Comentários sobre a Lei 13.655/2018

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Primeiras linhas sobre a Lei 13.655 de 25 de abril de 2018: seus impactos na Administração Pública, no Poder Judiciário e nos órgãos de fiscalização Claudio Henrique de Castro LEI Nº 13.655, DE 25 DE ABRIL DE 2018. Art. 1o O Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), passa a vigorar acrescido dos seguintes artigos:

COMENTÁRIOS:

“Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.

A decisão deverá considerar as consequências práticas da decisão. Neste sentido, pode se referir à sanção assinalando a lesão que foi evitada em virtude da decisão ou a consequência da imputação e a Parágrafo único. A motivação restituição do bem jurídico afetado. demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, Repetiu o disposto na Lei 9.784/99: processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação alternativas.” dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: § 1o A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato. Não é obrigação do julgador/controlador fazer suposições probabilísticas sobre as alternativas que são do gestor. Entendemos que o prosseguimento de contrato ilegal, por descumprir a ordem jurídica, é suficiente para preencher esta exigência. “Art. 21. A decisão que, nas Igualmente reforçou o disposto na Lei 1


esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas.

9.784/99: Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: § 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.

Quando for o caso, será aplicável o Parágrafo único. A decisão a art. 27 desta lei. que se refere o caput deste artigo A regularização deve ser proporcional deverá, quando for o caso, indicar as afastando-se a anormalidade e o condições para que a regularização excesso. Repetição do disposto na Lei ocorra de modo proporcional e 9.784/99: equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo Art. 2º A Administração Pública impor aos sujeitos atingidos ônus ou obedecerá, dentre outros, aos perdas que, em função das princípios da legalidade, finalidade, peculiaridades do caso, sejam motivação, razoabilidade, anormais ou excessivos.” proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público; “Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.

Esta criação de “interpretação pró gestor” é descabida pela prevalência do princípio do interesse público e não do “interesse do gestor”. Os obstáculos e as dificuldades reais do gestor fazem parte das responsabilidades administrativas impostas por lei. 2


§ 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.

Em complemento à interpretação “pró gestor” prevista no caput, esta matéria é da defesa do gestor e não propriamente de cálculo probabilístico dos órgãos fiscalizadores.

§ 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente.

Este critério não é o previsto no Direito Penal, tem caráter administrativo, e é um avanço na dosimetria da pena administrativa. As agravantes e atenuantes dizem respeito aos fatos, e os antecedentes ao agente. Muita doutrina ainda deverá ser produzida neste sentido. Criou-se um ótimo obstáculo de indefinições para a revisão da decisão que apene o gestor.

§ 3º As sanções aplicadas agente serão levadas em conta dosimetria das demais sanções mesma natureza e relativas mesmo fato.”

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Esta dosimetria dos casos impõe a análise de casos similares para sanções parecidas, contudo, a diversidade de fato pode ensejar a não aplicação da similaridade das penas.

“Art. 23. A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.

O prazo de transição para a nova interpretação não era previsto, mas apenas a vedação da retroatividade na Lei 9.784/99: Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público 3


a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação. Entendemos que esta zona de transição extrapola os limites do poder interpretativo cabendo ao poder legislativo estabelecer este parâmetro. Com efeito, o art. 5º, inciso XXXVI da Constituição garante a segurança jurídica e não permite tal sentido interpretativo: “XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;” Esta modulação já está presente no STF, cujos parâmetros são estabelecidos no juízo de constitucionalidade das leis. A descrição de normas “de conteúdo indeterminado” afigura-se uma tautologia em face de se descobrir quais normas serão interpretadas com tal obrigação legal. “Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.

Igualmente reforça-se a vedação da retroatividade na Lei 9.784/99: Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.

Na previsão de “as adotadas por prática administrativa reiterada” não Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e se estabelece o tempo necessário 4


especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público.”

para este reconhecimento, o que pode causar certa dificuldade no descobrimento do tempo necessário para se firmar a conduta reiterada, na Lei da Boa Razão o prazo era de 100 anos. O “amplo conhecimento público” se dá pela publicação dos atos em diário oficial de publicação.

Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial. § 1º O compromisso referido no caput deste artigo: I - buscará solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais; II – (VETADO); III - não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral;

Neste dispositivo a irregularidade deve ser de pequena monta ou meramente formal, não se abre espaço para acordos de leniência.

A Previsão de consulta pública “quando for o caso” vincula as razões de relevante interesse geral que é atribuição do intérprete/julgador e não do gestor. O compromisso está também no âmbito dos Termos de Ajuste de Gestão e dos Termos de Ajustamento de Conduta. Que já são praticados no âmbito do MP e dos Tribunais de Contas. Este compromisso não pode ser confundido transação, conciliação, arbitragem ou mediação e entendemos que a disposição de bem jurídico indisponível não abre esta possibilidade.

O dever de clareza é repetitivo aos IV - deverá prever com clareza incisos VIII e IX do art. 2º da Lei as obrigações das partes, o prazo 9784/99. para seu cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento. 5


“Art. 27. A decisão do processo, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, poderá impor compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou injustos resultantes do processo ou da conduta dos envolvidos.

O instituto da compensação é do direito civil, típico do direito privado. Esta proposta será da parte que a pretende e não do órgão jurisdicional ou fiscalizador.

A previsão de compromisso processual entre os envolvidos é o nome oculto de transação de interesses privados e interesses públicos indisponíveis. Esta saída econômica coincide com o fim de § 2º Para prevenir ou regular a concessões de pedágios e outros, da compensação, poderá ser celebrado primeira e segunda onda de compromisso processual entre os concessões que acontecerão no envolvidos.” Brasil. Tal disposição não está acima da fiscalização dos Tribunais de Contas e os órgãos de controle. E não tem o condão de subsistir isolada e processualmente. § 1º A decisão sobre a compensação será motivada, ouvidas previamente as partes sobre seu cabimento, sua forma e, se for o caso, seu valor.

“Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.

Este dispositivo tem como finalidade suprimir a conduta culposa nos atos do gestor, impondo-a apenas em caso de erro grosseiro. Não podemos interpretar desta forma, isto revogaria a lei de improbidade em boa parte de seus dispositivos e imporá a “irresponsabilidade geral” dos gestores públicos.

O dever geral constitucional aos administradores públicos não contempla este cheque em branco de conduta trazido por este dispositivo, vejamos o caput do art. 37 da CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:” 6


Assim, plenamente inconstitucional pois exime o gestor de seus deveres constitucionais de eficiência e legalidade. “Art. 29. Em qualquer órgão ou Poder, a edição de atos normativos por autoridade administrativa, salvo os de mera organização interna, poderá ser precedida de consulta pública para manifestação de interessados, preferencialmente por meio eletrônico, a qual será considerada na decisão. Vigência § 1º A convocação conterá a minuta do ato normativo e fixará o prazo e demais condições da consulta pública, observadas as normas legais e regulamentares específicas, se houver.

Este artigo tem a vacatio legis de 180 dias, entrará em vigor em 27 de outubro de 2018.

“Art. 30. As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas. Parágrafo único. Os instrumentos previstos no caput deste artigo terão caráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam, até ulterior revisão.”

Não é função típica da administração editar súmulas administrativas e muito menos respostas às consultas, possivelmente este mister ficará a cargo das Procuradorias e órgãos jurídicos dos órgãos. Deve haver extrema cautela na edição desses mandamentos administrativos pois pode gerar contrariedade entre as interpretações judiciais, da fiscalização e as normas vigentes.

A consulta pública faculdade ao gestor.

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Verdadeiro instrumento democrático para a edição de atos normativos mas que deverá ser antecedida pela discussão do próprio ato e não meramente sobre o ato já formulado pelo ente, posto que neste último caso será apenas um referendo e não consulta de caráter deliberativo.

Art. 2º Esta Lei entra em vigor “Vacatio legis” específica do art. 29 da na data de sua publicação, salvo lei de 180 dias. quanto ao art. 29 acrescido à Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), pelo art. 1º desta Lei, que entrará em vigor após decorridos 180 (cento e oitenta) dias de sua publicação oficial. Brasília, 25 de abril de 2018; 197o da Independência e 130º da República. Este texto não substitui o publicado no DOU de 26.4.2018

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