Reflexões sobre o Direito e o cotidiano

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Claudio Henrique de Castro

Reflexões sobre o Direito e o cotidiano Cidadania e Democracia

Desenvolvimento Sustentado

Prefácio do Prof. Vitorio Sorotiuk

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Direito do Trânsito

Fotografias de Lina Faria


Reflexþes sobre o Direito e o cotidiano Cidadania e Democracia, Desenvolvimento Sustentado e Direito do Trânsito.

Claudio Henrique de Castro


Dedico esta obra para minha querida mĂŁe Leda que me ensinou que as coisas mudam, sempre para melhor.


Ficha catalográfica elaborada por Maury Antonio Cequinel Junior Bibliotecário CRB9ª/896 Castro, Claudio Henrique de C355 Reflexões sobre o direito e o cotidiano : cidadania e democracia, desenvolvimento sustentado e direito de trânsito. / Claudio Henrique de Castro. Curitiba : Ctrl S Comunicação, 2012.

209 p. 1. Direito 2.Cidadania 3.Democracia 4. Desenvolvimento Sustentado 5. Direito do Trânsito 6. Oratória I.Título CDU 34

Ficha técnica: Fotos: Lina Faria

Revisão gramatical técnica: Professor Adão Lenartovicz

Produção gráfica: www.ctrlscomunicacao.com.br Projeto gráfico e capa: Simon Taylor

Diagramação: Fernanda Pivatto


Prefácio

O observatório crítico. Quando ingressei na Faculdade de Direito na Universidade Federal do Paraná lembro-me de um discurso marcante de um estudante citando José Ingenieros: “Juventude sem rebeldia é servidão precoce.” A frase expressa que cada nova geração traz em si uma nova visão de mundo e se forma observando o mundo constituído forçando uma nova existência também no plano das relações sociais e da cultura. Recentemente um músico, ao lhe perguntarem sobre as críticas ao seu estilo musical, respondeu perguntando: “Alguém já viu erguerem uma estátua a um crítico?”, menosprezando a crítica. Onde a razão? Está com um filósofo chinês que disse que, observando os manuscritos dos grandes homens cultos da história da humanidade, observou que, em muitos textos, encontrou partes rabiscadas e corrigidas. Chegou à conclusão de que mesmo os grandes sábios erravam. E eram sábios justamente porque sabiam se corrigir.


Essas reflexões são necessárias para enfrentar os textos de Claudio Henrique de Castro em suas Reflexões sobre o Direito e o cotidiano: Cidadania e Democracia, Desenvolvimento Sustentado e Direito do Trânsito. Pois o direito é movimento, expressão do novo e do velho na sociedade, de interesses em conflito, busca incessante em dar a cada um o que é seu. A análise jurídica deve ser feita com a técnica da elaboração do direito, mas com o conteúdo cultural, social em histórico, em uma sociedade de conflitos. Essa é a riqueza do novo livro do autor: a observação crítica sobre os problemas atuais da nossa existência como o exercício da cidadania, o trânsito cujas estatísticas revelam uma guerra civil oculta permanente e a questão urgente, vital e planetária que é a sustentabilidade ambiental. Para os amantes da observação crítica, da democracia, da pluralidade de ideias, as indagações e assertivas do autor significam uma soma ao pensamento crítico da sociedade sobre a sua existência.

VITORIO SOROTIUK Advogado e Professor de Direito Ambiental da Faculdade de Ciências Jurídicas Tuiuti. Formado em Direito pela UFPR, Mestre em Direitos Sociais e Econômicos pela PUCPR, Diplomado em Estudos de Desenvolvimento pela Universidade de Genebra – Suíça.


RESUMO

A presente obra é uma coletânea de artigos do autor, publicados em sites e blogs. Discutem-se temas relacionados com cidadania, democracia, desenvolvimento sustentado e direito do trânsito. O foco da obra explora o cotidiano das cidades e as questões de infraestrutura do estado brasileiro. Os textos buscaram uma linguagem objetiva e acessível às pessoas sem formação jurídica. As fotografias de Lina Faria complementam a reflexão dos assuntos abordados.

Palavras chaves: Cidadania, Democracia, Desenvolvimento Sustentado e Direito do Trânsito.


ABSTRACT

This book is a collection of articles by author, published on websites and blogs. Discuss topics related to citizenship, democracy, sustainable development and the law of transit. The focus of the work explores the daily life of cities and infrastructure subjects in the Brazilian state. The texts have sought an objective language and accessible to people without legal training. Lina Faria’s photographs complement the discussion of the issues addressed.

Keywords: Citizenship, Democracy, Sustainable Development and the Law of Transit.


Sumário

I. Cidadania e Democracia 1.1. O cotidiano no interminável 0800...................................17 1.2. Juros sobre juros e o perigo do melado. A capitalização dos juros autorizada pelo STJ...............22 1.3. As razões que perpetuam a impunidade no Brasil........26 1.4. As licenças de táxis hereditárias em Curitiba.................30 1.5. A Busca da Dignidade e do Respeito aos Professores...........................................33 1.6. Os desvios do dinheiro público na publicidade.............42 1.7. O STF, as cotas raciais e as cotas de ensino público.......47 1.8. Afinal, por quais razões pagamos impostos?..................51 1.9. Corrupção custa 100 bilhões por ano aos bolsos dos brasileiros...................................54 1.10. A República Brasileira e o Custo Brasil.........................56 1.11. O julgamento do médico de Michael Jackson e a Justiça brasileira.........................................................60 1.12. O Ensino Superior na rede privada em Curitiba e região metropolitana: cenário atual e perspectivas para os professores.................................63


1.13. O aumento da remuneração das Polícias no Paraná.....................................................69 1.14. A profissionalização da Polícia (PEC 300/2008) e a gradativa união das Polícias Civil e Militares é uma tendência mundial...............................................72 1.15. A segurança e o porte de armas no Brasil.....................80 1.16. As desventuras jurídicas do Caso Battisti.....................83 1.17. Considerações preliminares quanto às inovações da Lei Complementar 135/2010 (Lei da Ficha Limpa)....88

II. Desenvolvimento Sustentado 2.1. A recente produção legislativa do Congresso Nacional e o Desenvolvimento do Brasil............................................94 2.2. As novas leis de mobilidade urbana e de prevenção às infrações contra a ordem econômica à luz do transporte nas cidades........................................98 2.3. O Novo Fundo de Previdência Complementar do Governo Federal: sua sustentabilidade e os efeitos sobre o desenvolvimento.............................101 2.4. Os aeroportos brasileiros na ficção da infraestrutura..............................................................108 2.5. A invasão de privacidade e a necessária plataforma tecnológica de infraestrutura para resguardar os direitos dos Cidadãos e do Estado........112


III. Direito do Trânsito 3.1. A imposição legal de câmeras em bares e casas noturnas em Curitiba e os acidentes de trânsito..........118 3.2. É possível reduzir os acidentes envolvendo motociclistas no trânsito do Brasil?...............................121 3.3. A grande contribuição do STJ para a cultura da impunidade que reina no Brasil................................127 3.4. Locatário também paga por multas de trânsito...........133 3.5. Estádio, estrada e uma morte que poderia ser evitada.........................................................................137 3.6. A obrigatoriedade de sinalização no uso de equipamentos de monitoramento de velocidade e a Resolução 396 do Contran...............141 3.7. O EstaR é legal?................................................................145 3.8. Resolução 363 do Contran é adiada..............................149 3.9. As novas funções da URBS e algumas questões ainda sem respostas.........................................................154 3.10. Advogado da Comissão de Trânsito da OAB questiona URBS.............................................................158 3.11. Os pedestres e o Direito de Trânsito no Brasil...........160 3.12. Trânsito: as regras mais descumpridas. As bebedeiras, os acidentes de trânsito e o Estado...164 3.13. Pontos para se discutir a paz no trânsito. Sugestões para diminuir o inferno no trânsito..........168 3.14. Das ilegalidades do reconhecimento de firma do condutor e do proprietário para recorrer em multa de trânsito.....................................................171


3.15. Os motoboys, a indústria da morte e a nova lei nº 12.436/2011...............................................................175 3.16. Sem multas, com emprego............................................179 3.17. O lado quente da Comissão de Trânsito.....................181 3.18. De volta para o futuro: a suspensão do direito de dirigir e a contagem de pontos retroativa no prazo de cinco anos.................................................188 3.19. As multas da URBS e a decisão do STJ.......................200 3.20. A Inconstitucionalidade das Novas Alterações do Código de Trânsito..................................................203

IV. Oratória 4.1. Professor dá dicas para advogados desenvolverem boa oratória.......................................................................206


Sites onde os textos foram publicados amoc1cic.com.br http://blogdojj.com.br/ promotordejustica.blogspot.com.br www.abla.com.br www.acidentesdesastres.com.br www.asarmasmundial.blogspot.com www.blogdajoice.com.br www.blogdozebeto.com.br www.blogsoldacaustico.com.br www.colunamisterx.blogspot.com www.crimesdelitos.com.br www.egov.ufsc.br/portal/ www.espacovital.com.br www.fichacorrida.wordpress.com.br www.guiasaojose.com.br www.intelog.com.br www.invesditura.com.br www.jorgeyared.blogspot.com.br www.jornaldidata.com.br www.jornale.com.br www.jornaloestadodoparana.com www.jusbrasil.com.br www.louzada.adv.com.br www.metavendasbrazil.com.br www.paranaextra.com.br www.promotordejustica.blogspot.com.br www.psc.org.br www.rentacarnews.com.br www.sindilocpr.com.br www.sinpes.org.br



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1.1. O cotidiano no interminável 0800. 9 de agosto de 2012 Um estudante de Direito se encontra com uma estudante de Artes Plásticas e lá pela tantas a artista pergunta: “Afinal, o que vocês estudam?” Com o peito estufado o acadêmico responde: “Ora! As leis, os códigos, e as decisões dos tribunais!” Nesta singela resposta constatamos que o Direito está cada vez mais distante do cotidiano da sociedade, pois são dezenas de pequenos problemas que não são resolvidos pelas Leis e pelos Tribunais e que as pessoas não conseguem sequer se imaginar ajuizando ações para resolvê-los. Do outro lado alguns setores do Direito falam no chamado “demandismo”, uma tendência da população bater às portas do Poder Judiciário para resolver seus problemas cotidianos e com isto os “milhares” de processos são intermináveis. Isto se chama Democracia, mas mesmo assim são poucos os que se aventuram ao risco de ganhar ou perder uma ação para se resolver problemas do cotidiano. Mas, afinal, o que é o cotidiano? Listamos alguns casos do que na soma causam desgastes nas pessoas nas esferas pública e privada: 1) Ligações aos finais de semana, nas manhãs, nos finais de tarde e até à noite de empresas de telemarketing; 2) Questões envolvendo perturbação ao sossego, de vizinhança ou veículos com sons de toda ordem, reformas, carros com som alto etc;


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3) Cobranças de correspondências bancárias de cartões (elas continuam), envio de boletos de pagamento; 4) Diferenças pequenas em impostos e taxas para pagar; 5) Problemas de interrupção de sinal de telefone, água, luz, tv a cabo, entregas e produtos com pequenos defeitos; 6) Batidas de veículos irrelevantes advindas de condutas ilegais, mas superáveis diante dos custos envolvidos para a solução; 7) Questões de trânsito, como ausência de sinalização, fiscalização, condutas proibidas e reiteradamente praticadas como estacionamento na guia, irregular, alta velocidade, condutor alcoolizado, que apesar da exposição ao perigo não causam acidentes (sempre é bom lembrar que 57 mil pessoas morreram no Brasil no ano passado no trânsito); 8) Atrasos em documentos oficiais, passaportes, pedidos de alvarás, pedidos de certidões, processos de aposentadorias etc; 9) Atendimentos exclusivamente por telefone de serviços essenciais, com a demora de mais de meia hora ao telefone para explicar e se re-explicar os problemas sem soluções objetivas e adequadas, sempre com um protocolo e com a promessa de se gravar as intermináveis ligações; 10) Falhas reiteradas nos serviços essenciais, como atendimentos em postos de saúde e hospitais, mas que pela dimensão individual são “suportáveis” pelos menos favorecidos; O resultado é que os serviços são prestados com baixa qualidade, mas não compensa questioná-los nas esferas judiciais ou administrativas.


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Com efeito, o Direito não resolve os problemas do cotidiano e ingressam neste cenário as denominadas Agências de Regulação, os Procons, os Juizados Especiais e fundamentalmente o Poder Judiciário que não resolvem os problemas do cotidiano da população, pois quem batalha pela sobrevivência não tem tempo, dinheiro e conhecimento para se dirigir a estes órgãos que funcionam por provocação – e não autonomamente. Em conseqüência, parte das grandes corporações reduz a qualidade do atendimento, dos serviços e produtos e inserem no preço esta perversa redução, pois menos qualidade, menos custos e lucro maior. O que podemos fazer? Àqueles poucos que recorrem aos seus direitos entram nas estatísticas dos custos operacionais. Estes recebem indenizações irrisórias, admitidas pelos tribunais superiores que falam em “indústria das indenizações” e “demandismo” – e este resultado invariavelmente acontece depois de muitos anos de espera, até décadas para a solução dos casos judiciais. A função didática e preventiva das indenizações perdeu-se nos congressos e discursos científicos do Direito. A epidemia das mortes do Trânsito sequer é estudada pelo Direito, que está preocupado, na maior parte das vezes, com o exibicionismo intelectual das pós-graduações, com linhas de pesquisas de duvidosa prática e de pouquíssimo alcance social. Neste cenário, o cotidiano escapa ao Direito e as questões mais simples do dia-a-dia das pessoas não se resolvem, sejam no que tange a qualidade dos serviços públicos essenciais, no trânsito e transporte, seja num pequeno ato da vida diária das pessoas.


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Viver se tornou um interminável 0800 para se tentar resolver problemas cada vez maiores do outrora simples, mas hoje complexo convívio social. Quem sabe a atuação dos políticos possa resolver nosso cotidiano, cujos personagens principais prometem e prometem e o povo, o verdadeiro dono do poder, esquece sempre de cobrar, no repetitivo ciclo eleitoral de dois em dois anos.



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1.2. Juros sobre juros e o perigo do melado. A capitalização dos juros autorizada pelo STJ. 5 de julho de 2012 Recentemente o Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão favorável à capitalização dos juros, ou seja, que é possível a incidência dos juros sobre os juros, pois se entendeu que ela, a capitalização, vedada pelo Decreto n° 22.626/33 (conhecido como Lei de Usura) em intervalo inferior a um ano, é permitida pela Medida Provisória n° 2.170-36 para as instituições financeiras, desde que expressamente pactuada, estando ligada à circunstância de os juros devidos e já vencidos serem, periodicamente, incorporados ao valor principal. Nem a legislação de Justiniano, o último imperador romano, que morreu em 565 d.C., permitia esta prática. A sabedoria do Direito Romano Imperial impedia tal procedimento. Passados mais de mil e quatrocentos anos, eis que é permitida a referida prática no Brasil, num momento em que o endividamento da população chegou a índices preocupantes para a banca internacional e para a economia doméstica, obrigando o governo a reduzir os impostos para aquecer o consumo. Trocando em miúdos: pela decisão, a capitalização dos juros deve estar inscrita no contrato e o consumidor deve assinar na linha pontilhada no final. A cena é simples: o gerente do banco mostra o contrato, diz “Leia, por favor!”, você passa os olhos e assina o contrato junto com uma nota promissória e com as bênçãos do Poder Judiciário brasileiro – e está tudo perfeito.


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Em 1961 o Supremo Tribunal Federal analisou esta questão e, em brilhante decisão, afirmou que a vedação legal do anatocismo é de ordem pública, prevalecendo sobre a convenção das partes (RE nº 47.497 – SP). Assim, não importava o contrato assinado entre as partes na bacia das almas do contrato financeiro. O assunto é velho, e muito bem descrito na decisão do STF. O jurista Teixeira de Freitas, na sua Consolidação das Leis Civis (de 1856, p. 121), afirmou que é possível a capitalização dos juros, desde que pactuada pelas partes. O jurista Lacerda de Almeida (1897) era contrário a esta posição. Acontece que naquele tempo, quem assinava contrato com os bancos estava em posição de igualdade, falava grosso com os banqueiros, não havia classe média no Brasil, que somente surgiu na década de 40 do século passado. Portanto, falar em acordo entre as partes era possível. Com o surgimento dos contratos de massa, e a ascendente classe C e D ter mais poder de compra, ter acesso a financiamentos e conta corrente em banco não significa que se possa discutir de igual para igual um contrato. O próprio Código de Defesa do Consumidor fulmina esta pretensa situação ideal e confere prevalência aos consumidores. Este assunto pode ser que não suba para apreciação do Supremo Tribunal Federal por conta de mecanismos processuais impeditivos. Resta-nos rezar para que esta decisão seja revertida. Com efeito, é necessário se discutir profundamente o acerto ou desacerto desta decisão do Superior Tribunal de Justiça.


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A repercussão social disto nos faz lembrar o que aconteceu ao sistema bancário nos Estados Unidos em 2008, onde mais de 400 bancos quebraram devido a cascata financeira impossível de ser cumprida pelos mutuários norteamericanos. Até agora o sistema bancário norte-americano está mancando. A sanha das instituições financeiras deu no que deu: toda sociedade está padecendo os efeitos da quebradeira. A lição que fica é simples e vinha dos nossos avós:“Quem nunca comeu melado quando come se lambuza”. Notas http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp. area=398&tmp.texto=106280 http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC& docID=146791



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1.3. As razões que perpetuam a impunidade no Brasil. 22 de junho de 2012 Até ontem comer uma pizza em Curitiba era um ato de preocupação com as calorias e o regime. Depois do arrastão no bairro do Batel, os relógios, os aparelhos celulares, as carteiras, as bolsas chiques e os cartões de crédito e de débito entraram também nesta lista de preocupações. É o modo de ser paulistano chegando à capital dos paranaenses. Em São Paulo a moda agora é freqüentar os restaurantes que foram assaltados, pois dificilmente o crime se repete, ou andar acompanhado de um cão de raça pitbull com coleirinha repleta de cristais swarovski. Enquanto isso, no Senado estuda-se a reforma do Código Penal, com um tímido aumento das penas dos crimes contra a administração pública, em descompasso com o grande volume de delitos descobertos em face de constantes operações da Polícia Federal e a crescente conscientização da sociedade que paga a conta. Muitos delitos no projeto tiveram suas penas reduzidas, a exemplo de todos os crimes contra o sistema financeiro nacional e o peculato (apropriação de bem em função do cargo). Diante disso, pergunta-se: “Será essa a vontade da sociedade que assiste a recorrente impunidade dos crimes de colarinho branco?”


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O projeto inaugura novas modalidades de crimes, alguns com nomenclatura inglesa: bullying (intimidação vexatória) e stalking (perseguição obsessiva), e outros em bom português: corrupção entre particulares, praticar ato fraudulento, plágio intelectual, uso de celular na prisão, abandono de animais, furto com uso de explosivo, ofensa à empresa e eutanásia. Talvez a proposta mais sensata seja a descriminalização do porte de drogas, tratandose o dependente como portador de doença, frente a nova epidemia do crack e das anfetaminas nas baladas. Também tramita a proposta de reforma do Código Processual Penal. E como talvez se pense paradoxalmente que o processo penal não combina com o direito penal, em muitos pontos as propostas são antagônicas. O Brasil possui um colossal déficit de vagas nas penitenciárias do sistema federal e nos estados. Isto somado aos processos penais intermináveis resulta um sistema penal direcionado para quem habita o andar de baixo, pois o aprisionado normalmente é aquele que não teve condições de pagar bons advogados. A felicidade dos povos e o advento dos Códigos inauguram um velho debate: até que ponto a legislação penal está distante dos anseios populares, posto que a maior parte das cartas, e-mails e mensagens para a Comissão de sábios foi no sentido do aumento das penas já existentes – e Comissão fazendo-se de surda resolveu caminhar na direção contrária, principalmente no que diz respeito aos crimes contra a administração pública?


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O Banco Mundial recentemente lançou um mapeamento da corrupção no planeta. Paulo Maluf e Daniel Dantas estão nela, personagens conhecidos da imprensa e dos tribunais brasileiros, sendo que o primeiro, deputado federal, ocupa um importante espaço político da mesma cidade de São Paulo que padece dos arrastões em condomínios e restaurantes. Neste cenário podemos pensar em penitenciárias abertas, lá mesmo, em Brasília no Distrito Federal e nas principais capitais brasileiras. Notas: http://star.worldbank.org/corruption-cases/ http://www.valor.com.br/brasil/2717530/reformas-em-leicaminham-em-sentidos-opostos-em-sentidos-opostos



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1.4. As licenças de táxis hereditárias em Curitiba. 1° de junho de 2012 A recente Lei Municipal nº 14.017/2012 que dispõe sobre a hereditariedade das licenças de táxi em Curitiba é manifestamente inconstitucional diante do inciso I do art. 3º da Constituição Federal, que prevê que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, entre outros, o de construir uma sociedade livre, justa e solidária. Uma sociedade justa afasta institutos jurídicos hereditários, salvo o direito de herança que é eminentemente das coisas privadas e não públicas. O próprio sentido do regime republicano afasta a hereditariedade de direitos públicos, pois herança pública é essencialmente monárquica. Há mais de cem anos foi superado o regime monárquico no Estado brasileiro, sobrou apenas o Rei Momo e a Rainha nos Carnavais. Estamos num ano eleitoral e o pauta legislativa é farta em medidas para cativar o eleitorado. Vejamos a Constituição do Estado do Paraná que estabelece no seu inciso I do art. 12 que é competência do Estado, em comum com a União e os Municípios, zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público. Ora, basta uma simples leitura para afastarmos a referida lei municipal.


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A Lei Orgânica de Curitiba prevê no seu inciso III, art. 11, que compete ao Município prover a tudo quanto respeita ao seu interesse e ao bem-estar de sua população, cabendo-lhe, em especial: III. Organizar e prestar diretamente, ou submeter ao regime de concessão ou permissão, mediante licitação, os serviços públicos de interesse local, incluindo o transporte coletivo, que tem caráter essencial. Assim, a licitação é a regra. Temos o maior respeito para com os taxistas e suas famílias, mas pensamos que as Capitanias Hereditárias do século XVI provaram que a hereditariedade não funciona administrativamente, apenas as capitanias de Pernambuco e São Vicente deram certo. A referida lei municipal institui o nepotismo normativo. Imaginem os Ministros do Supremo relatando uma ação deste tipo e todas as piadas que seriam elegantemente proferidas à capital do Estado. A competência, contudo, não chega tão longe, vai apenas ao Tribunal de Justiça, embora possa, com expedientes recursais, daqui a alguns anos, chegar a Brasília. Haverá certamente alguma ação judicial que a declarará inconstitucional. O mais curioso é que a vida republicana é baseada nas efemérides eleitorais.



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1.5. A Busca da Dignidade e do Respeito aos Professores. 19 de julho de 2012 1. Os perfis econômicos dos Professores Temos de forma breve, dois perfis valorosos de Professores na rede privada de Ensino Superior: 1. o profissional liberal que tem seu consultório, escritório, emprego público ou outra atividade e está na docência para complementar a renda principal não proveniente da docência. Este Professor dificilmente vai se mobilizar, comparecer a reuniões sindicais ou apoiar o movimento de forma ativa. Temos assim esta dificuldade em virtude das condições objetivas de colocação do profissional no mercado de trabalho; 2. e aqueles Professores que têm exclusivamente a docência como principal fonte de renda, e têm medo da despedida arbitrária, que rotineiramente acontece, e com o desemprego estrutural, a cada despedida tem-se dezenas de currículos na gaveta do empregador para a entrevista de emprego, por meio de anúncio em jornal dominical ou até nas rádios AM em alguns casos. Estes dois perfis, somados à completa ausência, na grande maioria das instituições, de Planos de Carreira e da estabilidade profissional, que os docentes da rede pública possuem, geram atual dificuldade na mobilização e a festa dos lucros advindos das imposições salariais aos Professores.


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Os Professores, sejam os de tempo integral ou parcial, merecem respeito, mas não nos esqueçamos que isto influencia nas negociações sindicais. Precisamos conscientizar toda a categoria dos desafios que se colocam pela grande corrosão salarial que abate a classe. Outra questão relevante é a grande distância dos salários dos Professores antigos (cinco, dez ou mais anos de casa) com os novos contratados. A lógica é a de que ao saírem os professores antigos, jamais os salários chegarão ao patamar daqueles, criando-se um círculo vicioso cujo objetivo é o rebaixamento geral dos salários. Pesquisas e aprimoramento do conhecimento não estão nesta pauta, mas meramente o repasse do conhecimento e, consequentemente, os índices da pesquisa brasileira são os piores dos países em desenvolvimento. Isto não importa verdadeiramente aos lucros desmedidos e ao mercado de escala: quanto menores os investimentos, maiores os lucros (Milton Santos). Os Professores na rede privada se tornaram mais uma peça na engrenagem dos lucros fáceis da rede privada de ensino com as bênçãos do MEC e do Estado brasileiro, que se dizem preocupados com o futuro do país. Há pouco o Ministro da Ciência e Tecnologia numa palestra nos EUA, apresentou-se como ministro do “Ministério da Ficção Científica”, em face da sua carência na língua inglesa ou talvez de um ato falho que espelha a realidade.


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2. As Instituições de ensino, o lucro fácil e o crescimento econômico sem valorização salarial Com isto, os Professores tornam-se dóceis e úteis (Foucault), e seus salários são desprestigiados em face das belas reformas de instalações físicas, das suntuosas construções de prédios e estacionamentos, das coloridas propagandas em placas nas esquinas das ruas, dos outdoors bem elaborados, das sonoras propagandas de rádio e fascinantes campanhas de televisão, dos patrocínios de shows dos mais variados, estando na beira da associação de praias tropicais, alegria e festas de finais de semana para cativar os nossos jovens estudantes. É o canto da sereia do negócio do “Ensino Superior Privado”. A publicidade para atrair novos alunos é a principal arma nesta competição desmedida para manter o mercado aquecido. O novo foco é a classe C, com mensalidades baixas, ensino a distância e todas as facilidades possíveis para se conseguir um “diploma do curso superior”. Tudo isto põe o conhecimento à distância da sociedade, em patamares cada vez mais reduzidos em qualidade de ensino. Numa medição bastante simples, comparando o aumento das mensalidades e os “reajustes” dos salários, no período de 2009 a 2012, chegamos a 40%(quarenta por cento) na defasagem dos salários dos Professores. Cabe a lembrança de que o pecado capital da ávareza se concretiza, em muitas personalidades que comandam financeira e administrativamente as Instituições de Ensino Superior, sejam elas laicas ou confessionais. Os alunos e a sociedade sequer imaginam esta grave disparidade.


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Assim, o desgaste nos salários dos Professores torna-se a principal ferramenta empresarial para se auferirem os lucros em cima dos alunos e de suas famílias. Consagra-se um circuito perverso no qual o que menos importa é a qualidade de ensino, o respeito e a dignidade dos Professores, dos alunos e da sociedade. 3. A globalização do ensino e a perda da soberania nacional Assim, temos um processo de macdonaldização o ensino no qual o conhecimento, apostilado, colhido em portais, sínteses e resumos digeríveis são apresentados aos alunos como “conhecimento”. Enquanto os países desenvolvidos aplicam os recursos públicos no fortalecimento do conhecimento, na rede privada os recursos públicos são investidos pelo Prouni e incentivos fiscais de forma a não cobrar efetivamente pela qualidade do ensino, ficando relegado aos Enades, a pretensa “qualidade” das instituições privadas, sem se avaliar como os Professores são tratados, salários, condições de ensino e progressão na carreira, embora, este item conste retórica e demagogicamente nas avaliações institucionais. Este grave rebaixamento do conhecimento e a pauperização dos Professores brasileiros interessam à globalização, pois a cada dia que passa nos tornamos reféns do conhecimento proveniente dos países desenvolvidos, cujas políticas de ensino são absolutamente diferentes da prática empresarial educacional brasileira. Não por acaso as grandes redes nacionais estão sendo vendidas para grandes grupos estrangeiros; nenhum dos dois verdadeiramente tem compromissos com a pátria brasileira, mas com a bandeira, sem nacionalidade, dos lucros sobre os salários dos Professores e a lógica do aumento desmedido dos ativos.


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O principal ativo desses homens de negócios é a quantidade de alunos em milhares e não o ativo humano, dos Professores. Sem docentes, todas as instalações tornam-se prédios fantasmas e abandonados. Vejam, por exemplo, uma negociação de compra e venda de grupo educacional recente cujo preço de compra ultrapassou 1 bilhão de reais. 4. Ausência de piso salarial, paralisação das cláusulas convencionais e reajustes rituais Há muito falamos em piso salarial, mas os patrões insensíveis nos vêm com a desculpa dos módulos de ensino e dos professores horistas, essas grandes modalidades de empobrecimento dos Professores, com todo respeito aos que se submetem a esses regimes. Precisamos de um piso realmente digno. Podemos começar a falar em cinco mil reais, na prática do piso da rede pública federal de ensino superior ou uma progressão na qual admitamos uns três mil reais aumentando com o passar do tempo de trabalho e da progressão na carreira. As instituições que não possuem profissionalismo ou sustentabilidade para a gestão do Ensino devem mudar de negócio. Manter instituições às custas do empobrecimento dos docentes e da enganação de milhares de alunos não pode mais persistir no cenário atual, cujo lucro fácil se dá em virtude da diminuição de salários e dos custos. O que ocorre é que, se empresa vai mal, os empresários sempre vão bem. Aliás, onde estão esses empresários que, com raras exceções, sequer pegaram num giz em algum dia na vida?


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As negociações das cláusulas convencionais não avançam e os reajustes anuais são um “rito de passagem anual” cujo argumento dos patrões é meramente o da correção pelo INPC e mais nada. Ou às vezes um misericordioso 0,5 (meio por cento) como está correndo na “negociação” de 2011/2012. Assim a intransigência e a mesquinhez consolidam a postura do Sindicato dos patrões, claro; por detrás disto estão os lucros sempre crescentes. Há uma verdadeira caixa preta na contabilidade dessas instituições, cuja escuridão interessa aos vampiros do ensino superior privado. Temos que abrir essas “caixas pretas” para sabermos quais os motivos contábeis que implicam todos os anos o rebaixamento salarial e a pauperização dos Professores. 5. As negociações não se bastam; é necessário avançarmos Na última assembleia conseguimos o apoio das entidades representativas dos Estudantes, que, com irreverência, alegria e liderança propuseram o apoio no sentido de divulgar dados, denunciar instituições arbitrárias, aos alunos e vestibulandos, mas fundamentalmente apoiar a valorização dos Professores e denunciar os abusos nas mensalidades. Na década de 90 uma Faculdade conhecida em Curitiba, ameaçou despedir professores em massa e a reação dos alunos veio a galope, por dois meses os alunos não pagaram as mensalidades e a instituição voltou atrás vestindo as sandálias da humildade. Esta lição, com apoio dos alunos, pode e deve ser repetida em larga escala ainda este ano.


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É hora de pensarmos neste tipo de paralisação e chamamento, invocarmos a solidariedade dos alunos para paralisarem os pagamentos até que a insensibilidade do Sindicato dos patrões se altere e negociemos de forma a resgatar um mínimo de Dignidade e Respeito à nossa classe: “Sem professores não existem as outras profissões”. Outra medida importante é tornarmos as visitas do MEC quando da avaliação dos cursos, um visita verdadeira, sem mentiras ou armações da pseudoqualidade de Ensino. Para isto é necessário que os Professores avisem o Sindicato de tais visitas para que alertemos as comissões de avaliação das reais condições de ensino das instituições, da precarização e miserabilização dos salários dos Professores, sem planos de carreira e tudo mais que sempre é divulgado no Didata. Por último, dois professores do Sindicato foram recentemente despedidos, em meio às negociações, - eles irão voltar! Este ato demonstra as estratégias dos “escoteiros do mal” em tentar calar aqueles que se voltam para a defesa do Ensino no Brasil e da valorização dos Professores. O Sinpes irá reagir com firmeza e determinação! 6. Conclusões e perspectivas de atuação: Diante das reflexões colocadas no presente artigo podemos concluir que: 1. Devemos nos mobilizar, de todas as formas possíveis; 2. Vamos convencer e conscientizar a Sociedade e os Alunos do momento histórico que passamos e das nossas necessidades salariais e de condições de ensino;


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3. Precisamos que as Instituições adotem os Planos de Carreira, Piso Salarial condigno e que avancem nas cláusulas convencionais; isto não virá de graça, é necessário nos mobilizarmos; 4. É necessário que nos juntemos aos Alunos para fazermos pressões reais frente a esta exclusão salarial na qual fomos submetidos e ao aumento desmesurado das mensalidades escolares; isto inclui modalidades de mobilização diferenciadas; 5. Nossa recomposição salarial é de 40% (quarenta por cento). Na mesa de negociação pedimos apenas 12% (doze por cento) em virtude da soberana decisão da Assembleia da Categoria, mas isto não exclui outras demandas como qualidade de ensino e a dignificação dos Professores; 6. O Sindicato precisa da mobilização dos Professores, pois o nutriente das nossas reivindicações está na união da categoria; 7. Professores lutando, também estão ensinando!



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1.6. Os desvios do dinheiro público na publicidade. 19 de maio de 2012 1. O que manda a Constituição O Direito é simples. Vejamos. O art. 37 da Constituição Federal que prevê o princípio da impessoalidade e disciplina a publicidade de Estado dispõe: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…) § 1º – A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.” Se um estrangeiro nos visitar e perguntar se os governos federal, dos Estados e dos Municípios gastam dinheiro público em propaganda, a resposta seria dada pelo texto constitucional. Dessa forma, entenderia o estrangeiro que o dinheiro público não pode ser gasto em publicidade posto que ainda somos o país que somos: o 95º em analfabetismo; 73º em expectativa de vida; 98º em mortalidade infantil e que possui uma epidemia de delinquência com uma taxa de 31 homicídios a cada 100 mil habitantes.


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Ele nos diria: “Muito bem! Vocês gastam de forma racional os recursos públicos!” Porém, isto é verdade? Sabemos que não. 2. O que acontece na prática No Poder Executivo da esfera federal, aquele que tem a caneta na mão para e liberar os recursos, os Ministérios, faz uso desmedido dos recursos de publicidade; e figura do chefe do Executivo sempre está presente com as frases que caracterizam a gestão – nas liberações de verbas para os bancos oficiais, empresas estatais e demais entes que manipulam e administram as verbas públicas. Não se pode afirmar categoricamente, mas a liberação de recursos que nutrem os grandes jornais, as revistas semanais, os canais e redes de rádio e televisão, tem muito a ver com a modulação das críticas ao poder. Nas esferas estaduais e municipais, os recursos se avolumam nos períodos que antecedem os pleitos eleitorais, numa verdadeira avalanche de dinheiro para as agências de publicidade que fomentam e movimentam milhões em favor dos candidatos. No plano do Legislativo federal, estadual e municipal este processo é mais intenso do que se pode imaginar, muitas vezes com o repasse de verbas para personagens que representam indiretamente o poder de plantão. Essas interpostas pessoas, que administram os meios de comunicação, fazem um sobrepreço da publicidade para aplicar a diferença nas campanhas eleitorais. Os exemplos são recentes na cena histórica e caracterizam as gestões ou as alterações estilísticas dos símbolos oficiais, isto em todas as esferas governamentais.


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Ainda – e mais, há a grande possibilidade de lavagem de dinheiro das verbas de publicidade em cima do valor real sob o manto da denominada “criatividade” que a princípio não tem preço, pois, afinal, quanto vale uma ideia, um jingle, uma peça publicitária? Não estamos aqui afirmando que todos agem assim, mas que essa possibilidade é bastante possível, não se pode negar. A eleição e a reeleição, inegavelmente, são sempre a prioridades dos poderes instituídos. 3. O que diz o juridiquês Infelizmente os Tribunais não possuem uma linha de interpretação serena e objetiva quanto à análise das propagandas oficiais, e o conceito inscrito na Constituição passa a ser letra morta, salvo casos escancarados desafiados, por vezes e apenas, por oposições partidárias ou ideológicas. A doutrina, isto é, a escrita dos sábios do Direito, é silenciosa e vacilante quanto ao tema publicidade oficial. Assim, os Poderes fazem como bem entendem suas peças publicitárias e a utilizam para a promoção oficial. Vale a sentença popular: “Todos fazem! Por que não podemos fazer também?” 4. O que precisa mudar Não há propriamente propostas sobre o tema e sua disciplina legal, até em razão de o artigo da Constituição ser bastante explicativo e autoaplicável. Entretanto, algumas reflexões podem ser lançadas sobre o tema:


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1. As Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais não podem usar dos recursos públicos para publicidade, nem dos seus personagens, muito menos, de campanhas. Com efeito, a divulgação dos seus atos é feita por meio dos atos oficiais. Leia-se: diários oficiais; 2. As publicidades dos governos federal, estaduais e municipais, das empresas públicas, da administração direta ou indireta, devem ser rigorosamente fiscalizadas pelos órgãos de controle, e os Tribunais devem enfrentar este tema com os conceitos de: desvio de finalidade, desvio de poder e de propaganda antecipada, fulminando com a inelegibilidade os personagens envolvidos e determinando a devolução aos cofres públicos das quantias despendidas. Sobra legislação para fazer isto. Basta vontade política; 3. Toda publicidade oficial deve ser profundamente analisada quanto aos dispêndios, causa e extensão dos efeitos. É hora de as prioridades do governo brasileiro serem efetivamente a solução dos graves problemas sociais; 4. Por fim, a imprensa, para ser crítica, deveria nortear seu trabalho com a premissa de que “é possível sobreviver sem as verbas de propaganda e publicidade oficiais”.



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1.7. O STF, as cotas raciais e as cotas de ensino público. 25 de abril de 2012 O Supremo Tribunal Federal vota hoje as cotas raciais no ensino público. Nosso prognóstico é que o julgamento será apertado, mas será aprovada a legalidade das cotas para a alegria dos setores mais progressistas que vislumbram nelas um mínimo resgate dos mais de 500 anos de opressão aos pobres, negros, efetivados pela sociedade patriarcal e estamental brasileira. Nosso patriciado dirigente não admite alguns avanços que estão ocorrendo (Damatta). Nem só de samba e manifestações culturais vivem os negros e os excluídos. Sem a vinda da África ao Brasil seguramente nosso povo não seria um povo alegre (Darcy Ribeiro). Seríamos tristes e sem musicalidade, seríamos um povo tímido, apático, sem tempero ou poesia. Felizmente a mãe África nos livrou disto tudo. As cotas são transitórias, têm a perspectiva de acabar em 2025/2030, conforme previsões dos setores que militam pelas ações afirmativas. As reparações da escravidão do Brasil ainda estão por vir. Não tivemos ainda uma reforma agrária, não desfavelizamos as periferias das cidades e das grandes capitais, ainda não temos Justiça Social, apesar da pródiga Constituição Federal de 1988.


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O discurso sobre as cotas começou com um artigo do Ministro Marco Aurélio no Supremo Tribunal Federal, depois na Universidade de Brasília e se espalhou pelo Brasil afora. Ainda há muitas resistências, como naqueles primeiros anos em que os então abolicionistas entoavam seus discursos libertários contra a escravidão no Brasil. Zito Costa, numa profunda e detalhada Tese de Doutorado da USP, comprovou que as telenovelas brasileiras, na sua esmagadora maioria, colocavam os negros e pardos sempre em posições subalternizadas. Onde estão as cotas da mídia (?). Afinal ainda não vivemos numa democracia racial, ao contrário do que pensava Gilberto Freyre. A ideologia do embranquecimento da década de 30/40 do século passado, ainda ecoa nos setores conservadores. O Direito muda, os conceitos de Justiça também. Temos muito que descobrir nos horizontes da cidadania e da inclusão social. O país, é sem dúvida, a nação que concentra os maiores recursos de biomassa do Planeta – e a maior parte da população ainda não recebeu seu quinhão desta imensa riqueza. Ainda temos piadas sobre os negros e pobres, ainda temos a imagem distorcida da globalização e do “darwinismo social” (Milton Santos), na qual os mais capazes sempre vencem socialmente. Entretanto, este cenário estaria correto se todos tivessem oportunidades semelhantes, o que não corresponde à realidade brasileira. Ótima educação e saúde significam dinheiro e posição social. A democracia social está ainda por vir, tem-se quinhentos anos de espera.


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Temos ainda um longo caminho a trilhar pela agenda política e a reforma ética das instituições, banindo os personagens que solapam os cofres públicos e que são investidos pelo voto popular. A CNBB sugeriu que deveríamos ter a “cotas dos políticos honestos”; consolidou-se Lei da Ficha Limpa. É um tímido começo para esta nova realidade, mas que possui reflexos positivos na agenda das eleições brasileiras. Parabéns ao Supremo Tribunal Federal por mais este importante passo que será dado em prol da Cidadania, após, é claro, alguns pedidos de vistas, embargos declaratórios e todos aqueles expedientes processuais que conhecemos.



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1.8. Afinal, por quais razões pagamos impostos? 24 de janeiro de 2012 Imagine uma profissão em que todo santo dia sua mulher e sua família façam orações para que você chegue no final do expediente salvo e ileso. Pensem em uma profissão em que sua conduta deva ser tecnicamente impecável frente a situações bastante estressantes e que de sua atuação dependam vidas humanas. Avalie uma profissão em que você tenha o dever da coragem e que enfrente personagens perigosos, armados e audaciosos. Medite a respeito de uma profissão à qual toda sociedade fique atenta e que os mais diversos crimes sejam o seu cotidiano. A exemplo da Polícia Federal, que instituiu um sólido planejamento estratégico, reduziu os graus da hierarquia, reduziu as diferenças salariais da base com o topo da carreira e se profissionalizou, desvinculando-se do Poder Executivo, é chegada a hora das valorosas polícias estaduais, a Civil e a Militar. Não há tempo a perder. O Paraná pode dar um exemplo para o Brasil e definitivamente lançar um plano de valorização salarial condizente com os novos desafios frente ao crime organizado. Temos plena confiança nisto e acreditamos nas nossas autoridades estaduais recém-eleitas. Defendemos altos salários para os professores, pois sem educação os países tornam-se incubadores da criminalidade. Mas a força repressiva e investigativa do Estado deve estar aparelhada, principalmente para os crimes de Estado, os chamados whitecollar-crime, ou crimes do colarinho branco, isto é, os crimes da classe alta, os que mais esvaziam os cofres públicos no Brasil.


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Quando se trata de votar aumento de subsídios para a classe política, rapidamente são elevados os rendimentos da classe dirigente. Quando se fala no salário da base do Estado, professores, profissionais da Saúde e policiais, há muito discurso e pouca ação. As promessas dos atores da política são sempre as mesmas: “Saúde, Educação e Segurança!”. Por detrás desse discurso, na base do Estado, estão profissionais de alto valor moral e ético, que lutam com o suor do trabalho para viver e sobreviver. Não nos esqueçamos ainda dos trabalhadores da limpeza pública, que correm dezenas de quilômetros por dia recolhendo o lixo das cidades. A hora da mudança é agora. Não se pode mais adiar o discurso da cidadania, da democracia, do Estado de Justiça Social. Para isto são necessários novos concursos públicos com salários condizentes com as tarefas que se avizinham necessárias para a construção de uma sociedade realmente democrática. Afinal, por quais razões pagamos os impostos?



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1.9. Corrupção custa 100 bilhões por ano aos bolsos dos brasileiros*. 23 de novembro de 2011 A corrupção custa para os brasileiros cerca de cem bilhões de reais por ano. Com base nesses dados o advogado e professor universitário Cláudio Henrique de Castro prega uma mudança de mentalidade da população em relação ao corrupto. Segundo ele, o Brasil precisa passar por uma reforma na educação para barrar a ação de corruptos. Para o professor a raiz de boa parte dos problemas vividos pelos brasileiros teve origem na década de 70. Cláudio Henrique de Castro aponta o serviço público como o maior foco de corrupção no país. Entre as soluções apontadas pelo professor estão: tornar a justiça acessível aos pobres, acabar com a prescrição penal e com a prisão especial e rigor na aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal sem as análises elásticas que ocorrem normalmente. Mas ele acredita que o brasileiro já está mais consciente em relação à corrupção. Segundo dados oficiais, o Brasil é a NONA potência mundial, mas é o número 95˚ em analfabetismo, 73˚ em expectativa de vida, 98˚ em mortalidade infantil, e a taxa de homicídios é de 31 para cada grupo de cem mil habitantes. Para Cláudio Henrique de Castro esses números têm tudo a ver com a corrupção. *Notícia Jornalística



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1.10. A República Brasileira e o Custo Brasil. 22 de novembro de 2011 O conceito de Custo Brasil normalmente passa pela ineficiência e corrupção do Estado brasileiro, uma clara crítica à corrupção endêmica instalada no país. Contudo, devemos olhar para os lados e verificarmos que há um custo em todos os países; o custo da exclusão social que gera 1 bilhão de pessoas que passam fome no mundo e 1,2 bilhão de pessoas não tem acesso à água tratada no mundo. No mundo verifique-se que 10% dos mais ricos detêm 85% do capital global, e metade dos habitantes detém apenas 1% e que os países altamente industrializados do G8 venderam 87% das armas exportadas do mundo inteiro, fomentando e lucrando com a guerras locais e regionais. O Brasil se coloca como a 9ª potência mundial, mas em 95º em analfabetismo; 73º em expectativa de vida; 98º em mortalidade infantil e com uma taxa de 31 homicídios a cada 100 mil habitantes, numa verdadeira epidemia da delinquência. Estas assimetrias devem ser consideradas no conceito de Custo Brasil. Vejamos o problema da corrupção que nos custa R$ 100 bilhões por ano, o que resulta em 3,7 bi de prejuízos por ano, para cada Estado da Federação, combinada com a política de juros altíssimos que beneficia o rentismo em detrimento do estudo e do trabalho se enquadram na “erosão ética”. Inegáveis a ineficiência da infraestrutrura e da logística na “erosão técnica” e ainda os 20 milhões de pobres na “erosão humana”.


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Quais soluções poderiam ser apontadas para a redução do Custo Brasil? Vejamos algumas sugestões veiculadas pelos setores mais progressistas: 1. Fidelidade partidária, não a de araque que assola a legislação e a Justiça Eleitoral; 2. Acabar com prisão especial, com a cessação dos privilégios oferecidos às elites; 3. A imposição de ficha limpa para as pessoas indiciadas a critério de juízo de recebimento do inquérito; 4. A indicação obrigatória em cada produto da carga de imposto para conscientizar as pessoas sobre a arrecadação do Estado; 5. Rigor da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) e não nas interpretações elásticas e casuísticas que ocorrem rotineiramente; 6. Proibição do voto secreto e salários aos membros do Poder Legislativo; 7. Tornar a justiça acessível aos pobres; 8. Acabar com a prescrição penal que se tornou um grande negócio para a impunidade das elites; 9. Evitar o cinismo pragmático do relaxa, transgride e goza; 10. Enfrentar o falso problema do garantismo penal; 11. Redução drástica dos cargos de provimento indicados no Estado brasileiro e os milhares de cargos em comissão para somente servidores de carreira; 12. Superar o duplo padrão ético no Estado no cumprimento da lei e a cultura da transgressão da lei e do jeitinho (“aos amigos tudo, aos inimigos os rigores da lei”);


13. Implantar uma agenda ética, a exemplo da Noruega; 14. Efetivar uma profunda revisão do conceito de felicidade na qual todos participem da riqueza do Estado; por exemplo, a Costa Rica que possui 18% em comparação com o Brasil que possui 33% de pobres na sua população; 15. Instaurar a definitivamente a República no Estado brasileiro -, passados 122 anos da sua proclamação, o Estado Brasileiro ainda não é feito para, pelo e em função do povo, mas serve na sua maior parte aos detentores do poder e seus apoiadores.



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1.11. O julgamento do médico de Michael Jackson e a Justiça brasileira. 9 de novembro de 2011 Terminou anteontem (7) em Los Angeles o julgamento do médico de Michael Jackson, Conrad Murray, condenado por homicídio culposo do cantor, depois de cinco semanas de testemunhos para elucidar como ocorreu a morte do astro, há dois anos. Este julgamento célere e minucioso demonstra como a impunidade é abominada pelos norte-americanos, não obstante todas as críticas que se possam fazer ao sistema processual penal anglo-saxão. Um processo semelhante recentemente terminou no Brasil após quase 30 anos de suspense, recursos e idas e vindas nos tribunais superiores. O resultado é muito claro: a lentidão do processo penal brasileiro aliada aos hábeis recursos processuais e à alta rotatividade de juízes redunda na prescrição dos delitos e a conseqüente impunidade. Estatisticamente os pobres e desassistidos são condenados; as classes média e alta permanecem imunes à legislação penal. Recentes debates legislativos buscam reformas e mais reformas. Mas de uma coisa não há dúvida: o denominado garantismo penal aliado às bizantinas estratégias processuais de defesa, na maior parte dos casos, nutre a impunidade.


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As lições do julgamento do médico de Michael Jackson ressoam na América Latina, cuja democracia processual penal ainda não chegou aos tribunais brasileiros. O ditado popular “quem pode mais chora menos” é uma realidade nas delegacias e prisões, nas quais o poder econômico prevalece à frente da justiça penal. A doutrina processual, preocupada com o garantismo do contraditório, da ampla defesa e da sentença final transitada em julgado, afasta-se de uma sociedade justa na qual as diferenças de classes sociais não sejam determinantes no julgamento. Afinal, não somos iguais perante as leis (?). O reflexo disto também se faz sentir de tutela expressiva dos delitos patrimoniais privados, cada vez mais protegidos, e a crescente impunidade dos políticos e administradores públicos quanto aos delitos praticados em detrimento dos cofres públicos, sustentados por toda sociedade. A inelegibilidade e a indisponibilidade de bens são apenas uma pequena retribuição penal, se as compararmos à legislação dos países altamente desenvolvidos que punem de forma exemplar seus corruptos. O Direito penal e processual penal brasileiro têm muito que aprender com o recente julgamento do médico de Michael Jackson, independente da condenação que o júri de sete homens e cinco mulheres lhe imputou de forma rápida e fundamentada.



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1.12. O Ensino Superior na rede privada em Curitiba e região metropolitana: cenário atual e perspectivas para os professores. 24 de abril de 2011 O governo de Fernando Henrique Cardoso, por meio do seu ministro Paulo Renato, implantou uma estrutura eminentemente privada de ensino superior no Brasil, financiada pelos cofres públicos. Hoje aquele ministro presta consultoria de negócios para os empresários do ensino no Brasil, comprando instituições deficitárias para revendê-las a grandes grupos nacionais e estrangeiros. O governo Lula alterou muito pouco esta realidade, implantando o Prouni e medidas de inclusão de alunos carentes, mas o cerne da questão não foi enfrentado: a qualidade do ensino é cada vez mais baixa. O discurso do governo Dilma parece querer transformar esta realidade, mas se volta tão somente ao ensino fundamental, o que é um começo. Nesta verdadeira indústria do conhecimento, o binômio lucro versus corte de custos é predominante, salvo raras exceções. Com efeito, no meio disso o professor tornou-se mero repassador de conhecimento e mais uma peça que encarece o circuito deste mercado que se convencionou chamar de Educação Superior privada. Em Curitiba e região metropolitana a realidade não é diferente. Este ano os representantes dos empresários, a par dos reajustes muito superiores do INPC para as mensalidades e acréscimos de toda ordem para os estudantes, vêm repassando apenas e tão somente o reajuste do INPC, sem qualquer avanço nas cláusulas sociais da categoria. Na última


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negociação de férias do meio do ano, por exemplo, ofereceram, com piedade e desprendimento, apenas e tão somente uma semana ou sete dias, sem descurar das semanas acadêmicas de doutrinação pedagógico-salarial, numa afronta à CLT. O desgaste e a grave corrosão nos salários chega a 60% (sessenta por cento) nos últimos anos, o que aproxima o salário dos professores à garantia do salário mínimo, abaixo do piso do Estado do Paraná. O quadro é sombrio, pois um exército de desempregados e profissionais recém-formados se submetem às mais degradantes condições de trabalho e a recebem R$15,00 (quinze reais) por hora-aula. Também a disputa por horas-aula no semestre deixa a categoria desunida pois cada professor pode avançar sobre turmas dos colegas e afetar diretamente o salário do semestre seguinte. Resumindo: quem tinha três turmas pode ficar com apenas uma e ver reduzido seu salário em dois terços. Outra realidade é a profissão como “bico”, para conferir aos detentores do título de professores a captação de clientela e o status da cátedra, deixando de lado a remuneração recebida. Outra característica da situação é que, a par da formação do exército de desempregados, a mão de obra especializada está cada vez mais difícil de ser encontrada, ou seja, não se conseguem profissionais com os requisitos mínimos para o exercício da profissão, sejam quais forem as áreas: Exatas, Humanas ou Biológicas. Ao mesmo tempo, o MEC, que deveria fiscalizar tudo isto, desde os tempos do ministro Paulo Renato vem sendo complacente e beijando as mãos dos empresários do ensino. Grandes grupos internacionais estão comprando gradativamente as redes de ensino, num franco processo de desnacionalização da educação brasileira, com as bênçãos das autoridades.


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O Ministério, quando se preocupa, olha apenas as estruturas físicas para a solução do Ensino. Fecha os olhos para o apelo à inexistência de carreiras docentes e à absoluta ausência de política de valorização dos professores pelos perversos patrões do ensino, que, na maioria, são empresários sem qualquer formação acadêmica para este mister. A última edição do Didata, jornal da categoria dos Professores, cada vez maior em número de páginas, demonstra este quadro, com relatos de graves arbitrariedades trabalhistas cometidas contra os professores. Alguns se perguntam: cadê o Ministério Público do Trabalho, cadê o MEC, cadê o Poder Judiciário Trabalhista nas ações coletivas? Há denúncias de que algumas instituições praticam o “jogo do empurra das aprovações”, que leva à lógica da aprovação sequencial, caso contrário, demissão sumária, pois alunos a menos, lucros menores. No nível fundamental a coisa é mais degradante ainda! Cerca de 80% (oitenta por cento) dos recém-concursados num Estado do Nordeste, abandonaram nas duas primeiras semanas os postos de trabalho pelo desconhecimento do conteúdo a ser ministrado, o salário e outras oportunidades no mercado. Hoje, com todo respeito a estes outros ofícios, um simples reparo em computador doméstico, encanamento ou pequeno serviço de pintura é muito mais valorizado que a nobre função da docência. O custo da hora-ofício vai de R$50,00 (cinquenta reais) a R$150,00 (cento e cinquenta reais), quando a hora-aula em Curitiba e região metropolitana aos docentes é de R$15,00 (quinze reais). Só que esta aula exige preparação, estudo permanente, compra de livros, pesquisas e, acima de tudo, muito profissionalismo.


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E os professores sabem da sua importância social; não obstante a remuneração percebida, esforçam-se ao máximo para ministrar aulas de qualidade e conteúdo. A bandeira da valorização dos Professores do Ensino Superior não é encampada por nenhum político, seja do Paraná, seja de outros Estados, ao mesmo tempo que os empresários é que elegem seus representantes para garantir favores tributários e a expansão cada vez maior do famigerado ensino à distância, de custos ínfimos e lucros astronômicos, de duvidosa e baixa eficiência de ensino e baixíssima remuneração em relação aos rendimentos. Os ministérios da República são postos de sindicalistas, numa continuidade da República das centrais sindicais de dirigentes que pouco sentaram nos bancos escolares do Ensino Superior. Há pouco tempo ocorreu um triste episódio em Curitiba, sem divulgação na mídia. Um professor de uma Universidade da rede privada que se autodenomina a melhor do Sul, do Brasil, talvez até da Via Láctea, se suicidou, vítima de depressão. Estudos recentes demonstram que esta enfermidade é a que mais atinge os docentes da rede pública e privada, chegando a índices alarmantes, inclusive no nosso estado vizinho de Santa Catarina.


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Quais as luzes para este quadro nefasto? Em recente assembléia dos professores realizada pelo SINPES – Sindicato dos Professores do Ensino Superior de Curitiba e da Região Metropolitana, esses assuntos foram exaustivamente debatidos e chegamos à conclusão de “Estado Permanente de Greve e Mobilização em prol da Valorização dos Professores”, por meio de medidas que sensibilizem a sociedade de Curitiba e do Estado, além, claro, dos empresários do ensino. Os professores e os acadêmicos merecem respeito e consideração, pois acima de tudo irão influir no desenvolvimento social a econômico do nosso país. Foram dez itens debatidos e aprovados para articular esta mobilização durante o ano de 2011/2012. Tudo para mudar esta triste realidade.



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1.13. O aumento da remuneração das Polícias no Paraná. 2 de março de 2012 As recentes tratativas que resultaram no aumento salarial das polícias no Estado do Paraná demonstram duas importantes mudanças no Estado. A primeira: o discurso de campanha não foi uma armadilha eleitoral; o segundo: se avizinham políticas para conter a galopante criminalidade que se instalou no Estado, da capital (do centro às periferias) e até nos mais distantes rincões do interior. A Lei Seca, que trouxe nova dosagem nos limites de direção veicular, é uma lei que em algumas capitais “pegou”, como em São Paulo e Rio de Janeiro, entre outras. Em Curitiba ainda não, pela ausência de blitzes e equipamentos. O número de telefone 190, que demora para atender e, dependendo da ocorrência, a chegada da viatura leva de meia a uma hora, também se juntam à necessidade de mudanças. O treinamento das polícias, com formação em Direitos Humanos, de novas técnicas de prevenção e combate entram na pauta do novo horizonte em que as polícias podem atuar, ajustando-se aos novos desafios do Estado democrático de direito que deixou no passado a ditadura de 1964 e aquela velha polícia formada desde o Estado Novo.


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Mas o principal está por vir: a inamovibilidade dos delegados, as investigações profissionais e a independência investigatória urgem no horizonte do Estado para se acabar com aquele exemplo que, até há pouco tempo, era citado de forma negativa nos Congressos de Direito, os chamados delegados calças-curtas, sem formação e indicados pelos políticos detentores do currais eleitorais. Não só de pão vive o homem mas, sem dúvida, os reajustes anunciados significam um grande avanço para as valorosas corporações policiais, cujos integrantes arriscam as próprias vidas pela segurança da sociedade.



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1.14. A profissionalização da Polícia (PEC 300/2008) e a gradativa união das Polícias Civil e Militares é uma tendência mundial. 22 de setembro 2011 Quando vemos que Curitiba é a sexta cidade mais violenta do Brasil e o bairro da CIC (Cidade Industrial de Curitiba) o lugar mais perigoso da capital (1), nos perguntamos se a solução para isto tudo é o aumento do efetivo das Polícias ou a implantação de políticas sociais robustas e investimentos maciços em Educação e Saúde públicas igualitárias. A profissionalização da Polícia (PEC 300/2008) (2) e a gradativa união das Polícias Civis e Militares é uma tendência mundial. O §8º do art. 144 da Constituição Federal (3) dispõe sobre a possibilidade da criação das guardas municipais para os municípios do Brasil. No Paraná teremos 399 guardas municipais, cada município com a sua, com uniformes, leis, regimes de aposentadorias etc. Não esqueçamos que no Brasil são 5.435 municípios, num cipoal legislativo chamado “interesse local”. A competência da Guarda Municipal é a de: “Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: (…) § 8º – Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.(grifamos)”


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Esta competência é de proteção de bens, serviços e instalações municipais em substituição àquelas terceirizações de vigilância nos bens públicos municipais, apenas e tão somente isto. Temos sérias dúvidas sobre a legalidade do porte de arma deste pessoal, bem como, sobre a extensão dos direitos de aposentadoria especial dos Policiais Militares e diversas outras deferências legislativas que estão ocorrendo no âmbito destas guardas municipais, mas este é outro assunto. Ocorre que esta competência não é de “Polícia de Segurança Pública” nem sob a forma de “convênio”, conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça (A.I.1056.8994-RJ) em 2008, isto é, não pode a Guarda Municipal lavrar multas (decisão abaixo). Nesta semana o Supremo Tribunal Federal declarou que o tema é de Repercussão Geral e, portanto, será decidido o assunto, em breve, se é possível estas guardas lavrarem multas de trânsito ou não. Podemos apenas fazer um exercício de prognóstico quanto ao tema, tanto pode o Supremo admitir como deferir esta possibilidade. São 49 decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a competência municipal de legislar sobre “interesse local”, poucas essencialmente sobre trânsito e que não envolvem a figura da guarda municipal, mas afastam a possibilidade de o Município legislar sobre o direito de trânsito, que é competência privativa da União, impossibilidade de vistoria em veículos (ADI.3323/DF), impossibilidade de imposição legal do cinto de segurança (ADI.1032 e outras), nem muito menos, legislar concorrentemente matéria da União (RESP. 596489, 2ª Turma).


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O Ministro Marco Aurélio, relator do processo de Repercussão Geral (5) em duas laudas reconheceu a relevância do tema, até porque milhares de recursos advindos de processos que se requerem a nulidade das multas da Guarda Municipal carioca e outras poderiam inundar o Supremo Tribunal Federal, num mar de recursos de multas. Em Curitiba, a URBS mediante convênio com o Estado, lavrava multas não somente previstas nos incisos VI a VIII do art. 24 do Código de Trânsito Brasileiro, mas também de outras espécies normativas, alargando de forma ilegal a competência municipal, (se é que é válida), disposta no CTB (6): “Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição: (…) VI – executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, no exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito; VII – aplicar as penalidades de advertência por escrito e multa, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicar; VIII – fiscalizar, autuar e aplicar as penalidades e medidas administrativas cabíveis relativas a infrações por excesso de peso, dimensões e lotação dos veículos, bem como notificar e arrecadar as multas que aplicar;”


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Outra afronta era a questão de possuir natureza privada, de sociedade anônima (URBS S.A.) quando o Poder de Polícia é indelegável por ordem da Constituição e somente pode ser exercido pelo Poder Público (art. 144 da Constituição Federal). Reforçamos, neste sentido, o entendimento de que matéria de “interesse local” (art. 30, inciso I, da Constituição Federal) não diz respeito à imposição de multas pelo simples fato de que quem institui legalmente a infração de trânsito é privativamente a União, e a fiscalização e o poder de polícia não podem ser deferidos à Guarda Municipal. Na decisão do Superior Tribunal de Justiça encartada no processo e Repercussão Geral, encontra-se a seguinte decisão (item 7, p. 110): “GUARDA MUNICIPAL. EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA DELEGAÇÃO DA COMPETÊNCIA IMPOSSIBILIDADE. Guarda Municipal Representação por Inconstitucionalidade. Indelegabilidade das funções de segurança publica e controle de trânsito, atividades próprias do Poder Público. As atividades próprias do Estado são indelegáveis pois só diretamente ele as pode exercer; dentre elas se inserem o exercício do poder de polícia de segurança pública e o controle do trânsito de veículos, sendo este expressamente objeto de norma constitucional estadual que a atribui aos órgãos da administração direta que compõem o sistema de trânsito, dentre elas as Polícias Rodoviárias (Federal e Estadual) e as Polícias Militares Estaduais. Não tendo os


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Municípios Poder de Polícia de Segurança Pública, as Guardas Municipais que criaram tem finalidade específica guardar os próprios dos Municípios (prédios de seu domínio. praças etc.) sendo inconstitucionais leis que lhes permitam exercer a atividade de segurança pública, mesmo sob a forma de Convênios.” O atentado de 11 de setembro nos EUA provocou muitas vítimas em razão de uma briga histórica entre a Polícia de Nova Iorque e os Bombeiros, pois suas faixas de rádio não se comunicavam e os bombeiros da segunda torre ainda em pé não sabiam que a primeira havia desabado. Esta ausência de comunicação entre polícias não é privilégio dos norteamericanos. A falta das carreiras específicas e da coordenação de funções das polícias tem contribuído para a baixa eficiência das políticas públicas de segurança, não somente nos países altamente desenvolvimentos, mas também nos emergentes, que é o caso brasileiro, onde até as Forças Armadas, comandadas pelo Exército adentram os morros das habitações populares para coibir o tráfico e as milícias armadas. O Paraná, com efeito, possui um grave déficit nos seus quadros das valorosas Polícias Militar e Civil, há ainda muito a ser feito. Interpretar a Constituição de forma a alargar a competência da não menos valorosa Guarda Municipal é criar novas instâncias de poder, sem qualquer possibilidade de profissionalização e mais uma esfera de baixa ou nenhuma comunicação e planejamento nas políticas de segurança pública, mormente quando o governador e os prefeitos são de partidos diferentes e visões políticas conflitantes.


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Temos a convicção de que o STF não admitirá a referida possibilidade de a guarda municipal lavrar multas de trânsito, até porque a Guarda Municipal carioca é comandada por uma sociedade anônima (Empresa Municipal de Vigilância S.A.), nesse sentido, a banalização do poder de polícia, como ocorria em Curitiba, deve ser coibida, pois está intimamente ligada à questão arrecadatória municipal e não propriamente à preocupação com segurança e bem-estar dos citadinos. Por fim, a Polícia Militar não somente está preparada para multar, mas possui formação completa para atuar na seara do trânsito e segurança. É, com efeito, uma corporação, coordenada e subordinada a valores e políticas legais de atuação e que não diz respeito somente a infrações de parada obrigatória ou em local não regulamentado, mas essencialmente da tarefa ostensiva de proteger os cidadãos. Antes de pensarmos nas Polícias que devem lavrar multas, devemos também pensar nos Professores que queremos e devemos valorizar para ensinarem a ótima convivência em Sociedade, com valores éticos e morais de respeito à dignidade humana. O trânsito neste sentido é apenas um reflexo do ethos de uma sociedade em constante transformação histórica que por vezes pode gerar uma inversão de valores, primeiro a arrecadação, depois a proteção às vidas humanas (DAMMATA, Roberto. Fé em Deus e Pé na Tábua). Aguardemos a decisão do Supremo Tribunal Federal, nessa novela que terá muitos capítulos emocionantes.


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ReferĂŞncias: (1) http://g1.globo.com/parana/noticia/2011/07/curitiba-esexta-capital-mais-violenta-de-pais.html (2) http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetrami tacao?idProposicao=414367 (3) http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituicao.htm (4) http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp? idConteudo=189421 (5) http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcesso Andamento.asp?numero=637539&classe=RE&orig em=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M (6) http://www.denatran.gov.br/ctb.htm (7) http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docT P=TP&docID=1395275&ad=s#2%20-%20VOLUME



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1.15. A segurança e o porte de armas no Brasil. 12 de abril de 2011 Há um falso problema no Brasil, que é o da proibição do porte de armas. Já tivemos um referendum que afastou por completo a proibição das armas no país. A grande maioria da população votou pela liberdade do uso. Contudo, a restrição ao porte permanece para os cidadãos de bem. Isto é uma ilegalidade. O tráfico continua e os únicos que possuem porte são: os membros do Poder Judiciário, Ministério Público, senadores, deputados federais, um restrita parte da elites e os novos megaempresários da segurança pública no Brasil: as empresas de segurança privada e, finalmente, os criminosos, aqueles que sobrevivem do crime. Os cidadãos que trabalham são expressamente proibidos de portar armas de fogo e são potenciais vítimas de quaisquer delinquentes que têm a certeza da ausência de riscos no cometimento do crime. O Brasil possui as mais fortes restrições ao porte de armas - e isto tem endereço certo: o crescimento astronômico nos lucros das empresas de vigilância e segurança. Nossas empresas de armas faliram ou se mudaram para os EUA, como é o caso da Forjas Taurus. As anunciadas novas medidas proibitivas do porte são de caráter eminentemente demagógico e eleitoreiro. Na verdade, temos que liberar o porte de armas, obviamente com critérios, não tão rigorosos que somente os amigos do Rei consigam obtê-lo, mas assegurar que os cidadãos tenham a mínima possibilidade de reação frente aos criminosos. Vive-se a Sociedade do medo.


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Qualquer pessoa pode encomendar armas de grosso calibre, metralhadores, escopetas e fuzis. O mercado paralelo de armas, por conta da proibição, é gigantesco – e diante dessa realidade as autoridades se calam. Curitiba, que é a mais violenta cidade do Sul do Brasil, e Campina Grande do Sul, disputando o posto de mais violenta do Brasil em homicídios, são exemplos marcantes disto. Apesar deste cenário, nenhuma palavra escutamos dos políticos de plantão, que sempre aparecem com os mesmos discursos: vamos lutar por educação, segurança etc… Investimentos sociais são a forma mais sensata para diminuir o problema. Enquanto isso não acontece, padecemos de segurança nas escolas, nas ruas, nas praças, em todos os lugares. A exceção são as ilhas de consumo, os shoppings, que por isso mesmo ficam abarrotados nos feriados e finais de semana.



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1.16. As desventuras jurídicas do Caso Battisti. 2 de janeiro de 2011 Cesare Battisti, italiano refugiado no Brasil desde 2004, recebeu pedido de Extradição do Governo Italiano (Nota Verbal de 21/02/2007) que foi protocolizado sob nº 1085 de 16/12/2009 junto ao Supremo Tribunal Federal. Com passagens na França até 1982, foi para o México e permaneceu até 1990, voltou para França e veio ao Brasil em 2007. Em verdade, o corpo do acórdão do Supremo Tribunal Federal não deixou claro que a decisão é do Presidente, pois: quatro votos foram pela Extradição, um voto pela observância do Tratado e quatro votos pelo caráter discricionário do Presidente da República (item 8, página 3, do Acórdão da Extradição 1085 de 16/12/2009, publicado em 15/04/2010). Contudo, após os debates junto ao Supremo Tribunal Federal esta Corte Constitucional concluiu que a decisão sobre o deferimento da extradição do Supremo Tribunal Federal não vincula o Presidente da República (item VIII do ofício do Relator do STF ao Poder Executivo) e que, portanto, cabe ao Presidente opinar sobre o assunto. Em síntese, a decisão é eminentemente política e de competência do Chefe do Poder Executivo Brasileiro. Entendemos que é do Poder Executivo esta prerrogativa, pois ele pode denunciar, isto é, revogar o Tratado firmado com o país requerente da extradição a qualquer momento e se o fizer, mesmo com uma decisão exarada junto ao Supremo Tribunal Federal, esta perde completamente o objeto, pois se trataria de acórdão sobre tratado revogado pelo Poder Executivo.


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O costume Constitucional brasileiro é pacífico neste sentido. Não se pode desconsiderar que na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal assim que ocorria a declaração de refúgio pelo Poder Executivo, este ordenava o arquivamento do pedido de Extradição. Desta feita, o Caso Battisti mudou esta prática, pois mesmo com a demonstração de deferimento do Refúgio houve a recalcitrância pelo não arquivamento da Extradição e a análise dos seus pressupostos legais. Ao final de muitas discussões os Ministros concluíram pelo envio do pedido ao Presidente para que ele decidisse. Com efeito, a Constituição Federal no seu art. 4º, inciso X, assegura o princípio da concessão de Asilo Político e este é de competência do Presidente. A Advocacia Geral da União exarou o Parecer nº 17/2010 e o Despacho do Advogado Geral da União Substituto (Processo nº 08000.003071/2007-51) que encamparam a tese de que cabe ao Presidente decidir sobre o tema. Alguns setores dos meios jurídicos, porém reverberam que não se poderia refugiar um “assassino” de supostos quatro homicídios na Itália. Contudo, devemos analisar alguns fatos: 1º Os supostos crimes foram cometidos em 1977 e 1979, sob um regime político de duvidosa representação democrática na Itália, cujos processos sequer tiveram o exercício do Direito ao Contraditório e da Ampla Defesa, foram julgamentos à revelia de Battisti; 2º Mesmo que se considere que os crimes foram cometidos, esses o foram por motivação política, o que configura a hipótese de Asilo Político; 3º Configurase claramente o temor de perseguição política atual o que


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inviabiliza a entrega do asilado para o país requerente; 4º assim deve-se distinguir punição de perseguição, neste último caso o asilo é dever do Estado brasileiro; 5º As prescrições pela pena brasileira se consumaram e isto é impeditivo da Extradição, mesmo que os crimes fossem comuns e não políticos; 6º A leitura histórica sobre se o crime foi político ou comum cabe ao Presidente da República na análise de seus pressupostos, e não ao Supremo Tribunal Federal, pois os motivos vinculantes do Ato Administrativo não permitem esta prospecção jurídica; 7º a narrativa histórica da Itália de 1977 e 1979 é controversa mesmo nas visões dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, se Battisti seria um ativista político ou um homicida comum, se é que foi ele o autor dos crimes. Mas como diria o cronista: “a política mudou (…) o delegado geral recebe ordens superiores e manda apurar o caso e entregar os culpados à Justiça” (XAVIER, Valêncio. Crimes à moda antiga. Publifolha, 2004, p. 99), daí a percepção que os ventos políticos podem afetar o juízo de culpabilidade dos chamados crimes políticos. Apesar de tudo isto, há a clara construção pela mídia internacional de uma suposta luta entre o legal e o justo que não é uma invenção dos romancistas e dramaturgos, mas produto da realidade, orquestrada pela informação incompleta dos fatos (GALLARDO, Angel Ossorio y. A Alma de Toga. Coimbra: Coimbra Editora, 1956, p. 16). Neste caso não se pode admitir “il giudice legislatore”(o juiz legislador – in ALPA, Guido. L´Arte di giudicare. Itália, Laterza, 1996, p. 3), pois o juízo de concessão de refúgio é de competência exclusiva do Poder Executivo.


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Em conclusão, o retorno do processo de Extradição ao Supremo Tribunal Federal não pode, de forma alguma, rever a decisão do Chefe do Poder Executivo e a nosso sentir a soltura deveria ser imediata, não fosse talvez o atual Presidente do Supremo Tribunal Federal, o autor do voto contrário à concessão do asilo ao refugiado. Se isto, por hipótese ocorrer, para se demonstrar a prevalência do Poder Executivo, este pode imediatamente denunciar o Tratado com a Itália e daí a decisão do Supremo Tribunal Federal se esvazia por completo, fato que em última ratio comprova a soberania do Poder Executivo nestas hipóteses. Para Cesare Battisti cabe esperar com a fé descrita por Dante Alighieri: “é a fé, em si, substância do desejo e argumento do bem não aparente; e desta forma é que a concebo e vejo (Canto XXIV, 64).

Comentário de Claudio Henrique de Castro no blog do Zé Beto (9 de janeiro de 2011): No Mosca No dia 02 de janeiro deste ano o advogado e professor Claudio Henrique de Castro publicou aqui o artigo “As desventuras jurídicas do Caso Battisti” onde afirmava que o italiano não seria extraditado e ganharia liberdade, como de fato aconteceu ontem com a decisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Confiram: http://jornale.com.br/zebeto/2011/01/02/as-desventurasjuridicas-do-caso-battisti/



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1.17. Considerações preliminares quanto às inovações da Lei Complementar 135/2010 (Lei da Ficha Limpa). 9 de junho de 2010 A Lei Complementar 135/2010 de 04 de junho de 2010, trouxe alterações interessantes quanto à repercussão no julgamento irregular de contas no Tribunal de Contas da União, nos Tribunais de Contas dos Estados e dos Municípios. Outrora, na redação original da Lei 64/1990, previa a alínea g do art. 1º: “g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 5 (cinco) anos seguintes, contados a partir da data da decisão;” Na nova redação dada pela Lei Complementar 135/2010 foram incluídas as contas rejeitadas por irregularidade insanável que configure “ato doloso de improbidade administrativa”:


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“g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;” (grifamos) Ora, a grande parte das contas rejeitadas pelos órgãos de contas, que adentram em novo debate junto ao Poder Judiciário por meio de ações anulatórias, é julgada no sentido de se excluir a conduta dolosa do administrador para entender que não obstante o prejuízo ao erário a atuação do administrador foi apenas culposa e por isso se excluem os efeitos penais da conduta. Outro aspecto importante é a configuração do ato doloso, isto é, aquela conduta que teve a intenção de lesar os cofres públicos, e todo o discurso de despreparo e de desconhecimento contumaz do administrador, isentando-o de controle dos seus subordinados e livrando-o da responsabilização pelos atos dos seus prepostos e subordinados, isto é, secretários, diretores, assessores, mesmo que diretos.


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Antes tarde do que nunca (Last but not least) o § 2° do art. 26-B da nova Lei Complementar determinou o auxílio prioritário dos órgãos de contas à Justiça Eleitoral e ao Ministério Público Eleitoral, fato que altera a conduta outrora não prioritária a este fim: “Art. 26-B O Ministério Público e a Justiça Eleitoral darão prioridade, sobre quaisquer outros, aos processos de desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade até que sejam julgados, ressalvados os de habeas corpus e mandado de segurança. (…) § 2° Além das polícias judiciárias, os órgãos da receita federal, estadual e municipal, os tribunais e órgãos de contas, o Banco Central do Brasil e o Conselho de Controle de Atividade Financeira auxiliarão a Justiça Eleitoral e o Ministério Público Eleitoral na apuração dos delitos eleitorais, com prioridade sobre as suas atribuições regulares.” Em conclusão, de modo muito sintético, a nova lei beneficia a forma culposa da incompetência e do despreparo do administrador e inaugura o requisito do ato doloso de improbidade administrativa nas finanças públicas, tornando mais difícil a composição e forma das listas de inelegíveis para os órgãos de controle das contas públicas. Inaugurou-se uma nova estrada para ações judiciais, liminares e reversões de desaprovações de contas. A redação anterior, sem o requisito do ato doloso de improbidade administrativa surtia muitos mais efeitos na seleção e julgamento de administradores melhor preparados e conscientes dos seus deveres públicos, aves raras na terra brasilis.



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2.1. A recente produção legislativa do Congresso Nacional e o Desenvolvimento do Brasil. 16 de maio de 2012 É de Machado de Assis a expressão “ter o juízo a juros”, que significa que há ausência de amadurecimento para certos momentos da vida, ou de uma inconsequência ou insanidade frequentes. O Congresso Nacional, onde os legisladores brasileiros, representantes dos Estados e da República, se encontram nas terças e quintas-feiras, parecem apreciar o grande literato brasileiro. Vejamos a recente produção legislativa daquela da Casa Alta (Senado) e da Casa Baixa (Câmara dos Deputados) e a preocupação nacional com o preenchimento das homenagens aos Dias do ano: · Institui o Dia Nacional da Silvicultura, · Institui o Dia Nacional do Quilo, · Institui o Dia Nacional dos Direitos Humanos, · Institui o Dia Nacional do Securitário, · Institui o Dia Nacional do Movimento Municipalista Brasileiro, Institui o Dia Nacional do Jogo Limpo · e de Combate ao Doping nos Esportes, · Institui o Dia Nacional de Conscientização e Incentivo ao Diagnóstico Precoce do Retinoblastoma, Institui o Dia Nacional da Advocacia Pública, · Institui o Dia Nacional do Suinocultor, · Institui o Dia Nacional do Artesão, ·


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· Institui o Dia Nacional da Educação Ambiental, · Institui o Dia Nacional do Ouvidor, · Institui o Dia Nacional das Hemoglobinopatias, · Institui o Dia Nacional do Reggae, · Institui o Dia Nacional de Combate

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e Prevenção à Trombose, Institui o Dia Nacional do Paisagista, · Institui o Dia Nacional dos Portadores de Vitiligo, · Institui o Dia Nacional do Turismo, · Institui o Dia Nacional da Música Popular Brasileira, · Institui o Dia do Aniversário do Buda Shakyamuni e o · inclui no Calendário Oficial de Datas e Eventos Brasileiro, · Institui o Dia Nacional do Atleta Paraolímpico, · Institui o Dia Nacional do Maquinista Ferroviário, · Institui o Dia Nacional do Cooperativismo de Crédito, · Denomina Avenida Hamid Afif o trecho urbano da rodovia BR-491 que cruza a cidade de Varginha, no Estado de Minas Gerais, Denomina Ponte Hélio Serejo a ponte sobre o rio Paraná, · localizada na BR-267, na divisa entre os Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, Denomina “Viaduto Professor Geraldo Maurício Lima” · a obra de arte especial localizada no quilômetro 75 mais 650 metros da rodovia BR-153, no Município de Bady Bassitt, Estado de São Paulo, Institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil – · PNPDEC; dispõe sobre o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil – SINPDEC e o Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil – CONPDEC;


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· Institui a Semana Nacional de Controle

e Combate à Leishmaniose, Institui a Semana e o Dia Nacional da Educação Infantil, · Confere ao Município de Maravilha, no Estado de Santa · Catarina, o título de Cidade das Crianças, · Denomina Milton Brandão a rodovia BR-404, que liga a cidade de Piripiri, no Estado do Piauí, à de Icó, no Estado do Ceará. Essas são algumas leis recentes desde a Lei 12.587, de 03/01/2012 à 12.643 de 15/05/2012. Uma campanha para deputado federal pode custar de 2 a 6 milhões de reais. Para senador esses valores se multiplicam. Nosso Congresso Nacional é um dos mais caros do mundo. Está entre os sete mais onerosos dos países desenvolvidos. Quem paga esta conta? Com todo respeito aos dias do ano, suas profissões e personagens homenageados, não é hora de o Congresso Nacional começar a legislar sobre os grandes e importantes temas da agenda do desenvolvimento do Brasil? Notas: http://www4.planalto.gov.br/legislacao/legislacao-1/leisordinarias/legislacao/legislacao-1/leis-ordinarias/2012-leisordinarias#content



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2.2. As novas leis de mobilidade urbana e de prevenção às infrações contra a ordem econômica à luz do transporte nas cidades. 18 de janeiro de 2012 Hoje em Curitiba cada vez mais a tinta amarela é a nova cor da cidade, na beira das calçadas, com o significado de: proibido estacionar. A frota de veículos e a população aumentaram, as ruas ficaram pequenas para o fluxo de pessoas e veículos, perderam-se vagas para estacionar, não há espaço. Alguns “estudiosos” cogitam o pedágio urbano, outra surpresa para o contribuinte brasileiro, o mais exaurido do mundo. O preço da gasolina é alto, apesar de estarmos ao lado de uma grande refinaria do país, na região metropolitana, no Município de Araucária. Os preços são muito parecidos nos postos de gasolina e sobem nas mesmas datas, talvez por mera coincidência. Os valores dos estacionamentos na cidade igualmente causam perplexidade: por hora, até R$15,00 (quinze reais); mensalistas, até R$300,00 (trezentos reais). Igualmente os preços sobem num passe de mágica, todos muito parecidos e também nas mesmas datas e, claro, muito acima dos índices econômicos. A frota de táxis há décadas permanece a mesma, e é preciso se agendar uma corrida com um dia de antecedência. Poucos veículos, muitos motoristas empregados, ou seja, alto preço e baixa eficiência pela frota diminuta. E o metrô? Uma solução que não foi examinada para o transporte urbano foi a do metrô aéreo ou de superfície, pelos custos reduzidos e características do solo da cidade. Isto foi descartado (…). O aeroporto da capital não possui transporte de massa, aliás, como todos os aeroportos brasileiros.


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As bicicletas não possuem estacionamento e nossas “ciclovias” são insuficientes, ou seja, não temos alternativa de transporte de massas, e o veículo movido a pedal tornou-se um lazer dominical da classe média saudável. Os alvarás em muitos casos são indiscriminadamente concedidos, sem análise do fluxo e impacto de trânsito na cidade. Veja-se, por exemplo, a liberação de casas noturnas, bares, e diversos outros estabelecimentos comerciais que enxameiam as vias de bairros outrora residenciais, com intenso movimento de pessoas e veículos, causando uma descontinuidade urbana de consequências ainda não analisadas à luz da cidadania e do direito ao sossego. Em muitas cidades, o veículo tornou-se um luxo de alto custo e o transporte coletivo padece dos mesmos males e todas as capitais enfrentam o dilema do preço da tarifa e os interesses das empresas de transporte coletivo que muitas vezes financiam as campanhas eleitorais municipais. As políticas de Estado, de longo e médio prazos sucumbem frente às políticas de governo, às vezes eleitoreiras e meramente demagógicas de apenas quatro anos, que sempre se destacam no ano eleitoral. A mobilidade e o direito de ir e vir tornaram-se um ato complexo. Espelha-se uma realidade que precisa ser questionada e enfrentada com a combinação das recentes Leis 12.587/2012, que estabeleceu as Políticas de Mobilidade Urbana e a Lei 12.529/2011, especialmente o art. 36, que estabeleceu a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica.



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2.3. O Novo Fundo de Previdência Complementar do Governo Federal: sua sustentabilidade e os efeitos sobre o desenvolvimento. 26 de agosto de 2011 Recentemente o Governo Federal remeteu à Câmara Federal Projeto de Lei (PL 1992/07), que regulamenta os §§ 14, 15 e 16 do art. 40 da Emenda Constitucional 41 de 2003. Passados quatro anos, aprovado ontem na Câmara com um emaranhado de pareceres, o projeto é polêmico e busca transformar em rentável algo que significa alto custo ao erário diante da falta de visão de longo prazo, planejamento e estudos atuariais da previdência dos servidores públicos federais (1). Esta nova mina de ouro exigirá aportes significativos para a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal – FUNPRESP, por parte do governo federal (2). O Ministro da Previdência Social, Garibaldi Alves Filho, mostrou o tamanho da despesa. A previdência do setor público gera um déficit anual de 52 bilhões para 960 mil segurados, e a Previdência do Regime Geral de 24 milhões de segurados gera um déficit de 42 bilhões por ano (3). Este alerta acendeu a luz vermelha, isto significa que a curtíssimo prazo o problema deverá ser resolvido pelo governo da Presidente Dilma (4), com o mínimo de desgastes possíveis pela alta burocracia estatal brasileira.


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O Projeto é ambicioso, numa combinação de critérios de contribuição e aportes ao Fundo vai gerar uma aposentadoria de valores ainda indefinidos; em síntese, o fim da paridade é dado como certa (veja no projeto a forma de cálculo pelo art. 3º, §§ 3º e 5º). A grande jazida financeira serão as instituições contratadas que irão administrar este fundo, autorizadas pela CVM para gerir os recursos e a carteira de valores mobiliários (art. 15) e o mercado de previdências privadas que orbitará em torno deste sistema. O capital inicial do fundo será de 50 milhões, garantido pela União (art. 26). Há a expressa busca ao tratamento isonômico dos trabalhadores do setor público e do setor privado (item 10 do Projeto), equiparando-se plenamente as injustiças e assimetrias do setor privado ao setor público. Transforma tudo em um regime geral, cuja lógica de contribuição não fará jus ao quantum de contribuição de décadas. O setor público responsabiliza-se pelo teto do Regime Geral, e o resto que se acuda no novo FUNPRESP (item 12 do Projeto) ou na previdência privada, esse novo mercado de capitais. Os Estados, Distrito Federal e Municípios poderão aderir ao Fundo, fato que ocorrerá tendo em vista a majoritária falência das previdências estaduais e municipais no Brasil. Especialmente, na última década com a extinção dos fundos municipais que em breve, numa perspectiva atuarial de médio prazo, estarão insolventes.


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Desde a década de 40 que havia uma movimentação pela paridade da aposentadoria do setor público, com o surgimento da classe burocrática brasileira como resultado do processo de industrialização da Era Vargas. O problema começou com a Constituição de 1988 que abrigou milhares de servidores do Regime Geral e concedeu-lhes a estabilidade e paridade, e das aposentadorias dos comissionados que num passe de mágica ganhavam a paridade até o advento do § 13 do art. 40; Emenda Constitucional 20/98. A nossa pirâmide etária na década de 80 nos permitia várias condições especiais de aposentadoria, inclusive do Poder Legislativo e das pensões especiais do Poder Executivo:

(5) O futuro se torna assustador e recomenda investimentos na previdência privada. Veja-se a perspectiva para a década de 2050:


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(6) A questão é o régio histórico de falência de fundos de pensões, gestões duvidosas e fugas com a mala preta: Coroa Brastel, Montepio da Família Militar, Capemi e o próprio Regime Geral, com o estabelecimento do teto remuneratório, duramente criticado pelos aposentados e por vezes questionado nos tribunais. Alguns exemplos recentes da quebra da confiança coletiva, ainda sem punições: Dinero Consultoria que arrecadou 23 milhões e fechou em outubro de 2010; Boi Gordo (R$2,5 bilhões); Gallus (R$200 milhões); Avestruz Master (R$1 bilhão); Agente BR e Firv, que somados provocaram o prejuízo de R$4 bilhões (7).


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A grande questão é saber quais os fundos que poderão resolver o problema previdenciário brasileiro, na medida em que poderá ocorrer uma desnacionalização da poupança nacional. Não se tem a perspectiva de que a oligarquia securitária do Brasil acudirá os servidores públicos. Enquanto os países desenvolvidos cortam gastos públicos e elegem o Estado como o autor de todos os males, a taxação das grandes fortunas e a justiça previdenciária ficam para serem resolvidos em outro momento, não se sabe qual. Suas dívidas internas superam o inimaginável e a marola do mundo altamente industrializado pode se transformar em ciclone. Ao fim, devemos pensar na sustentabilidade dos regimes previdenciários, sem, contudo, esquecermos da riqueza e da justiça social que deles podem ser geradas com os investimentos internos e com uma poupança nacional fortalecida, sem a qual não há desenvolvimento e sustentabilidade financeira. As gerações anteriores não pensaram nisto. É tempo de nós enfrentarmos o futuro!


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Notas: (1) BRASIL. Notícias. Valor. Governo insiste no fundo de previdência complementar para os servidores. Por João Villaverde de Brasília. 22/08/11, A14. (2) http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetrami tacao?idProposicao=366851 (3) http://www.diariodenatal.com.br/2011/08/07/politica1_0.php (4) Palestra do autor: Aposentadorias e Pensões dos Servidores Públicos - sua Sustentabilidade e efeitos sobre o Desenvolvimento, em 07/06/11. (5) Gráficos do IBGE e último Censo. (6) Gráficos do IBGE e último Censo. (7) BRASIL. Notícias. Jornal Valor. Da novela à vida real. Com história de falso fundo de investimento, “Insensato Coração” traz à tona casos de golpes de financeiras que prejudicaram milhares de pessoas e que ficaram sem solução. Por Luciana Monteiro de São Paulo. 01/08/11, D1.



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2.4. Os aeroportos brasileiros na ficção da infraestrutura. 20 de agosto de 2011 O aeroporto de Congonhas, em São Paulo, tem 109 obstáculos para pousos e decolagens, dos quais 54 são edifícios em seu entorno. Eles foram identificados tecnicamente e estão no relatório da CPI do Apagão Aéreo do Senado Federal. O problema, disseminado no país, ganhou ainda mais repercussão em recente reportagem do programa Fantástico, da Rede Globo, onde foir realizada uma enquete com 20 pilotos das grandes empresas aéreas brasileiras. Os aeroportos mais perigosos do Brasil são: Congonhas (SP), Ilhéus (BA) e Vitória (ES),(1) sem nunca esquecer a saturação do aeroporto de Guarulhos (SP). No Paraná, sabe-se agora que haverá uma incorporação de 300 táxis ao serviço de passageiros do Aeroporto Internacional Afonso Pena, na Grande Curitiba. Nos que circulam atualmente, além do problema dos motores cansados, não há padrão de conforto pois os espaços são reduzidos pela quantidade de bagagem. Nenhum aeroporto brasileiro possui transporte de massa nos seus arredores. Em Salvador (Bahia) o preço da corrida de táxi até o centro da capital varia de R$ 80 a R$120, dependendo do jeito do freguês, seu idioma, roupas e da forma de abordagem. De Guarulhos ao centro de São Paulo, de madrugada, o táxi pode alcançar a velocidade de 130 km/ hora, de acordo com a pressa do passageiro.


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O total de fingers (desembarque dos aviões) de todos os aeroportos brasileiros é igual a número de fingers de um grande aeroporto de cidade da Europa. As decolagens e aterrissagens nos EUA são simultâneas. Nosso sistema está defasado, e isso se expande com o crescimento vertiginoso do número de passageiros. A chamada Classe C chegou ao paraíso. Buenos Aires e Miami, os novos Paraguais, que o digam. E o que presenciamos agora? A divulgação de que um novo milagre vai acontecer: em dois anos o Brasil vai atualizar uma defasagem de seis décadas na infraestrutura dos aeroporotos. Promete-se que tudo estará em ordem para a Copa do Mundo de Futebol a ser realizada em 2014. Mais fácil é a própria seleção ganhar o caneco, mesmo sendo recordista mundial em perda de pênaltis numa disputa oficial e até agora estar patinando e dando vexame diante de seleções consideradas fortes. Colocar os aeroportos em ordem para atender a demanda, que vai crescer muito, é algo tão verossímel quanto a Presidente Dilma governar sem barganhar com parte da base aliada, aquela, acostumada ao desvio rotineiro de milhões na gestão dos Ministérios, essas Esfinges misteriosas. Há ainda mais obstáculos e dúvidas: A plutocracia brasileira irá permitir que tenhamos a infraestrutura que o país necessita? Mais: Se isso acontecer, qual será o preço desta fatura? Em recene capítulo da novela Insensato Coração, onde até a vilã Norma pode ressuscitar, numa cena de aeroporto vimos o que merecemos: nada de filas, voos sem atrasos, tudo muito ágil. Afinal, quando a ficção se transformará em realidade?


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Nota: (1) BRASIL. Senado Federal. Relatório final da CPI do o Apagão Aéreo (criado por meio do requerimento 401/2007 SF. Presidente em Exercício: Senador Renato Casagrande, Relator do Vencido: Senador João Pedro, Brasília, outubro/2007. 2156p, p 107 no site: http://www.senado. gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=56362&tp=1,



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2.5. A invasão de privacidade e a necessária plataforma tecnológica de infraestrutura para resguardar os direitos dos Cidadãos e do Estado. 18 de junho de 2011 Recentemente a Google Street View (ramo que mapeia as cidades em 360º graus) passou por vários países e responde por graves acusações de invasão de privacidade, pela coleta de fragmentos de buscas e correios eletrônicos. No Brasil, porém, voo em céu de brigadeiro. Nenhuma discussão ou polêmica. Apenas um grupo acadêmico da Universidade Estadual do Ceará publicou um artigo intitulado “Os impactos de privacidade em redes wi-fi e implicações penais no Brasil do caso Google Street View”, apresentado num Congresso em Fortaleza no dia 29/05 (Folha SP. 04/05/11, F7). A verdade é que há toda uma catalogação de perfil e de consumo que visa atender aos mercados globais e, muitas vezes, a invasão de dados e privacidade atende a estes megainteresses internacionais. Atentem para a gravidade que este tipo de investida pode causar às populações e aos cidadãos com a consequente banalização do Direito à Intimidade, do Direito ao Recato e do Direito ao Sigilo Pessoal. É preciso muita atenção. Estamos falando de todos os tipos de dados, correios eletrônicos pessoais, informações bancárias, dados contábeis, sigilos industriais e sigilos de Estado, da defesa nacional, de investigações em curso, de estratégias de marketing, de lançamento de produtos, dos modos de fabricação e das investidas de mercado.


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Não bastasse esta real ameaça, repudiada veementemente pelo chamado mundo desenvolvido, (v.g. Alemanha), o Brasil não possui ainda uma regulação da internet, mas apenas protocolos – e nem os mecanismos legais de funcionamento. Tudo sempre envolto na capa e sob o manto protetor da liberdade de expressão e da democracia, que quase sempre extravasa os limites e os parâmetros do razoável. O que se verifica é o surgimento de uma sociedade punitiva que fiscaliza, invade a intimidade dos cidadãos e os classifica segundo suas ocupações, preferências pessoais e tendências de consumo. O segredo, outrora conhecimento de poucos, torna- se privilégio de muitos, do Estado e das organizações privadas sem fins definidos. O art. 5º da Constituição Federal e os seus incisos X, XI e XII devem ser lembrados: “X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; XII -é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; (Vide Lei 9.296, de 1996)”.


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Com efeito, devemos construir uma democracia que não permita de forma alguma os abusos e o flagrante desrespeito aos cidadãos, principalmente no que tange ao direito à intimidade. Até ontem o Big Brother era apenas um programa de televisão cujos participantes entravam por livre e espontânea vontade - e não toda a população brasileira e os interesses nacionais. O Direito fundamental da privacidade não prescinde do avanço tecnológico necessário para resguardá-lo. Esta defesa e proteção devem ser providenciadas e desenvolvidas por algo que ainda é incipiente em termos tecnológicos e da internet, ou seja, uma plataforma tecnológica de segurança social e estatal. A combinação disto com criptografia e base de dados ainda engatinha no Brasil, e sua regulamentação legal está numa lacuna sem precedentes no Brasil, cujo Legislativo se preocupa na maioria dos casos com a distribuição de cargos e recursos, dos títulos honoríficos e nomes de avenidas. Neste interregno tecnológico, os cidadãos, as empresas e o Estado ficam sem proteção ou resguardo de seus sigilos pessoais, comerciais, industriais e dos segredos de Estado, o que é inconcebível.



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3.1. A imposição legal de câmeras em bares e casas noturnas em Curitiba e os acidentes de trânsito. 9 de agosto de 2012 Recentemente a Câmara Municipal produziu um projeto de lei que obriga o uso de câmeras nos estabelecimentos noturnos e bares com mais de cem lugares, em Curitiba. Esta medida faz lembrar de como os países desenvolvidos tratam a prevenção do acidentes de trânsito causados pela embriaguez de condutores saídos de casas noturnas e bares. Em verdade, entendem as legislações de alguns países desenvolvidos que há uma relação de causa e efeito (nexo causal) entre a conduta dos proprietários dos bares e casas noturnas e os clientes que se alcoolizam nos seus estabelecimentos; assim se tem a obrigação dos proprietários dos estabelecimentos de assegurem a volta dos clientes para as suas casas. Estão incluídas no preço as despesas com o táxi e de outro motorista para conduzir o veículo do cliente impossibilitado de dirigir. No Japão a multa pode passar de um milhão de reais e ocasiona o fechamento do negócio em caso de reincidência. O projeto de lei tem por objetivo proteger os clientes das casas noturnas e bares da violência de seguranças, cujas denúncias e fatos recentes demonstram uma crua realidade, e ainda coibir atos de violência entre os frequentadores. Contudo, se poderia avançar no sentido de refletirmos sobre o momento posterior à confraternização, isto é, da volta para as casas ou outro destino mais emocionante.


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A questão fundamental é a de que as pessoas que ingeriram bebidas com algum teor alcoólico expõem a perigo suas próprias vidas e a de seus semelhantes trafegando pelas vias na madrugada adentro até o início das manhãs do dia seguinte. No caso de Curitiba, seguramente, o material das filmagens servirá para os casos em que se comprovem condutores alcoolizados causadores de acidentes, egressos de casas noturnas e bares. Na verdade, a intimidade e a vida privada das pessoas estão cada vez mais devassadas, e as razões que fundamentam tais invasões se relacionam diretamente com a segurança. Na sociedade vigiada, o excesso de medo produz o excesso de controle; neste cenário a intimidade e a vida privada cedem à segurança. Quando afinal poderemos viver livremente? Afinal, estamos no surgimento dum admirável mundo novo no qual tudo é monitorado com câmeras, nas ruas, nos bares, nos muros das casas, nos condomínios, e assim a intimidade e a vida privada se tornam essencialmente públicas. Uma sociedade irresponsável que incentiva os jovens, por meio de propagandas, à ingestão de bebidas alcoólicas, “com moderação”, não pode se dar o luxo de viver reservadamente. Notas: http://www.cmc.pr.gov.br/ass_det.php?not=18749 SALOMÃO, Paulo César. O confronto entre direito à intimidade e à informação. Faculdade de Direito de Coimbra, 2005.



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3.2. É possível reduzir os acidentes envolvendo motociclistas no trânsito do Brasil? 12 de maio de 2012 O crescimento das mortes de motociclistas no trânsito brasileiro é alarmante. De quem é a culpa? O que pode ser feito? A sociedade pode reagir a tudo isto? Primeiramente devemos entender que os motociclistas ainda possuem um código de trânsito paralelo, com regras próprias, o que a legislação proíbe se faz, descumpre-se o Código na prática, ou melhor, obedece-se ao código plural: “Pode, mas é proibido; faça, mas não pode.” Para se alterar este código extralegal e costumeiro são necessárias medidas como aumento do rigor na habilitação (hoje se treina para fazer o teste da habilitação e não propriamente conduzir o veículo), adotar o uso de simuladores, promover campanhas educativas e essencialmente uma fiscalização atuante. A frota de motos de 1998 a 2008 cresceu 368%. As mortes de motociclistas aumentaram 505%. Cogitase a criação de corredores exclusivos ou motofaixas. A experiência de São Paulo, contudo, comprova que isto não reduz as mortes, pois a maior causa dos acidentes seriam as conversões proibidas. Essa proibição era prevista no projeto de Código de Trânsito de 1997, mas foi vetada pelo então presidente FHC, pois seria muito impopular e lhe tiraria votos.


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De quem é a culpa afinal? Dos motociclistas pela imprudência, negligência ou imperícia, ou do Poder Público, pela omissão na formulação de políticas urbanas que minimizem os acidentes de trânsito, tais como otimizar o transporte coletivo? Na prática os dois são culpados, mas essencialmente cabe ao Poder Público mudar esse ônus. A razão fundamental seria a pressa dos motociclistas, somada ao aspecto cultural da emoção que a velocidade causa nos usuários, cujo perfil é formado basicamente por jovens. Outra causa maior seria o predomínio dos carros no Brasil em detrimento aos outros meios de transporte: coletivos, bicicletas e… motos. A indústria das mortes de motoboys e entregadores de alimentos no Brasil é um forte alimentador das estatísticas, pois a pressa e agilidade das entregas e o interesse econômico se sobrepõem às regras de trânsito. Morrem 23 (vinte e três) motociclistas desta categoria por dia, numa média de uma morte por hora, ou seja, o Brasil tem essa nova forma de “epidemia”. Pesquisas recentes realizadas na capital de São Paulo revelam que o custo médio por acidente de trânsito onera os cofres SUS do em R$ 35 mil (trinta e cinco mil reais) para tratamento dos feridos em acidentes de trânsito. Isto é: saem dos cofres públicos abastecidos pelos contribuintes. Dados oficiais informam que há uma conta anual de 187 milhões no total (2010), sendo R$ 85 milhões com os acidentes envolvendo motociclistas.


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Levantamento de mortes no local do acidente em São Paulo demonstram: primeiro morrem os pedestres, depois os motociclistas; em seguida, passageiros e condutores de veículos, por fim, os ciclistas. Os dias em que ocorrem mais acidentes são os sábados, as sextas e quartas-feiras. Durante o ano, o mês em que mais ocorrem acidentes é outubro. No clima o dia é bom, a via arterial, a mão dupla, em geral os veículos são novos (até cinco anos), veículos pequenos. Condutores homens são os que mais morrem, com idade de 20 a 29 anos. São estatísticas das tragédias anunciadas, pois sempre se repetem. Quanto aos mortos o que mais os vitima são as colisões laterais, em meio da quadra. Em primeiro lugar estão as ações imprudentes de andar no corredor; desrespeitar o sinal vermelho e o excesso de velocidade (nessa ordem). Os dias de semana em que mais se acidentam os motociclistas são as quintas, sextas e sábados, justamente dias de entregas de alimentos mais frequentes. Em cilindradas morrem mais os condutores de 125 cc seguidos das 150cc. A idade de 20 a 24 anos, seguidos de 25 a 29 anos. Média: 28 anos. É essencial o mapeamento e o geoprocessamento dos locais onde ocorrem mais acidentes. A partir daí os engenheiros de trânsito e autoridades devem partir para a formulação das soluções, assim como se deve ter em vista o histórico dos acidentes e suas prováveis causas. Sobre estas informações e causas podemos perguntar: que os órgãos de trânsito, os governos federal, estaduais e municipais têm feito efetivamente para a redução das mortes de motociclistas? Não será a maior preocupação a arrecadação, que concentra bilhões nas mãos de fundos de trânsito no Brasil e na qual a arrecadação das multas é a preocupação principal?


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É chegada a hora das profundas mudanças sociais no trânsito. O número de mortes dos trabalhadores motociclistas precisa ser reduzido drasticamente. Segundo dados da ONU, o trânsito pode matar mais de 10 milhões de pessoas até 2020. E o que o Estado brasileiro, União, Estados e Municípios, estão fazendo de concreto e objetivo, em termos da implantação de políticas de trânsito e cumprimento da legislação existente para reduzir sua parcela nesta projeção? Ou será que a sanha de arrecadar é que sempre prevalece? O uso dos Detrans para fazer caixa e o aumento da aplicação e arrecadação das multas para engordar os cofres municipais? Outro tema ainda pouco debatido é a generalização da impunidade no trânsito no Brasil em virtude dos mecanismos legais e da prescrição penal. O rigor na legislação e sua aplicação em países desenvolvidos, como a Austrália, resultou na drástica redução dos acidentes. Por que não se espelhar nestes exemplos concretos? No nosso país há preocupação em extinguir a indústria da impunidade no trânsito? Onde estão os mapeamentos e estatísticas das mortes dos acidentes de trânsito nas cidades e quais as políticas reais, e não demagógicas, que estão se fazendo para se evitarem os acidentes? Para concluir: precisamos de vontade política combinada às ações efetivas de Estado e, sobretudo a conscientização da sociedade, de que é chegada a hora de mudarmos profundamente este cenário.


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Notas: (http://www.cetsp.com.br/media/56546/bt42%20invetigacao %20de%20acidentes%20de%20transito%20fatais.pdf) (http://www.bhtrans.pbh.gov.br/portal/page/portal/ portalpublicodl/Tr%C3%A2nsito/Seguran%C3%A7a/galeria_ vida_no_transito/BH_Encontro%20TCC_PLANO%20DA%20 D%C3%89CADA%20DE%20SEGURAN%C3%87A%20 VI%C3%81RIA_30%2009%202011.pdf) (http://www.cetsp.com.br/media/56546/bt42%20invetigacao %20de%20acidentes%20de%20transito%20fatais.pdf) (http://www.bhtrans.pbh.gov.br/portal/page/portal/ portalpublicodl/Tr%C3%A2nsito/Seguran%C3%A7a/galeria_ vida_no_transito/BH_Encontro%20TCC_PLANO%20DA%20 D%C3%89CADA%20DE%20SEGURAN%C3%87A%20 VI%C3%81RIA_30%2009%202011.pdf)



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3.3. A grande contribuição do STJ para a cultura da impunidade que reina no Brasil. 30 de março de 2012 1. A decisão do Superior Tribunal de Justiça – juridiquês Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça, por meio da 3ª Seção, decidiu que somente com exame de bafômetro ou exame de sangue pode produzir prova suficiente para atestar que o motorista estava em estado de embriaguez. Muito bem! Ninguém pode produzir prova contra si mesmo, conforme o princípio latino: “Nemo tenetur se ipsum detegere”, inscrito no art. 5º inciso LXIII da Constituição Federal, no qual o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, que assegura ao acusado o privilégio contra a auto-incriminação. Trocando em miúdos: ninguém é obrigado a autoincriminar-se, ou produzir prova contra si mesmo. Assim, o acusado pode recusar-se a soprar o bafômetro ou a autorizar a coleta do seu sangue. Assunto interessante é quando a vítima é atropelada e falece e se esse direito permaneceria em relação ao cadáver, caso a família não autorizasse, se é que é consultada, sobre a coleta do sangue para a análise da alcoolemia no sangue e eventual decretação de culpa exclusiva da vítima no evento.


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A notícia dá conta que, “De acordo com a maioria dos ministros, a Lei Seca trouxe critério objetivo para a caracterização do crime de embriaguez, tipificado pelo artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). É necessária a comprovação de que o motorista esteja dirigindo sob influência de pelo menos seis decigramas de álcool por litro de sangue. Esse valor pode ser atestado somente pelo exame de sangue ou pelo teste do bafômetro, segundo definição do Decreto 6.488/08, que disciplinou a margem de tolerância de álcool nosangue e a equivalência entre os dois testes.” 2. Os dados estatísticos Em 2011, no Brasil, 57 mil pessoas morreram em acidentes de trânsito. Aos custos sociais desta tragédia se somam anualmente 300 mil que são acidentados e hospitalizados. Isto representa R$ 5,3 bilhões de gastos relacionados aos acidentes de trânsito em grandes metrópoles (IPEA/ANTP, 2003). É, aproximadamente, 0,4% do PIB do país. Deste contingente, 100 mil ingressam no exército de inválidos. Com efeito, 42,8% são referentes à perda de produção associada à morte precoce das pessoas ou à interrupção temporária de suas atividades; 13,3% são referentes a custos médicos e 28,8%, a custos de reparação dos veículos acidentados. A cidade de Porto Alegre (RS) tem um custo anual de 67 milhões ao ano (2008), valor de que podemos aproximar à realidade curitibana e à das principais cidades brasileiras.


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3. No imaginário popular A decisão do nosso Superior Tribunal de Justiça, infelizmente, é uma grande contribuição para a cultura da impunidade que reina no Brasil. Esta decisão não considerou tecnicamente os princípios constitucionais da ponderação de valores e embarcou de forma titubeante e sem medir as consequências numa interpretação literal, de estrita legalidade, aquela que os conhecedores do Direito, a chamada doutrina, abominam. São exemplos desta interpretação: 1) na estação de trem russa há uma placa de proibição de cães nos trens e aparece um russo com um urso amestrado, com coleira e focinheira e exclama: “Proibido cães, não ursos”. 2) Ou ainda, do guarda municipal bisonho que ao se deparar com uma ambulância em socorro a um visitante cardíaco no parque a proíbe de entrar no local pois não se pode “pisar na grama” ou “adentrar com veículos no parque.” Nossa cidade, Curitiba, é a capital brasileira na qual a lei seca “não pegou” , já que tradicional e praticamente não se fazem blitzes contra a alcoolemia, e tradicionalmente graves acidentes ocorrem nas madrugadaa das quintas aos domingos. Aliás, no Brasil, tem disto: algumas leis “pegam”, outras não. Em São Paulo, Rio de Janeiro e outras capitais em que a lei “pegou”, a partir da decisão do STJ vai aumentar a dificuldade nas blitzes e, com certeza, a lei volte a “não pegar”.


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4. O que é trânsito no Brasil No Brasil trânsito é sinônimo de poder (Damatta). Quem pode mais chora menos. As regras não são igualitárias, e, neste emaranhado, há várias indústrias rentáveis: de equipamentos, de semáforos, de radares, de kits de primeiros socorros, de licenciamentos, de tributação pelo Estado, dos pedágios etc. Os eventos no trânsito são considerados “naturais”: as mortes, a bebedeira, a saída do restaurante um “pouco alto”, os bairros gastronômicos e a balada, o “esquenta” no posto de gasolina – e a legislação, que sempre é insuficiente, tecnicamente precária e inaplicável, resulta na impunidade. Em síntese: ainda não temos democracia no trânsito. 5. A esperança é a última que morre A última instância é o Supremo Tribunal Federal, e temos esperança de que a decisão do Superior Tribunal de Justiça (o Tribunal da Cidadania!) seja fulminada e absolutamente reformada pelo Supremo Tribunal Federal. Ou ainda, esperança de que nossos congressistas produzam leis aplicáveis e essencialmente democráticas neste tema tão menosprezado pela legislação. Esqueçamos que nossos parlamentares são, na sua maioria, donos de veículos de comunicação, aqueles que lucram milhões com as propagandas de bebidas alcóolicas no Brasil e que associam as bebidas com tudo que nossa tropicalidade pode nos ofecerer. Enquanto há vida, há esperança (Dum vita est, spes est).


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Notas: BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. http://www.stj.gov. br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp. texto=105218 DAMATTA, Roberto. Fé em Deus e pé na tábua. LESSA, Carlos. O Vietnã Tupiniquim. In Valor Econômico, 01/02/;2012. SABINO da Silva Porto Júnior, Daniela Goya Tochetto, Tanara Rosângela Vieira Sousa,Esmeralda Correa, Marianne Stampe. Impacto econômico dos acidentes de trânsitorelacionados ao uso de substâncias psicoativas. In: http://www.obid.senad. gov.br/F8C85FCC-DE1A-4084-ADBD-2E2A5B8BC83C/ FinalDownload/DownloadId-884E681D981B95D42407ACC7 347C9C27/F8C85FCC-DE1A-4084-ADBD-2E2A5B8BC83C/ portais/OBID/biblioteca/documentos/Publicacoes/328032.pdf TANARA Rosângela Vieira Sousa, Esmeralda Correa, Marianne Zwilling Stampe, Sabino daSilva Pôrto Junior, Raquel De Boni. Custos dos acidentes de trânsito com vítimas associadosao uso de álcool em Porto Alegre. In: http://www.ufrgs.br/F8C85FCCDE1A-4084-ADBD-2E2A5B8BC83C/FinalDownload/ DownloadId-0E5105B0E273E914EF22CBF371AA54A3/ F8C85FCC-DE1A-4084-ADBD-2E2A5B8BC83C/ppge/ divulgacao/cap14-livro-nepta.pdf



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3.4. Locatário também paga por multas de trânsito*. 2011 Velocidade até 20% acima da máxima permitida, estacionamento em desacordo com a regulamentação e avançar o sinal vermelho são as principais infrações cometidas pelos motoristas paranaenses segundo o Departamento de Trânsito do Paraná (Detran/PR). De janeiro a novembro de 2011, foram aplicados mais de 2,2 milhões de multas em todo o Estado. A cidade campeã no ranking da irresponsabilidade ao volante é Curitiba, com 851.702 penalidades, seguida por Maringá (170.838), Cascavel (136.672), Londrina (124.178) e Ponta Grossa (103.236). O Município de Doutor Ulysses, a 130 km da Capital, teve o menor número de penalidades, com apenas cinco ocorrências. Dirigir alcoolizado ou sob influência de entorpecentes, uma das maiores causas de acidentes com mortos e feridos, também figura no topo da lista, com 9.048 infrações no período apurado pelo Detran/ PR. Conforme salienta o advogado, professor de Direito e integrante da Comissão de Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seção Paraná, Claudio Henrique de Castro, o custo social dos acidentes de trânsito é suportado por toda a sociedade, motoristas, pedestres e contribuintes.


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Entre estas milhares de infrações, estão as provocadas por pessoas que dirigem automóveis alugados. As empresas de locação possuem uma frota de mais de 420 mil veículos circulando pelo país. Por conta do giro entre clientes, estes veículos recebem, em média, duas multas por mês, o que resulta em um volume anual de aproximadamente 10 milhões de infrações. É através do contrato de locação que a empresa realiza a identificação do condutor, seja ele um cliente eventual, que alugou um veículo por poucos dias, ou no caso de frotas terceirizadas. “A comprovação do contrato de locação, assinado em todas as vias e com termo expresso de responsabilidade, de preferência com cópias da habilitação, CPF, RG e comprovante de endereço, são os documentos relevantes para determinar que naquele período o veículo estava em posse do condutor e, portanto, caberia a ele a responsabilização da multa”, explica Castro. Conforme explica o advogado, ao locatário cabem as mesmas penalidades impostas ao condutor e ao proprietário do veículo, descritas nos artigos 162 e 163 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Na verdade o próprio CTB, em seu artigo 257, obriga as pessoas jurídicas a realizarem a identificação do condutor, a fim de evitar o aumento da impunidade, garantindo ao cidadão o direito a um trânsito seguro. E, caso a empresa não identifique o infrator, ela será autuada. Aliás, esta é a sexta maior causa de multas no Paraná, com 113.954 ocorrências registradas pelo Detran/PR.


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Caso não seja imediata a identificação do infrator, o parágrafo 7º do artigo 257 do CTB concede ao proprietário do veículo 15 dias de prazo, após a notificação da autuação, para a apresentação do motorista. Sendo assim, as locadoras possuem dois bons motivos para não deixar de cobrar a conta deixada para trás pelos clientes. No entanto, o especialista em trânsito alerta que, a partir de 1º de julho deste ano, os donos de veículos que precisarem transferir pontos de multas por infrações cometidas por outra pessoa terão de reconhecer firma em cartório para legalizar a transferência. É o que determina a Resolução 363/10 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran). Até lá, basta apenas preencher um formulário que vem junto à notificação de multa, apresentar cópia do contrato de locação e incluir uma cópia da CNH do condutor que assumiu a infração para realizar a mudança. Mais uma alternativa será condutor e proprietário do veículo comparecerem, juntos, ao órgão de trânsito autuador para o reconhecimento de firma e preenchimento do formulário de transferência dos pontos. E na impossibilidade de coleta de assinatura do condutor, a resolução previu a substituição da assinatura por uma cópia do documento onde conste cláusula de responsabilidade por infrações cometidas pelo condutor. Dessa forma, por mais burocrático que o processo de transferência de pontos tenha se transformado, os locatários devem evitar cometer infrações, pois respondem plenamente pelas consequências de seus atos no trânsito. *Notícia Jornalística



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3.5. Estádio, estrada e uma morte que poderia ser evitada. 2 de fevereiro de 2012 Um torcedor de 21 anos morreu ontem atropelado na saída do Ecoestádio Janguito Malucelli, depois da partida entre Atlético Paranaense e Roma. Em agosto de 2005 o advogado Claudio Henrique de Castro, colaborador deste blog, denunciou em palestra proferida na Universidade Tuiuti do Paraná, durante a Semana Acadêmica, a situação perigosa e inapropriada do estádio às margens da rodovia BR 277, bem como as irregularidades e omissões na sinalização e ausência de passarelas justamente no trecho em que o jovem torcedor morreu. As considerações foram enviadas para a prefeitura. “Neste episódio da morte do torcedor houve uma flagrante e gravíssima omissão da SETRAN/Curitiba e da concessionária da rodovia. Até quando vamos ouvir discursos bem elaborados, mas, na prática não muda nada e continua a opressão aos pedestres na cidade?” Comentário de Claudio Henrique de Castro no blog do Zé Beto (03 de fevereiro de 2012): Quousque tandem URBS/Setran abutere patientia nostra? (Até quando URBS/Setran abusarão da nossa paciência?) Adendo à palestra proferida em agosto de 2005 na UTP:


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Vamos fazer do trânsito o respeito essencialmente pela VIDA e não das desculpas jurídicas esfarrapadas e do discurso fácil e vazio de responsabilidades? De quem é a competência do entorno e do intenso tráfego de pedestres e veículos? Município; De quem é a competência do Parque Barigui que ficou como o estacionamento do “estádio”? Município; De quem é a competência da liberação do alvará? Município; De quem é a competência para a liberação das construções no entorno e os consequentes equipamentos urbanos? Município; De quem é a competência da administração da vias marginais à BR e do “calçamento” e vias de fugas e vicinais? Município; De quem é competência para nos dias de feiras organizar e MULTAR no trânsito na via (inclusive na entrada que também seria de competência da PRF) e que sempre foi feita pela URBS/Diretran que foi parcialmente substituída pela Setran, mas que continua administrando os vultosos recursos de forma privada e esta última que “herdou” ilegal e vergonhosamente mais de 400 servidores celetistas? Município; Que tal as preocupações voltarem-se para a VIDA e não para a ARRECADAÇÃO? Tanto que a RECOMENDAÇÃO do DER e da PRF é de se fazerem convênios com os MUNICÍPIOS nos TRECHOS URBANOS! E SE ALI NÃO É UM TRECHO URBANO ONDE SERIA?


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Outro gravíssimo fato é a omissão da Concessionária que se farta de recursos públicos, pois é uma concessão e foi flagrantemente negligente. Quando vai cortar capim na beira da estrada, coloca cones, sinalizações e homens sinalizando a operação, mas quando se trata de vidas… Quando se fala em multas, rapidamente fazem-se convênios para multar. Quando se fala em responsabilidades, a exemplo de dezenas de artigos do CBT (21 etc…) e da CF, e na morte de um jovem inocente e que isto foi previsto e avisado há 6 anos atrás, e não é o primeiro acidente neste trecho, lá vêm os discursos vazios e despidos de sensibilidade: o velho jogo do empurra. Vamos fazer o seguinte: admitir os erros e evitar de forma profissional e competente fatos como os que ocorreram. Será que um estádio à beira da BR é possível urbanística e juridicamente falando? Há estrutura que comporte o fluxo de milhares de pessoas no outro lado da via? Por acaso o único engenheiro de tráfego de Detran pode se manifestar neste caso? Por acaso há alguém no município capaz de fazer um estudo sério a respeito disto e não o trololó vazio de sempre? Obrigado a todos pelos comentários deste blog da cidadania curitibana.



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3.6. A obrigatoriedade de sinalização no uso de equipamentos de monitoramento de velocidade e a Resolução 396 do Contran. 26 de dezembro de 2011 O Contran é um órgão com mais poderes do que os do Congresso Nacional e não é incomum extrapolar suas funções de disciplinar o trânsito no Brasil. Mas a edição da Resolução 396/2011 no dia 13/12/2011 foi muito oportuna, de excelente redação e bastante coerente com a necessidade de disciplinar o uso e a implantação de equipamentos de monitoramento. O anúncio dos jornais de que não é necessária mais a implantação de placas que avisem os motoristas dos equipamentos na via não encontra respaldo na própria Resolução e no CTB. O único dispositivo que discorre a respeito da ausência da sinalização é o art. 7º que excetua a sinalização, mas dispõe que “a operação deverá estar visível aos condutores”. A resolução é ótima, pois disciplina definitivamente a implantação dos equipamentos em termos técnicos, com laudos específicos que levam em conta o número de acidentes na via e seu posterior monitoramento, retirando o caráter meramente arrecadatório que, por vezes, impera nesta seara. Ponto de destaque é a necessária diferença de velocidades para veículos leves e pesados, no mesmo trecho da via (anexo V). No tema da obrigatoriedade da sinalização, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:


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“AgRg no REsp 934516 / RJ 2007/0055598-0 Relator(a) Ministro JOSÉ DELGADO – PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 27/05/2008 DJe 23/06/2008 Parte da Ementa: ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. MULTAS DE TRÂNSITO. CANCELAMENTO. PLACAS DE SINALIZAÇÃO INEFICAZES. DEVER DO PODER PÚBLICO NA CONSERVAÇÃO DA SINALIZAÇÃO. (…)” Com efeito, o CTB (Código de Trânsito Brasileiro) tem a prevenção como uma finalidade essencial de trânsito; em nada adianta a multa depois de um acidente. Igualmente não é verdadeira a afirmação de que os equipamentos irão resolver os problemas da “epidemia de mortes no trânsito no Brasil”. Há diversos outros pontos, além da imprudência veicular como a causa dos acidentes. Tecnicamente, os radares móveis ou portáteis seriam muito mais eficientes pela mobilidade de atuação e a presença humana da polícia para revenir a continuidade e a repetição, em escala, da imprudência nas vias, retirando-se a sensação de impunidade fora dos trechos fixos monitorados. O primeiro ponto fundamental, segundo estatísticas recentes, é a severa fiscalização da bebida alcoólica combinada com a condução veicular e, a nosso sentir, o fim das propagandas de bebidas a exemplo da indústria dos cigarros. Outro aspecto é a implantação da educação no trânsito, em todos os níveis educacionais até o terceiro grau, com a mudança de mentalidade dos condutores brasileiros numa nova ética que valorize a vida e a segurança de pedestres e passageiros. Falar de trânsito é falar, essencialmente, de direitos humanos.


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Outra tarefa legislativa e dos tribunais é a superação da perversa e generalizada impunidade que vigora no Direito brasileiro, na seara dos delitos de trânsito, nutrida essencialmente pela prescrição penal. Há de se considerar também o estado físico das vias urbanas, rurais e das estradas estaduais e federais que, muitas vezes, por falhas técnicas e pelo esgotamento de infraestrutura viária possibilitam os acidentes. A solução para o transporte brasileiro certamente está nas aerovias, ferrovias e hidrovias, assunto pouco relacionado nas discussões do trânsito e que encontra sua justificativa na redução dos altos custos sociais envolvidos no transporte rodoviário. Finalmente, a unificação das polícias (guardas municipais, polícia civil, militar, rodoviária e federal) fazse necessária na agenda da segurança pública brasileira, numa visão de que somente a polícia profissionalizada, bem remunerada e com alta qualificação pode exercer suas funções de investigação, prevenção e fiscalização. Resolução 396: http://www.denatran.gov.br/download/Resolucoes/ RESOLUCAO_CONTRAN_396_11.pdf



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3.7. O EstaR é legal? 28 de novembro de 2011 O chamado Estacionamento Regulamentado surgiu em Curitiba na década de 70 na Boca Maldita. Na época, era com correntes em volta do veículo e se iniciou com uma única e singela vaga. O tempo passou, e ele se espalhou pelas cidades, num rendoso comércio da coisa pública, onde as vagas das vias são remuneradas pelos proprietários dos veículos que as utilizam, com o fundamento e a desculpa conveniente da “rotatividade”. Pelo Brasil surgiram as zonas azul, amarela, verde e das cores que o administrador público tenha a criatividade para criar termos para onerar desmedidamente os cidadãos. A necessidade da “rotatividade dos veículos” é interessante e necessária, pois alguns podem ter o privilégio de estacionarem da manhã ao entardecer, fato que retira o direito de as pessoas poderem se utilizar das vagas, que devem ser de todos. Ocorre que pagar pela vaga do veículo é deslavadamente inconstitucional, ainda mais em Curitiba onde quem cobra é um empresa privada que não possui poder de polícia por expressa e recente decisão judicial, nem, muito menos, recolhe ISS ou indeniza as avarias ou furtos dos veículos estacionados no sistema. Em síntese, transformam-se bloquinhos de papel em maços de dinheiro, com o argumento da rotatividade. Curitiba possui mais de 13 mil pontos de arrecadação e consubstanciase, para muitos, na vergonhosa indústria do EstaR.


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Como então regularizar a situação sem perder a tão importante rotatividade das vagas na cidade? A solução é garantir a rotatividade sem se fazer a cobrança inconstitucional do espaço público. Este sistema pode ser feito com paquímetros ou discos de cartolina ou plástico, disponibilizados a preço de custo pelo poder público aos usuários, nos quais o motorista coloca o horário de início e sabe de antemão o horário do término do tempo de ocupação da vaga. Caso o extrapole, fica sujeito à multa do estacionamento regulamentado lavrado por agentes do Poder Público ou pelas Polícias Militares. A revisão do sistema do estacionamento regulamentado se impõe desde logo com o advento da Constituição de 1988 e do Estado democrático de direito. O fato de não se ter questionado o sistema é que os motoristas preferem recolher o valor a ter que se incomodar com os custos de uma longa demanda judicial. As Resoluções do Denatran se posicionam pela reserva de vagas aos idosos (5%, Resolução 303/2008), aos portadores de necessidades especiais (2%, Resolução 304/2008), e assim, democráticas na sua essência. Todo o sistema legitima-se pelo art. 181, inciso XVII, do Código Brasileiro de Trânsito, que prevê a multa quando em desacordo com o estacionamento regulamentado, mas nenhum dispositivo legal autoriza a cobrança da vaga. Portanto, ela é inconstitucional, pois o Município apenas e tão somente pode implantar a sinalização e aplicar a legislação nacional e não criar cobranças ao seu bel-prazer legislativo.


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Aos candidatos às Prefeituras nas eleições de 2012 cabe a formulação de propostas realmente democráticas e não demagógicas, para se superarem as ilegalidades da cobrança pelo espaço público a que todos temos direito, sem a exigência inconstitucional de preço público, tarifa ou abusos de toda sorte.



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3.8. Resolução 363 do Contran é adiada*. 18 de novembro de 2011 Setores afetados ganham mais tempo para combater a nova regulamentação, que apresenta falhas e trará inúmeros transtornos para cidadãos e empresas A Resolução 363 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), que muda as regras para a transferência de multas de trânsito, foi prorrogada. A Deliberação 115, de 28 de setembro de 2011, publicada no dia 29 de setembro no Diário Oficial da União, alterou a resolução que, se entrar em vigor, aumentará a burocracia e vai trazer custos extras aos proprietários de veículos. A principal mudança é a exigência do reconhecimento de firma conjunta, em cartório ou no órgão de trânsito, das assinaturas do proprietário e do condutor infrator para a transferência da multa. Para o diretor do Sindiloc PR, Michel Lima, a transferência da data de implantação da resolução foi, sem dúvida, uma excelente notícia, mas os esforços para evitá-la não vão cessar. “O adiamento não significa que vencemos a guerra, mas apenas que ganhamos mais tempo para sensibilizar as autoridades”, reitera. Como o novo sistema passará a valer somente em 1º de julho de 2012, esticou-se o prazo para as contestações em sete meses.


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O advogado, professor de Direito e integrante da Comissão de Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Paraná, Claudio Henrique de Castro, mostra que não faltam razões pelas quais a Resolução 363 pode ser considerada ilegal e inconstitucional. “Impõe exigência desarrazoada aos recorrentes na via administrativa criando obstáculos ao exercício regular de um direito em desacordo com o devido processo legal administrativo e o princípio da razoabilidade”, esclarece. Segundo o advogado, a medida vai na contramão do artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. “No raciocínio que esses personagens são falsários até prova em contrário, invertendo a garantia constitucional de presunção de inocência”. Se, para o proprietário de um veículo a nova regra vai trazer transtornos, para os empresários de locação e transportes eles serão multiplicados pelo tamanho de sua frota. Do mais simples ao mais complexo, a lista de problemas trazidos pela Resolução 363 é imensa. Vai desde a liberação de funcionários em horário de expediente para ir ao cartório ou órgão autuador para o reconhecimento de firma, passando pela nomeação de um representante legal da empresa para fazer este trabalho, acompanhando o infrator. O fator tempo será outro complicador. “Imagine um motorista que estava 20 dias atrás em Vitória (ES) e que atualmente se encontra em Porto Alegre. Ele terá que ir até um cartório, reconhecer firma e enviar a documentação pelos Correios. A empresa, por sua vez, terá que dar entrada ao processo no endereço de origem da multa. Se não tiver sede no local, vai ter que contratar alguém para representá-la”, explica Rigolino.


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A resolução até busca facilitar para os frotistas, autorizando que, na impossibilidade da coleta da assinatura do condutor infrator, seja apresentado o Formulário de Identificação do Condutor Infrator, acompanhado de documento no qual conste cláusula de responsabilidade por infrações cometidas pelo condutor. “Para as locadoras, além do contrato de locação, seria preciso anexar um documento que comprove a posse do veículo pelo condutor no momento do cometimento da infração. Porém, a resolução não especifica qual é esse documento, e se é preciso reconhecer firma também. Pela falta de clareza, ou objetividade da resolução nesse ponto, em tese, os órgãos de trânsito vão ter autonomia para decidir qual é esse documento hábil e aí podem surgir as mais diversas interpretações que vão fatalmente culminar no agravamento das multas”, pondera Rigolino. Nos casos das locadoras que terceirizam frotas, em que o veículo alugado é multado quando conduzido por um de seus funcionários, a empresa locatária teria que fornecer uma declaração identificando quem era o motorista naquela ocasião. E ainda existe a necessidade de apresentar cópia autenticada do contrato de locação. O presidente do Sindiloc PR lembra que os contratos com grandes companhias chegam a ter cem páginas, que teriam que ser fotocopiadas a cada multa. Conforme Castro argumenta, a exigência do encontro no cartório de condutor e proprietário é medida com a finalidade de impedir o exercício de recorrer na esfera administrativa. Isto fere a Convenção Interamericana dos Direitos Humanos, em seu artigo 7, inciso 6, e no artigo 8, inciso 1.


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“O Contran legisla como o Congresso Nacional, isto é, uma ilegalidade sem precedentes no Direito brasileiro. Agora, para revogar uma resolução do Contran precisamos de uma lei! O mesmo aconteceu com o kit de primeiros socorros que foi instituído pelo Contran e posteriormente revogado por uma lei formal. Esta ilegalidade merece uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF)”, conclui o advogado. Por mais que a Resolução 363 tenha sido criada com a melhor das intenções, da forma como está redigida, irá somente onerar e atrapalhar a vida do cidadão, empresas e até órgãos públicos, além de não garantir efetivamente que as fraudes serão coibidas. “O adiamento reforça a necessidade de aperfeiçoamento desta regulamentação, definindo procedimentos e, na medida do possível, para que traga resultados benéficos para a sociedade e não somente mais burocracia”, completa Rigolino. Fim da Resolução 363 O deputado federal Edmar Arruda (PSC-PR) apresentou, no dia 20 de setembro, o Projeto de Decreto legislativo 440/2011, que visa sustar os efeitos da Resolução 363. A matéria aguarda encaminhamento na Coordenação de Comissões Permanentes (CCP) da Câmara. *Notícia Jornalística



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3.9. As novas funções da URBS e algumas questões ainda sem respostas. 20 de outubro de 2011 O anunciado convênio entre URBS S.A. e a Polícia Militar do Paraná foi a “saída” encontrada para esquentar as multas do EstaR e outras; da outrora competência da referida empresa. Estas informações somadas com a decisão do Egrégio Tribunal de Justiça do Paraná despertam algumas indagações na população curitibana: 1. Será que esta empresa deve continuar a gerenciar o transporte coletivo de Curitiba? Por quais razões técnicas e legais continuará com esta competência, pois se não tem poder de polícia poderia fazê-lo em relação às concessões e às permissões? 2. Será que deve continuar a criar zonas de estacionamento regulamentado afora pelos bairros mais distantes da cidade? Qual o interesse econômico disto, pois mais uma vez, se não tem poder de polícia poderia administrar esta implantação? 3. O lucro do estacionamento regulamentado deve ser gerenciado e captado por uma empresa privada? 4. O quantitativo de empregados será alocado em quais funções? 5. O eventual déficit orçamentário da empresa será “arcado” pelos cofres municipais?


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6. As suas funções serão transferidas para a Secretaria Municipal que está em fase de criação legislativa? 7. Há um plano de contenção ou de emergência para atender o trânsito da capital? Quem vai gerenciar este trabalho? 8. O patrimônio público utilizado pela empresa será encampado pela nova Secretaria Municipal? 9. Com o advento do metrô em Curitiba quem gerenciará o sistema? 10. O que as empresas do transporte coletivo pretendem ou entendem conveniente para a gerência dos seus interesses de concessões e permissões? 11. Afinal, se o TJPR afirma que a URBS não pode multar, poderia fazê-lo com o convênio com a Polícia Militar? 12. O patrimônio para a gestão e aplicação das multas, tais como as viaturas e as motos será doado para a Polícia Militar do Paraná? 13. A nova sala de gerenciamento de tráfego de Curitiba será gerenciada por esta empresa? No que o setor privado irá interferir neste processo? 14. Como ficarão os cargos de confiança da empresa e o eventual passivo das rescisões contratuais nesta conta? Se acaso se tomar a decisão da demissão em massa? Isto seria justo com esses trabalhadores? 15. É possível a transposição de regimes de CLT para estatutário? 16. Se os agentes estão apenas orientando os motoristas, esta função não pode ser estendida às escolas da rede municipal e estadual como colaboradores?


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Estas poucas indagações inauguram um novo cenário no qual as funções de gerenciamento de trânsito e transportes na capital passam por profundas reformulações. É hora de um planejamento estratégico consistente e participativo no qual o cidadão curitibano possa opinar e influir nos destinos da Capital paranaense. Soluções de gabinete, de petit comité em que não sejam ouvidos os setores de representação popular, não podem ser aceitas, como na época da criação da referida empresa e da implantação do EstaR (locação onerosa de espaço público), em pleno regime militar. É hora sim de democracia nas escolhas fundamentais do trânsito de Curitiba.



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3.10. Advogado da Comissão de Trânsito da OAB questiona URBS*. 20 de outubro de 2011 Advogado membro da Comissão de Trânsito da OAB questiona a competência da URBS para gerenciar o transporte coletivo e o estacionamento regulamentado em Curitiba. Para Cláudio Henrique de Castro, o convênio entre a empresa e a Polícia Militar para a fiscalização do trânsito até que a Secretaria Municipal de Trânsito seja criada, é uma saída para esquentar as multas aplicadas pela Diretran. Ele diz também que a URBS não tem condições de continuar a fiscalizar o transporte coletivo e nem o estacionamento regulamentado. Para o advogado, o motorista de Curitiba não precisa de agentes lavrando multas. E ele convoca a todos para gestos de cidadania no trânsito. Pelo anúncio, a prefeitura vai fazer um contrato com a URBS para ceder os agentes que vão atuar como fiscalizadores do trânsito. Cláudio Henrique de Castro entende que o motorista curitibano pode dar exemplo para o Brasil de como se comportar no trânsito, mesmo sem um agente no calcanhar. A decisão da justiça que proibiu a URBS de aplicar multas deixou o trânsito sem uma fiscalização eficiente. Agentes da Diretran têm evitado autuar os motoristas. Por isso foi estabelecido o convênio com o Batalhão de Trânsito da Polícia Militar para reforçar o policiamento nas ruas da cidade. A operação de radares e lombadas eletrônicas ocorre normalmente. Somente com a criação definitiva da secretaria municipal de trânsito é que a fiscalização deve entrar na normalidade. *Notícia Jornalística



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3.11. Os pedestres e o Direito de Trânsito no Brasil. 17 de outubro de 2011 Os pedestres no Brasil detêm apenas 5%(cinco por cento) das normas do Código de Trânsito Brasileiro. Não é por menos que o Direito do Trânsito no Brasil dá preferência aos caminhões, carros, carroças, bicicletas e por último, aos pedestres. Diferente da legislação dos países altamente industrializados nos quais os pedestres têm a preferência, no Brasil ainda temos a famosa “corridinha” para atravessar a via, caso contrário, nossos pedestres são atropelados. A travessia em rotatórias ou rótulas é uma aventura perigosa para poucos, o que obriga muitas vezes o afastamento da via para se ter uma relativa chance de não ser atropelado. A sinalização tal como: faixas e semáforos para pedestres é a exceção nas vias de trânsito no Brasil. São exceções ainda as discussões sobre as calçadas e sua trafegabilidade pelos pedestres. Se repararmos com atenção nas vias, veremos a precariedade que é o ato diário de atravessar as ruas e os perigos que esta simples travessia nos oferece. Pensemos nos idosos, nos cadeirantes, nos deficientes visuais, nas crianças e nos cidadãos. Há muito por fazer, desde a implantação de uma legislação realmente protetiva, até a educação em todos os níveis para se conscientizarem motoristas, pedestres, e principalmente as autoridades. Com efeito, os veículos oferecem um exercício de poder muito grande. Quando os motoristas saem dos carros transformam-se em pedestres e voltam ao mundo real, porém, quando estão dentro dos veículos, as coisas mudam.


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O veículo passa a ser um poderoso instrumento de status e de opressão na via: seja pela legislação precária quanto aos crimes de trânsito, na sua grande maioria, crimes culposos; seja pela sinalização deficiente e pela baixa fiscalização das vias pelas autoridades. Em Curitiba com a recapagem de alguns trechos das vias e mudanças de sentido ocasionaram-se grandes perplexidades quanto à sinalização nova que deveria ser implantada, pois, postergadas por razões de clima ou por causas inexplicáveis, ocasionaram diversos acidentes. Nem se cogita da troca da pavimentação das calçadas, que não possui uma transição adequada e que força e impõe aos pedestres o tráfego junto com os veículos nas vias de trânsito. Isto acontece na maior parte das capitais brasileiras. Outro aspecto a se destacar é a ausência de geoprocessamento das informações dos sinistros nas vias o que ocasiona a repetição das ocorrências, em cruzamentos perigosos, com atropelamentos reiterados, com vias preferenciais repetidamente desrespeitadas no compasso da negligência das autoridades em apenas atender as ocorrências e não resolver os problemas das vias que se repetem cotidianamente ocasionando sinistros nos mesmos locais e períodos. Em resumo, as razões das ocorrências devem ser investigadas estatisticamente para se evitarem os mesmos sinistros, nos mesmos locais, com causas semelhantes. Em 2010, o Paraná cravou 36.386 feridos e 438 mortos; em Curitiba foram 68 acidentes por dia com dois atropelamentos diários, em média.


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No mesmo período o total de acidentes no Paraná chegou na marca de 83.354. Na primeira colocação, Curitiba com 25.109, seguida por Maringá com 6.644; Londrina com 5.676; Cascavel com 3.555; Ponta Grossa com 3.259 e São José dos Pinhais com 2.241 acidentes. Os mortos no trânsito no Brasil anualmente ultrapassam 40 mil vítimas. Esses números alarmantes indicam que devemos repensar profundamente o Direito do Trânsito Brasil. A verdadeira “guerra civil” do trânsito tem que desaparecer e neste sentido a educação e a propaganda são instrumentos poderosos na transformação desta triste paisagem. O poder da propaganda pode ser constatado no combate ao tabagismo no Brasil, que, combinado com restrições legais e a conscientização, em curto período, mudou este hábito nos brasileiros. Certamente, podemos mudar este cenário sinistro no trânsito se combinarmos: propaganda e educação de longo prazo com políticas planejadas de Estado. Devemos repensar: 1) aos pedestres uma legislação realmente protetiva; 2) aos que ocasionam os sinistros por negligência, imperícia ou imprudência, punição e não impunidade como de cotidiano ocorre; 3) às vias, a sinalização adequada; 4) ao Estado, a atuação planejada e profissional, e finalmente o principal: 5) a educação e a propaganda pela conscientização aos cidadãos do respeito à vida e à dignidade humana. São algumas pistas para pensarmos o modus vivendi dos pedestres no Brasil. Sigamos o exemplo dos países desenvolvidos se realmente objetivamos a civilização do trânsito brasileiro.



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3.12. Trânsito: as regras mais descumpridas. As bebedeiras, os acidentes de trânsito e o Estado. 16 de setembro de 2011 As regras de trânsito são as mais descumpridas no Direito brasileiro. A todo momento se dá um jeitinho para a conversão proibida, estacionamento em fila dupla etc. Os crimes sempre culposos e de dificílima caracterização de dolo (vontade do agente) construíram um cenário de impunidade e desrespeito neste setor do Direito. Tem-se um duplo padrão de comportamento legal; as regras valem para os outros e não para nós. Os nossos amigos sabem beber (Damatta), os outros não. Sempre temos razão no trânsito. O “vai que dá” sempre está do nosso lado. Nossas multas sempre são aplicadas de forma injusta ou equivocadas; sempre temos razão... O trânsito transformou-se no maior reflexo da ética da globalização no Brasil; cada um por si e todos por ninguém. Nem mesmo o Estado. Há pouco tempo um conhecido participava de uma comemoração num bairro gastronômico de Curitiba, personagens dos poderes do Estado presentes e muitos uísques caríssimos, vinhos refinados, cervejas, caipirinhas e batidas. Na volta para a casa uma despreocupação: nós sabemos beber, estamos em condições de dirigir. Nossa juventude, embalada pelo “beba com moderação” não dissocia divertimento de balada e bebida alcoólica - são os primeiros passos para as drogas ilegais.


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A publicidade das bebidas sem restrições comanda as maiores verbas dos meios de comunicação. Quais interesses estão em jogo? De um lado, os grandes anunciantes e os meios de comunicação, cujos detentores possuem mandatos do Congresso Nacional e não há qualquer interesse em regulamentar severamente o setor. O business sempre acima das vidas humanas. Do outro, a juventude embalada pelas propagandas que exaltam sexualidade, beleza e encantamento, a fascinação da conquista de mulheres belíssimas e esculturais, e recentemente a associação com a Copa do Mundo e o futebol. E o Estado? Quando o Código de Trânsito foi alterado pela Lei 11.705/2008 e o art. 165 tornou “severa” a punição por ingestão de álcool na direção veicular, dentre outras coisas fez com que o movimento nos bares e casas noturnas caísse vertiginosamente; aquilo foi infelizmente passageiro; “a lei não pegou”. Os postos de gasolina e seus bares internos transformaram-se em asilos convenientes para o “esquenta”, pois a bebida nas casas noturnas é mais cara. Nem se fale da violência juvenil, em decorrência do encorajamento e a perda dos freios inibitórios que a bebida faz surgir. Resultado: naquelas cidades em que muitos políticos locais e estaduais e suas famílias são os proprietários ou sócios de estabelecimentos que exploram este rentável segmento - que inclui a juventude universitária e os jovens à procura de diversão e arte - fizeram suas pressões políticas para o esvaziamento da referida disposição legal.


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Diante deste quadro a sociedade assiste calada e inerte, ao elevado número de mortes aos finais de semana e nos feriados, em consequência dos graves acidentes de trânsito ocasionados pela ingestão de bebida alcoólica. No ano passado tivemos a grata oportunidade de falar sobre Direitos Humanos para parte da corporação da valorosa Polícia Militar do Paraná e naquele momento perguntamos por quais razões as blitzes acabaram ou rarearam? Impunidade? Política de Estado? Omissão? O que o Estado com o grave déficit nas corporações policiais está fazendo, objetivamente, para coibir a elevação dos acidentes de trânsito nesta seara? Onde estão as campanhas educativas a serem promovidas com a parte da rendosa arrecadação com as multas de trânsito? Há política de Estado para combater a liberada exaltação da ingestão das bebidas alcoólicas pela juventude? Em síntese: a legislação ainda é precária e o que temos não está sendo cumprido. Há uma grave omissão do Estado e os grupos de pressão política são muito mais fortes do que a sociedade organizada; esta padece, a cada final de semana, os horrores das perdas de vidas, nas esquinas, cruzamentos, estradas e vias. Quem lucra com tudo isto?



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3.13. Pontos para se discutir a paz no trânsito. Sugestões para diminuir o inferno no trânsito. 27 de setembro de 2011 1. Campanhas e fiscalizações das autoridades de trânsito quanto à ingestão de bebidas alcoólicas combinada com a direção veicular; 2. Iniciar-se a reflexão sobre o lançamento nacional de uma campanha que vise a regulamentação das propagandas de bebidas alcoólicas e as suas associações com a juventude, esportes, sexualidade e divertimento, inclusive se registrando nas embalagens, a exemplo das carteiras de cigarro, os males advindos da ingestão de bebidas alcoólicas, tais como a enfermidade do alcoolismo e os acidentes de trânsito; 3. Campanhas permanentes de conscientização no trânsito nas escolas públicas e privadas, de primeiro e segundo graus; 4. O monitoramento das diligências policiais em perseguições e chegada em locais de delitos e ambulâncias de socorro quanto à velocidade desenvolvida e à eventual imperícia nos trajetos; 5. Divulgação permanente dos dados de colisões, atropelamentos e acidentes, além dos pontos críticos na cidade que mais ocorrem os acidentes; 6. Adequação do trânsito de pedestres nas rotatórias, com eventuais semáforos para pedestres pela grande dificuldade de se atravessar nesses pontos;


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7. Campanhas de paz no trânsito que priorizem os pedestres e não somente os motoristas; 8. Incentivo de premiações nas escolas e concursos que visem desenvolver a reflexão na literatura e artes no que pertinente à paz no trânsito; 9. Iniciar-se a reflexão sobre a poluição visual e de propaganda na cidade e sua conseqüente interferência na higidez visual das vias de trânsito; 10. Iniciar-se o debate sobre a acessibilidade das pessoas portadoras de necessidades especiais, tais como: deficientes visuais e cadeirantes no que diz respeito ao acesso às vias de trânsito, calçadas, estacionamentos e passarelas; 11. Iniciar-se a discussão sobre a travessia da via dos pedestres e a famosa corridinha para transpor a via, tendo em vista a redução de atropelamentos na via e a supressão desta opressão veicular sobre os pedestres neste ato diário e cotidiano de transpor a via; 12. Campanha para à agilização e desburocratização do pagamento do DPVAT, tendo em vista as reiteradas reclamações quanto a lentidão do procedimento e pagamento.



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3.14. Das ilegalidades do reconhecimento de firma do condutor e do proprietário para recorrer em multa de trânsito. 5 de setembro de 2011 A Resolução 363/2010 do Contran determina no inciso IX e §7º do art. 4º os procedimentos para apresentação do condutor diverso do proprietário com a exigência de reconhecimento de firma conjunta em cartório ou no órgão de trânsito. Aos ilustres componentes do Contran, ávidos leitores de Franz Kafka, podemos lembrar a frase de Kafka que “O tempo é teu capital; tens de o saber utilizar. Perder tempo é estragar a vida.” E é justamente isto que o Contran deseja: acabar com os recursos administrativos pelas dificuldades, empecilhos e o tempo para se poder recorrer de uma multa de trânsito. Essa exigência bizantina trazida ao Direito de Trânsito começará a viger a partir de 360 dias após a edição da referida Resolução em 28/11/10, isto é, nos próximos dias. A medida é ilegal e inconstitucional pelas seguintes razões: 1. Impõe exigência desarrazoada aos recorrentes na via administrativa obstaculizando o exercício regular de um direito em desacordo com o devido processo legal administrativo e o princípio da razoabilidade (substantive due process, art. 5º, inciso LIV, da CF);


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2. A referida medida reinaugura a rendosa indústria cartorial no Brasil com os reconhecimentos de firmas (assinaturas), impondo novo ônus ao proprietário e condutor para atestar em suas assinaturas são válidas, no raciocínio que esses personagens são falsários até prova em contrário, invertendo a garantia constitucional de presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII, da CF); 3. A exigência do encontro no cartório do condutor e proprietário para exercer o direito de recorrer, além de dispendioso e de improvável ocorrência em diversos casos, de locadoras de veículos, empresas de transportes e mesmo no âmbito doméstico, é medida com a finalidade de impedir o exercício de recorrer na esfera administrativa, isto fere a Convenção Interamericana dos Direitos Humanos (art. 7, inciso 6, art. 8, inciso 1); 4. O processo administrativo também está descumprido nos seus princípios inscritos nos incisos I (atuação conforme o Direito), IV (atuação conforme os padrões éticos e boa-fé), VI (vedação de imposições desnecessárias), VIII (observância das formalidades essenciais), IX (adoção de forma simples), XI(proibição de cobrança de despesas processuais), XIII (interpretação benéfica ao interesse público) do art. 2º da Lei nº 9784/99 (Lei geral dos processos administrativos); 5. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal confirma a possibilidade de recorrer não se tratando de abuso e sim de exercício regular de direito (HC 100574/MG, 10/11/09, 2ª Turma);


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6. O Contran nessa resolução de nove páginas buscou emaranhar o exercício de recorrer e neste sentido caracterizou-se a chamada inconstitucionalidade material pelo excesso do ato de legislar (BULOS, U. L. Curso de Direito Constitucional, 5.ed, 2010, p. 144), na extensão da teoria do desvio de poder no plano das atividades legislativas do Estado (ADI 1063 MC/DF, STF 18/05/94); 7. Por último, o §4º do art. 282 do Código de Trânsito Brasileiro, não exige apresentação conjunta de proprietário e condutor, mas sim do responsável (Lei nº 9602/98), portanto, a determinação extrapola a lei e por isso flagrantemente inconstitucional; Há mais razões que fulminam de ilegalidade a Resolução nº 363/10 do Contran, mas ficamos apenas com os argumentos acima que ilustram e confirmam a famosa sentença: “Muitas leis, pouco Direito”.



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3.15. Os motoboys, a indústria da morte e a nova lei nº 12.436/2011. 9 de julho de 2011 Foi publicada no dia 6/07/11 a Lei 12.436/2011 que veda as práticas de incentivo à velocidade por motociclistas profissionais (motoboys). Em síntese, a lei proíbe a adoção de prêmios para o cumprimento de metas ou prestação de serviços, promessa de dispensa de pagamento ao consumidor, no caso da entrega fora do prazo, e a competição entre os motociclistas com o objetivo de elevar o número de entregas ou de prestação de serviços, graduando a imposição de multa de R$ 300,00 (trezentos reais) a R$ 3.000,00 (três mil reais) para as empresas infratoras. Em obra lançada em 20101, Roberto Damatta(1) demonstra que o ditado popular “Fé em Deus e pé na tábua” traduz uma mentalidade segundo a qual os motoristas podem exceder os limites de velocidade e que a fé no Ser Supremo, característica da grande religiosidade do povo brasileiro, atenuaria e os salvaria dos graves riscos das conduta proibidas. No Brasil nosso trânsito é aristocrático, herança dos portugueses que resistiram ao uso das carruagens pela adoção das liteiras, onde os nobres portugueses e senhores de engenho e daminhas eram carregados por dois escravos, no qual o conduzido ficava sentado no meio num habitáculo suntuoso para a época. Essa tradição os lusitanos receberam dos romanos. Por essa razão temos uma frágil e insuficiente rede de transportes de massa,


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trens, bondes e metrôs, pois ainda não vencemos essa característica e privilegiamos o veículo solitário, o pior dos transportes urbanos, pelo volume, poluição e lenta fluidez nas vias. Daí resulta a facilidade dos motoboys, mas com um alto custo de vidas humanas. Uma parcela considerável de empresários do ramo de produtos de entregas rápidas, de alimentos, peças, documentos e o leva-e-trás se utiliza dos serviços dos motoboys, que neste trânsito desorganizado e hierarquizado, liquida com as vidas desses trabalhadores diariamente, nas capitais brasileiras. Criou-se uma verdadeira indústria na qual as vidas dos motociclistas são mais um componente da engrenagem. A responsabilidade sempre sobra para o motoboy, frágil financeiramente e no desespero de fazer as entregas determinadas. Em algumas capitais, diante do alto número de infrações cometidas por esses condutores, há a prática do uso de placas frias para não serem cassados os direitos da direção. Algumas leis “pegam” no Brasil, outras não, e sempre se tem o jeitinho para burlar as imposições legais. Na conta da entrega e da prestação de serviços há uma completa distração velada dos empregadores e também dos chamados profissionais autônomos, que na realidade possuem vínculo empregatício pela habitualidade e onerosidade, quanto às dezenas ou centenas de infrações que a todo momento são cometidas pelos condutores na desesperada corrida maluca pela entrega e o cumprimento dos horários sempre exíguos.


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O perigo é constante: desde as velozes ultrapassagens entre veículos, numa costura perigosa e alucinante nos veículos e vias, o furar de semáforos, amarelos e vermelhos, o trânsito na contramão da via, o tráfego em calçadas e por aí afora. A questão da eficácia das leis em virtude das punições é assunto complexo no Direito, mas de uma certeza se tem: a educação é a melhor das prevenções. Grande parte dos recursos não é aplicada na prevenção e educação do trânsito, somem no caixa geral dos Estados e Municípios. A nova lei não estabelece quem irá fiscalizar e multar essas práticas nas empresas e, caso haja a denúncia, pela vedação da denúncia anônima (STF, HC 99490/SP), certamente o motoboy será despedido. Apesar do avanço na legislação, esperamos que a lei pegue, pois já significa uma luz na busca em coibir as referidas práticas da verdadeira indústria de mortes dos motoboys. Caso contrário: tudo como dantes no quartel de Abrantes. Nota: (1) - DAMATTA, Roberto. VASCONCELLOS, João Gualberto. PANDOLFI, Ricardo. Fé em Deus e pé na tábua ou, Como e por que o trânsito enlouquece no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 2010. Veja a lei na íntegra: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011014/2011/Lei/L12436.htm



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3.16. Sem multas, com emprego*. 1° de abril de 2011 Pode ser tudo, pode ser nada, mas tem gente pensando no que aconteceria com os agentes de trânsito da URBS se a Justiça decretar a ilegalidade do trabalho da chamada lavratura de multas, como aconteceu recentemente em Belo Horizonte, já que o Superior Tribunal de Justiça e também o Supremo Tribunal Federal decidiram que estes agentes não têm poder de polícia. Eles seriam dispensados? O advogado Claudio Henrique de Castro, da Comissão de Trânsito da OAB/PR, que defende a tese da ilegalidade da atuação dos agentes municipais, acha que o provável problema social poderia ser contornado com o treinamento destes trabalhadores para que atuem em escolas municipais e estaduais e em locais de muito movimento de automóveis como agentes educativos do trânsito. *Notícia Jornalística



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3.17. O lado quente da Comissão de Trânsito. 17 de março de 2011 Para esquentar o debate, segue a argumentação apresentadas pelo advogado e professor de direito Claudio Henrique de Castro na Comissão de Trânsito da OAB/PR, da qual é um dos integrantes. Trata do aumento de 50% do EstaR e o que ele denomina “indústria ilegal de multas”. Confiram. Com respeito à pauta da reunião de hoje, registro os seguintes encaminhamentos sobre os temas apresentados: Quanto ao aumento de 50% (cinquenta por cento) no EstaR em Curitiba: Com efeito, a URBS S.A. não pode continuar praticando a fiscalização do trânsito municipal e impondo multas de trânsito, posto que sua natureza jurídica de sociedade anônima não permite esta prática, nem no EstaR, nem muito menos em outras espécies de multas, como é o caso das recentes remoções com sistema de guinchos terceirizados e outras multas lavradas por seus agentes; A existência de convênio com a Polícia Militar e a concordância do Detran PR. Outrossim, o Poder de Polícia é indelegável e não se pode permitir esta prática ilegal no seio da nossa sociedade, que vem se espalhando por todo Paraná; O reajuste de 50% (cinquenta por cento) no cartão do EstaR também deve ser repudiado pois tal reajuste, mesmo que o sistema fosse legal, e não o é, seria absolutamente contrário aos interesses da população curitibana;


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Esta Ordem dos Advogados, pode manifestar sua contrariedade por meio da imprensa e tomar as medidas cabíveis, tais como ajuizamento de ação popular com pedido de liminar para suspender este aumento abusivo e propugnar a ilegalidade do sistema rotativo, diante da sobeja locação do espaço público sem ônus ao poder público e a ilegalidade na aplicação e cobrança das multas pela URBS S.A., conforme jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça: “10/11/2009- 16h27 DECISÃO STJ BHTrans não pode aplicar multa de trânsito A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, por unanimidade, que a Empresa de Transporte de Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans) não tem poder para aplicar multas de trânsito na capital mineira. A Turma deu provimento ao recurso especial do Ministério Público de Minas Gerais. O julgamento foi concluído hoje (10) com a apresentação do voto-vista do ministro Herman Benjamim. Seguindo entendimentos doutrinários, o ministro ressaltou que as sociedades de economia mista têm fins empresariais e servem para desempenhar atividade de natureza econômica. “Nesse aspecto, é temerário afirmar que o trânsito de uma metrópole pode ser considerado atividade econômica ou empreendimento”, afirmou no voto-vista.


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Por essas razões, o ministro Herman Benjamim seguiu o voto do relator, ministro Mauro Campbell Marques, no sentido de considerar impossível a transferência do poder de polícia para à sociedade de economia mista, que é o caso da BHTrans. Todos os demais ministros da Segunda Turma acompanharam essa tese. A decisão do STJ reforma o acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ/MG), que havia decidido que a BHTrans, criada com o objetivo de gerenciar o trânsito de Belo Horizonte, teria competência para aplicar multa aos infratores de trânsito, nos termos do artigo 24 do Código Nacional de Trânsito.” Quanto às graves denúncias do sistema de radares implantado em Curitiba: Estamos acompanhando as medidas exemplares que a Prefeitura Municipal de Curitiba tem efetivado no caso, e o fato é que se instalou em Curitiba uma rendosa indústria de multas, cujo manto é o argumento da segurança e da proteção do cidadão com a coibição do excesso de velocidade nas vias públicas; A fiscalização é necessária, contudo o seu modus operandi deve ser repensando, profundamente, no sentido de coibir a vazão de recursos públicos em prol de interesses contrários à população;


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Desde há muito, a terceirização do sistema de fiscalização é inconstitucional, pois, repita-se, o Poder de Polícia é indelegável. Some-se a isto a cobrança de percentual sobre as multas arrecadadas, a incompetência dos agentes em lavrar os autos de infração e a baixa fiscalização sobre o sistema de radares e as licitações repletas de denúncias de favorecimento e a recente supressão de imagens noticiada em caso de atropelamento ocorrido na cidade; Instalaram-se em Curitiba verdadeiras arapucas e ciladas que foram, em boa parte, montadas para arrecadar e render, e não propriamente coibir infrações de trânsito, daí a localização de duvidosa eficiência na redução dos sinistros, isto comprovou-se na época em que a cidade ficou sem radares, em face do imbróglio na licitação dos radares, e das estatísticas que, salvo melhor juízo, demonstraram a desnecessidade dos muitos radares nas vias de tráfego intenso; Os equipamentos, com parcerias, por exemplo, com a Universidade Tecnológica do Paraná, podem ser desenvolvidos pelo Poder Público, num sistema de monitoramento integrado que pode incluir semáforos e Sala de Controle de Tráfego, a exemplo de São Paulo, Rio de Janeiro e de tantas outras cidades no Brasil e no exterior que contemplam o monitoramento e fiscalização do fluxo de veículos. A vinda da Copa do Mundo na cidade é uma excelente oportunidade para esta implantação; Os sinistros ocorridos em Curitiba em grande monta, são decorrentes da imprudência, imperícia e negligência provenientes da ingestão de bebidas alcoólicas, e nesta linha a fiscalização ostensiva se faz necessária; tal competência é, fundamentalmente, da valorosa Polícia Militar do Paraná;


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Com efeito, as multas advindas do sistema de radares, guardam inúmeras dúvidas quanto à legalidade, contudo o foco, neste momento, é necessário e urgente, no saneamento ético-moral do sistema de monitoramento. Outrossim, há absoluta ausência de transparência do sistema e na sua multiplicação e os critérios de implantação; A URBS S/A e seus gestores não possuem competência legal para operarem esta implantação; a uma, pois não são e nem podem exercer o poder de polícia; a duas, possui na sua estrutura interesses privados incompatíveis com a interesse público, conforme decidiu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, como anteriormente demonstrado, no caso que envolveu o BHtrans do Município de Belo Horizonte no Estado de Minas Gerais; A OAB/PR pode indagar sobre qual o montante lucrado pela referida empresa de radares durante todos os contratos que celebrou com o Município e até que ponto este investimento poderia ter sido revertido em prol da educação e das soluções do trânsito de Curitiba; As implicações no Direito Administrativo Municipal, a nosso ver, devem ser no sentido de se coibir novos contratos terceirizados de radares e outros, a exemplo dos guinchos que também se transformaram numa indústria rendosa, e a lição de que as punições de infrações com percentagem ou ônus em favor da iniciativa privada são um grave dispêndio de recursos do erário e podem representar um incentivo à corrupção e à prática de delitos contra a Administração Pública;


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Em síntese, o caso demanda a manifestação de indignação da OAB/PR frente às instituições fiscalizadoras e ao Ministério Público Estadual para que promova a investigação, a propositura de devolução de valores, conforme o caso, e fundamentalmente a persecucção penal contra os personagens envolvidos. São essas as reflexões iniciais e as sugestões que encaminhamos a esta Colenda Comissão de Trânsito da OAB/PR as quais submeto à votação e ao debate, sempre democrático e participativo.



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3.18. De volta para o futuro: a suspensão do direito de dirigir e a contagem de pontos retroativa no prazo de cinco anos. 13 de outubro de 2010 1. De volta para o futuro O filme “De volta para o futuro”, de 1985, fez tanto sucesso que gerou uma trilogia. Em resumo, eles narram a história de um veículo que poderia retornar ao passado e alterar o futuro. O carro utilizado nas produções era um “Deloren DCM-12”, que depois foi fabricado em edição limitadíssima, o “Special Deloren DMC 12s”, uma raridade vendida rapidamente. Recentemente, talvez inspirado no fantasioso argumento do filme, o Detran do Paraná começou a interpretar que os pontos para a suspensão do “Direito de Dirigir” são os dos últimos cinco anos - com a consequente apreensão da habilitação, sem procedimento administrativo ou algo parecido. No nosso entendimento, essa interpretação nova, retroativa e danosa, não tem embasamento legal e constitucional. 2. A suspensão do direito de dirigir O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) prevê no art. 261, § 1º:


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“Art. 261. A penalidade de suspensão do direito de dirigir será aplicada, nos casos previstos neste Código, pelo prazo mínimo de um mês até o máximo de um ano e, no caso de reincidência no período de doze meses, pelo prazo mínimo de seis meses até o máximo de dois anos, segundo critérios estabelecidos pelo CONTRAN. § 1º Além dos casos previstos em outros artigos deste Código e excetuados aqueles especificados no art. 263, a suspensão do direito de dirigir será aplicada sempre que o infrator atingir a contagem de vinte pontos, prevista no art. 259.” A interpretação para este dispositivo sempre foi a de que o prazo para a contagem dos pontos é de um ano, ou seja, se não forem julgados os recursos no período de um ano, a multa perderá os efeitos da suspensão. Passado um ano, não constam no prontuário as infrações. Após um ano da data do cometimento da suposta infração, prescrevem as infrações. Esta é a leitura legal do CTB. O Detran-PR, como se estivesse a bordo de um Deloren, não está agindo em conformidade com o CTB, mas voltando em cinco anos a contagem dos pontos, considerando que a prescrição administrativa é de cinco anos, contudo, sem embasamento legal.


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3. Os prazos prescricionais no CBT O CTB prevê o prazo de um ano na absoluta maioria dos seus dispositivos (arts. 143, §1º; 145; 148; 152; 261; e nos crimes: 304; 305; 307, 310 a 312, 317, 333, 334). Nem o Deloren poderia alterar estes prazos no CTB, somente lei formal. 4. A prescrição do crime de dirigir sem habilitação A penalização da direção sem habilitação tem a pena de detenção de seis meses a um ano. “Art. 309. Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano: Penas – detenção, de seis meses a um ano, ou multa.” Ora, a prescrição penal deste dispositivo é de, no máximo, três anos (art. 109, IV do CP). Com efeito, a máquina do Dr. Emmett Doc Brown (personagem do filme “De volta para o futuro”) não poderia criar uma prescrição administrativa maior que a prescrição penal – e nem o Direito brasileiro admite isto. Excepcionalmente, o art. 329 do CTB prevê o prazo de cinco anos para a comprovação de ausência de condenação criminal em alguns tipos penais graves para os condutores de coletivos:


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“Art. 329. Os condutores dos veículos de que tratam os arts. 135 e 136, para exercerem suas atividades, deverão apresentar, previamente, certidão negativa do registro de distribuição criminal relativamente aos crimes de homicídio, roubo, estupro e corrupção de menores, renovável a cada cinco anos, junto ao órgão responsável pela respectiva concessão ou autorização.” Esta é, contudo, exceção, vinculada a alguns ilícitos penais e não, administrativos. 5. A Resolução 182/03 do Contran Esta regra foi repetida na Resolução 182/03 (dispõe sobre a uniformização do procedimento administrativo para imposição das penalidades de suspensão do direito de dirigir e de cassação da Carteira Nacional de Habilitação) no art.6º, §2º: “Art. 6º. Esgotados todos os meios de defesa da infração na esfera administrativa, os pontos serão considerados para fins de instauração de processo administrativo para aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir. (…) § 2º. Se a infração cometida for objeto de recurso em tramitação na esfera administrativa ou de apreciação judicial, os pontos correspondentes ficarão suspensos até o julgamento e, sendo mantida a penalidade, os mesmos serão computados, observado o período de doze meses, considerada a data da infração.”


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Assim, o prazo para a imposição da sanção continua a ser de um ano. 6. Antecedentes da Resolução 182/2003 Antes do advento da Resolução 182/2003, tínhamos a Resolução 54/1998 que em matéria de aplicação da suspensão do direito de dirigir dispunha no art. 3º, § 1º, o seguinte: “Art. 3º O cômputo da pontuação referente às infrações de trânsito, para fins de aplicabilidade da penalidade de suspensão do direito de dirigir, terá a validade do período de 12 (doze) meses. § 1º A contagem do período expresso no caput deste artigo será computada sempre que o infrator for penalizado, retroativo aos últimos 12 (doze) meses.” A regra simplesmente foi repetida. 7. Para a imposição da suspensão do direito de dirigir Para a aplicação da sanção administrativa da suspensão do direito de dirigir é necessária a instauração de processo administrativo, nos termos do art. 8º combinado com o art. 19 da Resolução 182/03: “Art. 8º. Para fins de cumprimento do disposto no inciso II do Art. 3º desta Resolução será instaurado processo administrativo para aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir quando esgotados todos os meios de defesa da infração na esfera administrativa. (…)


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Art. 19. Mantida a penalidade pelos órgãos recursais ou não havendo interposição de recurso, a autoridade de trânsito notificará o infrator, utilizando o mesmo procedimento dos §§ 1º e 2º do art. 10 desta Resolução, para entregar sua CNH até a data do término do prazo constante na notificação, que não será inferior a 48 (quarenta e oito) contadas a partir da notificação, sob as penas da lei.” O Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de interpretar um ano na prescrição e de afastar procedimentos sem o devido processo administrativo. Neste sentido vejamos o RESP nº 800963/RS, em 2005/0198105-9, Relator Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgamento em 15/02/07: “Ementa: Administrativo. Código de Trânsito Brasileiro. Permissão para dirigir. Concessão da Carteira Nacional de Habilitação Definitiva. Condutor autuado por infração gravíssima durante o período de prova de um ano. Recurso Administrativo Pendente. Violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa. 1. Trata-se de recurso especial interposto nos autos de mandado de segurança impetrado por motorista portador de Permissão para Dirigir contra o Diretor do DETRAN/RS, buscando o direito de obter a CNH definitiva após o período de prova de 1 (um) ano, apesar da ocorrência de autuações por infrações de trânsito de natureza gravíssima, que ainda estão pendentes


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de julgamento na esfera administrativa. A sentença concedeu a segurança sob o entendimento de que não podem ser considerados os efeitos do ato infracional antes de julgados os recursos administrativos. Interposta apelação pelo DETRAN/RS, o acórdão do TJRS deu provimento ao apelo sob o fundamento da falta de interesse do impetrante, visto que as multas já haviam sido pagas, e o pagamento convalida o vício. O impetrante opôs embargos de declaração, os quais foram acolhidos, mas mantiveram a conclusão do acórdão embargado quanto ao provimento da apelação. No recurso especial o recorrente alega violação do art. 290 do CTB, sustentando que as penalidades de trânsito somente podem ser cadastradas no RENACH (Registro Nacional de Carteiras de Habilitação) após o esgotamento dos recursos administrativos. 2. Os §§ 3º e 4º do art. 148 do CTB impõem a penalidade de suspensão do direito de dirigir, obrigando o condutor detentor de Permissão para Dirigir a reiniciar o processo de habilitação caso, no período de prova de 1 (um) ano, tenha cometido infração grave ou gravíssima ou seja reincidente em infração média. 3. Entretanto, urge salientar que a aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir, bem como todas as demais previstas no Código de Trânsito, reclama prévio processo administrativo, com observação das garantias constitucionais do devido processo legal, contraditório e da ampla defesa, estes consectários do primeiro (CF, art. 5º, LIV e LV).


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4. O CTB expressamente dispõe no art. 265 que “As penalidades de suspensão do direito de dirigir e de cassação do documento de habilitação serão aplicadas por decisão fundamentada da autoridade de trânsito competente, em processo administrativo, assegurado ao infrator amplo direito de defesa.” 5. A ocorrência de infração grave ou gravíssima somente poderá constituir obstáculo à concessão da CNH definitiva ao detentor de Permissão para Dirigir após o trânsito em julgado administrativo da decisão que confirme a validade do ato infracional a ele imputado. 6. Recurso especial provido.” Pelo que temos notícia, isto não está acontecendo, pois o condutor simplesmente é notificado – e pronto, tudo está resolvido, sem se cumprir o procedimento administrativo legal que garante a defesa técnica, os recursos a ela inerentes e decisões motivadas e com fundamentos legais e fáticos. Mesmo a bordo do Deloren o Detran do Paraná não pode alterar o passado. Este procedimento do “devido processo legal” foi incluído na Constituição de 1988 (art. 5º, inciso LIV) e esta tradição remonta o direito anglo saxão proveniente do due process of law instituído em 1215. 8. A prescrição da própria penalidade da suspensão A prescrição da penalidade de suspensão é de cinco anos, nos termos do art. 22 da referida Resolução:


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“Art. 22. A pretensão punitiva das penalidades de suspensão do direito de dirigir e cassação de CNH prescreverá em cinco anos, contados a partir da data do cometimento da infração que ensejar a instauração do processo administrativo.” Mesmo este prazo é controvertido e questionável, pois foi instituído por meio de Resolução, e a matéria de prescrição somente pode ser objeto de lei em sentido estrito, isto é, depende de aprovação do Congresso Nacional. Com efeito, não se pode legislar e impor penas por meio de resoluções, pois estas apenas podem regulamentar a matéria de lei, isto é, esclarecer pontos vagos, sem alterar a lei na matéria de fundo. Mesmo que se considere legal esta previsão, ela seria aplicável somente à penalidade de suspensão propriamente dita e não às infrações que a geraram. Mas isto não é possível, pois a própria penalidade regulada pelo direito penal é de apenas três anos, conforme se demonstrou no item anterior (7). 9. A irretroatividade da interpretação nova Ainda que a “interpretação” nova seja possível, acreditamos que não encontra fundamento legal, nem doutrinário, e esta “interpretação” não poderia ser aplicada retroativamente.


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“A Lei 9784/99 que regula o processo administrativo no âmbito da Administração federal proíbe interpretações retroativas no seu art. 2º, inciso XIII: Art. 2° A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. (…) Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: (…) XIII. interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.” A interpretação somente poderia retroagir para beneficiar o réu e não para prejudicá-lo; in malam partem (vedação expressa prevista no art. 2º, parágrafo 2º, do Código Penal). 10. Conclusão De todo exposto, entendemos, respeitosamente, que: 1. A interpretação que alarga ou aumenta o prazo de um ano para cinco anos, sem lei formal, é absolutamente ilegal; 2. A prescrição de cinco anos somente pode ser prevista por lei e não por resolução do Contran (Princípio da Legalidade, caput do art. 37 CF); 3. Assinale-se que, mesmo por lei, o prazo de cinco anos estaria em desacordo com o sistema do CTB e os prazos estabelecidos na maior parte dos artigos daquele diploma legal;


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4. A Resolução do Contran 182/2003 prevê que a contagem para fins de aplicação da suspensão do direito de dirigir é no prazo de um ano a partir da infração, assim como a Resolução anterior previa (Resolução 54/1998); 5. Há impedimento legal de se alterar a interpretação de forma retroativa e danosa aos condutores. Isto é vetado pelo art. 2º, inciso XIII, da Lei 9784/99 (princípio da vedação da interpretação retroativa); 6. Não se pode ter a existência de processo sumário, isto é, sem a instauração de processo administrativo para se suspender a habilitação (princípio do devido processo legal, art. 5º, inciso LIV, da CF.); 7. A prescrição do delito penal de direção sem habilitação é inferior ao prazo de cinco anos (art. 109, inciso IV, do CP).“Interpretado” retroativamente, isto não possui respaldo no Direito Administrativo brasileiro, mas somente nos Estados de exceção, anteriores à Constituição de 1988; 8. O Superior Tribunal de Justiça afasta esta “interpretação” retroativa de cinco anos, e esclarece que ela é de apenas do ano e impõe a instauração de procedimento administrativo para a suspensão do direito de dirigir. (STJ, RESP 800963/RS); 9. As suspensões do direito de dirigir feitas sem a obediência dos requisitos legais do CTB e da Resolução 182/2003 são ilegais; 10. Resumindo: nem o Deloren da trilogia de filmes “De volta para o futuro” poderia alterar esta realidade.



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3.19. As multas da URBS e a decisão do STJ. 11 de novembro de 2009 A URBS não pode aplicar multas, pois o poder de polícia é indelegável. Esta tese defendemos desde que se iniciou o Estar em Curitiba e a recente e próspera indústria que fez escola na capital paranaense e se espalhou pelo Paraná afora como Zona Azul, Verde etc. Atualmente os empregados da URBS aplicam toda e qualquer multa de trânsito em virtude de “convênio” feito com o Governo do Estado do Paraná. Todos sabem disto, mas a situação é a seguinte: pagar a multa é muito mais prático e barato do que contratar um advogado, ajuizar uma ação na Justiça e aguardar muitos anos até que se declare a nulidade. Resultado: segue o baile. Mas é bom ler a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça: “BHTrans não pode aplicar multa de trânsito A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, por unanimidade, que a Empresa de Transporte de Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans) não tem poder para aplicar multas de trânsito na capital mineira. A Turma deu provimento ao recurso especial do Ministério Público de Minas Gerais.


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O julgamento foi concluído hoje (10) com a apresentação do voto-vista do ministro Herman Benjamim. Seguindo entendimentos doutrinários, o ministro ressaltou que as sociedades de economia mista têm fins empresariais e servem para desempenhar atividade de natureza econômica. “Nesse aspecto, é temerário afirmar que o trânsito de uma metrópole pode ser considerado atividade econômica ou empreendimento”, afirmou no voto-vista. Por essas razões, o ministro Herman Benjamim seguiu o voto do relator, ministro Mauro Campbell Marques, no sentido de considerar impossível a transferência do poder de polícia para à sociedade de economia mista, que é o caso da BHTrans. Todos os demais ministros da Segunda Turma acompanharam essa tese. A decisão do STJ reforma o acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ/MG), que havia decidido que a BHTrans, criada com o objetivo de gerenciar o trânsito de Belo Horizonte, teria competência para aplicar multa aos infratores de trânsito, nos termos do artigo 24 do Código Nacional de Trânsito.”



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3.20. A Inconstitucionalidade das Novas Alterações do Código de Trânsito. 1° de julho de 2008 A Lei nº 11.705 de 19 de junho de 2008, dentre outras inconstitucionalidades, instituiu no art. 276 do Código Brasileiro de Trânsito e no art. 1º do Decreto 6.488, de 19 de junho de 2008, índices de tolerância de álcool no sangue totalmente incompatíveis com o real estado de possível embriaguez do motorista. Trocando em miúdos, uma pequeníssima ingestão de álcool possibilitará a lavratura de multa, sendo que, se o motorista se recusar à feitura de qualquer teste de alcoolemia, a exemplo do bafômetro, receberá multa e retenção do veículo. Essa pequena ingestão pode ser ocasionada, em tese, por um simples bombom licorado, um diminuto aperitivo antes do almoço ou até um bochecho de produto de higienização bucal. Isto é, a mesma legislação mulçumana do Qatar, Jordânia e Emirados Árabes Unidos, no “país da feijoada”. Essa lei é inconstitucional pois fere o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, pois o Estado não deve agir com demasia na execução dos seus objetivos. (STF: ADI-MC 855/ PR, ADI-MC 2667/DF – art. 5º, inciso LIV da Constituição Federal) Também é inconstitucional a obrigatoriedade do exame de alcoolemia, pois ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. (art. 5º, inciso LXIII da Constituição Federal) Ao invés, de se fazerem campanhas educativas e se proibir seriamente a propaganda de bebidas alcoólicas, temos a punição rigorosa e arrecadadora.



IV Oratรณria


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Claudio Henrique de Castro

4.1. Professor dá dicas para advogados desenvolverem boa oratória 14 de agosto de 2009 O medo de falar em público é comum e mesmo oradores mais experientes admitem que sentem um certo temor quando vão expor algum assunto. Com os advogados, que muitas vezes têm que se manifestar oralmente em defesa de suas ações, o receio de falar em público também está presente. Para lidar com este sentimento, o advogado e professor do curso Como falar corretamente e sem inibições, da Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB Paraná, Cláudio Henrique de Castro, diz que através de técnicas é possível lidar com este medo. São técnicas simples para o advogado aplicar no dia a dia. Com a aplicação das técnicas que o aluno recebe no curso, ele consegue se desenvolver sozinho, comentou Cláudio. A comunicação eficiente, oral, é peça fundamental para o trabalho dos advogados, por isso os cursos de oratória são tão procurados pelos profissionais em todas as etapas da carreira, seja no início do exercício da profissão ou mesmo por profissionais mais experientes que sentem necessidade de se reciclar. O advogado e professor conta que há pelo menos 15 anos participa e ministra cursos de oratória, e que começou a promover quando ainda estava na faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná. Teve algumas palestras que foram inesquecíveis como de Alir Ratacheski, que fazia sustentação oral no Tribunal de Justiça e Hélio Narezi, que fazia júri, os dois já falecidos. Considero os advogados René Ariel Dotti, Aloísio Surgik, Rolf Koerner Junior e Romeu


Reflexões sobre o Direito e o cotidiano

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Felipe Bacellar grandes oradores. É sempre uma aula assistir a uma palestra com algum deles, comentou Castro. Na segunda-feira (17), acontece o último encontro de uma turma do professor Cláudio, quando os alunos terão que se manifestar oralmente. Novas turmas estão previstas para a subseção de Maringá em setembro, e na sede da Seccional em novembro. Durante as aulas os alunos aprendem a preparar discursos, trabalham o improviso, a gestualidade, a postura e tentam superar vícios. Para quem não conseguiu participar das aulas, mas sente necessidade de melhorar sua oratória, o professor Cláudio sugere algumas dicas. Primeiro, é a indicação para leitura de três livros práticos sobre a expressão oral: Oratória para advogados e estudantes de Direito, de Reinaldo Polito, autor de vários livros sobre oratória e o primeiro voltado para advogados, lançado pela editora Saraiva em 2008; Como fazer apresentações, de Tim Hindle, lançado pela Publifolha em 1999, e Eles, os Juízes, vistos por um advogado, da Martins Fontes, de 1998. Cláudio Henrique de Castro também recomenda 10 passos mínimos para uma boa apresentação oral: 1. Saiba o que vai dizer; 2. Leve um roteiro com os passos da apresentação; 3. Imprima o texto em um cartão grosso 4. Não tenha pressa em começar e em terminar; 5. Cumprimente com calma os ouvintes 6. Deixe as mãos apoiadas 7. Branco = Na verdade quero dizer que... 8. O segredo é uma preparação consistente 9. Administre o tempo 10. Seja espontâneo e explore seus pontos positivos


Claudio Henrique de Castro (Curitiba - PR), é Advogado e publicou os livros: O Direito e o Caso Concreto (2000); Arte, Direito & Utopia (2001); A Globalização: definição, efeitos e possibilidades no Direito (2001); A Sociedade Vigiada e as Punições Invisíveis (2010) e O Jeitinho no Direito Administrativo Brasileiro e seus efeitos no Desenvolvimento (2011).


Essa é a riqueza do novo livro do autor: a observação crítica sobre os problemas atuais da nossa existência como o exercício da cidadania, o trânsito cujas estatísticas revelam uma guerra civil oculta permanente e a questão urgente, vital e planetária que é a sustentabilidade ambiental. Para os amantes da observação crítica, da democracia, da pluralidade de ideias, as indagações e assertivas do autor significam uma soma ao pensamento crítico da sociedade sobre a sua existência

Vitorio Sorotiuk

www.endereçodolivro.com.br


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