2006

DECRETO n° 5.940, de 2006 O governo federal instituiu que os resíduos recicláveis descartados pelos órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta devem ser doados para associações e cooperativas de catadores.

2007

LEI n° 11.445, de Janeiro de 2007 Modificação da Política Nacional de Saneamento Básico: autorização para a contratação de associações ou cooperativas de catadores de recicláveis. Dispensa de licitação na contratação da coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis, em áreas com sistema de coleta seletiva de lixo, efetuados por associações ou cooperativas formadas exclusivamente por pessoas físicas de baixa renda reconhecidas pelo poder público como catadores de materiais recicláveis, com o uso de equipamentos compatíveis com as normas técnicas, ambientais e de saúde pública.

2009

1° Expocatadores em São Paulo.

2010

LEI n° 12.375, de Dezembro de 2010, Art. 5° e Art. 6° - Os estabelecimentos industriais farão jus, até 31 de dezembro de 2014, a crédito presumido do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI na aquisição de resíduos sólidos utilizados como matérias-primas ou produtos intermediários na fabricação de seus produtos. Somente poderá ser usufruído se os resíduos sólidos forem adquiridos diretamente de cooperativa de catadores de materiais recicláveis com número mínimo de cooperados pessoas físicas definido em ato do Poder Executivo, ficando vedada, neste caso, a participação de pessoas jurídicas. Regulamenta a Lei n° 12.305, de 2 de agosto de 2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. Cria o Comitê Interministerial da Política Nacional de Resíduos Sólidos e o Comitê Orientador para a Implantação dos Sistemas de Logística Reversa, e dá outras providências. Art. 41 reforça modelo de coleta seletiva em parcerias cooperativas e prefeituras. DECRETO n° 7.405, de 23 de dezembro de 2010. - Institui o Programa Pró-Catador, denomina Comitê Interministerial para Inclusão Social e Econômica dos Catadores de Materiais Reutilizáveis e Recicláveis o Comitê Interministerial para Inclusão Social de Catadores de Recicláveis criado pelo Decreto de 11 de setembro de 2003, dispõe sobre sua organização e funcionamento, e dá outras providências.

Fonte: SANTOS et al, 2011; IPEA, 2012.


100  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos

6.5  Gestão de REEE nas cooperativas de catadores No Brasil, as auto-organizadas cooperativas de catadores de materiral reciclavel têm uma longa história que começou enquanto uma organização informal (SANTOS, 1999a; SANTOS, 1999b). O trabalho de catação é um trabalho informal socialmente não reconhe­ cido, realizado por mão de obra intensiva não especializada, compensando o investimento de tecnologia para o surgimento do setor de produção de material reciclado (SANTOS, GONÇALVES-DIAS, 2012; GONÇALVES-DIAS; SANTOS, 2012). MNCR, fundado em 2001, tem tentado fomentar a implementação de cooperativas de reciclagem como alternativa ao trabalho autônomo, para garantir melhores condições de geração de renda e seguridade social a este segmento da população. Pode-se afirmar que a reciclagem no Brasil só tem sido possível, em grande escala, devido à capilaridade dos catadores para o recolhimento e separação dos resíduos que tornaram viáveis as tarefas de coleta seletiva por um baixo custo. Os altos índices alcançados não advêm da regulação, educação ambiental ou sistema de coleta seletiva adequados, nem mesmo de investimentos público-privados, mas sim da pobreza em que vive uma boa parcela da população (GONÇALVES-DIAS, 2009). Nas cooperativas é realizada a coleta, triagem e, em alguns casos, o pré-processamento (desmontagem) de REEE. Segundo levantamento realizado pela Inventta (2012), a renda obtida com os resíduos de equipamentos eletroeletrônicos representa 15% do faturamento das cooperativas, competindo com a reciclagem de papelão, alumínio e plástico. Assim, o setor de reciclagem de REEE brasileiro sofre de instabilidade no fornecimento de materiais, que ocorre em decorrência da alta informalidade da coleta e da logística. Além disso, devido à escala relativamente reduzida, não é possível investir em tecnologia de ponta (INVENTTA, 2012). De acordo com a pesquisa realizada pelo IPEA (2010) é razoável supor que a renda média dos catadores não ultrapasse o salário mínimo. Um intervalo sugerido para esta variável vai de R$420,00 a R$520,00. Vale observar que esse intervalo diz respeito apenas aos catadores organizados. Apesar de ter um amplo conhecimento da geração coleta e triagem de materias, catadores operam apenas com seu conhecimento tácito, muito pouco está formalmente organizado, e existe pouca informação escrita. Portanto, a separação dos REEE para processamento e eventual reciclagem possui maior complexidade, custos e impactos em comparação aos demais resíduos considerados não perigosos (INVENTTA, 2012). De outro lado, a separação dos REEE para processamento e eventual reciclagem possui maior complexidade, custos e impactos em comparação aos demais resíduos considerados não perigosos (idem ibidem). Atualmente, muitas cooperativas não estão prontas para tirar o máximo proveito da nova lei. Seus métodos de organização informal e transferência de conhecimento, naturalmente, limitam a sua escala de operações. Ainda há que se considerar que as cooperativas e associações exis­ tentes no país apresentam alto grau de heterogeneidade com variados níveis de organização e eficiência na coleta, triagem, limpeza e acondicionamento dos materiais (IPEA, 2010).


Catadores: uma reflexão sobre os aspectos socioambientais...    101 De acordo com dados recentes (IPEA, 2012), no Brasil há cerca de 600 mil catadores de recicláveis, dos quais apenas 10% são organizados em cooperativas ou associações. Cerca de 60% das cooperativas apresentam baixos níveis de eficiência. Cerca de 60% das 83 organizações coletivas de catadores pesquisadas por Damásio (2010) estão nos níveis mais baixos de eficiência.1 As volumosas quantidades de REEE gerados no Brasil neces­ sitam de cooperativas, com produção em grande escala. Destarte, as cooperativas e associações existentes no país apresentam alto grau de heterogeneidade com variados níveis de organização e eficiência na coleta, triagem, limpeza e acondicionamento dos materiais (IPEA, 2010). É importante ressaltar que 72% dos catadores associados ao MNCR em 2005, estavam na pior situação, ou seja, são catadores desorganizados que trabalham nas ruas ou lixões. Segundo estudo realizado pelo IPEA (2010), a atividade enfrenta diversos entraves, além das condições de trabalho muitas vezes precárias, como a ação dos atravessadores, comerciantes e deposeiros; a postura de empresas terceirizadas na coleta de lixo urbano; o desconhecimento e desconfiança sobre a atuação dos catadores e pela interferência institu­ cional negativa de algumas prefeituras. A Tabela 6.4 apresenta um sumário desses entraves. O reconhecimento dos obstáculos aos aumentos de produção e produtividade e as suges­ tões de melhorias podem ser orientadas pelos diagnósticos das condições de trabalho e de funcionamento das associações ou cooperativas de catadores (LIMA, OLIVEIRA, 2008). São poucos os estudos qualitativos e quantitativos que descrevem os riscos ocupacionais a produtos químicos associados às instalações de tratamento de resíduos eletroeletrônicos (MJ & Associates, 2004). O estudo Screening level human health and ecological risk assessment for generic e-waste processing facility (MJC & Associates, 2004) indicava os possíveis riscos relacionados às etapas que objetivam a recuperação de materiais: 1. Recebimento: os riscos na área de recebimento dos REEE são numerosos e de diferentes tipos. Os resíduos podem chegar às instalações de triagem em paletes, enrolados em vinil ou em caixotes. Os trabalhadores realizam o descarregamento e rasgam os plás­ ticos para identificar os produtos. Trata-se de uma tarefa manual que exige diferentes tipos de esforços; além disso, há peças soltas que apresentam riscos ergonômicos. Outro problema seria o empilhamento de caixas que podem cair e ocasionar risco de lesão e exposição a substâncias perigosas. 2. Seleção e classificação dos equipamentos: passo importante, pois, a identificação das diferentes origens dos componentes (residências, escritórios, laboratórios) contribui para reduzir a exposição ocupacional no geral. A utilização de aparelhos que permitam identificar alguns perigos, exemplo: a radioatividade, pelo uso do aparelho Geiger, ajuda a reduzir a exposição aos riscos ocupacionais. É nesta etapa em que as decisões são tomadas quanto aos destinos dos equipamentos. Os componentes testados e em 1

As respectivas classes de eficiência (alta, média, baixa e baixíssima) têm as seguintes participações percentuais 14%, 27%, 35% e 24% das organizações coletivas e 16%, 24%, 43% e 17% dos catadores. Dados adaptados de PANGEA (Damásio, 2010), em amostra intencional com 83 organizações e 3.846 catadores.


102  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos TABELA 6.4  Entraves para a atividade de catação.

Fonte

Volume de materiais recicláveis

Efeitos da PNRS

Método

Problemas

Solução

Ruas e áreas Variável, urbanas depende da preexistência de coleta de lixo urbano

Carrinhos e caminhões; pressupõe coordenação logística

Algumas prefeituras dificultam a presença e o tráfego de catadores

Estabelecer parcerias entre PMs e cooperativas de catadores

Estímulo à coleta e à organização dos catadores

Coleta seletiva

Ainda modesta

Caminhões ou Deficiências na doações in loco destinação do material

Ordenação na destinação do material

Estímulo à coleta e à organização dos catadores

Grandes geradores

Bom volume, materiais préselecionados

Triagem e caminhões

Alguns não Exigência legal permitem o acesso de acesso ao material

Potencial problema

Feiras e eventos

Eventual, mas volume considerável

Triagem e caminhão

Algumas feiras e eventos não permitem o acesso

Exigência legal de acesso ao material

Potencial problema

Coleta pública

Grande volume Não têm acesso, em geral

Muitas prefeituras não permitem o acesso

Exigência legal de acesso ao material

Estímulo à coleta e à organização dos catadores

O material reciclável recolhido é enterrado ou comercializado

Exigência legal de acesso ao material

Potencial problema

Empresas Grande volume Não têm acesterceirizadas so, em geral

Fonte: IPEA, 2010.

condições adequadas para a reutilização são separados para revenda ou utilizados para montar outros equipamentos. Esse procedimento implica em melhorias ambientais, pois diminuem a quantidade de resíduos finais destinados aos aterros evitando que substâncias perigosas dos componentes sejam alocadas no solo, ar ou água. 3. Teste e seleção: forma como são manejados os equipamentos e partes, identificam se alguns riscos podem estar associados à etapa inicial da coleta do produto. O teste dos equipamentos requer alguns cuidados dos trabalhadores em relação aos riscos que podem ocorrer com a eletricidade, com o superaquecimento de componentes e a liberação de fumaças. 4. Desmontagem: é a partir da desmontagem que a exposição aos riscos aumenta, nesta etapa, bem como na trituração e separação por materiais, pode ocorrer o contato direto do trabalhador com algumas partes e componentes contendo substâncias perigosas, além da possibilidade desses elementos perigosos atingirem o ambiente. Na desmontagem manual, os trabalhadores estão sujeitos a alguns riscos, no caso dos computadores, as poeiras das substâncias perigosas como os retardantes de chamas bromados (PBB e PBBE) podem ser liberados na quebra da carcaça do monitor para retirada do tubo de imagem e inalados pelos operadores. Outros objetos manuseados como fax, impressoras e fotocopiadoras


Catadores: uma reflexão sobre os aspectos socioambientais...    103 podem ocasionar a exposição de substâncias, como: tintas e outros produtos químicos. O processo mecânico dos trabalhadores para desmontar os equipamentos leva a riscos ergonômicos, além da exposição por inalação principalmente por partículas de poeiras formadas por plásticos, metais, cerâmica e sílica (pó de vidro e silício). 5. Separação: a separação por partes ocorre paralelamente à desmontagem. A maioria dos componentes como fontes de alimentação, placas-mãe, placas de circuitos e memórias não resultam em exposições adversas aos trabalhadores. Porém, outros componentes, como: lâmpadas fluorescentes, capacitores, metais e caixas de plásticos revestidos com solventes ou partículas que contém produtos químicos perigosos têm potencial de exposição. 6. Trituração: o processo de trituração é bastante utilizado pelas facilidades das técnicas existentes, entre elas a separação por peneiração de tamanhos diferentes e separação por condutividade magnética que resultam numa composição relativamente uniforme de pedaços e eficiência energética na operação de reciclagem. Nesta etapa os riscos ocupacionais associados ao uso das máquinas são significativos: os problemas de ruídos da trituração, a possibilidade de geração de objetos voadores de dureza diferente, os riscos de operar o triturador, riscos de inalação e dérmica da possível poeira ou sobras da trituração. 7. Transporte e armazenagem: Cuidados adicionais devem ser tomados com a questão do transporte e armazenamento desses resíduos triturados. Existe a possibilidade das poeiras de trituração reentrarem no ambiente de reciclagem caso os materiais triturados sejam armazenados em áreas abertas. Além disso, o armazenamento ou estoque dos componentes triturados podem acarretar em mistura de resíduos e formação de poeira mais tóxica, desta forma, a manutenção do lugar e o manuseio dos sacos de trituração realizados por trabalhadores expõem a potencial risco de inalação e dérmica. Outras considerações que podem ser feitas a respeito dos processos de reciclagem são os processos de transformação pelo qual alguns materiais são recuperados, portanto, os processos térmicos e eletromagnéticos. Nesta etapa da operação são elevados os níveis de exposição a substâncias e, dessa forma, a exposição dérmica e por inalação. Apesar de os catadores constituírem-se um grupo fundamental na indústria de reci­ clagem, eles continuam vivenciando um processo duplo de inclusão e exclusão social no qual se deparam com condições de fragilidade, vulnerabilidade e precariedade (GONÇALVES-DIAS, 2009). Constituem o elo mais frágil da cadeia produtiva, ficando no meio de dois polos de interesse. O poder público, que visa promover políticas de trabalho e renda e solucionar problemas técnicos da coleta seletiva de maneira barata. E do outro lado, as grandes empresas que buscam se vincular a entidades de “bem-estar social” (GONÇALVES-DIAS; SANTOS, 2012). As cooperativas ficam espremidas, necessitando se ajustar às exigências técnicas e de produtividade, interesse das grandes empresas e, ao mesmo tempo, se manter sob o formato cooperativo para legitimar sua própria instrumentalização, como interesse do poder público e das grandes empresas (GONÇALVES-DIAS, 2009).


104  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos

6.6  A coleta dos REEE em centrais de triagem (CT): o caso da prefeitura de São Paulo O atual programa de coleta seletiva da cidade de São Paulo foi criado em 2002 e pretendia, inicialmente, incorporar parte dos catadores, sendo os recicláveis obtidos através das modalidades porta a porta e dos PEVs – Pontos de Entrega Voluntários –, sendo encami­ nhados para as centrais de triagem. Posteriormente, o Programa de Coleta Seletiva Solidária da Prefeitura de São Paulo foi regulamentado pelo Decreto n° 48.799 de 09 de outubro de 2007 e conta atualmente com 21 cooperativas conveniadas e cerca de 1.200 pessoas sendo empregadas nas mesmas. São contemplados com a Coleta de Materiais Recicláveis 75, dos 96 distritos existentes no Município de São Paulo (PMSP, 2012). Como equipamentos da Coleta Seletiva, estão instalados 3.811 PEVs (Pontos de Entrega Voluntários) em bancos, supermercados, escolas – municipais, estaduais e particulares –, universidades e condomínios. Foi coletado, no ano de 2009, cerca de 120 toneladas por dia de resíduos domiciliares (PMSP, 2012). A partir de convênios firmados com prefeituras e grandes empresas as cooperativas são capazes de receber uma quantidade maior de resíduos e negociar melhor sua venda. Os benefícios oferecidos pelas prefeituras às organizações de catadores variam e não chegam a remunerá-las pelo trabalho realizado (GONÇALVESDIAS; SANTOS; 2012). Atualmente, no município de São Paulo, não existe um sistema de coleta específico para os REEE. Por ausência de legislação específica e locais adequados para destino desse tipo de resíduo, as centrais de triagem (CT) e as cooperativas de catadores têm sido locais receptores de materiais, já que possuem alguns componentes com valor econômico agrega­ do. Considerando que o manejo e o destino inadequado desses resíduos representam risco à saúde ocupacional e ambiental, é importante conhecer em que condições estão ocorrendo o desmonte e o beneficiamento desses materiais. Em pesquisa realizada nas centrais de triagem mantidas pela Prefeitura de São Paulo (GUNTHER et al, 2012; LACERDA; PRAGANA, 2010), verificou-se que elas não es­ tavam preparadas para a realização da recepção, armazenamento e desmontagem de REEE de maneira adequada, expondo, dessa forma, os trabalhadores e o meio ambiente à riscos. Sendo assim, o presente projeto de estudo pretende elaborar uma análise comparativa de duas centrais de triagem em relação à problemática de recebimento e beneficiamento de REEE no município de São Paulo, com base na Lei n° 12.305, de 2 de agosto de 2010. Esse programa possuía em 2010, ano que foram realizadas as visitas, 18 Centrais de Triagem e atendia a 74 dos 96 distritos municipais, através da coleta seletiva e encaminhamento dos recicláveis a 16 Centrais de Triagem (CT), operadas por cooperativas de catadores. No ano de 2009, foi coletado um volume médio de 120 toneladas por dia através do programa. Dos 16 Centros de Triagem (CT) foram visitados 15 no município de São Paulo. Dentre esses, 14 recebiam resíduos eletroeletrônicos e havia um que operava exclusivamente com esse tipo de material. Nesse CT todos os funcionários eram capacitados para trabalhar com REEE, conseguindo obter maior valor agregado e fazer gerenciamento e destinação


Catadores: uma reflexão sobre os aspectos socioambientais...    105 adequados. Além disso, passaram por treinamento acerca do correto manejo e dos riscos ocupacionais de suas funções, caracterizando-se um caso diferenciado. Já nos demais CTs o quadro encontrado foi mais homogêneo. Os REEE recebidos nos Centros de Triagem do município eram provenientes da coleta seletiva realizada por empresas contratadas pela Prefeitura Municipal de São Paulo através das modalidades de coleta porta a porta domiciliar, Postos de Entrega Voluntária (PEV) e coleta programada em condomínios, estabelecimentos comerciais, industriais, bancos e outros. As próprias cooperativas, administradoras dos CTs, também buscavam esses materiais diretamente em condomínios, estabelecimentos, entre outros, e relataram que nesse caso a qualidade do material era superior, pois os mesmos chegavam sem quebrar e sem a presença de material orgânico (o que ocorria no outro caso devido ao uso de cami­ nhões compactadores). No contexto do caso estudado foi possível observar que os cooperados que manejavam os REEE não possuíam treinamento para realização de forma adequada, totalizando 64% das cooperativas, ou seja, nove cooperativas não receberam nenhum tipo de treinamento. Sendo que em apenas metade das cooperativas visitadas os cooperativados já possuíam alguma experiência anterior no manejo desse tipo de resíduo. No que concerne ao uso de EPIs – Equipamentos de Proteção Individual –, o quadro encontrado na ocasião do estudo pode ser sintetizado pelo gráfico abaixo, apenas res­ saltando que as luvas foram o único EPI utilizado em todos os CTs para manejo dos REEE (Gráfico 6.2). Após o beneficiamento, os equipamentos e componentes que não eram reaproveitados se tornavam rejeito, por não possuírem valor comercial, tais como: os Monitores CTR, as

Gráfico 6.2  Uso de EPIs no manejo de REEE. Fonte: LACERDA; PRAGANA, 2010.


106  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos pilhas/baterias e as lâmpadas fluorescentes. Todos esses eram agregados com os demais rejeitos e em 92% das cooperativas o destino eram os aterros sanitários, totalizando 12 coo­ perativas. Em apenas uma delas os rejeitos tinham como destino uma empresa de reciclagem da Sucata de Informática localizada em São Paulo. Foi possível observar que, na maioria dos casos, esses resíduos não recebiam um tratamento adequado, sendo armazenados juntamente com os demais e, em alguns casos, ao ar livre. Como contêm substâncias perigosas, deveriam receber tratamento e destinação adequados, o que resultaria em custos adicionais para as cooperativas; desse modo, os rejeitos são encaminhados para aterros sanitários juntamente com os demais resíduos. Quanto aos cooperados, o estudo de Lacerda e Pragana (2010) evidenciou que grande parte não possuía conhecimento acerca da composição, tampouco do correto manejo e impactos ambientais/ocupacionais dos resíduos com que estavam lidando. Dessa forma, mesmo com a utilização de EPIs, foram relatados casos de acidentes como cortes, perfurações e outros, ficando clara a falta de segurança nas condições de trabalho dos cooperativados. Em relação à quantidade de REEE recebida nos CTs, as respostas obtidas mostraram que mais de 50% não tinham conhecimento do número aproximado, 26,7% declararam receber pequenas quantidades e 13,3% receber grande quantidade. Nenhum dos entrevis­ tados possuía dados exatos da quantidade recebida. Grande parte também não possuía dados quanto à frequência de recebimentos dos materiais recicláveis (80% dos entrevistados), 13,3% disseram receber REEE diariamente e 6,7% quinzenalmente. Os equipamentos eletroeletrônicos citados como recebidos com maior frequência nos CTs foram: TV, rádio, celular/bateria de celular, computador, monitor CRT, impressora, geladeira, micro-ondas, ferro de passar roupa, sanduicheira, liquidificador, ventilador, barbeador, brinquedos, carregador, lâmpadas fluorescentes, batedeira, chuveiro e monitor LCD. Sendo que entre esses, televisores, celular/bateria de celular, computador, monitor CRT e ferro de passar roupa foram os mais recebidos pelas cooperativas. O beneficiamento dos materiais recebidos se dava através das seguintes atividades: pesagem, teste, conserto, separação e classificação, quebra, prensagem e armazenagem. As atividades mais desenvolvidas foram (em ordem decrescente): separação e classificação (86,7%), desmontagem (80%), armazenagem (66,7%) e teste (53,3%). As atividades de conserto, quebra e prensagem eram realizadas em uma parcela pouco significativa de CTs. Como forma de armazenamento dos materiais destinados à comercialização, predominava o uso de galpões (47%) seguido pelo armazenamento em big bags (20%). Em relação à questão das formas de comercialização dos materiais e equipamentos após a segregação, segue o Gráfico 6.3 com os principais destinos desses REEE. No que concerne aos REEE, já existem recicladoras em diferentes regiões do país, como pode ser visto no mapa abaixo (Figura 6.6). Dessa forma, o estudo de Lacerda e Pragana (2010) evidenciou que a estrutura dos CTs é precária para suportar o recebimento e manejo de REEE, tanto no que se refere à estrutura física das instalações, quanto à capacitação dos cooperados.


Catadores: uma reflexão sobre os aspectos socioambientais...    107

Gráfico 6.3  Destinos dos REEE após segregação. Fonte: LACERDA; PRAGANA, 2010.

Figura 6.6  Dispersão geográfica de recicladoras de REEE. Fonte: INVENTTA, 2012.

6.7  Considerações finais A luta dos catadores por melhores condições de vida e trabalho e a gradativa incor­ poração dessa questão em políticas públicas abrange muitos desafios, uma vez que a gestão dos resíduos sólidos envolve diversos atores com interesses distintos (PEREIRA e TEIXEIRA, 2011). A relevância do trabalho realizado por esses trabalhadores se torna ainda maior com a aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), já que os mesmos são reconhecidos como atores prioritários no programa de gestão compartilhada de resíduos sólidos dos municípios do Brasil (SANTOS; GONÇALVES-DIAS, 2011).


108  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos Esta evidente abertura de oportunidades também traz consigo exigências e necessidades de adequações para os catadores de materiais recicláveis, principalmente para a coleta e manejo dos REEE. Apesar de a legislação enfatizar a inserção do catador na gestão de resíduos, ainda são muitas as questões a serem trabalhadas para a legitimação, estruturação técnica, capacitação, instrumentação, profissionalização e regulamentação da atuação desses trabalhadores, visando à redução dos impactos socioambientais que a temática enseja. Por se tratar de resíduos perigosos, será demandada a estruturação técnica das coo­ perativas, exigindo-se a adequação ao licenciamento ambiental e o atendimento a outros requisitos legais. Tais exigências habilitarão as cooperativas de catadores para participação na coleta seletiva municipal, na logística reversa e no recebimento de REEE para adequado manejo, desmontagem e encaminhamento às indústrias de reciclagem. Conforme a PNRS, todos os atores que participarem do processo devem atender à legis­ lação ambiental, além de comprovar as boas práticas para manuseio, acondicionamento, armazenamento e transporte dos resíduos sólidos (PEREIRA NETO, 2011). Para que boas práticas sejam adotadas pelas cooperativas de catadores nas etapas da gestão de resíduos sólidos, que passarão a ser, ou já são em alguns municípios, de sua responsabilidade, a capacitação dos catadores passa a ser uma necessidade. Portanto, capacitar os catadores para a realização de suas atividades passa a ser uma exigência fundamental, inclusive para lidar com aspectos de saúde e de segurança de traba­ lho, pontos frágeis na operação das cooperativas. Outra exigência importante, e que deve ser considerada como principal para o sucesso da implementação da gestão de resíduos sólidos no Brasil, a partir do modelo criado pela PNRS, é a articulação e a integração para operação em redes de cooperativas de reciclagem, seja para mobilização, comercialização ou capacitação de seus colaboradores. Muitos decisores políticos mudaram seu foco de acusação para a inclusão dos catadores, a fim de melhorar a vida de quem trabalha no setor informal, integrando suas atividades no sistema de gestão integrada de residuos solidos. No entanto, muitos desafios permanecem sobre os aspectos sociais, econômicos e ambientais destes modelos emergentes. Precisam-se construir novos modelos para a gestão dos REEE que permitam que as organizações, mesmo as informais, sobrevivam em um mercado competitivo global, sem cristalizar a organização dinâmica existente nas cooperativas ou comprometer a sua missão social. Dessa forma, fica evidenciado que existe a necessidade de prover assistência técnica e capacitação para os catadores, de acordo com o estágio evolutivo em que se encontra cada grupo, associação e/ou cooperativa, visto que 60% desses ainda não estão organizados e trabalham em condições muito precárias. É imprescindível a construção de políticas públicas que possibilitem o exercício efetivo de direitos por parte de milhares de catadores do país, que estão em situação de pobreza e vulnerabilidade social. Há que se reconhecer os avanços nos últimos anos em termos de reconhecimento público da questão e de construção de políticas públicas voltadas ao tema. Mas ainda há muito que ser feito, já que a gestão dos resíduos sólidos é um grande desafio, não apenas ambiental, econômico, tecnológico ou social, mas, sobretudo, político (PEREIRA e TEIXEIRA, 2011).


Catadores: uma reflexão sobre os aspectos socioambientais...    109 Tal problema envolve muitas dimensões que excedem o âmbito deste capitulo, mas acredita-se que para melhorar as condições de trabalho nas cooperativas é preciso in­ tegrar ações de implantação de coleta seletiva, criação e organização das cooperativas de catadores, mobilização da população e organização da rotina de produção e da autogestão do empreendimento cooperativado. Inegavelmente, a PNRS e sua regulamentação trazem grandes desafios aos catadores de materiais reciclados, que precisarão mudar os modelos de gestão dos REEE atualmente adotados. Pereira Neto (2011) recomenda criar um fórum de discussão em nível municipal, regional e estadual para ações de capacitação, organização administrativa e operacional, saúde e segurança dos cooperativados, adequações de infraestrutura, aquisição de equipa­ mentos, inovação tecnológica e elaboração de projetos para obtenção de financiamentos são medidas fundamentais para o aperfeiçoamento e o sucesso das cooperativas no manejo, desmontagem e comercialização dos REEE. Enfim, adotar um novo modelo administrativo e operacional passará a exigir dos catado­ res e de suas cooperativas uma visão empreendedora para o sistema de gestão de resíduos sólidos, que se pretende estabelecer no Brasil pela PNRS.

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Nelson Gouveia, Mariana Maleronka Ferron, Rúbia Kuno

Capítulo 7

Os impactos dos resíduos de equipamentos eletroeletrônicos na saúde RESUMO

A consolidação de mecanismos legais e normativos para a gestão ambientalmente adequada de resíduos de equipamentos eletroeletrônicos (REEE) tem priorizados aspectos da gestão do processo. A exposição ocupacional pode ocorrer tanto na manufatura quanto em unidades de reciclagem ou remanufatura. Os consumidores também podem estar expostos no uso diário desses equipamentos. No entanto, apesar de haver orientações a respeito do uso de equipamentos eletroeletrônicos, existem poucos documentos relacionando definição de padrões de exposição ocupacional e mecanismos de manuseio dos equipamentos pós-consumo. Dessa forma, o presente capítulo tem como objetivo apresentar os principais aspectos relacionados ao impacto na saúde a partir do gerenciamento inadequado dos resíduos tecnológicos.

7.1 Introdução O Brasil vem atravessando uma fase de intensificação dos processos de industrialização, urbanização e desenvolvimento econômico e tecnológico. Em decorrência direta desses processos, observam-se alterações no estilo de vida e nos modos de produção e consumo da população, resultando em expressivo aumento, tanto em quantidade como em diversidade,

113


114  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos na geração de resíduos sólidos, principalmente nos grandes centros urbanos. Além do significativo acréscimo na quantidade, os resíduos atualmente produzidos são muito mais diversos e passaram a abrigar em sua composição elementos perigosos à saúde humana e aos ecossistemas, principalmente em virtude das novas tecnologias incorporadas à vida cotidiana. O desenvolvimento tecnológico vem disponibilizando regularmente novos produtos no mercado, geralmente contendo inúmeras substâncias perigosas. Por outro lado, a melhoria de renda de parcelas expressivas da população vem consubstanciando o desejo destas em consumir novas tecnologias, impulsionando uma maior aquisição de bens de consumo duráveis, especialmente os eletroeletrônicos (YACCOUB, 2011). Soma-se a isso o fato de seguirmos sob a égide de um modelo de desenvolvimento com lógica pautada no consumo, a qual, por sua vez, impõe um ritmo acelerado de inovação, criando produtos cada vez mais descartáveis, de rápida obsolescência, além de influenciar diretamente nossos padrões de consumo em direção ao excessivo e ao supérfluo, incentivando o desejo de substituir um determinado bem por outro mais moderno assim que disponível no mercado. O atual padrão de produção e consumo leva a um aumento importante do descarte de produtos eletroeletrônicos no meio, uma vez que esses equipamentos rapidamente são transformados em sucata tecnológica. Os resíduos de equipamentos eletroeletrônicos (REEE) podem ser definidos como substâncias ou objetos dependentes de correntes elétricas ou campos eletromagnéticos para funcionar (incluindo todos os componentes, subconjuntos e materiais consumíveis que fazem parte do equipamento original no momento de seu descarte), descartados devido a fatores como não funcionamento, custo de reparação, inovação tecnológica e curto ciclo de vida (União Europeia, 2003). Aspectos da produção como design e tempo de vida dos equipamentos também contribuem para a crescente geração de resíduos eletroeletrônicos, que aumentam a taxas três vezes maiores que os resíduos urbanos tradicionais e representam atualmente entre 1% a 5% do total de resíduos sólidos gerados a cada ano, tanto em países industrializados, como naqueles em industrialização (UNEP, 2007; SEPA, 2011). No Brasil, estima-se que em 2011 foram produzidos aproximadamente 6,5 kg de resíduos eletroeletrônicos por habitante, com projeção de atingir cerca de 8 kg/habitante/ ano em 2015 sendo que atualmente, na Europa, a produção de REEE é da ordem de 20 kg/ habitante/ano (The World Bank, 2012). A exposição ocupacional pode ocorrer tanto na fase de fabricação, como também durante a reciclagem, recondicionamento, assistência técnica e remanufatura dos equipamentos eletroeletrônicos. De acordo com SEI (2012), já foram detectados resíduos de retardante de chamas na poeira que se deposita sobre computadores, bem como indícios de contato com pó de toner na operação de troca de cartuchos. Esse mesmo estudo menciona a contaminação do meio ambiente a partir da incineração ou aterro de equipamentos eletroeletrônicos pós-consumo, e ainda enfatiza o impacto da destinação desse tipo de material em países em desenvolvimento, onde não há instrumentos regulamentadores eficientes ou há ausência de fiscalização.


Os impactos dos resíduos de equipamentos eletroeletrônicos na saúde  115 De modo geral, esses produtos podem conter mais de mil substâncias diferentes, sendo algumas de grande valor econômico, como ouro, prata e platina, e outras com potencial de dano ao meio ambiente e à saúde humana, a exemplo dos metais pesados como antimônio (Sb), arsênio (As), cádmio (Cd), chumbo (Pb), níquel (Ni), mercúrio (Hg) e zinco (Zn), que podem ocasionar inúmeros efeitos adversos sobre a saúde (WIDMER et al., 2005; UNEP, 2009). As formas de destinação adequada desses resíduos são pouco conhecidas e mais complexas do que a destinação do lixo comum (SEPA, 2011). Dada a insuficiência nos processos de coleta e reciclagem, boa parte dessas substâncias é descartada no meio ambiente de maneira imprópria ou gerenciada de modo inadequado (Figura 7.1). Com a destinação inadequada desse material, começaram a surgir casos de contaminação humana decorrentes da exposição a altas concentrações de metais pesados e outras substâncias presentes nesses equipamentos. Assim, os resíduos de equipamentos eletroeletrônicos (REEE) ganharam destaque dentre os resíduos considerados perigosos e vêm exigindo um plano de gestão que priorize sua destinação adequada (ANDRADE-LIMA, 2012). As abordagens dos aspectos relativos à saúde e segurança são significativamente diferentes entre os diferentes setores que compõem a destinação dos REEE. De maneira geral, durante o processo usual de produção e manutenção, busca-se propor mecanismos de se evitar a ocorrência de choques elétricos durante o manuseio do material, bem como a inalação de óxidos de chumbo durante as operações de solda e ainda poeira de toner de impressão. Nas fases de coleta e reciclagem, por exemplo, o risco está diretamente relacionado ao manuseio de equipamentos pesados, cortantes e infecciosos a partir de determinadas peças ou componentes. Há ainda nessas fases a exposição aos riscos inerentes ao transporte, bem como exposição a substâncias perigosas durante o processo de reciclagem (por exemplo, dioxinas e furanos durante a queima de resinas plásticas e metais pesados durante a abertura de monitores do tipo CRT). Apesar da profissão de catador ser reconhecida, nomeada e classificada na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), por meio da Portaria n° 397 de 9 de outubro de 2002, do Ministério do Trabalho e Emprego, ainda não há documentação e regulamentação a respeito do número de horas que um trabalhador poderia atuar na coleta e processamento de resíduos eletroeletrônicos, considerando-se o potencial de dano dos produtos e materiais envolvidos nessas atividades. O catador de material reciclável é registrado sob o código 5192-5 e tem como definição de sua função: Catador de material reciclável - Catador de ferro-velho, Catador de papel e papelão, Catador de sucata, Catador de vasilhame, Enfardador de sucata (cooperativa), Separador de sucata (cooperativa), Triador de sucata (cooperativa) Descrição sumária Catam, selecionam e vendem materiais recicláveis como papel, papelão e vidro, bem como materiais ferrosos e não ferrosos e outros materiais reaproveitáveis.


116  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos Formação e experiência Acesso ao trabalho é livre, sem exigência de escolaridade ou formação profissional. As cooperativas de trabalhadores ministram vários tipos de treinamento a seus cooperados, tais como cursos de segurança no trabalho, meio ambiente, dentre outros. Condições gerais de exercício Trabalho é exercido por profissionais que se organizam de forma autônoma ou em cooperativas. Trabalham para venda de materiais a empresas ou cooperativas de reciclagem. O trabalho é exercido a céu aberto, em horários variados. O trabalhador é exposto a variações climáticas, a riscos de acidente na manipulação do material, a acidentes de trânsito e, muitas vezes, à violência urbana. Nas cooperativas surgem especializações do trabalho que tendem a aumentar o número de postos, como os de separador, triador e enfardador de sucatas. A Figura 7.1 ilustra uma situação bastante típica a respeito da destinação dos resíduos tecnológicos. O desconhecimento a respeito dos riscos envolvidos no acondicionamento e manipulação dessa categoria de materiais tende a resultar na contaminação do ambiente e da saúde humana.

Figura 7.1  Detalhe de REEE na cooperativa Avemare em junho de 2011. Fonte: Nelson Gouveia, 2011.

7.2  Principais REEE e seus efeitos na saúde O REEE é um termo genérico que inclui todos os equipamentos elétricos e eletrônicos (EEE) eliminados por seus usuários originais, desde grandes eletrodomésticos, como geladeiras, fornos de micro-ondas, televisores, computadores, equipamentos de impressão e


Os impactos dos resíduos de equipamentos eletroeletrônicos na saúde  117 conexão, cabos, infraestruturas de redes até aparelhos portáteis digitais, telefones celulares e brinquedos (SEPA, 2011; DEL GROSSI, 2011). O desenvolvimento tecnológico faz com que a vida útil desses produtos seja cada vez mais curta. Estima-se que o tempo de vida médio de um computador seja de 3 a 4 anos e o de um celular de 1 a 1,5 ano (DEL GROSSI, 2011). Assim, o lixo eletrônico é atualmente o que mais cresce no fluxo de resíduos sólidos urbanos e equivale a cerca de 20-50 milhões de toneladas por ano no mundo, sendo os EUA, Europa Ocidental, China, Japão e Austrália os maiores produtores (SEPA, 2011; CHEN et al., 2011). Essa grande quantidade, somada aos componentes tóxicos presentes nesses resíduos, torna os REEE uma ameaça ambiental global. Apesar da Convenção da Basileia (1992) regular a movimentação de resíduos perigosos entre os países, quantidades significativas de REEE são exportadas de países mais ricos para aqueles ainda em desenvolvimento (LA DOU AND LOVEGROVE, 2008). Isso ocorre porque a reciclagem de REEE tem potencial econômico atrativo, uma vez que é possível recuperar ouro, prata, cobre, zinco, ferro, estanho e outros metais com valor significante (HUO et al., 2007; WONG et al., 2007). Além disso, o custo do trabalho nos países em desenvolvimento é geralmente menor e as legislações específicas, ambiental e de proteção ao trabalhador, menos rigorosas (UNEP, 2009; SEPÚLVEDA et al., 2010). Isso fez com que surgissem nesses países indústrias de reciclagem para dar conta do rápido crescimento no fluxo de REEE. Entretanto, alguns materiais possuem composição complexa, a qual demanda tecnologias de alto custo para a extração adequada dos componentes de valor econômico. Nesses casos, a recuperação de alguns componentes pode significar a perda de outros, ou envolver métodos ambientalmente inadequados e inseguros, o que torna, muitas vezes, essa atividade não rentável. Assim, surgiram também empresas recicladoras que utilizam tecnologias impróprias decorrentes da falta de recurso financeiro e “know-how” para o emprego de tecnologias mais sustentáveis (idem ibidem). O Brasil figura – ao lado de Colômbia, Quênia, México, Marrocos, Peru, Senegal, África do Sul e Uganda – entre os principais países em desenvolvimento que reciclam REEE em pequena escala, utilizando tecnologias primitivas (UNEP, 2009). Essa prática faz com que as substâncias tóxicas presentes nos REEE contaminem o ar, poeira, solo e água (OGUNSEITAN et al., 2009; WONG et al., 2007) e, consequentemente, afetem a saúde humana. Na Tabela 7.1 estão descritos os tipos de componentes que podem ser encontrados na maioria dos equipamentos eletroeletrônicos, e os principais agentes tóxicos presentes nesses componentes. Na Tabela 7.2 estão listados os principais efeitos à saúde relacionados às substâncias potencialmente contaminantes descritas na tabela anterior. Levando-se em conta que a gama de diferentes itens presentes nos EEE é muito grande, a lista não é exaustiva, nem completa, apresentando os mais comuns e que podem conter substâncias potencialmente perigosas à saúde. Diversas substâncias presentes nos REEE têm importante ação neurotóxica, como o chumbo, cádmio, mercúrio, e poluentes orgânicos persistentes, como as Bifenilas ­policloradas (PCBs), Bifenilas polibromadas (PBB), Difenil éteres polibromados (PBDEs) e Dioxinas e Furanos (Tabela 7.3). Os grupos humanos mais suscetíveis aos efeitos neurotóxicos desses contaminantes são idosos, doentes crônicos, crianças e fetos. Estes são


118  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos TABELA 7.1  Elementos tóxicos presentes nos módulos básicos dos equipamentos eletroeletrônicos. Componentes Aplicações

Elementos potencialmente perigosos

Placas de circuito interno

Utilizadas em quase todos os EEE, desde geladeiras modernas até computadores

Chumbo (Pb) e antimônio (Sb) em ligas, cádmio (Cd) em contatos e interruptores, mercúrio (Hg) em interruptores e relés, retardantes de chama bromados

Baterias

EEE portáteis

Níquel e Cd em baterias Ni-Cd, Pb em baterias chumbo-ácidas, mercúrio em baterias de Hg

Componentes contendo mercúrio

Termostatos, sensores, relês, ­interruptores, Mercúrio (Hg) lâmpadas, equipamentos médicos, equipamentos de telecomunicação

Tubos de Raios TVs antigas, monitores antigos, Catóticos ­osciloscópio

Pb, Sb, Cd no vidro

Cabos, cordões Diversos e fios

Cd, cobre (Cu), plástico, PVC (cloreto de polivinila), Retardantes de chama bromados

Visor de cristal líquido (LCDs)

Cerca de 20 substâncias distintas

Diversos

Aparelhos antigos de ar condicionado, Circuitos de refrigeração freezers, geladeiras Cartuchos de tinta

Clorofluorcarbonos (CFCs)

Impressoras, aparelhos de fax, copiadoras Poeira de carbono e negro de fumo, material produzido a partir da combustão incompleta de derivados pesados de petróleo

Fonte: SEPA, 2011; ANDRADE-LIMA, 2012.

TABELA 7.2  Efeitos das substâncias tóxicas, presentes nos REEE, em seres humanos. Substância

Via de contaminação

Efeito

Cádmio

Manuseio

Dermatite

Inalação e ingestão de alimento e água contaminada

Disfunção renal, comprometimento pulmonar, nos ossos e no fígado.

Chumbo

Ingestão de alimento e água contaminada, inalação e manuseio

Disfunção renal, anemia, alterações no sistema nervoso e reprodutivo, alterações no fígado e aumento da pressão sanguínea

Cristal líquido

Manipulação

Dermatite

CFCs

-

Destrói a camada de ozônio, causando efeitos indiretos ao ser humano

Mercúrio

Ingestão de alimentos, como peixes e crustáceos contaminados, inalação e manuseio

Lesões renais, alterações neurológicas, alterações no sistema digestivo

Níquel

Manipulação

Dermatite

Ingestão de água e alimentos contaminados

Alterações no sistema digestivo

Inalação de poeira contendo este metal

Alteração de células sanguíneas, alterações renais e comprometimento pulmonar (Continua)


Os impactos dos resíduos de equipamentos eletroeletrônicos na saúde  119 TABELA 7.2  Efeitos das substâncias tóxicas, presentes nos REEE, em seres humanos (cont.). Substância

Via de contaminação

Efeito

Poeira de carbono Inalação de poeira e negro de fumo

Comprometimento pulmonar

PVC

Manipulação

Dermatite

Inalação de dioxinas e furanos decorrentes de incineração

Alterações no aparelho reprodutivo e no ­sistema linfático, ação teratogênica e carcinogênica

Manipulação

Diversos efeitos em animais que ainda estão em avaliação para seres humanos foram observados em exposições crônicas, entre eles efeitos neurotóxicos, no sistema endócrino e imunológico

Inalação

Inalação de dioxinas e furanos decorrentes de incineração

Manipulação

Dermatite

Inalação de poeira contendo esse metal

Irritação do trato respiratório e substância potencialmente carcinogênica

Retardantes de chama bromados

Antimônio

Fonte: ANDRADE-LIMA, 2012.

TABELA 7.3  Distribuição de níveis elevados de metais pesados e oligoelementos na urina a partir da exposição ou não durante o manuseio de resíduos eletroeletrônicos. Metais pesados e oligoelementos na urina

Padrão de Tamanho da amostra referência (ppm)

Ba

Níveis médios na urina (ppm)

Proporção com níveis elevados de metais pesados ou oligoelementos na urina (%)

N exposto

N não-exposto

Exposto

Não exposto

Exposto

Não exposto

< 0,6

86

86

0,72

0,75

24,4

20,8

Cd

< 0,0001

33

33

0,01

0,02

100,0

75,0

Co

< 0,01

47

47

0,04

0,03

97,9

100,0

Cr

< 0,01

64

64

0,15

0,06

100,0

100,0

Cu

< 0,06

86

86

1,50

1,13

100,0

100,0

Fe

N/A

86

86

3,52

3,18

N/A

N/A

Hg

< 0,004

24

24

0,13

0,16

100,0

100,0

Mn

N/A

86

86

0,08

0,12

N/A

N/A

Pb

< 22,8

32

32

0,44

0,19

0,0

0,0

Se

N/A

36

36

0,39

0,20

N/A

N/A

Zn

< 1,4

85

85

3,66

2,72

91,8

79,2

Fonte: FRANDSEN et al., 2011.


120  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos particularmente vulneráveis porque seu sistema neurológico se encontra em fase de desenvolvimento (CHEN et al., 2011). Em níveis sanguíneos elevados (>50 mg/dL), o chumbo pode provocar efeitos agudos em crianças que vão desde sintomas gastrointestinais a graves efeitos neurológicos e, eventualmente, encefalopatia e morte. Em níveis mais baixos (≥10 mg/dL), estudos epidemiológicos mostram efeitos como menor quociente de inteligência e dificuldades de aprendizagem (CDC, 2007). Exposições no útero, pelo leite materno ou na primeira infância, podem ser responsáveis por esses efeitos (WHO, 2007, ROTHERNBERG, 2008). Estudo de coorte na China encontrou associação entre concentrações maiores de cádmio no sangue do cordão umbilical e déficit em escala de inteligência na idade pré-escolar, após ajuste para os níveis de chumbo no sangue umbilical (TIAN et al., 2009). O mercúrio é um dos metais mais associados a problemas no desenvolvimento neurológico de crianças e fetos por ter a capacidade de atravessar as barreiras hemato-encefálica e placentária, chegando ao cérebro e aos rins (ATSDR, 1999). Nos níveis subclínicos e populacional, vários estudos em diferentes partes do mundo reportam alguma alteração no estado neurológico, e desenvolvimento mais lento em recém-nascidos e crianças expostas ao metil-mercúrio (MeHg) durante a gestação ou na primeira infância (MERGLER et al., 2007). Como os metais, os poluentes orgânicos persistentes (PCBs, PBB, PBDEs e Dioxinas e Furanos) estão relacionados a efeitos no sistema nervoso, principalmente em crianças e fetos. Os PCBs são neurotóxicos e podem causar efeitos no desenvolvimento de crianças e fetos (TRIPATHI, 2009). Afetam ainda as funções cognitivas como função visual-espacial, memória, atenção e função motora (BOUCHER et al., 2009; SCHANTZ et al., 2003). Exposição no período pré-natal a níveis mais altos de PBDEs estão associadas a neurotoxicidade em crianças (ESKENAZI et al., 2011). Há uma preocupação maior com a suscetibilidade de crianças aos PBDEs, pois em geral, elas apresentam concentrações séricas de 2 a 3 vezes maiores do que seus pais (TOMS et al., 2009). Estudo realizado com crianças em idade pré-escolar mostrou que a exposição pré-natal aos PBDEs pode ter consequências nos níveis de hormônios tireodianos, podendo também ocasionar alterações no neurodesenvolvimento (HERBSTMAN et al., 2008). Na exposição crônica, as dioxinas estão associadas a danos no sistema nervoso. Estudos com crianças indicaram atraso no neurodesenvolvimento e efeitos neurocomportamentais, incluindo hipotonia neonatal (WHO, 2003, 2010). Trabalhadores que lidam diretamente com resíduos, principalmente no setor informal, encontram-se mais expostos a esses contaminantes e a seus efeitos, por apresentar uma situação de maior vulnerabilidade social e de saúde (FERREIRA; DOS ANJOS, 2001).

7.2.1  Medidas preventivas O uso de equipamentos de proteção individual (EPI) e coletiva (EPC) são os principais instrumentos de medida preventiva em relação a exposição aos agentes tóxicos presentes nos resíduos tecnológicos.


Os impactos dos resíduos de equipamentos eletroeletrônicos na saúde  121 Apesar de ainda não haver regulamentação específica a respeito dos procedimentos de proteção para a manipulação dos REEE, sabe-se que há riscos nas etapas de transporte, acondicionamento, desmontagem e prensagem. Dessa forma, o uso de máscara ou óculos de proteção, luvas, avental e outros equipamentos de proteção individual. Para a efetiva identificação dos equipamentos necessários, tanto para proteção individual quanto para proteção coletiva, é importe identificar os principais riscos inerentes aos processos.

7.3  Os impactos decorrentes da destinação inadequada desses produtos Os resíduos de equipamentos eletroeletrônicos são química e fisicamente distintos de outras formas de resíduos urbanos ou industriais, pois contêm materiais tanto valiosos quanto perigosos em sua composição. Necessitam de tratamento e métodos de reciclagem especiais para evitar a contaminação ambiental e a ocorrência de efeitos nocivos à saúde humana (ROBINSON, 2009). O descarte inapropriado e a reciclagem inadequada de REEE geram emissões perigosas, com impacto na saúde e no meio ambiente. Nesse contexto, três níveis de emissões tóxicas devem ser diferenciadas (UNEP, 2009): Emissões primárias, decorrentes de substâncias perigosas presentes no resíduo eletrônico (chumbo, mercúrio, arsênio, bifenilaspolicloradas (PCBs), fluidos de refrigeração etc.); j Emissões secundárias, decorrentes de reações resultantes do tratamento inadequado do resíduo eletrônico (dioxinas e furanos originários de incineração inadequada de plásticos contendo retardante de chama halogenado), e j Emissões terciárias, decorrentes do uso de substâncias ou reagentes empregados durante o processo de reciclagem (cianeto ou outros agentes lixiviadores, mercúrio para amalgamação etc). j

Dessa maneira, o manejo adequado dos REEE é uma importante estratégia de preservação do meio ambiente, bem como de promoção e proteção da saúde. Tradicionalmente, as formas mais habituais de destinação final dos REEE incluem a deposição no solo em lixões ou aterros, a incineração e a reciclagem.

7.3.1 Aterros Como os demais resíduos sólidos produzidos em áreas urbanas, a maior parte dos REEE é depositada em aterros (ROBINSON, 2009). Nos EUA, por exemplo, foram gerados cerca de 2,3 milhões de toneladas de REEE em 2007, sendo que apenas 18,4% foram coletados para reciclagem. O restante foi, provavelmente, encaminhado para aterros (USEPA, 2008). Estima-se que cerca de 70% dos metais pesados (mercúrio e cádmio) e 40% do chumbo


122  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos presente em aterros sanitários dos EUA sejam originários de resíduos de equipamentos eletroeletrônicos (WIDMER, 2009). Uma vez acondicionados em aterros, os REEE podem acarretar impactos indiretos à saúde humana, pelo comprometimento da qualidade do solo e da água; por exemplo, pela contaminação por metais pesados (GIUSTI, 2009). A decomposição da matéria orgânica presente nos resíduos sólidos depositados em aterros resulta na formação de um líquido de cor escura, o chorume. Este pode lixiviar os produtos químicos e metais pesados presentes nos REEE, levando à contaminação do solo e das águas superficiais ou subterrâneas (lençol freático) (DAGAN et al., 2007). A disposição de REEE no solo em lixões ou aterros constitui uma importante fonte de exposição humana a várias substâncias tóxicas. As principais rotas de exposição a esses contaminantes são a dispersão do solo e do ar contaminados (WARD et al., 1996), a lixiviação e a percolação do chorume (EL-FADEL et al., 1997). O último pode ocorrer não apenas enquanto o lixão ou o aterro está em funcionamento, mas também depois de sua desativação, uma vez que os resíduos continuam a degradar. Estudos têm indicado que áreas próximas a aterros apresentam níveis elevados de compostos orgânicos e metais pesados (SISSINO; MOREIRA, 1996) e que populações residentes nas proximidades desses locais apresentam níveis elevados desses compostos no sangue (SANTOS et al., 2003). Esses depósitos de resíduos sólidos que recebem REEE constituem potenciais fontes de exposição, tendo sido relatados riscos aumentados para diversos tipos de câncer (GOLDBERG et al., 1995; 1999; PUKKALA; PÖNKÄ, 2001), anomalias congênitas (PALMER et al., 2005; ELLIOT et al., 2009), baixo peso ao nascer (idem ibidem), abortos e mortes neonatais (DUMMER, 2003) nessas populações. Destaca-se que os aterros controlados com forros e sistema de coleta de chorume não estão isentos dos riscos decorrentes do depósito de REEE, ainda que os potenciais impactos ambientais sejam consideravelmente maiores quando esses resíduos são depositados em aterros não controlados (JANG; TOWNSEND, 2003).

7.3.2 Incineração Apesar de ainda pouco utilizada no Brasil, a incineração vem sendo apontada como importante destinação final para os resíduos sólidos urbanos, principalmente quando acoplada à recuperação energética. Nos EUA, cerca de 2% de todo o REEE é enviado para incineração (USEPA, 2008). Entretanto, a incineração de resíduos contendo material eletroeletrônico também traz riscos à saúde, uma vez que produz quantidades variadas de substâncias tóxicas, como gases, partículas, metais pesados, compostos orgânicos, dioxinas e furanos emitidos diretamente na atmosfera (WHO, 2007; SEPA, 2011; LI et al., 2007). Por exemplo, as partes plásticas desses equipamentos podem conter substâncias como retardantes de chama, as quais, ao serem submetidas à incineração, liberam dioxinas e furanos (WIDMER, 2005; LI et al., 2007). Pode haver também a emissão de partículas e outros poluentes atmosféricos, principalmente quando a incineração de dejetos ocorre sem o uso de equipamentos de


Os impactos dos resíduos de equipamentos eletroeletrônicos na saúde  123 c­ ontrole adequados. As cinzas remanescentes da incineração também contêm componentes perigosos que necessitam de descarte adequado (LI et al., 2007). A incineração, antes da deposição em aterros, pode também aumentar a mobilidade dos metais pesados presentes nesses resíduos, em especial a do chumbo (GULLETT et al., 2007). De modo geral, os impactos da incineração de REEE se estendem para além das áreas de tratamento final dos resíduos, afetando toda a população. A contaminação de populações residentes em áreas próximas a incineradores se dá diretamente (pela inalação de ar contaminado) ou indiretamente (por meio do consumo de água ou alimentos contaminados, ou pelo contato dérmico com solo contaminado) (FRANCHINI et al, 2004). Vários estudos apontam que a exposição da população à emissão de incineradores está associada a risco aumentado para alguns tipos de câncer (VIELET et al., 2008; ELLIOT et al., 1996), bem como ao aumento da ocorrência de desfechos indesejados da gravidez, incluindo o baixo peso ao nascer e as anomalias congênitas (FRANCHINI et al., 2004; CORDIER et al., 2004).

7.3.2.1 Reciclagem Existe consenso de que a reciclagem e o reaproveitamento de materiais como matéria-­ prima para um novo produto são atividades benéficas para o meio ambiente. O processo de reciclagem é muito importante para reaproveitar as substâncias de valor existentes na composição dos REEE: uma tonelada de computador descartado contém mais ouro do que 17 toneladas métricas de minério de ferro, além de apresentar níveis mais baixos de elementos nocivos comuns à mineração, tais como o arsênio, mercúrio e enxofre (USGS, 2001). Porém, os subprodutos tóxicos gerados a partir do processo de reciclagem dos equipamentos eletroeletrônicos podem afetar direta ou indiretamente a saúde e o meio ambiente, colocando também em risco os trabalhadores da reciclagem. O processo de reciclagem é similar para a maioria dos equipamentos eletroeletrônicos, apresentando, de modo geral as seguintes etapas (UNEP, 2009; EEA, 2002): Desmontagem: ocorre a remoção de componentes que possuem substâncias perigosas como chumbo, mercúrio, CFC (cloroflúorcarbono), e a remoção das partes que apresentam substâncias de valor, como cobre, aço, ferro e metais preciosos. Nessa etapa, existe risco de contaminação do meio ambiente e do trabalhador, pois a armazenagem inadequada e erro durante a desmontagem podem liberar líquidos e gases tóxicos. Além disso, há o impacto que pode advir da poeira, contendo substâncias tóxicas, produzida no processo de desmanche e desmontagem dos produtos. j Segregação de metais ferrosos, não ferrosos e plásticos: ocorre geralmente no processo de moagem e quebra. Há novamente a possibilidade de contaminação ambiental e humana, pela inalação da poeira ou de gases voláteis. Havendo aquecimento ou queima de partes plásticas que contenham retardantes de chama, pode ocorrer a liberação de dioxinas. j Reciclagem e recuperação de materiais de valor: os metais ferrosos são colocados em fornos elétricos, os não ferrosos são derretidos e os metais preciosos passam por j


124  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos processo de separação. Nessa etapa, os riscos ao meio ambiente e ao homem dependem do tipo de material a ser reciclado. Na reciclagem de ferro/aço em fornos elétricos, há o risco de emissões de dioxinas, e de cádmio; na reciclagem de cobre, há o risco de emissão de metais pesados e voláteis, e na reciclagem do alumínio, há a emissão de SO2 e NOx. j Tratamento e disposição de materiais perigosos e resíduos: o mercúrio é geralmente reciclado ou disposto no subsolo de aterros; os CFCs são tratados termicamente, e os PCBs são incinerados ou armazenados em compartimentos no subsolo. O descontrole das atividades de reciclagem em qualquer dessas etapas pode ter consequências ambientais graves e expor os trabalhadores do setor e a população geral a misturas perigosas de metais e outros poluentes (LADOU, 2008; LOVEGROVE, 2011). Apesar de inexistirem estudos que avaliem os riscos de contaminação decorrentes do trabalho de reciclagem de REEE no Brasil e na América Latina, existem indícios de que a manipulação inadequada de alguns tipos de resíduos encontrados normalmente em galpões pode levar à contaminação por metais pesados, principalmente por chumbo, mercúrio e cádmio (UNEP, 2009; WONG et al., 2007). Alta concentração de chumbo, em níveis capazes de interferir no desenvolvimento cognitivo, pode ser detectada em crianças cujos pais estiveram envolvidos no trabalho de reciclagem de baterias em cidade do interior do Estado de São Paulo (FREITAS et al., 2007). Realizado na cidade de Porto Alegre, estudo apontou para um possível risco de contaminação por metais, decorrente do processo de reciclagem em uma comunidade de recicladores. Os dados encontrados revelaram que crianças, filhos de pais com atividade ligada à reciclagem, apresentaram prevalência aumentada de contaminação por chumbo (FERRON et al., 2012). A reciclagem dos REEE tem importância econômica e ambiental por recuperar componentes reutilizáveis, especialmente metais preciosos, além de criar empregos para as populações mais pobres, ajudando na erradicação da pobreza. No entanto, devido à falta de instalações apropriadas, altos custos trabalhistas e regulamentação ambiental exigente, os países mais ricos tendem a não reciclar seus resíduos eletroeletrônicos. Em vez disso, eles são depositados em aterros ou são exportados para países mais pobres, onde podem ser reciclados por meio de técnicas primitivas e com pouca consideração pela proteção do meio ambiente e a segurança do trabalhador (ROBINSON, 2009).

7.4  Considerações finais A crescente demanda por equipamentos eletroeletrônicos e o consequente aumento dos resíduos gerados no descarte desses produtos tornou-se, nos dias atuais, uma das questões ambientais da maior relevância. Esses REEE contêm inúmeras substâncias tóxicas com potencial para causar danos à saúde humana, incluindo efeitos importantes no sistema nervoso central. Não há ainda destinação que possa ser considerada completamente segura


Os impactos dos resíduos de equipamentos eletroeletrônicos na saúde  125 para os REEE. Para evitar, ou pelo menos minimizar, possíveis danos ao meio ambiente e a saúde humana, é fundamental que sejam desenvolvidas medidas e ações que objetivem prevenir a geração desse tipo de resíduo, assim como desenvolver, aprimorar e operacionalizar tecnologias apropriadas para seu tratamento. A prevenção passa pela necessidade de uma mudança cultural e comportamental da sociedade, em direção à revisão de nossos padrões de produção e consumo. Devemos estar atentos à possibilidade de o consumo estar apenas servindo para reafirmar nossa identidade ou para preencher necessidades meramente existenciais. Além disso, é importante também minimizar a quantidade e a periculosidade dos resíduos produzidos, seja pela fabricação de produtos de maior durabilidade, fáceis de consertar e reciclar, seja pela redução do teor de substâncias perigosas presentes nos produtos (SEPA, 2011). Por fim, deve-se reforçar o reaproveitamento ou a reutilização de materiais presentes nesses produtos, pois, além de evitar a eliminação dos mesmos no meio ambiente, há grande economia no uso de recursos naturais, minimizando o impacto ambiental de sua extração da natureza. Como consequência direta desses processos, haverá diminuição na emissão de gases de efeito estufa responsáveis pelo aquecimento global, o que trará benefícios secundários à saúde humana. Quanto ao tratamento dos resíduos gerados, deve-se procurar aprimorar as técnicas atualmente existentes de reciclagem de tais produtos, assim como buscar minimizar a disposição final dos rejeitos. Além de trazer benefícios diretos pela economia de recursos naturais, reciclagem de REEE tem sido utilizada nos países em desenvolvimento como forma de inclusão social, seja pela geração de renda direta para cooperativas de trabalhadores, seja pelo desenvolvimento de projetos sociais com a reutilização desses produtos. Portanto, a incineração e a disposição final em aterros devem ser as últimas opções de destinação dos resíduos de equipamentos eletroeletrônicos. O objetivo final deve ser assegurar que as quantidades de resíduo eletroeletrônico gerado sejam minimizadas, e que o resíduo gerado seja reciclado e descartado de maneira a mais adequada, para reduzir impactos sobre a saúde humana e o meio ambiente.

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Viviane Tavares de Moraes, Denise Crocce Romano Espinosa, Luciana Lopes Lucena

Capítulo 8

Tecnologias de tratamento para resíduos de equipamentos eletroeletrônicos RESUMO

A inovação e a sustentabilidade caracterizam os principais critérios a serem considerados na gestão dos REEE. As tecnologias hoje disponíveis nem sempre são suficientes para a efetiva gestão dos resíduos tecnológicos ou se adequam aos critérios de sustentabilidade. O descarte inadequado dos resíduos tecnológicos é uma questão que exige o desenvolvimento de soluções otimizadas e de baixo custo. Dessa forma, a introdução de agentes inovadores na cadeia da destinação e disposição de REEE devem ser priorizados.

8.1 Introdução A gestão de Resíduos de Equipamentos Eletroeletrônicos (REEE) é uma categoria específica que tem fomentado discussões no âmbito político e técnico por duas razões principais: o impacto negativo da contaminação ambiental por metais e o consumo energético ao longo de sua vida útil. A esse respeito, os países desenvolvidos consolidaram regulamentações sobre a sustentabilidade ambiental e os regulamentos de eficiência energética ao longo das últimas duas décadas. As Diretivas europeias, bem como as respectivas leis de cada país-membro, são reconhecidas como o mais rigoroso arcabouço relacionado à gestão

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130  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos ambiental de resíduos eletroeletrônicos até o momento. Os documentos que regulamentam a gestão de equipamentos eletroeletrônicos pós-consumo ainda não consideram o significativo passivo ambiental que já se encontra estabelecido na maioria dos países. Da mesma forma que os equipamentos eletroeletrônicos incorporam significativo potencial tecnológico em sua fabricação, demandam recursos tecnológicos para a gestão de seus resíduos. Os REEE são compostos basicamente por polímeros, metais e cerâmicos. Diversos plásticos podem ser encontrados nos REEE. O plástico dos monitores, que envolvem os tubos CRT, por exemplo, são do tipo ABS. Os teclados são do tipo polietileno de alta densidade (PEAD) e possuem em seu interior uma membrana de silicone. Os cabos possuem revestimento em PVC. Dos materiais cerâmicos pode-se destacar o vidro, encontrado em monitores, enquanto as placas de circuito impresso (PCIs) possuem camadas de cobre entre finíssimas lâminas de polímeros e fibra de vidro. As soldas, capacitores e conectores são também compostos por metais como: cobre, ferro, alumínio, estanho, tântalo, gálio, ouro, prata, cromo, mercúrio, cádmio, zinco, níquel e chumbo. Na etapa de triagem de alguns materiais que compõem os REEE é relativamente fácil, a segregação dos componentes plásticos e de parte dos metais pode ser feita manualmente. No entanto, grande parte dos metais permanece aderida à estrutura das placas de circuito impresso, juntamente com materiais poliméricos e cerâmicos, o que caracteriza a dificuldade na sua separação. A complexidade na separação dos tipos de materiais acarreta na associação de diversas operações unitárias. Um exemplo é a separação dos materiais presentes em fios e cabos elétricos, que podem ser triturados e submetidos à separação gravimétrica com o objetivo de separar os materiais por diferença de densidade. Existem diferentes técnicas para a retirada dos metais das placas de circuito impresso, que vão desde o aquecimento para a remoção das soldas e conectores, até a trituração e solubilização do material em meio aquoso. O grau de separação dos resíduos é responsável pela qualidade do material a ser gerado na reciclagem. Materiais pré-processados ou triados de forma incorreta podem gerar a contaminação de lotes de matéria-prima secundária e, assim, geram-se produtos fora de conformidade, acarretando prejuízos ao longo do processo. Por outro lado, a devida separação dos materiais agrega valor à cadeia da reciclagem e impacta positivamente as perspectivas socioambientais.

8.2  Resíduos de Equipamentos Eletroeletrônicos (REEE) Os resíduos de equipamentos eletroeletrônicos, também conhecidos pelas siglas REEE e WEEE (em inglês – waste eletrical eletronic equipment) podem ser compostos de componentes, periféricos, partes de equipamentos, peças de reposição ou ainda, de equipamentos eletroeletrônicos inteiros. Estes materiais se tornam resíduo a partir do momento em que não apresentam utilidade em sua forma original; isto ocorre quando apresentam defeitos na fabricação, pararam de funcionar, ou ainda se tornaram obsoletos em relação à tecnologia (WIDMER et al, 2005; LI et al, 2004).


Tecnologias de tratamento para resíduos de equipamentos...   131 Alguns exemplos de resíduos provenientes de equipamentos eletroeletrônicos são os: refrigeradores, formos elétricos, televisores, calculadoras, aparelhos de DVD, rádio, MP3, aparelhos de telefonia celular, computadores, pilhas e baterias, placas de circuito impresso, tubos de raio catódico (CRT – cathode ray tube), peças plásticas, carcaças metálicas e poliméricas, e telas de cristal líquido (LCD – liquid crystal display). A indústria eletroeletrônica divide esses equipamentos para uso doméstico em grandes grupos, classificados por linha: branca, marrom, verde e azul (ESPINOSA, 2002). 1. A linha branca caracteriza-se basicamente por equipamentos de grande porte, tais como lavadoras, geladeiras, fogões, micro-ondas e ar condicionado. 2. A linha marrom é composta por produtos como televisões, videocassetes, DVDs, e rádios; basicamente equipamentos de imagem e som. 3. A linha verde corresponde aos computadores, notebooks, aparelhos celulares, tablets e impressoras. 4. A linha azul pode ser considerada como equipamentos portáteis ou de pequeno porte, como os aspiradores de pó, batedeiras, cafeteiras, ferros de passar roupa, liquidificadores, secadores e modeladores. Contudo, esta classificação não engloba todos os eletroeletrônicos de uso doméstico. É importante citar as pilhas, baterias e lâmpadas, que são itens presentes em muitos equipamentos eletroeletrônicos e que podem conter substâncias tóxicas. Com o avanço tecnológico no desenvolvimento de novos produtos eletroeletrônicos, a troca de equipamentos com mais funções se transforma em um incentivo para o descarte de equipamentos, que muitas vezes não se esgotaram, mas sim se tornam ultrapassados. Um exemplo claro desse avanço tecnológico são os equipamentos de som que até 1980 era comum os encontrar na forma de discos de vinil, enquanto que atualmente se passa pela transição de mídias de CD e aparelhos de MP3; outro exemplo é o aparelho de videocassete que foi substituído por equipamentos de DVD; televisores de tubo de raio catódico por telas de cristal líquido e plasma (MORAES, ESPINOSA e TENÓRIO, 2009). A grande preocupação ambiental que envolve os resíduos de equipamentos eletroeletrônicos está ligada a quantidade de resíduos gerados anualmente, composição dos materiais e tecnologia de tratamento. Estima-se que a produção global de resíduos eletroeletrônicos está em torno de 20 a 25 milhões de toneladas por ano, sendo que a maioria é produzida na Europa, EUA e Austrália. Estima-se que a China, a Europa Oriental e a América Latina se tornarão os maiores produtores de resíduos eletrônicos até 2019. (ROBINSON, 2009). Em 1994, foi estimado que aproximadamente 7 milhões de toneladas de computadores se tornaram obsoletos em todo o mundo, enquanto que em 2004 foi estimada uma quantidade equivalente a 35 milhões de toneladas. Tal aumento pode estar associado ao tempo de duração de um computador, pois em 1994 a durabilidade de um computador estava em torno de 5 anos enquanto que atualmente dura 2 ou 3 anos, além da popularização desse tipo de equipamento e diminuição do preço (WIDMER et al., 2005).


132  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos Em 2012 a ABINEE (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica) identificou aumento de 9% na comercialização de computadores (PCs) em relação a 2011, o que pode chegar a 16,7 milhões de unidades de PCs. Desse montante, 6,2 milhões de unidades correspondem aos desktops e 9,1 milhões de unidades são dos notebooks e netbooks (JORGE FILHO, 2013). Um exemplo do consumo de equipamentos eletroeletrônicos pode ser evidenciado pelo tempo de vida útil de um telefone celular que em geral é de aproximadamente um ano e estima-se que cerca de 100 milhões de aparelhos de telefonia celular são descartados anualmente no mundo devido ao não funcionamento ou surgimento de novos recursos no mercado (GEYER, R. e BLASS, 2009; PARSONS, 2006; BERTUOL et al., 2005). Os resíduos eletroeletrônicos podem apresentar mais de 1.000 substâncias diferentes, muitas delas tóxicas, tais como mercúrio, chumbo, arsênio, cádmio, selênio, cromo hexavalente, e retardantes de chama que geram emissões de dioxinas quando queimados. Cerca de 70% dos metais presentes nos aterros sanitários dos EUA são provenientes de resíduos eletroeletrônicos (WIDMER et al., 2005). Além de possuírem substâncias tóxicas, esses equipamentos ocupam espaço em aterros, que muitas vezes estão esgotando sua capacidade de disposição de resíduos. Além disso, os aterros são considerados uma forma de disposição de resíduos e não uma forma de tratamento e/ou recuperação de materiais. É importante ressaltar que os resíduos eletroeletrônicos, por possuírem diversos materiais, não podem ser tratados como resíduo comum. A preocupação ambiental em se descartar estes resíduos em aterros sanitários envolve estudos relacionados a oxidação de metais, pois nos aterros ocorre a lixiviação de metais pelos ácidos orgânicos provenientes da degradação anaeróbia da matéria orgânica (TENÓRIO e ESPINOSA, 2004). Da mesma forma, a sua incineração pode gerar organohalogenados devido à presença de retardantes de chamas e resinas poliméricas. Para se viabilizar o processo de reciclagem de resíduos eletroeletrônicos é importante conhecer os materiais que os compõem a fim de se direcionar tecnologias para conseguir sua recuperação. A composição dos resíduos eletroeletrônicos são listados com suas respectivas porcentagens na Tabela 8.1 (WIDMER et al., 2005). Essa composição pode estar presente em telas de cristal líquido, tubos de raios catódicos, baterias e cabos elétricos, linha branca, marrom, verde e azul, contudo a porcentagem em peso ainda pode variar de acordo com o equipamento e ano de fabricação (idem, ibidem). Por essa razão, é interessante separar os resíduos eletroeletrônicos pelo tipo de equipamento, para se determinar a composição dos resíduos de acordo com o tipo de material, como os materiais cerâmicos, poliméricos e metálicos (MENETTI, CHAVES e TENÓRIO, 1996). Um exemplo da variação da composição de um tipo de resíduo eletroeletrônico em relação ao tipo de equipamento é a placa de circuito impresso. Na Tabela 8.2 são consideradas placas de circuito impresso de computador, rádio, TV e vídeo e pode-se verificar a variação da composição de acordo com o tipo de aparelho.


Tecnologias de tratamento para resíduos de equipamentos...   133 TABELA 8.1  Composição dos resíduos eletroeletrônicos. Composição

% em peso

Ferro e aço

47,9

Plástico sem retardante de chama

15,3

Cobre

7,0

Vidro

5,4

Plástico com retardante de chama

5,3

Alumínio

4,7

Placas de circuito impresso

3,1

Madeira

2,6

Cerâmica

2,0

Outros metais não ferrosos

1,0

Borracha

0,9

Outros

4,8

Fonte: WIDMER et al. (2005).

TABELA 8.2  Composição de placas de circuito impresso de computador, rádio, TV e vídeo. Materiais

% média

Cerâmicos

39,1

Metálicos

23,4

Poliméricos

37,5

Fonte: MENETTI, CHAVES e TENÓRIO (1996).

Dentro desta classificação dos metais presentes nestas placas de circuito tem-se ainda a subdivisão em: metais ferrosos, cerca de 11,4% e não ferrosos aproximadamente 89,6%, isto é, do total de metais (23,4%) somente 2,7% é de metais ferrosos e 20,4% é de metais não ferrosos (WIDMER et al, 2005; MENETTI, CHAVES e TENÓRIO, 1996). Outra forma de minimizar a variação da composição entre os equipamentos eletrônicos é segregar os materiais dos equipamentos conforme suas características, por exemplo, segregar dos equipamentos pilhas e baterias ou ainda remover os tubos de raios catódicos e telas de cristal líquido; as carcaças metálicas e plásticas, os cabos elétricos e as placas de circuito impresso, desta forma o tipo de tratamento pode ser direcionado, visando a melhor recuperação de materiais (CUI, J. e FORSSBERG, 2003; KOZLOWSKI, MAZUREK, e CZYZYK, 2002; TENÓRIO, 1997; TOMASEK, VADASZ e RABATIN, 2000; VEIT, PEREIRA e BERNARDES, 2002; WILLIAM e WILLIAMS, 2007). Considerando que um resíduo eletroeletrônico tenha sido segregado de acordo com o tipo de equipamento e com a sua característica, tem-se um estudo comparativo da composição das placas de circuito impresso de aparelhos de televisão, computadores e celulares, conforme apresenta a Tabela 8.3; dessa forma, é possível visualizar a diferença na composição de cada equipamento, o que, muitas vezes, pode indicar que um tratamento para


134  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos Tabela 8.3  Composição de placas de circuito impresso de computadores, televisores e celulares. Computadores % em peso Televisores % em peso Celulares % em peso Metais e fibras de vidro

32,0

32,1

83,1

Orgânico

68,0

67,9

16,9

Fonte: TOMASEK, VADASZ e RABATIN (2000).

recuperação de metais de placas de circuito impresso de celulares não pode ser o mesmo para computadores e televisores, tendo em vista a quantidade de metais discrepantes em cada um dos equipamentos. A variação entre a composição de metais e fibras de vidro de computadores e televisores está associada à composição das placas que difere para cada equipamento, isto é, nos computadores e televisores as placas de circuito impresso são face simples ou dupla (possuem uma ou duas películas de cobre), enquanto que os celulares são produzidos com placas multicamadas (que possuem pelo menos quatro camadas de cobre entre as fibras de vidro) (ABRACI; ANDRADE, 2002). Considerando a diversidade de materiais presentes nos resíduos eletroeletrônicos os processos de tratamento e recuperação devem contemplar uma série de processos que podem ser utilizados isoladamente ou associados. O que irá definir o processo de tratamento é a composição do resíduo.

8.3  Composição do resíduo A composição dos resíduos eletroeletrônicos geralmente pode ser dividida em materiais: Metálicos; Cerâmicos e j Poliméricos. j j

8.3.1  Materiais metálicos Os metais presentes em grande parte dos resíduos eletroeletrônicos podem ser divididos em: metais preciosos, metais base e metais tóxicos (SHINKUMA; HUONG, 2009). Metais preciosos: ouro, prata, paládio e platina; Metais base: cobre, alumínio, níquel, estanho, zinco e ferro; j Metais tóxicos: mercúrio, berílio, índio, chumbo, cádmio, arsênio, antimônio. j j

Os metais preciosos correspondem a 80% do valor intrínseco do equipamento, porém não chegam a 1% do peso total (ABRACI, 2010). Atualmente, a maioria dos processos foca na recuperação de metais preciosos como ouro e prata (MECUCCI; SCOTT, 2002).


Tecnologias de tratamento para resíduos de equipamentos...   135 Alguns estudos mostraram que o valor do equipamento é proporcional ao valor dos metais preciosos. Por exemplo, os metais preciosos presentes em placas de circuito impresso de televisores compreendem 70% do valor total do equipamento e 40% do valor das placas de circuito impresso de aparelhos de DVD (CUI; ZHANG, 2008). Os metais preciosos são os principais impulsionadores do mercado de reciclagem de eletroeletrônicos, seguidos do cobre e zinco (DAVENPORT et al., 2002). Com a crescente produção e consumo de equipamentos o descarte de resíduos eletroeletrônicos se torna um problema ambiental e cada vez mais estudos com este tipo de resíduo estão sendo desenvolvidos, a fim de acompanhar as mudanças na composição dos equipamentos, otimizando os processos de reciclagem. As pesquisas relacionadas aos resíduos eletroeletrônicos envolvem etapas como: carac­ terização (ESPINOSA; TENÓRIO, 2009; SOUZA, OLIVEIRA; TENÓRIO, 2001), processamento mecânico (VEIT et al., 2006; BERTUOL; BERNARDES; TENÓRIO, 2006), pirometalúrgico (ESPINOSA; TENÓRIO, 2009; SILVA et al., 2004) e hidrometalúrgico (GONCALVES; ESPINOSA; TENÓRIO, 2002) (precipitação seletiva (VEIT et al., 2006; ESPINOSA; TENÓRIO, 2008), lixiviação ácida (TAVARES et al., 2008), biolixiviação (YAMANE, 2012), eletrorefino (SOUZA; OLIVEIRA; TENÓRIO, 2008) e extração por solvente) de resíduos eletroeletrônicos visando à recuperação de materiais poliméricos, cerâmicos e metálicos (ESPINOSA; BERNARDES; TENÓRIO, 2004a; ESPINOSA; TENÓRIO, 2004a; BERNARDES; ESPINOSA; TENÓRIO, 2003) (metais preciosos (MENETTI; TENÓRIO, 1996) como o ouro e a prata; metais base como o cobre, alumínio, zinco e manganês (BERNARDES; ESPINOSA; TENÓRIO, 2004; ESPINOSA; BERNARDES; TENÓRIO, 2004b) de baterias de íons de lítio (KAMEOKA; ESPINOSA; TENÓRIO, 2009), níquel metal hidreto (TENÓRIO; ESPINOSA, 2002) e níquel cádmio (ESPINOSA; TENÓRIO, 2006a; ESPINOSA; TENÓRIO, 2006b; ESPINOSA; TENÓRIO, 2004b; ESPINOSA; TENÓRIO, 2004c); pilhas alcalinas (SOUZA; TENÓRIO, 2004); fios e cabos elétricos (ARAÚJO et al., 2008a; ARAÚJO et al., 2008b); telas de cristal líquido (MORAES, ESPINOSA e TENÓRIO, 2009) e placas de circuito impresso (WIDMER et al., 2005; TAVARES;ESPINOSA; TENÓRIO, 2009).

8.3.2  Materiais cerâmicos Os principais componentes compostos de materiais cerâmicos presentes em resíduos eletroeletrônicos são os óxidos refratários. Estes compõem principalmente os capacitores dos equipamentos, e sua composição geral pode ser (MENETTI, CHAVES e TENÓRIO, 1996): j j j j

15% sílica (vidro soda-cal; vidro borossilicato; fibra de vidro); 6% alumina; 6% óxidos alcalinos e alcalino-terrosos; 3% outros óxidos. As porcentagens podem variar de acordo com o tipo de equipamento.


136  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos Tais materiais são considerados inertes e, portanto, não causam problemas ambientais relacionados à saúde pública. Contudo, o processamento de reciclagem dos REEEs deve levar em consideração a sua composição cerâmica, tendo em vista que o processo de moagem de placas de circuito impresso, por exemplo, pode liberar fibras de vidro, causando problemas á saúde pública, como a silicose (LUZ; LINS, 2008).

8.3.3  Materiais poliméricos Os polímeros que compõem os resíduos de equipamentos eletroeletrônicos geralmente são compostos das carcaças dos aparelhos, ou de teclados, mouses, monitores e gabinetes de computadores. Além desses polímeros de fácil segregação, tem-se os polímeros presentes nas placas de circuito impresso, que compõem os equipamentos eletroeletrônicos. Os principais polímeros presentes nos REEEs são: ABS (copolímero derivado dos três monômeros: acrilonitrila, butadieno e estireno); HIPS (poliestireno de alto impacto) e PVC (policloreto de vinila), polietileno; polipropileno e policarbonatos (MENETTI, CHAVES e TENÓRIO, 1996; GERBASE; OLIVEIRA, 2012). A porção plástica pode representar, em média, 25% em peso dos REEEs. Enquanto que 5% dos plásticos são halogenados presentes nos retardantes de chama (LOUGHBROUGH, 1991; STUART, 1990; ASTM, 1983). Os retardantes de chama mais utilizados podem ser: Hidróxido de alumínio; Boratos; j Fosfatos; j Halogenados; j Trióxido de antimônio; j Hidróxido de magnésio; e j Hidróxido de alumínio. j j

A preocupação em relação aos retardantes de chama presentes em resíduos eletroeletrônicos está associada aos processos pirometalúrgicos de recuperação de materiais, que podem emitir gases como o monóxido de carbono (CO); vapor de ácido clorídrico, bromídrico e cianídrico; óxidos de nitrogênio e organohalogenados.

8.4  Métodos de tratamento de resíduos eletroeletrônicos O método de tratamento de resíduos eletroeletrônicos que envolvem a reciclagem e recuperação de materiais podem ser resumidos em três estágios: pré-tratamento/desmontagem, beneficiamento (separação e concentração) e refino físico/químico: j

Pré-tratamento ou desmontagem: separação seletiva dos componentes tóxicos e outros materiais. Exemplo: segregação de pilhas e baterias (CUI, J. e FORSSBERG, 2003; CUI; ZHANG, 2008; BURKE, 2007; RHEE et al., 1999).


Tecnologias de tratamento para resíduos de equipamentos...   137 Beneficiamento (separação ou concentração): utilização de processos físicos e/ou processos metalúrgicos para concentrar os materiais. Exemplos: moagem, separação magnética e processos piro e hidrometalúrgicos. j Refino: é o último estágio, no qual os materiais são recuperados. Exemplos: extração por solvente e eletrodeposição. j

8.4.1 Pré-tratamento ou desmontagem O pré-tratamento é a etapa de triagem, na qual pode ser feita a retirada de componentes tóxicos ou de fácil remoção, assim como a seleção dos tipos de equipamentos, isto é, separar os resíduos de LCD, CRT, placas de circuito impresso. Ainda nesta etapa pode-se incluir o processo de caracterização dos materiais que compõem os resíduos, com o objetivo de otimizar os processos físicos e metalúrgicos subsequentes. Com a caracterização dos materiais é possível identificar os processos que melhor concentram os materiais, podendo ser utilizados isoladamente ou associados. Os processos de caracterização podem ser: digestão em ácido nítrico; digestão em água régia; pirólise; perda ao fogo; classificação granulométrica; espectrometria de absorção atômica; espectrometria de espectrometria de emissão atômica por plasma acoplado indutivamente (ICP-OES); espectrometria de infravermelho por transformada de fourrier (FTIR), microscopia eletrônica de varredura com espectroscopia de energia dispersiva (MEV-EDS); calorimetria diferencial de varredura (DSC); difração de raio-X (DRX).

8.4.2  Beneficiamento O beneficiamento consiste basicamente dos processos físicos e metalúrgicos de separação e/ou concentração de materiais, que envolvem essencialmente operações unitárias de Tratamento de Minérios. O processamento físico envolve principalmente etapas como desmantelamento, moagem, separação granulométrica, separação magnética e separação eletrostática. Outras técnicas, cuja função é a separação e/ou concentração de materiais podem ser utilizadas, como por exemplo, separação em meio denso, flotação, atrição, elutriação. Já os processos metalúrgicos podem ser: etapas de hidrometalurgia e pirometalurgia.

8.4.3 Desmantelamento O processo de desmantelamento consiste na separação de componentes tóxicos ou valiosos da sucata dos equipamentos eletroeletrônicos a fim de otimizar as etapas subsequentes de tratamento, ocorrendo geralmente de forma manual para os resíduos de equipamentos eletroeletrônicos (LI et al., 2004).


138  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos Em geral as sucatas de equipamentos e produtos eletroeletrônicos são desmanteladas em baterias, tubos de raio catódico, cartuchos e toner, placas de circuito impresso, telas de cristal líquido e carcaças metálicas e plásticas (LI et al., 2004; CUI, J. e FORSSBERG, 2003).

8.4.4  Moagem O processo de moagem é um método de cominuição ou redução de tamanho para promover a liberação de materiais presentes em minérios, resíduos e sucatas através da ação mecânica (CUI, J. e FORSSBERG, 2003; LUZ et al, 1995; LUZ; SAMPAIO; ALMEIDA, 2004). Um exemplo de equipamento de impacto utilizado em tratamento de resíduos de equipamentos eletroeletrônicos são os moinhos de martelos, que são equipamentos de impacto nos quais os materiais a serem cominuídos passam por um mecanismo de compressão e abrasão (CHAVEZ; PERES, 1999). O mecanismo de fratura dos materiais é diferente em cada tipo de moinho, o que influi na liberação dos materiais e no processo de abrasão e desgaste do equipamento (CHAVEZ; PERES, 1999). Contudo, o processo de desgaste do equipamento pode incorporar ao resíduo de moagem, componentes não presentes em sua composição original, isto é, o resíduo após moagem pode ficar contaminado com o material que foi desgastado do moinho. Assim, o tempo que o resíduo permanece em processamento na parte interna do moinho pode interferir na sua contaminação, além de se considerar as características do material que se deseja moer (CHAVEZ; PERES, 1999). Quando se trata de processos de moagem de resíduos abrasivos que geralmente são formados de substâncias silicosas, é importante avaliar o tempo de moagem para não haver problemas associados à contaminação. (LUZ; SAMPAIO; ALMEIDA, 2004; CHAVEZ; PERES, 1999). As placas de circuito impresso são resíduos compostos basicamente de fibra de vidro, polímeros e metais, isto é, com exceção dos polímeros, os materiais que compõem as placas são abrasivos e, portanto, o tempo de processamento deles deve ser o mínimo possível dentro do moinho (LUZ; SAMPAIO; ALMEIDA, 2004; CHAVEZ; PERES, 1999). Apesar das placas de circuito impresso serem compostas de materiais abrasivos e, portanto, pouco recomendável para se utilizar em moinhos, os equipamentos mais utilizados e que apresentam liberação dos materiais são os moinhos de martelos e facas (VEIT, 2005).

8.4.5 Separação granulométrica A classificação granulométrica é uma técnica utilizada para separar populações de partículas com tamanhos diferentes, mediante a passagem desta população por uma ou uma série de gabaritos com aberturas fixas e pré-determinadas, conhecidas como peneiras (CHAVEZ; PERES, 1999).


Tecnologias de tratamento para resíduos de equipamentos...   139 Os equipamentos que promovem o peneiramento de materiais após a cominuição podem ser divididos genericamente em peneiras fixas, peneiras vibratórias inclinadas e horizontais e grelhas. (CHAVEZ; PERES, 1999). Para resíduos eletroeletrônicos a classificação granulométrica é realizada em peneiras vibratórias horizontais por permitir a separação por tamanho de partícula e facilitar a etapa de caracterização dos materiais através de análises químicas possibilitando a identificação das frações que concentram metais, cerâmicos e polímeros (CUI, J. e FORSSBERG, 2003).

8.4.6 Separação magnética A separação magnética é um método de concentração para o beneficiamento de minérios e remoção de materiais de sucatas, no qual a fração magnética é separada (LUZ et al, 1995). Os materiais podem ser classificados em três categorias, segundo suas respostas ao campo magnético: aqueles que são atraídos e os que são repelidos pelo campo magnético, isto é, existem os materiais ferromagnéticos, que são atraídos fortemente pelo campo magnético; os paramagnéticos, que são fracamente atraídos; e os diamagnéticos, que são repelidos pelo campo (LUZ et al, 1995). A separação magnética pode ser feita com equipamentos de baixa e alta intensidade, assim como equipamentos de correia cruzada, que contemplam as duas faixas de intensidade de campo magnético (CUI, J. e FORSSBERG, 2003).

8.4.7 Separação eletrostática A separação eletrostática é um processo de concentração de minérios e materiais que considera algumas propriedades como a condutividade elétrica; susceptibilidade em adquirir cargas elétricas superficiais; forma geométrica e densidade (LUZ et al, 1995). Existem dois fatores que influenciam na separação eletrostática: a intensidade do campo elétrico para ter a capacidade de desviar uma partícula eletricamente carregada e carga elétrica superficial das partículas (LUZ et al, 1995). Assim o resíduo ou minério é separado em material condutor e não condutor, contudo ainda pode ser obtida uma fração mista, na qual parte do resíduo condutor e não condutor ficam juntos devido a algum tipo de deficiência na liberação do material (CHAVEZ; PERES, 1999).

8.4.8 Processamento pirometalúrgico Os processos pirometalúrgicos se caracterizam pelo uso de alta temperatura para o processamento de materiais (CAPONERO, 2002). O mecanismo do processo pirometalúrgico é promover a concentração de uma fase metálica e uma fase contendo escória. Na fase metálica os metais estarão em maior concentração, pois os materiais cerâmicos ficam concentrados na escória e os polímeros são


140  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos degradados termicamente por meio da quebra de ligações químicas das cadeias orgânicas através do calor (CAPONERO, 2002; HOFFMANN, 1992). A desvantagem dos processos pirometalúrgicos para a concentração de metais a partir de placas de circuito impresso está associada às emissões gasosas, pois os polímeros que constituem as placas quando submetidos à degradação térmica podem formar dioxinas e furanos, que são substâncias tóxicas.

8.4.9 Processamento hidrometalúrgico Os processos hidrometalúrgicos são processos entre a interface de uma fase sólida com uma fase líquida que pode variar de 10 °C a 300 °C (VOLSKY; SERGIEVSKAYA,1978). Estes processos inicialmente envolvem operações unitárias de lixiviação de materiais, sucata, resíduos ou minérios nos quais ocorre a dissolução de metais pela ação de soluções aquosas ou agentes lixiviantes (JACKSON, 1986). A ação dos agentes lixiviantes pode ou não ser seletiva com relação aos materiais que serão solubilizados (JACKSON, 1986).

8.4.10 Lixiviação Esta técnica permite a transferência de metais presentes em minérios e em sucatas de equipamentos eletroeletrônicos utilizando como agente lixiviante soluções ácidas, alcalinas e salinas (VOLSKY; SERGIEVSKAYA,1978). Um dos princípios da lixiviação é a avaliação dos aspectos termodinâmicos que envolvem a dissolução de metais representados por diagramas relacionando pH e potencial (diagramas E/pH). Os diagramas E/pH são construídos em sistemas de metais e água a uma determinada temperatura nos quais são determinadas regiões de estabilidade das diversas fases condensadas e solúveis (na forma iônica) (JACKSON, 1986). Esses diagramas são conhecidos também como Diagrama de Pourbaix. A Figura 8.1 apresenta um exemplo de diagrama E/pH, identificando as diversas regiões (POURBAIX, 1966). Observando a Figura 8.1, foi possível identificar áreas que representam a estabilidade termodinâmica dos diferentes compostos metálicos em função do pH e potencial eletroquímico para uma dada temperatura. A região descrita como “metal na forma insolúvel” é a zona na qual o metal apresenta um comportamento inerte ou se mantém em sua forma metálica (POURBAIX, 1966). A zona de dissolução de metais é a zona na qual as reações de lixiviação são possíveis e, portanto, o metal se encontra na forma iônica estável. A área de metal na forma insolúvel é a zona na qual ocorrem as reações de formação de óxidos ou de hidróxidos insolúveis (POURBAIX, 1966). A região delimitada pelas linhas “a” e “b” é a região de estabilidade da água, isto é, acima da linha “b” tem-se a evolução de O2 (potencial oxidante) e abaixo da linha “a” tem-se a liberação de H2 (potencial redutor) (POURBAIX, 1966).


Tecnologias de tratamento para resíduos de equipamentos...   141

Figura 8.1  Esquema de diagrama E/pH. Fonte: JACKSON, 1986.

Após a lixiviação ou dissolução dos metais existem métodos de refino ou purificação visando a recuperação dos metais, cujos processos podem ser: biolixiviação, extração por solvente, precipitação e refino eletrolítico.

8.4.11 Processamento biohidrometalúrgico Os processos biohidrometalúrgicos também conhecido como biolixiviação envolvem lixiviação de metais com a ação dos micro-organismos, que se dá por meio de reações de oxirredução (GARCIA Jr., 1992). A lixiviação bacteriana de metais possui algumas vantagens com relação aos processos hidrometalúrgicos convencionais, dos quais se destacam: economia de insumos básicos, pois a bactéria é o agente oxidante que gera ácido; simplicidade nas instalações; não necessita de mão de obra especializada (GARCIA Jr., 1992).


142  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos O processo biológico de lixiviação promove a oxidação dos sulfetos metálicos, que pode ocorrer de forma direta ou indireta. No processo direto o oxigênio é o agente oxidante, enquanto que o processo indireto tem como agente oxidante o íon férrico. (EHRLICH, 2001). Os processos biohidrometalúrgicos foram inicialmente registrados em drenagens ácidas de minas de carvão e em minas de cobre. Nas minas de carvão as bactérias isoladas foram as Thiobacillus (Acidithiobacillus) ferrooxidans e T. thiooxidans, sendo que a primeira também foi encontrada em minas de cobre (EHRLICH, 2001). Por esta razão estudos com estes microorganismos aplicados à recuperação de metais de placas de circuito impresso tem avaliado a biolixiviação de metais nobres como o ouro e metais base como o cobre (WANG et al., 2009; OLSON; BRIERLEY, J. A. e BRIERLEY, CL, 2003). Além do pH e do potencial redox, os principais parâmetros que são controlados no processo de lixiviação bacteriana são: tempo de contato, temperatura, disponibilidade de O2 e CO2, concentração dos íons metálicos e de nutrientes minerais na lixívia, composição do mineral e tamanho das partículas, interação galvânica entre os minerais presentes e estrutura química e cristalina destes, além da presença de agentes químicos estranhos ao processo (WANG et al, 2009, URENTHA, 1991; BOSECKER, 1997). Para a aplicação da técnica para recuperação de metais a partir de placas de circuito impresso, alguns estudos apresentaram solubilização de metais de 40% a 60% de cobre; de 40% a 80% de chumbo e de 50% a 90% de zinco, sendo que os melhores resultados foram com uma cultura mista composta de A. ferroxidans e A. thiooxidans em concentração de 7,8g/L de resíduo de placa de circuito impresso com tamanho de partículos entre 0,5 e 1,0mm. A desvantagem associada a essa tecnologia está relacionada ao tempo de biolixiviação, que em geral leva semanas (WANG et al., 2009). Além disso, pesquisas estão sendo conduzidas para avaliar a biolixiviação de placas de circuito impresso com micro-organismos mesofílicos (temperatura de crescimento de 30 a 40 °C) termofílicos (ideal entre 40 a 55 °C), visando a recuperação de metais (BRIERLEY, J. A. e BRIERLEY, CL, 2003).

8.4.12 Refino A etapa de refino pode envolver processos físicos, metalúrgicos e eletrometalúrgicos.

8.4.12.1  Extração por solvente A extração por solvente é um processo de separação líquido-líquido que utiliza de solventes orgânicos para a recuperação de metais de forma seletiva podendo formar compostos complexos com os sais de alguns metais (VOLSKY; SERGIEVSKAYA,1978; JACKSON, 1986). Esta operação unitária envolve a transferência de massa a fim de separar um ou mais componentes de uma mistura de líquidos, por meio do contato direto com outro líquido imiscível à mistura.


Tecnologias de tratamento para resíduos de equipamentos...   143 Nessas operações, a solução mista, contendo vários metais solúveis, sofre o processo de extração por um líquido chamado de solvente orgânico. Após o contato da mistura com o solvente, um dos componentes da mistura que possui mais afinidade com o solvente se separa formando um organometálico, formando duas fases, em que o solvente com o metal agregado é conhecido como extrato e a solução residual é conhecida como fase aquosa (TREYBAL, 1996; AGUILAR; CORTINA, 2008; MIHOVILOVIC, 2001). A extração por solvente envolve duas etapas principais, a extração e a re-extração. No processo de extração a fase orgânica (solvente) é carregada com o metal de interesse que estava na fase aquosa; enquanto que na re-extração o metal carregado na fase orgânica é devolvido para uma nova solução aquosa (ROSENQVIST, 1974). A extração por solvente como técnica seletiva de recuperação de metais apresenta melhores resultados quando se faz o controle do pH durante o processo de extração.

8.4.12.2 Precipitação/Cementação O processo de precipitação química é um processo que envolve reações químicas de dupla troca entre o metal na forma solúvel e uma substância (um álcali, um sal ou um óxido) formando um sólido desse metal (VOLSKY; SERGIEVSKAYA,1978; JACKSON, 1986). Nas reações de oxirredução ou reações eletroquímicas um metal é utilizado para precipitar um segundo metal, cujo processo é mais conhecido como cementação (JACKSON, 1986). No caso da cementação, isto é, a redução do metal que está em solução aquosa, é necessário que o potencial do sistema de redução seja mais negativo que o potencial de redução do metal de interesse. (JACKSON, 1986). Esse processo também é conhecido pelas reações de deslocamento e assim se utilizam os potenciais padrões dos metais, conforme Tabela 8.4. Quanto maior a diferença entre os potenciais dos metais, maior será a facilidade em se provocar uma reação de oxirredução e, portanto, o processo de cementação.

8.4.12.3  Processo eletrometalúrgico O processo eletrometalúrgico pode ser aplicado com a técnica de eletro-obtenção, que é um processo de purificação metálica, no qual um sal metálico em solução sofre redução através de um catodo usando corrente contínua (densidade de corrente por área). A eletro-obtenção é um processo realizado com eletrólitos aquosos ou sais fundidos (CAPONERO, 2002; HOFFMANN, 1992 ; JACKSON, 1986). Na eletro-obtenção são utilizados catodos e anodos, na qual um deles é inerte e o outro é feito do metal a ser recuperado, que pode ser derivado de um processo de lixiviação preliminar ou pela adição de sais metálicos na solução da célula de eletro-obtenção (JACKSON, 1986). Os anodos devem ser preferencialmente insolúveis para evitar contaminação da solução lixiviada com outros metais além de poder formar precipitados com os metais


144  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos Tabela 8.4  Potenciais padrões de alguns metais. E0 (volts)

Sistema

Au3+ + 3e → Au0

+1,450

Pt + 2e → Pt

+1,200

2+

0

Pd + 2e → Pd 2+

0

+0,920

0

Ag + 1e → Ag

+0,799

0

Rh + 3e → Rh

+0,700

Cu + 2e → Cu

+0,337

1+

3+ 2+

0

2H + 2e → H2

0,0 – Padrão de referência

Pb + 2e → Pb

-0,126

0

Sn + 2e → Sn

-0,140

0

-0,250

0

Co + 2e → Co

-0,280

Cd2+ + 2e → Cd0

-0,402

Fe2+ + 2e → Fe0

-0,440

Zn2+ + 2e → Zn0

-0,763

Al3+ + 3e → Al0

-1,660

Mg2+ + 2e → Mg0

-2,370

1+

2+

0

2+

Ni + 2e → Ni 2+

2+

Fonte: ATKINS; LORETTA, 2001.

derivados da lixiviação, interferindo no processo de eletrodeposição do metal de interesse (JACKSON, 1986). Os catodos são formados de laminas finas do metal a ser eletrodepositado.

8.5  Consideraçoes finais Os resíduos eletroeletrônicos podem ter variação da sua composição devido ao ano de fabricação, modelo e tipo de REEE, e isto pode influenciar na escolha dos métodos de tratamento visando a recuperação de metais. Devido a esta variação da composição dos REEEs a etapa de caracterização dos materiais é essencial para se definir os processos mecânicos, hidrometalúrgicos e pirometalúrgicos que podem ser utilizados isoladamente ou em conjunto visando à recuperação e reciclagem de materiais. Contudo os processos mecânicos, hidrometalúrgicos e pirometalúrgicos têm como objetivo principal a reciclagem de materiais com valor agregado, favorecendo com isso a minimização do consumo de recursos naturais, além de aumentar a vida útil de aterros, pois os materiais reciclados não seriam mais descartados.


Tecnologias de tratamento para resíduos de equipamentos...   145

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Capítulo 9

Normalização para a cadeia reversa de eletroeletrônicos1

Marcia Regina Ewald, Daniela da Gama e Silva Volpe Moreira de Moraes

RESUMO Os aspectos envolvidos com a normalização da cadeia reversa de eletroeletrônicos são ainda pouco desenvolvidos no Brasil, mas tem ganhado importância a partir da consolidação dos instrumentos legais. Por esse motivo, os procedimentos gerenciais e técnico-operacionais referentes à destinação de produtos e materiais pós-consumo ou gerenciamento da cadeia reversa ainda necessitam da definição de referências que congreguem anseios dos gestores, comerciantes, consumidores e do poder público. Neste capítulo, são apresentadas as etapas da elaboração de um projeto de norma técnica nacional desenvolvida para a cadeia reversa de eletroeletrônicos, considerando sua importância no cenário de implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Também são apresentados os principais desafios e oportunidades criados pela elaboração do projeto. Almeja-se que, com a implementação do projeto e o consequente desenvolvimento de um sistema de avaliação e qualificação dos envolvidos na cadeia reversa, seja possível o estabelecimento de uma cadeia altamente profissional e qualificada. 1

As autoras agradecem a todos os participantes da CE: 03.111-01 Comissão de Estudos de normalização ambiental para produtos e sistema elétricos e eletrônicos envolvidos na elaboração deste projeto.

149


150  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos

9.1 Introdução Os resíduos eletroeletrônicos apresentam particularidades que demandam um tratamento pós-consumo diferenciado e especializado. Estes são compostos por materiais heterogêneos, podendo incluir substâncias perigosas e, em determinados casos, chegam a apresentar um alto valor agregado, considerando a ocorrência de materiais recicláveis de interesse da indústria de transformação e metais nobres ou raros em sua composição. No entanto, em vários países, não há regulamentação específica ou qualquer forma de fiscalização a respeito dos riscos decorrentes da destinação e manuseio inadequados desses resíduos. Em contrapartida, as diretivas da Comunidade Europeia representam um importante conjunto de orientações com definição de procedimentos, metas e prazos para o gerenciamento da cadeia reversa de eletroeletrônicos. Essas diretivas estimularam a elaboração de leis específicas em cada país-membro e influenciaram iniciativas similares em países que possuem relação comercial com a Comunidade Europeia. No Brasil, um avanço no setor de resíduos sólidos foi o estabelecimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), Lei n° 12.305/2010, Decreto n° 7.404/2010, que visa ao correto gerenciamento da cadeia reversa de eletroeletrônicos. Consequentemente, percebe-se a necessidade da elaboração de instrumentos normativos que apoiem a execução da PNRS. De acordo com pesquisa realizada pelas autoras, visando identificar a opinião dos participantes cadastrados na Comissão de Estudos de normalização ambiental para produtos e sistema elétricos e eletrônicos do ABNT/CB-03 Comitê Brasileiro de Eletricidade, sobre a importância da elaboração de projetos de Norma relacionados à cadeia reversa de eletroeletrônicos, 94% do total de 34 respondentes (valor correspondente a uma taxa de retorno de 31% do total pesquisado), consideram essa elaboração essencial ou muito importante. A população da pesquisa constitui-se de 109 respondentes, representando as seguintes

Gráfico 9.1  Perfil dos participantes da pesquisa. Fonte: Elaboração própria.


Normalização para a cadeia reversa de eletroeletrônicos  151

Gráfico 9.2  Grau de importância na elaboração de projetos de Norma relacionados à cadeia reversa de eletroeletrônicos.3 Fonte: Elaboração própria.

categorias: produtores de eletroeletrônicos ou associações de produtores, recicladores de resíduos de equipamentos eletroeletrônicos (REEE) ou associações de recicladores, academia ou centro de pesquisa, entre outros.2 Dessa maneira podemos afirmar que os dados acima validam a percepção da necessidade da criação de documentos normativos especificamente relacionados à cadeia reversa de eletroeletrônicos. Nesse sentido, a partir de proposição do Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, foi iniciada e coordenada a elaboração de norma para a cadeia reversa de eletroeletrônicos, agregando os interesses de produtores de eletroeletrônicos, recicladores de resíduos eletroeletrônicos e governo. Esta norma técnica foi publicada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) em março de 2013, denominada ABNT NBR 16156:2013 - Resíduos de equipamentos eletroeletrônicos - Requisitos para atividade de manufatura reversa, e tem como escopo o estabelecimento de requisitos para proteção ao meio ambiente e para o controle dos riscos de segurança e saúde no trabalho na atividade de manufatura reversa de resíduos eletroeletrônicos.

2

De acordo com os respondentes, enquadram-se na categoria “outros” os prestadores de serviços, organizações sem fins lucrativos, empresas de economia mista e consultorias. 3 O grau de importância foi definido na pesquisa como essencial, muito importante, importante, pouco importante e desnecessário, baseado no método da Escala Likert.


152  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos

9.2  A necessidade de normalização para a gestão da cadeia reversa dos equipamentos eletroeletrônicos O aumento do número de requisitos ambientais pode ser percebido não só no meio industrial, mas também no dia a dia dos consumidores de equipamentos eletroeletrônicos. Basta uma análise superficial para constatar a existência de uma série de marcações e selos com objetivos diretos ou indiretos de proteção ao meio ambiente e saúde humana, que são encontrados em produtos, acessórios e embalagens de eletroeletrônicos. Podemos citar alguns, tais como: a marcação CE (REGULAMENTO CE N°765/2008) e o símbolo para marcação dos eletroeletrônicos (Diretiva 2012/19/ UE) na Comunidade Europeia; o selo Blauer Engel – certificação alemã para produtos e serviços com impacto ambiental reduzido ou positivo –, no Brasil, o selo Procel de eficiência energética e o selo Colibri (Qualidade ambiental-ABNT), além das simbologias técnicas para identificação de materiais utilizados na fabricação de partes e peças que constituem os equipamentos. A cadeia reversa dos produtos eletroeletrônicos pode se beneficiar dessas informações ao tratar os resíduos eletroeletrônicos (REEE) de maneira diferenciada quando a informação sobre a origem e materiais constituintes é clara e disponível. Porém, em muitos casos não é possível identificar marcações em todas as partes do produto já que os requisitos ambientais e de rotulagem não são uniformes ou não seguem padrões globais. Além da diversidade de materiais e da falta de informações para a cadeia reversa dos eletroeletrônicos; um produto eletroeletrônico, como um aparelho celular, pode conter mais de 40 elementos da tabela periódica, incluindo metais básicos, como: cobre (Cu) e estanho (Sn); metais raros, como: cobalto (Co), índio (In) e antimônio (Sb); e metais preciosos, como: prata (Ag), ouro (Au) e paládio (Pd) (UNEP, 2009); além de possuir diferentes valores de mercado e diferentes formas de destinação e poder apresentar metais pesados (chumbo, cádmio, cromo hexavalente, entre outros) em sua composição. Todas as variáveis e dificuldades associadas, aliadas à inexistência de requisitos ambientais específicos para a cadeia reversa de eletroeletrônicos no Brasil, tornam os compradores dos produtos e serviços desta cadeia reversa inseguros em relação à escolha de um fornecedor que atenda a todos os requisitos impostos pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), especialmente em relação à responsabilização das partes e destinação correta dos REEE. As perguntas que têm sido feitas pelos envolvidos na cadeia reversa de eletroeletrônicos – desde o início do processo até a destinação final dos resíduos – em relação à qualificação de fornecedores nas atividades de reciclagem são: Como especificar os requisitos de aquisição em consonância com as premissas da PNRS e legislações ambientais vigentes? j Como verificar a padronização e garantia da realização de procedimentos essenciais para manutenção do meio ambiente e saúde do trabalhador durante os processos envolvidos na cadeia reversa? j Como reduzir custos de auditorias para qualificação desses fornecedores? j


Normalização para a cadeia reversa de eletroeletrônicos  153 Ainda pela ótica dos fornecedores da cadeia reversa, há o questionamento sobre quais são os requisitos exigidos e a forma demonstrara todo o mercado – de maneira clara e uniforme – o atendimento das exigências por todos os interessados em um tipo de atividade que possui características tão particulares. Uma forma reconhecida para qualificação de fornecedores é a avaliação das atividades deste fornecedor da cadeia reversa pela verificação do atendimento a requisitos de um sistema de gestão certificável. Assim, é possível, por meio da elaboração de requisitos específicos, definir claramente as necessidades das partes interessadas e os formatos dos controles necessários e dos processos de comunicação entre as partes, assim como promover uma relação de confiança e a padronização de princípios e informações mínimas entre os diferentes fornecedores da cadeia. Dessa forma, a elaboração de normas técnicas para a atividade da cadeia reversa se torna uma ferramenta eficiente para a uniformização necessária e desejada por todas as partes envolvidas. Considerando as particularidades e necessidades envolvidas na gestão dos resíduos eletroeletrônicos e o fato de uma norma técnica ser um “documento estabelecido por consenso e aprovado por um organismo reconhecido, que fornece para uso comum e repetitivo, regras, diretrizes, visando à obtenção de um grau ótimo de ordenação em um dado contexto” (ABNT, 2012), as principais motivações para a elaboração do projeto foram as seguintes necessidades: Obrigatoriedade de estruturação e implementação de sistemas de logística reversa para a cadeia produtiva de produtos eletroeletrônicos e seus componentes, de acordo com a Lei n° 12.305/2010 (Art.33, Inciso VI). j Desenvolvimento da competência das recicladoras de produtos e componentes eletroeletrônicos, reduzindo a ocorrência de agressões ao meio ambiente. j Demonstração de garantias que os processos adotados são coerentes com boas práticas de gerenciamento de resíduos, evitando que os materiais sejam destinados de maneira incorreta. j Garantia da segurança e saúde ocupacional dos envolvidos nos processos de reciclagem de eletroeletrônicos. j

Assim, contando com a participação de cerca de 60 empresas voltadas à fabricação e reciclagem de equipamentos eletroeletrônicos, além de outras entidades, deu-se início ao trabalho de elaboração do projeto de documento normativo voltado às atividades da cadeia reversa, em particular, aos recicladores de resíduos eletroeletrônicos.

9.3  Estrutura da gestão da cadeia reversa e principais atores envolvidos no processo de normalização A cadeia reversa de eletroeletrônicos é entendida como o conjunto de organizações ou empresas que, isoladamente ou em sequência encadeada de procedimentos ou operações, coletam, armazenam, selecionam, processam, transferem ou praticam a manufatura reversa de resíduos eletroeletrônicos para fins de transformação, reinserção de materiais na cadeia produtiva e disposição final (Figura 9.1).


154  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos

Figura 9.1  Fluxograma da Cadeia Reversa de Eletroeletrônicos. Nota: O processo de armazenamento e transporte pode estar contemplado em todas as etapas da cadeia reversa de eletroeletrônicos. Fonte: elaboração própria.

O termo manufatura reversa é definido no item 3.15 da norma ABNT NBR 16156: 2013 como “etapas da atividade de reciclagem que compreendem os processos de transformação dos resíduos eletroeletrônicos em partes e peças, insumos ou matérias-primas, sem a obtenção de novos produtos”. Igualmente, considerando a abordagem do ciclo de vida fechado na produção de equipamentos eletroeletrônicos, conforme demonstrado na Figura 9.2, em que são listados os atores dos processos da cadeia reversa que, em geral, são organizados de maneira diversa daqueles encontrados na cadeia direta, pode-se concluir que estes possuem diferentes pontos de vista e prioridades em relação às questões de normalização para o setor. Os fabricantes de eletroeletrônicos são envolvidos no processo de acordo com a PNRS, que institui a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos. Assim, todo o processo da cadeia reversa deverá ser monitorado por esses fabricantes que – dentro do processo normativo – têm o papel de principal demandante de documentos técnicos que apoiem a garantia da destinação final correta do produto com ênfase na rastreabilidade dos resíduos e na segurança de dados e descaracterização de marcas. Também há interesse dos fabricantes quanto a monitorar as atividades relacionadas ao reúso dos eletroeletrônicos, pois o reúso de forma não controlada pode acarretar perdas financeiras decorrentes de questões legais, de qualidade dos produtos e de confiabilidade da marca.


Normalização para a cadeia reversa de eletroeletrônicos  155

Figura 9.2  Fluxograma da Cadeia Reversa de Eletroeletrônicos. Fonte: Elaboração própria.

Outro demandante importante de documentos técnicos é o Governo, que necessita de informações que apoiem a contratação de processos dentro da cadeia reversa, alinhados com os aspectos relacionados à sustentabilidade nas compras governamentais. Outros atores interessados no processo normativo são aqueles enquadrados na categoria de recicladores ou aqueles que são responsáveis pelas operações de transformação dos resíduos eletroeletrônicos com alteração de suas propriedades físicas, fisico-químicas com vistas à obtenção de insumos ou novos produtos. A principal preocupação está em garantir uniformidade e confiabilidade nos processos de maneira que os atuais e novos entrantes mantenham um padrão mínimo de procedimentos, reduzindo as possibilidades de concorrência desleal. Dentro desta premissa, as questões relacionadas à proteção ao meio ambiente e saúde e segurança do trabalhador são pontos-chave na concepção de processos de reciclagem dos REEE confiáveis. Vale também ressaltar a importância da participação de gestores de logística e cadeia reversa de eletroeletrônicos e da academia que trazem ao documento normativo um equilíbrio entre a linguagem técnica e a linguagem operacional utilizada no documento. Dentro de um ambiente no qual as principais considerações e premissas descritas acima foram levadas em consideração, foi possível o desenvolvimento de um trabalho normativo voltado à gestão da cadeia reversa de eletroeletrônicos.

9.4  Processo de elaboração do projeto de norma com requisitos para a cadeia reversa de eletroeletrônicos Um projeto de norma que trata de requisitos para a atividade da cadeia reversa de eletroeletrônicos, inédito para aplicação no mercado de reciclagem nacional, teve como fonte de informação documentos nacionais e internacionais, entre os quais cabe citar:


156  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos ABNT NBR 10004, Resíduos sólidos – Classificação; ABNT NBR 15833, Manufatura reversa – Aparelhos de refrigeração; ABNT NBR 18801, Sistema de gestão da segurança e saúde no trabalho – Requisitos; ABNT NBR ISO 9000:2005, Sistema de gestão da qualidade – Fundamentos e vocabulário; ABNT NBR ISO 14001:2004, Sistema de gestão ambiental – Requisitos com orientação para uso; ABNT NBR NM ISO 15189, Laboratórios de análises clínicas – Requisitos especiais de qualidade e competência; IEC 62474, Material declaration for products of and for the eletrotechnical industry; OHSAS 18001, Occupational Health and Safety Assessment Series e Portaria n° 3214, de 08 de junho de 1978, do Ministério do Trabalho e Emprego, tendo como principais referências as normas regulamentadoras: NR-5 - Comissão interna de prevenção de acidentes; NR-6 - Equipamento de Proteção Individual; NR-7– Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional; NR-15– Atividades e Operações Insalubres; NR- 17 – Ergonomia. Durante a elaboração do projeto, as seguintes premissas, baseadas nas necessidades do mercado brasileiro, especialmente produtores e organizações da cadeia reversa, e na legislação vigente foram consideradas: Ser um documento com diretrizes para os gestores das empresas com requisitos verificáveis através de um processo de auditoria que é definido como um “processo sistemático, documentado e independente para obter evidências de auditoria e avaliá-las objetivamente para determinar a extensão na qual os critérios da auditoria são atendidos” (ABNT NBR ISO 19011). j Ser passível de certificação, onde é atestada a conformidade do modelo de gestão de fabricantes e prestadores de serviço em relação a requisitos normativos. j Usar linguagem normativa já conhecida pelo mercado, que já aplica sistemas de gestão em suas atividades. j Ter congruência com legislações e normas existentes. j Estar apoiada nos seguintes pilares: j

1. proteção ao meio ambiente, cujos pontos a destacar são: atendimento a política, objetivos e metas ambientais; gerenciamento de aspectos e impactos ambientais, atendimento aos requisitos ambientais legais e licenciamento ambiental. 2. proteção à saúde e segurança do trabalhador, com destaque para: o atendimento aos requisitos legais e a instituição de estrutura nos moldes da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes para todas as organizações. 3. rastreabilidade dos resíduos eletroeletrônicos com a aplicação do princípio da conservação da massa na contabilidade dos REEE entrando e saindo do processo de reciclagem, visando identificar fluxos de massa, a fim de garantir sua rastreabilidade. 4. segurança de dados e proteção da marca com aplicação de metodologia adequada para apagar ou tornar definitivamente ilegíveis as marcas e as informações contidas nos REEE. Atendendo a tais considerações, o projeto foi elaborado usando como texto base a norma ABNT NBR ISO 14.001, atendendo as três primeiras premissas supracitadas, com


Normalização para a cadeia reversa de eletroeletrônicos  157 acréscimos específicos relacionados a saúde e segurança do trabalhador, rastreabilidade dos resíduos, segurança de dados e proteção da marca. A Figura 9.3 ilustra os principais pilares do projeto.

Figura 9.3  Pilares do projeto de requisitos para a atividade da cadeia reversa de eletroeletrônicos. Fonte: Elaboração própria.

Quanto ao tema saúde e segurança no local de trabalho, o texto do projeto fez vários acréscimos importantes ao texto base da ABNT NBR ISO 14.001, explicitando a necessidade de proteção dos trabalhadores em relação à saúde e segurança, proporcionalmente aos tipos de tecnologias de processamento utilizadas, a redução ou eliminação dos perigos no local do trabalho, bem como a elaboração de planos com metas de diminuição da exposição dos trabalhadores a materiais perigosos. Nesse sentido, o conceito de aspecto e impacto foi ampliado, considerando não somente a avaliação daqueles relacionados aos aspectos ambientais, como também criando o conceito relacionado aos aspectos e impactos de segurança e saúde no trabalho. Esta sistemática de avaliação, especialmente relacionada às questões de saúde e segurança do trabalhador, que já conta com normas reguladoras implementadas, está focada especialmente naqueles resíduos eletroeletrônicos que possuem ou geram substâncias perigosas durante o seu processamento. Durante a elaboração do texto do projeto também foram levadas em consideração as características peculiares dos resíduos eletroeletrônicos que implicam em cuidados especiais


158  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos no manuseio, acondicionamento, transporte, destinação e disposição final, além da criação de condições do desenvolvimento de ações junto aos contratados e parceiros comerciais dos fornecedores da cadeia reversa, com o objetivo de disseminar a aplicação dos principais conceitos do projeto em toda a cadeia reversa de eletroeletrônicos. Já no que diz respeito à rastreabilidade, o texto inclui requisito relacionado à elaboração, por parte da cadeia de reciclagem, de sistemática que possibilita o controle da massa do material proveniente dos resíduos eletroeletrônicos que entra na cadeia reversa, em relação à massa de material que sai do processo, após a realização de todas as operações e que foi definido no documento como balanço de massa. Esse requisito está alinhado com o princípio de responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos (Lei n° 12.305/2010, art.6°, VII), estabelecido na Política Nacional de Resíduos Sólidos e no compromisso dos fabricantes e importadores darem uma destinação ambientalmente adequada aos REEE (Lei n° 12.305/2010, art.33, §6°). Em relação à segurança de dados, também foi definido como requisito a necessidade da organização oferecer serviços de descaracterização da marca e as informações dos usuários em suas instalações ou em empresas terceirizadas sob seu controle, visando não só a proteção de informações que possam estar contidas nos resíduos eletroeletrônicos, como também a proteção da marca do fabricante contratante das atividades da cadeia reversa. O processo de gerenciamento proposto requer a participação e comunicação dos resultados das análises realizadas e de todos os dados de evolução a todos os colaboradores da organização que realizam as atividades da cadeia reversa e parte interessadas. Pode também ser considerada uma inovação neste documento a introdução do conceito resíduo eletroeletrônico perigoso, definindo o termo e fazendo referência a uma tabela anexa ao documento com grupos de substâncias ou substâncias que conferem periculosidade aos resíduos eletroeletrônicos. Outro ponto importante do projeto foi o alinhamento e referência à norma internacional IEC 62474, que trata da declaração de material para equipamentos eletroeletrônicos e especifica procedimentos, conteúdos e formas que relacionam a declaração de materiais para produtos de empresas que operam e fornecem para a indústria eletroeletrônica, iniciando, assim, a criação de sistemática para o conhecimento e registro das substâncias perigosas ou com restrições nos produtos eletroeletrônicos. Finalmente, soma-se ao documento o requisito relacionado à elaboração de um plano de encerramento da organização, no qual o objetivo é garantir que a operação não seja descontinuada sem o devido cuidado relacionado a possíveis contaminações do ar, solo e água, assegurando prevenção e reparação de qualquer dano consequente da operação.

9.5  Desafios e oportunidades do processo Durante a elaboração do projeto de Norma, foram evidenciados diversos desafios e oportunidades que também devem ser considerados no desenvolvimento de futuros projetos.


Normalização para a cadeia reversa de eletroeletrônicos  159 Dentre os principais desafios experimentados durante a elaboração do projeto, podemos destacar a falta de definições para os termos específicos utilizados na cadeia reversa de eletroeletrônicos; a insegurança quanto à determinação dos custos relacionados à implementação do projeto e sua relação com os benefícios esperados; pouca informação relacionada à periculosidade dos REEE e a dificuldade da realização de avaliação de aspectos e mensuração adequada dos impactos ambientais e de saúde e segurança no trabalho. Em relação às oportunidades, podemos apontar o desenvolvimento e aprimoramento de laboratórios para a realização de ensaios de caracterização das substâncias presentes nos resíduos eletroeletrônicos; o desenvolvimento e treinamento de pessoal para a implementação dos requisitos propostos pelo projeto; o aumento da segurança quanto à destinação dos REEE e o crescimento da profissionalização em todas as etapas da cadeia reversa. Outra oportunidade que deve ser ressaltada é a criação de documentos específicos, normativos ou legais, relacionados a critérios que definem a periculosidade dos REEE, considerando as substâncias perigosas e as quantidades máximas permitidas. Atualmente, os documentos nacionais existentes não esclarecem esta condição, sendo necessário, especificamente neste projeto, criar informação referente a substâncias que conferem periculosidade aos REEE. Com o objetivo de relacionar e organizar as principais questões pautadas no projeto de norma, foi realizada pesquisa com o grupo de colaboradores da comissão de estudos, na qual foram feitas questões relacionadas a desafios e oportunidades, conforme descrito abaixo.

9.5.1  Principais oportunidades relacionadas com a implementação dos requisitos do Projeto de Norma Em levantamento realizado com os participantes cadastrados na Comissão de Estudos (CE:03.111-01), procurou-se avaliar a percepção dos participantes em relação a implementação dos requisitos do projeto de Norma. A primeira pergunta feita aos pesquisados foi: Quais as principais oportunidades na implementação dos requisitos do projeto de norma? Foram previamente definidas algumas respostas, podendo o respondente optar por mais de uma alternativa e ainda havia a possibilidade de responder livremente. Do total de 34 respondentes, em relação às principais oportunidades identificadas obteve-se o seguinte resultado:4 82% consideram a oportunidade de padronização de procedimentos e melhoria dos processos relacionados à cadeia reversa de eletroeletrônicos; 76% consideram a oportunidade de garantir a proteção ao meio ambiente e a saúde e segurança dos trabalhadores nos processos relacionados à cadeia reversa de eletroeletrônicos; 56% consideram a oportunidade de garantir o atendimento à legislação vigente relacionada aos REEE; 24% identificam como oportunidade a redução de custos na escolha de fornecedores da cadeia reversa de eletroeletrônicos. 4

Devido à possibilidade de marcação de mais de uma resposta, a soma das porcentagens ultrapassa 100%.


160  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos

Gráfico 9.3  Oportunidades identificadas com a implementação dos requisitos do Projeto de Norma. Fonte: Elaboração própria.

Ainda, 24% dos respondentes atribuíram outras oportunidades relacionadas à implementação do projeto, entre elas a possibilidade de diferenciação, profissionalização e formalização do setor de reciclagem de resíduos eletroeletrônicos; a possibilidade de permitir parametrização com as certificações; a oportunidade de visibilidade e diferencial de mercado para as empresas que implantarem os requisitos estabelecidos no projeto de Norma; a promoção de um “cenário certificável”, permitindo a livre e leal concorrência; a possibilidade do documento servir como referência àqueles que desejarem empreender na área da gestão dos resíduos eletroeletrônicos; a contribuição para redução do déficit da balança comercial, com a redução da importação de recursos naturais; a qualificação de fornecedores de REEE para exportação. Nenhum dos respondentes considerou que não há oportunidades na implementação dos requisitos. As respostas levam a concluir que, para os envolvidos no processo de elaboração do projeto, há uma direta relação, assim como um ambiente propício para novas oportunidades relacionadas diretamente ao negócio das empresas na dimensão da competitividade e não somente ao restrito atendimento às questões legais e normativas. Destacamos ainda que 81% dos respondentes pertencentes ao perfil de fabricantes de eletroeletrônicos consideram importante padronizar os procedimentos e melhorar os


Normalização para a cadeia reversa de eletroeletrônicos  161 processos relacionados à cadeia reversa de eletroeletrônicos. Isso demonstra o apoio dos fabricantes a todas as atividades relacionadas à padronização e à implementação dos documentos normativos.

9.5.2  Principais desafios relacionados com a implementação dos requisitos do Projeto de Norma O mesmo grupo descrito no item anterior priorizou os principais desafios considerados na implementação dos requisitos propostos pelo documento, no qual os resultados foram: 47% dos respondentes consideram a falta de pessoal qualificado para implementar os requisitos do projeto e a falta ou desconhecimento de laboratórios para levantamento dos riscos relacionados aos REEE; 32% consideram a falta de informação sobre a periculosidade dos REEE e o não atendimento dos requisitos do projeto de Norma.

Gráfico 9.4  Desafios identificados na implementação dos requisitos do Projeto de Norma. Fonte: Elaboração própria.

Além das dificuldades apresentadas anteriormente, 38% dos respondentes identificaram empecilhos como: a falta de obrigatoriedade da utilização de uma norma técnica; o fato do acesso a normas demandar sua compra e dos organismos de certificação muitas vezes desconhecerem sua existência; o fato do projeto de Norma se propor a ter cobertura de âmbito nacional e a obtenção de licenças ambientais ser distinta entre os estados; aspectos fiscais e tributários envolvidos na gestão dos REE; conflitos de interesse entre as partes interessadas; a indisponibilidade de uma infraestrutura de logística reversa dos REEE em algumas regiões do país; o entendimento parcial de que a aplicação da norma gere um aumento de


162  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos custos para os participantes da cadeia reversa de eletroeletrônico e, consequentemente, para seus contratantes. No entanto, é apresentada também a visão de que para empresas que já possuem um Sistema de Gestão Integrado não haverá dificuldades na implementação dos requisitos do projeto.

9.6  Profissionalização da cadeia e elaboração de novos projetos Indagados com a pergunta: “Quais outros projetos de norma seriam indicados para futura elaboração?”, o grupo de respondentes relacionou as prioridades como demonstrado no Gráfico 9.5.

Gráfico 9.5  Projetos de normalização para a cadeia reversa de eletroeletrônicos indicados para futura elaboração.5 Fonte: Elaboração própria.

Além disso, foi apontada a necessidade de elaboração de Norma para cálculo de reciclabilidade de materiais advindos da manufatura reversa e, no caso específico da norma ABNT NBR 15833:2010 Manufatura reversa – Aparelhos de refrigeração, identificou-se a necessidade do estabelecimento de limites de eficiência e eficácia na recuperação dos materiais com identificação de eventuais perdas de processo ao lidar com as diferentes substâncias contidas nos REEE. 5

Os respondentes podem marcar mais de uma caixa de seleção, então a soma das porcentagens pode ultrapassar 100%.


Normalização para a cadeia reversa de eletroeletrônicos  163 Isso demonstra uma necessidade latente na elaboração de novos documentos normativos relacionados ao tema que permitirão o desenvolvimento de uma cadeia altamente profissional e qualificada.

9.7  Considerações finais Os requisitos ambientais atingem de forma direta todos os segmentos, impondo por vezes responsabilidade compartilhada entre os diversos atores envolvidos no ciclo de vida do produto. O setor de eletroeletrônicos se insere nesse contexto por possuir uma indústria altamente competitiva e responsável pela geração da maior parte dos resíduos perigosos. Com o objetivo de garantir a competitividade, ações de elaboração de documentos técnicos tornam-se importantes e criam ferramentas para garantir a sustentabilidade da cadeia reversa de eletroeletrônicos e seus atores. Os fóruns de normatização internacionais já tratam do assunto, porém as demandas regionais e a velocidade com que os documentos são elaborados, analisados e aprovados podem não ser compatíveis com as necessidades do mercado que atua na cadeia reversa de eletroeletrônicos. Considerando este um novo mercado, toda a documentação técnica associada deve ser criada por aqueles diretamente envolvidos no processo e acompanhadas de perto pela comunidade consumidora dos produtos. As necessidades de documentos técnicos apresentados neste trabalho demonstram que o Brasil necessita de ações primárias no assunto, tais como elaboração e harmonização de termos e suas definições, nos quais até mesmo a definição do objeto de análise (o resíduo eletroeletrônico) não tem definição clara e harmonizada no mercado nacional. Também, a questão da periculosidade dos resíduos, assunto já abordado e regulamentado em outros países, requer atenção do mercado nacional, pois as soluções técnicas para a cadeia reversa também dependem desta definição ou mesmo do posicionamento dos órgãos ambientais competentes. O desenvolvimento do mercado que dará suporte às necessidades técnicas da cadeia deverá ser ampliado ou até mesmo desenvolvido, tendo como consequência uma grande oportunidade de crescimento nas áreas de tecnologia para reciclagem e laboratórios de ensaios pertinentes, quer as referidas soluções venham de recursos já existentes no Brasil, quer venham por apoio a projetos de inovação ou por utilização de tecnologias já existentes no mercado internacional. Um ponto favorável nesta atividade é que há um consenso em todas as áreas do conhecimento técnico e da gestão das organizações, certamente motivadas por ações governamentais, que convergem para o alinhamento e para a união de esforços no sentido de criar e executar ações que melhorem o posicionamento geral sobre as questões ambientais do segmento eletroeletrônico.


164  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos Esta experiência com suas soluções poderá ser utilizada como referência para outros segmentos de mercado que possuam demandas e especificidades próximas ao setor e, além disso, os documentos normativos gerados nacionalmente poderão se tornar futura referência para o mercado internacional.

Referências bibliográficas ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas. Normalização. Disponível em: http://www.abnt.org.br/ m3.asp?cod_pagina=931. Acesso em: 30 de outubro de 2012. __________. NBR 10004, Resíduos sólidos – Classificação. Rio de Janeiro, 2004. __________. NBR 15833, Manufatura reversa – Aparelhos de refrigeração. Rio de Janeiro, 2010. __________. NBR 18801, Sistema de gestão da segurança e saúde no trabalho – Requisitos. Rio de Janeiro, 2010. __________. NBR ISO 9000, Sistema de gestão da qualidade – Fundamentos e vocabulário. Rio de Janeiro, 2005. __________. NBR ISO 14001, Sistema de gestão ambiental – Requisitos com orientação para uso. Rio de Janeiro, 2004. __________. NBR NM ISO 15189, Laboratórios de análises clínicas – Requisitos especiais de qualidade e competência. Rio de Janeiro, 2008. __________. NBR ISO 19011. Diretrizes para auditorias de sistema de gestão da qualidade e/ou ambiental. Rio de Janeiro, 2012. __________. NBR 16156 Resíduos de equipamentos eletroeletrônicos – Requisitos para atividade de manufatura reversa. Rio de Janeiro, 2013. BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Portaria n° 3214, de 08 de junho de 1978. Norma Regulamentadora NR-5 - Comissão interna de prevenção de acidentes. __________. Portaria n° 3214, de 08 de junho de 1978. Norma Regulamentadora NR-6 – Equipamento de Proteção Individual. __________. Portaria n° 3214, de 08 de junho de 1978. Norma Regulamentadora NR-7 – Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional. __________. Portaria n° 3214, de 08 de junho de 1978. Norma Regulamentadora NR-15 – Atividades e Operações Insalubres. __________. Portaria n° 3214, de 08 de junho de 1978. Norma Regulamentadora NR-17 – Ergonomia. BRASIL. Lei n° 12.305, de 2 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, altera a Lei n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, e dá outras providências. BRASIL. Decreto Federal n° 7.404, de 23 de dezembro de 2010. Regulamenta a Lei n° 12.305, de 2 de agosto de 2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, cria o Comitê Interministerial da Política Nacional de Resíduos Sólidos e o Comitê Orientador para a Implantação dos Sistemas de Logística Reversa e dá outras providências. DIRETIVA 2012/19/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, relativa aos resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos (REEE). INTERNATIONAL ELECTROTECHNICAL COMISSION. IEC 62474, Material declaration for products of and for the eletrotechnical industry, Genebra, 2012. OHSAS 18001, Occupational Health and Safety Assessment Series. Estados Unidos, 2007. REGULAMENTO (CE) N° 765/2008 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 9 Julho de 2008 que estabelece os requisitos de acreditação e fiscalização do mercado relativos à comercialização de produtos, e que revoga o Regulamento (CEE) n° 339/93. Jornal Oficial da União Européia. UNEP. Recycling from e-waste to resources, Final Report, 2009. Disponível em: http://www.unep.org/PDF/ PressReleases/E-Waste_publication_screen_FINALVERSION-sml.pdf. Acesso em: 30 de outubro de 2012.


Antônio Conde, Lúcia Helena Xavier, Neuci Bicov Frade

Capítulo 10

Aspectos operacionais da Gestão de REEE RESUMO

A logística reversa consiste em um conjunto de operações e atividades que diferem substancialmente da logística direta. Enquanto na logística tradicional os produtos resultam do processamento de uma variedade de insumos, na logística reversa, a partir de produtos e materiais pós-consumo é gerada uma diversidade de produtos que servem como insumos em outros processos produtivos. Dessa forma, a disposição de maquinários, organização do espaço físico, infraestrutura e gerenciamento das atividades ocorrem de forma diferenciada. Este capítulo visa contribuir com subsídios para a organização do espaço físico no gerenciamento de REEE.

10.1 Introdução A partir da consolidação da política e do delineamento de estratégias para a gestão de resíduos eletroeletrônicos, emerge a necessidade de alocação de recursos e organização do espaço. No entanto, as metodologias que vigoram são próprias para o delineamento

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166  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos de processos produtivos, ou seja, para a viabilização da logística reversa. Os processos reversos ainda são muito incipientes e, na maior parte das vezes, demandam uma mão de obra especializada que ainda não está disponível no mercado. A partir de resultados apresentados por Camara (2008), o arranjo físico tem significativo impacto no enfoque da ecoeficiênica, bem como na redução dos custos de produção, gerando resultados relevantes na mitigação de impactos ambientais relacionados, por exemplo, ao consumo de energia e água. Em última instância, o arranjo físico resulta em economia de ordem financeira. Segundo a autora, sugere-se a inclusão da organização do espaço como um aspecto a ser observado no planejamento estratégico como recurso de ecoeficiência para a redução dos custos operacionais. De acordo com um estudo recentemente desenvolvido pelo SEBRAE (2012), o custo de implantação de uma unidade de reciclagem de resíduos eletroeletrônicos está estimado em cerca de R$160.000,00. Para tanto, o estudo considera os custos, de aquisição de equipamentos e mobiliário. Nesse investimento inicial não foram incluídos os custos de operação e manutenção. Pode-se estimar que esses valores possam atingir cerca de R$20.000,00, para a proporção do estudo. No entanto, os valores apresentados anteriormente ainda podem variar significativamente em função da localização da planta, dos cursos de transporte e armazenagem, bem como o pagamento dos funcionários que executarão as atividades. Desta forma, neste capítulo serão feitas considerações a respeito das etapas de processamento dos resíduos eletroeletrônicos de forma genérica, detalhando processos que devem ser documentados para efeitos de rastreabilidade. Buscou-se ordenar as etapas conforme as necessidades percebidas a partir da implementação dos processos nas unidades do Centro de Descarte e Reúso de Equipamentos de Informática (CEDIR) e do Centro de Reciclagem Tecnológica (Recicl@tesc). Ambos iniciativas desenvolvidas na Universidade de São Paulo.

10.2  Arranjo físico A organização do espaço físico em um empreendimento produtivo é um ponto de grande relevância que tem impactos significativos na produtividade.

10.2.1  Etapas da gestão de REEE a) Descarte Ao atingirem o final da vida útil, espera-se que os equipamentos pós-consumo sejam descartados. No entanto, há uma significativa taxa de retenção de equipamentos eletroeletrônicos residuais que permanecem sob a posse dos consumidores mesmo após o final de sua funcionalidade. Este é um dos aspectos que comprometem a gestão da logística reversa nesse segmento. Empresas do segmento de eletroeletrônicos e do comércio varejista tem desenvolvido mecanismos de incentivo ao descarte de REEE que consistem


Aspectos operacionais da Gestão de REEE  167 basicamente na organização de campanhas e instalação de postos de entrega voluntária em supermercados e assistências técnicas, por exemplo, cujas campanhas têm surtido grande efeito. A população, entretanto, ainda não dispõe de modelos eficientes para o descarte de seus equipamentos pós-consumo, apesar de ser um aspecto presente na Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS. b) Coleta ou recebimento Os REEE podem alcançar um ponto de descarte por meio de uma logística ativa (coleta) ou passiva (recebimento). As campanhas e pontos de entrega voluntária são hoje as principais fontes de recebimento dos resíduos tecnológicos, mas que ainda são recolhidos de forma modesta. Outra questão relevante dessa etapa é a preparação dos pontos de recebimento para o acondicionamento dos materiais e produtos. A estrutura do transporte para a coleta deve buscar mecanismos de eficiência por meio do planejamento das rotas. Um aspecto fundamental nessa etapa é a notificação da transferência do equipamento do consumidor para o responsável pela coleta ou recebimento por meio de um documento que contenha a identificação do consumidor (nome, documento de identificação, contato), do material (tipo, peso, marca e quantidade) e identificação do termo de responsabilidade. Esse documento fará parte do processo de rastreabilidade e balanço de massa dos equipamentos destinados. c) Triagem Os equipamentos podem ser passíveis de reúso ou remanufatura. Dessa forma, a triagem pode identificar as funcionalidades dos equipamentos e evidenciar se estão aptos ao recondicionamento ou se devem seguir para a destinação. Essa etapa requer um profissional com conhecimento técnico de elétrica e eletrônica para averiguação das funcionalidades e necessidade de reparos ou manutenção.

Figura 10.1  Acondicionamento de placas de circuito impressa triadas (PCI). Fonte: CEDIR.


168  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos d) Descaracterização Após a identificação da impossibilidade de remanufatura ou reúso do REEE, alguns fabricantes exigem a descaracterização dos seus produtos. A descaracterização acontece em dois níveis: descaracterização de marcas e descaracterização de dados. O primeiro consiste na supressão da marca de identificação do fabricante, e o segundo nível equivale à destruição das informações presentes nos equipamentos. Ambas as possibilidades podem ser realizadas por meio do procedimento de trituração do material. No entanto, esse procedimento pode, em alguns casos, comprometer o processo de separação de materiais. Ainda assim, é um ponto de exigência contratual por empresas fabricantes ou de prestação de serviço. e) Remanufatura A remanufatura no segmento de resíduos tecnológicos equivale ao procedimento de assistência técnica, por meio do qual os equipamentos são submetidos à substituição de peças e partes ou reparos de componentes. Nessa situação, deve-se considerar ainda a retirada de peças em perfeito estado ou descontinuadas (que não são mais fabricadas) para fins de reposição ou consertos de equipamentos em assistência técnica. f) Desmontagem Etapa por meio da qual os equipamentos têm suas partes e peças separadas. O processo de desmontagem será mais ou menos refinado em função da necessidade de preservação das estruturas, como é o caso da remanufatura. As junções, parafusos e conexões podem ser removidas em etapas inversas a que foram montadas a fim de se manter a estrutura das peças. Caso não haja necessidade de preservação de peças e partes, o equipamento pode ser rompido em suas estruturas mais frágeis. No entanto, o processo de desmontagem com a retirada dos componentes da forma inversa pela qual foram montados ainda tem a vantagem de melhor segregação dos materiais, valorizando-os para as etapas subsequentes.

Figura 10.2  Desmontagem do gabinete de computador (CPU). Fonte: Lúcia Xavier.


Aspectos operacionais da Gestão de REEE  169

Figura 10.3  Desmontagem de impressora. Fonte: Lúcia Xavier.

Figura 10.4  Desmontagem de tubo CRT (cinescópio). Fonte: Lúcia Xavier.


170  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos

Figura 10.5  Detalhe de tubo CRT (cinescópio). Fonte: Lúcia Xavier.

g) Separação Consiste na separação dos materiais conforme o tipo ou forma de destinação. A partir da desmontagem pode-se alcançar maior ou menor valorização dos resíduos em sua segregação. Resíduos de tipos diferentes misturados são considerados contaminados e têm redução substancial do valor de mercado.

Figura 10.6  Disposição das peças separadas de uma impressora. Fonte: Lúcia Xavier.


Aspectos operacionais da Gestão de REEE  171 h) Reciclagem Dependendo do tipo de material, a reciclagem é uma opção incentivada em todos os segmentos. No caso dos eletroeletrônicos, a reciclagem abrange materiais como plástico, metal e vidro. Porém, diferentes de outros segmentos como embalagens de bebidas e material gráfico, os resíduos eletrônicos têm grande percentual de materiais mistos o que, em certos casos, inviabiliza tecnicamente a reciclagem. Os roletes de impressoras, responsáveis pela rolagem da folha de papel, são um exemplo nesse sentido. Esse tipo de componente consiste em um eixo de aço revestido parcialmente com borracha vulcanizada (Figura 10.7). Como a borracha tem uma densidade relativamente alta e está fortemente fixada no eixo, no processo de desmontagem é praticamente inviável a desmontagem do conjunto. No entanto, o componente é aceito para queima em fornos, em função do alto poder calorífico dos materiais agregados. Esse é um exemplo a partir do qual se inviabiliza investimentos na reciclagem por não ter sido concebido com o propósito de desmontagem.

Figura 10.7  Rolete de impressora. Fonte: Roberto Almeida.

i) Disposição Na inviabilidade de destinação por meio de reúso, reciclagem ou remanufatura, os materiais devem ser destinados à incineração e, na inviabilidade desta, encaminhados à disposição final em aterros.

10.2.2  Requisitos de layout no processo 10.2.2.1 Entrada Área de carga com porta ampla, rampa e espaço para deslocamento de palet por meio de empilhadeira. Identificação e documentação da entrega para fins de rastreabilidade. Na entrada é feita a identificação das entregas e verificação segundo o agendamento. Lembrando que o agendamento possibilita a alocação do espaço e também o gerenciamento dos processos e da saída de material e equipamentos.

10.2.2.2  Área de triagem Bancada para testes que, dependendo do volume, devem ser realizados por amostragem dos lotes recebidos. Exige-se nessa etapa a disposição de ferramentas com fácil acessibilidade


172  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos por parte dos técnicos, localização de pontos de energia para funcionamento dos equipamentos necessários no teste e manta antiestática recobrindo a bancada.

10.2.2.3  Armazenagem de remanufaturados Após atividades de reparo e manutenção para finalidade de reúso os equipamentos remanufaturados devem ser estocados em área resguardada de poeira, calor e movimentação de empilhadeira.

10.2.2.4  Armazenagem pré-processamento Os demais equipamentos que não estão aptos ao reúso devem ser acondicionados em local próximo à bancada de desmontagem, na qual há ferramentas diferenciadas para a desmontagem dos equipamentos. O pré-processamento consiste na desmontagem de partes e peças, bem como na separação de peças e componentes que ainda podem ser reaproveitados na manutenção de equipamentos para reúso. Essa última etapa consiste em processo conhecido como canibalização. Por fim, o pré-processamento ainda consiste na separação de materiais que serão destinados. Essa etapa exige os mesmos cuidados básicos necessários aos processos desempenhados em assistências técnicas, exigindo, na maior parte dos casos, apenas o uso de óculos de segurança, avental e luvas.

10.2.2.5 Processamento Os materiais e produtos separados no pré-processamento seguem para a destinação, conforme suas características. Materiais como plástico e metal seguem para respectivas indústrias de reciclagem. Produtos como cinescópio (tubo de monitor tipo CRT) e cabos ainda exigem descontaminação e separação de materiais. Por isso, são encaminhados para etapas específicas para separação mais apurada. Essa etapa exige maiores cuidados na proteção individual e coletiva. Como EPI, recomenda-se, de modo geral, o uso de óculos de segurança, avental, luva, máscara para poeira fina e máscara de soldador. Como EPC, recomenda-se, em alguns casos, o trabalho em câmara de fluxo laminar (com pressão negativa) e luvas de aço no manuseio de ferramentas perfuro-cortantes.

10.2.2.6  Armazenagem pós-processamento Materiais prontos para serem enviados às indústrias de reciclagem devem ser armazenados em: caixas, tambores, Bags, Bigbags, de preferência em palets para facilitar o transporte e a organização, no caso do ferro, por exemplo, que pode ficar exposto a intempéries, havendo espaço físico pode-se estacionar caçambas roll on ou poli para dinamizar a produção. Produtos como baterias, cinescópios e lâmpadas fluorescentes devem seguir normas ABNT e resolução CONAMA.


Aspectos operacionais da Gestão de REEE  173

10.2.2.7 Saída Pode ser usada a mesma infraestrutura da área de entrada do material, observando-se, no entanto, as exigências em relação a manutenção das propriedades e agregação de valor aos materiais ou produtos.

10.2.3 Disposição da infraestrutura Aspectos relativos à observação de padrões de ergonomia, iluminação e ventilação devem observar as diretrizes que constam nas Normas Regulamentadoras (NRs) do Ministério do Trabalho.

10.2.3.1  Localização do maquinário As máquinas devem ser alocadas de maneira a facilitar o sistema de produção, próximas ao local onde os materiais a serem trabalhados nesses equipamentos serão gerados ou vice-versa. A movimentação dos produtos, materiais ou peças dentro da área de processamento deve seguir ordem de processamento previamente estabelecida. Por exemplo, se for definido que serão prensados gabinetes de computador, deverá se programar a localização do material a ser prensado e ainda a dedicada área para acomodação do material prensado. Caso contrário, haveria subutilização da prensa por não ter volume suficiente armazenado ou ainda comprometer o processamento pela prensa por não haver área suficiente para a disposição de palets para receber o material prensado. Ainda não há no Brasil um parque dedicado à reciclagem de resíduos eletroeletrônicos. No entanto, alguns equipamentos têm sido desenvolvidos – e outros adquiridos – por empresas especializadas com essa finalidade.

10.2.3.2  Áreas de armazenagem A armazenagem, conceitualmente, implica em custos que englobam a alocação do espaço, disposição de infraestrutura (iluminação, refrigeração, resfriamento, prateleiras/ estantes etc) e ainda disponibilidade de pessoal. Portanto, quanto menor for a necessidade de espaço para armazenamento, mais eficiente torna-se o processo em termos econômicos. Por outro lado, o material residual necessita ser estocado de forma a se atingir uma quantidade mínima para o início do processo de reciclagem. Em outras palavras, as indústrias de reciclagem não coletam os materiais que estejam abaixo de uma quantidade mínima, caso contrário, o transporte inviabilizaria o processo. Para materiais com alto valor agregado, como os metais, exige-se uma estocagem mínima, conforme exigência da indústria da reciclagem para a retirada do material. Dependendo do valor, essa quantidade pode variar de 10 Kg (para o caso dos metais nobres), até 4 toneladas para metais ferrosos. Há que se observar ainda a distância a ser percorrida, o tipo de material e as condições de armazenamento. No caso do material plástico exige-se, em média, uma quantidade mínima em torno de 300 Kg, mas que requer um espaço maior


174  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos de estoque, caso o material não seja compactado, como ocorre com os plásticos de impressora, por exemplo. No caso específico das placas de circuito impresso, a quantidade mínima exigida pelos recicladores oscila entre 3 e 5 toneladas para se coletar nos centros de triagem. Parte da etapa de recebimento e triagem tem sido realizada por cooperativas e associações de catadores. No entanto, esses profissionais não se encontram aptos a realizar atividades que representem riscos, como a desmontagem de tubos do tipo CRT, por exemplo. Assim, esse tipo de equipamento representa ainda um custo na cadeia de reciclagem, por exigir a etapa de descontaminação e, consequentemente, um maior nível de conhecimento técnico para a gestão dessa categoria de resíduo. Dessa maneira, há maior requerimento por espaço para aqueles equipamentos que não podem ser imediatamente desmontados e triados após o descarte pelos consumidores finais.

10.3  Considerações finais O presente capítulo foi elaborado com base na necessidade de organização e apresentação das informações técnicas relativas aos procedimentos operacionais para o gerenciamento de resíduos de equipamentos eletroeletrônicos. Apesar desses procedimentos se basearem, em grande parte, nos processos produtivos tradicionais, diferem significativamente desses na medida em que priorizam a logística reversa de equipamentos, materiais, partes e peças. Não há um único processo estabelecido em virtude do grau de complexidade dos processos de acondicionamento, teste e desmontagem de cada equipamento. Além das características dos equipamentos, as especificidades locais e operacionais também são indicadores que nortearão o estabelecimento dos procedimentos operacionais. A título de exemplo, pode-se tratar da desmontagem de impressoras de pequeno porte. Há impressoras cujo tempo de desmontagem está em torno de 10 minutos, sem a exigência de conhecimento técnico ou ferramentas diferenciadas. Por outro lado, há impressoras que chegam a levar mais de 30 minutos para a desmontagem em função da necessidade de equipamentos diferenciados para a desmontagem ou ainda por dificuldade de retiradas de peças e partes sem o rompimento de estruturas ou quebra. Em síntese, o capítulo busca consolidar conhecimentos relativos tanto à assistência técnica e manutenção, visando a possibilidade de reaproveitamento de peças e partes, bem como garantir a eficiência no processo de manufatura reversa de equipamentos eletroeletrônicos pós-consumo.

Referências bibliográficas CAMARA, R.P.B. A influência do arranjo físico no impacto ambiental do processo produtivo de um curtume, considerando os princípios de ecoeficiência - um estudo de caso. Tese de Doutorado em Engenharia Mecânica. São Paulo: Universidade de São Paulo. EESC, 2008. SEBRAE. Reciclagem do lixo eletrônico. Ideias e negócios sustentáveis. 2012. Disponível em: http://www. biblioteca.sebrae.com.br/bds/bds.nsf/65F89E2B5FDB0DB683257A33005BB3F6/$File/NT00047742.pdf. Acesso em janeiro de 2013.


Carlos Silva, Jorge Alberto Tenório, Lúcia Helena Xavier

Capítulo 11

Desafios na gestão de REEE: panorama atual e perspectivas futuras RESUMO

Em um mundo em crescimento e constante urbanização, a gestão de resíduos passa a desempenhar papel de destaque no encaminhamento de ações direcionadas à preservação de recursos e à plena sustentabilidade. Nesse cenário, os REEE destacam-se no cenário da gestão de resíduos, visto que contêm em sua composição diversas substâncias cujo aproveitamento é essencial para o futuro da humanidade. A gestão de REEE no Brasil já vem acontecendo, de modo bastante informal e disperso, no entanto, a informalidade com que o tema é tratado resulta em impactos à saúde humana e ambiental. Por outro lado, a dispersão das iniciativas não permite um desenvolvimento de ações em escala. Um quesito relevante no país é a localização dos centros de processamento de resíduos e a localização pulverizada das áreas de descarte. Grandes rotas precisam ser percorridas para a destinação ambientalmente correta, o que inviabiliza o processo econômica e ambientalmente. Neste capítulo, são discutidos os desafios da gestão de REEE no Brasil. 175


176  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos

11.1 Introdução A questão da sustentabilidade ganha destaque frente à perspectiva da humanidade passar dos pouco mais de 7 bilhões de habitantes no planeta para cerca de 9,5 bilhões de habitantes em 2050, dos quais 2/3 viverão em cidades. O crescimento populacional previsto, com intensificação do processo de urbanização, mantido o atual padrão de produção e consumo, indicam também um crescimento na quantidade de materiais descartados. Essas perspectivas levam à conclusão de que o setor de resíduos assumirá um papel de destaque ainda maior junto à sociedade do futuro, pois terá condições de recuperar e dar o encaminhamento adequado para uma série de materiais e substâncias que poderão ser aproveitados e reaproveitados. Para tanto, deve-se atentar para os preceitos legais e normativos, bem como à qualificação de pessoal e provisão de infraestrutura. Como resposta a esse processo crescente e desordenado de geração de resíduos, vários países têm debatido e aprovado Regulações, Diretrizes e Legislações para disciplinar o setor de resíduos e encaminhar ações mais adequadas para a sua gestão. Com o Brasil não foi diferente. Depois de cerca de 20 anos de discussões no Congresso Nacional, em agosto de 2010 foi sancionada a Lei n° 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS –, que posteriormente foi regulamentada pelo Decreto Federal n° 7.404/2010, em dezembro do mesmo ano. Retomando a definição de resíduo sólido, presente na PNRS, temos: “Material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnica ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível” (PNRS, 2010) Essa definição apresenta basicamente os desafios da inclusão de emissões, efluentes e resíduos sólidos, bem como a garantia da viabilidade técnica e econômica para uma destinação ou disposição final ambientalmente adequada. Diferentemente da norma NBR ABNT 10.004:2004 que propõe uma definição estritamente relativa às categorias de resíduos sólidos e suas características, a PNRS amplia o escopo e vincula a eficiência do processo às metas. Um primeiro desafio configura-se, portanto, com a ampliação do escopo originalmente proposto para o gerenciamento de resíduos sólidos. A lei introduziu ainda o conceito de rejeito, entendendo como tal uma categoria de resíduos sólidos que não apresentam outra possibilidade além da disposição final ambientalmente adequada, não obstante após analisadas as alternativas de tratamento e recuperação por processos tecnológicos disponíveis e economicamente viáveis, não apresentem outra possibilidade que não a disposição final ambientalmente adequada.


Desafios na gestão de REEE: panorama atual e perspectivas futuras  177 Nesse sentido, o país passou a contar com duas classes de resíduos, os “resíduos sólidos” propriamente ditos, que podem ser objeto de reciclagem, recuperação e tratamento, e os rejeitos, que ao serem descartados não apresentaram nenhuma das opções de destinação anteriormente citadas, ou tiveram tais possibilidades esgotadas, restando-lhes apenas a disposição final ambientalmente adequada. Uma das formas idealizadas pelo legislador para viabilizar e incrementar a reciclagem, a recuperação e o tratamento entendidos como prioritários foi a Logística Reversa, instrumento pelo qual deverão ser implementadas ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou para que os mesmos sejam encaminhados para uma destinação final ambientalmente adequada. O estabelecimento da Logística Reversa está baseado no conceito de responsabilidade compartilhada adotado de maneira inovadora pela PNRS. Esse conceito contempla objetivos direcionados à redução da geração de resíduos e do desperdício de materiais, buscando o maior aproveitamento possível dos resíduos, produtos ou materiais, com vistas à sua inserção na mesma cadeia produtiva por meio da articulação dos agentes envolvidos ao longo do processo. Conforme mencionado por Silva e Soler (2012): “A responsabilidade compartilhada prevista na PNRS diferencia-se do instituto da responsabilidade do produtor prevista em instrumentos legais de resíduos sólidos existentes em outros países, notadamente na Diretiva da União Europeia, principalmente no tocante à definição clara das responsabilidades de cada parte, mediante a expressa atribuição da responsabilidade financeira pelo sistema de retorno dos resíduos aos produtores dos produtos que os originaram. Nesse contexto, a política de responsabilização do produtor é caracterizada pela transferência – física e/ou econômica, total ou parcial – da responsabilidade para com os resíduos, afastando-­ os da égide das autoridades locais (municípios) e levando-os para a esfera dos seus produtores que, por outro lado, passam a contar com incentivos diversos para desenvolver produtos que levem cada vez mais em consideração os preceitos de design sustentável”. Para complementar a Logística Reversa e estimular a efetiva adoção de estratégias e ações direcionadas a essa sistemática, a PNRS também contemplou o princípio da hierarquia na gestão de resíduos, pelo qual é estabelecida uma ordem de prioridade de ações, que deve ser aplicada na gestão e no gerenciamento de resíduos sólidos, iniciando-se com a não geração e passando ordenadamente pelas ações seguintes, a saber: redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos. Esse conceito de hierarquização não é recente, tendo sido proposto inicialmente pelas diretivas europeias, e tem sido amplamente aceito tanto na academia quanto no âmbito empresarial.


178  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos

11.2  Aspectos da regulamentação Dentre os vários tipos e classes de resíduos sólidos abrangidos pela Lei n° 12.305/2010, alguns foram relacionados diretamente para serem objeto de sistemas de logística reversa, que deverão ser implementados por fabricantes, importadores, comerciantes e distribuidores. São eles: Agrotóxicos, seus resíduos e embalagens, assim como outros produtos cuja embalagem após o uso constitua resíduo perigoso; j Pilhas e baterias; j Pneus; j Óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens; j Lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista; j Produtos eletroeletrônicos e seus componentes. j

Analisando a listagem estabelecida pela lei, verificamos que alguns tipos de produtos já têm sido objeto de sistemas especiais de gerenciamento, tais como: os agrotóxicos, os pneus, as pilhas e os lubrificantes com suas embalagens, que já possuíam resoluções específicas do CONAMA. As lâmpadas e os produtos eletroeletrônicos, que atualmente estão presentes de maneira bastante disseminada na sociedade e alguns sistemas voluntários por parte de poucos fabricantes. Vale ressaltar ainda que, nas diretivas europeias tanto as pilhas e baterias quanto as lâmpadas estão incluídas no grupo dos produtos eletroeletrônicos, o que não acontece na regulamentação brasileira. A Lei, no entanto, não trouxe uma definição de resíduos eletroeletrônicos, gerando a necessidade de se buscar alguma definição já existente e amplamente aceita, para se estabelecer o rol de produtos para os quais há a obrigatoriedade de inclusão em um sistema de logística reversa. Uma definição bastante simples e objetiva, já de muito utilizada por vários países, segundo proposta da Diretiva WEEE de 2012, dispõe que são considerados equipamentos eletroeletrônicos todos os produtos que utilizam energia elétrica ou acumuladores de energia como fonte de alimentação (Diretiva 2012/19/EU). A definição estabelece também que tais produtos, ao se tornarem obsoletos ou serem descartados pelo proprietário, são considerados resíduos de equipamentos eletroeletrônicos, conhecidos sob a sigla REEE. Diante de referida definição não é difícil relacionar os equipamentos que estão incluídos nesse grupo e que, de acordo com os padrões atuais de comportamento e consumo, já fazem parte do dia a dia de praticamente toda a população mundial. A esse respeito, a Figura 11.1 apresenta os dados de composição de REEE da Europa (SCHULUEP, 2009). Tendo em vista a composição desses resíduos, a legislação europeia baseada na Diretiva WEEE, determina o seu gerenciamento, inclusive com o estabelecimento de metas, de forma a permitir que os seguintes resultados sejam alcançados: j j

Não encaminhamento desses resíduos para disposição no solo; Remoção dos componentes e substâncias perigosas;


Desafios na gestão de REEE: panorama atual e perspectivas futuras  179

Figura 11.1  Composição dos resíduos eletroeletrônicos na Europa. Fonte: Elaboração própria.

Melhoria dos padrões de operação nas unidades de tratamento; Obtenção de maiores índices de reciclagem; j Evitar a exportação ilegal dos REEE. j j

11.3  Panorama da gestão dos REEE O aumento exponencial do consumo de Equipamentos Elétricos e Eletrônicos (EEE), globalmente associado ao conforto e à segurança do mundo moderno, está intrinsecamente conectado à problemática do rápido descarte desses produtos na sua etapa pós-consumo, que resulta em possíveis impactos ao meio ambiente e à saúde pública. A geração de resíduos perigosos na cadeia de equipamentos eletroeletrônicos, juntamente com o potencial tóxico dos materiais, é resultante da redução do ciclo de vida útil e aumento de consumo desses produtos. A geração de resíduos de EEE no mundo cresce a uma taxa de cerca de 40 milhões de toneladas por ano (SCHLUEP, 2009). Com base nessa informação, percebe-se o impacto da obsolescência na gestão dos canais reversos. Alguns estímulos ao consumo, como a obsolescência induzida (que consiste na substituição de produtos ainda em condições de uso por modelos com melhor performance ou design mais atraente) e a obsolescência programada (redução do ciclo de vida do produto


180  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos com função da aplicação de estruturas ou materiais menos resistentes), têm gerado um tipo específico de resíduo sólido urbano, os denominados resíduos tecnológicos ou resíduos de equipamentos eletroeletrônicos (REEE). No entanto, há que se considerar que, mesmo havendo o risco de se antecipar o fim da vida útil de alguns produtos e materiais, a substituição desses por outros mais eficientes em termos de consumo energético e emprego dos materiais deve ser considerado como critério para uma gestão eficiente dos resíduos. De acordo com os dados divulgados ainda por Schluep (2009), em 2005 a União Europeia registrava 44 milhões de eletrodomésticos, 48 milhões de PCs e Notebooks e contabilizou 9,7 milhões de toneladas de lixo eletrônico. O índice de REEE per capita na Europa varia bastante de país para país, no entanto a média é bastante elevada, sendo de 3,6 kg por habitante/ano na Holanda e de 5,1 kg por habitante/ano na Suíça. Nos termos do estudo, em 2006, havia 34 milhões de TVs e Monitores, 24 milhões de PCs, 139 milhões de aparelhos de comunicação (celular, pager, modem etc.) nos Estados Unidos, onde os REEE são gerenciados por meio do próprio serviço municipal de gestão de resíduos. Apesar de muitos estados buscarem a implantação de programas de gestão de REEE, poucos possuem legislação específica. Maine foi o primeiro estado americano a regulamentar a responsabilidade do produtor a respeito do REEE doméstico, estabelecendo o custo compartilhado entre produtores, governos municipais e consumidores (WAGNER, 2009). Em um estudo desenvolvido pela EPA (2010), estima-se que dos equipamentos eletroeletrônicos comercializados no país, entre os anos de 1980 e 2007, considerando TVs, computadores e periféricos, cerca de 230 milhões de unidades foram estocadas nas residências e não descartadas. O mesmo estudo evidencia que 2,25 milhões de toneladas de REEE foram produzidos nos Estados Unidos no ano de 2007, dos quais apenas 18% foram destinados à reciclagem e 82% dispostos em aterros. De acordo com o NCER (National Center for Electronics Recycling) sugere-se que em 2008 o percentual de reciclagem de REEE tenha aumentado em 7%. Além de atingir volumes preocupantes, como visto, os REEE demandam um processo de gerenciamento e destinação diferenciado, para que não causem danos ao meio ambiente e à saúde da população. O cenário, porém, é desafiador, já que também segundo a ONU, atualmente há 40 milhões de toneladas de REEE acumulados no mundo, dos quais 80% acabam em países em desenvolvimento e são responsáveis por 70% dos metais encontrados nos aterros e lixões, contaminando os solos e os recursos hídricos. O Estudo da ONU também identificou alguns dados para o Brasil, onde existiam, em 2005, 480.000 toneladas de PCs; 8.600 toneladas de celulares; 1,1 milhão de toneladas de TVs e 1,15 milhão de toneladas de refrigeradores. De acordo com o mesmo relatório, o Brasil está entre os três países que mais descartam aparelhos de TV, com 700 gramas por pessoa ao ano, atrás somente do México e da China. O levantamento também aponta que o país é responsável pelo descarte anual de 96,8 mil toneladas de computadores, 115 mil toneladas de geladeiras, 17,2 mil toneladas de impressoras e 2,2 mil toneladas de celulares.


Desafios na gestão de REEE: panorama atual e perspectivas futuras  181 Conforme apresentado por Wenzhi et al.(2006), verificou-se o aumento exponencial do número de equipamento eletroeletrônicos vendidos na China ao longo das últimas décadas (Figura 11.2). O destaque da venda de TVs, característico de países em desenvolvimento, se deve principalmente ao custo relativamente baixo de venda e manutenção desse eletrodoméstico em relação aos demais equipamentos.

Figura 11.2  Unidades de equipamentos eletroeletrônicos vendidos na China. Fonte: Elaborado a partir de WENZHI et al., 2006.

Li et al.(2007) afirmam que, de acordo com estatísticas do governo, em 2010, na China, o número estimado de equipamentos obsoletos descartados atingiria a casa dos milhões de unidades. Segundo esses autores, seriam descartados nesse ano 70 milhões de computadores pessoais e 58 milhões de TVs. Além dos valores observados, o percentual de resíduos descartados aumentará entre 13 e 15% por ano (KETAI et al, 2008). Por outro lado, Jinglei et al (2009), salientam que 98%, das 700 mil pessoas empregadas na indústria de REEE, pertencem ao setor de reciclagem informal, principalmente, por pequenas empresas do segmento. Tendência similar de informalidade pode ser observada na Índia, com um adicional negativo ocasionado pelo grande volume de REEE descarregado ilegalmente no país (SEPÚLVEDA et al, 2010). De acordo com Manomaivibool (2009), estima-se que a Índia receba anualmente cerca de 50 mil toneladas de resíduos dos países desenvolvidos, que são caracterizados como material reutilizável, rotulado como mistura de aparas metálicas (mixed metal scrap) ou mistura de aparas de cabos (mixed cable scrap). Na Coreia do Sul, de acordo com Kim et al (2009), o governo estipula, desde o ano de 2003, percentuais para a recolha e reciclagem de equipamentos eletroeletrônicos pós-consumo em torno de 15% para refrigeradores e TV, e cerca de 24% para máquinas de lavar. Até o ano de 2009 existiam quatro centros de reciclagem na Coreia do Sul, com


182  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos áreas de abrangência pré-definidas para fins de otimização das rotas. Conforme Yoon e Jang (2006), no primeiro ano de implantação do programa 70% dos REEE foram coletados. Observa-se no país que cerca de 40% desses resíduos são coletados pelo próprio governo, enquanto cerca de 50% são coletados por produtores e revendedores. O Ministério do Meio Ambiente da República Sul Coreana informou que em 2003, 12% dos resíduos eletroeletrônicos coletados no país foram reutilizados, enquanto 69% foram reciclados e 19% encaminhados para disposição final (aterros e incineradores). De acordo com Kahhat et al. (2008), a taxa destinada à reciclagem paga pelos produtores na Coreia do Sul é estimada entre US$4 e US$7. No entanto, esse custo é repassado aos consumidores, que podem optar por: 1. não custear a taxa de coleta adquirindo um novo produto e repassando a responsabilidade pela coleta do REEE ao revendedor no ato da entrega do novo produto, ou 2. pagar a taxa de recolha do REEE para que a coleta seja efetuada pelo sistema público de coleta de resíduos. No caso dos computadores, há empresas que efetuam coletas sem custo. O Japão é modelo em gestão de resíduos, sendo referência mundial por conta dos avanços alcançados em termos de conscientização social e sistemas para recolhimento, tratamento, recuperação e destinação de resíduos sólidos. A regulamentação de REEE no Japão, elaborada em 1998 e em vigor desde 2001, estipula que a seleção dos materiais deve ser realizada a partir da destinação desses resíduos nos aterros sanitários municipais. O país ainda atribui a responsabilidade a produtores e importadores pela gestão de resíduos de quatro categorias de equipamentos eletroeletrônicos: ar-condicionado, geladeiras, máquinas de lavar roupa e TV. Parte dos custos de reciclagem e transporte são repassados ao consumidor que paga, em média, entre US$30 e US$60 por produto. O mercado varejista é obrigado, de acordo com a legislação japonesa, a recolher os equipamentos pós-consumo. Por iniciativa do governo, em 2001 iniciou-se um programa de recolhimento de computadores pessoais pós-consumo. O programa hoje é realizado a partir de um grupo de empresas do setor que coleta – sem custos – equipamentos produzidos a partir de outubro de 2003. No entanto, cabe ressaltar que, sob os equipamentos órfãos (cuja origem não é possível identificar ou cujo fabricante não se encontra mais atuando no mercado) incide uma taxa de coleta que pode chegar a US$40 (ONGONDO et al, 2011). Os riscos associados à disposição inadequada dos REEE abrangem a contaminação do meio ambiente e resultam em sérios danos à saúde, por conta dos metais e de outros elementos químicos presentes nesses equipamentos. Em geral, nas partes de um EEE pode-se encontrar: j j j j

Monitor: Chumbo, Cádmio, Mercúrio e outros metais. Placas de circuito impresso: Cromo, Níquel, Prata, Ouro, Berílio, Chumbo. Pilhas e baterias: Lítio, Cádmio, Manganês, Mercúrio, Chumbo. Em alguns plásticos: retardante de chama.


Desafios na gestão de REEE: panorama atual e perspectivas futuras  183

11.4  Sistema de logística reversa de REEE Um Sistema de Logística Reversa (SLR) de REEE deve disponibilizar canais para devolução desse tipo de resíduo pela população, em consonância com a legislação vigente, com os princípios da prevenção e das boas práticas ambientais e em atendimento aos ditames da responsabilidade socioambiental empresarial. Os canais para devolução, estabelecidos a partir de pontos de coleta ou entrega voluntária, devem ser estruturados de maneira a facilitar a adesão dos cidadãos ao programa e, levando-se em consideração o comportamento da sociedade do local onde serão implantados, podem ser estruturados de maneira ativa ou passiva. Exemplos de canais ativos em funcionamento no mundo são: usuários devolvem seus REEE em uma unidade municipal de entrega de resíduos; usuários devolvem seus REEE em um ponto de coleta determinado; j usuários devolvem seus REEE em um estabelecimento comercial. j j

Já os canais passivos podem ser: coleta porta a porta; j serviço de retirada em domicílio (gratuito ou mediante pagamento); j envio remoto por terceiros sob responsabilidade dos produtores (serviços de courier). j

Como ponto de partida, um programa nesse sentido deve contemplar os seguintes fundamentos: Diminuição da quantidade de resíduos encaminhados para aterros; Estímulo ao uso eficiente dos recursos naturais; j Redução das obrigações físicas e financeiras dos municípios para com a gestão de tais resíduos; j Desenvolvimento de processos de reutilização, reciclagem e recuperação de produtos e materiais; j Promoção de processos de Produção mais Limpa (P + L); j Incremento à conscientização da sociedade; j Viabilização de ações de responsabilidade socioambiental; j Promoção de inclusão social com dignidade, segurança e profissionalismo; j Maximização de oportunidades de negócios e os resultados; j Melhoria das condições ambientais por meio de uma gestão mais eficiente de resíduos. j j

Com o aumento da quantidade e diversidade de produtos pós-consumo, torna-se necessária a implantação de sistemas eficientes de coleta e separação que, por sua vez, demandam ações logísticas coordenadas para o transporte e acondicionamento de materiais e produtos que serão destinados. Em linhas gerais, a Figura 11.3 apresenta um modelo conceitual a respeito da alocação de responsabilidades na gestão de REEE. Propõe-se que os estímulos que incentivam o consumismo podem configurar como ponto de partida para a amplificação do consumo e consequente geração de resíduos.


184  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos A partir do modelo genérico proposto na Figura 11.3, é possível evidenciar três pontos críticos da gestão da cadeia reversa de equipamentos eletroeletrônicos. O primeiro é a etapa de coleta que deve ser fomentada tanto por iniciativas sociais, como por incentivos políticos e fiscais para garantia de um volume mínimo de material a ser processado, a fim de permitir a viabilidade dos custos da reciclagem.

Figura 11.3  Modelo de responsabilidades no Sistema de Logística Reversa (SLR). Fonte: Elaboração própria.

O segundo ponto crítico é a própria etapa da reciclagem, que poderá alcançar um padrão de excelência ambiental na medida em que mecanismos regulamentadores possibilitem a padronização e fiscalização das técnicas de reciclagem. O principal objetivo dessa abordagem é buscar minimizar os impactos negativos à saúde humana e ambiental, verificados a partir do manuseio de resíduos perigosos ao final da vida útil de equipamentos eletroeletrônicos. Salientando que o manuseio ao qual se faz referência é relacionado à desmontagem com exposição de partes, peças, materiais e substâncias potencialmente danosos. Outro tópico de grande relevância é a regulamentação por parte do governo a respeito da responsabilidade sobre a gestão de produtos órfãos. Nesse sentido, alguns países desenvolvidos têm sido apontados como responsáveis pelo tráfico de REEE para países em desenvolvimento, ferindo a Convenção da Basileia. Grande parte dos países em desenvolvimento não estaria apta tecnológica e socialmente para o gerenciamento eficaz e efetivo dessa categoria de resíduos perigosos. Nesse sentido, a elaboração de normas e procedimentos para a implementação de sistemas de logística reversa, bem como o estabelecimento e a adequação de uma infraestrutura mínima, deve ser provida pelo Estado ou ainda pela iniciativa privada, com a participação dos representantes da sociedade e das demais instituições representativas. A diretriz WEEE tem demonstrado significativa influência sobre as políticas de retorno de produtos que atingem o final da vida útil ou o final do uso. Nela são estabelecidos limites mínimos para a coleta de equipamentos eletroeletrônicos pós-consumo (70%80% por peso) e para a reciclagem (50%-80% por peso), o que é fundamental para a efetividade na aplicação da norma. Cabe ressaltar ainda que, por princípio estabelecido na


Desafios na gestão de REEE: panorama atual e perspectivas futuras  185 diretriz, os países membros da Comunidade Europeia são responsáveis por garantir que os tratamentos adotados sejam realizados por entidades oficialmente aprovadas (GRUNOW e GOBBI, 2009). Um importante relatório a respeito do panorama da gestão de REEE no Brasil, com a importante colaboração de Vanda Scartezini, especialista em gestão de resíduos eletroeletrônicos, foi publicado pelo Banco Mundial em 2012 (THE WORLD BANK, 2012). De forma objetiva e didática, esse relatório ressalta a importância da consolidação da PNRS, bem como discute os aspectos-chave, tais como a necessidade da definição de responsabilidades e incentivos econômicos. Ainda sugere movimentações relacionadas à gestão de ações compartilhadas de iniciativas de pequena escala, em forma de rede.

11.5  Consolidação do acordo setorial para a gestão de REEE Os acordos setoriais, juntamente com regulamentos expedidos pelo Poder Público (decretos, leis etc) e termos de compromisso, constituem instrumentos para a implementação dos Sistemas de Logística Reversa (SLR). Foram lançados editais de chamamento para o estabelecimento dos SLRs, em atendimento à Lei n° 12.305/2010 e ao Decreto n° 7.404/2010. O edital referente aos resíduos eletroeletrônicos foi lançado em 13 de fevereiro de 2013 e com prazo de encaminhamento das propostas ao Comitê Orientador em até 120 dias a partir dessa data. Dessa forma, o poder público e o setor privado encontram-se em estágio de planejamento da estratégia para a consolidação de um acordo para a implementação do SLR. Seria demasiadamente prematuro afirmar quais as definições que os grupos tomariam como base. No entanto, com base no próprio texto do edital já é possível a construção de cenários a partir dos quais as ações devem se desenvolver. O edital de chamamento estipula que deverá ser recolhido e destinado 17% de todos os equipamentos eletroeletrônicos colocados no mercado no ano de 2012. Essa meta deverá ser atingida dentro do período de 5 anos a partir da instalação do SLR, ou seja, em 2017. Frente às metas europeias de recolha e destinação, esse percentual ainda é bastante tímido, mas tomando-se em conta as dimensões continentais do Brasil, a meta torna-se de fato um desafio de grandes proporções. Talvez por esse motivo, alguns estados da região Nordeste não tenham entrado como meta de recolhimento no edital de chamamento do acordo setorial. Em linhas gerais, verifica-se uma mobilização tanto do setor público quanto da iniciativa privada, com o propósito de articular soluções para a efetiva gestão dos resíduos eletroeletrônicos. Um exemplo é a formação da Comissão de Estudo CE 03:111 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), a respeito da normalização da Manufatura Reversa de Resíduos de Equipamentos Eletroeletrônicos, publicada como NBR ABNT 16.156:2013. A referida norma buscou definir ações conjuntas para a consolidação de boas práticas na gestão dos resíduos eletroeletrônicos. Pode-se perceber a elaboração dessa norma como suporte as ações previstas por meio do acordo setorial.


186  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos A atuação de catadores, por meio de associações e cooperativas, é endossada tanto no Decreto que regulamenta a Política Nacional de Resíduos Sólidos quanto no edital de chamamento do acordo setorial. Em ambos os documentos, no entanto, é ressaltada a necessidade da viabilidade econômica e capacitação técnica por parte dos catadores para a implantação do SLR. A partir desse entendimento, percebe-se em certa medida a limitação da atuação dos catadores que hoje não se encontram aptos técnica e estruturalmente para gerir resíduos considerados perigosos. Por outro lado, em função do alto valor agregado de alguns materiais provenientes dos resíduos eletroeletrônicos, percebe-se um movimento no sentido de se buscar qualificação dos catadores para atuarem profissionalmente na gestão dessa categoria de resíduos.

Referências bibliográficas DIRETIVA 2012/19/EU, 2012. Directive 2012/19/EU of the European Parliament and of the Council on waste electrical and electronic equipment (WEEE). Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ. do?uri=OJ:L:2012:197:0038:0071:en:PDF. Acesso em março de 2013. GRUNOW, M., GOBBI, C. Designing the reverse network for WEEE in Denmark. CIRP Annals – Manufacturing Technology, vol. 58, 1, 2009, pp. 391-394. KAHHAT, R., KIM, J., XU, M., ALLENBY, B., WILLIAMS, E., ZHANG, P. Exploring e-waste management systems in the United States. Resources, Conservation and Recycling, vol. 52, 7, 2008, pp. 955-964. KETAI, H.; LI, L.; WENYNING, D. Research on recovery logistics network of waste electronic and electrical equipment in China. In: Industrial Electronics and Applications. ICIEA 2008. 3rd IEEE Conference, p. 1797–1802, 2008. KIM, H., YANG, J., LEE, K. Vehicle routing in reverse logistics for recycling end-of-life consumer electronic goods in South Korea. Transportation Research Part D, vol. 14:2009, pp. 291-299. LI, H., YU, L., SHENG, G., FU, J., PENG, P. Severe PCDD/F and PBDD/F pollution in air around an electronic waste dismantling area in China. Environ Sci Technol, vol. 41:2007, pp. 5641-5646. MANOMAIVIBOOL, P. 2009. Making Sense of Extended Producer Responsibility Towards aframework for policy transfer. Dissertação. Lund University. Disponível http://lup.lub.lu.se/luur/download?func=downloadFile&recordOId=1514983&fileOId=1514986. Acesso em: janeiro de 2013. ONGONDO, F.O., WILLIAMS, I.D., CHERRETT, T.J. How are WEEE doing? A global review of the management of electrical and electronic wastes. Waste Management, vol. 31, 4, 2011, pp. 714-730. SCHLUEP, M.; HAGELUEKEN, C.; KUEHR, R.; MAGALINI, F.; MAURER, C.; MESKERS, C.; MUELLER, E; WANG, F. Recycling - from e-waste to resources, Sustainable innovation and technology transfer industrial sector studies United Nations Environment Programme (UNEP), Paris, France, 2009. SEPULVEDA, A., SCHLUEP, M., RENAUD, F.G., STREICHER, M., KUEHR, R., HAGELÜKEN, C., GERECKE, A.C. A review of the environmental fate and effects of hazardous substances released from electrical and electronic equipments during recycling: Examples from China and India. Environmental Impact Assessment Review, vol. 30:2010, pp. 28-41. SILVA, C., SOLER, F. Gestão de Resíduos Sólidos: O que diz a lei? São Paulo: Editora Trevisan, 2012. WAGNER, T. Shared responsibility for managing electronic waste: A case study of Maine, USA. Waste Management, vol. 29, 12, 2009, pp. 3.014-3.021. THE WORLD BANK, 2012. Wasting no opportunity: the case for managing Brazil´s electronic waste. Project Report. Disponível em: <http://www.infodev.org/infodev-files/resource/InfodevDocuments_1169.pdf>. Acesso em: setembro de 2013.


Capítulo 12

Estudo de Caso CEDIR

Tereza Cristina M.B. Carvalho, Neuci Bicov Frade, Lúcia Helena Xavier

RESUMO O CEDIR (Centro de Descarte e Reúso de Resíduos de Informática) da Universidade de São Paulo foi criado em dezembro de 2009 com o objetivo inicial de dar tratamento aos resíduos de informática e telecomunicações gerados pela própria universidade em virtude do mau funcionamento e da obsolescência de seu parque tecnológico. Em abril de 2010, o CEDIR abriu suas portas para o atendimento, também, de pessoas físicas. E de lá para cá, vem ampliando suas atividades contemplando, hoje, a remanufatura de microcomputadores para atender a necessidade de projetos sociais e escolas públicas sem recursos de informática e a provisão de peças para o desenvolvimento de pesquisa em diversas universidades.

12.1 Introdução Atualmente, as organizações privadas e públicas, bem como os indivíduos, têm adquirido um número crescente de bens de informática e de telecomunicações que, uma vez expirado seu tempo de vida, precisam ser substituídos. Essa substituição acontece por obsolescência,

187


188  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos por mau funcionamento ou mesmo pelo impulso do consumidor de possuir algo mais moderno e atual, sem que haja necessidade efetiva de sua substituição. No caso da USP, segundo seu Anuário Estatístico, em 2011 houve um crescimento de 29,94% do número de microcomputadores e 74,72% do número de equipamentos de rede em relação a 2010. Nos anos anteriores, o crescimento médio de equipamentos de informática ficava na faixa de 8 a 10% (Vide Figura 12.1). Diante da preocupação a respeito de alternativas para o descarte ambientalmente correto dos resíduos eletroeletrônicos, foi criado o Centro de Descarte e Reúso de Resíduos de

Figura 12.1  Equipamentos de Microinformática da USP 2007-2011. (a) Bens de informática da USP de 2007 – 2011. (b) Índice de crescimento de bens de informática dos anos de 20082011. Fonte: USP, 2011.


Estudo de Caso CEDIR  189 Informática (CEDIR/USP) em Dezembro de 2009. O desafio consistia em buscar formas legais e ambientalmente corretas para a destinação dos equipamentos fora de uso do parque tecnológico da USP. Desde a sua criação, as atividades do CEDIR foram expandidas e hoje sua missão é: “Disseminar e praticar ações de sustentabilidade referente ao tratamento de lixo eletrônico, no que concerne ao reúso e descarte correto, visando à proteção ambiental, à promoção de inclusão social e ao ganho econômico advindo do retorno de resíduos à cadeia produtiva.”

12.2 Histórico Em agosto de 2007 foi criada a Comissão de Sustentabilidade, que teve como principal objetivo levantar os problemas ambientais do Centro de Computação Eletrônica da Universidade de São Paulo (CCE-USP) e sugerir programas de sustentabilidade a serem implantados neste centro. Como resultado, essa Comissão de Sustentabilidade realizou pesquisas e levantamentos de dados e propos ações de sustentabilidade a serem incorporadas no dia a dia dos empregados do CCE-USP, envolvendo desde o uso racional de água e energia elétrica até o tratamento sustentável de lixo eletrônico. Dentre as diversas ações realizadas pela Comissão de Sustentabilidade do CCE-USP, as duas mais importantes e de impacto mais relevante foram: j j

Criação do Selo Verde da USP Criação do CEDIR (Centro de Descarte e Reúso de Resíduos de Informática).

12.3  Selo Verde da USP A partir do trabalho da Comissão de Sustentabilidade do CCE, com apoio da DVEMIC (Divisão Técnica de Equipamentos de Microinformática) e da CTI (Coordenadoria de Tecnologia da Informação), a primeira grande compra de microcomputadores verdes tornou-se possível. Desse trabalho resultou um edital recomendando às empresas fabricantes o fornecimento de computadores ditos “verdes” que atendessem aos seguintes requisitos: economia de energia elétrica, ausência de elementos nocivos à saúde humana e ao meio ambiente como, por exemplo, chumbo, cádmio e materiais tóxicos, em conformidade com a diretriz europeia ROHS (Restriction of Hazardous Substances) (ROHS, 2009) (EU, 2003) e adesão aos padrões internacionais de gestão de qualidade ISO 9001 (ABNT, 2008) (ISO, 2008), e gestão ambiental ISO 14.001 (ABNT, 2005) (ISO, 2004) (SEIFFERT, 2011). Esses requisitos foram especificados como opcionais e desejáveis, pois sua obrigatoriedade poderia causar o fracasso do pregão a ser realizado, visto não existir no mercado nacional


190  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos ao menos três fabricantes que, com certeza, pudessem atender a tais requisitos naquela época, setembro de 2008 (BRASIL, 1993). No intuito de motivar e incentivar a empresa vencedora desse pregão a fornecer sistemas “verdes” foi criado o conceito de “Selo Verde”, que seria concedido caso seu produto atendesse aos requisitos de computadores “verdes”. A partir da sua criação, o Selo Verde é concedido a todos os equipamentos fabricados dentro dos padrões de TI verde, como uma forma da USP reconhecer as empresas comprometidas com a sustentabilidade ambiental em seus produtos (CARVALHO, 2010). A aplicação dessa política na USP para aquisição de bens de informática e telecomunicação verdes permite reduzir a geração de lixo eletrônico com componentes tóxicos e não recicláveis, constituindo-se, dessa forma, uma cadeia mais sustentável. Além disso, esses equipamentos, quando forem enviados para descarte, serão facilmente identificados pelo selo, recebendo tratamento facilitado ao serem destinados à reciclagem. Em 17 de dezembro de 2008 realizou-se a cerimônia de lançamento do Selo Verde da USP, comemorando-se o primeiro fornecimento de microcomputadores verdes para a USP. Foi um momento histórico na Universidade de São Paulo, que passou a incluir a especificação de sistemas verdes em seus editais e a dar suporte a diversos órgãos públicos que passaram a ter interesse de publicar editais para aquisição de bens de informática semelhantes ao da USP. Na Figura 12.2, são apresentadas fotos de diferentes momentos do lançamento do “Selo Verde” da USP e detalhes do próprio selo. O selo foi concebido pela própria Comissão de Sustentabilidade com anuência da Reitora. Possui uma assinatura eletrônica, usada para evitar a falsificação (FREITAS, 2009).1

12.4  CEDIR (Centro de Descarte e Reúso de Resíduos de Informática) A Criação do CEDIR foi resultado de um processo de pesquisas e investigações sobre o mercado de reciclagem de resíduos eletroeletrônicos (CARVALHO, 2010 e 2012).

12.4.1  Projeto de criação da cadeia de transformação de resíduos de informática Com o objetivo de atender à demanda de tratamento sustentável do lixo eletrônico,2 em março de 2008 teve início o projeto de Criação de Cadeia de Transformação de Lixo 1

O sistema de assinatura eletrônica da USP foi desenvolvido pelo Laboratório de Arquitetura e Redes de Computadores (LARC) do Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais (PCS) da Escola Politécnica da USP. 2 Lixo eletrônico é tudo o que é enviado para o lixo proveniente de peças e equipamentos eletroeletrônicos, sendo considerado inservível.


Estudo de Caso CEDIR  191

Figura 12.2  Outdoor de lançamento do Selo Verde no campus Armando de Sales Oliveira da USP e fotos do primeiro microcomputador verde, em dezembro de 2008. Fonte: CCE, 2008.

Eletrônico da Universidade de São Paulo, em parceria com o programa do MIT (Massachusetts Institute of Technology) S-Lab (Sustainability Laboratory). A partir do levantamento realizado sobre as melhores práticas empregadas em universidades estrangeiras, indústrias de eletrônicos, ONGs e instituições governamentais, conhecendo-se as características da USP, criou-se um plano de ações de gestão de resíduos eletroeletrônicos visando à criação de uma Cadeia de Transformação de Lixo Eletrônico. Os principais objetivos deste plano foram: eliminar de forma sustentável o lixo eletrônico da universidade; iniciar e orientar uma mudança comportamental dos colaboradores, docentes e alunos em relação à aquisição de sistemas verdes e o descarte sustentável de lixo eletrônico; j receber e dar encaminhamento sustentável aos equipamentos e resíduos enviados pelas unidades de ensino e administrativas da USP e pela comunidade externa. Este encaminhamento poderia ser na forma de reúso, descarte sustentável e reciclagem; j j


192  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos criar um sistema em equilíbrio, entre a geração de lixo eletrônico e a destinação adequada para o que for resíduo de informática. j propor a criação da Cadeia de Transformação de Lixo Eletrônico que garanta o reaproveitamento ou a destinação do material coletado, especificando-se os recursos materiais, humanos e de infraestrutura necessários para a sua implementação. j

12.4.2  Primeira coleta de REEE (Resíduos de Equipamentos Eletroeletrônicos) Como resultado do plano de gestão de resíduos de informática, em junho de 2008, com a participação dos colaboradores, foi executado um plano piloto no CCE para coleta de resíduos eletrônicos, a “Operação Descarte Legal” (CARVALHO, 2010). A Operação Descarte Legal, que ocorreu em 5 de Junho (Dia Mundial do Meio Ambiente) de 2008 e arrecadou 5,2 toneladas de material eletroeletrônico somente de colaboradores do próprio CCE (Centro de Computação Eletrônica) da USP. O material foi inicialmente armazenado em um contêiner para viabilizar a inspeção por potenciais empresas de reciclagem. Foram contatadas diversas empresas de reciclagem com o objetivo de vender o material para aquela que tivesse os credenciamentos necessários e comprobatórios de destinar corretamente os resíduos e desse a melhor oferta pelo material coletado. Contudo as empresas tiveram pouco interesse e argumentavam que o custo do frete era o que poderiam pagar por aquele material. Tal situação deixou a Comissão de Sustentabilidade bastante desapontada e levou-nos a investigar o mercado de reciclagem, para entender como funcionava, como extrair valor do que tínhamos coletado e como garantir sua destinação sustentável. Posteriormente, este material foi encaminhado e tratado no CEDIR (Centro de Descarte e Reúso de Resíduos de Informática). A Figura 12.3 mostra o Informativo lançado para convidar os colaboradores do CCE-USP a participarem da “Operação Descarte Legal”. A Figura 12.4 mostra um gráfico que detalha os tipos de materiais coletados pela “Operação Descarte Legal”. Como pode-se observar neste gráfico, a maior parte do peso estava relacionada a placas de rede e CPU (Control Process Unit). Os resultados da pesagem desse material foram importantes para estimar o tipo e a quantidade de resíduos eletroeletrônicos que seriam coletados em outras escolas, faculdades, institutos ou órgãos centrais da USP, assim como os recursos e infraestrutura necessários para implantação do CEDIR que deveria tratar tais resíduos.

12.4.3 Centro de Descarte e Reúso de Resíduos de Informática (CEDIR) A partir da Operação Descarte Legal foi possível verificar na prática que as empresas de reciclagem não tinham interesse em computadores, impressoras e bens de informática obsoletos sem nenhum pré-processamento. Na realidade, as empresas de reciclagem são especializadas no tratamento de materiais específicos e caso recebam peças inteiras,


Estudo de Caso CEDIR  193

Figura 12.3  Cartaz de Convite à participação na “Operação Descarte Legal” e Comissão de Sustentabilidade no dia da coleta. Fonte: Tereza Cristina Carvalho.

Figura 12.4  Quantidade de Equipamentos Eletroeletrônicos coletados na “Operação Descarte Legal”. Fonte: Elaboração própria.

precisam desmonta-las e, depois, fazer a triagem do que interessa. O que não interessa pode ter destinos diversos, que pode ser uma outra empresa de reciclagem, um aterro industrial ou um lixão. Diante desta realidade, decidiu-se por avaliar a possibilidade de criar o Centro de Descarte e Reúso de Resíduos de Informática (CEDIR), que pudesse fazer o pré-processamento


194  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos dos resíduos coletados. Em novembro de 2008, o projeto deste Centro de Descarte e Reúso de Resíduos de Informática (CEDIR) foi submetido pelo CCE e selecionado por um grupo de pesquisadores do MIT L-Lab para uma parceria com o objetivo de dar continuidade às pesquisas, às visitas às empresas de reciclagem, aos estudos sobre legislação, às reuniões com especialistas da área, tarefas já iniciadas pela Comissão de Sustentabilidade, além de desenvolver o projeto do próprio centro. Foram definidos, então, os principais objetivos do Centro de Descarte e Reúso de Resíduos de Informática (CEDIR), como sendo: j j j j

identificar o fluxo de vida dos equipamentos eletroeletrônicos; implantar o programa de coleta e descarte do lixo eletrônico; propor soluções para reaproveitamento e/ou reciclagem do lixo eletrônico; pesquisar projetos sociais que poderiam receber sistemas eletroeletrônicos para reúso. pesquisar empresas especializadas e capacitadas em reciclagem ambientalmente correta do lixo eletrônico; j elaborar método de homologação e certificação tanto dos projetos sociais como dessas empresas de reciclagem; j identificar parcerias críticas para o centro; j ser referência na destinação final correta dos resíduos eletrônicos. j

O modo de operação básico do CEDIR pode ser descrito seguindo as seguintes atividades: recepcionar os equipamentos eletrônicos obsoletos da USP que estejam despatrimoniados e de pessoas físicas da sociedade em geral; j efetuar triagem a partir da possibilidade de reutilização; j consertar equipamentos eletroeletrônicos que possam ser reutilizados. j separar e classificar os inservíveis conforme composição, ou seja, plásticos, metais, placas eletrônicas, cabos etc; j armazenar o material até o seu recolhimento por empresas recicladoras devidamente credenciadas e certificadas. j

A Figura 12.5 mostra o fluxo de operação do Centro de Descarte e Reúso de Resíduos de Informática. Foram definidas três etapas principais: Coleta e Triagem: Esta etapa é responsável pela coleta dos componentes e equipamentos eletroeletrônicos da comunidade USP e, posteriormente, do público em geral. Esses componentes e equipamentos são testados para verificar sua operacionalidade. Caso ainda estejam funcionando, são testados verificando-se a possibilidade de introduzir melhorias, como, por exemplo, o aumento da capacidade de memória tanto primária quanto secundária de um microcomputador. Os equipamentos considerados operacionais são, então, encaminhados para Projetos Sociais e ONGs credenciadas junto à USP. Caso não haja possibilidade de reaproveitamento desses equipamentos, os mesmos são encaminhados para o ciclo de Categorização.

j


Estudo de Caso CEDIR  195

Figura 12.5  Fluxograma de Operação do Centro de Descarte e Reúso de Resíduos de Informática (CEDIR). Fonte: CEDIR.

Categorização: Nesta etapa é realizado o pré-processamento do lixo eletrônico coletado, que inclui as atividades de: pesagem, desmontagem (por exemplo, de um microcomputador), separação de seus componentes (por exemplo, placas-mãe, placas de fonte de alimentação, peças metálicas, peças plásticas), descaracterização desses componentes (por exemplo, microperfuração de discos descartados para evitar a recuperação indevida de suas informações), compactação e acondicionamento dos componentes para facilitar seu transporte e, por último, pesagem por tipo de material. j Reciclagem: Os componentes separados e descaracterizados no ciclo anterior são encaminhados às indústrias de reciclagem credenciadas pela USP e adequadas para seu tratamento. O credenciamento junto a USP inclui a apresentação de certificações exigidas pela CETESB (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental). Assim, por exemplo, peças plásticas ou de metais ferrosos e não ferrosos serão enviadas para indústrias de reciclagem diferentes, com processos próprios para tratar esses tipos de materiais. j

Vale observar que inicialmente o CEDIR foi concebido somente para desmontar computadores e outros equipamentos de informática. Contudo, no dia a dia de suas operações, começamos a receber muitos equipamentos bons que poderiam ser reusados mediante uma simples reconfiguração ou a inserção de mais memória primária e/ou secundária (discos). Diante dessa realidade, decidiu-se por incluir a operação de recuperação de equipamentos no seu fluxo. O Centro de Descarte e Reúso de Resíduos de Informática (CEDIR) foi inaugurado em dezembro de 2009, ocupando um galpão com uma área aproximada de 500m2, localizado


196  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos no Bloco 27 no campus CUASO. Dispunha de acesso para carga e descarga de resíduos. Essa área foi concebida para realizar triagem, reparo e destinação de, ao menos, 500 equipamentos por mês (o equivalente a 5 toneladas/mês). O CEDIR começou a operar em Dezembro de 2009, recebendo equipamentos só da comunidade da USP. Em abril de 2010, foi aberto para receber equipamentos, também, do publico em geral, voltado para pessoas físicas. Para tanto, os interessados devem fazer um agendamento junto ao Help Desk do CCE-USP, especificando o montante de equipamentos eletroeletrônicos a serem entregues. Essa informação é usada para compor o termo de doação que deve ser assinado pelo responsável pela entrega do material no CEDIR. Hoje, o CEDIR-CCE recebe equipamentos eletroeletrônicos de todos os campi da capital e de Piracicaba, Bauru, Lorena, Pirassununga, São Sebastião e Santos. Em São Carlos, foi criado Recicl@tesc, em parceira com o CEDIR SP que recebe resíduos de informática de São Carlos, Ribeirão Preto e Bauru. Em Piracicaba, o CEDIR-CIAGRI remonta equipamentos para projetos sociais e encaminha os resíduos restantes para o CEDIR SP. A Tabela 12.1 resume os principais eventos relacionados à criação e operação do CEDIR.

12.4.4 Áreas de atuação do CEDIR A Figura 12.6 resume as principais áreas de atuação do CEDIR, agrupadas segundo os quatro pilares de sustentabilidade, a saber: Ambiental, Social, Econômico e Cultural. Todos os equipamentos recebidos no CEDIR da comunidade USP devem ser previamente despatrimoniados, seguindo orientação da Lei no 8.666 de 1993 (BRASIL, 1993) a respeito do processo licitatório na administração pública. 1. Aspectos ambientais Conforme mencionado anteriormente, o CEDIR foi concebido para realizar o tratamento de resíduos eletrônicos, evitando que fossem descartados de modo inadequado e provocando a contaminação do meio ambiente em virtude do grande volume de substâncias tóxicas presentes nos seus componentes. No caso do monitor de CRT, por exemplo, pode-se ter 3kg a 4kg de chumbo. Esse tratamento previa a desmontagem dos equipamentos, com a separação dos seus diversos componentes segundo o material empregado, por exemplo, plástico, metal ferroso e não ferroso, placas leves e pesadas, entre outros. Cada tipo de material é estocado até que se atinja o volume requerido pelas empresas de reciclagem, que varia de material para material. Por exemplo, no caso de plástico, o volume mínimo requerido pelas empresas é de 300kg, enquanto no caso de placas o valor sobre para cinco toneladas. Em virtude da PNRS (Politica Nacional de Resíduos Sólidos), algumas empresas já estão se responsabilizando pela logística reversa dos equipamentos inservíveis de sua fabricação. Tais empresas retiram os seus equipamentos no CEDIR e realizam o seu descarte correto. Esse é o caso de alguns fabricantes de monitores tipo CRT.


Estudo de Caso CEDIR  197 TABELA 12.1  Principais eventos históricos do CEDIR. Ano

Evento

Resultado

Set 2007

Criação da Comissão de Sustentabilidade no CCE-USP.

Identificação de Atividades de Sustentabilidade aplicáveis à TI.

Março 2008

Primeiro trabalho sobre REE com MIT S-Lab. Identificação da necessidade de coletar REEE da universidade.

Jun 2008

Operação Descarte Legal de coleta de REE no CCE e CTI.

Out 2008

Primeiro Pregão “Esverdeado” para compra Itautec vence o pregão e produz computade microcomputadores. dores verdes para USP.

Dez 2008

Lançamento do Selo Verde USP para computadores verdes.

Concessão do Selo Verde para Itautec pela entrega de computadores verdes.

Jan 2009

Trabalho sobre REE com pesquisadores do MIT L-Lab.

Planejamento da criação do CEDIR.

Fev - Maio 2009

Projeto do CEDIR, feito pela Comissão de Sustentabilidade.

Projeto do CEDIR.

Abril 2009

Prêmio Mário Covas.

Menção Honrosa - Categoria Inovação pelo projeto do Selo Verde e CEDIR.

Maio 2009

Concessão de Área para Construção do CEDIR. Projeto Físico do CEDIR.

Dez 2009

Inauguração do CEDIR.

Início da Operação do CEDIR para atender à comunidade USP.

Abril 2010

Abertura do CEDIR para o público em geral – pessoas físicas.

Atendimento de pessoas físicas.

Coleta de 5 toneladas de lixo eletrônico de 200 funcionários do CCE-USP.

Abril 2010

Prêmio Mário Covas.

Categoria Inovação pelo projeto do CEDIR.

Set 2010

Criação do Logo do CEDIR Vencedor por Concurso Público.

Publicação da Logo do CEDIR.

Dez 2010

Prêmio InfoExame – Iniciativa Verde – CEDIR.

Abril 2011

Início do Programa EcoEletro, Instituto GEA Treinamento de catadores em microinfore PETROBRAS. mática e tratamento de lixo eletrônico.

Abril 2012

Prêmio Mário Covas 2011.

Categoria Inovação pelo projeto EcoEletro.

Ago 2012

Primeira oficina de design com o lixo eletrônico do CEDIR.

Design de brinquedos.

Nov 2012

Transferência física do CEDIR para a Prefeitura do campus.

Abril 2013

3o Prêmio FECOMÉRCIO de Sustentabilidade. Categoria Academia pelo projeto EcoEletro.

Junho 2013 Prêmio von Martius - 2º lugar na categoria Humanidade Premiação pelo Projeto Eco-Eletro - Capacitação de catadores para reciclagem de lixo eletrônico - USP e Instituto GEA Junho 2013 Prêmio von Martius - 1º lugar na categoria Tecnologia Premiação pelo projeto e atuação do CEDIR - STI/USP

O CEDIR tem atuado em parceria com a CETESB e o IBAMA. No inicio de sua operação, contou com o suporte dessas instituições no sentido de definir suas atividades básicas sem infringir boas práticas relacionadas ao meio ambiente. Como exemplo, pode-se citar a desmontagem de tubos CRT (raios catódicos) que foi descontinuada por sugestão das instituições devido à vulnerabilidade dos tubos, que seriam quebrados com muito mais facilidade.


198  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos

Figura 12.6  Visão geral das áreas de atuação do CEDIR. Fonte: CEDIR.

2. Aspectos sociais No dia a dia de sua operação, o CEDIR recebia muitos equipamentos em condições de reúso, o que levou a se introduzir a atividade de recuperação de equipamentos para empréstimos para projetos sociais de entidades filantrópicas e escolas públicas com poucos recursos de informática, credenciadas junto à USP. A parir daí, outras atividades foram surgindo. Dada a importância da questão de tratamento de Resíduos Eletroeletrônicos e a visibilidade que este tema tem tido na mídia em geral, incluindo TV, rádio, jornais e Internet, o CEDIR é muito procurado para ministrar palestras e oferecer visitas monitoradas, nas quais são explicadas as diferentes fases de sua operação. As visitas ocorrem uma vez por semana e têm contado com a presença de alunos e professores de São Paulo, outros estados e até de outros países, além de gestores de meio ambiente em órgãos municipais, estaduais e federais, microempresários interessados em atuar no mesmo ramo e empresas que estão enfrentando o desafio de conformidade à PNRS (Politica Nacional de Resíduos Sólidos). Ainda em relação a ações sociais, o LASSU (Laboratório de Sustentabilidade em Tecnologia da Informação e Comunicação) em parceria com o CEDIR e o Instituto GEA, com patrocínio do Programa Cidadania e Desenvolvimento da Petrobras, desenvolveu o projeto EcoEletro, cujo objetivo é realizar o treinamento de catadores de material reciclável em microinformática básica e no tratamento de resíduos de informática, visando evitar a contaminação dos catadores e do meio ambiente em virtude


Estudo de Caso CEDIR  199 do manuseio errôneo desses resíduos, bem como orientá-los sobre o processo de desmontagem e agregação de material oriundo de tais resíduos com fins de maximizar o retorno financeiro obtido com a sua venda. O programa formou ao todo 180 catadores, que tiveram 60 horas de curso teórico e prático. A entrega dos certificados para os catadores foi realizada no dia 22 de novembro de 2012 em cerimonia dirigida pela Escola Politécnica. Por último, a equipe do CEDIR tem participado e colaborado na elaboração de normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) em parceria com a CTI de Campinas. 3. Aspectos econômicos Os equipamentos recebidos no CEDIR que são consertados e/ou reformados não são destinados apenas a projetos USP. Tais equipamentos têm sido solicitados por unidades da própria universidade, no caso de necessidades temporárias como em eventos com disponibilização de acesso e uso de Internet, salas de aluno ou professores. Além disso, escolas públicas com recursos limitados têm solicitado os computadores do CEDIR para uso em sala de aula, viabilizando o contato e a aprendizagem de crianças em como operar um computador e seus programas. Os componentes de computadores desmontados são requisitados, também, pelos órgãos da USP responsáveis pela manutenção de sistemas computacionais como peças de reposição usadas no reparo de computadores quebrados. A aquisição de tais peças no mercado não é simples por se tratar muitas vezes de componentes descontinuados. Professores e pesquisadores também procuram no CEDIR peças que possam ser usadas nos seus experimentos, como é o caso do uso de motores de disco rígido na montagem de robôs. 4. Aspectos culturais O CEDIR tem recebido peças de idades diversas, algumas raridades que mereciam espaço num Museu de Tecnologia ou Informática. O projeto desse museu começa a ser discutido na STI (Superintendência de Tecnologia da Informação). Além disso, o CEDIR tem sido usado também como oficina de design, empregando resíduos de informática. No mês de agosto de 2012, recebemos o renomado designer finlandês Ilka Suppanen, convidado pela professora Maria Cecilia Loschiavo, que coordenou uma oficina de design aberta ao público com peças do CEDIR.

12.5  Resultados obtidos Esta seção apresenta os principais resultados obtidos em relação ao tratamento dos resíduos de informática, seja por meio de reúso e empréstimo de equipamentos, seja por descarte correto junto a empresas de reciclagem credenciadas na CETESB, ou, ainda, a devolução dos equipamentos para os fabricantes.


200  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos

12.5.1 Resíduos de informática recebidos Os Gráficos 12.1 e 12.2 referem-se aos tipos de equipamentos entregues no CEDIR nos anos de 2010 a 2013 (fevereiro de 2013).

Gráfico 12.1  Classificação dos Tipos de Equipamentos Eletroeletrônicos entregues no CEDIR nos anos de 2010 a fevereiro de 2013. Fonte: CEDIR.

Gráfico 12.2  Tipos de Equipamentos Eletroeletrônicos entregues no CEDIR nos anos de 2010 a fevereiro de 2013. Fonte: CEDIR.


Estudo de Caso CEDIR  201 O Gráfico 12.3 mostra o volume de equipamentos eletroeletrônicos entregues pela comunidade USP e pessoas físicas no ano de 2011.

Gráfico 12.3  Origem dos Equipamentos Eletroeletrônicos entregues no CEDIR no ano de 2011. Fonte: CEDIR.

12.5.2 Reúso de resíduos de informática No caso de reúso de resíduos de informática, podem ser identificados os seguintes tipos de ações. 1. 2. 3. 4 5. 6.

Empréstimo para Projetos Sociais e Instituições Filantrópicas; Empréstimo para Escolas Públicas; Reúso pela própria USP; Reúso de peças para conserto de computadores; Reúso por outras entidades e prefeituras; Reúso de peças para realização de experimentos científicos.

O Gráfico 12.4 mostra a evolução dos empréstimos ocorridos nos anos 2010, 2011 e 2012 para projetos sociais e instituições filantrópicas.

12.5.3. Logística reversa Foram devolvidos aos fabricantes: j

Cartuchos de tonner e tinta (cerca de 1.000 cartuchos), para uma destinação ambientalmente correta, sem custo para a Universidade.


202  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos

Gráfico 12.4  Número de Equipamentos de Informática emprestados para Projetos Sociais e Instituições Filantrópicas. Fonte: CEDIR.

Pilhas e baterias (cerca de 300 Kg) por meio do programa de recolhimento da ABINEE, sem custos para a Universidade. j Baterias de Chumbo ácido, para o PRAC, programa de recolhimento do Governo Federal, que encaminha as baterias para a empresa Tamarana, no Paraná, para a reciclagem, sem custos para a Universidade. j Monitores CRT, considerados resíduos classe I, potencialmente contaminantes, encaminhados a recicladores remunerados na base de permuta com o recebimento concomitante de ferro e plástico para reciclagem. j

12.5.4 Visitas guiadas São realizadas quatro visitas guiadas por mês. As pessoas inscrevem-se a partir do serviço de Help Desk do CCE-USP. Não existe pré-requisito para a participação dessas visitas. Têm participado dessas visitas gestores ambientais de prefeituras do estado de São Paulo e outros estados, estudantes e professores de universidades da cidade de São Paulo e de cidades de outros estados brasileiros, como também de universidades estrangeiras, incluindo MIT e Boston University, além de microempresários e outros.

12.5.5  Prêmios recebidos O CEDIR recebeu diversos prêmios, conforme mostra a Tabela 12.2.


Estudo de Caso CEDIR  203 TABELA 12.2  Prêmios recebidos pelo CEDIR. Abril 2009

Prêmio Mário Covas 2008 – Menção Honrosa – Categoria Inovação pelo projeto do Selo Verde e CEDIR da USP (GPESP, 2013).

Abril 2010

Prêmio Mário Covas 2009 – Categoria Inovação pelo projeto do CEDIR (GPESP, 2013).

Dezembro 2010

Prêmio InfoExame – Iniciativa Verde – CEDIR (INFO, 2010).

12.6  Projeto EcoEletro Além do empréstimo de equipamentos de informática para projetos sociais, entidades filantrópicas e para escolas públicas, o CEDIRé parceiro do projeto EcoEletro desenvolvido pelo LASSU (Laboratório de Sustentabilidade em Tecnologia da Informação e Comunicação) do PCS (Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais) da Escola Politécnica e do Instituto GEA, com patrocínio da Petrobras (GEA, 2013). Como explicado anteriormente, o objetivo do projeto é treinar os catadores de material reciclável em microinformática básica e tratamento de resíduos eletroeletrônicos. Tem-se como meta ensiná-los as questões de saúde envolvidas no manuseio desse material e os cuidados que devem ser tomados para evitar a contaminação deles próprios e do meio ambiente, além de instruí-los sobre a melhor maneira de separar e agregar este material para maximizar o valor de sua comercialização. Até novembro de 2012, um total de 12 cooperativas participantes do projeto havia conseguido vender seus resíduos eletrônicos por maior valor: Coopreciclável, Coopamare, Coorpel, Recifran, Cooperglicério, Cooperlagos, CooperZagatti, Coopere-Centro, Cantareira Viva, Granja Julieta, Nova Esperança, Recicla Pirituba. O valor de venda do quilo do resíduo eletrônico aumentou em cerca de 10 vezes, em média, passando de R$ 0,29 para R$ 3,07, como pode ser verificado no Gráfico 12.5. Foram montadas 16 turmas de catadores, totalizando-se 180 pessoas treinadas. Participaram dessa capacitação não apenas os catadores das cooperativas originalmente previstas (São Paulo, ABC e Guarulhos), mas também de outras 28 cidades: Alumínio, Arujá, Campinas, Cotia, Cubatão, Diadema, Embu, Guarulhos, Ibiúna, Itanhaém, Itapecerica da Serra, Itupeva, Mauá, Mongaguá, Peruíbe, Poá, Praia Grande, Ribeirão Pires, Salesópolis, Santana da Paraíba, São Bernardo do Campo, São José do Rio Preto, São Vicente, Suzano e Taboão da Serra., Além de duas cidades do Estado de Minas Gerais: Contagem e Poços de Caldas. O mapa da Figura 12.7 mostra a abrangência do projeto. Originalmente, eram previstas cooperativas de São Paulo (capital), , bem como Guarulhos, Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Diadema. A entrega de certificados para os catadores de material reciclável que participaram do programa ocorreu em novembro de 2012 (Tabela 12.3).


204  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos

Gráfico 12.5  Renda com Comercialização de Resíduos Eletroeletrônicos antes e depois do Projeto EcoEletro. Fonte: CEDIR.

12.7  Considerações finais O CEDIR hoje atua em diversas áreas, tem contribuído para preservação do meio ambiente e promovido atividades de inclusão social por meio do empréstimo de computadores para instituições e comunidades com poucos recursos bem como por meio de cursos, palestras e visitas monitoradas que são tipicamente abertas ao público em geral. No caso especifico da USP, além do descarte e reúso de bens de informática, o CEDIR tem sido procurado por pesquisadores que usam peças de computadores na montagem de experimentos, bem como por técnicos que usam componentes lá deixados para fazer a manutenção de seus computadores ou impressoras.


Estudo de Caso CEDIR  205

Figura 12.7  Abrangência do Projeto (em julho de 2012). Fonte: CEDIR. TABELA 12.3  Prêmios Concedidos ao Projeto EcoEletro. Abril 2012

Prêmio Mário Covas 2011 – Categoria Inovação pelo projeto EcoEletro (GPESP, 2013).

Abril 2013

3o Prêmio FECOMÉRCIO de Sustentabilidade – Categoria Professor (FECOMÉRCIO, 2013).

O CEDIR tem sido uma referência para órgãos de gestão ambiental de todas as esferas, além de auxiliar escolas públicas e universidades do estado de São Paulo, de outros estados brasileiros e inclusive de instituições internacionais.

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Dennis Brandão, Neuci Bicov Frade

Capítulo 13

Estudo de Caso do RECICL@TESC RESUMO

Atualmente, com a rápida evolução da tecnologia, muitos computadores em bom estado de conservação são descartados, transformando-se num grande problema: lixo contaminante. Pensando nisso, em 2009 a Rede Social São Carlos, com apoio do SENAC/São Carlos em parceria com a Prefeitura Municipal de São Carlos, Câmara Municipal de São Carlos, Nosso Lar e USP São Carlos, criou e coordenou o projeto Recicl@tesc. Apresenta-se neste estudo de caso a estrutura, características e resultados alcançados por este projeto.

13.1 Introdução No cenário atual de intensa evolução tecnológica, é nítida a tendência de consumo crescente de equipamentos eletroeletrônicos e o consequente descarte desses produtos em prazos cada vez menores. Se por um lado a parcela da população que cotidianamente consome (e descarta) tais produtos, seja em seus lares, seja em seu trabalho é crescente; por outro lado, existe uma parcela da população que ainda não os acessa. Diante dessa realidade, desde

209


210  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos o final dos anos 1990 tem surgido no Brasil um número cada vez maior de projetos de inclusão digital sob responsabilidade dos governos e de organizações não governamentais com vistas a atender esta última parcela da população. Os projetos, via de regra, visam fornecer amplo acesso às tecnologias de informática e aos recursos da Internet. Um modelo frequente é o do Telecentro, local de acesso público a computadores que funcionam como quiosques de acesso à Internet. Sob outras diretrizes, há projetos ainda que oferecem cursos e capacitações nas diversas áreas das tecnologias da informática. Em 2009, no município de São Carlos/SP, foi concebido um modelo de projeto de inclusão digital coordenado por uma rede de parceiros governamentais e não governamentais, no qual as ações educacionais no campo da informática de cunho profissionalizante são associadas a práticas de reciclagem e atividades de reúso de resíduos eletroeletrônicos. Este projeto recebe o nome Recicl@ tesc - Reciclagem Tecnológica de São Carlos. O Recicl@tesc é, sucintamente, um dos projetos da Rede Social São Carlos com o apoio do SENAC/São Carlos e parceria da Prefeitura Municipal de São Carlos, Câmara Municipal de São Carlos, Nosso Lar e USP São Carlos, cujo objetivo é receber e processar equipamentos de informática, possibilitando a inclusão digital e social através da reutilização de equipamentos que estariam destinados à sucata. É também uma preocupação do projeto o aspecto ambiental, pois os equipamentos que não são reutilizados são desmontados e seus componentes têm a devida destinação a recicladores licenciados para essa finalidade. O projeto foi concebido e opera de forma inovadora, principalmente para a cidade de São Carlos, conhecida nacionalmente como Capital da Tecnologia, onde até 2009 o correto e efetivo descarte municipal do lixo eletrônico (sobretudo equipamentos de informática) era uma demanda ainda com poucas soluções. O Recicl@tesc através de sua metodologia que integra as organizações da Rede Social São Carlos (Senac, ONGs e Poder Público), contribui com a solução desse problema e sustenta em seu campo de atuação o desenvolvimento sustentável da cidade de São Carlos e região.

13.2  Histórico do projeto 13.2.1  Início da implantação do projeto A apresentação do projeto Recicl@tesc e de suas premissas para a Rede Social São Carlos aconteceu no dia 23 de abril de 2009, quando foi acolhido por ser um considerado então um projeto inovador. Para a realização do projeto, a Rede Social São Carlos mobilizou parceiros fundamentais como: a Prefeitura Municipal de São Carlos, a Câmara Municipal de São Carlos, através do projeto Câmara Verde, a ONG Nosso Lar, a USP São Carlos, o Senac/São Paulo e Santander Universidades. Esses parceiros contribuiriam para as atividades de capacitação em manutenção de computadores e rede, recolhimento de materiais e articulação de doadores de equipamentos de informática.


Estudo de Caso do RECICL@TESC  211 O projeto iniciou-se então sob a tutela da Instituição Nosso Lar, uma das organizações participantes da Rede Social que nesta oportunidade decidiu por acolher o projeto, ­valendo-se da vantagem de, em suas instalações, já haver a infraestrutura necessária para o inicio dos trabalhos propostos. O Nosso Lar então utilizou uma casa de sua propriedade e preparou nela toda a estrutura necessária para as atividades previstas, com bancadas apropriadas e gavetas para guardar os materiais. A estrutura tem capacidade de processar 16 computadores simultaneamente e espaço para guardar volume adequado de equipamentos e peças, conforme Figura 13.1.

Figura 13.1  Detalhe da bancada de trabalho. Fonte: Recicl@tesc.

O local físico planejado inicialmente para o “Centro de Reciclagem” possui as seguintes características e equipamentos: instalações elétricas aterradas, rede local e Internet, telefone, boa iluminação, ausência de umidade, cômodos arejados e refrigerados, fácil acesso para transporte de equipamentos, mobiliário adequado com bancadas de trabalho e local para armazenamento de equipamentose ferramentas em geral, bem como recipientes para armazenamento de peças pequenas, etiquetas para identificação visual dos materiais, além de material de pintura: compressor de ar, aerógrafos de diversos diâmetros, pistola de pintura para compressor, tinta acrílica não tóxica várias cores, pincéis diversos tamanhos. Contando também com equipamentos específicos para recondicionamento, tais como multímetro digital ou analógico, ferro de solda a estanho, estabilizador, alicate de climpar etc. O aspecto de uma das bancadas projetadas em 2009 e em operação em 2011 com suas respectivas ferramentas e acessórios está apresentado na Figura 13.2.


212  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos

Figura 13.2  Bancada de trabalho do Recicl@tesc. Fonte: Recicl@tesc.

Os integrantes e parceiros do projeto Recicl@tesc, nesta primeira etapa, capacitaram-se gratuitamente por meio dos cursos de Manutenção de Microcomputadores e Implantação de Rede Local, ambos cursos realizados pelo Senac/São Carlos, e com duração de 60 horas, durante o período de 18 de agosto de 2009 a 22 de outubro de 2009. Foram capacitados ao todo 22 alunos nas duas turmas realizadas, sendo estes selecionados e indicados pelos parceiros: Nosso Lar, Prefeitura Municipal de São Carlos, USP/São Carlos, Câmara Municipal de São Carlos e Senac/São Carlos. O objetivo da capacitação foi preparar os participantes e parceiros do projeto a realizarem manutenção e montagem dos computadores que seriam futuramente doados ao projeto, recuperando-os e promovendo sob a ótica da inclusão social, digital e ambiental, em suma, refletindo as premissas do projeto. Após a capacitação realizada pelo Senac/São Carlos, os alunos trabalharam voluntariamente por certo período de tempo para o projeto com o objetivo de ganhar experiência profissional e concomitantemente recuperar os primeiros equipamentos de informática recebidos pelo projeto. Do total de equipamentos recebidos entre agosto e dezembro de 2009 – 180 computadores (CPUs), 300 monitores e 60 impressoras –, foram recuperados 16 computadores completos para doação às instituições então beneficiadas pelo projeto. O restante do material recebido foi considerado inservível e encaminhado para reciclagem por doação para a cooperativa sancarlense de coleta seletiva Coopervida – coordenada em conjunto com a Prefeitura do município. Lá o material foi separado e vendido de acordo com a sua natureza. Esse processo, porém, não garante o descarte ambientalmente correto de todos os


Estudo de Caso do RECICL@TESC  213 resíduos, posto que a cooperativa nem sempre teve parceiros com as devidas licenças de operação para esse tipo descarte. Como parte dos trabalhos de divulgação no município do projeto recém-criado, o Recicl@tesc foi apresentado pelo professor Dr. Dennis Brandão no I Simpósio sobre Resíduos Sólidos, na Escola de Engenharia de São Carlos - USP, realizado pelo NEPER (Núcleo de Estudo e Pesquisa em Resíduos Sólidos) no dia 03/12/2009. A apresentação salientou o campo de pesquisa científica e de problema público que é o processamento de resíduos eletroeletrônicos, e reforçou a relação de parceria entre o Recicl@tesc e a USP, ampliando sobretudo a visibilidade do projeto aos pesquisadores e alunos daquele campus. Este I Simpósio sobre Resíduos Sólidos da USP/São Carlos teve como objetivos: Reunir pesquisadores, estudantes, representantes do Poder Público, da sociedade civil e da iniciativa privada que desenvolvam experiências na temática dos Resíduos Sólidos; j Promover debates acerca dos problemas relacionados ao tema; j Divulgar pesquisas e experiências na área para a comunidade científica e para a sociedade; j Articular profissionais e instituições para futuras parcerias. j

13.2.2  Segunda fase do projeto Recicl@tesc Passado o ano de 2009 de implantação dos processos essenciais de recepção, processamento e encaminhamento dos resíduos, seja para reúso ou para reciclagem, alguns voluntários começaram a trabalhar em regime de estágio no projeto para a recuperação dos equipamentos doados. Entre 2010 e 2011 foram doados 78 computadores completos para 18 instituições beneficiadas. Os equipamentos recebidos por essas instituições foram utilizados, via de regra, para a montagem de centros de inclusão digital e para uso administrativo. A partir de 2010, com o crescimento da quantidade de equipamentos recebidos, o projeto passou a assumir também o processo de desmontagem de equipamentos inservíveis, segregação de peças e partes pela natureza dos materiais e venda desses resíduos para recicladores. Os recursos provenientes das vendas foram (e ainda são) revertidos para os custos do projeto. Naquele momento, as peças e partes foram encaminhadas para um dos parceiros recicladores, a empresa Vertas, na cidade de Mauá/SP, que passou a fornecer para o Recicl@tesc, bem como para o CEDIR na USP/São Paulo o certificado de descarte ambientalmente correto. Atualmente o projeto conta com mais parceiros comerciais, como a empresa Casa do Metal, de Santo André/SP, e possui outras opções de comercialização dos recicláveis para garantir uma maior rentabilidade e viabilidade econômica. A partir de junho de 2010, muitos dos equipamentos antigos recuperados para reúso pelo projeto foram estilizados e customizados, recebendo uma roupagem moderna, valorizandop os microcomputadores já desgastados pelo tempo e uso. Esse trabalho destacou a qualidade dos equipamentos recuperados, criando identidade ao projeto. Para atingir esse objetivo, foi realizada a capacitação em Aerografia Básica da equipe técnica do projeto Recicl@tesc, de jovens da comunidade e de pessoas ligadas ao Programa


214  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos Educação para o Trabalho do Senac entre 10 e 18 de junho de 2010. A partir de então os equipamentos passaram a receber novo padrão de pintura (Figura 13.3).

Figura 13.3  Equipamento recuperado estilizado. Fonte: Recicl@tesc.

Desde então, diversos cursos e treinamentos técnicos foram realizados pela equipe do projeto (dentro e fora das instalações do Recicl@tesc). Tais cursos visaram e visam a atualização e manutenção da equipe de trabalho, assim como a difusão dos conhecimentos obtidos com o projeto. Além dos cursos, o projeto passou também a receber em visitas técnicas representantes de entidades, prefeituras, empresas e escolas. Os cooperadores e coordenadores do projeto passaram a apoiar eventos e realizar palestras sobre temas correlatos ao Recicl@tesc em cerimônias de divulgação científica, como também divulgar na mídia local (rádio e TV) a importância do correto descarte de resíduos eletroeletrônicos. Atualmente o projeto possui postos de coleta no município de São Carlos além do Centro de Reciclagem Tecnológica (sede do projeto) e recebe doações de diversos municípios da região provenientes de pessoas fídicas e jurídicas.

13.3  Metodologia de trabalho 13.3.1 Divulgação e recolhimento ou recepção de materiais O processo de recolhimento ou recepção de materiais de informática pela Recicl@tesc é fomentado principalmente por contatos institucionais, pela divulgação do projeto na mídia e pelo seu website (http://www.reciclatesc.org.br/). As doações ao projeto são realizadas


Estudo de Caso do RECICL@TESC  215 mediante ofício disponível on-line e no Centro de Reciclagem Tecnológica. Todo o material recolhido nos postos de coleta segue para o Centro de Reciclagem Tecnológica, onde passa por sistemática análise de viabilidade de reúso. Dentre os processos operacionais realizados pela Recicl@tesc estão aqueles descritos na Tabela 13.1.

13.3.2 Readequação tecnológica - preparação para reúso A readequação tecnológica dos equipamentos consiste em realizar a devida reparação ou manutenção de 30% dos equipamentos como meta, deixando-os em condições e disponíveis para reúso ou direcionando-os para reciclagem. Para este fim são realizadas capacitações desde 2009. Esta atividade envolve conhecimentos básicos e avançados tanto de hardware, quanto de softwares – drivers e sistemas operacionais. Os computadores preparados para reúso são destinados a projetos de inclusão social e digital; os inservíveis são desmontados ou encaminhados para empresas de reciclagem credenciadas junto à USP, seguindo os mesmos conceitos do CEDIR na USP/SP. Dentre os objetivos da readequação tecnológica destacam-se as atividades: 1. Capacitar pessoas envolvidas no projeto em Manutenção de Computadores e Implantação de Rede Local. 2. Verificar a situação geral dos equipamentos recebidos em laboratório próprio e emitir diagnóstico técnico (triagem). 3. Realizar a preparação (reparo) dos equipamentos que passaram pela triagem: eliminar vírus e eventuais arquivos dos antigos donos, instalar sistemas operacionais e softwares livres, pintar personalizadamente (opcional) o gabinete, limpar peças e todo o equipamento. Esta atividade acontece em laboratório próprio. TABELA 13.1  Processos operacionais da RECICL@TESC. Etapa

Processo

Responsabilidade

Contatos ­institucionais

Visitas aos órgãos públicos e privados e posterior solicitação de ofício para doação do equipamento.

Equipe técnica do projeto

Contatos com as organizações não ­governamentais que possuem equipamentos a serem consertados ou enviados ao Centro de Reciclagem Tecnológica ou então que desejam receber doações do projeto.

Mediador da Rede Social São Carlos

Estratégia ­operacional

Conseguir um parceiro de transporte para o recolhimento dos equipamentos na cidade de São Carlos.

Equipe de coordenação do projeto

Divulgação para coleta

Divulgação na cidade de São Carlos, através do website, vídeo institucional no website ­YouTube e de folheto explicativo, com informações sobre o projeto para empresas e pessoas físicas.

Equipe de coordenação do projeto

Divulgação do projeto na mídia (jornal, rádio e TV), viabilizando captação de equipamentos.

Equipe de coordenação do projeto


216  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos 4. Emitir relatório especificando a configuração e o destino dos equipamentos e peças para reúso. Reunir lotes desses equipamentos e realizar a doação periódica mediante assinatura de termo por parte da instituição beneficiada. Para esta atividade notifica-se a mídia local.

13.3.3 Preparação para reciclagem Esta atividade caracteriza-se pela desmontagem de equipamentos e segregação de partes de equipamentos de informática por tipo de material: plástico, ferro, cobre, placas leves, placas pesadas, entre outros. Tal atividade é realizada em área coberta e em laboratório com bancadas próprias, ferramentas adequadas. Um componente crítico para se reciclar é o cinescópio de monitores de vídeo. Como ele prescinde de descontaminação caso seja desmontado, o Recicl@tesc não os desmonta, e sim envia-os para o processo de descontaminação e reciclagem em empresa habilitada. Por se tratar de atividade passível de ser otimizada, a preparação de resíduos eletroeletrônicos para a reciclagem é tema de pesquisa científica em grupos de pesquisa da USP/São Carlos, que utiizam o projeto Recicl@tesc como laboratório para testes e experimentos. A questão anteriormente citada sobre a desmontagem e descontaminação de cinescópios é também tema de pesquisa científica na USP/São Carlos. Em suma, pode-se destacar como principais atividades relacionadas à reciclagem no projeto Recicl@tesc: j j j j

Desmontagem de equipamentos e segregação de materiais. Desenvolvimento de pesquisas para a extração de componentes de placas eletrônicas. Desenvolvimento de pesquisa para a desmontagem e descontaminação de cinescópios. Encaminhamento de cinescópios para recicladores que sejam habilitados a os tratarem. Fornecimento de peças para artesãos. Pesquisa de mercado e sondagem de recicladores com licença de operação para tratarem resíduos eletroeletrônicos. j Armazenamento e venda de materiais extraídos dos resíduos eletroeletrônicos para reciclagem de forma ambientalmente correta. j j

13.4  Sustentabilidade financeira São muitos os desafios a serem geridos na manutenção do projeto, e talvez o mais significativo entre eles seja garantir a sustentabilidade financeira como forma de se obter um modelo de negócio passível de ser replicado em outros municípios no país. A esse respeito, a equipe de coordenação do projeto entende que os principais quesitos a serem contemplados para uma efetiva sustentabilidade financeira deste projeto ou de projetos semelhantes são: 1. Venda de resíduos eletroeletrônicos devidamente segregados; 2. Venda de equipamentos para reúso - não realizado no Recicl@tesc:


Estudo de Caso do RECICL@TESC  217 3. Realização de serviços de manutenção em computadores; 4. Captação de recursos por meio de projetos de agências/empresas; 5. Capacitações em manutenção, informática ou aerografia com mensalidades revertidas ao projeto – não realizado no Recicl@tesc; 6. Venda de assessoria técnica em informática; 7. Captação de recursos junto à Prefeitura Municipal; 8. Patrocínios empresariais – “Empresa Amiga do Recicl@tesc”; 9. Produção e venda de produtos de artesanato com resíduos eletroeletrônicos- não realizado no Recicl@tesc; 10. Montagem de Museu da Informática.

13.5 Resultados Nesta seção, são apresentados os principais resultados mensuráveis obtidos na Recicl@ tesc desde a sua criação até o ano de 2012. Os resultados apresentados anualmente segundo a Tabela 13.2 referem-se ao número de pessoas que concluíram cursos de capacitação, massa de resíduos recebida pelo projeto – em quilos – e número de computadores completos doados a instituições. Desde 2012 o projeto opera com três funcionários, além de estagiários ocasionais, e dispõe de uma estrutura física composta por: j j j j j

Área de armazenagem coberta de 119 metros quadrados; Laboratório de triagem com 3 bancadas; Sala de aula informatizada com 11 microcomputadores em rede; Laboratório de manutenção com 2 bancadas para 16 computadores e rede; Laboratório para desmontagem com 2 bancadas;

13.6  Considerações finais O projeto Recicl@tesc passou a ser um programa contínuo de reciclagem e reúso de equipamentos eletroeletrônicos, incialmente para a cidade de São Carlos, e mais recentemente para demais cidades da região. TABELA 13.2  Resultados mensuráveis do projeto Recicl@tesc. Ano

Pessoas capacitadas

Recepção de material (Kg)

Doação de computadores

2009

22

1.250

16

2010

26

2.800

20

2011

0

10.000

58

2012

20

58.000

1531

1

Doações enviadas a 13 municípios no interior do estado de São Paulo.


218  Gestão de Resíduos Eletroeletrônicos A população desses municípios, bem como pessoas jurídicas ali instaladas podem dar uma destinação adequada ao seu lixo eletrônico em um dos pontos de coleta do projeto Recicl@tesc, tendo a certeza de que todos os equipamentos, obsoletos ou não, serão triados e destinados para o reúso em projetos sociais ou para a reciclagem por empresas devidamente capacitadas e licenciadas para tal finalidade. O Recicl@tesc, por meio de sua metodologia que integra parceiros para a execução das atividades, contribui para a solução do grave problema de descarte incorreto de lixo eletrônico, promovendo o desenvolvimento local da cidade de São Carlos, beneficiando outras regiões carentes de centros especializados. Hoje o Recicl@tesc desenvolve atividades múltiplas, seja por meio de cursos, seja atendendo pessoas físicas e jurídicas que prezem pelo descarte certificado de lixo eletrônico, constituindo uma ação socialmente responsável e inovadora na aplicação de métodos de trabalho social e ambientalmente corretos.

Referências bibliográficas CUNHA, E.H.F. Recicl@tesc – Relatório de Atividades. São Carlos: Senac/São Carlos, 2012. LEME, P.S.; MARTINS, J.L.G.; BRANDÃO, D. Guia prático para minimização e gerenciamento de resíduos. USP/São Carlos. p. 25,26, 2012.


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