Ilustração de Cláudia Quaresma A partir da obra « Felizmente Há Luar» De Luís de Sttau Monteiro
Novembro 2011
RITA Luís de Sttau Monteiro (1926 - 1993) Nota biobibliográfica
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Nasceu em Lisboa, em 3 de Abril de 1926. Aos 13 anos foi viver para Londres, onde seu pai desempenhava as funções de embaixador. O tempo que aí passou terá condicionado muitos aspectos da sua formação estética e literária. Nesses anos, viveu de perto a tragédia da Segunda Guerra Mundial. De regresso a Portugal, licenciou-se em Direito pela Universidade de Lisboa, tendo exercido, por um breve período de tempo, a advocacia. Publicou o seu primeiro romance em 1960, Um Homem Não Chora. Em 1961, publica-se Angústia para o Jantar, que o colocou desde logo, num lugar de relevo no panorama da literatura portuguesa.
Desse mesmo ano é também a peça Felizmente Há Luar!, que revelou um dos mais notáveis dramaturgos das nossas letras. Foi-lhe atribuído, em 1962, o “Grande Prémio de Teatro”. Por várias vezes, foi preso pela PIDE, devido ao cunho irreverente que impôs à sua obra. Fez parte do conselho redactorial de “A Mosca”, suplemento do Diário de Lisboa, onde se celebrizou pela criação da irreverente figura da Guidinha. Trabalhou em publicidade e escreveu, também, sobre gastronomia, com o pseudónimo de Manuel Pedrosa. Foi jornalista e colaborador regular de várias publicações – Diário de Lisboa, Se7e, O Jornal, Expresso.
CUMPLICIDADE RITA Desde aquela noite que só penso em si. Estava lá na rua quando prenderam o general. Vi-o sair de casa... Depois passei lá à porta e ouvi-a chorar... Até contei ao meu homem... (Matilde, sentada, esconde o rosto nas mãos. Rita volta a sentar-se.)
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SUBMISSA MANUEL Arranja aí um caixote para ela, Rita. (Rita levanta-se dum salto, vai buscar um caixote que coloca junto de Matilde e ajuda-a a sentar-se, falando ao mesmo tempo.) Antes de se sentar, Rita hesita e olha para Manuel como que a pedirlhe desculpa de ter falado a Matilde. Rita! (Rita levanta-se e aproxima-se. Manuel entrega-lhe uma moeda) Dá isto à Srª D. Matilde e manda-a embora. Se ela voltar, diz-lhe que tenha paciência. Não queremos pobres à nossa porta! Rita! (Rita, que se conserva acabrunhada com a moeda na mão, faz um gesto indicativo de que o está a ouvir) Não lhe dês a moeda.
MATILDE A minha moeda, Rita! (Rita hesita e olha para Manuel)
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IMPULSIVA RITA Eu vi o general sair de casa. Arrombaram-lhe as portas e nem lhe deram tempo de vestir-se. Só conseguiu calçar as botas à saída. Há desespero e revolta no tom de voz de Rita. A mulher ficou a chorar até de manhã. Passei-lhe à porta e ouvi-a soluçar. Deu-me vontade de fugir, de largar a acorrer por essas ruas fora e de me deitar ao Tejo! (Dum salto agarra-se ao pescoço do marido) O gesto é espontâneo e ditado por um impulso súbito que Manuel mostra compreender passando a mão pelos cabelos da mulher. Nunca de metas nestas coisas, Manuel! Haja o que houver, nunca te metas com eles. Prefiro ver-te com fome, a perder-te. (Rita entrega a moeda a Matilde. Num gesto impulsivo, beija-a e corre a juntar-se aos seus..)
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POVO MANUEL Mas nós passamos a vida inteira a ir ter convosco porque também temos a quem recorrer! E que nos dão, senhores, que nos dão quando lhes batemos às portas no Inverno, com os filhos embrulhados em trapos, tão cheios duma fome que o pão, só por si, nãos satisfaz? A senhora não merece as palavras que proferi, mas eu também não mereço tê-Ias proferido... Amanhã, quando começarem a agradecer a Deus a prisão do general, estaremos à porta das igrejas pedindo esmola... Não é uma esmola. Dou-lha para que a use ao peito, como uma medalha. Tivesse eu mais, e dava-lhe trinta - as trinta moedas por que se vende a alma. Quem as pague ou as receba, perde o direito à esperança, senhora.
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LIBERDADE ANTIGO SOLDADO Estas cantigas são inventadas No regimento de Freire d'Andrade São cantadas com o estilo De lá ré ó liberdade.
RITA Com o general?
ANTIGO SOLDADO Um amigo do povo! Um homem às direitas! Quem fez aquele não fez outro igual...
VICENTE Se ele quisesse? Mas se ele quisesse o quê? Vocês ainda não estão fartos de generais? Cornetas, tam bores, tiros e mais tiros... Bestas!
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COMPREENSIVA RITA Como ela chorava, santo Deus! Parecia um animal ferido a ganir Ă beira duma estrada... Parece que ainda a estou a ouvir... (Rita sai. Surge, a meio do palco, intensamente iluminada e sentada numa cadeira tosca, Matilde de MeIo - uma mulher de meia-idade, vestida de negro e desgrenhada.)
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MULHER MANUEL A Rita dorme. A que horas chegou ela?
1º POPULAR Saiba, meu senhor, que a Senhora D. Rita chegou tarde.
MANUEL Dá um safa não na rapariga, que se levanta com lentidão) São horas de nos irmos indo, mulher. Manuel
ANTIGO SOLDADO (Olha para o alto, tentando recordar-se) Ora deixem ver... Uma noite, em Julho, os rapazes lá do quartel organizaram uma festa em honra da Senhora da Piedade. Vocês haviam de ter visto aquilo... A rapaziada fardada, no meio do povo... E raparigas? Aquilo é que era... (Dá um beliscão na cara de Rita) Onde aparecia o regimento de Gomes Freire não faltavam raparigas!
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Indice Luís de Sttau Monteiro - Nota Biobibliográfica................................................. 1 Cumplicidade.................................................... 3 Submissa........................................................... 5 Impulsiva...........................................................7 Povo.................................................................. 9 Liberdade.......................................................... 11 Compreensiva................................................... 13 Mulher...............................................................15 Índice................................................................ 17
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RITA uma mulher simples do povo, apaixonada pelo marido Manuel, sendo-lhe submissa. No que diz respeito a Matilde, é-lhe cúmplice e mostra-se compreensiva, dada a sua situação.
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