DEDICATÓRIA Livro de Poesias: “Esta obra é dedicada às pessoas mais importantes e imprescindíveis de minha vida: Zelia Vieira – Minha Mãe. Regina Vieira – Minha Avó – in memorium Andréa Alves e Amanda Vieira – Minhas irmãs Carolina Vieira e Deborah Lanai– Minhas amadas filhas. Kelia Cruz – Minha esposa Socorro Cruz e Zezinho Cruz – Meus amados sogros.
APRESENTAÇÃO: Ricardo Vieira finalmente expõe suas idéias líricas iniciadas nos anos da adolescência, quando ele rabiscou os primeiros poemas, as primeiras águas poéticas de sua vida. Inquieto e passional, o autor escreve e descreve sua própria forma de sentir a existência poética. (...) Como lembrou Guimarães Rosa, a poesia é irmã próxima da magia. O desejo que move os poetas não é ensinar, esclarecer, interpretar. Essas são coisas da razão. O desejo do poeta é mágico: fazer soar de novo a melodia esquecida. É por isso que precisamos dos poetas. Pois eles são aqueles que tecem suas palavras em volta do frágil fio que nos amarra as vicissitudes da vida. Cada princípio gerador dos seus poemas é fruto de sua vida e experiência. Por isso me sinto à vontade para recomendar-lhe a leitura
de Primeiras Águas. Afinal, eu creio no movimento das águas que passam por inúmeras transformações até seu destino final. E olhando para Ricardo percebo que tal fenômeno é evidente no mundo humano. As alegrias foram incontáveis, mas as dores, angustias e perplexidades também o foram. Águas de invernos, chuvas de verão e grandes tempestades, removeram ás águas que passaram por sua existência. Compensou limitações, resignificou pragmatismos. Chorou, algumas vezes, lágrimas inúteis, esperando que o rio retrocedesse e devolvesse preciosidades perdidas. São escritos que pedem para serem decifrados. Mistérios que alimentam os desejos de vida e as lutas mais queridas e necessárias. Ricardo Vieira reúne neste livro um apanhado de poesias que resumem 20 anos de produção poética. A leitura é simples; a inquietação é grande nos seus versos; a busca por não se deixar entender é maior que ele mesmo. Primeiras Águas é um livro poético que nos permite navegar pelos mares desbravados por este emblemático homem de nome forte. Gleizy Gueiros
ABANDONO Longe, muito longe Nesses mares sem fim Eu me vejo de repente só Sem saber se um dia Você volta pra mim. A incerteza atormenta Flores, frutos sem odor Ventos de areia arrebentam Meu corpo fraco, sem amor. Tua ausência é só saudade Esse abandono é pura dor Vivo triste, é verdade Sem você aqui estou Anelado por um fogo Chamado esperança Vou vivendo do pouco Que nos restou Na eterna lembrança.
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ABELHA HABILIDOSA Dedicado a Déborah, abelha, Vieira.
Seu nome do hebraico Trouxe a candura, Da abelha o mel e o favo, Os louros das ralas madeixas Que marcou sua infância primeira, Trouxe os castanhos nos olhos Profundos e leais Espertos observando Tudo e a todos. A 18 de Agosto Vi nascer criança feliz, Frágil e tão forte Início da noite do despertar Primogênita do meu viver. Teus primeiros passos Eu vi chegar E a tua primeira palavra Ouvia com sorriso de rasgado Era mar, era alegria Era vivaz o teu cantar. Cresceu em dias distantes Dos meus dias solitários E viajante da vida Passeava com teus pés Vivia longe do teu dia-a-dia E dos teus anelos primeiros.
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A timidez é a sua marca Mas me diz tanto o teu olhar Cala-me a voz de esperança Conquistando uma posição Que não meio, fim, começo... Está, pra sempre, em mim E eu em você, doravante. Hoje a tristeza da partida É colocada de lado Quando estou contigo E eu me pergunto: Há tempo que foi tempo perdido? Como vai ser os nossos destinos? Uma família nova há de nascer E... Florescer! Crescer! Amar! Unir! Como você deseja e merece Mas meu jardim, agora órfão, Estará de flores abertas.
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Pra te receber no vôo de volta Depois de Mostrar ao mundo, O seu mundo! Seu! Conquistado! Abelha Habilidosa Que você sempre foi e será. Bem-me-quer Coleta meus sentimentos...
Mal-me-quer Saudade que não tem limite... Eis que fico, sem parte de mim Sem algo que mediei Está entre os vivos loucos Da terra de Frei Caneca... E... Onde quer que você esteja Estarei contigo Velando Torcendo Esperando Você voltar pros meus braços De pai saudoso. Desejo-lhe apenas Com todo amor que pude lhe dar: Seja feliz! E assim que o destino conspirar E a saudade de quem não vive mais Bater no peito sem dó Não fala nada... Venha aos braços Deste ser que chora E me aperta, sem comiseração, Nos braços seus Minha Déborah, abelha, Vieira.
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A VIDA A vida é dia de hoje A vida é o “ai” que soa A vida é sombra que foge A vida é ave que voa A vida é sonho leve A vida é tal qual neve A vida é dor que não perdoa. A vida é fumo esvaído A vida é simples momento A vida é sutil pensamento A vida é tronco caído A vida é flor se abrindo A vida é sopro suave A vida é estrela caindo. Vôo mais leve que ave Nuvem que soa sobre nos mares Sopro atmosférico nos ares Um após o outro A vida lançou Pena de bem-te-vi ferida De vale em vale impelida A vida, o vento levou. 12
CONFESSA, DOCE MENINA Doce menina diz pra mim Mais uma frase de amor Que fale de nós Fala pra mim de tua vida Do teu coração e teus sonhos Para que enchas minhas mãos Vazias de paixão e de afeto. Doce menina me explica Como não chorar Quando me lembrar de ti Me contas como não lastimar As noites que vivemos juntos E os motivos que trouxeram A solidão para dentro de nós. Confessa, doce menina Que sofres tanto quanto eu E que queres reconquistar O amor que nunca morreu E faça, antes do tempo chegar, O que for preciso pra que voltemos A ser o que já fomos Dois seres e um só coração.
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CARÊNCIA Apenas um olhar Um simples olhar me bastaria agora Não faria questão de gestos Muito menos de palavras Queria apenas um olhar Não tão sério, não tão frio Nada cheio de regras de Português Pleno de incertezas e exceções Queria um olhar diferente Tranquilo Sem pressa Um olhar que me fizesse Esquecer o tempo E o tique-taque do relógio As diferenças entre dias e noites Queria o seu olhar Um olhar de criança Com pureza peculiar Um olhar de velhinho Que nos fala com serenidade E a autoridade de quem já venceu tempos Um olhar sem maldades E sem petições Comuns aos homens 14
Um olhar simples, humilde Como este que propago Um olhar acolhedor Tal qual um edredom Uma noite fria e uivante Que me fale sem palavras Que me faça entender E descobrir que um olhar O seu olhar Foi suficiente para afugentar De vez a minha solidão E a minha tristeza Para o mais distante confim Que o infinito reservou Deixando apenas Nossos olhos cravados Uns aos outros.
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DICOTOMIA HUMANA
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Meu filho usa roupa azul A filha dela veste rosa Ensino-lhe a ser frio A mãe diz pra ser menina Viverás em lua de mel. Como eu, ele agride, é rude Para ser duro e não dar mole Mas a garota aprendeu A dançar balé e valorizar culturas. Meu filho é ativo, detesta passivos A filha da mulher fala de coragem Desenvolve a tal mística da fé Digo-lhe para ser independente Seu futuro será na Armada No mínimo um tenente. Meu garoto é esperto Sobreviveria até no deserto Já é rapaz altivo e forte Aquela menina virou mocinha Não brinca mais de boneca Nem de casinha. Foi estudar a tal da Arte Numa outra parte Do nosso grande país Meu filho voltou E voltou diferente
Formado, mas sem patente Ruborizado, se diz apaixonado Estava bem acompanhado Por um perfil encantador Que me fitou e me chamou De futuro vovô. Tomando de espanto Reconheci a moça Era aquela menina vizinha De corpo pequeno E de pele branquinha Fez do meu filho Um homem sereno Já não pode mais haver Dois mais dois separados Somo a somo de cinco Pelas teias do destino Amarrados compositamente.
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DEDICADO A EÇA DE QUEIROZ Há um vicio que não é de agora Que construímos frases sem raízes Sobrepondo versos sem história Sem restar sequer matizes. Herdei um vocábulo sem leis Tendo que dizer abat-jour Para agradar supostos reis Sem luz, nesse ambiente cru. Se eu corro e venço obstáculos Preciso passar pelo dopping O turfe está em holocausto Meu descanso é chamado de Hobby. Tudo que eu quero está num Shopping A minha quitanda e minha feira Foram engolidas pelas belezas em motim Sou cidadão sem eira nem beira. Hélas! Minha Língua Portuguesa Minha pizza é de mussarela Cachaça trocada por bebida francesa Ofereço champanhe a minha donzela. 18
Se alguém é por mim indagado O sujeito responde All Right Jazz é o que ele vive a escutar Sem saber o que é light nem diet.
Preciso realmente ler Voltaire, Rochefort? Eu tenho infinitos exemplos de nordestinos Que expressam espiritualidade do chão de pó Verdades e apelos em odes, em hinos. Será que devo substituir meus ouvidos Chamando meu banheiro de WC ou de toalete? Será que estou me punindo aos malditos Delinquentes que esquecem o correto verbete? Os livros sagrados de Lao-Tsé Dão-me paz de claustro católico Mas a musica “E agora, José?” Dá subjetividade a este poema caótico. Quer ter livre a minha idiossincrasia Dos ataques surrealistas das influências Norte-americanas que o eu repudia E não implora por vingança ou clemências. Mas até para expressar meu tupiniquim Peço atenção se digo boticário Não falo da marca com cheiro de jasmim Lembro o farmacêutico, homem sem horário. Eu sou mameluco, eu sou pernambucano Quero esquecer Espanhol, Inglês, Francês Eu sou brasileiro, sou sul-americano Gosto de escrever e ler meu Nordestinês.
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DESEJO Queria que esta distância finalizasse Calasse a voz da saudade sem fim Que o beijo apenas calasse Meu peito no seu, seu corpo em mim. Queria que a flor mais bela Pudesse florir e afastar nossa dor Que a manhã de cor amarela Amadurecesse o fruto do nosso Amor. Queria ouvir pássaros, cantores matinais Sob a copa das árvores do nosso cantinho E com eles esquecer preocupações materiais Sendo um só corpo, como flor sem espinho. Queria apenas viver a vida pela vida Aprendendo do seu lado a ser intenso Sendo seu amigo, você minha amiga É assim que sonho e é assim que penso.
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ESCREVENDO SONHOS Posso te escrever sobre meus sonhos Mas nunca saberás como foi minha noite. Posso te falar dos amores que tive Mas não entenderás porque se foram. Posso te contar do quanto fui amado Mas não podes conhecer este amor. Posso te fazer refletir sobre minhas dores Mas nunca sentirás as feridas na pele. Posso te mostrar os lugares por onde passei Mas nunca irás ver com os meus olhos. Posso te contar os caminhos das estrelas Mas apagarás quando estivesses sozinha. Posso te abraçar o corpo e a alma Mas não conhecerás a alma do meu corpo. Posso te doar o meu sangue Mas não usufruirás as minhas lembranças. Posso te fazer olhar dentro dos meus olhos Mas não decifrarás meus segredos. Posso te remeter longas cartas Mas não entenderás as entrelinhas. Posso te fazer sentir o vento da mudança Mas não irás chegar até minha casa. Posso fazer ouvir as sinfonias mais belas Mas não ouvirás a música do meu ego. Posso te fazer amar eternamente Mas nunca descobrirás o quanto te amo. Posso te escrever sobre meus sonhos Mas não encontrarás o fim da minha história.
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EPOPÉIA PESSOAL Vieste para dentro de mim Não me impondo nada Vieste como Isis numa noite Marcada por desiderata. Viste tomando o meu corpo Não como quem governa Vieste como Afrodite Sequestrando os meus limites. Vieste invadindo minha alma Não como quem determina Vieste como Cleópatra Imperando músculos e nervos. Viestes consumindo meus sentidos Não como quem corrói Viestes como Helena – a de Tróia Provocando suaves desafios. Vieste para ser dona de mim Não como quem subjuga Vieste como tu mesma Soberana de tudo que eu quis 22
Vieste, enfim, como todas elas Não como imitação barata Vieste como revolucionária Fundando em mim A república do amor libertário.
LA LIBERDAD Permaneci mudo, sôfrego Até o instante em que chegaste E com as mãos de angelitude Tocaste o meu coração Numa acústica jamais sentida Estagnei, sem movimento E como um sopro no vácuo De minhas intimidades Tu talhaste as trevas insanas E com a mímica dos surdos-mudos Afastaste de mim a inércia. Mesmo assim refugiei-me Quis a solidão. Buscava as mais sombrias matas Onde nem um diáfano raio de sol Me achasse a clausura. Como um sussurro discreto E como uma onda que se ergue Me retiraste das colinas obscuras Como uma flor que desabrocha Me sobrepuseste no oceano infinito De tua luz e de teu amor por mim.
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ESTAREI Se um dia chamares por mim E não me encontrares Estarei onde existem A esperança, a fé, o sorriso E a coragem de viver. Não me procures na multidão Tampouco estarei sozinho Já não sou eu comigo mesmo E a claustrofobia das exigências Foi vencida pelo plátano do superego Mais narcisistas que há em mim. Não serei mais um ilota Esquecido pelas próprias ações E se não tens ainda a certeza De onde estarei Imagine um lugar sem fronteiras Onde o melhor presente que existe É o mais belo dos entardeceres. Não pergunte por mim, não. Estarei vivendo rico de motivos E cheios de reminiscências
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Que me fizeram ser o que sou. Não grites ao vento perguntando-lhe Onde devo estar e como vivo. Simplesmente feche os teus olhos Apaga a lamparina que deixei acesa Fecha a porta que esqueci entreaberta Desnuda-te de todas as tensões Abre teus braços e compreendes Que estive e sempre estarei Onde o teu sorriso formou um arco-íris E a luz do teu olhar cruza o meu Tornando-nos uno.
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FLOR BELA AMARELA Sinta o sol Observa o girassol Veja o ouro Contemple o tesouro Como é bela A cor amarela Tão viva, tão completa É a cor da minha donzela Este presente no meu ninho Completa o meu caminho Como é bela A cor amarela É dela Que gosto mais Mesmo sendo Um rapaz De machismo ridículo Amo essa cor Porque amarela É a cor da flor
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Do meu querido amor Flor bela, amarela A cor da vida Do sol pernambucano Da riqueza produzida Por todos os anos Do suar da mulher Que dentre os seres humanos É aquele que me deseja E que me quer Como Ê bela A cor amarela
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MINHA VIDA Já não sei te falar Do que há em mim Do que tenho sentido Desde que te conheci. Tudo conspirou pra nos unir Neste enlace de fertilidade De entrega total dos nossos Mais sagrados sentimentos. Já não consigo mais te dizer Com toda verdade literária, Poética ou retórica O que carrego em meu coração, Pois que não há sentido Discorrer sobre esse furor Que basta um olhar pra mim Basta apenas me ouvir falar Pra descobrir que todos Os meus sonhos são voltados Para ti, meu amor.
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O que quero dizer E o que estou te dizendo Sem hipérboles, sem regras E sem metáforas Que já não posso mais Chamar-te de meu amor Simplesmente. És mais que isto
És a minha existência. Assim, calo-me E deixo que meus olhos E meus gestos falem Sem delongas o que sinto E o que vivo a dizer Aos quatro cantos do mundo Que só tu és a minha vida.
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MORRER DE PAIXテグ Choro sua falta A cada amanhecer A cada anoitecer A cada aurora A cada hora que passa. Sinto sua falta A cada lテ。grima de saudade A cada palavra de carinho A cada simples solicitude A cada passo do caminho. Declaro sua falta A cada mテコsica que toca A cada aconchego na cama A cada palavra murmurada A cada filme de drama.
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ODE MINHA BELA Deixaria de lado O olhar de bela Se a paixão não falasse Aos olhos dela. Viveria sem prazeres Morto estaria Sem o amor de abelha Da bela fantasia. Ó! Como admiro O dom da tua beleza Meu instante é teu É minha a tua pureza. Contente estaria Estourasse a guerra Vivi sempre por nós Sobre o solo da terra. Antes eu quero Receber-te em mim Sou amor, imenso amor Houve começo, jamais um fim. Ciúmes eu tenho Da minha bela Não nego e prometo Viver só por ela.
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OS QUE PARTEM, FICAM A Regina de França Vieira
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Os mortos não enterram os mortos Até que nos provem o contrário. E é nesse instante de depuração Absoluta do tempo vivido Que nos perguntamos: Porque, meu Deus, nós partimos? E a resposta é sempre a mesma. O amor nos aguarda Mesmo quando a luz se apaga As cortinas se fecham O palco fica vazio E as vozes do grande teatro da vida Viram vozes eternas e etéreas. As mãos que teceram o trabalho Não podem mais secar Nossas lágrimas de saudades Num ato inútil de provarmos Que amamos mesmo sem nunca Termos dito o quanto amamos. Resplandecem infinitas lembranças As horas mal dormidas Os ombros sempre prontos para agasalhar Os sorrisos promovidos Por uma frase hilariante, sem prótese E quanto foram os sorrisos... E a ilusão de a velhice Nunca poderia nos afastar
Solfejava aos ouvidos mortais. Teus amigos nunca te esqueceram Mesmo que distantes pela couraça material Porque venceste a fome Ultrapassaste guerra vil E o tempo te trouxe para o tempo Do início da infância. Deitaste para dormir E acordaste noutra realidade Com menos fardos que ontem Abrindo os olhos para a sonhada vida Que antes formulavas ilusória E que tantos amedrontam. Silêncio... Vai... Estamos bem. Tenho certeza, agora, De que os que partem, Ficam.
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PRESENTE Nunca percebi a beleza afetuosa Dos olhos teus, minha amada Porque sempre mantive distante dos meus Tanta doçura e meiguice É porque as mágoas me deixaram Completamente exausto Porém ter você aqui dentro de mim É como manter a luz acesa da vida Onde cada gesto teu é música tocada Em minha alma, em todo meu ser Mas sinto que apenas te ter É frágil vestígio de um desesperado Que sequer tem um pouco de fé Que as orvalhadas da noite Deixam nódoas em carne viva O caos chamado saudade Mergulha as tuas pétalas No rio da partida amaldiçoada E tu te vais para longe de mim E eu deixarei que partas Para que aonde chegares
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Tu sintas minhas entranhas Amorosas que te enlaçaram com afamo Como veleiros ancorados no porto Idolatrando a força das águas E mesmo distante te possuirei Como ninguém mais possui E como a ninguém me deixarei levar Tal vento que sopra as folhas O mar e toda a atmosfera Que mantém a tua voz aqui Dentro de mim, Como um presente.
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PEÇO-TE Peço-te que me olhes Que voltes teus olhos para mim Porque os meus estão cegos Sem horizontes, antes sem fim. Venha para dentro do meu carinho E dorme o sonho dos que enlouquecem De amor castro e verdadeiro Vem pro meu colo e em mim adormece. Mesmo que venha a treva negra Do holocausto da separação final Orvalhada de vaidade e soberba Tenho por ti amor incondicional. O meu peito está frio como o linho Lábios secos sem tua doce boca Ó! Que passa dentro da tua cabeça Que não percebe a minha paixão louca? Peço-te que acabe com esse desprezo Minha adoração é apenas um desejo Fica aqui do meu lado para sempre O sumo de minha vida está no teu beijo. 36
PRODUTO DO MEIO Vieram me falar Que deveria me encontrar Chegaram a me dizer Que se nasci foi pra sofrer. Quiseram me estremecer Com enlatados para consumar Toda forma imperial de poder Tentou me sobrepujar. Buscaram me seduzir Com programas de TV Objetivando confundir Eram fortes os argumentos Insanos os fingimentos. Minha única fortuna Leitura livre do mundo E que os imundos Desejaram me tirar Lutaram pela minha desistência O que sei é o que sou – nada sou Minha única referência. Ensejam que eu viva como animal Entregue às rédeas curtas Como seres irracionais Sem proteção, sem e-mail Porque querem que eu seja Produto do meio.
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PRIMAVERA, VERÃO, SAUDADE A primavera abre-me a ferida O verão me traz a dor O ferimento aberto pelas flores E a saudade causada pelo amor. Na primavera lembro-me do passado De campos fartamente floridos Onde as flores do serrado Bailavam amores mal-resolvidos. No verão da diversão Quando havia festejos Pulava de alegria meu coração Gemia ao calor dos desejos. Era fim da primavera Quando eu me aproximei Daquela menina singela Por quem me apaixonei. Já viva o verão Os ventos sopravam forte Ao entregar meu coração Sentenciei solidão à morte. 38
Mesmo em pleno calor As flores do meu jardim Enchiam meus olhos de cor Meu coração de paixão sem fim. Eis que o tempo muda Fica meio acinzentado Saudade que só tortura Sem tê-la ao meu lado. Ela se foi, triste final De um tempo bom O vazio é descomunal Escuro agora é meu tom. Primavera, verão, saudade Felicidade de outrora É chamada de amizade Fria, que me apavora.
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QUE MUNDO É ESTE? Que mundo é este? Que globaliza a indiferença Que informatiza a consciência Que escraviza aos milhões Que só vence com canhões. Que mundo é este? Que destrói flores Que alimenta dores Que banaliza a terra Que fomenta as guerras. Que mundo é este? Que esqueceu a paz Que valoriza o sagaz Que marginaliza cedo Que grita o horror, o medo. Que mundo é este?
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Que aplaude o mentiroso Que esquece o amoroso Que destaca hipocrisias Que fala de afasias. Que mundo é este?
Que esquece nobres valores Que provoca muitos dissabores Que usa o machado da estupidez Que veste de pele de cortês. Que mundo é este? Que esqueceu o Vivo Jesus Que entregou seu corpo à cruz Que não reconhece Ghandi Que o político é que é o grande. Que mundo é este? Que desbrava o universo Que patrocina o perverso Que desmata nossas florestas Que fuma e brinda em festas. Que mundo é este? Que faz lágrimas aos cachos rolarem Que velhos são levados ao suicídio Que jovens são simplesmente vendidos Que liberam drogas em comprimento Que mundo é este? Que diz sim ao aborto Que mata o vivo, o morto
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Que desacredita da vida Que corta a mão amiga. Que mundo é este? Que libera a eutanásia Que explora e castiga a África Que divide as Américas Que faz ciência patética Que mundo é este?
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SUBITAMENTE O que era canto Tornou-se pranto O que era riso Já não é paraíso Subitamente. O que foi beleza Hoje é só tristeza O que era cumplicidade Não resta nem amizade Subitamente. O chamado sonho É pesadelo medonho O que se vivia na alegria Chama-se agora de agonia Subitamente. O que era desejo Louca vontade Ficou na lembrança É só saudade O que era amor Passou a ser dor Não mais que isso Subitamente. 43
QUERIA QUE VOCÊ VOLTASSE Daria tudo pra te falar De tudo que tenho vivido Desde que você se foi Para uma terra distante Dos meus olhos E dos meus braços Queria poder dizer Que destes dias de sol Não traz calor Porque sem teus abraços Minha pele permanece fria Porque sem tuas mãos Tudo é gelo, tudo é opaco. Queria lhe dizer Que com você ao meu lado Eu fui um rio caudaloso De emoções perenes E hoje não passo de um riacho Sertanejo sem um pingo de vida Que faz negar, que faz morrer As esperanças de um céu azul Vivido ao seu comando.
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Já não reflito mais alegria E já não sou atmosfera serena Porque o ar puro de homem Ficou em você, em meu coração. Queria dizer simplesmente Com todas essas palavras Que não sei ser o mesmo Desde que você se foi Queria que você voltasse Pra ficar de vez E nunca mais partisse Do meu viver.
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RECEITA OPORTUNA Dedicado ao Mestre Sai Baba.
Quando tudo me parece difícil Tento buscar fé e resignação Confiando sempre em Cristo Que sempre estende a mão. Se algo me importuna Recordo Santo Agostinho Que possuía nobre fortuna: Serenidade e paz no caminho. Se o ódio e o orgulho me visitam Clamo paciência ao Deus-Pai Ressentimentos já não habilitam Observo a folha que cai. Se a escuridão me invade Os pensamentos mais íntimos Lembro que não sou maldade E venço o que em mim é ínfimo.
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Ao cair no erro da inadvertência Sofro, postergo, mas esqueço. Em prece rogo perdão e clemência Amanhã é chance de recomeço.
Para aqueles que me testam Desejo que vivam na alegria Nada de viver fazendo protesto Porque só nos traz desarmonia. Sei que tudo que digo e escrevo São belos e nobres preceitos Mas não basta falar, penso comigo. Preciso se faz viver os conceitos. O que quero é renovação De dentro de mim para fora Primeiro passo é o autoperdão E orgulho mandar embora.
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RÉU CONFESSO Confesso Que me falta coragem Para lhe dizer o que sinto Aqui dentro Vontade não me falta Desejo não me falta Para mostrar ao mundo Que eu te amo Com loucura invejável Gritar aos quatro cantos Deste mundo Que você é minha fonte da juventude De onde brotam águas Ricochetadas de versos Inexplicáveis Para quem nunca amou Nem sabe ler a poesia De ser amado e amar Com todas as forças dos pulmões.
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Confesso, sim, eu confesso, Que lhe desejo com todas as angústias De um pobre amador Da vida eterna e da morte passageira Nada ou além disso importa Mais do que você em minha vida Suspiro hálito de doçura Inegavelmente mulher dos meus sonhos Dona dos meus beijos
Dos abraços que desejei Desde as primeiras fraudas Desde as vidas passadas O calor dos braços seus A melodia cândida da tua voz Que me jogou amiúde Nos braços do destino Para ir até você. É fácil entender assim Que sou réu confesso.
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TRÍADE DE UM AMOR VERDADEIRO Primeiro instante A mulher disse ao homem: - Amo-te. O homem responde: - Está escrito. A mulher questiona: - Não me amas? O homem apenas a fitou e nada disse. A mulher grita: Odeio-te. O homem fala: - Também está escrito. A mulher ainda insiste: - Não te importas comigo, conosco? O homem finaliza: - Sou digno do teu amor e também do teu ódio.
Segundo instante A mulher entendia: - Te sentes amargurado? O home explica: - está no meu destino sofrer.
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A mulher buscava, confusa: - Nada te prendes aqui, ao meu lado? O homem distante: - Viver preso, sem desejo, eu sei que morrerei.
A mulher sentencia: - Odeio-te pela incerteza, mas amo-te pela tua sinceridade. O homem refrigera: - Um dia eu estarei pronto para teu amor ou resignado para o teu ódio. Instante final A mulher pensa: - Esperarei sem pressa pelo amanhã O homem distante: - Entendo que devo voltar agora. A mulher fita-o em desespero: - O que queres? O homem define: - Não preciso viver mais nada. A mulher confusa: - E porque voltaste aqui? O homem explica: - Por sermos dignos um do outro como nunca imaginei que fossemos. A mulher lacrimeja: - Estás seguro do que acabaste de me dizer? O homem afaga: - Vim pra ficar em definitivo. A mulher sobressalta: - Casas comigo? O homem tranquiliza: - Já estava desde o dia em que te vi...
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UNÍSSONOS Quando eu for você E você for eu Seremos um só Vivendo no apogeu. Quando a vida nos oferecer Oportunidade de compartilhar O mais belo amanhecer Teremos conjugado o verbo amar. Se nos encontramos novamente Por acaso não aconteceu Mesmo sendo diferentes Seu coração é todo meu. Um dia no passado você partiu Por necessidade, por querer A solidão me consumiu Com toda pujança e poder. Hoje você é presente no presente E eu sou sua dádiva, seu bem-querer O nosso amor estava latente Inicia-se num belo florescer. 52
Quando eu for você E você for eu Seremos um só Vivendo no apogeu.
VERSOS TRISTES Você fez da minha vida um desdém Jogou fora o meu amor, meu sentimento Fez me sentir um asno, um ninguém Pétalas jogadas ao sabor do vento. Por mais nobre que seja as ilusões Um dia terá seu fim, sempre se desfaz Só um sentimento se renova em nós A saudade que o ontem nos traz. Não poderia ter amado assim Mesmo sabendo dos riscos que corria Entreguei-me por inteiro a você Que me deixou apenas melancolia. Minha dor é sarcástica ordem De sombrias convulsões sem fim Os sinos dobram em tons funerais Mas quero você de volta pra mim.
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VOCÊ EM TRÊS ATOS Ato I Como suave essência Cuja fragrância em mim ficou Etérea, mas palpável, evaporada. Sutil vestígio de uma presença Incenso balsâmico queimado no ar Aroma que ao ser lembrado Registra uma frágua olente Latente nas minhas lembranças Embora nada prove tal existência. Ato II Sorvia um beijo alucinógeno E sentia o desejo saltar pelo olhar Num instante embriagante De uma saudade única Atrelada a tudo que vivemos Um sonho de infância Realizava-se em realidade Na fase que pude viver Inteiramente com você. 54
Ato III Atualmente Há uma realidade 3X4 Que não supus poder existir No futuro do meu presente Coração que não pensou Razão que só sonhou Tudo passou Renasceu meu verso Seu reflexo é minha poesia Basta dizer que você Não faz parte das verdades Que era derradeira No bendizer da minha vida.
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XIFOPAGIA
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Razões não me faltam Pra te condenar por me amar Desde o início te falei Do pacto implícito que seria Viver no meu mundo Sentada na arquibancada final Esperando que eu chegasse E te falasse e te sorrisse. Quando a paixão despertou Meus sentimentos, devorando-me Explodiste o livre-arbítrio Da aquiescência das horas Vividas em estado de simbiose Onde nem as folhas secas Seriam capazes de ser Movidas daqui para ali No instante do amor pleno Na simples mágica inquieta De um frisson imaculado Que inunda nossas almas Sem pedir explicações Nem nos exigir razões Das quais não nos dizem nada Tampouco querem entender Aqui, agora,mais tarde, Um mundo em mim Uma vida sem ti. Por mais que o relógio nos atordoe Enlouqueçam as nossas horas
O ato de nos mantermos unidos Pela linguagem dos gametas Fazia-nos questionar: Por que tanta pressa Se o que interessa está aqui? Não nos faltam razões Que as razões desconhecem Para vivermos grudados E mesmo assim Cheios de saudades Amados e amando sem falas E sem promessas miraculosas De eternidade. Por desejo de força sublime Nossas mãos se unem Nossas vozes se calam E a banalidade dá lugar Ao som monossilábico do amor. Mergulhados na certeza do presente Somos o que somos um para o outro Amamos e respeitamos Como receita pronta da natureza Para todos os seres Que desejam viver amando. 57
EU SÓ TE PEÇO
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Olha Não me pressione assim Não machuque esse coração Não esqueça quem lá vive Além de você Pés no chão Para que ir a lua Se a canção que preciso ouvir É a sua, mulher... Por favor Tome cuidado Com cada passo Com que eu faço Pra ficar com você O que posso fazer Senão me entregar E pela vida esperar Que você sem medo Abrace-me mais cedo E se vista de sua poesia E de sua agonia Olha Eu só te peço Não machuque meu coração Por favor Tome cuidado Com cada passo Do que chamo paixão.
O EU E A INQUIETAÇÃO A sensação de que avança Em direção ao interior de si É a mesma de quem sobrevoa A terra azul e viva Uma vez dentro do então Espaço desconhecido Visão, audição, tato ativam-se Sob as vias nebulosas Abrindo porteiras de terras Nunca dantes desbravadas Ao passar o torpor primeiro O visitante toma um susto Arriscou-se demais Foi alto demais, fundo demais Cometendo a imprudência De querer viver Sem compreensão O que a poesia chama De amor e os sentidos Chamam de paixão. Invadir o eu Com inquietação e pressa É querer ver a Via Láctea Em segundos Sem comtemplação.
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CINCO DEPOIMENTOS I Longos dias de sol Invernos torrenciais Cânticos de igreja Conchas de feijão Abecedário sem títulos Pescas e caças Peixes e rolinhas Gritos e monstros Luz de candeeiro Latas d’águas furadas Mangueiras e cajueiros Orvalhos e lágrimas Solidão e ingenuidade Jesus e oração Não sabia até quando. Brinquedos de madeiras Obras de barro Plantações e colheitas Espasmos e fugas Teimosia e submissão.
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II Longos dias de verão Alegres noites de chuva Coros e relicários Letras e letrados Mão suada e suja Coletividade e agrado
Amizade e paixão Desejo e sustenido Animais, flora Plantas, fauna Trocas, suposições Lar ora casa Casa ora lar Roberto Carlos Língua estrangeira Meus próprios pés Rosas e campos Tecidos em jeans Gritos e segredos Será loira ou morena? III Longas noites De esconde-esconde Velhas tardes De futebol Membros quebrados Primeiro amor Primeira dor Outra história Outras canções Legião, Engenheiros Cidadania, Geografia Pizza, Milk Shake Bilhetes de amor
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Hilária era vó Regina Sorria a sua filha Primeiras águas Pau, pedra, cacos Unção na testa Religiosidade jovem 21 nãos recebidos 01 adeus pra sempre.
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IV Lindas tardes Em viagens Doces noites De beijos roubados Dedos e sabores Marinha era sonho Injustiças entendidas Corrupção à porta Eleições, contabilidade Rock, Forró e show Espiritualização Renovação de vida Escarcéu e sobradas Por aqui, por ali Bicicleta e oficina Quantas bocas Perdas de dentes Sexo, drops e papos Vírgula, ponto final Diploma na mão.
V Dias de labutas Noites de estudo Vestibular e Xerox Entrega certa Nasceu uma menina Separação seguiu Perdas e danos Aconteceu com esporas Notícias de antes Profissão e amparo Caminhada, frio, fome Solidão e solitário Casa, cd, vinil pra quê? Amigos, companheiros Espaçar da morte Dividir mesmo teto Ciúmes e guerras Moto e pneus novos Mais tristezas Ferrugem e fé.
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PORQUE NASCI
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Sou poeta porque nasci só No orvalho das manhãs E descobri nas palavras Que explorei no silêncio A explicação das coisas A razão da brancura A vontade inexplicável de estar aqui Onde caí com as mãos presas E os olhos vendados O corpo negro e nu descoberto Ao longo dos montes. Sou poeta. Grite-o longe Com a força da minha voz E as valas fecharam-se E deixaram-me passar. Mantos azuis ventos fortes Mares estranhos Céus límpidos Tomaram conta de mim. Sou poeta. Nasci só, no orvalho das manhãs, Protegido por flores, por bombas, Por maldições e o meu corpo é uma haste Ou harpa ou arma, pedaço de pão, Fogo, fome ou lanterna Brinquedo rodando nas mãos de jugos. Sou poeta. Deem-me o vosso arado. Deixai-me cultivar vossas terras
Áridas, vossos desertos secos. Deixai-me soçobrar Nos vossos barcos náufragos. Deixai-me criar epitáfio Fogueiras, lendas. Deixai-me com os vossos filhos vagando pelas Montanhas, pela lã das ovelhas. Pelas ventanias. Deixai-me construir Um ruído mudo de silêncio Uma voz calada, mais vibrante Que esta branda fala Para dizer-vos um poema Sou poeta Nasci rosa no orvalho transparente Das manhãs.
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SUPRA-SUMO DA HAVAIANA Palavras de amor aliviam Palavras de dor desagradam Falar de você um desafio Saber quem é você deixei de lado. Soberbas discussões um calafrio Frases poderosas soltas ao desalinho Sentir seu silêncio que arrepio. Brigar com você perco o caminho. Uma saída para o mar das vitórias Gera guerras após guerras insanas Frases de Neruda quantas memórias “Yo soy la hambre” não sou a manhã. Não parta sem dizer se volta Não me despreze com sua sabedoria Siga, mas não bata a porta Distante de você sou pura agonia.
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