Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as Religiões

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Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as ReligiĂľes

Claudio Henrique de Castro


Este livro foi diagramado e produzido sob demanda, uma encomenda do autor que detém todos os direitos de conteúdo, comercialização, estoque e distribuição dessa obra.

Projeto gráfico Jéssica Juliatto da Rocha // designer Diagramação Jéssica Juliatto da Rocha // designer Revisão gramatical técnica Adão Lenartovicz

ISBN: 978-85-912570-6-5

Ficha catalográfica elaborada por Maury Antonio Cequinel Junior Bibliotecário CRB9ª/896

C355

Castro, Claudio Henrique de Escritos sobre o Brasil, o direito, as cidades e as religiões. / Claudio Henrique de Castro. Curitiba : Edição sob demanda, 2015. 110 p. 1. Direito 2. Cidades 3. Religião 4. Política 5. Eleição 6. Corrupção 7. Transporte Coletivo I.Título CDU 34



P R E FÁ C I O Escrever um prefácio é sempre um desafio. Pela origem etimológica da palavra, prefácio é formada por prae-, “antes”, mais fari, “falar”. Quer dizer “o que é falado antes”. Assim, a se cumprir integralmente o seu objetivo, significa ter amplo conhecimento do que vai se exposto a seguir e explicar, de forma a facilitar a leitura, do que trata a publicação.

Nem sempre é fácil se explicar o Direito e suas novas vertentes que são desenhadas a cada dia, acompanhando a evolução da sociedade e, em especial, da tecnologia.

Falar do Direito, normalmente é enveredar por termos complexos, buscar expressões em latim, se estender ao longo de páginas e páginas, mostrar conhecimento do vernáculo.

Felizmente para mim, que tenho conhecimento superficial da ciência por força da prática jornalística de mais de 40 anos, não é o caso de mais esta publicação do professor e advogado Cláudio Henrique de Castro.

Como em seus livros anteriores, fruto de amplo conhecimento da matéria e de uma experiência que se acumula num extenso currículo, o autor trata de temas diversos do Direito com a fluidez necessária para ser entendido pelo leitor comum de jornal ou das páginas da Internet, onde aliás publicou vários deles.

Sem deixar de se referenciar ao que preveem os textos legais, Castro analisa com fluência temas da atualidade política brasileira, assuntos polêmicos – desarmamento, pedágio urbano, dentre eles – fatos da cultura do brasileiro, como o famoso “jeitinho” e até a polêmica extradição do ex-diretor do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato. Neste caso, o autor foi o primeiro a prever, com expressiva antecedência, que o governo italiano promoveria a extradição em artigo publicado no site www.paranaextra.com.br.


Trata-se, portanto, de uma obra muito atual, de temas que fazem parte de nosso cotidiano, alguns nos afetando de forma direta, onde a facilidade de interpretação é um dos pontos fortes.

É sim, um livro sobre o Direito. Mais ainda: uma publicação que dá direito a qualquer cidadão entender facilmente e refletir sobre uma realidade que está próxima a ele e que, num primeiro momento estampada numa manchete da imprensa, pode parecer distante embora no instante seguinte passe a fazer parte de seu dia a dia.

Uma boa e fácil leitura,

Nilson Pohl Jornalista


SUMÁRIO O que é o Brasil?

11

Procura-se 12 As Abolições que podem ser feitas no Brasil

13

O homo sapiens corruptus brasiliensis 15 O Brasil politicamente volúvel

17

O jeitinho brasileiro

19

A proteção jurídica das promessas de campanha

21

O que é o Brasil?

23

A nuvem do impeachment paira sobre a República brasileira

25

Alguns vestígios da Monarquia no Brasil

27

Breves notas sobre o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2014

30

Das razões para votar e ser votado

32

A miséria das propostas eleitorais no Brasil

34

O Brasil e o Futuro da Democracia

37

O poder das frases de efeito e o futuro do Brasil

39

As coincidências entre o Futebol e o Estado Brasileiro

41

A Copa do Mundo é nossa

43

Revisão histórica dos heróis de 1964

45

Algumas razões dos “rolezinhos” brasileiros

47

As razões dos reis

48

Algumas considerações sobre a delação premiada

49

Breves comentários sobre a extradição do Henrique Pizzolato

56

O mensalão, as leis, o artigo e as ações dos magistrados no STF

58

As leis e emendas constitucionais votadas no esquema do mensalão

60

Sobre o Direito

63

O ‘Caso Bruno’ e a acusação sem corpo

64

O vício de iniciativa na jurisprudência do STF

66


A ilegalidade do estatuto do desarmamento em face do referendo de 2005

68

A epidemia do Ebola e o Direito à Saúde Pública

72

Breves comentários sobre a nova lei do terceiro setor

74

As inovações da lei que fixa cotas em concursos

76

Cidades e suas questões fundamentais

79

A desintegração da RIT e suas consequências jurídicas

80

Pedágio urbano, uma realidade próxima?

82

As recentes alterações do Código de Trânsito estabelecidas pela Lei nº 12.971/2014

84

Considerações a respeito do uso da Polícia Militar nos estádios de futebol

86

A urgência das blitzes em Curitiba

89

A epidemia das mortes do trânsito nas estradas brasileiras

90

Quanto vale o patrimônio histórico de uma cidade?

92

As ‘operações-padrão’ como forma de reivindicação

93

Destruição anunciada

95

Velozes e furiosos no trânsito brasileiro

96

Sobre as Religiões

99

A Justiça e o perigo da intolerância religiosa

100

O respeito à liberdade religiosa

106



O que é o Brasil?


Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as Religiões

Procura-se 21 maio 2015 Procura-se para emprego imediato. Candidato (a) não precisa ter experiência, nem boa aparência. Procura-se quem tenha nível médio, graduação ou pós-graduação, mas que saiba ler, escrever e compreender textos. Procura-se quem não fique o dia inteiro no whatsApp, internet, facebook e outras redes sociais no aparelho celular ou no computador, principalmente quando estiver falando com alguém, assistindo a uma palestra, atravessando a rua ou no trânsito dirigindo. Procura-se quem conheça e saiba usar as expressões: por favor; bom dia; boa tarde; boa noite; em que posso ajudá-lo e saiba atender telefone e dizer: alô, bom dia, em que posso ajudá-lo, até logo. Procura-se quem seja discreto e não fique de fofoca no ambiente de trabalho e que, principalmente, trabalhe, cumpra o horário e faça as coisas com alegria, presteza, responsabilidade e satisfação. Que não seja corrupto, que seja honesto e tenha caráter. Os benefícios são: ótima remuneração, plano de saúde completo, plano de aposentadoria, estabilidade, possibilidade de crescimento na carreira, benefícios à família, ambiente de trabalho excelente, carga horária flexível e grande incentivo aos estudos. O governo de nosso país possui um baixo índice de corrupção, alta competência em administrar as finanças públicas, um poder Judiciário célere, estabilidade governamental e economia próspera e em crescimento. Procura-se onde estão estes candidatos e onde se localiza este país.

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O que é o Brasil

As Abolições que podem ser feitas no Brasil 13 maio 2015 O Brasil e os negros comemoram hoje, 13 de maio, os 127 anos da Abolição da Escravatura. À época, não aconteceu a reforma agrária que, naquele momento histórico, faria a plena inserção dos negros na vida econômica do país. Na década de 40 do século passado tivemos a ideologia do branqueamento, exacerbada por Getúlio Vargas e seu flerte com o nazismo e as ideologias racistas europeias – justamente no momento que surgiu a classe média no Brasil. Atualmente, ainda em sua esmagadora maioria, as telenovelas brasileiras colocam os negros em papéis secundários e serviçais, numa forte construção preconceituosa contra este majoritário segmento racial. Sem os negros não teríamos as riquezas dos ciclos econômicos, da música popular; da culinária e, acima de tudo, da alegria no rosto dos brasileiros (Darcy Ribeiro). Diante disso, relacionamos aqui algumas abolições que se podem e devem fazer no Estado brasileiro: 1. A abolição da lentidão dos processos cíveis e criminais que atrasam o julgamento de milhares de causas; 2. A abolição da impunidade nos delitos de trânsito e nos delitos do colarinho branco; 3. A abolição do jeitinho e da malandragem, com uma nova realidade ética e moral; 4. A abolição da corrupção escancarada no financiamento das campanhas eleitorais e das relações do toma-lá-dá-cá entre o poder Executivo e o Legislativo em votações importantes; 5. A abolição da fome, dos surtos epidêmicos (Dengue e outras); do déficit habitacional e da não universalização do ensino em todos os níveis; 6. E, para finalizar – e principalmente, a abolição dos preconceitos: contra os negros e pardos; contra as religiões afro-brasileiras; contra os pobres; contra os velhos; contra as mulheres; contra os obesos; contra os diferentes, as pessoas portadoras de necessidades especiais e os mais variados grupos étnicos: ameríndios, bolivianos, haitianos e por aí afora.

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No futuro, poderemos comemorar plenamente o dia 13 de maio, consagrador da igualdade, sem distinções de qualquer natureza, como prevê o art. 5º da Constituição Brasileira. Mas há um longo caminho para ser trilhado.

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O que é o Brasil

O homo sapiens corruptus brasiliensis 14 abr. 2015 A Criminologia estuda os perfis dos autores e dos seus respectivos delitos. Investigadores experientes, sem leitura nenhuma de manuais, conseguem traçar o perfil de criminosos com profundidade, sem sequer ter lido qualquer linha sobre o tema. Assim, estupradores teriam desvios de condutas característicos que os identificariam, os pedófilos teriam brinquedos em casa ou entenderiam o universo infantil, os viciados em drogas, certas características físicas decorrentes do uso das drogas, olheiras profundas. Os cleptomaníacos, aqueles que cometem pequenos furtos, normalmente passaram por transtornos psicológicos. Os psicopatas são frios, sem sentimentos, inteligentes, dissimulados e com um perfil conservador; quase sempre sofreram na infância algum trauma terrível que lhes retirou a sensibilidade. Pelas recentes, ou nem tanto, notícias de corrupção a que a nação assiste, perplexa, anotamos algumas caraterísticas que podem ser percebidas em sujeitos que podemos chamar de homo sapiens corruptus brasiliensis. Vamos a uma breve análise dessa nova descoberta científica. Possuem um perfil quase sempre cativante, mas há exceções; em momentos difíceis sempre sorriem, fazem de conta que não são parte do problema; estão incumbidos de resolver as crises, mas nunca revelam objetivamente como e quando irão fazer isto. Sabem fazer pequenos discursos e normalmente falam por último em solenidades. Vivem e respiram promessas, são utópicos, dizem que algum dia haverá uma mudança e repetem que estão fazendo de tudo para que isto ou aquilo melhore. Possuem algumas frases de efeito sobre a moralidade e a ética, que é cabível em todas as ocasiões. Alguns discursam de improviso sobre a austeridade e sempre são contra a corrupção e os corruptos. Uma característica notável desses personagens é a de ter na memória alguns ditados apropriados para a cada ocasião. Ainda, de que, independente da sua formação cultural ou educacional eles conhecem todas as garantias constitucionais do processo penal, tais como a presunção de inocência, o direito de ficar em silêncio e o direito ao contraditório e da ampla defesa.

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Suas justificativas ou defesas são da negativa geral de tudo que se lhes impute e que “todos sempre fizeram assim há anos” ou “que o sistema é assim” ou, ainda, “que é normal”. Se ainda não foram descobertos, afirmam que estão verificando o problema, que vão determinar investigações rigorosas e acima de tudo irão afastar os envolvidos. Apesar disto, são hábeis conciliadores de interesses. Outro traço marcante é o de que não sabem de nada; tudo lhes passa despercebido e que realmente ficam chocados (as) com os acontecimentos e surpresos com as denúncias em curso. Organizados em agremiações, são muito inteligentes em gerir seus interesses e essencialmente são nutridos por recursos advindos do povo. Finalmente, o homo sapiens corruptus brasilienses surge em decorrência das pradarias da impunidade, dos campos da incompetência e das serras de omissão. Há mais de quinhentos anos habitam a terra brasilis e recentemente começaram a se preocupar. Ainda não estão em extinção pela sua grande população que infesta o país, mas a caça predatória, autorizada legalmente, pode diminuir sensivelmente a população desses seres.

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O que é o Brasil

O Brasil politicamente volúvel 09 abr. 2015 No Presidencialismo normal, o Poder Executivo é o que executa e o Poder Legislativo é quem legisla. Agora, no Presidencialismo à la brasileira o Legislativo é submisso ao Presidente em troca de verbas orçamentárias e de nomeações em cargos de primeiro e segundo escalões. Assim, no Brasil, o Executivo é amigo do Legislativo com a famosa barganha de favores, o toma-lá-da-cá, do consagrado “para você poder sorrir tem que me fazer sorrir”. No Parlamentarismo normal, o Poder Legislativo é quem manda e o Poder Executivo é submisso ao Parlamento. Agora, o Parlamentarismo, quando vigeu no Brasil, teve vida curta: foi instituído para dar um golpe branco e para barrar a posse do então vice-presidente João Goulart que substituíra Jânio Quadros; pouco depois tivemos o golpe de 1964. Neste momento de denúncias de corrupção e do enfraquecimento dos índices de popularidade da atual Presidenta, qual sistema está vigendo de fato no país? Os ministros de Estado parecem estar numa sala de aula de Jardim de Infância, onde há uma roda das cadeiras e, quando a professora desliga a música, todos têm que se sentar, e sempre sobram um ou dois em pé que tem que sair. Sem uma articulação política e apoio, o Poder Executivo fica sentado na calçada com o chapéu arriado esperando as determinações do Poder Legislativo. No fundo, nunca houve uma barganha ética; as trocas sempre são compromissadas a favores, a desmandos e a liberações milionárias de verbas. No quadro atual o Poder Legislativo demite e nomeia ministros, nomeia presidentes das estatais, devolve medidas provisórias ao Palácio do Planalto e principalmente, manda na agenda política do Brasil por meio da pauta de votações. O poder do Executivo resume-se ao poder de veto que pode ser derrubado por votação qualificada no Congresso Nacional, e diante da atual e vertiginosa perda da maioria naquelas casas legislativas, Senado e Câmara, o Poder Executivo está combalido e frágil para sequer dar os rumos do país.

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Não há nenhuma barganha; há sim, um grande refém chamado Presidência da República. Há factoides, aqui e ali, há pacotes grandiloquentes que não mudam nada e não se direcionam a lugar algum. E o pior, a água está batendo nos joelhos da economia e subindo. Quais as razões deste estado de coisas? A profunda perda da confiança causada pelos escândalos formidáveis que imantam os principais personagens do Executivo e do Legislativo. A perda da confiança neste presidencialismo com feições parlamentaristas, ou deste presidencialismo à la brasileira, importa uma solução muito simples e constitucional: a cassação e o impedimento de todos os envolvidos, contudo, processos de cassação e de impedimento foram concebidos para não funcionarem de forma célere e dessa forma o povo assiste à corrosão dos poderes sem entender o que realmente está acontecendo. Afinal, quem está mandando no Brasil? Uma Presidente enfraquecida e com seus partidos de apoio roendo as cordas ou os dois personagens ensopados de denúncias que se julgam os Rasputins da República? Em resumo, estamos “politicamente volúveis”, como disse Machado de Assis na obra: O Alienista.

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O que é o Brasil

O jeitinho brasileiro 07 abr. 2015 O jeitinho está na alma e no sentido do Brasil, pela plasticidade do perdão ao pecado da ética católica, pela colonização portuguesa, pela política que ajusta soluções sempre conciliatórias e, essencialmente, pela corrupção entranhada no Estado brasileiro. Onde há abundância de leis, há corrupção, pois, quando as leis não são cumpridas, elas precisam ser repetidas e aperfeiçoadas. Em Roma foi assim: as leis eram republicadas para se fazerem cumprir. Burlar as leis é a vida das elites políticas. Arrumar brechas e escapatórias para o escasso cumprimento das normas no Brasil faz parte da vida republicana. Transgredir as normas de trânsito, aqueles “vai que dá…”, “só por um instante…”, “bebi, mas estou bem…” é praxe. Há toda uma ética que permeia os consagrados bordões: “você sabe com quem está falando”; “quem tem padrinho não morre pagão”; “para os amigos tudo, para os inimigos os rigores da lei”; ou, ainda, “para os amigos a jurisprudência”. Sempre há uma possibilidade, um jeitinho para resolver os problemas dos aliados, dos amigos, dos achegados. A lógica do jeitinho pressupõe laços de amizade ou de parentesco. Aos desconhecidos a fila, aos amigos a rapidez no procedimento burocrático. Dir-se-ia que o Brasil é o país dos “despachantes”, sempre há um atravessador que conhece os meandros do Estado e vai facilitar as coisas. Neste sentido, todos que financiam as campanhas políticas garantem a si as portas abertas para as conversas sobre obras, serviço tudo que alimente o sistema de manutenção do poder e as reeleições sucessivas. O desvio de dinheiro público é uma pequena e necessária consequência para a chamada “caixinha de campanha”, o “percentual para a campanha”, a “ajuda”, o “presentinho”. Há, sem dúvida, uma especial curvatura das leis, e muitas vezes a ausência deliberada de normas, para se propiciar o combate a certos procedimentos “institucionalizados” de corrupção e de privilégios. Dir-se-ia que a corrupção do Estado está historicamente institucionalizada pelas leis e o ganho de certos grupos econômicos está cada vez mais protegido pela ausência de regulação e leis anticorrupção. Pacotes são anunciados, mas a reforma política nunca acontecerá.

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A prescrição processual penal e as pequenas-grandes falhas processuais são as grandes aliadas do jeitinho e da impunidade; todo processo judicial guarda uma pequenina semente de nulidade processual, tem-se apenas que descobri-la. É como aquele grão de feijão da fábula que cresce até as nuvens. As penas, os procedimentos e as medidas processuais sobre delitos de corrupção são fracos e insuficientes, e estão longe dos padrões penais dos países desenvolvidos. Por outro lado, há um profundo esquecimento eleitoral dos escândalos que se sucedem em todas as esferas de poder e de governos. Há a ausência ou uma grande insuficiência de força jurídica; as leis são insuficientes e todas discutíveis nos tribunais. O código jurídico se subordina ao código político, e neste último impera a malandragem. A paternidade desse sistema está nos partidos políticos, o último refúgio do coronelismo no Brasil, com seus caciques, donatários e senhores feudais. As elites políticas começam a se incomodar com as investigações de seus privilégios institucionalizados; alguma coisa, ainda que pequena, está mudando. Coloca-se a mão por cima dos lábios quando alguma câmera pode estar filmando. Constroem-se salas à prova de escutas. Nenhuma palavra é dita por telefone ou escrita no correio eletrônico. Nenhum torpedo é remetido. Conversas reservadas em restaurantes, nem pensar, pois há o perigo de escutas ambientais. O jeitinho tem novas faces diante do medo das investigações em curso. Os governantes nunca sabem de nada e nunca saberão, eles sempre estão alienados de tudo o que acontece a sua volta. As responsabilidades jurídicas e políticas nunca sobram para eles. As sucessões de escândalos evidenciam que não se pode desenvolver o Brasil, em termos econômicos e éticos, onde prevalece a ética do jeitinho. O Estado brasileiro é corrupto, e há quinhentos anos vige o patrimonialismo, onde há a prevalência dos interesses particulares sobre os interesses públicos. Há uma parcela da população que luta contra esta corrupção histórica e ainda se indigna. É desse grupo de pessoas que pode surgir uma proposta de refundação legal e ética no país.

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O que é o Brasil

A proteção jurídica das promessas de campanha 12 fev. 2015 Pesquisas recentes mostram que a vida em sociedade impõe que as pessoas mintam no seu cotidiano. As mentiras diárias são, até certo ponto, inofensivas. Quando as mentiras ou falsidades, envolvem obrigações contratuais, por exemplo, o direito pune os mentirosos, ou os descumpridores de seus deveres de boa-fé e lealdade contratual, é a regra das tutelas no plano civil e do consumidor. Sorrimos quando não queremos sorrir, e a sociedade impõe ritos que obrigam certas atitudes que geram uma teia de falsetes a que todos se submetem. A mentira, num sentido geral, foi um poderoso instrumento no desenvolvimento humano, pois a busca pela alimentação por grupos de caçadores garantia por meio de emboscadas e trapaças a captura das presas que serviram para a sobrevivência humana. O sistema político garante e preserva os cidadãos das mentiras eleitorais na medida em que os candidatos, por meio dos partidos políticos cumprem as suas agendas de campanha, tal qual as enunciaram e convenceram o povo. Em resumo, tudo que é dito nas campanhas eleitorais, as medidas anunciadas, as promessas de campanha e todo o rosário de ações prometidas vinculariam, em teoria, as ações e as propostas dos Poderes Executivo e Legislativo. Ocorre que não poucas vezes as promessas eleitorais evaporam-se e novos discursos se constroem após as vitórias eleitorais, alterando substancialmente o conteúdo original das promessas de campanha. Não se tem na legislação brasileira um recurso jurídico para o eleitorado utilizar, quando for coletivamente enganado, isto é, quando houver um flagrante descompasso entre o discurso da campanha e a prática do exercício dos Poderes Legislativo e Executivo. Nos Estados Unidos tem-se o recall político, ou a rechamada, isto é, a possibilidade jurídica de nova avaliação eleitoral que ocasiona a queda dos políticos mentirosos, corruptos, incompetentes ou omissos. Assim, sem mecanismos de retirada dos membros do Legislativo e do Executivo, tem-se que o mandato é o exercício da irresponsabilidade por prazo determinado.

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Propostas eleitorais, vagas e gerais, geram um baixo comprometimento de atuação durante os mandatos. Para proteger o eleitorado temos apenas a figura do impeachment de alguns cargos de relevo na esfera federal e os crimes de responsabilidade, também regulados por lei federal. Restaria ainda a figura da renúncia, ato personalíssimo, que independe da vontade coletiva do eleitorado. A base legal que viabiliza as mentiras coletivas das promessas das campanhas eleitorais dos Poderes Executivo e Legislativo deve ser revista para se evitarem surpresas, medidas abruptas e rumos absolutamente diferentes das promessas partidárias e de palanque, que têm constantemente ocorrido no Brasil. Somente uma profunda reforma política tornará possíveis novos mecanismos de controle, pelo eleitorado frente aos Poderes Legislativo e Executivo, sobre os responsáveis pelos discursos proferidos nas campanhas eleitorais.

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O que é o Brasil

O que é o Brasil? 19 dez. 2014 O Brasil tem “n” definições feitas por sociólogos, historiadores, todo tipo de doutores, literatos, jornalistas e tantos outros que pensam em radiografar a alma do nosso país. A brasilidade é uma mistura que tem na sua composição o carnaval, o futebol, a música, as comidas típicas, as cachaças, o jogo de cintura e o jeitinho. E os valores morais e éticos, quais são os nossos preferidos? Numa palavra: o perdão. Em outra: o jeitinho. O perdão de tudo e a todos, o perdão que vem das entranhas do catolicismo, de todas as mazelas históricas que passaram e passamos. O perdão nos faz rir, nos faz chorar, nos traz a impunidade, nos traz o esquecimento dos escândalos – que se sobrepõem. Podemos construir uma nação vitoriosa? Podemos pisar na Lua? Podemos povoar Marte? Podemos colocar um satélite num asteroide? Sim, podemos. O que nos falta? Vergonha na cara, um Estado sem corrupção, um povo educado e cioso de progresso? Falta-nos ordem, falta-nos o progresso, falta-nos infraestrutura, falta-nos Educação de excelência? Faltam-nos estadistas? Falta-nos um São Sebastião, que irá nos curar de todos os nossos males? Falta-nos a reflexão de aonde queremos chegar e de quanto representa a coletividade próspera sobre as individuais? O Brasil é um político empossado por uma medida judicial, com milhares de votos e com um mandado de prisão pela Interpol? O Brasil é a maior empresa brasileira repleta de contratos duvidosos e superfaturados? É a preocupação com o 13º terceiro e as festas do final do ano e o Carnaval? O Brasil é um sonho individual? Um sonho de não passar mais fome, de não ter privações, de conseguir chegar lá, sabe-se lá o que represente isso. Onde estão nossos sonhos coletivos? Na política? No Congresso Nacional? Nas leis e no Poder Judiciário? De algum dia se ter uma sociedade justa e democrática? Um Brasil geográfico, um gigante territorial, um todo constituído pela maior biomassa e biodiversidade que o mundo conhece na Amazônia legal?

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Outro Brasil, o histórico, é uma alternância de imperadores, monarcas, ditadores civis e militares, num breve e curtíssimo período de democracia. Finalmente, um Brasil, país do futuro, que está por vir, e ainda não veio, e que dezenas de gerações aguardam o seu despertar pujante. Ainda não sabemos o que é o Brasil, mas sabemos que podemos fazer dele o que quisermos; basta-nos um projeto nacional de prosperidade, envolvido em valores éticos e morais.

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O que é o Brasil

A nuvem do impeachment paira sobre a República brasileira 21 nov. 2014 As recentes denúncias do caso “Petrolão” que apontam para desvios de bilhões de reais da Petrobras, podem comprovar que os financiamentos dos candidatos ao Poder Legislativo e Executivo foram bancados pelas empresas que se beneficiaram regiamente das obras e serviços, em esquemas fraudulentos. Esses fatos, se fossem precipitados antes das eleições de 2014 poderiam arrastar e comprometer diversos partidos e candidaturas. A verdade veio à tona após as eleições, depois de uma disputa eleitoral imprevisível e acirrada. Pode-se comprovar que a vala do financiamento das campanhas passou por dinheiros obtidos em fraudes e corrupção; essa seria a grande e inevitável conclusão a que se chegaria a partir dos fatos apurados na operação Lava-Jato e na CPI da Petrobras. Poucas vozes bradam por uma profunda reforma política que encerre o ciclo perverso do financiamento das campanhas pela corrupção de Estado. A alcunha de operador não é nova na política brasileira. Ser chamado de operador confere à pessoa o status de ministro, de eminência parda, de Cardeal Richelieu (o arquiteto do absolutismo em França), daquele que manda nos bastidores, por detrás das cortinas do poder. Com a titubeante economia, a maioria volátil no Congresso Nacional, o burburinho das ruas, somados às páginas dos jornais apontando nomes de relevo do governo federal, pode-se desaguar num processo de impeachment. Só que, desta vez, poderá envolver também o Vice-Presidente, pela magnitude dos financiamentos eleitorais. O esquema que pode se desenhar parece ter beneficiado a maioria dos partidos eleitorais brasileiros. Cairia a República, e elegeríamos quem sobrasse. O argumento seria talvez a improbidade na administração (art. 85, V, CF), depois da Presidente e do Vice-Presidente, assumiria o Presidente da Câmara dos Deputados (art. 80, CF), cujo cargo poderia ser ocupado novamente por um desafeto declarado da Presidente e as eleições, convocadas, noventa dias, depois de aberta a última vaga (art. 81, CF).

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Se os atuais mandatários e eleitos conseguirem se descolar do Petrolão, será outro cenário, ainda com muitos desgastes; o inevitável pode ocorrer. A caixa de Pandora foi aberta, e o país poderá pagar as consequências de serem relevadas eventuais verdades inconvenientes, que muitos talvez soubessem ou apenas imaginavam que existiam.

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Alguns vestígios da Monarquia no Brasil 17 nov. 2014 A família real foi exilada do Brasil após a proclamação da república (1889)1, e ainda estão pendentes as desculpas oficiais do governo brasileiro aos seus descendentes, tamanho o trauma do exílio. Havia, naquele momento o medo do retorno da monarquia e a derrocada dos valores republicanos recém-implantados. Para lembramos os 125 anos do episódio, enumeramos alguns valores monárquicos seguidos de teses republicanas para refletirmos se ainda persistem traços monárquicos no Brasil ou se realmente estamos numa república: 1. A perpetuação no poder, para assegurar a estabilidade do governo, é monárquica; a república é contrária à reeleição sucessiva e ao continuísmo, inclusive nos cargos de direção do Parlamento, contudo, a reeleição aprovada em 1997 assegurou a continuidade do poder executivo nos municípios, estados e na União, sendo que poucos conseguem enfrentar o poder da máquina do Estado numa reeleição; 2. A nomeação de parentes, amigos e apadrinhados em cargos honoríficos e em tribunais é monárquica; já a república é contrária ao nepotismo, ao empreguismo e à condução dos amigos aos cargos públicos, contudo, no Brasil se utiliza das estatais e dos milhares de cargos em comissão para nomear aliados e apadrinhados; 3. O auxílio financeiro aos componentes da Corte e afins, com empréstimos, doações e dinheiros dos impostos pagos pelo povo é monárquica; a república não conhece os favores de Estado para grupos econômicos e para as famílias amigas do poder; contudo, no Brasil os despojos do erário são partilhados pelos que financiam regiamente as campanhas eleitorais do Legislativo e do Executivo; 4. Na monarquia tem-se o princípio da pessoalidade, isto é, os sobrenomes devem prevalecer, as famílias devem permanecer no poder, e o amplo poder político se perpetua; na república o Estado é impessoal, as famílias não proliferam, e há ampla alternância no poder; contudo, não é o que vemos no Brasil há décadas;

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Para verificar toda família real exilada em 1889 consulte-se: http://www.imagensviagens.

com/br5_petropolis.htm

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5. Na monarquia os grandes grupos econômicos são necessariamente convergentes e afiliados ao poder, a economia é gerida pelos interesses de poucos, há o autoritarismo esclarecido de Estado; na república, preside-a o interesse popular e não o interesse de poucos, contudo, no Brasil há um grande volume de recursos destinados aos grupos econômicos que financiam as campanhas eleitorais, há sim, pessoalidade; 6. Na monarquia é o interesse coletivo e não de poucos; na república é a vontade popular e não de alguns; contudo, no Brasil, pela ausência de partidos políticos estruturados, prevalece o “toma-lá-da-cá” de cargos e de nomeações, que transformou o Estado num loteamento de interesses exclusivamente privados; 7. Na monarquia há o patrimonialismo, isto é, o patrimônio de Estado é do rei e de sua família; na república há a coisa pública (res publica), isto é, o Estado é de todos, serve a todos e deve distribuir riquezas para reduzir as desigualdades sociais, contudo, no Brasil o enriquecimento dos detentores de cargos públicos é sempre mal explicado, a coisa pública serve aos interesses privados, e o patrimonialismo continua a todo vapor; 8. Na monarquia há palácios, príncipes, princesas, viscondes, condes e fidalgos; na república há cidadãos e tão somente cidadãos, e todos são iguais perante a lei sem nenhuma distinção, contudo, no Brasil há o chamado “carteiraço”, o “sabe com quem está falando” e toda sorte de privilégios aos detentores de cargos públicos e pessoas que possuem influências graças ao poder político e econômico; 9. Na monarquia, há a religião oficial; já na república há a pluralidade de religiões, não há uma religião oficial, contudo, no Brasil, as bancadas neopentecostais estão arruinando o Estado laico; 10. Na monarquia, a família real tem limites de gastos, os filhos nascem predestinados para os cargos que irão ocupar; na república há a alternância no poder, todos têm acesso aos cargos públicos, não somente alguns poucos; contudo, no Brasil, as famílias do poder que se instalaram no Congresso Nacional, nas assembleias legislativas e nas câmaras municipais, cada vez mais elegem seus filhos e apaniguados, provando que os custos das campanhas eleitorais são um fator de grande exclusão para a participação popular na política;

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11. Na monarquia, o rei tem que ser culto e possuir uma civilidade exemplar, ao estilo da Corte, para guiar os destinos da nação; na república, o povo escolhe seus líderes e não fica refém das famílias e de grupos que estão no poder desde sempre, contudo, no Brasil, diante do esvaziamento das lideranças políticas, pelo regime militar, há uma grande ausência de líderes, com cultura, conhecimento e acima de tudo senso do dever público; 12. Na monarquia, fala-se em impunidade, aos amigos do rei tudo, aos inimigos do rei, os rigores da lei, assim a lei é desigual na sua aplicação; na república a lei é igual para todos, contudo, no Brasil a lei é mais igual para alguns e menos igual para outros. Valem os ditados populares: “quem não tem padrinho morre pagão” e “aos amigos tudo, aos inimigos os rigores da lei”.

Certamente o Brasil ainda está na transição da monarquia para a república, e talvez, se a família real não tivesse sido exilada, tivéssemos rei, rainha e tudo mais, com muito menos custos para os cofres públicos. Afinal, a conta da corrupção em nosso país é estimada em 100 (cem) bilhões ao ano, e certamente uma família real sairia muito mais barato ao povo, mas isto é passado, pagamos caro para a proclamação da república, uma quartelada de rompante, bem-sucedida, mas que ainda não foi implantada no país. Falta-nos uma substancial reforma política e leis penais severas contra os crimes contra a Administração Pública, mas isto é um sonho Republicano bastante distante.

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Breves notas sobre o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2014 12 nov. 2014 No Brasil não podemos mais falar no brasileiro cordial (Sérgio Buarque de Holanda), nem no homem conciliador (Gilberto Freyre). A sociedade brasileira é altamente violenta, seja nos elevados níveis de homicídios, das mortes no trânsito e apesar dos esforços governamentais, pela miséria ainda, de dez milhões de brasileiros. Outrora o catecismo ensinado pelos padres no Brasil colonial aos escravocratas era “moderação e benevolência” e para os escravos “paciência, resignação e obediência” (Leonardo Boff)1. Os reflexos históricos desta pregação cristã nunca deram conta dos desafios da necessária pacificação histórica que deve ser promovida pelos governos municipais, estaduais e pela União. Quando se estuda a violência no Brasil cogitam-se soluções penais e de repressão policial, mas não se estudam os necessários investimentos sociais e na prevenção dos delitos. É a lógica do tratamento das consequências e não das causas. Por outro lato, os crimes do colarinho branco e de alto escalão social, não entram nas estatísticas porque, ainda no Brasil, a grande exceção é que os ricos e dirigentes da política e tribunais não sejam enviados para o regime de reclusão e ocupem, efetivamente, as penitenciárias. Esta impunidade dos estratos superiores da sociedade brasileira corrói, desde sempre, as nossas instituições. Reina a desconfiança sobre o cumprimento das leis, nos políticos e no Estado brasileiro. O instrumento da violência no Brasil é a arma de fogo (71,1% dos casos), mas a legislação proíbe aos cidadãos portarem armas para se defenderem. É a proteção e a segurança legal aos que delinquem. Vive-se um estado de insegurança pública. De outra sorte, as eleições de 2014, do Legislativo e Executivo, traduzem a baixíssima possibilidade de renovação na política, posto que a grande parte dos eleitos é produto da máquina do financiamento das campanhas eleitorais.

1

BOFF, Leonardo. Quão cordial é o povo brasileiro? In http://leonardoboff.wordpress.

com/2014/10/31/quao-cordial-e-o-povo-brasileiro/

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Editado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública o Anuário2, deste ano, trouxe dados atuais para refletirmos: 1. A cada 10 minutos uma pessoa é assassinada no Brasil. A violência armada representa 71,1% em 2013; 2. 81% concordam que é fácil desobedecer às leis no Brasil; 3. 32% confiam no Poder Judiciário. 33% confiam na Polícia e 48%, no Ministério Público; 4. 192 bilhões (2013) são os custos com a violência, segurança pública, prisões e unidades de medidas socioeducativas; 5. Em cinco anos os policiais brasileiros mataram o equivalente ao montante de trinta anos nos EUA; 6. Quanto ao Poder Judiciário, 4% acreditam que é rápido; 29%, que é honesto e 32% confiam nele; 7. Ainda no item confiança, os menos confiáveis são Partidos Políticos (6%), Congresso Nacional (17%), e Governo Federal (31%). E os mais confiáveis: Forças Armadas (65%), Igreja Católica (55%) e Ministério Público (48%); 8. Quanto à honestidade, a maioria dos juízes (55%), a maioria dos policiais (51%), a maioria dos advogados (44%) são honestos; 9. Quanto às leis: 81% (é fácil desobedecer as leis no Brasil e, sempre que possível, as pessoas escolhem dar um jeitinho ao invés de seguir as leis) e 57% (existem poucas razões para uma pessoa seguir as leis no Brasil); 10. No Distrito Federal é onde os entrevistados mais acreditam que as pessoas escolhem o “jeitinho” (84%).

Enquanto as instituições estiverem naufragando na credibilidade e na confiança do povo brasileiro, não se pode afirmar que vivemos numa democracia. Somos ainda aspirantes a um Estado que distribua justiça e bem-estar social. Muitas leis, pouco direito. Muitas instituições, pouca confiança. Muitos culpados, poucos condenados. Muitos discursos, pouca efetividade. A refundação ética, moral e jurídica, no Brasil, passa por uma reinvenção do Estado brasileiro. Todos nós somos resultado da História que fazemos e vivemos. 2

Fórum brasileiro de Segurança Pública, 2014, In http://www.forumseguranca.org.br/

produtos/anuario-brasileiro-de-seguranca-publica/8o-anuario-brasileiro-de-seguranca-publica

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Das razões para votar e ser votado 13 out. 2014 O fenômeno da escolha no momento do voto, ainda é um mistério para publicitários, cientistas políticos, jornalistas, malandros e curiosos. A beleza encanta eleitores, o discurso pela mudança ou “do time que está ganhando não se mexe”, o slogan ou frase de efeito, a abundância de aparições, na televisão, nas redes sociais, em cartazes e nas notícias, segurar criancinhas, rezar em missas e cultos, comer buchadas de bode e pratos típicos, tudo vale votos. A ausência de escolaridade na maior parte do eleitorado brasileiro combinada com as promessas de solução para as carências sociais, repete a velha elite política brasileira renovada por filhos, netos, sobrinhos, primas e toda parentela; o continuísmo é a marca na política brasileira e nos poderes constituídos. Poucos dominam a manada. O enlace dos meios de comunicação, instituições financeiras e grandes empresas faz o resto. Os partidos apresentam-se como agremiações obrigatórias, cujo cálculo do tempo de exposição vale ouro para emplacar candidaturas. Milhares, milhões e bilhões são doados pelos grandes e médios grupos econômicos, bancos, construtoras e empresas de interesses variados, tudo visando contratos com o Estado e favores diversos. Cada um tem um preço, e assim se constrói a frágil democracia brasileira que combina obras e serviços para o Estado com o financiamento de campanhas eleitorais. A pequena parcela de pessoas que disputam um cargo no poder legislativo e executivo, não tem formação apropriada para exercer o cargo que pretendem. No executivo, ausente um mínimo de conhecimento ou competência em gestão ou administração, no legislativo, quiçá o conhecimento básico de como funcionam as leis e a Constituição. A campanha é uma corrida pela exposição, pelo sorriso, pelo discurso que o eleitorado quer ouvir. Um misto de sensações, palavras, emoções e imagens. Uma construção frágil e com tempo curto para entreter, distrair e convencer o eleitorado a votar em determinado personagem. A racionalidade da escolha é superficial; o que conta é o emocional, o lírico, o conceito abstrato. Voto nele porque ele é bom, voto nela porque é mulher, voto nesse ou naquele, por

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que os políticos não merecem meu voto, voto porque é bonita, é da minha religião, porque prometeu etc., e assim caminha a linguagem abstrata do convencimento para teclar números na urna eletrônica. O acompanhamento das ações, das promessas eleitorais ou da coerência da atividade no executivo ou parlamentar, praticamente não existe. O lamaçal de denúncias ou escândalos redunda, em muitos casos, no famoso “rouba, mas faz” ou no mero esquecimento das massas pelo futebol, pelo final da novela ou por novos escândalos que se sucedem toda semana. A vida segue, a girândola roda e as eleições repetem a espetacular teia de acertos e conchavos na qual o povo é uma engrenagem facilmente conduzida. Sem a revolução na educação não mudaremos este cenário vicioso e mal-acabado, que chamam de democracia. Entre as razões para votar e ser votado há o enorme interesse econômico em manter tudo como está para ver como é que fica. Mudanças no cenário da segurança pública, da saúde e na educação são apenas promessas que se esvaziam e se repetem de dois em dois anos, nas eleições. Enquanto isso, o Brasil está se desindustrializando; estamos cada vez mais atrás nos rankings mundiais na educação; a produção científica do Brasil é insignificante, nos esportes rareiam as medalhas e na gestão do dinheiro público o Estado continua corrupto e insaciável na tributação. Precisamos de um projeto nacional para mudar esta realidade; nossas leis, as eleições e a “democracia” ainda não nos bastam e não resolveram nossos dilemas históricos.

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A miséria das propostas eleitorais no Brasil 11 set. 2014 Das propostas eleitorais em voga, podemos afirmar que todas tratam de saúde, educação e segurança, as que combatem a corrupção de Estado e prometem alterar ou melhorar o cenário político brasileiro sem enunciar que tipos de mudanças serão feitas ou como objetivamente ocorrerão. Dos candidatos ao Poder Executivo, da Presidência da República e dos Governadores dos Estados, podemos classificar as propostas em: a. Genéricas, com temas amplos e sem a explicação de como serão implantadas, tendem a ser esquecidas e repetidas por todos os candidatos; b. Dependentes do Poder Legislativo para aprovação, tais como reforma política, tributária etc, que não dependem exclusivamente do Poder Executivo; c. Fantasiosas ou utópicas, propostas que não têm a mínima condição de serem implantadas em decorrência da insuficiência de orçamento; d. De longo prazo, propostas que ultrapassam o mandado, mas que mesmo assim, são enunciadas; e. De marketing político, aquelas que devem ser enunciadas em decorrência de pesquisas de opinião eleitoral e de tendências recentes às eleições.

Dos candidatos ao poder legislativo, de senadores, de deputados federais e deputados estaduais: a. Genéricas, com temas amplos e sem explicação de que forma serão implementadas pelo Poder Executivo. Não nos esqueçamos de que o Poder Legislativo apenas propõe e vota as leis; b. Inconstitucionais, propostas que não serão votadas, pois flagrantemente inconstitucionais, mas do gosto popular; pena de morte, prisão perpétua etc; c. De outra esfera de governo; por exemplo, de leis de competência federal, enunciadas por candidatos de esfera estadual e vice-versa; d. De políticas de governo, propostas que são eminentemente de competência do Poder Executivo e que jamais poderão ser implantadas pelo Legislativo;

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e. De marketing político, aquelas que devem ser enunciadas em decorrência de pesquisas de opinião eleitoral e de tendências recentes às eleições.

Há numa faixa de candidatos com a completa ausência de propostas, em tom de gozação, deboche ou negação à política, ou focadas em pessoas que exerceram funções de notoriedade pública, humoristas, jogadores de futebol, cantores, atores, religiosos etc. E por fim, há temas que não estão na pauta de discussão dos políticos, pois podem ferir sentimentos de parcela do eleitorado ou interesses dos financiadores de campanha, são temas esquecidos ou intocáveis, mas que interessam à grande maioria da população. Alguns desses temas proibidos: juros bancários e grandes obras (dos financiadores de campanhas, bancos e construtoras); mobilidade urbana (as cidades estão um caos); sistema prisional (idem); poder judiciário (lentidão dos processos e ausência de democracia interna); educação e políticas de privatização (o alto custo e a baixa qualidade); qualidade dos serviços de telefonia, internet (os mais caros do mundo com baixíssima qualidade e sem fiscalização); política salarial dos trabalhadores; reforma agrária (em choque com os setores do agrobusiness); crescimento sustentado; políticas econômicas e industrialização; reforma política (em choque com os interesses da própria classe política); reforma tributária (com a consequente distribuição de rendas para os municípios e estados geradores de riquezas); remuneração dos agentes políticos (em constante aumento e em choque com os interesses da classe política); estado laico (em contraposição às bancadas religiosas e seu poder econômico). Todos, sem exceção, são contra a corrupção, embora vivamos num Estado corrupto. Nos debates de candidatos vemos a alternância de acusações e personalismos, há uma completa ausência de propostas, projetos, modos de gestão para implantá-los. Discutem-se personalidades e não projetos. Em síntese, há uma aridez nas propostas e um verdadeiro deserto de discussões sobre temas que verdadeiramente interessam à população. Não nos sentimos representados pelos candidatos que aí estão e nem motivados pelos cavaletes espalhados pela cidade. A propaganda eleitoral no rádio e na televisão é uma repetição de enunciados vazios e incoerentes; o tédio é a marca dos programas eleitorais.

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Não nos sentimos motivados para votar. Prossegue, historicamente, a falsa renovação gerada pelas famílias e parentelas do poder. Há uma descrença na política; vota-se porque o voto é obrigatório. Há uma tremenda falta de lideranças, faltam partidos políticos, falta participação e há uma grande omissão dos cidadãos. Isso tudo propicia a ascensão e a manutenção da classe política que nos governa e transforma o Brasil num país essencialmente atrasado, cartorial, corrupto, sem ética, e patrimonialista. A miséria das propostas elege nossa classe política; não podemos reclamar; somos resultado desse amálgama de pessoas que se dispõem a nos governar e legislar.

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O Brasil e o Futuro da Democracia 26 ago. 2014 É famosa a frase dita por Abraham Lincoln em discurso: “A Democracia é o Governo do Povo, pelo Povo, para o Povo.” O Brasil busca a modernidade e aqui afirma-se que estamos numa democracia. Será? Em pesquisa recente da USP sobre a democracia brasileira, 79% dos entrevistados consideram não haver igualdade perante a lei no país, 64% não têm confiança no Poder Judiciário, 76 % não confiam no Congresso Nacional, 86% não confiam nos partidos políticos, 45% acham que a democracia pode funcionar sem o Congresso e 46%, sem os partidos.1 Neste cenário pós-ditadura militar, quando já se passaram vinte e sete anos da promulgação da Constituição de 1988, temos alguns dilemas ainda não resolvidos: 1. Os partidos políticos não são representativos do povo e não possuem sequer ideologia, ou programa de governo. Representam grupos de interesses com personalidades que se lançam candidatos. Não há, nem internamente, democracia nos partidos; 2. O coronelismo político no interior do Brasil, gerado pela troca de recursos públicos com os carentes de recursos, ainda elege às custas dessa massa humana de manobra; 3. A existência ainda do toma-lá-da-cá de recursos públicos, que é moeda de troca nos apoios em votações do Congresso Nacional com o Poder Executivo, das assembleias legislativas com os governadores e das câmaras municipais com os prefeitos; 4. O cálculo do voto de legenda, no qual os candidatos bem votados aumentam o coeficiente eleitoral e elegem os candidatos menos votados (sem representação direta), a exemplo de partidos nanicos; 5. Os volumosos recursos das campanhas eleitorais doados por corporações, grupos financeiros ou setores de interesse – e o posterior comprometimento dos eleitos que, muitas vezes, não representam os interesses do povo ou da maioria; 6. O grave problema da corrupção endêmica no Estado que se alastra em estatais, ministérios, secretarias de governo estaduais e municipais e órgãos públicos, conjugado com a tradicional e histórica impunidade do sistema jurídico brasileiro; 1

http://josealvaromoises.com.br/2014/06/17/falhas-do-imperio-da-lei-e-suas-implicacoes/

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7. O grande déficit democrático na escolha dos membros diretivos dos tribunais pela não participação das bases corporativas que representam, nem muito menos do povo (veja o exemplo democrático das eleições e escolhas nos países desenvolvidos); 8. O decréscimo no nível de qualidade da escolaridade na população brasileira, a ausência de investimentos estratégicos na educação e a consequente perda da consciência política e da importância na democracia; 9. A corrosão do Estado laico (que não possui religião) e o grande avanço das bancadas das novas religiões de massa; 10. A ausência de uma reforma política que possa retirar, democraticamente, muitos dos atuais atores da política brasileira e as suas oligarquias familiares, e realmente renovar a elite política brasileira (exemplo das reeleições do Poder Executivo e na não desincompatibilização dos membros do poder Legislativo); 11. O grande déficit em projetos de desenvolvimento econômico e a ausência de reforma tributária para distribuir estrategicamente os recursos públicos em prol do desenvolvimento.

Acima disso, há, sobretudo, uma crise institucional, moral e ética, no sentido de que o capitalismo internacional produziu a sensação de abandono coletivo e a ausência de representação de interesses do povo. Falta-nos o comprometimento do Estado com as causas sociais, com a gestão estratégica do Estado. Falta-nos uma elite política que seja comprometida e governe pelo povo e para o povo e não para os seus interesses pessoais (patrimonialista). Algum dia, no futuro, teremos uma democracia no Brasil.

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O poder das frases de efeito e o futuro do Brasil 19 ago. 2014 Senso crítico é o exercício de reflexão, nova análise, dos fatos que nos cercam no dia a dia. Todos nós avaliamos nossas ações, nossos atos e suas consequências. A ética e a moral se valem da avaliação das condutas que, se tomadas, desencadeiam consequências. Os conceitos do bem e o mal orientam as atitudes. O senso crítico serve para se avaliar se tal ou qual conduta está ou não, correta dentro de um mundo de valores. Em síntese: os valores morais, religiosos, familiares, filosóficos e legais deveriam orientar a conduta das pessoas. O senso crítico serve para questionarmos tudo isto e avançarmos para o aprimoramento das nossas condutas, das nossas instituições, e, por que não dizer ?, do nosso país. Votar é uma atitude de análise de valores. No cenário atual as redes sociais têm ganhado espaço nos jovens. Apesar de termos os infoexcluídos, isto é, aqueles que não estão conectados com as mídias de informática, expressiva parcela dos jovens brasileiros tem se conectado por “torpedos” no celular, whatsApp, twiter, facebook, instagram, e-mails e tudo mais que serve para incessantemente passar informações uns aos outros. Falar ao telefone tornou-se raro, remeter uma carta escrita pelos correios é algo em extinção, ler livros é para poucos. A onda da comunicação rápida tem consigo mensagens curtíssimas, de baixo conteúdo. O contato presencial entre as pessoas é escasso, todos estão correndo à busca de tarefas e ao mesmo tempo se comunicam por meio de mensagens telegráficas; em resumo, uma frase ou palavra resumem tudo. Tudo ao mesmo tempo: falar e teclar mensagens, andar na rua e olhar para aparelhos celulares, mandar torpedos ao volante ou enquanto se alimenta. A vida se encurtou pela grande quantidade de mensagens que se remetem e se respondem. As informações são curtíssimas, uma linha, uma palavra. Não se constroem mais parágrafos. Rareiam a introdução, o desenvolvimento e as conclusões.

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A linguagem se reduz dia após dia. Num mundo desses é impossível ficar meia hora com alguém sem que o telefone toque, sem que a pessoa não se distraia, sem que tenha que responder a uma mensagem. A epidemia do ebola é uma realidade que espera chegar ao mundo desenvolvido e a outros continentes. A violência urbana corre a passos largos. A corrupção do Estado aumenta e cobra seu preço antes e depois das eleições. A mobilidade urbana fica no discurso. Todos os assuntos são discutidos de forma superficial. Neste momento eleitoral as propostas de candidatos (as) são um amontoado de frases de efeito. Fala-se o que o eleitor deseja escutar. Palavras, gestos, imagens. Não há uma construção intelectual ou de profundidade nas propostas. Os temas são vagos e gasosos. Efetivamente não se tem conhecimento de como o Poder Legislativo irá legislar ou como o Poder Executivo irá governar. O passado pode nos dizer algo, mas não temos tempo para analisá-lo, pois a vida corre. Os partidos políticos são incolores. Sem sabermos ao certo o que será dos nossos destinos coletivos ou qual o futuro político, vivemos a superficialidade das frases de efeito. O destino do Brasil merece uma profunda reflexão crítica.

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As coincidências entre o Futebol e o Estado Brasileiro 08 jul. 2014 A propósito da Copa de 2014 do Mundo e a partida entre a Alemanha e o Brasil, listamos alguns pontos de contato entre o futebol e o Estado brasileiro. O Direito, em face da Copa do Mundo, recebeu várias inovações pelas imposições do Caderno de Exigências da FIFA, e todo o pacote de alterações transitórias às quais se submeteu o Brasil para sediar a Copa do Mundo de 2014. Em 2006 foi confirmada a Copa no Brasil. Tivemos oito anos para realizar toda a infraestrutura necessária, tal como a modernização dos aeroportos, das vias urbanas, dos metrôs, da mobilidade, da estrutura hoteleira e muito mais. A seleção brasileira teve oito anos para se preparar. Mas, também em matéria de futebol, deixamos tudo para a última hora, para o último minuto, para o último jogo, para a última tentativa. Antes da partida entre Brasil e Alemanha, no ônibus da seleção se ouviam sambas e pagodes, muita alegria, pouco foco e nenhuma concentração, tudo iria dar certo. Não deu. Foram construídos, a “toque de caixa”, doze estádios; alguns, milionários; outros, bilionários, com capacidade reduzida de espectadores. A estrutura do futebol brasileiro está nas mãos de alguns clubes, talvez doze, na sua maior parte, altamente endividados na Previdência Social. A estrutura da base do futebol brasileiro praticamente não existe, e nossos craques são na maior parte exportados para os outros continentes ricos, organizados e prósperos. A paixão nacional é o futebol, somos a pátria de chuteiras, o país da bola. Vale a emoção. Pensamos que no final tudo dá certo, contamos com a superstição, com o acaso, com a sorte, com a jogada espetacular. No Estado brasileiro não temos planejamento; a racionalidade e o planejamento não fazem parte da agenda dos governos. As obras de ocasião guiam nossos governantes e o Legislativo. Nossa seleção perdeu de goleada, sete, um número mágico; até agora não aceitamos isto. Dois viadutos ruíram, e até agora não sabemos o que aconteceu. Ou melhor, no fundo,

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sabemos exatamente o que ocorreu. Sabemos que depender da sorte não é garantia de êxito, nem nos jogos de azar. A participação do Brasil nas Olimpíadas também não é, nem nunca foi significativa. Não temos política de Estado nos esportes; rareiam as medalhas. O futebol não foge mais desta lógica. A grande lição que podemos tomar deste episódio: precisamos de planejamento estratégico e temos que banir a corrupção das estruturas cartoriais do futebol e do Estado brasileiro. Os sete baldes de água fria que recebemos podem nos despertar do berço esplêndido. É necessário que conquistemos um Estado que garanta aos seus cidadãos a saúde e a educação de alta qualidade e inteiramente gratuita, que garanta segurança, mobilidade urbana com dignidade de primeiro mundo, essa é a verdadeira Copa do Mundo, a copa das nossas vidas, no nosso cotidiano. Depois virão as outras Copas!

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A Copa do Mundo é nossa 19 maio 2014 No Brasil, herdeiro de quatrocentos anos de escravidão e as mais variadas diferenças sociais, quatro elementos unem a sociedade, são eles: o futebol, o carnaval, a praia e Deus. A causa fundamental das manifestações está no fato de que poucos poderão assistir às partidas dentro dos estádios. Após a Copa seguramente os estádios se tornarão espaços de poucos afortunados. Lembremos a extinção das gerais no Maracanã; a regra de ouro da FIFA é afastar o povo dos estádios. De outra sorte, os jogadores da seleção, na sua maioria, não estão dentro dos campeonatos brasileiros, mas na primeira divisão dos campeonatos europeus. Passes milionários e arrivederci, Brasile! O carnaval, pertencente às escolas de samba e seus financiadores, cada vez mais longe do povo. Ressalve-se o ressurgimento dos blocos de rua no Rio de Janeiro ocorrido há uns quatro anos atrás. Sobram a praia e Deus. A falta de segurança e a ausência de ordem, seja na segurança pública, na alta taxa mortes no trânsito ou na impunidade dos crimes de colarinho branco, atestam a vigência da “Lei de Gerson”, cada um tem que sempre levar vantagem em tudo. Quando a Copa começar, daqui a poucos dias, virão as manifestações populares pela grande contradição que se estabeleceu entre o luxo dos estádios e a falácia governamental na segurança, na educação e na saúde pública. O legado da Copa será a descoberta de que o Brasil tem recursos públicos para erguer grandes obras, estádios bilionários, mas que realmente não dá a mínima para o povo, cada vez mais exaurido pelo fisco, refém da saúde e do ensino privados. Falta-nos a determinação e um mínimo de gestão da coisa pública, em todos os níveis da Federação brasileira. Falta-nos vergonha na cara para não elegermos a canalha que nos dirige há mais de 500 anos, falta-nos a leitura da Constituição que assegura um mar de direitos e nós dá bacias de água fria.

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Cada centavo que ergueu os estádios foi pago com o trabalho e o suor de milhões de brasileiros. É hora de dizermos um não ao descaso à saúde, à segurança pública, à precarização da educação, à ausência de mobilidade nas cidades, rodovias e aeroportos. A Copa do Mundo é nossa. Quando o Brasil nos pertencerá?

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Revisão histórica dos heróis de 1964 17 abr. 2014 Não há duas histórias;há versões comprovadas ou não. Tínhamos um presidente eleito que foi deposto por um golpe militar. A vivência republicana foi prejudicada e diante de fatos altamente reprováveis sob o ponto de vista da moralidade, dos direitos humanos, da cidadania, da ética, da democracia, da justiça e da República brasileira; podemos lançar as seguintes premissas: O período abrangido pela ditadura militar brasileira se deu de 31 de março de 1964 até 15 de março de 1990 com a posse de Collor de Mello, portanto, 26 anos de duração. Pelos crimes de Estado praticados neste período, independente da Lei de Anistia (que é inconstitucional pelos julgamentos recentes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos), todos os crimes devem ser investigados e punidos, em especial, os crimes de sequestro e desaparecimento, crimes permanentes que não prescrevem. Todas as homenagens efetuadas neste período devem ser revistas, a construção do ideário local, regional e nacional sobre personagens que apoiaram, foram atores principais ou contribuíram, direta ou indiretamente para o regime autoritário, merecem revisão. Essa revisão deve ser feita por lei de caráter nacional, autorizadas as assembleias legislativas, câmaras municipais e o Congresso Nacional para constituírem comissão para este mister. Qualquer manifestação de caráter local, regional ou nacional, especialmente em clubes militares, academias de polícias militares ou congêneres, deve ser punida na forma militar disciplinar competente. Quanto à redemocratização do país e o fortalecimento da Democracia, para se evitar qualquer sombra de retorno dos militares ao poder recomenda-se: 1. O fortalecimento incondicional do Ministro da Defesa, que deve ser sempre um civil; 2. Desministerialização completa das forças armadas, perda absoluta do status de ministério das três forças armadas; 3. A despolitização de clubes militares, reavaliando-se a continuidade das manifestações políticas dos inativos; 4. Completo repúdio a qualquer tipo de comemoração do golpe militar de 1964 e a seus atores principais e secundários com a edição de lei a respeito do tema;

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5. Retirada de todas as auto-homenagens, medalhas e similares daqueles que foram os principais atores do golpe militar; 6. Ressignificação do sentimento histórico que é ensinado de forma deturpada e ideologizada de modo ditatorial nas academias militares quanto à tomada de poder pela força e dos atos arbitrários que foram praticados naquele período; 7. A (re) construção do princípio de absoluta submissão dos militares ao poder civil democraticamente eleito.

Esta foi a síntese do painel proferido no dia 31 de março de 2014 no evento Debate sobre o Direito e os 50 anos do golpe de 1964, promovida na Universidade Tuiuti do Paraná, com apoio do Centro Heleno Fragoso de Direitos Humanos e o Instituto Cidadania, Ética e Justiça.

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Algumas razões dos “rolezinhos” brasileiros 19 jan. 2014 O “rolezinho” é uma manifestação social. Vamos aos sentimentos que podem ser os motivos para explicar um pouco este recente fenômeno: •

Não podemos comprar o que está dentro dos shoppings. Vamos trabalhar como serviçais, zeladoras, seguranças, vendedoras, garagistas e domésticas que sempre vão servir e não protagonizar os espaços de domínio econômico social. E, quem sabe?, vamos concluir um curso superior e, por um acaso de uma genialidade e de esforço, poderemos chegar à presidência do Supremo Tribunal Federal.

Mesmo que alguém acerte o bilhete premiado da “mega-sena”, não será admitidos nos círculos sociais pelos que frequentam esses espaços.

O Bolsa família não nos permite comprar nos shoppings, nem mesmo consumir os sanduíches industrializados que vendem lá. No máximo conseguimos atender aos que comem lá.

Algum conhecimento em informática nos permitiu fazer um ORKUT e agora o FACEBOOK, e isso nos une pela música, pela classe social e pela maneira de pensar o mundo.

A gritaria das ruas foi implodida pelos blacbloks, e não somos marginais que quebram tudo e entram em choque com a polícia. Queremos direitos que nos foram assegurados desde há muito, e muito pouco colocados em prática.

Vamos fazer a transposição do carnaval para outros lugares, com enredo e a batida da senzala. Depois do samba, atualizamos para o funk e outras batidas musicais. Não vamos nos limitar à quarta-feira de cinzas.

As cotas raciais e sociais são muito pouco para nos libertamos da pobreza que nos é imposta. Queremos cultura, queremos educação, queremos poder aquisitivo, queremos, acima de tudo nos sentirmos vitoriosos. Somente unidos vamos conseguir isto.

Não seremos mais enganados pelos partidos políticos e pelos poderes constituídos que não nos representam e que nunca nos representaram. Somos brasileiros e merecemos cidadania e respeito na real!

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As razões dos reis 18 dez. 2013 A ideia do governo comandado por famílias reais remonta a egípcios, hebreus, caldeus, romanos e muitos outros povos do Oriente Antigo. Fala-se inclusive da comunicação dos reis com deuses. Há quem especule que os deuses eram extraterrestres que deram poderes sobrenaturais para os reis governarem a turba rude e ignara. Seja como for, os reis governavam até onde iam suas forças físicas e mentais – e eram sucedidos por seus abençoados filhos ou descendentes. A história política paranaense é repleta de continuísmos, famílias e sobrenomes que se sucedem nos poderes, como se acreditassem num caráter divino que concede a eles o direito de exercerem o poder sobre o povo – esse ente indefinido e inodoro. Já faz tempo, a ideia do poder monárquico foi suplantada pelas Revoluções Francesa e Americana, dos fins do século XVIII. As famílias reais europeias reinam, mas não governam; ficaram reduzidas a uma espécie de novela das oito para o divertimento dos súditos. Vive-se a alternância no poder porque se sabe que quem o exercita tende a cometer abusos, mesmo nas democracias. Os reis exerciam o poder absoluto por se julgarem infalíveis, sábios e investidos de algo sobrenatural. A eles o povo devia reverência, o beija-mão, o ajoelhar e abaixar a cabeça. A ideia ressurgida neste ente enigmático intitulado FunCAP – do Clube Atlético Paranaense, não é nova na história do mundo ocidental. Porém, já foi testada por séculos e se concluiu que a melhor forma de administração, com todos os seus defeitos, é ainda a democracia, com a alternância no poder. Reis e ditadores existiram na história brasileira, mas isto acabou. Numa democracia, seja na política ou no futebol, apenas podemos conviver com reis Momos, a Festa de Reis e o Rei Pelé, mais ninguém!

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Algumas considerações sobre a delação premiada 05 dez. 2014 1. O que é delação premiada

A delação premiada é a entrega pelo delator de detalhes do crime, dos autores, dos coautores, do produto do crime e da possibilidade de recuperação do produto do crime, em troca de uma redução ou alteração substancial da pena. No direito comparado temse similitude nos EUA (plea bargaingin), na Espanha (delincuente arrependido) e Alemanha (Kronzeugenrelegelung). O Supremo Tribunal Federal apreciou o instituto em 1997 (HC 75261/MG – Min. Octavio Gallotti), conferindo-lhe constitucionalidade. As previsões normativas recentes no direito brasileiro em matéria de delação premiada encontram-se nas seguintes leis: 1. No Código Tributário Nacional, Lei 5.172/66, art. 138, quando se criou a figura da delação espontânea que prevê que a responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração; 2. Na Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, 7.492/86, art. 25, §2º (confissão espontânea): se o delator revelar a trama delituosa, terá sua pena reduzida de um a dois terços; 3. Na Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária e Econômica, 8.137/90, com nova redação dada pela Lei 8.176/91, art. 16, parágrafo único (confissão espontânea): terá a sua pena reduzida de um a dois terços; 4. Na Lei 9.269/96 que alterou o Código Penal no art. 159, §4º (colaboração em crime de extorsão mediante sequestro); neste caso, se o delator denunciar à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços; 5. Na Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas 9.807/99, art. 14 (colaborar voluntariamente): o indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação

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policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços; 6. Na Lei de Drogas 11.343/06, art. 41 (colaborar voluntariamente): indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços; 7. Na Lei do Sistema de Defesa da Concorrência, 12.529/2011, art. 86 (Programa de Leniência – colaborar efetivamente) que prevê que o Cade, por intermédio da Superintendência-Geral, poderá celebrar acordo de leniência, com a extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de 1 (um) a 2/3 (dois terços) da penalidade aplicável, nos termos deste artigo, com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração da ordem econômica, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, nos casos que tipifica; 8. Na Lei dos Crimes de Lavagem de Capitais, 9.613/88, com nova redação pela Lei 12.683/2012, art. 1º, §5º (colaborar espontaneamente): a pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe, colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime; 9. Na Lei Anticorrupção, 12.846/13, art. 7º, VII, se prevê que será considerada, dentre outros, a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações, e no art. 16, (Acordo de Leniência), se prevê que a autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei, que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resultem os itens que disciplina nos seus incisos;

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10. Na Lei de Organização Criminosa, 12.850/13, art. 4º (colaboração premiada), se prevê que o juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la pela restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos resultados que tipifica.

2. A natureza jurídico-cânonica da delação premiada

A natureza jurídica de muitos institutos penais repousa no Direito Canônico, e neste sentido, entendemos que os institutos que mais se assemelham à delação premiada no Direito Canônico são o do sacramento da penitência e o das indulgências que se encontram nos cânones 959 e 992 no Código Canônico da Igreja Católica: Cân. 959 — No sacramento da penitência, os fiéis que confessem os seus pecados ao ministro legítimo, estando arrependidos de os terem cometido, e tendo também o propósito de se emendarem, mediante a absolvição dada pelo mesmo ministro, alcançam de Deus o perdão dos pecados cometidos depois do baptismo, ao mesmo tempo que se reconciliam com a Igreja que vulneraram ao pecar. (…) Cân. 992 — Indulgência é a remissão, perante Deus, da pena temporal, devida pelos pecados já perdoados quanto à culpa; remissão que o fiel, devidamente disposto e em certas e determinadas condições, alcança por meio da Igreja, a qual, como dispensadora da redenção, distribui e aplica autoritativamente o tesouro das satisfações de Cristo e dos Santos. (Grifamos.)

A interlocução entre o autor, coautor ou partícipe com a autoridade que investiga, se assemelha à interlocução entre o fiel e o pároco na confissão para a obtenção do perdão da pena canônica por meio da diminuição, atenuação ou alteração substancial da pena, por outra de natureza diversa.

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3. Sobre as tratativas delatórias e a redução proporcional das penas ao delator

A tratativa da delação, entre acusado/indiciado e a autoridade que investiga, ocorre em um único momento processual, mas indubitavelmente, a barganha da pena passa por tratativas mais longas, no sentido de que o estabelecimento da possibilidade da incidência do quantum debeatur da pena dependerá do grau e da amplitude da delação. Note-se que nesta discussão, não há a figura do juiz, mas a da autoridade que investiga e que posteriormente oferece a denúncia. Há sim, um prognóstico da pena posto que se desconhece o grau de eficácia das provas e da comprovação fática quanto À delação oferecida. Não há a previsão de um avanço processual sistêmico das tratativas, isto é, um ponto de não retorno (point of not return) das tratativas, posto que a amplitude da delação deve, em tese, ser proporcional à redução da pena. Assim, a amplitude da delação é proporcional ao grau de informações relevantes do conteúdo da delação e a comprovação da ocorrência dos delitos e seus autores. Esta fase ainda é investigatória, diante da delação por si, por não apresentar necessariamente um grau de certeza e verdade para se inferirem certezas processuais, nem indícios suficientes, sem a persecução penal e a comprovação dos elementos materiais e autorais da delação. De outra sorte, haveria um compromisso entre o delator e a autoridade que investiga para o aprimoramento e desenvolvimento da persecução penal. A reflexão da viabilidade, ou não, da delação seria eminentemente feita entre o advogado e o delator, após as tratativas com a autoridade que investiga, pois requer-se conhecimento técnico quanto ao cumprimento da pena e sobre os prognósticos processuais. Feito o acordo, desencadeia-se a fase de persecução do resultado da delação, ou de outras medidas para a comprovação delatória. Há nisto um compromisso processual penal, para o qual podemos recorrer ao disposto no art. 852 do Código Civil que prevê: Art. 852. É vedado compromisso para solução de questões de estado, de direito pessoal de família e de outras que não tenham caráter estritamente patrimonial.

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Apesar de prever especificamente o compromisso no Direito Civil, este é o fundamento para o Termo de Ajustamento de Conduta de interesses difusos coletivos e individuais homogêneos, prevendo a cominação de multa e outras medidas em caso de seu descumprimento. Pondere-se que, apesar de a delação não possuir natureza privada compromissória, parece-nos que há sim, um compromisso no momento da delação e a proporcionalidade da imposição de pena. E, não obstante, o sistema de direito privado não se comunicar diretamente com o Direito Penal e Administrativo sabe-se que, por fundamento científico, o Direito é um todo integrado, racional e lógico. O elemento patrimonial seria inerente aos delitos penais, posto que há a possibilidade da indenização por dano na ação ex delicto prevista nos arts. 63 a 67 do Código de Processo Penal.

4. O contraditório diferido na delação premiada e a questão das provas ilícitas

Na delação premiada a informação deve ser eficaz (HC 174.286-DF STJ), entretanto, a eficácia da informação pode depender da investigação de fato ou pessoa, sem o contraditório pleno, isto é, sem a divulgação do conteúdo da delação. Nesta seara, entram em jogo princípios constitucionais e a possibilidade de, no curso da investigação, surgirem exacerbações indevidas ao devido processo legal. Contudo, avalie-se que o inquérito não é processo, e o contraditório pleno está presente apenas na fase processual penal e não na investigação que visa a formação e o desvelamento do iter criminis. Há a vedação da obtenção de prova ilícita, nos termos do art. 157 do Código de Processo Penal, incluída pela Lei 11.690/08: Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. (Redação dada pela Lei 11.690, de 2008) § 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. (Incluído pela Lei 11.690, de 2008) § 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. (Incluído pela Lei 11.690, de 2008) § 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente. (Incluído pela Lei 11.690, de 2008)

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Se a delação premiada for declarada inválida por ilicitude, esta declaração contamina toda a sequência de provas decorrentes da delação pelo nexo causal decorrente. Vislumbra-se, por outro lado, a possibilidade de delações sucessivas. Isto é, na medida em que acusados ou indiciados adentram o processo, vão celebrando acordos de delação, reduzindo suas penas e incriminando toda sorte de coautores e partícipes. Se todos delatarem todos, a pena será reduzida conjuntamente, e o delito tornase atenuado. Neste sentido deve-se ter em vista a recuperação patrimonial decorrente e não apenas a delação e a prova produzida em virtude das informações surgidas a partir da delação. Forma-se a convicção penal na fase investigatória, sem a regularidade do processo pela ameaça das penas impostas. Neste sentido haveria a discussão relevante se se poderiam declarar nulas as delações sucessivas, isto é, aquelas decorrentes das delações iniciais, sem que ainda se tivesse formado completamente a persecução penal antes mesmo do oferecimento da denúncia.

5. À guisa de conclusão

Ao fim de concluir, podemos afirmar que a delação premiada ainda carece de um iter processual autônomo, inobstante o louvável fim que se busca na reconstrução fidedigna do delito e de seus autores. A natureza jurídica da delação premiada procede de institutos do Direito Canônico, no qual o processo inquisitório é incompatível com as garantias processuais constitucionais, mormente o da garantia da imparcialidade do poder judiciário. Embora, se grifem em alguns diplomas legais a “espontaneidade” da delação não é de se supor a liberalidade neste agir, pois a motivação ao delinquente é a redução ou alteração substancial da pena decorrente da delação. Pelo alto grau de sofisticação da delinquência patrimonial, mais refinados, seguros e revestidos de legalidade e constitucionalidade devem ser os mecanismos processuais para a investigação penal, entretanto, sem se atingirem as garantias constitucionais vigentes.

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Nenhum ordenamento jurídico penal pode garantir processualmente o pacto de silêncio entre os delinquentes, e a delação premiada visa justamente abrir este silêncio com a redução ou alteração da pena do delator. É também certo que a divulgação prematura de delações premiadas deve conter severas reservas pela concreta possibilidade de divulgações sensacionalistas de delações em curso que maculam a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, bens jurídicos esses constitucionalmente protegidos pelo art. 5º, inciso X, da Constituição Federal.

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Breves comentários sobre a extradição do Henrique Pizzolato 17 fev. 2014 1. O que prevê a Constituição italiana

A Constituição Italiana (1948) não admite a extradição de estrangeiros por crimes políticos, nos termos do art. 10: Art. 10 – O ordenamento jurídico italiano adequa-se às normas do direito internacional geralmente reconhecidas. A condição jurídica do estrangeiro é regulamenteda pela lei, em conformidade com as normas e os tratados internacionais. O estrangeiro, ao qual seja impedido no seu país o efetivo exercício das liberdades democráticas garantidas pela Constituição italiana, tem direito de asilo no território da República, segundo as condições estabelecidas pela lei. Não é admitida a extradição de estrangeiros por crimes políticos.

Neste caso, por ter dupla cidadania Pizzolato não estaria abrangido por este dispositivo. Segue no seu art. 26 a Constituição Italiana: Art. 26 – A extradição do cidadão somente pode ser permitida quando expressamente prevista pelas convenções internacionais. Em hipótese alguma pode ser admitida por crimes políticos.

Temos dois obstáculos para a extradição; o primeiro, a necessidade da existência de convenção internacional e o segundo, tratar-se de crime político. Nenhum dos dois está preenchido.

2. O que prevê o Tratado entre a Itália e o Brasil e o Código Penal Italiano

A questão de a condenação ser política seria na hipótese de inimigos políticos condená-lo, e isto é uma contradictio in terminis, posto que o governo no momento do julgamento era o mesmo do partido político de Pizzolato. A Convenção Internacional entre a Itália e Brasil, prevê no seu artigo II: 1. Será concedida a extradição por fatos que, segundo a lei de ambas as partes, constituírem crimes puníveis com uma pena privativa de liberdade pessoal cuja duração máxima prevista seja superior a um ano, ou mais grave. 2. Ademais, se a extradição for solicitada para a execução de uma pena, será necessário que o período da pena ainda por cumprir seja superior a nove meses.

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3. Quando o pedido de extradição referir-se a mais de um crime e algum ou alguns deles não atenderem às condições previstas no primeiro parágrafo, a extradição, se concedida por um crime que preencha tais condições, poderá ser estendida também aos demais. Ademais, quando a extradição for solicitada para a execução de penas privativas de liberdade pessoal aplicada por crimes diversos será concedida se o total das penas ainda por cumprir for superior a nove meses. (ACQUARONE, Appio Claudio. Tratados de extradição: construção, atualidade e projeção do relacionamento bilateral brasileiro. Brasília: IRB: Fundação Alexandre de Gusmão, 2003, p. 315 e ss.).

O Código Penal Italiano no seu art. 13 prevê: Art. 13 - Estradizione L’estradizione è regolata dalla legge penale italiana, dalle convenzioni e dagli usi internazionali. L’estradizione non è ammessa, se il fatto che forma oggetto della domanda di estradizione, non è preveduto come reato dalla legge italiana e dalla legge straniera. L’estradizione può essere conceduta od offerta, anche per reati non preveduti nelle convenzioni internazionali, purchè queste non ne facciano espresso divieto. Non è ammessa l’estradizione del cittadino, salvo che sia espressamente consentita nelle convenzioni internazionali.

Em síntese, não haveria a extradição caso os crimes cometidos no Brasil não tivessem correspondência na legislação italiana. Vejamos: A condenação de Pizzolato no Brasil foi de 12 (doze) anos e sete meses, por crimes de formação de quadrilha, peculato e lavagem de dinheiro. Há correspondência desses delitos na Itália, no Código Penal Italiano: Peculato (art. 314), lavagem de dinheiro (art. 648 bis). Em síntese, é a legislação ítalo-brasileira sobre a matéria. Assim, a extradição de Pizzolato é apenas uma questão de tempo. Certamente será concedida, pois estão plenamente preenchidos todos os pressupostos legais para sua concessão. Piano piano si va lontano.

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O mensalão, as leis, o artigo e as ações dos magistrados no STF 30 nov. 2012 No dia 20 de setembro foi publicado aqui um artigo do advogado Claudio Henrique de Castro onde ele afirmava no título que “as leis aprovadas sob o esquema do mensalão são inconstitucionais”(ver link abaixo). Segue reportagem de hoje do jornal Valor sob o tema: http://jornale.com.br/zebeto/2012/09/29/as-leis-e-emendas-votadas-sob-o-esquema-do-mensalao-sao-inconstitucionais/

Magistrados acionam STF contra reforma da Previdência aprovada por mensaleiros

O julgamento do mensalão ainda não acabou, mas já está sendo utilizado para anular emendas que foram aprovadas no Congresso entre 2003 e 2004 sob a alegação de que elas foram aprovadas a partir de atos de corrupção. A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) entraram com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a declaração da inconstitucionalidade de parte da reforma da Previdência. As entidades alegaram que, com a decisão da Corte reconhecendo que houve compra de votos no Congresso, durante o mensalão, a aprovação da Emenda 41, que trouxe novas regras para a Previdência, “padece de vício de inconstitucionalidade formal”. Para a AMB e a Anamatra, a vontade do povo foi violada pela compra de votos no Congresso. Por esse motivo, elas argumentaram ao STF que o processo legislativo foi fraudado na aprovação da reforma da Previdência, no fim de 2003. “A promulgação da emenda decorreu de ato criminoso – corrupção – perpetrado por integrantes do Poder Executivo em face de membros do Poder Legislativo”, afirmou na ação o advogado Alberto Pavie, que atua para a AMB e para a Anamatra. Na ação, as entidades pediram a anulação de parte da reforma da Previdência que afeta os magistrados. Elas defenderam a necessidade de aprovação de lei complementar para reger a previdência complementar dos juízes. “Sem a edição de uma lei complementar especial para disciplinar a previdência complementar de natureza pública, haverá

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uma grande insegurança jurídica na criação das dezenas ou centenas de entidades de previdência complementar pela União, Estados e Municípios”, afirmaram na ação. O caso será analisado pelo ministro Marco Aurélio Mello, que foi sorteado relator no STF.

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As leis e emendas constitucionais votadas no esquema do mensalão 29 set. 2012 1. O mensalão existiu?

A tese do mensalão foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal. Na verdade, nunca saberemos se o esquema realmente existiu. O sistema de compra de apoio parlamentar para votação de matérias de interesse do governo foi considerado verdadeiro pelos ministros da mais alta Corte da Justiça. Entretanto, no mundo das conversas de botequim, qualquer pessoa pode dizer que o mensalão não existiu e contrariar a decisão do Supremo. Mas para Justiça sua existência é oficial. É a chamada “verdade do processo”.

2. As matérias votadas pelo mensalão

A compra de votos no Congresso Nacional não é fato novo. Há vários indícios de que aconteceu também quando da votação da emenda da reeleição presidencial no tempo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Esta troca de favores, ou seja, dinheiro por votos, geraria a chamada inconstitucionalidade formal da lei. Isto fere o princípio da moralidade (art. 37 da Constituição Federal), a soberania popular (art. 1º da Constituição Federal) e o decoro parlamentar (art. 55, II, da Constituição Federal). Portanto, as matérias que foram votadas e descritas no processo são inconstitucionais. O Congresso Nacional não fará nada quanto a isto. Entrará em prática o tradicional “deixa tudo como está pra ver como é que fica”. Já a declaração da inconstitucionalidade deveria ser votada pelo STF, e seus efeitos seriam daqui para frente. Em resumo, o passado ilegal seria sepultado. Isto criaria um vazio legislativo, pois foram muitas as matérias votadas com a compra do apoio parlamentar.

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3. O que acontecerá?

Pela tradição de impunidade das elites políticas, a condenação dos envolvidos no mensalão tem um caráter excepcional. É um acontecimento jamais visto na história da República. O envolvimento direto do então presidente Lula, com altíssimos índices de aprovação popular durante o exercídio do poder, não foi destacado naquele momento histórico porque seria considerado um golpe branco de estado, mais ou menos como o que aconteceu recentemente no Paraguai. Isto só não ocorreu porque o processo é lento e sobe de escada, enquanto os fatos da vida voam de elevador. Alguns dos temas que seriam inconstitucionais: a minirreforma da Previdência e os ajustes em leis eleitorais. É pouco provável que o Supremo Tribunal Federal declare a inconstitucionalidade das matérias votadas no esquema do mensalão, apesar do grave vício parlamentar. Não será a primeira e nem a última vez que isto acontece no Brasil. Mas que fique claro que as leis e emendas constitucionais votadas com o esquema do mensalão são inconstitucionais – e essas normas continuarão vigentes e válidas.

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Sobre o Direito


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O ‘Caso Bruno’ e a acusação sem corpo 20 nov. 2012 A imprensa volta-se para o julgamento do “Caso do Goleiro Bruno” e a acusação de homicídio da sua companheira. Uma tragédia. De forma resumida: a acusação sustenta que as provas colhidas no processo induzem a condenação do goleiro Bruno. A defesa alega que sem o corpo da vítima não há como se sustentar a condenação de homicídio, dentre outros fundamentos. Quem está com a razão? O júri decidirá. Podemos apenas comentar a hipótese da condenação em tese, nunca o caso que está nos jornais. Quem sabe e decide são os jurados e o Poder Judiciário. O cinema brasileiro produziu em 1967 o “O Caso dos Irmãos Naves”1 com direção de Luís Sérgio Person, tendo como atores Anselmo Duarte, Raul Cortez e grande elenco. O filme trata da condenação dos Irmãos Naves por homicídio, sem o aparecimento do corpo da vítima. Os irmãos Naves faleceram em consequência dos maus-tratos causados pela polícia das Minas Gerais com o objetivo de forçá-los a uma confissão. O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal2. O relator, ministro Nelson Hungria, eminente tratadista e cultor do Direito Penal, indenizou a família. O famoso erro judiciário ficou conhecido como o “Caso Araguari”. Há mais de dois mil anos, desde o Direito Romano se entende que a prova incumbe a quem afirma o fato3, assim, quem acusa deve provar. Poderá então se condenar o suposto autor na ausência da prova concreta do crime? Sem o corpo de delito? Sem o cadáver que comprova a morte da vítima? Em tese, entendemos que não é possível.

1

http://www.youtube.com/watch?v=r3ZeST6p0co http://www.cinedica.com.br/Filme-O-Caso-dos-Irm%C3%A3os-Naves-7717.php

2

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=142573 http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=1495

3

“Qui factum adseverans onus subiit probationis” (C. 4, 30, 10).

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Sobre o Direito

Os erros judiciários estão aí para comprovar isto. Para reforçar a tese, sabe-se que um crime nunca é perfeito – e as técnicas científicas de investigação criminal comprovam que o criminoso sempre deixa vestígios, deixa rastros. A condenação no crime de homicídio exige o chamado corpo de delito. Por uma ficção se poderia condenar o acusado. Contudo, as ficções foram criadas justamente para considerar aquilo de que não se tem certeza4, e sem uma certeza não é possível a condenação. Não é por menos que o Direito consolidou a máxima, discutível é verdade, de que “na dúvida absolve-se o réu”, pois, nas palavras do professor Sérgio Pitombo, “as suspeitas não são mais que sombras5”. Todo crime é bárbaro, mas o Direito não pode consolidar uma condenação sem a prova cabal do fato, sem a certeza material do fato. A propósito, há crime sem a prova?

4

Cifuentes, R.L. Naturaleza jurídica de la fictio iuris, Madrid: Rialp, 1963.

5 http://br.librosintinta.in/biblioteca/ver-doc/www.sergio.pitombo.nom.br/files/word/in_ dubio.doc.htx

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O vício de iniciativa na jurisprudência do STF 07 nov. 2014 O que é “vício de iniciativa” na propositura de projetos de leis? Quando um poder do Município, Estado ou União, propõe um projeto de lei para ser votado e aprovado pela respectiva casa legislativa, isto é, Câmara Municipal, Assembleia Legislativa ou Congresso Nacional, ele tem que possuir capacidade legislativa para propor tal projeto de lei. Em síntese, cada poder pode propor a lei que a sua capacidade legislativa lhe confere. Este importante detalhe diz respeito à competência e às limitações formais e materiais de cada ente federativo. Não se trata de julgar se a lei é boa ou ruim, mas fundamentalmente, se foi cumprido o requisito da propositura inicial correta do órgão competente para tal. Esta garantia de procedimento é para que os poderes não interfiram uns sobre os outros indevidamente. É o chamado princípio de due process of law (devido processo legal, na faceta da garantia do devido procedimento na instauração do processo legislativo), inscrito no art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal. Assim, para mudar a estrutura do Poder Legislativo somente o próprio Poder Legislativo pode propor a sua alteração, e assim por diante, Poder Judiciário, Ministério Público, Poder Executivo, Tribunais de Contas. O Supremo Tribunal Federal há muito já pacificou o entendimento de que, se há vício de iniciativa na propositura da lei, esta lei é inconstitucional.

1. A garantia da iniciativa na formação das leis

Por vários motivos o vício de iniciativa é inconstitucional. Vejamos os mais relevantes: 1) não respeita o rito e o procedimento legislativo constitucionalmente previsto; 2) há uma omissão do poder competente para se manifestar sobre o conteúdo da matéria proposta indevidamente por outro poder; 3) A proposta de lei é exclusiva do poder de iniciativa que confere a Constituição; 4) A representação popular, conferida pelas eleições, ao Poder

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Sobre o Direito

Executivo e Legislativo não é tão ampla a ponto de comandar os outros poderes; 5) As competências financeiras e orçamentárias são do poder e não permitem interferências na gestão de uns sobre os outros.

2. Decisões sobre o tema no Supremo Tribunal Federal

Recentemente o Supremo Tribunal Federal julgou várias ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) que tratam do tema, senão vejamos: no Espírito Santo (ADI 2755), no Amapá (ADI 3627), em Santa Catarina (ADI 3223) e no Rio Grande do Sul (ADI 3223), em todas elas foi acatada a tese do vício de iniciativa e da intromissão de poderes de uns sobre os outros, preservando-se a ideia central de que somente o respectivo poder pode iniciar o projeto de lei em matéria que trate de sua competência. Em síntese, se houve vício de iniciativa, a lei é inconstitucional.

3. A garantia da independência na fiscalização de Estado

Neste mesmo sentido na ADI 4646, do Estado do Rio de Janeiro, ficou caracterizada a invasão por parte do Poder Legislativo nas competências do Tribunal de Contas daquele Estado. Em síntese, a Assembleia Legislativa interferiu em disposições regimentais e no funcionamento do TCE-RJ por meio de lei, sem que a referida lei tivesse a propositura originária do Tribunal de Contas. Com efeito, a reserva de iniciativa é uma conquista do estado democrático e não pode sofrer as injunções de interesses alheios ao poder ao qual a Constituição confere a competência para tal, no caso de fiscalizar. Por fim, há neste julgado, um elemento subjacente à reserva de iniciativa e de fundamental importância, que é a garantia da independência na fiscalização das contas públicas. As vicissitudes da convivência democrática exigem que os poderes constituídos respeitem uns aos outros, na medida do poder que a Constituição lhes conferiu e que possuem o dever de atuar nos seus limites.

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A ilegalidade do estatuto do desarmamento em face do referendo de 2005 10 dez. 2014 1. O que é o desarmamento no Brasil

O desarmamento da população brasileira inicia-se na Colonização, quando os escravos não podiam se armar, daí a capoeira ganhar espaço no Brasil. É do ditador Getúlio Vargas a primeira lei para desarmar a população (Decreto 24.602/1934); é de Hitler na Alemanha Nazista (1938); é de Stalin na União Soviética (1934). Portanto, a política de desarmamento provém de governos ditatoriais e antidemocráticos. Resumindo, os cidadãos perdem o direito da autodefesa, da legítima defesa e da autoproteção, que diz respeito ao sagrado direito à vida, inscrito no art. 5º da Constituição Federal. A expedição de registro de armas no Brasil é um todo emaranhado de exigências legais, testes, custos (R$1.000,00) e empecilhos burocráticos. O registro dá direito ao uso estritamente domiciliar e é insuficiente para as pessoas se defenderem, pois as invasões ocorrem na entrada e na saída dos moradores de suas casas. Por outro lado, o direito ao porte da arma é altamente restringido pela Lei 10.826/2003 pelas leis posteriores 10.884/2004; 11.706/2008; 12.694/2012 e 12.993/2014. Daí a importância do direito ao porte de arma, denegado aos cidadãos e de impossível deferimento pelo Estado, tendo em vista a política de amplo desarmamento que vige no Estado brasileiro. A indústria das empresas de monitoramento e equipamentos de segurança privada agradece, pois os lucros cresceram astronomicamente, após as restrições. O crime organizado agradece igualmente, pois os criminosos não precisam pedir autorização para obter armas de grosso calibre: basta um passeio aos países vizinhos do Brasil, e o mercado é generoso em ofertas de armas sofisticadas e suas respectivas munições. Os cidadãos ficam ao abandono da própria sorte, visto que os efetivos das polícias militares e civis se reduzem. Vive-se num estado da Insegurança Pública: a cada 10 minutos uma pessoa é assassinada no Brasil, e a violência armada representa 71,1% (setenta e um, vírgula um, por cento) das mortes.

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Sobre o Direito

2. Como foi o Referendo de 2005

O art. 14, inciso II, da Constituição Federal prevê: Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular. (Grifamos.)

Em 23 de outubro de 2005 houve a consulta sobre a alteração no art. 35 do Estatuto de Desarmamento, Lei 10.826/2003, que se encontra em vigor e proibia a comercialização de arma de fogo e munição em todo o país, no seu art. 35: Art. 35. É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6º desta Lei. § 1º Este dispositivo, para entrar em vigor, dependerá de aprovação mediante referendo popular, a ser realizado em outubro de 2005. § 2º Em caso de aprovação do referendo popular, o disposto neste artigo entrará em vigor na data de publicação de seu resultado pelo Tribunal Superior Eleitoral.

O “não” à proibição obteve 63,94% (sessenta e três vírgula noventa e quatro por cento), com 59.109.265 votos, nada menos que 59 milhões de votos. Assim o art. 35 não entrou em vigor, numa lei aprovada em 2003, contudo, toda a concepção da lei foi fundada na ideia e no espírito de desarmar a população brasileira. Na interpretação sistemática do Direito é o que se denomina de “espírito da lei” (mens legis) ou “espírito de legislador” (mens legislatoris), isto é, a concepção do legislador no momento da produção da norma legal. O espírito de legislador foi abertamente promover o desarmamento da população, tanto que a denominação da Lei 10.826/2003 foi a de “Estatuto de Desarmamento”. Por que foi feito um referendo e não um plebiscito? Ora, o referendo vem após a lei escrita, o plebiscito vem antes de as leis serem elaboradas. Justamente foi este expediente antidemocrático que guiou o desarmamento no Brasil: fizeram a lei e tentaram aprová-la no tacão do referendo, não deu certo, mas a política de Estado foi integralmente conduzida para o desarmamento, pelas taxas abusivas, pelas exigências desmedidas e pela denominada “discricionariedade” da Polícia

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Federal, isto é, a ideia de que o dar o porte ao cidadão passa pelo juízo de “oportunidade e conveniência” da autoridade policial federal. Esta “oportunidade e conveniência” de conceder, ou não, o registro e o porte, é integralmente ilegal, diante do estado de insegurança pública que vivemos no Brasil e da redação do art. 2º da Lei 9.784/99: Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Na nascente democracia brasileira, o “não” à proibição ganhou o referendo, mas não levou, pois o estatuto do desarmamento deveria ser inteiramente revogado, não somente o seu art. 35, pois outros artigos da referida lei foram “tendentes” ao desarmamento, como os arts. 3º ao 7º, 11 a 21, 26, 28 a 34. A lei após o referendo é plenamente inconstitucional diante da sua incompatibilidade lógico-normativa em face do espírito e ideário do desarmamento que impregna a integralidade da própria lei. Portanto, é premente a declaração de inconstitucionalidade do Estatuto do Desarmamento quanto a sua incompatibilidade lógico-sistemática com o referendo aprovado em 2005. O raciocínio jurídico é simples: não pode se manter vigente uma lei de desarmamento após um referendo, com mais de 59 milhões de votos, que rejeitou o “desarmamento”. O referendo foi carnavalizado, isto é, votou-se e de nada adiantou; a política do pleno desarmamento continua a pleno vapor, favorecendo a crescente indústria dos equipamentos de vigilância, as empresas de monitoramento e vigilância privada e principalmente, a marginália cada vez mais atuante e organizada. Há uma flagrante incompatibilidade entre a lei e o resultado do referendo.

3. Em conclusão

É o momento de revogação integral da lei do desarmamento que agride e macula a democracia brasileira na sua raiz, na vontade popular soberana do povo brasileiro. O índice de homicídios em Chicago é o mais baixo nos últimos 56 anos graças às permissões de porte velado.

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Sobre o Direito

De nada adianta termos uma Constituição de fachada que garante o direito à vida no seu art. 5º: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (Grifamos.)

Se o Estado não concede aos cidadãos o direito à legítima defesa e o direito à autoproteção, está-se a lhes sonegar o direito à vida. As organizações criminosas se sofisticam e até cobram mensalidades dos seus sócios do crime. A legislação está atrasada e incompatível com a vontade popular e, pior, fertiliza a covardia dos criminosos cada vez melhor e mais armados. Para o cidadão obter o registro e o porte, há dificílimas barreiras a serem transpostas; ao crime basta pagar o preço das armas clandestinas e abater a população brasileira desarmada que gasta por ano, 192 bilhões (2013) com os custos da violência, segurança pública, prisões e medidas socioeducativas. Em conclusão: Que seja aprovado o Projeto de Lei 3.722/2012 que revoga o estatuto de desarmamento; Que prevaleçam a Democracia e a Vontade Popular na sua plenitude; Que volte a indústria nacional de armas e munições que gera milhares de empregos; Que os cidadãos tenham um mínimo de possibilidade de se autodefender, em consagração ao direito constitucional à vida, contra a crescente criminalidade que assola o Brasil, graças à incompetência do Estado em gerir a segurança pública. Os partidos políticos contam com apenas 6% (seis por cento) e o Congresso Nacional com 17% (dezessete por cento) de confiabilidade do povo brasileiro. É hora de resgatar a dignidade constitucional do Poder Legislativo. Acorda Congresso Nacional, o mais caro do mundo.

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A epidemia do Ebola e o Direito à Saúde Pública 20 out. 2014 1. O que é a epidemia do Ebola

O vírus, em mutação, mata em cerca de 90% (noventa por cento) dos casos, e ainda não há cura conhecida na ciência médica. A letalidade do vírus é altíssima, e sua transmissão nos centros urbanos pode ser catastrófica, pelo alto grau e os meios de contaminação. A Organização Mundial da Saúde, por meio do diretor-adjunto Keiji Fukuda, afirmou que o atual surto é um dos mais assustadores já vistos desde o aparecimento da doença há 40 (quarenta) anos.

2. O que prevê a Constituição Brasileira

A Constituição Brasileira enumera a saúde como um direito social (art. 6º), de competência comum da União, Estados e Municípios (art. 23, II, e art. 194). A saúde é um dever do Estado (arts. 196, 200, II). Neste caso é dever dos Municípios, dos Estados e da União desenvolverem políticas adequadas e, em conjunto, nos portos, nos aeroportos e nas fronteiras para garantir a segurança sanitária e epidemiológica da população. Será que isto está sendo feito de forma adequada, conjunta e profissional? Não sabemos. Não há um contingente integrado de pessoas, de materiais, de roupas adequadas, de laboratórios, de hospitais preparados, e toda a infraestrutura que garanta isto. Estamos correndo um seriíssimo risco e não nos demos conta disto ainda. Temos uma tendência a ignorarmos o problema até ele surgir. Lembre-se que o Brasil conta com a epidemia da malária, da dengue e de tantas outras endemias rurais e urbanas sem soluções eficazes e muito menos graves que o vírus do ebola. A saúde não chega aos rincões interioranos. Em Curitiba, por exemplo, os maiores hospitais públicos (HC, Santa Casa e Evangélico) encontram-se em crise econômica e de gestão.

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Sobre o Direito

Não se cumpre nem o papel mínimo do Estado em matéria de saúde pública. Imagine-se se estivermos sob o manto de uma epidemia como a do ebola. O aumento da temperatura climática no mundo anuncia novas doenças tropicais das mais variadas; o século XXI começou.

3. Prevenções possíveis

Hoje no Brasil pensa-se no segundo turno, nesta esgrima ensandecida pelo poder. Será que há tempo para se pensar seriamente no ebola? As autoridades garantem que estão atentas e tomando todas as medidas para a prevenção e combate à epidemia. O vírus, porém, já entrou nas Américas (EUA). Se lembrarmos de como a AIDS se alastrou pelo mundo, teremos uma dimensão das possibilidades epidêmicas do vírus do ebola, apesar de os sintomas serem distintos, na AIDS muito mais demorados que o fulminante ebola. Não há motivo para pânico, contudo, temos que contar com a real possibilidade de termos o vírus no Brasil. Isto se chama prevenção ao gerenciamento da crise, criando-se cenários futuros para debelar os eventuais focos que possam surgir, com toda a infraestrutura possível e necessária. A União, os Estados e os Municípios devem informar todas as medidas que estão sendo tomadas e prever os planos de contingência. Urgem campanhas publicitárias informativas. O Estado (União, os Estados e os Municípios) não tem demonstrado profissionalismo na prevenção em matéria de infraestrutura. Vejam-se, por exemplo, a prevenção das anunciadas enchentes, a grande escassez de água em São Paulo, o abastecimento de energia elétrica, a expansão da rede de telefonia etc. Em matéria de saúde pública, a Constituição é pródiga, mas na realidade, ainda estamos distantes da prevenção ideal para esta epidemia não se alastrar. Contemos com o Estado, pois ele é o guardião da saúde pública do povo.

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Breves comentários sobre a nova lei do terceiro setor 11 ago. 2014 1. Do que trata a Lei

Basicamente a Lei 13.019/2014 trata do regime jurídico das parcerias voluntárias do Terceiro Setor. Numa leitura preliminar nota-se o fortalecimento do controle interno e externo no que diz respeito às prestações de contas. Ainda, houve uma importante inovação na Lei de Improbidade, tipificando novas condutas no que diz respeito às prestações de contas.

2. Pontos relevantes

Assinalamos alguns dispositivos que merecem uma leitura atenta quanto às atribuições dos Tribunais de Contas e do Controle Interno na Administração Pública: a. Art. 2º, inciso I: estabelece o conceito de sociedade civil; b. Art. 2º, inciso XIV, alínea b: impõe duas fases na prestação de contas: a apresentação das contas e a análise conclusiva das contas; c. Art. 35, inciso V: impõe a obrigatoriedade de parecer do órgão técnico da administração pública com o dever de analisar em profundidade todos os aspectos da parceria; d. Art. 39, inciso II ao §3º: coloca inúmeros requisitos quanto à regularidade da prestação de contas da entidade e seus administradores, e à higidez de regularidade das organizações que pleiteiam os recursos, frente aos órgãos de fiscalização e à Administração Pública; e. Art. 42, inciso XV: dispõe sobre o livre acesso da Administração Pública e do Tribunal de Contas quanto aos processos, documentos e locais de execução do objeto; f.

Art. 48, incisos I a III: impõe requisitos para novas transferências de recursos em face, inclusive, de fundados indícios de impropriedades;

g. Art. 52: prevê a possibilidade de instauração de tomada de contas frente à conclusão, denúncia, rescisão ou extinção da parceria; h. Art. 58: dispõe sobre a possibilidade de inspeção in loco pela Administração Pública, para fins de monitoramento e avaliação, do cumprimento do objeto;

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Sobre o Direito

i.

Art. 61: trata das obrigações do gestor no que concerne à fiscalização e à execução da parceria, inclusive com o dever de informar eventuais indícios de irregularidades na gestão da parceria;

j.

Arts. 63 e 64: estabelecem as normas gerais para a prestação de contas e, ressalte-se, a descrição pormenorizada das atividades realizadas e a comprovação do alcance das metas e dos resultados esperados;

k. Art. 67: trata dos requisitos do parecer técnico da análise; l.

Art. 69, § 3º: impõe o dever de prestar contas a partir do momento da liberação da primeira parcela dos recursos;

m. Art. 70: estabelece as hipóteses e prazos de saneamento das irregularidades ou omissões na prestação de contas; n. Art. 72: dispõe sobre a avaliação técnica das prestações de contas, destaque para a inovação quanto ao ato de gestão ilegal, ilegítimo ou antieconômico, desfalque ou desvio de dinheiro, bens ou valores públicos. E ainda, prática de infração de norma legal ou regulamentar (Tribunais de Contas) de natureza contábil, financeira, orçamentária operacional ou patrimonial; o. Art. 73: inova quanto às sanções administrativas à entidade; p. E ainda trouxe importantes inovações (arts. 77 e 78) na Lei de Improbidade, no art. 10 (incisos VIII, XVI a XXI) e art. 11 (inciso VII), todas relacionadas à fiscalização e aos termos de parceria.

3. Conclusões

No âmbito dos Tribunais de Contas e da Administração Pública, após inúmeros casos de desvios de dinheiros públicos no terceiro setor, a aludida lei significa uma resposta à sociedade. A lei, que entrara em vigor após noventa dias da sua edição de 31 de julho de 2014, estabeleceu maior rigor ao controle interno e externo. Ao Terceiro Setor impõe-se um novo e vigoroso dever de zelo pelos recursos administradores, com transparência e publicidade (art. 87). Aguardemos os resultados.

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As inovações da lei que fixa cotas em concursos 12 jun. 2014 A recente Lei 12.990/2014 refere-se às cotas para negros nos concursos de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mistas, todas da União. A inovação legislativa terá duração de 10 (dez) anos, isto é, perde sua eficácia em 09 de junho de 2024 e institui 20% (vinte por cento) de reserva das vagas para candidatos negros (arts. 1º e 6º). No Paraná temos a Lei estadual 14.274, de 24 de dezembro de 2003, que instituiu 10% (dez por cento das vagas), no âmbito do Executivo sem prazo para perder a vigência (art.1º). Interessante é a inovação do quesito cor ou raça, a ser utilizado pelo IBGE, cabendo a reserva para negros ou pardos. Ainda estamos longe historicamente de vencermos os preconceitos que infestam o Brasil, tais como, de cor, de condição social, de característica física (deficiências ou necessidades especiais), de vida pregressa, de sexo ou opção sexual, de região ou Estado de nascença, de condição física para os obesos e tantos outros rótulos que ainda persistem velada ou abertamente na sociedade. O livro e documentário “A negação do Brasil”, proveniente de uma tese de doutorado de Joel Zito de Araújo, analisou a teledramaturgia brasileira com centenas de novelas (de 1963 a 1997) e comprovou o preconceito aos negros propagado por elas. Papéis importantes não foram representados por atrizes negras. Veja-se, por exemplo, Escrava Isaura (Lucélia Santos) e Gabriela (Sônia Braga), inclusive com centenas de personagens masculinos, nunca ocupando postos-chaves ou de destaque. Para mudarmos esta realidade, as cotas são um tímido, mas importante avanço. As raízes da questão encontram-se no desigual tratamento da educação, que temos que universalizar, dotar de altíssima qualidade e valorizar os Professores. Enquanto o ensino continuar desigual, persistirá a exclusão dos sem conhecimento. A Ásia, Europa, América do Norte aprenderam a lição de que só há desenvolvimento e igualdade de oportunidades com pesados investimentos no ensino público e universal, na valorização dos docentes e a busca pela excelência, e na qualidade do Ensino. Quando o Brasil vai aprender esta lição?

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Sobre o Direito

Notas: No Paranรก http://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/pesquisarAto.do?action=exibir&codAto=252&indice=1&totalRegistros=1 Na Uniรฃo http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L12990.htm

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Cidades e suas questĂľes fundamentais


Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as Religiões

A desintegração da RIT e suas consequências jurídicas 20 mar. 2015 A desintegração da RIT é inaceitável sob o ponto de vista jurídico, social e econômico, e a culpabilidade orçamentária pela desintegração da URBS ou COMEC não é relevante neste sentido. Todos são responsáveis e, principalmente, os Municípios envolvidos: Almirante Tamandaré, Araucária, Bocaiuva do Sul, Campo Largo, Campo Magro, Colombo, Contenda, Curitiba, Fazenda Rio Grande, Itaperuçu, Pinhais, Piraquara, Rio Branco do Sul, São José dos Pinhais, cujas receitas orçamentárias anuais totalizam 16 bilhões (2013). De treze Municípios envolvidos, apenas quatro: Araucária, Curitiba, Pinhais e São José dos Pinhais, respondem por 37,23% do PIB do Estado do Paraná. O total de cidadãos prejudicados ultrapassa 3 milhões, na sua maior parte, os menos favorecidos economicamente. Há consequências relevantes em possível aumento do desemprego, sobrecarga nos orçamentos domésticos e inclusive reflexos na educação, pelo aumento na tarifa da região metropolitana de Curitiba e sua desintegração. A integração orçamentária deve ser precedida de licitações e deve ser feita em razão do Estatuto da Metrópole (Lei 13.089/15). Todos os Municípios envolvidos na integração devem dispor de subsídios, se for o caso, na proporção dos seus orçamentos e não sobrecarregar financeiramente, única e exclusivamente, o Estado do Paraná e o Município de Curitiba. Haveria neste sentido uma grande assimetria orçamentária a persistir este ônus a estes dois entes. A integração deve preservar o princípio administrativo da continuidade, com compensações orçamentárias posteriores. A pesquisa sobre a origem e destino deve pautar a integração e seus desafios. Rejeita-se qualquer forma abusiva para arcar com os subsídios, como, por exemplo, pedágio urbano e outras onerações indevidas. Deve haver uma agência reguladora ou empresa pública para evitar os abusos tarifários de metodologia danosa à composição da tarifa. Pode-se refletir sobre a integração de forma diferenciada, diante da origem-destino, e pensá-la com o investimento de modais modernos.

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Cidades e suas questões fundamentais

Planejamento não é uma palavra que foi descoberta ontem. Lembrai Abraham Lincoln que em 19 de Novembro de 1863 sonhou: governo do povo, pelo povo e para o povo. O Direito Constitucional e infraconstitucional, o Direito Administrativo e o Financeiro clamam pelas suas aplicações e vigências1; nós do Direito, podemos escutar o que disse Joaquim Nabuco, em 1863: “Somos uma ideia, somos uma causa, somos uma época”.2

1

Vide: o princípio da proibição ao retrocesso social (Constituição Federal – princípio implícito)

(veja o Acórdão 39/84 Tribunal Constitucional Português no STF as ADIs 3.105-8-DF, 3.128-7-DF, o MS 24.875-1-DF, a ADI nº 3.104-DF); na Constituição Federal: arts. 1º, II e III, 3º, III, IV, 5º, LIV, §2º, 6º, XXXI, 7º, IV, VI, 30, V, 155, III, 25, §3º; na Constituição Estadual, art. 24 e 224; no Estatuto da Metrópole, Lei 13.089/15, e no Estatuto da Mobilidade, Lei 12.587/2012 – diversos dispositivos, e finalmente o Pacto de San José da Costa Rica, art. 24 e a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento de 1986, art. 8º. 2

Conclusões da palestra proferida para a pós-graduação da Universidade Positivo em 20/03/15.

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Pedágio urbano, uma realidade próxima? 07 jan. 2015 A severa redução do espaço das ruas nas cidades brasileiras em decorrência da recente expansão da frota de veículos no Brasil e a deficiência e a falta de investimentos em transportes públicos estão suscitando a ideia do pedágio urbano. Com a justificativa de que o veículo transporta apenas 1,4 passageiros em São Paulo, se é que é possível entrar uma pessoa e 40% de outra, no veículo, crescem, reservadamente, as especulações dessa nova modalidade de cobrança. Surpreendentemente em São Paulo os bondes operavam desde 1900 e tinham 260 km de linhas, servindo a 700 km de itinerários. Hoje, restam apenas 74,2 km de metrôs. Adotou-se, gradativamente, o transporte individual. Deu no que deu!1 Em São Paulo cogita-se em R$4,00 (quatro reais) a diária. Recentemente a praia de Bombinhas – SC, deu outro nome ao pedágio urbano, chamou-o de taxa de turistas ou taxa de preservação ambiental, cujos valores serão de: R$2,72 para motos, R$21,83 para carros, R$43,67 para vans, e R$109,16 para ônibus.2 A mobilidade urbana é a possibilidade de deslocamento entre um ponto e outro, com diversos modais, de forma rápida, segura, e isso possibilitará a saúde ambiental das cidades. Em outras palavras: transporte barato, eficiente, seguro e limpo. O sistema teria milhares de câmeras em todos os cantos da cidade. Ao entrar o veículo na malha viária urbana, sua placa é registrada e, bingo, paga a taxa, on line. É avisado por “sms”, desconta-se no cartão de crédito, no débito em conta, em cartão magnético, ou tudo mais que a tecnologia terceirizada possa fazer para exaurir os contribuintes. Funciona assim em Londres, que é a modelagem que pode vir por aí. A falência dos transportes urbanos, combinada com o sistema de subsídios e a precarização e o advento de cartéis em muitas cidades, está consumindo a vida das pessoas no trânsito, seja pelo encarecimento das passagens, pelos custos, seja pela superlotação do sistema e exaurimento da sua viabilidade técnica e funcional. 1

http://www2.camara.sp.gov.br/clipping/papel/revista/revista_N3/rev_parlamento_3_9_

reportagem4.pdf 2

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/01/1571356-praia-de-santa-catarina-vai-

cobrar-taxa-de-turistas.shtml

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Cidades e suas questões fundamentais

Outro aspecto negativo é a legislação de trânsito, precária e desatualizada, e a lentidão das ações no Poder Judiciário que não coíbem, de forma suficiente, no aspecto civil e penal, os delitos contra a vida e a incolumidade pública dos pedestres e dos motoristas nas vias urbanas. Em tempos bicudos, nos quais se anunciam medidas econômicas restritivas do crescimento econômico e do consumo, cresce a sanha do aumento dos tributos para dar conta do patrimonialismo que ainda vige nas capitanias hereditárias brasileiras, conforme afirmou, no discurso de posse, o novo Ministro da Economia. Haverá licitações para se implantar o sistema e renovações contratuais infindáveis; muitos enriquecerão, como sempre, no Brasil de todos os Santos. Ouviremos vozes contrárias, a matéria irá parar no Poder Judiciário que, em última instância, dirá que a matéria é constitucional e necessária à vida nas cidades e que os donos de veículos devem pagar pelo uso do espaço urbano. As despesas do sistema irão aumentar, haverá reajustes periódicos, a implantação da mobilidade urbana nas cidades continuará uma ficção e passear pelas cidades será um luxo para uma parcela da população. Alguns viajarão para Tóquio, Paris, Dinamarca, China, Moscou, Emirados Árabes e continuarão boquiabertos e perplexos ao ver metrôs de superfícies, trens-bala, bondes, transportes baratos, rápidos e de longos percursos, e se perguntarão: Por que não é assim no Brasil? Felizes os cidadãos da São Paulo de 1900 que usavam 700 km de bondes, pagavam em moedas e respiravam um ar fresco e seguro, após a não ocorrência do juízo final naquele final de século.

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Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as Religiões

As recentes alterações do Código de Trânsito estabelecidas pela Lei nº 12.971/2014 04 nov. 2014 1. Resumo das alterações

Em 09 de maio de 2014 foi editada a Lei 12.971/2014 que inovou o Código de Trânsito Brasileiro. As alterações passaram a vigorar somente no primeiro dia do sexto mês após sua publicação (art. 2º), isto é, estão vigendo desde novembro daquele ano. Em linhas gerais, a nova lei busca punir com maior rigor as condutas descritas. Contudo, foram cometidos alguns erros quanto à repetição ou similaridade de verbos (tipos) em vários dispositivos legais, bem como nas descrições fáticas. Estes erros de redação e prescrição das condutas, certamente, vão gerar nulidades e questionamentos judiciais. Vale o princípio in dubio pro libertate, (a dúvida aproveita à liberdade), prevalecendo assim a disposição mais benigna, pois é vedada a lei mais gravosa (lex gravior) em caso de legítima dúvida na interpretação legal. Aguarda-se nova lei para se corrigirem as flagrantes imperfeições.

2. Os dispositivos que despertam dúvidas

Lançam-se algumas indagações que certamente serão resolvidas nos Tribunais pelo país afora: 1. A expressão “disputar corrida” (art. 173) é similar ou idêntica a “promover, na via, competição” (art. 174); 2. As expressões repetidas de “demonstração de perícia em manobra de veículo” (art. 174); “para demonstrar ou exibir manobra” (art. 175) e “demonstração de perícia em manobra” (art. 302, §2º); 3. As expressões repetidas e similares de: “disputa ou competição automobilística ou ainda de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor,

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Cidades e suas questões fundamentais

não autorizada pela autoridade competente” (art. 302, §2º, com reclusão de 2 a 4 anos), e a redação do art. 308 “Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, gerando situação de risco à incolumidade pública ou privada:” (com detenção, de 6 meses a 3 anos).

3. À guisa de conclusão

É chegado o momento de uma grande revisão do Código de Trânsito; à frota de veículos aumentou sensivelmente deste a sua edição; caminhamos para 20 anos do Código, que se encontra retalhado. Os familiares dos milhares de mortos e feridos anualmente no trânsito brasileiro, não podem assistir à impunidade que assola os delitos de trânsito no país. Devemos encarar a possibilidade de um maior rigor e o aumento das multas na casa de cinco a dez mil reais como fundamentais para impor condutas nas vias por que transitam veículos e pedestres. A vida é muito mais valiosa do que multas, detenções, cassações de habilitações ou cursinhos de reciclagem. A má técnica legislativa também chegou ao Código de Trânsito, trazendo novas perplexidades, dúvidas e certamente, mais impunidade, muito embora essas não fossem as intenções dos nossos legisladores atabalhoados.

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Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as Religiões

Considerações a respeito do uso da Polícia Militar nos estádios de futebol 28 out. 2014 1. A Polícia Militar e a preservação da ordem pública

A Polícia Militar é uma instituição prevista no art. 144, inciso V, da Constituição Federal que no seu § 5º prevê que é “polícia ostensiva” e lhe cabe a “preservação da ordem pública”. O conceito de ordem pública afasta qualquer atuação em eventos de caráter privado, onde se vise o lucro e a satisfação de interesses privados. Desta forma, a Polícia Militar rege-se pelo interesse público e, fazendo parte da Administração Pública, deve obediência aos Princípios da Legalidade, da Motivação, da Moralidade, do Interesse Público e da Eficiência, dentre outros (art. 2º da Lei 9.784/1999). O Princípio da Legalidade impõe-lhe que cumpra estritamente as leis e a Constituição; o da Motivação, que o seu atuar deve ser motivado; o da Moralidade, que deve obedecer à moral pública, o do Interesse Público reza que deve atuar em prol do público e não do privado, e finalmente o da Eficiência, que deve ter ações eficientes e eficazes no seu atuar.

2. Os estádios de futebol possuem interesse público ou privado?

A destinação de centenas de militares para estádios de futebol, interna e exteriormente, antes e após as partidas de futebol, traduz-se em verdadeiro ato de improbidade administrativa, nos termos do inciso IV do art. 9º da Lei 8.429/1992: Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente: IV – utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;

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Caracteriza-se a improbidade administrativa, posto que os times, clubes e associações de futebol têm finalidade eminentemente privada, visam ao lucro e devem dispender recursos próprios com a segurança interna e externa dos eventos futebolísticos que promovam, sendo punidos legalmente, caso ocorra algum ato violento ou criminoso. O Estatuto do Torcedor (Lei 10.671/2003) prevê o direito à segurança do torcedor, durante e após as partidas (art. 13). E a solicitação de agentes públicos de segurança nos estádios (art. 14, inciso I), não implica o dever do Poder Público em alocar dezenas ou centenas de policiais dentro e fora dos estádios, mas quer significar que a autoridade policial deve estar presente até para lavrar autos e efetuar encaminhamento às delegacias de polícia especializadas. Aliás, quanto a eventuais badernas internas ou externas aos estádios feitas pelas torcidas organizadas, há a previsão de afastamento destas por até 3 (três anos) (arts. 39, 39A e 39B da Lei 10.671/2003), e a punição maior, perda de mando dos jogos.

3. Breves conclusões

Assim, as despesas financeiras advindas do uso das polícias militares no em estádios de futebol, em prol dos clubes, caracterizam no direito brasileiro, flagrante improbidade administrativa, que até agora não foi considerada pelas autoridades competentes diante da força política das bancadas nas Câmaras Municipais, nas Assembleias Legislativas e no Congresso Nacional, a chamada “bancada da bola”. O interesse em proteger os torcedores evidentemente é coletivo, conquanto o espaço seja privado, diriam alguns que defendem a permanência das polícias nos eventos de futebol. Contudo, com o crescimento da insegurança pública, o dispêndio das polícias militares que atendem partidas de futebol traduz-se em verdadeiro “desvio de finalidade,” conceito existente no art. 2º, alínea e, da Lei 4.717/65 e consequentemente são nulos todos os atos administrativos decorrentes do uso privado desses contingentes operacionais para os estádios de futebol. É a hora de o futebol brasileiro se profissionalizar e assumir certos custos que são inerentes aos seus espetáculos. Tal seria que espetáculos de teatro, espetáculos de música

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e outros, em ambientes eminentemente privados pudessem usufruir da polícia do Estado em seu favor, a seu único e exclusivo benefício e deleite financeiro de não dispender recursos com segurança privada. A sociedade não pode e não tem o dever de pagar e arcar com estas despesas públicas alheias ao interesse público. Antes que o “jeitinho” nos domine, que a lei seja cumprida.

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A urgência das blitzes em Curitiba 08 fev. 2014 A propósito da reportagem da edição de hoje do jornal Gazeta do Povo, que revela que em quatro anos houve um aumento de 81% no número de autuações de embriaguez ao volante em Curitiba, segue o artigo publicado no dia 08 de fevereiro deste ano neste blog (Blog do Zé Beto):

O trânsito mata mais de 40 mil pessoas anualmente no Brasil. As estatísticas todos estamos cansados de saber. O pior nisso tudo é o sentimento de impunidade que se instalou nas vias públicas brasileiras. Os processos judiciais não têm fim, a vida segue, vem a prescrição penal, e pouquíssimos são condenados pelos delitos. Minha primeira aula deste ano na semana que vem será sobre este tema. Coincidência ou não, assistimos ao pavoroso e mortal acidente na rua 24 de Maio com Praça Rui Barbosa, no coração de Curitiba, que ceifou a vida de inocentes e respeitadores das leis de trânsito. Não há tempo a perder! Em São Paulo, Rio de Janeiro e em outras importantes capitais onde a fiscalização da alcoolemia foi intensificada, os índices de acidentes diminuíram sensivelmente. Também precisamos implementar a educação do trânsito nos ensinos básico e médio porque a prevenção sempre foi a melhor solução. É urgente formarmos cidadãos conscientes da chamada alteridade, isto é, nosso direito tem limites e termina onde se inicia o direito do outro. Em outras palavras, segundo o Direito Canônico: não faças para o próximo aquilo que não desejas para ti! Curitiba merece madrugadas nas quais os motoristas alcoolizados sejam detidos e punidos, e que essa marca cultural nefasta seja banida da cidade. Esperamos que a Polícia Militar faça a sua parte e não se detenha frente às pressões econômicas dos bairros e estabelecimentos noturnos onde a venda de bebidas e a liberdade de clientes baladeiros e irresponsáveis é fonte de lucro e prosperidade para os empresários da noite.

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A epidemia das mortes do trânsito nas estradas brasileiras 30 out. 2012 Recentemente o Tribunal de Contas da União divulgou relatório sobre a implantação de radares de controle de velocidade nas estradas federais1. Sem entrar na discussão se os radares são eficientes na redução de acidentes, o fato é que de 2007 a 2010 os acidentes aumentaram 22,23% e causaram um prejuízo de R$ 26 bilhões aos cofres públicos e à sociedade brasileira. Enquanto na Alemanha, Estados Unidos, Itália, França e até na Argentina se reduziram os índices de acidentes fatais nas estradas, no Brasil houve um aumento de 8,56%. A fiscalização localizada em determinado ponto não é melhor que a fiscalização permanente, em toda estrada, pois sempre há a recuperação da velocidade depois do radar – “para tirar o atraso”. Na União Europeia discute-se a ideia de implantação obrigatória da caixa preta (Event Data Recorder – EDR) nos automóveis2 para se verificar dentre outros elementos as velocidades percorridas – isso a partir de 2015, e em 27 países. No Brasil o chip veicular promete o controle absoluto sobre a frota brasileira com previsão de implantação a partir de 1º de janeiro de 2013, segundo o Contran. O fato, porém, é que por aqui continuamos a alimentar a epidemia de mortes no trânsito, e o número de vítimas tem aumentado assustadoramente a cada ano. A legislação penal do trânsito é frouxa, as penalidades prescrevem, não há punições efetivas, e as multas, de valores baixíssimos, não intimidam ninguém, ao contrário, incentivam a arrecadação do Estado. Outra causa importante é a negligência dos motoristas e a direção sob efeito do álcool e outras drogas, cada vez maior nos jovens, embalados pela pretensa diversão divulgada pelas propagandas de cervejas e afins. As campanhas educativas são de pouco impacto, e não existe a disciplina de Educação no Trânsito nas escolas, nem no ensino superior. 1

http://portal2 .tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/imprensa/noticias/noticias_

arquivos/012.051-2012-8%20auditoria%20programa%20nacional%20de%20controle%20e.pdf 2

http://www.valor.com.br/empresas/2818190/europa-discute-uso-de-caixa-preta-em-carro

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O teste para se tirar a habilitação pouco exige. As mortes no trânsito se tornaram um evento natural e corriqueiro. É hora de se pensar numa legislação realmente eficaz e de políticas de Estado que ataquem a mais letal epidemia que assola o Brasil.

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Quanto vale o patrimônio histórico de uma cidade? 31 ago. 2012 A foto acima (publicada no site) mostra uma argola centenária em frente à funerária São Francisco, que outrora foi uma maternidade e que servia para amarrar arreios de cavalos. Esta é a última e onde ficará? Nos escombros de algum depósito de lixo? A rua mais antiga da cidade, assim como o patrimônio histórico do Hospital Bom Retiro e o bosque que deveriam ser tombados estão aos ventos do mercado, esse novo e poderoso destruidor da história e da cultura. O tombamento se faz necessário toda vez que a conservação se vincule a fatos memoráveis da história. É assim nas cidades que possuem algo para contar1. Ao invés disto, prevalece a vontade do “mercado”. Sobre o tema o professor Michael Sandel argumenta: “Precisamos perguntar se não existem certas coisas que o dinheiro não pode comprar, pois o mercado descarta o moral”.2 Os períodos que antecedem as eleições transformam profundamente as cidades. Não acontecem somente discursos, mas ações, muitas vezes sem o debate e a discussão democrática que devem antecedê-las. O patrimônio histórico e cultural de um território define sua cultura – e a base das civilizações se forma na cultura. Com a globalização e o neoliberalismo vem a devastação dos lugares públicos e do sentido de coletividade. Em resumo: o público se privatiza. Ocorre que a história de uma cultura nos demonstra que, quando os interesses econômicos prevalecem, ela desaparece. Curitiba recentemente perdeu o bosque do Batel, perderá a toque de caixa, se algo não for feito, o bosque do Bom Retiro, e hoje possivelmente, a última argola da rua mais antiga de cidade.

1

DI PIETRO, M.S.Z. Direito administrativo. 25ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 146 e ss.

2

SANDEL, M. O que o dinheiro não compra: os limites morais do mercado. Trad. de Clóvis Marques.

Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012, p. 13 e 93.

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As ‘operações-padrão’ como forma de reivindicação 17 ago. 2012 Estamos assistindo à paralisação de importantes categorias de servidores públicos no Brasil. Isso realmente faz parte da democracia, e a reivindicação dos direitos segue a marcha histórica ao desenvolvimento dos povos. A legislação de greve do setor público está prevista no art. 37, inciso VII; da Constituição Federal que dispõe: “O direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica”. Esta lei nunca foi produzida pelo Congresso Nacional, e talvez jamais seja. Neste meio-tempo, desde 1988, somente em 2007 o Supremo Tribunal Federal aplicou subsidiariamente a Lei 7783/89 (MI 670-ES, 708-DF e 712-PA, Boletim Informativo 485/ de 31-10-07) e disciplinou a matéria de forma jurisprudencial, isto é, legislou mais do que julgou – e isto vem ocorrendo em virtude da inércia congressual. Acontece que, como forma de pressionar o governo, algumas categorias têm esvaziado o atendimento dos setores essenciais da saúde, com prejuízo incalculável à população e com risco à vida das pessoas, da Educação Superior, no desastroso atraso na formatura de milhares universitários. Outros setores, também valorosos, como os servidores da Polícia Federal e da Receita Federal têm trabalhado nas denominadas “operações-padrão” em rodovias, aduanas, aeroportos e fronteiras. Este expediente se caracteriza no “excesso de fiscalização” que igualmente prejudica a sociedade, seja no atraso de voos nos aeroportos, na paralisação de rodovias e nos mais amplos setores que envolvem os serviços públicos no Brasil. É dever de todos, num Estado democrático de direito, a obediência às leis, como prevê o art. 5º, inciso II, da Constituição Federal que dispõe que: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Dessa forma, não está correto que a sociedade tenha que suportar o “excesso da fiscalização” como forma de protesto reivindicatório. Este excesso se caracteriza como “desvio de finalidade”, punido pela Lei de Improbidade (Lei nº 8.429/92), no caput do art. 11 que prevê que “constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições (…)”.

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O excesso também se caracteriza como abuso de direito e de autoridade nos termos da Lei 4.898/65, que dispõe no art. 3º, alínea a: “Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: a) à liberdade de locomoção;”. A justificativa do integral cumprimento das leis não se sustenta, pois flagrantemente escapa da rotina fiscalizadora por amostragem, que não está dentro do poder discricionário da autoridade com a prática de condutas não razoáveis e desproporcionais. Assim, respeitamos as justas reivindicações das categorias que pleiteiam seus direitos. Contudo, a forma pela qual o exercício do poder fiscalizador vem se exercendo não se apresenta como legítimo para convencer, especialmente, a sociedade sobre a justiça das reivindicações. No final, a conta sempre é paga por todos nós.

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Destruição anunciada 08 dez. 2012 Nas afetações por tombamentos, em que os proprietários em menos de um dia, quando suspeitam da possibilidade, na calada da noite, mandam guindastes destruir e pôr abaixo a obra para evitar o processo legal do tombamento, assim o jeitinho faz do tombamento legal, um tombamento real, arrasador do interesse público.” (Na página 112 do livro “O jeitinho no direito administrativo brasileiro e seus efeitos no desenvolvimento”) A rua mais antiga da cidade, assim como o patrimônio histórico do Hospital Bom Retiro e o bosque que deveriam ser tombados estão aos ventos do mercado, esse novo e poderoso destruidor da história e da cultura.

http://jornale.com.br/zebeto/2012/08/31/quanto-vale-o-patrimonio-historico-de-uma-cidade/

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Velozes e furiosos no trânsito brasileiro 02 dez. 2012 Interessante a recente propaganda do Renault Fluence protagonizada pelo ator Paul Walker, da série Velozes e Furiosos1. Durante aproximadamente três segundos aparece a mensagem em letras minúsculas: Respeite os limites de velocidade. Logo adiante, depois da fusão dos veículos, Fórmula 1 e o veículo dirigido pelo ator aparece a mensagem: Em um esportivo inspirado nas pistas. Na peça publicitária tem-se a associação com virilidade, força, glamour e, a nosso ver, potência e velocidade; as cenas se passam num autódromo sem os engarrafamentos e a lentidão do trânsito das grandes cidades brasileiras. O antropólogo Roberto Damatta no livro Fé em Deus e Pé na tábua, analisa o comportamento social brasileiro no trânsito e conclui que o carro é um dos principais instrumentos de status e opressão, e o trânsito cada vez mais caótico e violento2. O choque dos dois veículos da propaganda transforma-se numa fantasia em que surge um terceiro carro, o que é anunciado pela marca; os dois veículos antes de se fundirem estão em altas velocidades. Neste cenário perguntamos: o que está por detrás das propagandas de veículos? O que, afinal, esperamos dos veículos brasileiros e seus reflexos no aumento ou diminuição dos acidentes de trânsito? Como as propagandas conduzem os desejos das pessoas no imaginário do consumo. O desejo da velocidade, normalmente proibido, ganha um espaço lúdico no oferecimento dos bens de consumo e assim, a sociedade caminha, traduzindo suas inquietações e angústias na transgressão. Não seria o momento de questionarmos eticamente as propagandas brasileiras? Afinal, as propagandas oferecem um estilo de vida, valores e maneiras de se comportar que afetam todos nós, direta ou indiretamente. De que adiantam as campanhas educativas, pagas com dinheiro público, para que os condutores respeitem a legislação de trânsito e trafeguem dentro dos limites de velocidade? 1

http://pipocamoderna.com.br/ator-de-velozes-e-furiosos-estrela-nova-campanha-da-

renault/218343?utm_source=rss 2

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-71832012000100021&script=sci_arttext

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A Justiça e o perigo da intolerância religiosa 01 abr. 2015 Recentemente o Superior Tribunal de Justiça divulgou uma análise dos casos mais famosos que foram julgados envolvendo intolerância religiosa, dízimos, anulação de casamento e injúria. Devemos lembrar que o Estado Brasileiro, muito embora possua bancadas religiosas no Congresso Nacional é laico e tem o dever legal de zelar pela plenitude da liberdade religiosa e de pensamento. Os discursos fundamentalistas e de extremistas de certos segmentos religiosos, que falam como se fossem donos absolutos das verdades sagradas e que, por vezes, perseguem as religiões afro-brasileiras, devem ser denunciados de forma intransigente. A liberdade religiosa é algo precioso e tem proteção jurídica na Constituição, na legislação e nos tratados internacionais. No Brasil de hoje há o risco de termos “religiões” extremistas cujas primeiras vítimas são as religiões afro-brasileiras. Depois, não sabemos quais serão os alvos desses segmentos. O respeito à liberdade religiosa é um dever e, acima de tudo, um direito.

Notas:

STJ 29/03/2015 ESPECIAL

INTOLERÂNCIA Outro caso de grande repercussão envolveu a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e uma mãe de santo da Bahia. A religiosa enfartou depois de ler uma matéria publicada no jornal Folha Universal, de propriedade da IURD, na qual era acusada de charlatanismo e de roubar os clientes. A capa do jornal estampava uma foto da mãe de santo com a manchete:“Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes”. A mãe de santo faleceu dias depois. A família, então, iniciou uma luta judicial contra a igreja. Em ação por danos morais, a IURD foi condenada ao pagamento de quase

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R$ 1 milhão em razão de ofensa ao artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal (proteção à honra, vida privada e imagem). Além disso, foi condenada também a publicar uma retratação à mãe de santo na Folha Universal. No recurso especial, entretanto, o valor da indenização foi reduzido para R$ 145.250,00. O desembargador Carlos Fernando Mathias de Souza, então convocado para atuar no STJ, considerou o valor original exorbitante em relação aos critérios adotados no tribunal para reparações de cunho moral. O episódio inspirou a criação do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, 21 de janeiro, data da morte da mãe de santo (REsp 913.131).

A FÉ NA JUSTIÇA DOS HOMENS Fé é a certeza das coisas que se esperam e a convicção de fatos que não se veem (Hebreus 11:1). A crença religiosa dispensa lógica e razão. Quem crê, crê e pronto. É algo que, teoricamente, não se discute. Um direito fundamental reconhecido pela Constituição de 1988. Isso não significa, entretanto, que não existam limites ao que é feito em nome da liberdade de crença. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, já encerrou muitas discussões envolvendo atos abusivos praticados sob o manto da religião. Um deles foi o julgamento do HC 268.459, que discutia a responsabilidade criminal de um casal pela morte da filha, de 13 anos. A menina, portadora de anemia falciforme, foi levada ao hospital com uma crise de obstrução dos vasos sanguíneos. Alertados pelos médicos de que seria necessário realizar uma transfusão, os pais não autorizaram o procedimento invocando preceitos religiosos das Testemunhas de Jeová. Em primeira instância, os pais foram pronunciados para ir a júri popular, acusados de homicídio com dolo eventual, decisão mantida em segunda instância. No STJ, a Sexta Turma entendeu pelo trancamento da ação penal. Para o colegiado, os pais não poderiam ser responsabilizados porque, ainda que fossem contra o procedimento, não tinham o poder de impedi-lo, já que a menina estava internada. Os médicos é que deveriam ter agido e cumprido seu dever legal, mesmo diante da resistência da família.

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O julgamento ficou empatado, e como nesses casos a regra é prevalecer a posição mais favorável, o habeas corpus foi concedido. No acórdão, ficou registrado o entendimento de que a invocação religiosa deve ser indiferente aos médicos, que têm o dever de salvar a vida.

DÍZIMOS O dízimo é a contribuição religiosa do fiel. Ele ocorre tanto em igrejas evangélicas quanto em católicas e significa a décima parte da renda mensal doada à igreja como manifestação de fé e gratidão por bênçãos recebidas. Um fiel arrependido tentou reaver na Justiça valores colocados no altar da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Para ele, as doações realizadas seriam passíveis de revogação por ingratidão. O caso aconteceu em São Paulo. Após desentendimento com um pastor, o fiel saiu da igreja e moveu ação de revogação das doações, com pedido de restituição das quantias. O pedido foi julgado improcedente em primeira e segunda instância, e a discussão chegou ao STJ no REsp 137.1842.O relator, ministro Sidnei Beneti (hoje aposentado), também não acolheu a argumentação do fiel arrependido. Beneti destacou que a palavra doação admite duas interpretações: a doação em sentido amplo e a doação como negócio jurídico. Para ele, as contribuições realizadas às instituições religiosas não se enquadram na definição de doação como contrato típico, prevista no artigo 538 do Código Civil. “A doação lato sensu a instituições religiosas ocorre em favor da pessoa jurídica da associação, e não da pessoa física do pastor, do padre ou da autoridade religiosa que a representa. Nesse contexto, a doação não pode ser revogada por ingratidão, tendo em vista que o ato de um membro – pessoa física – não tem o condão de macular a doação realizada em benefício da entidade, pessoa jurídica, como dever de consciência religiosa”, explicou Beneti.

CASAMENTO ANULADO Em 2013, o STJ homologou pela primeira vez uma sentença eclesiástica que anulou um casamento religioso, confirmada pelo Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica, no Vaticano, com base no acordo firmado entre o Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil (Decreto 7.107/10).

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O decreto estabelece que as decisões eclesiásticas confirmadas pelo órgão superior de controle da Santa Sé são consideradas sentenças estrangeiras, com valor legal no Brasil. Com a decisão do STJ, os ex-cônjuges passaram de casados para solteiros, uma vez que a homologação da sentença eclesiástica resultou também na anulação do casamento em termos civis. O pedido de anulação do casamento foi feito pelo marido ao Tribunal Eclesiástico Interdiocesano de Vitória, após a denúncia de que a esposa abusava sexualmente dos filhos. Embora o acordo com a Santa Sé tenha sido apresentado como decorrente de relações internacionais entre estados, ele chegou a ser alvo de muitos questionamentos por envolver o interesse específico de uma religião, num estado constitucionalmente estabelecido como laico.

INJÚRIA Em julgamento realizado na Corte Especial, o STJ diferenciou discriminação religiosa de injúria qualificada. Uma mulher moveu ação penal privada contra um promotor que havia testemunhado em processo no qual ela acusava o ex-marido de atentado violento ao pudor. As vítimas seriam os filhos do casal. De acordo com a mulher, o promotor, em seu depoimento, declarou que ela seria “emocionalmente desequilibrada” e “religiosa fanática da igreja do bispo Edir Macedo”. Disse ainda que ela havia colocado em sua casa duas empregadas domésticas da igreja à qual pertence e que de uma delas partiram as acusações contra o ex-marido. Para a mulher, as declarações do promotor teriam sido feitas com o propósito de desqualificá-la – e também às suas empregadas –, denotando intolerância, discriminação, preconceito contra membros de segmento religioso e ainda a ideia de superioridade de quem não pertence àquela igreja. Por unanimidade, os ministros rejeitaram a acusação, acolhendo a argumentação do promotor de que utilizou o termo “fanática” apenas como sinônimo de comportamento exagerado, sem a intenção de qualificar a religião. Para o colegiado, a maneira como o promotor se referiu à igreja frequentada pela mulher, no contexto dos fatos, não implicou discriminação religiosa, mas uma declaração pessoal de caráter injurioso, visando a ofensa à honra, e não a discriminação.

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“Se a intenção for ofender número indeterminado de pessoas ou, ainda, traçar perfil depreciativo ou segregador de todos os frequentadores de determinada igreja, o crime será de discriminação religiosa. Contudo, se o objetivo for apenas atacar a honra de determinada pessoa, valendo-se para tanto de sua crença religiosa – meio intensificador da ofensa –, o delito em questão é o de injúria qualificada, nos estritos termos do artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal”, disse o ministro Castro Meira (já aposentado), relator do processo. Os números de alguns processos mencionados no texto não foram divulgados em razão de segredo judicial.

Pacto de San José da Costa Rica (que o Brasil é signatário) Artigo 12 - Liberdade de consciência e de religião 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião. Esse direito implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como em privado. 2. Ninguém pode ser submetido a medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças. 3. A liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças está sujeita apenas às limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas. 4. Os pais e, quando for o caso, os tutores, têm direito a que seus filhos e pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.

Constituição Federal do Brasil Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva; VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; (...)

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A Lei nº 9459/1997 prevê no seu art. 1º, que alterou o art. 20 do Código Penal: Art. 1º Os arts. 1º e 20 da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passam a vigorar com a seguinte redação: “Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.” Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97) Pena: reclusão de um a três anos e multa.(Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97) (...) § 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa. § 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza: (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97) Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.(Incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97) § 3º No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência: (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97) I - o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo;(Incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97) II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas. (Incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97) II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas, televisivas, eletrônicas ou da publicação por qualquer meio; (Redação dada pela Lei nº 12.735, de 2012) (Vigência) III - a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na rede mundial de computadores. (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010) (Vigência) § 4º Na hipótese do § 2º, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido.” (Incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Art. 2º O art. 140 do Código Penal fica acrescido do seguinte parágrafo: “Art. 140. ................................................................... ................................................................................... § 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem: Pena: reclusão de um a três anos e multa.”

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O respeito à liberdade religiosa 13 out. 2014 1. O que é liberdade religiosa

A liberdade de consciência e de crença é protegida pela Constituição Federal no art. 5º, inciso IV, sendo assegurada a liberdade de cultos religiosos e a proteção dos locais de culto e suas liturgias.

2. O que é preconceito

O preconceito é a disseminação do ódio e da segregação de pessoas, grupos, em razão de fatores físicos, sociais, políticos, religiosos, características físicas, de procedência etc. Por exemplo, fatores sociais (pobres, emigrantes, apátridas); fatores físicos (obesos ou magros); em razão da procedência racial (negros, amarelos, vermelhos, brancos), em razão da procedência de Estado ou continente (latinos, paraguaios, chicanos, brasileiros, africanos, asiáticos); em razão de características especiais (cadeirantes, cegos, surdos, portadores da síndromes); em razão da vida pregressa (ex-presidiários, dependentes químicos etc.); de idade (idosos, jovens, crianças); em razão da opção sexual (homossexuais, mulheres, homens, transexuais); em razão da religião ou crença: ateus, islâmicos, budistas, tibetanos, candoblecistas, umbandistas, cristãos, protestantes etc.

3. O novo fundamentalismo religioso

O fundamentalismo religioso parte do princípio de que a religião escolhida pelo grupo é a única e a verdadeira e que as “outras crenças” devem ser combatidas. Em verdade, a crença em determinados preceitos e fundamentos pode levar ao fanatismo, segundo estágio do preconceito religioso, no qual historicamente ocorreram: suicídios coletivos (Jim Jones), genocídios (Massacre de São Bartolomeu), tragédias sociais (as Cruzadas na Idade Média), o confisco de territórios, como a tomada de parte do México pelos EUA com ideologia do “Destino Manifesto”.

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Sobre as Religiões

Ou os recentes massacres e guerras no Islã, Israel, Palestina, Síria, Egito em todo Oriente Médio, nos quais se misturam nacionalismos, fundamentalismos religiosos, interesses econômicos e políticos.

4. Os neopreconceitos

Recentemente, a partir da década de 90, alguns setores neopentencostais passaram a combater, ferozmente, as religiões de raiz afrobrasileira, indígenas, a umbanda, o candomblé, os cultos nagôs, iorubas e até benzedeiras. A extensão desse fanatismo leva à conclusão de que o carnaval e muitas as danças populares e alguns instrumentos musicais (tambores, afoxés) devem ser perseguidos. Enfim, uma negação de 500 (quinhentos) anos de história, de música, cores e respeitáveis crenças brasileiras.

5. O que fazer para concretizar a liberdade religiosa preconizada na Constituição

O Decreto 119A do ano de 1890 garantiu o Estado laico no Brasil, e, assim como a abolição da escravatura, foi implantado pelas mãos de maçons, espíritas, evangélicos e cristãos. A exemplo da lei Maria da Penha (que combate a violência contra as mulheres), as leis de criminalização contra o preconceito racial, as leis de inclusão de idosos, quotas e tantas outras que surgiram para dar consistência à Constituição, é chegado o momento de criminalizar as condutas fundamentalistas e fanáticas contra as religiões no Brasil. É urgente a edição de leis que criminalizem a perseguição religiosa oriunda do fanatismo, que está recorrentemente acontecendo no dia a dia das religiões afro-brasileiras. Não há tempo a perder, pois as algumas bancadas religiosas que disseminam preconceitos e ódios dos mais variados, proliferam nas Câmaras Municipais, nas Assembleias Estaduais e no Congresso Nacional. As convenções partidárias ocorrem nos “templos” e canais de televisão, emissoras de rádios e outros meios disseminam os neopreconceitos, numa espécie de neo-inquisição, todas ilegais e flagrantemente inconstitucionais.

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Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as Religiões

Estes procedimentos excludentes podem gerar indenizações por danos morais coletivos, que ainda, ao que se tem notícia, não acorreram ao Poder Judiciário brasileiro. O Estado laico, isto é, o Estado que não possui religião oficial e respeita a liberdade religiosa, precisa ser reimplantado no Brasil, antes que seja tarde demais e tenhamos uma República fundamentalista e fanática. A liberdade de crença resultou da superação de longos treze séculos da Idade Média, desta feita, portanto, não se pode repetir o obscurantismo do pensamento único.

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