Maximiano Campos
Novela 4ª Edição
Revista e atualizada de acordo com a Nova Ortografia
Recife, 2012
Copyright© 2012 Maximiano Campos Espólio Maximiano Campos – Condomínio de Direitos Autorais – Representante Legal: Antônio Campos. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada ou reproduzida, nem apropriada ou estocada em sistema de banco de dados, sem a expressa autorização de seu Representante Legal. Edição Antônio Campos Assessoria técnico-administrativa (Carpe Diem) Veronika Zydowicz Revisão de texto e Atualização ortográfica (ABL) Norma Baracho Araújo Neuton Araújo Jr. Projeto gráfico Patrícia Cruz Lima
C198m
Campos, Maximiano O Major façanha/ Maximiano Campos. 4. ed. revista e atualizada de acordo com a nova ortografia- Recife: Carpe Diem – Edições e Produções, 2012. 208 p. ISBN 978-85-62648-25-0 1. Ficção brasileira - novela. 2. Literatura Brasileira. I Título.
CRB4/1544
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Maximiano Campos em Trilogia Em prol da leitura e da valorização da cultura brasileira, o Instituto Maximiano Campos (IMC), ao completar 10 anos, em parceria com a Editora Carpe Diem, lança a Trilogia Popular de Maximiano Campos, que terá também uma edição digital. Assim, as obras Sem lei nem rei, A loucura imaginosa e O major Façanha passarão a fazer parte do projeto Livros de Baixo Preço, do Ministério da Cultura, em parceria com a Fundação Biblioteca Nacional. Esse projeto permitirá que mais de 2.500 bibliotecas públicas municipais, estaduais, comunitárias, rurais e outros pontos de leitura tenham maior acesso às principais obras vivas do escritor pernambucano. Agora, o conjunto de parte da obra de Maximiano Campos torna-se ainda mais visível no âmbito regional e nacional, revelando a força da ficção nordestina, uma das mais ricas e belas da literatura brasileira e universal. Nos dizeres do escritor e sociólogo Gilberto Freyre: A ‘mata’ pernambucana estava chamando por um novo talento que a reabilitasse como terra provocantemente
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romanesca ou novelesca. [...] Maximiano acaba de realizar essa reabilitação, ele próprio tendo alguma coisa de um jovem e ousado Quixote. A primeira obra desta trilogia, Sem lei nem rei, aborda situações que envolvem o cangaço e a vida do homem do sertão. É um livro que brevemente se tornará filme. A loucura imaginosa, segundo título a compor a trilogia, por sua vez, apresenta-se como uma novela que surpreende o nosso imaginário com a tal loucura imaginosa, comandada pelo coronel Turíbio de Albuquerque. Um romance de aventura e ficção com o toque regional e peculiar deste escritor pernambucano. Por fim, O major Façanha, que demonstra a habilidade de Maximiano Campos em criar inesquecíveis personagens e situações. Segundo o escritor Ariano Suassuna, o tipo que é o Major Façanha veio para ficar, na Literatura brasileira. Cômico e poético, grotesco e épico ao mesmo tempo, por ele sentimos admiração e compaixão, e ele parece corresponder a um impulso subterrâneo, sepultado nas camadas mais profundas do sangue coletivo brasileiro. Assim, os leitores poderão conhecer, nesta trilogia, um expressivo mural da vida humana e nordestina e levar adiante este pedaço do Brasil para o conhecimento de todos. Antônio Campos Advogado, Escritor, Membro da Academia Pernambucana de Letras e Presidente do Instituto Maximiano Campos (IMC) 6
À Ana
“Nascer de novo e ser feliz... Rompendo as trevas do princípio ao fim.” Maximiano Campos
1 Valentim Cavalcanti de Albuquerque Wanderley era o seu nome completo. Morava na praia de Candeias e dizia-se senhor de engenho. Sua casa, rodeada de terraços, ficava à beira-mar, com um quintal, onde existiam alguns bichos enjaulados e touceiras de cana que ele, todos os dias, regava como se fosse um jardim. Ninguém conseguira apurar como, realmente, o velho viera parar naquela praia próxima ao Recife. Enviuvara há uns cinco anos e a sua casa era governada por uma mulata. Os rapazes, que gostavam de ouvir as suas histórias, chamavam-no de Major Façanha. Isso, talvez, porque o Major tivesse o hábito de começar as suas histórias com a frase: “É, vocês sabem: pratiquei muitas façanhas de amor e guerra”. E o Major tanto contava incríveis façanhas de amor quanto terríveis façanhas de guerra. Valentim, todas
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as tardes, ia beber uns goles de aguardente num bar frequentado por alguns rapazes que veraneavam na praia. Ali, soltava a sua imaginação e largava histórias cheias de acontecimentos, em que ele, o Major, se via às voltas com amores desesperados, batalhas e lutas, quase sempre sangrentas. Vestia-se de branco, sempre de paletó e colete. Era alto e magro, tinha os cabelos inteiramente brancos e os olhos azuis. Aparentava ser um homem entre sessenta e setenta anos de idade. Na fisionomia do Major, destacava-se o nariz grande e adunco, assemelhando-se, pelo formato, a um imenso bico de papagaio. Naquela tarde de dezembro, o Major estava no bar, sentado com um grupo de rapazes. Já havia tomado a primeira lapada de cachaça, quando alguns veranistas se acercaram da sua mesa. Ele, então, nem esperou que pedissem uma história. Foi contando: — É, já pratiquei muitas façanhas de amor e guerra. Na minha mocidade, gostava de mulher, barulho e baralho, isso para não falar em cachaça, festas e outros entretenimentos. Vocês sabem: já guerreei, feri e fui ferido; tenho versos louvando os meus feitos. Sei domar um corpo de mulher, despertá-lo
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nos agrados. O meu engenho era um reino, nele fui Imperador e Guerreiro. Vendi o engenho, essa foi a minha única fraqueza; há cinco anos que estou nesta beira de praia. — Major, conte uma façanha de amor e guerra! — pediu um dos rapazes. — Calma, meu filho. Tenho muitas pra contar. Vocês sabem: pratiquei muitas façanhas de amor e guerra. Com vinte anos de idade, eu já era dono do engenho. Meus pais morreram cedo, e eu tive que assumir tudo: as terras e o mando. Nunca botei os pés numa escola. Aos trinta anos foi que aprendi a ler e a escrever. Hoje, sou homem de muitas leituras. Naquele tempo não existia televisão e essas outras invenções modernas em que a mentira capricha nos choros e outras palhaçadas. O mundo está perdido. Tem gente indo à Lua, bombas de todo tamanho. Guerrear agora é fácil, o sujeito nem vê a cara de quem mata, as feições do desafeto. Valente é quem tem coragem de tomar uma peixeira, debochar de um revólver engatilhado nas mãos do inimigo. Minha coragem anda comigo, é companheira fiel de muitas jornadas, aonde eu vou, ela vai. Bem, eu ia contando a vocês uma das façanhas de amor e guerra, das muitas que pratiquei. Mas pre-
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ciso explicar: com dezoito anos de idade, eu nunca tinha saído do engenho. Meu pai ralhava comigo, preocupado com isso. Minha mãe vivia rezando, com medo do meu jeito arredio, da minha selvageria. Mas eu conhecia aquele engenho, os córregos, as várzeas, os lajedos, os bois de trabalho, os lugares bons de cana, os trechos rasos e fundos do rio, a cacimba de melhor água. Vivia pescando, caçando. Com vinte anos de idade, foi que ganhei a estrada, conheci o mundo. Às vezes, passava semanas sem botar os pés no engenho. Aprendi a tocar viola e vivia atrás de mulher bonita. Vou contar a minha primeira façanha de amor. Eu já conhecia mulher, porque desde os catorze anos que, de vez em quando, conseguia papar uma moradora do engenho. Mas, nesse caso que vou contar, houve amizade. Foi na primeira vez que fui a Jaboatão. Mandei selar o meu cavalo, enchi os bolsos de dinheiro e resolvi conhecer a cidade. Quando cheguei lá, tive muitos espantos. Mas agora não vou contá-los. Depois de andar, vendo o movimento de tudo, parei diante de um circo. Vi uma fila de gente comprando ingressos. Eu não sabia o que era aquilo. Curioso, entrei na fila e paguei a entrada. Queria saber o que havia debaixo
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daquelas empanadas. Não sabia ler, mas perguntei a um negro que estava atrás de mim: — O que é isso? — É um circo. Fiquei no mesmo, não sabia o que danado era um circo. Agora é que posso perceber o quanto aquele era pobre e pequeno. Dois palhaços faziam umas graças bobas, um anão dizia e praticava leseiras. Comecei a me interessar, quando vi aparecer uma loura, com as pernas de fora, cheia de encantos e beleza. Naquele tempo, perna de mulher só se via na hora decisiva. Não é feito hoje, que as praias estão repletas de mulheres mostrando, pra quem quiser ver, as intimidades. A loura andava num arame esticado, bem alto e atravessado de uma barra de ferro para outra. Coisa de muito perigo era o que ela fazia. Fiquei nervoso. Tinha medo que aquela beleza se despencasse do arame, se machucasse. Olhava para o arame e só pensava que aquela mulher devia estar na minha cama larga, sem perigos de vida para ela que tinha pernas de camurça, cabeleira dourada. Bateram muitas palmas, e ela se despediu do público. Depois, apareceu um homem sacudindo umas garrafas para cima e aparando, sem deixar cair nenhuma.
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Uma porção de feitos praticavam no picadeiro. Procurei me lembrar de alguma coisa que soubesse fazer e mostrasse valor. Não me lembrei de nada. Tive vergonha. Eu era mesmo um matuto dos seiscentos. Estava divagando, os pensamentos soltos, quando ela voltou. A loura novamente apareceu. Meu coração fez alvoroço no peito. Ela vinha trazendo uma onça grande, dessas malhadas, comedoras de bezerro, fera mesmo. Fiquei num pé e noutro, cheio de cuidados, receoso de que a fera arremetesse para aquela deusa. Soltou a onça. Chamava o bicho, e ele atendia, parecendo um cordeiro obediente, um cachorrinho manso. Mandava a fera estender uma pata, e a fera estendia. “Aquela mulher tinha muito feitiço”, pensava. Ah, eu tinha me esquecido: ela estava vestida com uma espécie de tanga e trazia uma faca na cintura. Então começou o trabalho perigoso. Ela se atracou com a fera e rolaram no picadeiro. O povo, estarrecido, esperava o fim da luta. Eu não sabia que aquilo era uma simulação que ela fazia todas as noites. O coração ficou espremido de receios. Sem sentir, fui descendo, me dirigindo ao picadeiro. Entrei no picadeiro e detonei um tiro no pé do ouvido da fera. Foi um rebuliço. O pessoal
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que assistia ao espetáculo vibrava com a cena. Mas a mulher, depois de passada a surpresa dos primeiros momentos, caiu num choro e abraçou-se com o corpo da fera. Chorava e dizia desaforos. Depois, começou a gritar: — Botem esse doido pra fora. Ele matou o meu Luisão. O dono do circo apareceu e chegou brabo. Veio me desacatar. Eu passei o braço no pé do ouvido dele, que caiu perto de Luisão. Com o revólver na mão, amedrontei os outros artistas. O povo batia palmas, delirava com o meu feito. Imaginei que o povo apreciava a minha ação. Depois que tudo isso se passou no circo, tive certos atropelos. Fui chamado pelo delegado. Mas o delegado havia conhecido o meu pai e coisa e tal, tomou o caso por menos. Terminei dando um dinheiro ao dono do circo, indenização pela morte de Luisão. A mulher não quis mais conversa comigo. Fiz tudo, e nada de ela querer um encontro. Eu estava na porta de um bar, já desvanecido dos meus intentos, pensando em voltar para o engenho de onde saíra há cinco dias, quando vi a mulher que vinha andando sozinha. Dirigi a palavra a ela, disse da minha paixão, prometi mundos e fundos, garanti que lhe entregaria o engenho,
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a safra de cana, se ela viesse comigo. Aí, ela se interessou. Entrou comigo no bar e conversamos um bocado. Contou que vivia com o dono daquele circo que a maltratava muito e coisa e tal. Falou que o circo estava quase falido; o que apuravam não dava para as despesas e ela não aguentava mais aquela vida, sem parar num lugar. A essa altura, eu já estava sabendo que aquela briga com a onça tinha sido de faz de conta, trabalho que ela tinha todas as noites. A onça fora criada por ela desde pequena. Foi com uma alegria amolestada que a ouvi dizer que iria comigo. Falou que me achara simpático e outras coisas do meu agrado. Mas tinha um porém: o anão era irmão dela, não tinha onde cair morto. Ela só viria comigo se o anão viesse também. Concordei. Não podia negar nada, estava desesperado de desejo. Ela parecia ter uns vinte e cinco anos de idade, um rosto bonito. Era uma perdição! Bem, voltei para o engenho com a deusa loura e o anão. Botei-os na casa-grande, recomendei para eles bons tratos e consideração. Quis fazer tudo direito, estava pensando até em casamento. Mas, no segundo dia em que estavam lá, não aguentei e fui ao quarto dela. Ah, ia me esquecendo, ela se chamava Sofia. A mulher
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era um desperdício de tantas belezas. Quase que eu não fazia mais nada. Passava os dias, até quando as forças suportavam, amando aquele corpo cheio de encantos. O anão vivia andando pelo engenho. A distração preferida dele era sacudir facas em troncos de árvores. Tinha uma pontaria danada. Sacudia dez facas, uma atrás da outra, e as lambedeiras se cravavam onde ele queria. Era um sujeito mal-encarado. Parecia não gostar muito de mim. Não dava uma palavra. Uma vez, surpreendi-o numa discussão danada com Sofia. Ela depois me disse que ele estava com saudade do circo. Fiquei com medo de que ela fosse embora. Comecei a agradar o anão. Dei um cavalo de presente a ele. Dava dinheiro também. O anão começou a pegar o cavalo e ir para Jaboatão, voltava bêbado. Sofia chorava e discutia com ele. Quando eu chegava perto, eles paravam a discussão. Pensei até em comprar um circo pequeno e trazer para o engenho. Quis fazer uma surpresa a Sofia. Despachei um trabalhador do engenho para o Sertão. Entreguei uma porção de dinheiro ao sujeito, com a missão de ele conseguir um filhote de onça. O sujeito andou como um desesperado. Voltou dizendo que no Sertão não tinha mais onça nenhuma.
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Quase que dou umas pancadas no quizilento. Botei esse safado pra fora do engenho. Foi então que soube que o filho de um comerciante de Jaboatão tinha uma onça pequena que o pai havia trazido de Mato Grosso. Fui à casa do comerciante, passei tempos para fazer o negócio, porque o menino não queria se desfazer do animal. Terminei trocando o meu melhor cavalo de sela, todo arreado, pela fera. Sofia ficou contente quando eu cheguei de surpresa com a onça. A bicha vinha numa gaiola de varas, mostrando ter muito gênio, arreganhando os dentes, ameaçando patadas. Sofia começou a amansar a onça, que terminou andando atrás dela como se fosse um cordeiro. O tempo foi passando. O anão cada vez mais ficava mal-humorado. Já não fazia a menor cerimônia. Sacudia facas nas portas e janelas da casa. Certa vez, eu reclamei dele. Sofia ficou zangada comigo, ameaçou ir embora. A onça foi crescendo e já estava grande, do tamanho de um cachorro. Os trabalhadores tinham um medo danado de aparecer na casa-grande, receavam a onça e o anão mal-encarado que vivia atirando facas a torto e a direito. Sofia começou a insistir no casamento. Mas eu adiava, prometia para mais adiante. Ela havia trazido
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o arame, pediu para que eu conseguisse armá-lo, queria treinar equilibrismo. O arame foi armado diante da casa-grande, no pátio do engenho. Os trabalhadores ficaram admirados vendo aquela mulher com as pernas de fora andando em cima de um arame. A onça deu para fugir de casa e terminou matando três bezerros do meu cercado. Alguns trabalhadores arribaram com medo da fera, diziam que eu estava meio doido. O Major Façanha parou de falar. Pediu outra lapada ao garçom. Um dos rapazes perguntou: — Mas, Major, o seu engenho virou mesmo um circo? O Major bebeu meio copo de cachaça, olhou para o rapaz que havia feito a pergunta e continuou a história: — É, o engenho terminou virando um circo. Àquela altura, os trabalhadores que não fugiram do engenho relaxavam no serviço. O vigia, um sujeito cruel e valente, que tinha me visto pequeno, recomendava: — Patrão, cuidado com essa gente, o anão é mal-encarado, tem maus bofes. Repeli o conselho, que considerei um atrevimento. Sofia inventou de botar a onça no
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quarto para dormir com ela. Protestei, mas ela não cedeu. Eu tinha receio daquela fera. A situação ficou difícil, eu dormia com o revólver na cintura, pronto para qualquer emergência. Não gostava de ver os agrados, os carinhos que Sofia fazia à fera. Ela chamava a onça de Chicão. Embolava com a fera, eu não gostava daquilo. Certa vez, briguei com ela: — Ou eu, ou essa onça! Ela respondeu: — A onça! Já pensaram? Foi uma humilhação para mim. Peguei o cavalo e fui para Jaboatão. Passei dois dias bebendo, esbanjando dinheiro no meretrício. Depois, bateu a saudade de Sofia. Voltei. Cheguei de surpresa. Aí foi que recebi a primeira punhalada de traição, essa safadeza cheia de manhas. Cheguei querendo fazer uma surpresa a Sofia, vinha trazendo presentes. Flagrei Sofia com o anão praticando o que não se deve e nem se pode fazer com um irmão. Estavam os três na mesma cama: Sofia, Chicão e o anão. Bati mão no meu instrumental guerreiro. O anão quis correr, mas eu o ameacei com o revólver. Sofia começou a chorar. Eu gritei, possesso: “Vou matar esses safados!”. Sofia caiu no choro, implorava
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para que eu não atirasse. Num momento de descuido, ela gritou para a onça: “Pega ele, pega, Chicão!”. A fera partiu para mim, atirei à queima-roupa, dois tiros de trinta e oito, um bateu no olho da fera que caiu tesa, morta. O anão sacudiu uma faca. Não sei onde o sujeito arranjou aquela arma, estava nu em pelo, só se apanhou a arma debaixo da cama. A faca passou zunindo no meu pé do ouvido. Só não bateu em mim, porque eu me baixei na hora exata. Plantei a coronha do revólver no cocoruto do safado, dei uns baques no desgraçado. Sofia voltou a implorar. Pedia, chorando, que eu não a matasse nem o anão. Gritei pelo vigia, ele chegou pronto para cumprir as minhas ordens. Sofia pedia perdão, confessou que não era irmã, mas mulher do anão. Comecei a gritar, possesso de raiva: “Como é que um anão desses aguenta tantos chifres?”. Expulsei-os do engenho debaixo de pancada. Aquela devassa só gostava de anão e onça. Mas eu, nessa época, estava começando a conhecer o mundo, arremetendo para as minhas primeiras façanhas de amor e guerra.
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