EDIÇÃO 01 2019
COLETÂNEA GRANDES ARQUITETOS
ARQUITETURA 01 ENTREVISTA ZAHA HADID
02 ENTREVISTA JAN GEHL
03 HOMENAGEM
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OSCAR NIEMEYER
MAGAZINE InDesign
SUMÁRIO
Photo by Kimon Maritz on Unsplash
04 ENTREVISTA
Zaha Hadid fala do processo de criação de suas obras
07 ENTREVISTA
Jan Gehl fala sobre cidades e escala humana
14 HOMENAGEM
Oscar Niemeyer (1907-2012)
Expediente Esta é uma publicação criada para praticar o curso de diagramação de revistas com Indesign. Foto de capa Photo by Ren Ran on Unsplash Textos e imagens
ENTREVISTA
Zaha Hadid fala sobre suas raízes e o processo de criação de suas obras Por Valentina Figuerola Foto Giovanna Silva
Na arquitetura de Zaha, os espaços internos e externos se sobrepõem e se fundem em um continuum, como a arquiteta gosta de dizer, que decorre de um diagrama minuciosamente definido por estudos do uso que as pessoas farão do edifício e de sua relação com o sítio arquitetônico. O monumental, escultórico e grandioso que caracteriza sua produção arquitetônica não é algo imediatamente intencional, mas esculpido pelo contexto. “Minhas ideias vêm da observação do lugar, da natureza, das pessoas se movendo pela cidade. É sempre sobre como as pessoas se movem pelo espaço, de como o público vai usar o espaço”, afirma a iraquiana radicada em Londres. A primeira mulher a ganhar o Prêmio Pritzker (2004) esteve no Rio de Janeiro em março
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para participar da segunda edição do Arq.Futuro, encontro de arquitetura promovido pela BEI Editora. A revista AU entrevistou, na sede da próxima Olimpíada, a autora de obras como o museu Maxxi, em Roma (AU 196), a Ópera de Guangzhou, na China, e o Centro Aquático de Londres (AU 211).
Todas as minhas ideias vêm da observação: do lugar, da natureza, das pessoas se movendo pela cidade. É sempre sobre como as pessoas se movem por um espaço, e como o público vai usar o espaço.
Como você inicia um projeto? Quais como ferramenta de análise e de penssão seus primeiros questionamen- amento: tenha seu tempo e desenhe. Na década de 1970, quando os arquitetos? tos não tinham trabalho por causa da Nunca tomamos o pedido do cliente má economia, éramos muito produtivos de forma literal. Tentamos interpretar o com desenhos e pesquisas. Esse trapropósito de uma instituição, pois não balho teórico carrega um leve estigma nos interessamos somente pela forma: por nunca ter sido realizado, e foi critpesquisamos novos e melhores camin- icado por pessoas que nos chamavam hos nos quais as pessoas possam usar de “paper architects”, como se evitásum edifício. Para mim, desde a antiguidade, a parte mais interessante sempre foi a organização, que permite elaborar um diagrama de como o prédio será usado. Esse é o começo de cada projeto. O diagrama responde aos pedidos do cliente e ao terreno. Daí trabalhamos para elucidar o diagrama o máximo possível para que se torne uma configuração legível. semos nos envolver com o mundo real Você já disse que não usa computa- ou não soubéssemos fazer um edifício. dor, que desenha à mão. Por outro E houve uma grande mudança nas úllado, seu escritório é conhecido por timas décadas, de pessoas que fazem usar a plataforma BIM e softwares de projetos apenas por computador. É invanguarda. Como lidar com as duas crível o que os avanços da computação trouxeram aos arquitetos, mas ainda ferramentas? acho que o poder do desenho feito à Pintar e desenhar marcaram o começo mão é importante, e sua falta nos tirou de minha carreira. O desenho nos per- algo. Com o computador, muito pode mitiu a experimentação intensa da for- ser feito em termos de complexidade. ma e do movimento, conduzindo à nos- Mas quando se desenha à mão, você sa abordagem radical de desenvolver constantemente descobre e experiuma nova linguagem para a arquitetura. menta novas ideias. Desenhar é muito As pinturas e croquis sempre serviram importante para mim. MAGAZINE ARQUITETURA
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ENTREVISTA
Jan Gehl fala sobre cidades e escala humana Por Bianca Antunes Foto Ashley Bristowe
Nos últimos 50 anos, a dimensão humana foi seriamente negligenciada no planejamento urbano. Para Jan Gehl há falta de estudos e de visão dos urbanistas para o que chama de ground floor - o térreo, o nível da rua. É entre os edifícios que todos vivemos e esse espaço está cada vez mais negligenciado. “Pela primeira vez na história da humanidade cidades não são construídas como conglomerações de espaços urbanos, mas como edificações individuais”, adverte em seu último livro, Cities for people. Contra o modelo das cidades modernistas - e, entre elas, o grande exemplo de Brasília -, Jan Gehl busca a cidade criada para as pessoas, para o convívio ao nível dos olhos, para a qualidade de vida. Nada de busca
pela forma, mas pela escala humana. Nesse cenário, a prioridade dada aos carros é um dos principais inimigos. “O carro espreme a vida urbana para fora do espaço público”, analisa. Jan Gehl se formou em 1960 em Copenhague, uma cidade que é prova de que, com vontade política, podese transformar a qualidade da mobilidade urbana hoje, 37% das viagens na cidade são feitas por bicicleta e o objetivo é chegar a 50% em 2015. Com o Gehl Architects, fundado em 2000, Jan tornou-se consultor em projetos que buscam humanizar espaços: trânsito compartilhado, ciclovias, revitalização dos centros, maior densidade. No currículo, estão cidades como Melbourne, Estocolmo, Nova York e Cidade do México. MAGAZINE ARQUITETURA
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Essa forma de enxergar a arquitetura na escala humana lhe foi passada já na universidade? Eu me graduei em 1960. Era um arquiteto comum, vindo da escola de arquitetura de Copenhague, que por alguns anos teve trabalhos bem comuns, em escritórios de arquitetura. Casei com uma psicóloga em 1961, Ingrid Gehl, e começamos a discutir em casa sobre nossos trabalhos. Um dia minha esposa me perguntou: por que vocês, arquitetos, não estão interessados em pessoas? Vocês estão muito interessados em formas, mas vocês não sabem nada sobre as pessoas. Achei que ela estava certa. E começamos a estudar mais sobre essa ligação entre arquitetura, psicologia e sociologia. Isso se desenvolveu em meus quase 50 anos de devoção para estudar cidades para as pessoas.
Onde buscou informações para suas pesquisas? Foi uma mistura de teoria e prática? Primeiro veio o estudo acadêmico, trabalhei na escola de arquitetura em Copenhague por 40 anos. Só depois começou a aplicação desses estudos na vida real. Porque nos anos de 1960 ninguém sabia nada sobre pessoas e cidades. Podemos ver isso no modo como construíram Brasília: eles não sabiam nada sobre pessoas. Sabiam bastante sobre o planejamento de uma cidade tecnocrática. Tampouco sabiam, naquela época, que a maneira com que construímos as cidades influencia na qualidade de vida das pessoas.
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Há algum conceito arquitetônico que aprendeu na universidade e que mudou para você nesses quase 50 anos trabalhando com a escala humana?
mento que diz que a cidade deve ser para as pessoas, e não para o trânsito. Por que, em São Paulo, transformaram toda a cidade no que é melhor para o automóvel?
Brasília é um bom exemplo. Estava na universidade e era a época da descoberta do planejamento urbano modernista. E o mais famoso exemplo era Brasília. Em Cities for people, aliás, chamei essa forma de projetar de síndrome de Brasília: quando os urbanistas planejam e organizam edifícios na cidade como se fossem vistos pela janela do avião, em vez de edifícios vistos da rua. Em vez de planejar a cidade de baixo, planejam de cima. Primeiro os edifícios, depois os espaços livres e depois, finalmente, preocupam-se um pouco com as pessoas. Nos tempos antigos, sempre se pensou nessa ordem: pessoas, espaços e edifícios. Até que se inverteu a ordem: edifício, espaços e pessoas.
Você concorda com medidas como não permitir carros no centro das cidades? Ou com pedágios urbanos, por exemplo?
É possível reconstruir uma cidade com 13 milhões de pessoas se movimentando todos os dias? Sim. Nova York, uma cidade de 8 milhões de pessoas, pode ser um grande exemplo de que condições muito melhores podem ser conquistadas quando alguém toma a decisão de se preocupar mais com as pessoas, e menos com carros. Nova York é um exemplo importante porque existe um novo planeja-
Podem ser uma boa solução. Mas inverteria totalmente o modo de pensar e olharia quais são as condições dadas às pessoas, não aos carros. Porque às vezes as pessoas precisam de mais espaço e de um ambiente mais tranquilo para aproveitar a vida urbana e não ficar com medo de congestionamento. É uma boa ideia ter uma área em que o carro não entre. Na verdade, nunca discutimos se devemos ter carros em parques, por exemplo. Todos concordamos que parques devem ser para pessoas. Também em algumas áreas da cidade, pode ser uma ótima ideia ter zonas livres de carro. Claro que nos casos em que existam muitos carros é importante encontrar medidas para diminuir o fluxo. Em Londres todos que forem ao centro de carro devem pagar pedágio. Essa medida reduziu o trânsito em cerca de 15%. Se as pessoas pagam mais, talvez descubram que não precisam ir ao centro de carro. Mas nesse caso é importante contar com um bom sistema de transporte público... MAGAZINE ARQUITETURA
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Se todas as cidades desenvolverem um sistema de ciclovias e de transporte público eficiente, se reduzirem a ênfase do transporte privado, conseguirão reduzir o trânsito. É o que tem sido feito em Copenhague. Aqui houve muito sucesso em transformar o trânsito de carros em um trânsito de bicicletas. Qual cidade você citaria como exemplo de mudança de uma sociedade arraigada na cultura de carro para uma sociedade de transporte público e ciclovias? Qual foi o ponto de virada? Cito sempre Copenhague. O ponto de virada foi o interesse na qualidade da cidade para as pessoas. E também dar- -se conta de que havia um conflito real entre ter mais trânsito versus ter mais qualidade para as pessoas. Tiveram que fazer uma escolha. Acho que o preço do combustível também influenciou - quanto mais caro, mais urgente é a necessidade de encontrar uma solução que não seja o carro privado. Densidade é uma boa maneira de economizar energia e dinheiro em transporte, por exemplo. Mas, necessariamente, significa edifícios grandes e altos? Como resolver a questão da densidade em grandes cidades sem prédios altos e arranha-céus?
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É importante nos darmos conta de que densidade em grandes cidades pode ser atingida de várias formas. Se olharmos Paris ou Barcelona, as duas têm grande densidade e não são cheias de edifícios altos. O segredo é que, para fazer uma cidade com alta densidade e prédios baixos você precisa ser um bom arquiteto. Se não é um bom arquiteto, você sempre pode fazer um edifício mais alto. Torres altas são a resposta preguiçosa à densidade. Pode-se, sim, ter uma área com grande densidade, e com cuidadoso desenho da cidade e dos edifícios. Olhe Paris e Barcelona e veja que pode ser feito. Em Cities for people você diz que até o quinto andar as pessoas fazem parte da cidade. Após isso, fazem parte do controle aéreo. Essa forma de ver os edifícios é oposta ao que se faz hoje. Não é contraditório? Sim. A verdade é que ninguém estudou o que temos estudado aqui: a cidade para as pessoas. Entramos nos edifícios e estudamos, medimos até que altura, que andar conseguimos estar em contato com a cidade, saber o que está acontecendo na cidade. E descobrimos que após o quinto andar, não se pode mais ver ou estar em contato com o que se passa na cidade.
Conheci investidores que entenderam que é muito melhor se puderem fazer uma maravilhosa vizinhança onde as pessoas adorariam morar e visitar. É um negócio muito melhor do que fazer algo que todos odeiam. Investidores espertos são preocupados com a qualidade. E outros não tão espertos estão mais preocupados com a densidade pura. Não é fácil. O que se precisa é de um bom líder político. E é lógico: onde se encontram bons exemplos de transformação urbana, estão os bons líderes políticos. Porque é preciso que se diga: “Chega. Daqui para frente, precisamos fazer algo melhor”. As universidades estão atrasadas em relação à necessidade de nossas cidades e das pessoas? Formam os mesmos arquitetos que em 1960? Sou um grande pessimista aqui. Porque acho, sim, que muitos profissionais hoje, sejam engenheiros de tráfego, arquitetos ou planejadores urbanos, não mudaram muito nesses anos. Os arquitetos estão mais obcecados com a forma, e menos com a vida. Isso tanto nas escolas brasileiras, influenciadas pelo modelo de Brasília, modernistas, quanto em escolas norte-americanas e europeias. Os arquitetos competem Ao mesmo tempo, o mercado imopela forma, mais do que por ideias hubiliário que constrói nossas cidades manísticas. Preocupam-se mais pela quer mais edifícios altos, menos tendência. áreas verdes. É possível transformá-los em aliados?
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HOMENAGEM
Oscar Niemeyer [1907 - 2012] CAU BR
Oscar Niemeyer (1907/2012) é o maior expoente da arquitetura modernista brasileira. Nascido no Rio de Janeiro, em 1907, formou-se na Escola de Belas Artes, na mesma cidade e ganhou notoriedade internacional pelas formas curvas que aplicava em suas construções. Niemeyer começou a trabalhar como estagiário junto a Lúcio Costa e Le Corbusier no projeto do novo edifício do Ministério da Educação, o Palácio Gustavo Capanema . Seu primeiro grande projeto individual, e que lhe assegurou renome no Brasil e no mundo foi o complexo da Pampulha, em Belo Horizonte. Logo após a Segunda Guerra Mundial, a ONU resolveu erguer uma sede em Nova Iorque. E em vez de anunciar um concurso para o projeto do complexo, preferiu montar uma equipe de arquitetos de diversos países para a composição do projeto. O arquiteto americano Wallace Harrison foi o diretor de planejamento e os governos dos países indicaram seus representantes. A equipe de arquitetos consistiu em N.D. Bassov (União Soviética), Gaston Brunfaut (Bélgica), Ernest Cormier (Canadá), Le Corbusier (França/Suíça), Liang Ssu-cheng (China), Sven Markelius (Suécia), Oscar Niemeyer (Brasil), Howard Robertson (Reino Unido), G.A.
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Soilleux (Austrália) e Julio Villamajo (Uruguai). O comitê apreciou 50 estudos diferentes antes de chegar a uma decisão. O desenho derivou de uma proposta de Niemeyer/Corbusier. Mas o projeto que realmente colocou Niemeyer num patamar único foram os edifícios de Brasília, cujo projeto urbanístico foi desenhado por Lúcio
Costa. Este convidou o arquiteto com quem já trabalhara no edifício do MEC para projetar todos os edifícios públicos da nova capital – e modelar também os prédios das superquadras residenciais. Niemeyer gostava de repetir que o projeto da Pampulha foi o início de Brasília: “Foi a mesma correria, o mesmo idealismo e a preocupação com os prazos fixados. Em Brasília, realizei meu trabalho de arquiteto. Brasília foi o sonho de JK: levar o progresso para o interior do país”. Em 1987, a capital federal recebeu o título de Patrimônio Mundial da Humanidade. Um de seus últimos projetos foi o Museu de Arte Contemporânea de Niterói, uma cúpula circular com 16 metros de altura que resultou em uma solução estrutural radial, dividida em seis setores. Uma rampa de concreto exterior leva os visitantes, através de 98 metros de espaço livre, até as entradas aos andares superiores. Oscar Niemeyer ganhou o prêmio Pritzker de arquitetura, em 1988. Ele continuou em atividade até sua morte, em 2012, após extensa carreira. Uma de suas últimas obras concluídas foi a Torre de TV Digital em Sobradinho, Distrito Federal. MAGAZINE ARQUITETURA
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