DIÁLOGOS E MESTRES
Antônio Campos
DIÁLOGOS E MESTRES
Recife, 2012
Copyright© 2012 Antônio Campos Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada ou reproduzida, nem apropriada ou estocada em sistema de banco de dados, sem a expressa autorização do Autor. Editor Antônio Campos Diretor executivo Lívio Meireles Capeleto Assessora técnico-administrativa Veronika Zydowicz Designer gráfica Patrícia Cruz Lima Revisor Laércio Lutibergue
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Campos, Antônio Diálogos e Mestres/ Antônio Campos. - Recife: Carpe Diem – Edições e Produções, 2012. 112p. il Inclui Fotografias do acervo pessoal de Antônio Campos ISBN 978-85-62648-34-2 1.Diálogos – Antônio Campos 2. Antônio Campos – Diálogos contempo râneos. 3. Crônicas jornalísticas I Título.
CRB4/1544
Impresso no Brasil Printed in Brazil
Carpe Diem | Edições e Produções
Rua do Chacon, 335, Casa Forte, Recife, PE 55 81 32696134 | www.editoracarpediem.com.br
CDU 869.3(81)
Prefácio
O cronista Antônio Campos
O livro que ora temos em mãos é composto de artigos de imprensa publicados originalmente no Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) e Folha de Pernambuco (Recife), entre 2010 e 2011. É mais um compartilhamento do escritor e acadêmico Antônio Campos com seus leitores semanais. Resultam de uma reflexão sobre nosso tempo e escolhas cíclicas; sobre devaneios e motivações que alimentam certas individualidades representativas de nossa época. Crônicas não meramente sobre as insignificâncias do cotidiano, mas retratos de episódios e figurantes que se incorporaram ao nosso íntimo miradouro. Não há um apelo da ficção para dentro de seu texto, há na verdade um conjunto de reflexões sobre pessoas e temas da cultura do nosso tempo, a razão vital que vem construindo suas obras anteriores. O autor faz da reflexão uma prática ativa de problematizar questões do seu mundo cultural circundante, à margem do instantaneísmo oco do relato circunstancial. Uma cumplicidade com o leitor, trazendo-o para dentro do seu texto, um dos trunfos do gênero, está patente nas crônicas desse autor pernambucano.
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O comprometimento do cronista com a palavra vem do poeta que ele é – a poesia como arte do fingimento, prática do factício que se disfarça entre os escolhos e os “aprioris” da linguagem. Vem da condição de editor, desde quando criou um selo novo no seletivo mercado editorial do país: a Carpe Diem, uma empresa editorial que ousa diferenciar pelo seletivo e pelo bom gosto gráfico das obras que publica. Dou à palavra comprometimento o sinônimo não apenas de causa em comum, paixão, intimidade, mas de aprendizagem, o significado de um processo pelo qual as competências, habilidades, conhecimentos, comportamentos ou valores adquiridos ou modificados – experiência, formação, raciocínio e observação, harmonizam-se. Há em Antônio Campos, o cronista, uma função quase curatorial de trabalho como editor. De um lado, a leveza e o minimalismo das formas essenciais na poética de Portal de Sonhos (2008), o poeta e suas construções ilusórias. O modo de olhar o mundo e a forma de se conectar com ele. Como cronista, alia a capacidade de observação ao talento com as palavras. O resultado, que pode ser conferido nas crônicas deste livro, é uma conversa que revela a humanidade dos figurantes retratados e do próprio autor. De outro lado, o homem acolhedor da palavra em forma de livros. Nesse sentido, o cronista e o editor se completam. Talvez seja fundamental ao editor do futuro, além do seu tirocínio comercial, uma convivência com a palavra e suas instâncias de invenção e criatividade. Haverá necessidade de o editor, na sua formação humanística, sentir na pele os devaneios do autor. Devaneios não
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como ausência de razão, mas como sinônimo de desejos e ansiedades. Para dizer a verdade, essa perspectiva requer um salto de qualidade e nem todos estão prontos para esse gesto. Augusto Frederico Schmidt foi um deles. A questão do futuro da indústria editorial versus o futuro do livro digital está presente nas indagações do cronista Antônio Campos, é um tema para ele recorrente. Aparece entre as suas abordagens mais constantes, em títulos anteriores como A reinvenção do livro, a sua obra mais desafiadora, repleta de possibilidades de conexões com o futuro, pelo que tem de lucidamente profético. Me alongarei sobre um artigo deste livro – inspirando-me nele, que o autor escreveu após a morte de Steve Paul Jobs, o gênio da Apple, um dos primeiros a perceber o potencial da interface gráfica do usuário guiada pelo mouse. Há nos dias atuais uma convivência quase epidérmica com a edição, com a capa e seus firmamentos de cores. No futuro, talvez não muito distante, o livro será apenas um download em um tablet, no Kindle. Não sou dos que duvidam disso. O cronista-editor Antônio Campos está envolvido, como raros no Brasil, nesses tempos de turbulência no mundo editorial, um setor que enfrente talvez seu maior desafio desde Gutenberg. O cronista pernambucano, pelo que revelam os seus escritos, mostra-se um investigador atento da ciência da computação, saindo das páginas de seus artigos reflexões às vezes proféticas sobre a difícil e complexa matéria. Suas ideias sobre o futuro do livro, as metodologias e técnicas ligadas à implementação de softwares que abordam a especificação, modelagem, codi-
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ficação, teste e avaliação de sistemas de software, os avanços recentes na ciência da computação impactantes na sociedade contemporânea, em particular as aplicações relacionadas às áreas das redes de computadores, são no mínimo desafiadoras. As mutações do presente, ou os desafios da textualidade digital e suas rupturas, estão no bojo das investigações desse jovem autor pernambucano. E vale a pena sonhar no meio desses bilhões de usuários da internet ao redor do globo? Antônio Campos tem uma resposta a essa indagação. O sonho da biblioteca universal. Ele parece hoje mais próximo de se tornar realidade do que jamais o foi, até na Alexandria dos Ptolomeus. O livro tende a deixar de ser, no futuro, um elemento enclausurado. Raros, entre os da atual geração de profissionais do livro, neste país, ousam tantos desafios como esse pernambucano, nas abordagens feitas sobre o futuro desse segmento cultural. As ideias de Antônio Campos, nesse sentido, são particularmente interessantes e significativas. Nesta seleção de textos, voltados para a cabeça dos bem-pensantes de hoje, para seus horizontes espaciais, tão simples, tão intensos, cuja matriz intelectual teve início com a coletânea de poemas Portal de sonhos, estão presentes artigos que espelham determinadas cenas e individualidades culturais e políticas do país e outras cenografias humanas vistas além das nossas fronteiras, mesclando o testemunho presencial do autor com um diálogo especulativo, indulgente, discreto e sóbrio, e que nos convida à reflexão e a continuadas (re)leituras.
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Daí também a lembrança que guardo de um dizer de Nelson Rodrigues – o grande homenageado de Antônio Campos na Fliporto 2012, sem esquecer o cronista que ele foi a vida inteira: “O melhor prazer da Literatura reside na sua releitura”. Porque é dessa releitura essencialmente amorosa, quando ela enseja uma pluralidade de significados e descobertas inaugurais, o que há de melhor na memória do leitor. É este o destino de toda obra literária de valor, seja qual for o seu estilo ou seu gênero de abordagem temática. Este livro de Antônio Campos é um ensejo de (re) leitura para aqueles que, como eu, tiveram a oportunidade de conhecê-lo, sem a unidade que ora lhe foi dada, na sua forma primitiva de impressão gráfica, portanto efêmera. É preciso que haja uma interação constante entre dois polos – texto e leitor – para que haja literatura. E essa interação se realiza através do ato da leitura. As obras permanecem, mas as interpretações que lhes damos variam, pois, cada vez que há leitura, há atribuição de sentido. Neste formato final, o autor não somente fundamenta o que diz, mas abre caminhos. Nada mudou, a determinidade de uma é a mesma da outra, nem uma palavra foi acrescentada. Nessas crônicas, a linguagem se estrutura especulativa e dialogicamente. Há uma busca da palavra adequada à coisa, à essencialidade dialógica, proposicional, assertiva e essencialmente sintética. Nestas crônicas que voltam em forma de livro, Antônio Campos se propõe a resgatar figurantes, percursos e figura-
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ções. O que estava imóvel nas páginas dos jornais retorna para o espelho da vida, repleto de possibilidades de conexões com o futuro. Tudo isso numa clareza de entendimento que não leva o leitor ao engano. Por todas essas razões e certamente por outras qualidades que achará o leitor, recomenda-se vivamente a leitura destas crônicas de Antônio Campos. Olinda, 2012. Marcus Prado Jornalista
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Sumário
O presente desejável, 13 Inhotim, 15 Brasil abraça Portugal, 17 Arte contemporânea: ArtRio e Bienal de São Paulo, 19 Guerra de piratas, 21 Henry Kissinger e Arraes, 24 Jorge, amado do Brasil, 26 O manuscrito de Paulo Coelho, 31 Paloma Picasso, 33 Gilberto Freyre e o paradoxo, 35 A leste do Éden, 41 Dois ícones mundiais, 43 Diálogos com Francisco Brennand, 45 Um Nobel brasileiro, 48 A hora da verdade, 52 Quando vale a pena, 54 Go Brazil go!, 56
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Paul McCartney é bossa nova, 58 O mar de Maria Bethânia, 60 A causa da água e a Rio+20, 62 Casanova, 65 O encanto de Luiz Jasmin, 67 Nelson Rodrigues, 100 anos, 71 A paz de Portinari para o mundo, 73 O sagrado Kama Sutra, 75 Unidos pelo Mediterrâneo, 77 Steve Jobs, 79 Butão high-tech, 82 Carrero, guerreiro da literatura, 84 Eduardo Galeano e o mundo hispano-americano: diálogos, 86 George Harrison e o misticismo, 88 Hemingway, 50 anos, 90 MoMA, o museu, 93 Fela Kuti, o criador do afrobeat, 95 O poder de Eros, 97 Os olhos violeta e a poesia, 99 Do lixo ao Oscar, 101
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O presente desejável
A especialista em economia criativa e desenvolvimento sustentável Lala Deheinzelin acabou de lançar o livro Desejável Mundo Novo. O livro é uma simulação para inspirar as pessoas a pensar no futuro desejável, no dizer da autora. No livro, a mudança de paradigma se dá graças ao fato de a sociedade ter decidido usar óculos de quatro dimensões (4D), equilibrando a supremacia econômica com a social, a ambiental e a cultural. Com os óculos, as pessoas passaram a enxergar os bens intangíveis (cultura, conhecimento, gestão) como sendo tão preciosos quanto os tangíveis. Ativos socioambientais e culturais precisam ser avaliados em pé de igualdade com os monetários. Ela cita a fabricante de cosméticos Natura como exemplo. Um mapeamento 4D ajudaria as empresas a contribuir para o desenvolvimento sustentável, que é tão decantado na atualidade. O CEO emérito dos cartões Visa Internacional, Dee Hock, escreveu um livro fantástico, chamado Nascimento da Era Caórdica. A edição brasileira tem prefácio de Oscar Motomura e Peter Senge. A Visa Inter13
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nacional tem 22 mil Bancos membros, 750 milhões de clientes e realiza transações de 1 trilhão e 250 bilhões de dólares ao ano. O autor argumenta que as organizações, em geral, baseiam-se nos conceitos falhos do século XVII, inadequados diante dos grandes problemas sistêmicos, sociais e ambientais que vivemos diariamente. Dee Hock delineia um caminho para organizações baseadas em princípios que chama caórdicos, organizações que, segundo ele, combinam com harmonia o caos e a ordem, a competição e a cooperação. O livro fala da incrível criação da Visa e como pessoas e instituições de várias línguas, culturas, sistemas monetários, raças, tendências políticas e econômicas juntaram-se numa organização em que membros/proprietários interagem na mais intensa cooperação e competição ao mesmo tempo. E diz Dee Hock: “Estamos num ponto do tempo em que uma era de quatrocentos anos está morrendo e outra está lutando para nascer – uma mudança de cultura, ciência, sociedade e instituições muito maiores do que qualquer outra que o mundo já tenha experimentado. Temos à frente a possibilidade de regeneração da individualidade, da liberdade, da comunidade e da ética como o mundo nunca conheceu, e de uma harmonia com a natureza, com os outros e com a inteligência divina como o mundo jamais sonhou.” Os gestores e governantes precisam ler esses dois autores e tentar seguir suas antevisões e ensinamentos. E teremos um mundo melhor. 03.10.2012 14
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Inhotim
Considerado o maior centro de arte contemporânea do mundo, o Instituto Inhotim, em Brumadinho, cidade localizada em Minas Gerais, é um grande exemplo de resistência e perseverança quando o assunto é o mundo artístico. Há dez anos, o Inhotim recebe visitantes e galerias do mundo inteiro, e sempre procurando relacionar a arte com a natureza, uma das ideias principais do instituto, que também abriga um jardim botânico nas suas instalações. São 100 hectares de jardins, esculturas ao ar livre, lagos e grandiosos pavilhões dedicados aos mais importantes representantes da arte contemporânea brasileira e mundial. Anualmente, há quase 250 mil pessoas visitando esse verdadeiro templo da arte contemporânea, idealizado pelo minerador e colecionador Bernardo Paz, que fez de Inhotim um reduto de um acervo particular, compartilhando, com todos nós, uma belíssima coleção. Agora o pernambucano Tunga, de Palmares, um dos principais artistas brasileiros, terá um pavilhão no eixo da arte contemporânea mundial, ladeado de no15
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mes como Adriana Varejão, Ernesto Neto, Hélio Oiticica, além dos internacionais como Matthew Barney, Chris Burden, entre outra centena de artistas e dezenas de nacionalidades. Serão expostos, a partir deste mês, 30 anos da trajetória do nosso conterrâneo, reconhecido internacionalmente, inclusive com exposições no Museu do Louvre e na Documenta de Kassel. A existência e a persistência do Instituto Inhotim renovam as esperanças dos artistas brasileiros e, certamente, internacionais. Trazem, portanto, um novo suspiro para o meio artístico, sedento de contemplação, respeito e, principalmente, espaço para expor ao mundo o melhor dos seus trabalhos. 26.09.2012
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Brasil abraça Portugal
No ano de Portugal no Brasil, redescobrimos a cultura lusitana, que tanto influenciou na formação do nosso país. Conhecê-la em todas as suas possibilidades é imprescindível para entendermos as nossas origens e, óbvio, termos acesso à boa produção cultural que há, atualmente, na terra de Dom João VI. Até o dia 10 de junho de 2013, portanto, o brasileiro vai se deparar com uma grande panorâmica do cinema, da dança, da música, das artes visuais, da literatura e da dramaturgia lusitana. Todas as esferas culturais deverão ser contempladas nessa homenagem do Brasil ao país português, que, simultaneamente, celebra o ano do país brasileiro em Portugal. Na música, por exemplo, o fado não poderia ficar de fora. A jovem fadista Mariza é a responsável pela apresentação do tradicional ritmo português ao Brasil. Outros estilos musicais, mais contemporâneos, também fazem parte da programação, com nomes como DJ Vibe, Buraka Som Sistema, entre outros. Já nas artes visuais, durante o mês de abril de 2013, vamos acolher a exposição do escultor português Rui Charles, que ficará no Museu de Arte Moderna do Rio 17
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(MAM). Outra produção artística, que embarca por aqui em dezembro, é a da portuguesa Vieira da Silva, também na mesma instituição. Para os amantes da literatura, conhecedores de famosos autores portugueses como o romancista José Saramago, um lançamento da coleção “Novíssimos”, do grupo editorial Leya. A coletânea engloba dez jovens autores portugueses, distribuídos em dez volumes, entre eles, João Ricardo Pedro e Nuno Camarneiro. Os cinéfilos poderão assistir a filmes produzidos por jovens e talentosos diretores portugueses, como “Tabu”, que fará parte da mostra especial à produção portuguesa no Festival do Rio. Por fim, a dança e o teatro, que vão nos apresentar novas diretrizes das artes cênicas lusitanas durante o Panorama da Dança, também no Rio de Janeiro, de 2 a 18 de novembro. O evento dedicará uma programação, em especial à homenagem a Portugal, trazendo companhias e espetáculos diversos. Uma chance imperdível para o Brasil quebrar estereótipos e conhecer um Portugal que encara grandes desafios no século 21. Vamos abraçar o nosso país-irmão. 24.09.2012
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Arte contemporânea: ArtRio e Bienal de São Paulo
A Bienal de São Paulo e o ArtRio dão um verdadeiro exemplo de amor à arte contemporânea. O objetivo é aproximar a população das artes visuais e, além disso, tornar esse tipo de arte ainda mais acessível e atraente. Na capital carioca, por exemplo, a ArtRio, Feira Internacional de Arte Contemporânea, prolifera a boa e moderna arte, tentando levá-la para a rotina das pessoas, até o próximo dia 16 de setembro. Na programação, que acontece no Píer Mauá, mais de uma centena de galerias nacionais e internacionais leva e comercializa a contemporaneidade artística mundial para a Cidade Maravilhosa, contando, ainda, com um espaço voltado para o público infantil e com palestras gratuitas dentro da temática. Este ano, por exemplo, contará com a participação da considerada maior galeria de arte do mundo, a Gagosian, de Nova Iorque, que trará obras de artistas como Picasso e Henry Moore. A ArtRio inspirou-se na SP-Arte, feira que se encontra em sua oitava edição, sob a direção e idealização de Fernanda Feitosa.
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Também em São Paulo, a consagrada Bienal, em sua 30ª edição, traz cerca de 3.000 obras de mais de 100 artistas, apresentando à sociedade o que há de relevante no cenário artístico da arte contemporânea mundial. Para os amantes e curiosos da arte contemporânea, esses são momentos e oportunidades imperdíveis. A efervescência artística mundial apresentada no nosso país é bela e transformadora. E precisa da atenção e contemplação de todos nós. 19.09.2012
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Guerra de piratas
No filme “Piratas do Vale do Silício”, que narra de maneira didática a história de Bill Gates e Steve Jobs, mentores das bilionárias Microsoft e Apple, respectivamente, há o seguinte ditado: “Para que criar se você pode roubar ou piratear?” Embora a obra cinematográfica date do fim dos anos 90, sua temática continua sendo atual. Ainda hoje, nada mais comum que vislumbrarmos empresas sedentas de crescimento no ramo da tecnologia fazendo plágios em sistemas de sucesso. Mas, em geral, tais conflitos não chegam às vias judiciais. Exatamente por esse motivo, o caso Apple versus Samsung tem causado tanta admiração. A repercussão do leading case fez com que, no primeiro dia de pregão após o veredicto que condenou a Samsung a pagar nada menos que US$ 1,05 bilhão à Apple, o valor de mercado da gigante da maçã atingisse a impressionante marca de US$ 630,9 bilhões. Para se ter uma ideia, juntas, as também bilionárias companhias americanas Microsoft (US$ 256,7 bilhões), Goo-
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gle (US$ 221,4 bilhões) e Facebook (US$ 41,3 bilhões) nem sequer conseguem ultrapassar esse montante. Isso se deve não só à crescente popularidade dos iPhones, que acumulam múltiplas funções em um único aparelho – entre as quais se destacam a de iPod, internet e câmera digital, além dos inovadores visual voicemail e facetime –, mas também ao monstruoso potencial econômico das rivais, que figuram nos polos ativo e passivo da contenda. Em meio a essa batalha entre as gigantes de eletrônicos, surge a indagação: vale tudo para ultrapassar a concorrência? A quebra de patentes e o furto das ideias alheias compensam? Os tribunais americanos tentam assegurar que não, com a recente condenação da Samsung, apesar de esta ainda ser passível de recurso. Estaria a empresa sul-coreana realmente pirateando as tecnologias desenvolvidas pela empresa de Jobs? Parece ainda ser contraditório o fato de a Apple mover sua ação bilionária em face da Samsung em vez de fazê-lo contra o Google, que igualmente imita a gigante da maçã com o sistema operacional Android, de distribuição gratuita e, por isso mesmo, bem mais difundido do que o Galaxy da Samsung. Em outra senda, tudo indica que enfrentar a empresa número um da internet seria ainda mais complicado. Seus conhecimentos na área são utilizados nos próprios iPhones. E abrir mão de tais tecnologias equivaleria a diminuir a qualidade dos aparelhos a tal ponto que o litígio possivelmente não valeria a pena. 22
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De qualquer modo, as evidências apontam que os próprios consumidores dos eletrônicos sairão prejudicados – não apenas porque precisarão desembolsar mais para desfrutar das tecnologias em debate (já que tal fato se deve ao respeito às patentes, sendo, portanto, até plausível), mas sobretudo devido ao monopólio do mercado por cada vez menos empresas, enfraquecendo o processo de inovação e, consequentemente, o rumo a um progresso equilibrado. Mas isso são apenas suposições. O leading case está longe do fim. Muita água ainda vai rolar, já que, na sexta-feira 31 de agosto, em outra ação movida pela Apple contra a Samsung, o tribunal japonês proferiu decisão em sentido contrário àquela do tribunal americano, de 24 de agosto, rejeitando a violação de patentes e condenando a gigante da maçã em custas judiciais. Essa briga comercial e jurídica promete. 12.09.2012
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