Canções da Terra, Canções do Mar

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Mônica Pedrosasoprano Fernando Araújoviolão

Canções da Terra Canções do Mar



Para AndrĂŠ e Bernardo


Canções da Terra, Canções do Mar O repertório brasileiro de canções eruditas, habitualmente designadas como canções de câmara, é expressivo. Espaço privilegiado de diálogo entre a cultura oral e a cultura musical escrita, entre o contexto universal e nossas raízes nacionais, entre diferentes culturas e temporalidades, essas canções encontram ressonância em diferentes segmentos de nossa população. Trata-se de literatura original, que recebe tratamento musical elaborado, colorido e repleto de nuances, e que traduz aspectos sociais, afetivos e estéticos de nossa sociedade e de nossa cultura. Esta coletânea é resultado de um trabalho que desenvolvemos há vários anos, de pesquisa e divulgação das canções de câmara brasileiras, em especial daquelas escritas para canto e violão, ou que se mostrem adequadas à transcrição para essa formação. Das vinte canções que integram o CD, quatro delas foram concebidas originalmente para canto e violão: as canções de Guerra-Peixe, e Amazônia, de Marlos Nobre. A Canção do amor, de Villa-Lobos, foi arranjada pelo próprio compositor, e as quinze restantes foram transcritas por Fernando Araújo, a partir dos originais para canto e piano ou orquestra. Um fio temático une as canções escolhidas para esta coleção: todas elas, de alguma forma, falam de terra e de mar, retratando sentimentos espelhados na natureza, nas florestas, na lua, na imensidão das paisagens. Falam de saudade e melancolia, veleiros, folhas, pássaros, entardecer e amanhecer. Abrangendo o período que vai da década de 1920 à atualidade, este repertório perpassa vários momentos da história da canção de câmara brasileira, com ênfase na estética nacionalista. De temperamentos opostos, Heitor Villa-Lobos e Oscar Lorenzo Fernandez foram amigos e parceiros durante o movimento nacionalista que surgiu com o modernismo nas artes. A exuberância das quatro canções de Villa-Lobos, integrantes da obra sinfônica Floresta do Amazonas (1958), contrasta com a intimidade e introspecção das canções Coração inquieto (1938), Vesperal (1946) e Trovas de amor (1947), de Lorenzo Fernandez. Cláudio Santoro e César Guerra-Peixe foram, em sua juventude, ligados ao grupo dodecafônico Música Viva. Posteriormente, retomaram a escrita tonal e os temas nacionais. As canções de Santoro, escritas em 1958 e 1959, integram


a série de doze Canções de Amor sobre texto de Vinícius de Moraes. Datam de 1969 o enigmático vocalise Mãe d’água, de Guerra-Peixe, e as duas canções sobre textos do poeta amazonense Elson Farias. Helza Camêu foi aluna de Lorenzo Fernandez. Primeira mulher a escrever uma composição sinfônica no Brasil, Camêu é autora de uma obra vasta, de grande complexidade, bela em seu extremado tormento e desconhecida. Saudade e De leve datam, respectivamente, de 1929 e 1948. A obra do compositor paraense Waldemar Henrique mantém estreitos laços com essa região misteriosa e fantástica que é a Amazônia. Valsinha do Marajó (1946) foi escrita originalmente para piano solo. Em sua dedicatória, encontramos os dizeres: “Praia de Matafome à tardinha. Um violão e uma saudade”. Esse mesmo tema da vela e da jangada é retomado por Altino Pimenta, também nascido em Belém do Pará. Sua obra, que traduz a natureza e os costumes brasileiros, tem a Amazônia como referência permanente, aqui retratada, em Vela morena (s.d.), na saudade crescente que acompanha a vela que se afasta ao infinito. Do compositor Marlos Nobre, natural do Recife, escolhemos duas peças vibrantes: Dengues da mulata desinteressada, de 1966, e Amazônia I (Desafio XVIII), de 1994. Esta última foi dedicada ao nosso duo e estreada no Weill Recital Hall at Carnegie Hall, em Nova York. Integrante de uma série de peças escritas à maneira de desafios para dois instrumentos, essa obra possui texto do próprio compositor, que se utiliza de nomes de pássaros da floresta amazônica. Frutos da tradução e reelaboração da produção musical de diferentes culturas, nacionais e estrangeiras, as canções de câmara brasileiras são, por natureza, heterogêneas. É por isso que nelas podemos sempre encontrar traços de identificação, especialmente quando o violão, instrumento tão identificado com a cultura brasileira e com outras tantas culturas contemporâneas, é utilizado em sua performance. Ao transcrever a parte do piano para o violão, pretendemos lançar sobre as canções uma nova luz. Apresentamos, assim, uma oportunidade renovada para sua apreciação, ao mesmo tempo em que possibilitamos ao ouvinte repensar e melhor compreender a escrita original das mesmas. Esperamos que estas canções sejam fonte de encantamento para profissionais e estudantes de música, e todos aqueles que se interessam pela música de qualidade. Mônica Pedrosa e Fernando Araújo


Songs of the Land, Songs of the Sea The Brazilian repertory of art songs is quite significant. A privileged space for a dialogue between oral and written musical culture, between the universal context and our national roots, between different cultures and temporalities, these songs find a resonance in different segments of our population. This is matter of original literature that receives musical treatment that is elaborate, colorful and replete with nuances. It also translates social, affective and aesthetic aspects of our society and our culture. This collection is the result of several years of work on the research and dissemination of Brazilian art songs, especially those written for voice and guitar, or those that are suitable for the transcription for this format. Four of the twenty songs that make up the CD were originally written for voice and guitar: the three songs of Guerra-Peixe and Marlos Nobre’s Amazônia. The Canção do amor, of Villa-Lobos, was arranged by the composer himself, and the fifteen remaining songs were transcribed by Fernando Araújo from the originals for voice and piano or orchestra. A common thread unites the songs chosen for this collection: all of them, in some way, speak of the land and the sea, and portray emotions that are mirrored in nature, in the forests, in the moon, in the vast landscapes. They speak of longing and melancholy, sailboats, leaves, birds, twilight and dawn. Covering the period from the 1920s to the present, this repertory revisits several moments in the history of Brazilian art song, with an emphasis on nationalist aesthetics. Although of opposing temperaments, Heitor Villa-Lobos and Oscar Lorenzo Fernandez were friends and partners during the nationalist movement that emerged with modernism in the arts. The exuberance of the four songs of Villa-Lobos, which form part of the symphonic work Floresta do Amazonas (Forest of the Amazon) (1958), contrast with the intimacy and introspection of the songs Coração inquieto (1938), Vesperal (1946) and Trovas de amor (1947), of Lorenzo Fernandez. Cláudio Santoro and César Guerra-Peixe were, in their youth, associated with the dodecaphonic group Música Viva. Later, they returned to tonal writing and national themes. Santoro’s songs, written in 1958-59, are a part of the series of


twelve Love Songs with lyrics by the poet Vinícius de Moraes. The enigmatic vocalization of Guerra-Peixe, Mãe d’água, and the two songs with lyrics by the Amazonian poet Elson Farias, date from 1969. Helza Camêu studied with Lorenzo Fernandez. The first woman to compose a symphonic work in Brazil, Camêu is the composer of a vast oeuvre of great complexity, unknown and beautiful in its extreme torment. Saudade and De leve date, respectively, from 1929 and 1948. The works of Waldemar Henrique, a composer from the state of Pará, maintain close ties with the mysterious and fantastic region of the Amazon. Valsinha do Marajó (1946) was originally written for solo piano. In the dedication, we find these words: “Matafome Beach in the afternoon, with a guitar and a longing.” The same theme of sails and rafts is also taken up by Altino Pimenta, who was also born in Pará. His work, which translates Brazilian nature and customs, has the Amazon region as its permanent reference, portrayed here, in Vela morena (n.d.), in the growing longing that accompanies the sail vanishing into the infinite. From the composer Marlos Nobre, who was born in Recife, we have chosen two vibrant pieces: Dengues da mulata desinteressada of 1966, and Amazônia I (Desafio XVIII) of 1994. This last piece was dedicated to us and had its premier at the Weill Recital Hall at Carnegie Hall, New York. A part of a series of pieces composed in the manner of challenges for two instruments, the song has lyrics of the composer himself, which are based on names of Amazonian birds. The result of the translation and reworking of the musical production of different national and foreign cultures, Brazilian art songs are, by their very nature, heterogeneous. It is for that reason that we can always find in them traces of identity, especially when the guitar, an instrument that is so closely identified with Brazilian and so many other contemporary cultures, is used in their performance. On transcribing the piano part for the guitar, we have intended to cast a new light on the songs. In this way, we offer a renewed opportunity for their appreciation, at the same time that we make it possible for the listener to rethink and better understand their original composition. We hope that these songs will be a source of enchantment for professionals and students of music, as well as everyone who is interested in quality music. Mônica Pedrosa e Fernando Araújo


01

Amor em lágrimas Ouve o mar que soluça Na solidão Ouve, amor, o mar que soluça Na mais triste solidão. E ouve, amor, os ventos que voltam Dos espaços que ninguém sabe Sobre as ondas se debruçam E soluçam de paixão. E ouve, amor, no fundo da noite Como as árvores ao vento Num lamento se debruçam E soluçam para o chão. Deixa, amor, que um corpo sedento Como as árvores e o vento No seu corpo se debruce E soluce de paixão.

Love in tears Listen to the sea that sobs In solitude Listen, my love, to the sea that sobs In the saddest solitude. And listen, my love, to the winds that return From the spaces that no one knows Over the waves they lean And weep with passion And listen, my love, in the depths of night How the trees in the wind In a lament lean over And weep to the ground Let, my love, a body thirsty Like the trees and the wind Lean on your body And sob with passion.


02

Luar de meu bem

O meu amor mora longe Tão longe que nem sei mais A lua no céu também mora longe Mas brilha no mar Assim o meu bem Que quanto mais além Mais me faz pensar Saudade, meu desespero, É minha consolação Diz ao meu bem que eu não quero Sentir mais saudade não.

My dearest’s moonlight My love lives far away So far away I no longer know The moon also lives far away in the sky But shines on the sea And so with my dear one The further she is The more she makes me think Longing, my despair, Is my consolation Say to my dearest that I no longer Want to miss her.


Acalanto da rosa

03

Dorme a estrela no céu Dorme a rosa em seu jardim Dorme a lua no mar Dorme o amor dentro de mim É preciso pisar leve É preciso não falar Meu amor quando adormece Que suave o seu perfume Dorme em paz rosa pura O teu sono não tem fim.

Lullaby of the rose The star sleeps in the sky The rose sleeps in its garden The moon sleeps on the sea Love sleeps inside me One must step lightly One must not talk My love, when asleep So mild is her perfume Sleep in peace, pure rose Your slumber has no end.


Amor que partiu

04

Dor de querer quem não vem Dor de viver sem seu bem Ó dor que perdoa ninguém Meu amor não tem compaixão Partiu, ó flor Paixão, amor que partiu Tem dó de mim Assim sem meu bem Ó vem perto de mim Que sofro na solidão Tão triste dor.

Love that has left The pain of wanting someone who doesn’t come The pain of living without your loved one Oh, the pain that forgives no one My love has no compassion She left, oh flower Passion, love that has left Feel sorry for me Like this, without my love Oh, come close to me For I suffer in solitude The saddest pain.


05

Resta sim é remover

Resta, sim, é remover As cinzas do teu olhar, De modo a inflamar chama Da tua dor interior. Limparás o campo claro Do teu corpo, largo mar, Tudo terá aos teus olhos Um sabor puro de ver. Estarás assim mais nova Que a água recém-rachada, Como hástea de lenha verde Que acabou de ser cortada.

All that really remains is to remove The ashes of your gaze In order to inflame the flame Of your inner pain

All that remains is to remove

You shall clean the bright field Of your body, broad sea, Everything, to your eyes, will have A pure taste of seeing. You will then be younger Than spring water, Like a branch of green wood That has just been cut.


Nesta manhã, És um vaso vago, Inteira como a água, Simples e sóbria, azul. Tua fala quero-a fina, Molhada, aberta, Como um corpo de folhas.

Nesta manhã

06

Nesta manhã de retalho Com navalhas de água, Verá teu nome no verso quem o ler, Tua forma exata, perene, Extrema, terna alegria de viver. Nesta manhã Te procuro nos cravos e avencas. És folhas ou flor, Ave, pedra, Silêncio.

Nesta manhã És livre, Virás como queiras, De vestes ou nua, Dançando ou estática estátua de névoa. Virás como os vinhos dos frutos silvestres, Sonora e travosa terrestre.

This morning

This morning You are an empty vase, Whole as the water, Simple and sober, blue. Your voice, I want it slender Wet, open Like a body of leaves.

This morning You are free You will come as you wish Clothed or naked, Either dancing or static like a statue of mist You will come like the wine of wild berries Earthy and sonorous

This morning Patched With water razors Whoever reads the verse will see your name Your exact, perennial shape, Extreme, tender joy of living.

07

This morning I look for you In ferns and carnations. You are leaves or a flower, A bird, a stone, Silence.

Mãe d’agua


Cair da tarde

08

A garça voou, A sombra ficou, A noite desceu Levando o brancor.

O ramo gemeu, O ninho vibrou, O rio bebeu As nuvens do céu.

A mata dormiu, O vento acabou, A folha caiu Fazendo rumor ao tocar.

O eco passou Bem perto daqui, As vozes levou, Rompendo manhãs ao morrer.

Twilight The heron flew, The shadow stayed, The night fell Taking the whiteness.

The The The The

branch moaned, nest trembled, river drank clouds of the sky

The forest slept, The wind ceased, The leaf fell Rustling when it touched the groud.

The echo passed Very close by, It took the voices, Breaking up the mornings as it died.


Velas no mar Vão deixando passar A tarde anil E outras ondas Vem levar.

Veleiros

Sempre existe na mágoa Doce murmúrio De um triste amor.

09

Quanta tristeza Ondas do mar Neste vai e vem Sem me levar Pois sempre eu fiz Muita atenção Em não pisar Teu coração.

Longe no céu Vai a onda jogar Tudo que é meu Dentro do mar Sem me esperar. Lua, lua branquinha Lua crescente Vem devagar.

Sailboats The sails on the sea Let the indigo afternoon Go by And other waves Take them away. There is aways in sorrow A sweet murmur Of a sad love.

So much sadness Waves on the sea In this coming and going And never taking me For I’ve always taken A lot of care Not to tread on Your heart.

Far away in the sky The wave hurls All that is mine Into the sea Without waiting for me. Moon, so white a moon Crescent moon Come slowly.


Canção do amor

10

Sonhar na tarde azul Do teu amor ausente Suportar a dor cruel Com esta mágua crescente. O tempo em mim agrava O meu tormento, amor! Tão longe assim de ti Vencida pela dor Na triste solidão Procuro ainda te encontrar Amor, meu amor!

Tão bom é saber calar E deixar-se vencer Pela realidade. Vivo triste a soluçar Quando, quando virás em fim Sinto o ardor dos beijos teus Em mim. Qualquer pequeno sinal E fremente surpresa Vem me amargurar.

Love song Dreaming in the blue afternoon Distant from your love Bearing the cruel pain With this growing sorrow. The time, in me, increases My torment, my love! So far away from you Overcome by pain In this sad solitude I still try to find you Love, my love!

Tão doce aquela hora Em que de amor sonhei Infeliz, a sós, agora Apaixonada fiquei Sentindo aqui fremente O teu reclamo amor Tão longe assim de ti Ausente ao teu calor Meu pobre coração Anseia sempre a suplicar Amor, meu amor!

So good to know how to be silent And let oneself be overcome By reality. I am so sad and tearfull When, when will you finally come? I feel the ardour of your kisses In me. At the slightest sign A trembling surprise Comes to embitter me. So sweet that hour When I dreamed of love Now, unhappy, alone, I am ardently in love Hearing here tremblingly, Your complaint, my love. So far away from you Far from your warmth My poor heart Yearns, pleading for you Love, my love.


Melodia sentimental Acorda, vem ver a lua Que dorme na noite escura Que fulge tão bela e branca Derramando doçura Clara chama silente Ardendo o meu sonhar. As asas da noite que surgem E correm no espaço profundo Ó doce amada desperta Vem dar teu calor ao luar. Quisera saber-te minha Na hora serena e calma A sombra confia ao vento O limite da espera Quando dentro da noite Reclama o teu amor. Acorda, vem olhar a lua Que brilha na noite escura Querida és linda e meiga Sentir meu amor e sonhar.

11 Sentimental melody Arise, come see the moon That sleeps in the dark night That glows so beautiful and white Dropping sweetness A clear, silent flame Burning my dreams. The wings of the night that arise And run into deep space O, sweet love, awake And give your warmth to the moonlight. I wish you were mine In this calm, serene hour The shadow trusts the wind The limits of the waiting When, in the depths of the night, It demands your love. Arise, come see the moon That shines in the dark night Darling , you are beautiful and gentle Come feel my love and dream.


Coração inquieto

12

Há quanto tempo sigo atento o teu bater Inquieto e misterioso coração E bates sem que eu possa compreender a razão Inquieto e misterioso coração Anxious heart Em vão procuro às vezes sufocar-te E então tu ainda bates mais... For a long time I have followed attentively your beating, anxious and mysterious heart Porquê ? And you beat, and I cannot understand why Anxious and mysterious heart In vain do I try sometimes to suffocate you And then you beat even more... Why?


Vesperal

13

O céu parece que adormece, o céu profundo... Paira no ar um longo beijo doloroso, caricioso... A tarde cai. A sombra desce sobre o mundo. A sombra é um lábio silencioso...

Vesperal The sky seems to be asleep, the deep sky... A long, painful kiss floats in the air caressing... The afternoon falls. The shadow descends upon the world. The shadow is a silent lip...


14

Trovas de amor Sonhei que tinha morrido Deitado no frio chão Sentia que o teu pezinho Pisava meu coração Tu me trouxeste sorrindo O amor e a ressurreição.

Quando vens que maravilha Um novo sol se levanta Parece que tudo brilha Parece que tudo canta.

Só creio no paraíso De que o profeta falou Porque a flor do teu sorriso Para mim desabrochou.

Vou sob a lua sonhando Sozinho no teu jardim Para as estrelas contando As minhas mágoas sem fim.

Verses of love

I dreamed that I had died Lying on the cold floor I felt that your little foot Was stepping on my heart Smiling, you brought me Love and ressurrection.

When you arrive, how wonderful! A new sun rises Everything seems to shine Everything seems to sing.

I only believe in the paradise The prophet spoke about Because the flower of your smile Blossomed for me.

In the moonlight I dream Alone in your garden Telling the stars My endless sorrows.


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Saudade

Belos amores perdidos, muito fiz eu com perder-vos. Deixar-vos, sim, esquecer-vos Fora demais, não o fiz.

Roseira de tanta rosa, Roseira de tanto espinho, Que eu deixei pelo caminho Aberta em flor e parti.

Tudo se arranca do seio Amor, desejo, esperança. Só não se arranca a lembrança De quando se foi feliz.

Por não me perder perdi-te Mas mal posso assegurar-me Com te perder e ganhar-me Se ganhei ou se perdi.

Longing

Beautiful lost loves, I did so much by losing you. Yes, I left you, but to forget you Had been too much, I didn´t do it.

Rosebush with so many roses, Rosebush with so many thorns, That I lost along the way Opened in flower, and I left.

Everything can be torn from the bosom Love, desire, hope… But we can´t tear the memories Of the time we were happy

So as not to be lost, I lost you But I can hardly be sure By losing you and finding myself If I have won or lost…


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De leve Pisa de leve…de leve Como quem não quer pisar… Meu coração nunca teve Tanta alegria de amar. Pisa de leve… de leve Como quem não quer andar Pois, assim, um anjo escreve Sinfonias ao luar. Pisa de manso… de leve Ao ritmo do coração. Como se triste estivera A pensar no cair da neve Na angústia da vã espera Ou na morte da ilusão!

Lightly Step lightly...lightly Like one who doesn’t want to step... My heart has never had So much joy in loving. Step lightly…lightly Like one who doesn’t want to step... For in this way does an angel compose Moonlight symphonies. Step gently... lightly To the rhythm of the heart As if you were sad Thinking about the falling snow, About the anguish of waiting in vain Or about the death of illusion!


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Vela morena Vela morena beijada pelo vento imagem transparente de uma noite de luar Vais embora amorosa Vais embora mar adentro impossĂ­vel paixĂŁo de aportar antes tarde do que nunca te contemplo E ainda que o medo em ti velejo, sentimento espero um dia, vela morena no horizonte te encontrar.

Brunette sail Brunette sail Kissed by the wind Transparent image Of a moonlit night You go away amorous You go across the sea Impossible passion to land Better late than never I contemplate you And, although I fear, I sail on you, feelings. I hope to find you, brunette sail One day in the horizon.


Valsinha do Marajó

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Quando a lua, tão formosa, tão serena, Banha de esplendor a praia, Com seus raios sobre o mar! Uma esteira de luz guia a canoa, Que na noite constelada, vai singrando o mar! Eu me lembro de um bravo canoeiro, Que no mar, seu cativeiro, passa horas a cantar! O murmúrio vem de tão distante, Canoeiro errante, teu a amor é o mar!

Lembro da jornada alegre matutina, A canoa parte pequenina, Num adeus que a própria brisa doce carregou. Mas triste é quando se aproxima um temporal, E o canoeiro bravo que partiu ainda não voltou. Onda, porque choras lágrimas cantantes? Tuas vagas rolam soluçantes, Sobre a alvura dessas praias cheias de luar, Escuta aquela voz que vem lá do infinito, Canto tão bonito, que parece Ser do próprio mar!

Little waltz from Marajó When the moon, so fair, so serene, Bathes the beach with splendour, With its beams upon the sea! A mat of light guides the boat That, in the starry night, sails the sea! I remember a brave boatman, who, Captive on the sea, spends hours singing! The murmur comes from the distance, Wandering boatman, your love is the sea!

I remember the happy morning journey, The boat leaves, so small, In a farewell carried by a sweet breeze. But it’s sad when a storm comes, And the brave boatman has not yet returned. Sea, why do you cry these singing tears? Your waves roll weeping On the whiteness of the beaches in the moonlight, Listen to that voice that comes from the infinite, Such beautiful singing, that it seems to be sung by the sea itself!


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Dengues da mulata desinteressada Te dei um vidro de cheiro Te dei um colar de contas De nenhum fizeste conta. Comprei artigo estrangeiro Outro vidro, outro colar. Não quiseste olhar. Vendo que eras ambiciosa Te prometi um vestido. Disseste: - Eu rasgo, atrevido! Mas falei baixinho: - Rosa... Fui buscar o meu violão E suspiraste: - Romão...

Whims of the indifferente mulata I gave you a bottle of perfume I gave you a necklace You cared for neither one. I bought imported gifts Another flask of perfume, another necklace. You didn’t care to look. Noticing that you were ambitious I promised you a dress. You said: - I’ll tear it up, insolent man! But I said quietly: - Rosa... I went and got my guitar And you sighed: - Romão...


Amazônia I – Desafio XVIII

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Arara canta no matão Sabiá vai cantar O Rouxinol do sertão O Tangará Pica-pau O Corruíra Bem-te vi Guaxo Tinguaçu Bicudo Arapacu Araponga Seriema Araracuã Sabiá Bem-ti-vi Tinguaçu Surucuá Sabiá Bem-te-vi Tinguaçu Aracuã Rouxinol Inhambu Chororó Pica-pau Rouxinol Inhambu Pica-pau Bacurau Gavião Canuaru Maracá Azulão Jacamim Bem-tererê Sabiá vai cantar Vai cantar Bem-te-vi Vai cantar Azulão, Gavião Pica-pau

Amazônia I – Challenge XVIII

An Arara sings in the Matão The Sabiá will sing The Nightingale of the sertão The Tangará Pica-pau The Corruíra Bem-te vi Guaxo Tinguaçu Bicudo Arapacu Araponga Seriema Araracuã Sabiá Bem-ti-vi Tinguaçu Surucuá Sabiá Bem-te-vi Tinguaçu Aracuã Rouxinol Inhambu Chororó Pica-pau Rouxinol Inhambu Pica-pau Bacurau Gavião Canuaru Maracá Azulão Jacamim Bem-tererê Sabiá will sing Will sing Bem-te-vi Will sing Azulão, Gavião Pica-pau


Aracuã cantador Tangará corredor Pica-pau roedor Surucuá Sanarã Mutum Urutau Cantando Mutum Sabiá cantador Cantando Urutau Tovaca Tinguaçu Surucuá Inhambuguaçu Cantando Cantando no meu sertão Cigarras anunciam mudança feia no meu sertão Sabiá Bem-te-vi cantando

Aracuã the singer Tangará the runer Pica-pau the gnawer Surucuá Sanarã Mutum Urutau Singing Mutum Sabiá the singer Singing Urutau Tovaca Tinguaçu Surucuá Inhambuguaçu Singing Singing in my sertão Cicadas warn of an ugly change in my sertão Sabiá Bem-te-vi singing

Ouço o Uirapuru Vejo o Uirapuru Tinguaçu Surucuá Sabiá Bem-te-vi Tinguaçu Aracuã Rouxinol Inhambu Chororó Picapau Rouxinol Inhambu Pica-pau Bacurau Gavião Canuaru Maracá Azulão Jacamim Bem-tererê Cantando Cantando no meu sertão Cantando Araponga Juruviara Aracuã uã uã Irerê uê

I listen to the Uirapuru I see the Uirapuru Tinguaçu Surucuá Sabiá Bem-te-vi Tinguaçu Aracuã Rouxinol Inhambu Chororó Picapau Rouxinol Inhambu Pica-pau Bacurau Gavião Canuaru Maracá Azulão Jacamim Bem-tererê Singing Singing in my sertão Singing Araponga Juruviara Aracuã uã uã Irerê uê


Ficha Técnica Produção: Mônica Pedrosa e Fernando Araújo Gravação: Ultra Estúdio (Belo Horizonte), novembro e dezembro de 2008 Mixagem e masterização: Estúdio Engenho (Belo Horizonte) Edição: André Cabelo, Mônica Pedrosa e Fernando Araújo Gravação, mixagem e masterização: André Cabelo Assistente de gravação: Danilo Nascimento Debien (Skilo) Consultoria de som: Geraldo Vianna Fotografia: Marcelo Rosa (fotos tiradas no Parque Estadual da Serra do Rola-Moça, Minas Gerais) Tradução dos poemas: Mônica Pedrosa e Fernando Araújo Design gráfico e ilustrações: Claudio Parreiras Reis Nossos agradecimentos a Regina Maria Almeida Cruz, Marcelo José Almeida Hugo, Geraldo Vianna, André Cabelo e Grupo de Pesquisa “Resgate da Canção Brasileira”.



Mônica Pedrosa, soprano

Mônica Pedrosa tem se dedicado especialmente à pesquisa e divulgação da canção de câmara brasileira. Integrante do grupo de pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) “Resgate da Canção Brasileira”, atualmente grava a íntegra das canções de importantes compositores brasileiros. Natural de Belo Horizonte, é professora de Canto da Escola de Música da UFMG. Bacharel em Canto por essa instituição e Mestre pela Manhattan School of Music, de Nova York, teve como professores Marilene Gangana, Amin Feres e Natalie Bodanya. Obteve o Doutorado em Letras/Literatura Comparada pela Faculdade de Letras da UFMG, defendendo tese sobre as canções de Lorenzo Fernandez. Foi premiada em diversos concursos nacionais e internacionais, entre eles o XX Artists International Auditions, em Nova York, em duo com o violonista Fernando Araújo. Apresenta-se regularmente como solista e recitalista ao lado de renomados maestros e instrumentistas. Mônica Pedrosa has been especially interested in the research and dissemination of Brazilian Art Song. She is a member of “Recovering Brazilian Song”, a research group from the Federal University of Minas Gerais (UFMG), and is currently recording the complete songs of some of the most important Brazilian composers. Born in Belo Horizonte, she is a voice teacher at the School of Music of the UFMG. Mônica has a Bachelor’s Degree from that institution and a Master’s from the Manhattan School of Music, New York, and has studied with Marilene Gangana, Amin Feres, and Natalie Bodanya. She has a Doctorate in Comparative Literature from the College of Letters, UFMG, with a dissertation on the songs of Lorenzo-Fernandez. Mrs. Pedrosa has won awards at several national and international competitions, among which the XX Artists International Auditions, in New York, in a duet with guitarist Fernando Araújo, and performs regularly as soloist and recitalist with renowned conductors and instrumentalists.


Fernando Araújo, violonista

Nascido em Belo Horizonte, Fernando Araújo é Bacharel pela Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Mestre em Música pela Manhattan School of Music, de Nova York, tendo como professores José Lucena Vaz, Carlos Barbosa-Lima e Manuel Barrueco. Fernando Araújo obteve, entre outros, o Prêmio Turíbio Santos no II Concurso Internacional Villa-Lobos e o 1o. Lugar e Prêmio de Melhor Intérprete de Villa-Lobos no II Concurso Nacional Villa-Lobos. Lançado pelo selo Karmim, o CD “Universal”, no qual interpreta obras de Villa-Lobos, Piazzolla e Garoto, foi muito bem recebido pela crítica especializada. Atuante como concertista, Fernando Araújo é também professor da Escola de Música da UFMG e um dos coordenadores do Festival Internacional de Violão de Belo Horizonte, reconhecido como o mais importante do gênero no Brasil.

Born in Belo Horizonte, Fernando Araújo has a Bachelor’s degree from the School of Music of the Federal University of Minas Gerais (UFMG) and a Master’s from the Manhattan School of Music, New York, and has studied with José Lucena Vaz, Carlos Barbosa-Lima and Manuel Barrueco. He has won, among others, the Turíbio Santos Prize in the II International Villa-Lobos Competition, and the First Prize and Prize for Best Performance of Villa-Lobos at the II National Villa-Lobos Competition. Recorded by the Karmim label, his CD “Universal,” in which he plays works of Villa-Lobos, Piazzolla, and Garoto, was very well received by critics. Active as a concert performer, Fernando Araújo is also Professor of the School of Music of the UFMG and one of the coordinators of the International Guitar Festival of Belo Horizonte, recognized as the most important of its kind in Brazil.


Claudio Santoro (1919-1989) Quatro canções de amor | Vinícius de Morais 01 Amor em lágrimas 00:00 02 Luar de meu bem 00:00 03 Acalanto da rosa 00:00 04 Amor que partiu 00:00 César Guerra Peixe (1914-1993) 05 Resta, sim, é remover | Élson Farias 00:00 06 Nesta manhã | Élson Farias 00:00 07 Mãe d’agua 00:00 (originais para canto e violão)

MPFA|01

Arranjos para violão de Fernando Araújo, exceto quando há outra indicação.

Heitor Villa-Lobos (1887-1959) Quatro Canções da “Floresta do Amazonas” | Dora Vasconcelos 08 Cair da tarde 00:00 09 Veleiros 00:00 10 Canção do amor (arr. Villa-Lobos) 00:00 11 Melodia sentimental 00:00 Oscar Lorenzo Fernandez (1897-1948) 12 Coração inquieto | Lorenzo Fernandez 00:00 13 Vesperal | Ronald de Carvalho 00:00 14 Trovas de amor | Múcio Leão 00:00 Helza Camêu (1903-1995) 15 Saudade | Vicente de Carvalho 00:00 16 De leve | Claudionor Linhares 00:00 Altino Pimenta ( 1921- 2003) 17 Vela morena | Alex Fiuza de Melo 00:00 Waldemar Henrique (1905-1995) 18 Valsinha do Marajó | Paulo Waldemar Falcão 00:00 Marlos Nobre (1939) 19 Dengues da mulata desinteressada | Ribeiro Couto 00:00 20 Amazônia - Desafio XVIII | Marlos Nobre 00:00 (original para canto e violão)

Contato: fernandoaraujo@ufmg.br ou araujo.f@terra.com.br


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