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ALMANAQUE STEAMPUNK 2012
COM ORGANIZAÇÃO DE CLOCKWORK PORTUGAL
Ficha Técnica
Título: Almanaque Steampunk 2012 Organização e Edição: Joana Neto Lima, Sofia Romualdo, André Nóbrega e Rogério Ribeiro Este livro é uma obra de ficção. As referências a figuras ou situações históricas não pretendem constituir uma representação fidedigna das mesmas, sendo utilizadas apenas para fins literários. Composição: Joana Maltez Capa: Sofia Romualdo e Joana Maltez (com obra de Caspar David Friedrich) DL: 349152/12 ISBN 978-989-98035-0-3 Impressão e Acabamento: EuEdito 1ª Edição: Setembro 2012 E-mail: geral@clockworkportugal.com Website: www.clockworkportugal.com
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Cuide dos seus males com… …TAURUM-MÁGICO Conheça as maravilhas que a moderna ciência psiquiátrica nos trouxe. Uma equipa de alguns médicos de Lisboa, verdadeiras autoridades na matéria e conhecedoras do mais moderno que é feito cá dentro e lá fora, acabam de desenvolver nesta bela cidade, um magnífico aparelho, o TAURUMMÁGICO, com capacidade de reestruturar os compostos magnéticos do cérebro. Os resultados são até à vista fabulosos. Doenças como as do foro marital, nervosismo crónico, idiotice, demência ou comportamentos desviantes ou anti-sociais poderão encontrar cura com a simples exposição a um complexo sistema de eléctrodos. Mas os resultados falarão por si mais do que as palavras e entre as dezenas de pessoas que já experimentaram o TAURUM-MÁGICO, destaquemos a Snrª. Dª. Maria Alberta Alves, esposa de um famoso proprietário de Santarém que atesta os magníficos resultados «Dantes sentia-me triste e sozinha, com pouca vontade de viver a vida, enquanto o meu honrado esposo não conseguia deixar a oficina do seu negócio. Experimentámos o TAURUM-MÁGICO e a nossa vida mudou radicalmente. Mudou tanto que agora aos 62 anos, volto a sentir-me uma moçoila de vinte, esperando que o meu namorado chegue a casa». Também o TAURUM-MÁGICO já foi usado em alguns homens e mulheres de maus costumes com resultados surpreendentes. Pessoas que anteriormente praticavam comportamentos pouco respeitáveis e duvidosos tornaram-se honradas, mansas como cordeiros, respeitadoras da lei e da moral, deixando a infâmia e o crime em prol de comportamentos honestos. Tudo graças ao TAURUM-MÁGICO. O grande mentor do projecto, o Snr. Dr. Almeida Gaspar afirma que «os sanatórios e as prisões serão em breve coisas do passado, da mesma forma que os maridos infiéis, as mulheres de má vida, os dementes, os idiotas e os portadores de spleen. Tudo graças aos processos da ciência eléctrica para fins medicinais, encarnada neste magnífico aparelho, o TAURUM-MÁGICO». Para mais informações ou marcações de consultas: Rua de S. José, 53 – Lisboa
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Editorial O steampunk, movimento originário dos anos 80 e que ganhou novo fôlego a partir da mudança de milénio, é agora ubíquo no imaginário e mentes das sociedades ocidentais, fruto da sua crescente popularidade na literatura, música, moda e, principalmente, no cinema. O visual inspirado nas máquinas com engrenagens à vista, a adaptação de modas vitorianas para a mentalidade do nosso tempo, misturada com o estilo e modo de pensar punk, criaram uma identidade facilmente reconhecida, de apreciação superficial fácil, e com um potencial imenso ao nível da exploração da relação entre a humanidade, a ciência, a tecnologia e a evolução das sociedades. Embora os conhecedores deste e de outros géneros apontarem muitas vezes a sua saturação, a verdade é que o steampunk só agora começa a dar os seus primeiros passos em Portugal. Existem poucos escritores e ilustradores a trabalhar no género (com algumas notáveis excepções) e os criadores de roupa e engenhocas contam-se pelos dedos. Ainda assim, Portugal tem uma comunidade de entusiastas que seguem com interesse tudo o que se tem feito lá fora, e foi com essa comunidade em mente que nasceu a Clockwork Portugal. Quando um grupo de amigos se decide juntar e, sem qualquer tipo de vinculação institucional ou apoio monetário, começa a trabalhar num projecto comum guiados apenas pela sua condição de fãs entusiastas, os resultados poderiam ser imprevisíveis. No caso da Clockwork Portugal, a equipa decidiu produzir não apenas um website dedicado a notícias, críticas e curiosidades dentro do género, mas também uma webseries, a primeira do género no nosso país, feita em português. Tomámos ainda em mãos a hercúlea tarefa de organizar a primeira convenção de steampunk em Portugal, sem quaisquer patrocínios (mas felizmente com diversos apoios de quem acreditou em nós) e com orçamento zero. Se alguma vez existiu um labour of love, este é um exemplo paradigmático. Poucas coisas conseguem aproximar (e afastar) as pessoas como os gostos literários. Na Clockwork Portugal, procuramos respeitar os gostos díspares de toda a gente e fomentar as discussões saudáveis, ao mesmo tempo que mantemos em mente o nosso principal objectivo: espalhar o steampunk e as suas ideias, e, quem sabe, abrir caminho para novas obras de autores da língua portuguesa. O presente Almanaque surge com esse mesmo propósito. Nele, diversos autores demonstram a sua criatividade e engenho, levando à criação de uma obra única. É nosso desejo tornar este Almanaque uma tradição, tal como o foram os almanaques portugueses do século passado. Mesmo sem quaisquer recursos para além do entusiasmo e imaginação.
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Calendário
2012 Outubro 5-7. OctopodiCon - Oklahoma City, EUA (octopodicon.org/) 13. Glasgow by Gaslight - Glasgow, Reino Unido 13-14. Four Winds / The Wild Wild West Steampunk Fest - Troup, EUA (fourwindsfaire. com/) 15. Lua Nova. 20. Chuva de Meteoritos de Orionte. O auge desta chuva é neste dia, mas pode ser observada com menor intensidade de 17 a 25 de Outubro. Depois da meia noite, olhar para Este e na direcção de Orionte. Especial atenção aos dirigíveis com rotas compreendidas entre as latitudes de 20º e -10º. 26-28. SteamCon IV: Victorian Monsters - Seattle, EUA (steamcon.org) 29. Lua Cheia.
Novembro 4-6. Emerald City Steampunk Expo - Wichita, EUA (emeraldcitysteampunkexpo.com) 13. Lua Nova e Eclipse Solar Total. O caminho da obscuridade só será visível no extremo Norte da Austrália e no Oceano Pacífico do Sul. Um eclipse parcial será visível na quase totalidade da parte oriental da Austrália e Nova Zelândia. Evitar viajar para os Antópodas, pois este fenómeno astronómico, conjugado com a Lua Nova é uma altura propícia para desafios de Boomerang e não será certamente a primera vez que hélices de
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dirigíveis são danificadas por artefactos extraviados. 23-25. Fórum Fantástico, Lisboa, Portugal 27. Conjugação de Vénus e Saturno. Estes dois planetas brilhantes estarão separados por apenas 1º no céu matinal. Olhar para Este por volta do nascer do sol. Se ainda tem planos maléficos por executar este ano, esta é uma boa altura para finalmente os levar a cabo, e parecer convincente para com os investidores. Os mais endinheirados gostam sempre de ver estas ligações astronómicas, e não se importarão com os atrasos que certamente causou ao deixar tudo para o fim do ano. E claro, fica sempre bem nos folhetins. 28. Lua Cheia e Eclipse Lunar Penumbral. O eclipse será visível na maior pate do continente europeu, África Oriental, Ásia, Oceano Pacífico e América do Norte. 30. Teslacon III - Madison, EUA (teslacon.com/)
Dezembro 3. Júpiter: o planeta gigante estará mais perto do planeta Terra e estará iluminado pelo sol. Esta é a melhor altura para corrigir os vossos cálculos de navegação e observar Júpiter e as suas luas. 13. Lua Nova e Chuva de Meteoritos de Gémeos. Considerado por muitos como a mais exuberante chuva de meteoritos do ano, com cerca de 60 meteoritos por hora no seu auge. O auge desta chuva de meteoritos é neste dia, mas pode-se observar de 6 a 19. A partir da meia noite olhar na direcção da constelação de Gémeos. A conjugação com a Lua Nova, vai facilitar a observação deste fenómeno. Especial atenção aos dirigíveis com rotas a latitudes entre 10º e 30º. Em Paris, realiza-se todos os anos o Cruzeiro dos Gémeos, no qual gémeos de todo o mundo aproveitam para fazer uma viagem de dirigível por céus franceses. 21. Solstício de Inverno. É também o primeiro dia de Inverno no hemisfério Norte e o primeiro dia de Verão no hemisfério Sul. Esta é a melhor altura do ano para navegar e negociar a latitudes mais elevadas, aproveitando o degelo estival e as temperaturas mais elevadas. 28. Lua Cheia.
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2013 Janeiro 1-5. Chuva de Meteoritos de Boieiro. Com auge no dia 3 com cerca de 40 meteoritos por hora. Olhar na direcção da Constelação de Boötes ou Boieiro. Especial atenção aos dirigíveis com rotas a latitudes superiores a 60º. 11. Lua Nova. A noite mais aconselhada para transportar aquelas cargas que não convém serem apanhadas pelas autoridades. 11-13. Her Royal Magesty’s Steampunk Symposium - Long Beach, EUA (hrmsteam. com) 27. Lua Cheia. Contrabandistas, tenham especial atenção se os céus se encontrarem limpos
Fevereiro 10. Lua Nova. Melhor noite para transportar cargas para a América do Sul, o Carnaval é uma óptima oportunidade para fazer mais uns soberanos. 25. Lua Cheia.
Março 11. Lua Nova. 16-23. Steampunk Cruise - New Orleans, EUA (steampunkcruise.com) 20. Lua Cheia e Equinócio. Se estiver no Steampunk Cruise, o ano correu-lhe bem e é um sortudo por estar a apreciar o início da Primavera em tão boa companhia. 27. Lua Cheia.
Abril 10. Lua Nova. 21. Chuva de Meteoritos de Lira. Com cerca de 20 meteoritos por hora no seu auge.
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A partir da meia noite olhar na direcção da constelação de Lira. Especial atenção aos dirigíveis com rotas a latitudes de cerca de 40º. 25. Lua Cheia e Eclipse Lunar parcial . O eclipse será visível na maior parte do continente Africano, Europa, Ásia e Austrália. 26-28. Steampunk Symposium - Cincinnati, EUA (steampunksymposium.com) 28. Saturno: o planeta dos anéis vai estar mais perto do planeta Terra e estará iluminado pelo sol. Esta é a melhor altura para corrigir os vossos cálculos de navegação e observar Saturno e as suas luas.
Maio 3-5. Gaslight Gathering III - The Seven Seas - San Diego, EUA (gaslightgathering.org) 5. Chuva de Meteoritos de Eta Aquarius. O auge desta chuva de meteoritos é neste dia, mas pode-se observar de 4 a 7. Antes do sol nascer, olhar na direcção da constelação de Aquário, tembém depois da meia noite, a Este. Especial atenção aos dirigíveis com rotas compreendidas entre as latitudes de 10º e -10º 10. Lua Nova e Eclipse solar anelar. A viagem da obscuridade irá começar a Oeste do Continente Austaliano e mover-se-á para Este pelo Oceano Pacífico central. Evitar viajar para as ilhas dos Antípodas nesta altura, pois eclipses deste tipo são interpretados como um mau presságio que exige geralmente sacrifícios humanos. 11-12. The Watch City Festival - Waltham, EUA (internationalsteampunkcitywaltham. org) 17-19. Steampunk World’s Fair - New Jersey, EUA (steampunkworldsfair.com) 25. Lua Cheia e Eclipse Lunar Penumbral. O eclipse será visível por quase todo o continente Norte Americano, América do Sul, Europa Ocidental e África Ocidental. 28. Conjugação de Vénus e Júpiter. Os dois planetas estarão apenas separados por 1º no céu noturno. O planeta Mercúrio será também visível perto. Olhar para Oeste por volta do pôr-do-sol. Se tem planos maléficos para executar este ano, esta é uma boa altura para os levar a cabo, os investidores gostam sempre de ver estas ligação astronómicas e fica sempre bem nos folhetins.
Junho 8. Lua Nova. 21. Solstício de Verão. Este é o primeiro dia do Verão para o Hemisfério Norte e o primeiro dia de Inverno para o Hemisfério Sul. É nesta altura em que os vapores e os dirigíveis devem terminar as suas campanhas a Sul e rumar a latitudes mais a Norte.
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Assim evitarão o gelo e temperaturas negativas que dificultam a navegação e insuflação dos envelopes. 23. Lua Cheia.
Julho 8. Lua Nova. 22. Lua Cheia 28. Chuva de Meteoritos de Delta Aquário Sul. O auge desta chuva de meteoritos de Aquário é neste dia, mas pode ser observada com menor intensidade de 18 de Julho a 18 de Agosto. Depois da meia noite, olhar na direcção da constelação de Aquário para Este. Especial atenção aos dirigíveis com rotas compreendidas entre as latitudes de 10º e -10º.
Agosto 6. Lua Nova. 13. Chuva de Meteoritos das Perseidas. A Chuva de Meteoritos das Perseidas é um dos mais espetaculares fenómenos astronómicos a observar, no seu auge podem-se observar 60 meteoritos por hora. Os melhores dias para observar as Perseidas é nos dias 13-14, mas pode ser observada com menor intensidade de 23 de Julho a 22 de Agosto. Depois da meia noite, olhar para Nordeste, na direcção da Constelação de Perseu. Especial atenção aos dirigíveis com rotas compreendidas entre as latitudes de 50º e 30º
Setembro 5. Lua Nova. 19. Lua Cheia. 22. Equinócio de Outono. É também o primeiro dia de Outono no hemisfério Norte e o primeiro dia de Primavera no hemisfério Sul. A definir. Euro Steam Con
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Horóscopo
As Previsões do Astrólogo Sepharial
Carneiro O seu lado vilão terá tendência para vir ao de cima nos próximos tempos. Lembre-se que, se quiser cometer algum acto vil e sair disso impune, deve ter a certeza que implica o maior número de inocentes na sua rede de corrupção. Controle o seu lado conflituoso e não se julgue invencível.
Touro Se ainda não usa goggles para proteger os seus olhos enquanto trabalha na fundição, há uma grande probabilidade de, nos próximos tempos, deixar de precisar de os usar. Para sempre. Tenha em mente que as goggles devem ser funcionais, não bonitas, pelo que é boa ideia controlar a sua vaidade.
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Gémeos Claramente os seus pais não gostam de si, ou não o fariam nascer numa altura em que há alta probabilidade de nascer com duas caras. Se tem apenas uma, considere-se uma raridade. Possibilidade séria de acidente de dirigível nos próximos tempos. Se não os utiliza para transporte, irá levar com um na cabeça. E não vale a pena esconder-se em casa. Fuja para o campo.
Caranguejo Enquanto as outras pessoas gastam o seu tempo em viagens ao Novo Mundo ou festas populares, as suas características antisociais permitir-lhe-ão criar uma invenção que irá revolucionar o mundo. Infelizmente, os seus amigos irão roubar-lhe o protótipo e registar a patente, e você irá morrer sozinho e pobre.
Leão O seu intelecto e capacidades superiores colocam-no acima do comum dos mortais, pelo que não é surpreendente que toda a gente o odeie. Também não é surpresa que isso não o afecte. Habitue-se a chegar directamente de dirigível aos casamentos dos seus amigos. Se tiver acidentes, é o que eles merecem por insistirem em marcar cerimónias na altura do seu aniversário.
Virgem Em breve irá ter a oportunidade perfeita para extorquir dinheiro ao seu chefe ou sócios. Mas tenha cuidado: se sentir um formigueiro no pescoço está provavelmente a ser perseguido por agentes secretos. Ou então tem sarna. Nesse caso, procure cuidados especializados no Centro Espiritual subterrâneo da Ordem Milenar do Maracujá.
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Balança As estrelas reservam-lhe um futuro sangrento. Gostaria de ser mais específico, mas no caso do seu signo, o destino parece não querer estragar a surpresa já que se encontra terrivelmente aborrecido desde aquela vez em que o caro amigo Balança decidiu largá-lo e ir em busca do seu próprio destino.
Escorpião Tente controlar a sua vaidade. Uma coisa é rechear o armário de vestes e chapéus; outra totalmente diferente é beijar espelhos ou construir um autómato à sua imagem. Lembre-se que a maioria dos Escorpiões acabam assassinados. Não apresse o seu destino.
Sagitário A sua falta de escrúpulos torna muito real a possibilidade de fazer dinheiro. No entanto, gastar o seu dinheiro em roupas finas, num dirigível novo e iguarias importadas não serve de nada para disfarçar a falta de classe. Para além disso, o mais provável é acabar assassinado, quase de certeza por alguém do signo Carneiro.
Capricórnio As suas opiniões fortes não contribuem para a sua popularidade. Lembre-se que os seus amigos não querem saber daquilo que você acha. A sua companhia tornar-se-ia muito mais agradável se estivesse sob o efeito de substâncias. Sugiro éter ou ópio da Casa Aljustrel.
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Aquário Propensão para pesadelos terríveis. De acordo com os avanços mais recentes da ciência, isso quer dizer que você é um perverso com desejos inconscientes que provavelmente o levarão ao Inferno. Corre o risco sério de ser atacado por um psicopata (provavelmente do signo Carneiro). Fuja para o campo.
Peixes Está numa fase da sua vida na qual, independentemente do que faça, vai sempre ser feio. Isto se não fôr mesmo horrível. Escusa de tentar usar chapéu ou goggles para esconder a sua aparência. Todos nós sabemos o que está por detrás. Seria boa ideia cortar os pêlos do nariz, ou pelo menos penteá-los, e tratar dessas escamas a que você chama pele.
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Artigos
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O que é o Steampunk?
Steampunk: O Que Há num Nome?
Quanto ao caso da literatura, e como já foi referido no website da Clockwork Portugal e no primeiro episódio dos Diários Steampunk, a fórmula transcrita por Jeff Vandermeer na Steampunk Bible é um excelente ponto de partida para a discussão:
Antes de começarmos a falar de obras steampunk, convém tentar explicar a quem pela primeira vez entra em contacto com elas o que é Steampunk. Apesar de todas as discussões que rodeiam o género, uma definição final e consensual é um pouco como a pedra filosofal: todos a procuram e ainda ninguém a encontrou.
STEAMPUNK = Mad Scientist Inventor [invention (steam x airship or metal man/ baroque stylings) x (pseudo) Victorian setting] + progressive or reactionary politics x adventure plot
Actualmente o termo representa um estilo, género ou orientação em várias áreas artísticas, tendo em comum uma inspiração na época victoriana, na estética e tecnologia da altura da revolução industrial - daí o “steam” que frequentemente, através da ficção de pendor retro-futurista, analisa e critica várias características daquela sociedade, comparando-a com a actual e vice-versa - daí o “punk”. Se muitas vezes as pessoas tomam conhecimento do steampunk como estilo de roupa e adereços ou mesmo como estética no cinema, é principalmente como género literário que ele é mais profunda e detalhadamente explorado.
Evidentemente, esta fórmula, como qualquer outra definição, tem as suas limitações, mas de todas as tentativas esta é aquela que, efectivamente, chega mais perto de resumir e enumerar os elementos principais do conceito. Como foi dito inicialmente, geralmente o cenário é inspirado na época vitoriana dourada dos bons costumes e da Revolução Industrial, à qual se imprime um desenvolvimento mais rápido, seja do ponto de vista tecnológico ou do ponto de vista social (a série do Parasol Protectorate de Gail Carriger e a a série The Iron Seas de Meljean Brook são bons
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gadgets que hoje estão presentes de forma tão marcante nas nossas vidas? E se Charles Babbage tivesse conseguido terminar o seu motor analítico no século XIX? E se os Mongóis tivessem conseguido invadir e conquistar todo o continente europeu?
Origem do Termo Apesar dos primeiros trabalhos do género serem dos anos 70, o termo steampunk apenas apareceu no final da década de 80, como uma espécie de provocação humorística à necessidade tão em voga de criar denominações justapondo o termo punk a qualquer coisa identificativa, como é o caso do cyberpunk. Foi usado pela primeira vez pelo autor de ficção científica K.W. Jeter, que tentava assim classificar os trabalhos de três escritores que partilhavam uma série de características comuns: Tim Powers, James Blaylock e o próprio. As suas histórias tinham lugar num cenário do século XIX (geralmente na época Vitoriana) e tentavam explorar as convenções e regras da sociedade vitoriana, em situações improváveis e recorrendo a máquinas e invenções retro-futuristas - projectando assim a tecnologia contemporânea num mundo de vapor e engrenagens.
exemplos). No entanto, o steampunk não está restringido a Londres, à Inglaterra ou mesmo ao continente europeu, podendo focar-se noutras culturas, num futuro alternativo ou mesmo em épocas e cenários indefinidos. Um elemento que parece ser omnipresente é a adaptação de tecnologias ultrapassadas a invenções futuristas, que mimetizam máquinas e equipamentos impossíveis ou que só estão disponíveis no nosso tempo. O desenvolvimento das histórias steampunk recorrem frequentemente a um “E se?”: E se no século XIX já existissem uma série de máquinas e
Desde Abril de 1987, quando Jeter referiu pela primeira vez em público o termo steampunk, numa carta escrita à revista de ficção científica Locus, o
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género expandiu-se consideravelmente, como o próprio autor previra, e hoje em dia representa um conjunto importante de obras não só literárias como de várias outras áreas do espectro artístico.
Steampunk como Conceito Emergente Nos últimos anos tem-se vindo a notar um crescimento no número de distopias e livros de géneros especulativos publicados. Pensa-se que isto esteja relacionado com momentos de agitação social: historicamente, sempre que se assiste a uma guerra mundial ou um crash económico, a popularidade da literatura distópica tende a disparar. As pessoas procuram livros que as ajudem a lidar com as abruptas mudanças nas suas vidas e que mostrem protagonistas que, de uma forma ou de outra, conseguem mudar o seu mundo e lutar contra injustiças, corrupção e opressão social ou económica. O motor da acção nas obras steampunk é frequentemente uma sociedade injusta, opressora ou em convulsão, mesmo à beira do colapso, e a resistência a esse ambiente adverso. As histórias seguem a revolta dos heróis e heroínas contra a injustiça nas suas vidas ou na sociedade a que pertencem, a sua luta determinada em mudar o estado das coisas, podendo a acção cingir-se a um navio, um dirigível, uma estação de comboio, ou englobar uma cidade, um país ou mesmo um planeta.
A Era Victoriana como Cenário O reinado da Rainha Vitória foi a época das primeiras Exposições Mundiais, Exposições Industriais, de Edison, Tesla e Babbage. Foi uma época de extremos, de absoluta riqueza e pobreza asfixiante, da exploração do homem ao nível social, político, económico e geográfico. A rápida expansão dos impérios, em particular do Britânico, acompanhou a evolução alucinante da tecnologia e da indústria. Tudo isto foi terreno fértil para a imaginação dos escritores da época, como Júlio Verne, Edgar Allan Poe, H.G. Wells e Mary Shelley, que começaram a explorar os limites da ciência através da ficção. As obras de alguns destes escritores são muitas vezes apontadas como precursoras do steampunk. Se é um facto que muitas vezes os escritores contemporâneos de steampunk se esquecem do lado negro da história - a xenofobia, racismo, descriminação de géneros, a exploração dos operários, o desemprego gerado pela utilização das máquinas, o imperialismo - as obras mais interessantes exploram este lado, colocando, por assim dizer, o punk no steam.
Tal como ocorreu inicialmente, em relação à rápida evolução tecnológica a que a Humanidade assistiu no final do século XIX e início do século XX, o steampunk ressurge nos dias de hoje
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como resposta à velocidade galopante da evolução tecnológica desde os anos 80, relacionando-a com a antiga revolução industrial. Os seres humanos procuram constantemente algo que os ajude a lidar com a mudança acelerada do seu modo de vida decorrente das alterações tecnológicas e assim aparece a ficção científica e especialmente o steampunk.
da ribalta.
Personally, I think Victorian fantasies are going to be the next big thing, as long as we can come up with a fitting collective term for Powers, Blaylock and myself. Something based on the appropriate technology of the era; like ‘steampunks’ (...).
No início do século XXI deu-se um crescimento quase exponencial de obras que se inserem no conceito steampunk, começando com o brilhante Perdido St Station de China Miéville. Em 2009, Gail Carriger introduziu vampiros e lobisomens num mundo steampunk, e nesse mesmo ano, Cherie Priest apresentou ao género os zombies criados pela acção do Blight, e pouco depois, em 2010, Cassandra Clare juntou anjos à acção.
Em termos de manga e anime, existe nos dias de hoje larga oferta de trabalhos steampunk. São exemplos o Nausicaä of the Valley of the Wind, Laputa: Castle in the Sky, Howl’s Moving Castle, Steamboy e Fullmetal Alchemist. Alguns destes trabalhos remontam aos anos 80, mas só nos finais dos anos 90 é que começaram ser traduzidos e distribuídos Evolução e Obras Recentes em larga escala no mundo ocidental, Já em 1987, K.W. Jeter, na sua carta à influenciando autores e fãs de todo o mundo. Locus, dizia:
Em 1995 foi publicado o livro The Golden Compass de Phillip Pullman. Em 1999, no mesmo ano em que a adaptação cinematográfica da série de televisão Wild, Wild West estreava nas salas de cinema, Alan Moore começou a sua banda desenhada The League of Extraordinary Gentlemen. Se foi com The Difference Engine de William Gibson e Bruce Sterling que o conhecimento do steampunk se generalizou consideravelmente, foi o sucesso destes e outros trabalhos mais recentes e sua adaptação cinematográfica que catapultou o conceito para as luzes
No cinema, temos recentemente os filmes de Sherlock Holmes, Os Três Mosqueteiros e A Invenção de Hugo Cabret. Hoje mais do que nunca o género steampunk eleva-se da uma posição marginal e começa lentamente a invadir o vocabulário, as prateleiras e os cinemas. Assistimos também a um revivalismo
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de tudo o que é vitoriano e a uma proliferação de objectos inspirados pelo steampunk, especialmente ao nível da moda: os corpetes, os relógios de bolso transformados em colares, os botins, as goggles, as engrenagens, entre outros.
contexto britânico, trazendo novo fôlego ao género através da introdução de outras culturas. Um bom exemplo deste desenvolvimento são as várias obras já publicadas no Brasil, como a antologia VaporPunk, editada por Gerson Lodi-Ribeiro e Luís Filipe Silva.
Recentemente têm surgido obras que exploram o steampunk evitando o típico
Resta saber se a popularidade do steampunk irá continuar a trajectória ascendente dos últimos anos.
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Décimo Nono Teste de Competência Robótica - Escrita Criativa
o cenário à minha volta. Visto não ter memórias de um número suficiente de lugares, este será o sítio onde a história será descrita.
15 de Agosto, 1875 Décimo Nono Teste de Competência Robótica - Escrita Criativa
Situação Inicial - O estabelecimento denominado ‘Vapor de Cafeína’, onde variados tipos de humanos juntam-se para apreciar várias bebidas que têm como base café e água, é descrito como ‘bonito’ por 10 das 12 pessoas às quais eu dirigi a pergunta ‘Descreveria o estabelecimento denominado ‘Vapor de Cafeína’ como ‘bonito’?’. O céu está aproximadamente da cor #42c7fe, sem nuvens. Os vasos à volta contém:
Notas do Autor - Situo-me fora da oficina, no estabelecimento denominado ‘Vapor de Cafeína’, com o objectivo de escrever algo que não seja um relatório formal. Fui preparado com: - A estrutura e as regras para a escrita de contos; - Uma caneta de aparo com tinta #0a0a09; - Um caderno com capa de couro de cor #5d3d20 e folhas #f3f0e5; - Um dicionário de adjectivos;
- Grupos de Ophrys Lutea (orquídeas); - Grupos de Angiospérmicas Dicotiledóneas Lenhosas (arbustos) que não consigo identificar.
Fui também instruído que: - Não posso voltar antes das 9:00; - Não posso descrever nada que esteja realmente a acontecer.
De perto da estação de correios vem um Felis Silvestris Catus (gato). Mas como este gato não é o gato que estou
Não foi mencionado nada contra usar
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a ver neste momento, este gato tem a particularidade de apenas precisar dos membros traseiros para se apoiar. Tem olhos #dee270 e pelo #181716. É de tamanho médio.
corresponde à realidade e, logo, pode ser escrito. ‘Alguéns’ não é uma palavra presente na memória interna. 0 de 13 humanos conseguiram confirmar o verdadeiro plural da palavra ‘alguém’. Mas visto não ser uma palavra que, neste momento, exista, ela pode ser incluída na história.
Notas do Autor - Este gato é o protagonista. Quebra da Situação inicial - 3 das 9 pessoas que interroguei exprimiram a opinião de que um gato com a particularidade de apenas precisar dos membros traseiros para se apoiar é um pensamento ‘algo perturbador’, 5 dizem que seria ‘divertido de ver’ e 1 que ‘ficava com este gato’. Ninguém ficava indiferente. Por isso, o gato sentia ‘muito desassossego’ por ter 9 pessoas a observá-lo a andar apenas com os membros traseiros. As pessoas sentem ‘algum desassossego’ quando eu fico a observá-las por muito tempo e, embora não exista uma forma matemática para calcular desassossego, 9 continua a ser 9 vezes maior que 1. Logo, para a história, assumiremos que a quantidade de desassossego por alguém ter outro alguém a observar esse primeiro alguém é bem menor do que o primeiro alguém ter nove alguéns a observar esse primeiro alguém.
Conflito - Desassossego é descrito como: - s.m. Falta de sossego; inquietação, perturbação, agitação: viver em desassossego. Pelas minhas observações, desassossego pode levar a acções que podem ser descritas como irracionais. O gato, por estar com muito desassossego, decide irracionalmente atacar uma Homo
Notas do Autor - O gato tem sentimentos humanos. 8 das 9 pessoas interrogadas afirmam com certeza que os animais são incapazes de sentimentos, logo isto não
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Sapiens Mulier (humana fêmea). O tempo estimado para as forças policiais, encarregues da protecção dos cidadãos, chegarem e intervirem no incidente é de 5 minutos. Neste tempo o vestido #462639 e #eab3d3 é bastante danificado. Os danos a máquinas e roupas de menos valor não é comparável aos danos de vestidos - um dano superficial numa máquina é severo num vestido.
ter feito algo desagradável. Logo, o gato não gostou de ser abatido. Fin Bartholomew Keylock
Notas do Autor - A última frase é um exemplo. Clímax - As forças policiais chegam ao local em frente ao estabelecimento denominado ‘Vapor de Cafeína’ e prendem o gato. Este gato tenta resistir pois ele, como tem sentimentos, não quer ir para a prisão. 7 de 7 humanos a quem dirigi a pergunta de ‘Querem ir alguma vez para a prisão’ responderam ‘Não’. Os humanos têm sentimentos. Logo ele não querer ir para a prisão é normal. Desfecho - O gato não é um humano, apesar de ter sentimentos humanos. Aliás, o que fez com que ele sentisse ‘muito desassossego’ foi porque os humanos olharam para ele porque ele não é um animal de andar apenas apoiado nas patas traseiras. os animais que atacam as pessoas são abatidos, por isso o gato foi abatido. 5 das 5 pessoas que não recusaram responder à pergunta ‘Gostaria de ser abatido?’ responderam ‘Não’ num tom que posso comparar com o tom com que falam comigo depois de
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Carta Anónima
seus motores a vapor e construções mecanizadas farão às pessoas que supostamente vêm ajudar. Nota-se em todo o lado o principal resultado das suas invenções: a morte. Morte pela fome, porque todos os que foram substituídos pelas máquinas não mais puderam trabalhar, não mais tiveram o salário que a sua profissão lhes trazia, não mais trouxeram o sustento para casa, para a família. Morte pela tristeza de quem em tempos era mestre e agora vê braços metálicos a fazer depressa, sem parar e sem pensar, tudo o que ele fazia. (como fica o homem nesta terra quando lhe tiram o que o faz parte da sociedade, senão morto?) Morte pelo escaldar do corpo, quando os malditos motores não funcionam como deve ser e rebentam no pobre coitado que o está a vigiar. E não fica a morte pelos trabalhadores, porque também perde alma o objecto. O que é um tecido, um tapete, uma peça de roupa, se todas as outras do mesmo produtor são exactamente iguais? Que valor terá?
Soube por meios que não importa revelar que estava a ser organizada uma publicação, ao que parece, com a intenção de hastear a bandeira do desenvolvimento tecnológico e mostrálo como o grande motor da realização do Homem. A ideia é um ultraje de tal forma grande ao ser humano que, em círculos a que poucos têm acesso, já se fala em destruir a sede da organização para prevenir a criação de tal grimoire. Eu, no entanto, creio que talvez alguém que ainda é tão capaz de pôr as mãos à obra pode não estar absolutamente para lá de salvação possível. Decidi, nesse sentido, enviar esta carta a vossas excelências pedindo para que a leiam com a devida atenção e abortem os planos de fazer o almanaque. Caso não vos convença, peço que pelo menos me dêem a devida oportunidade de fazer os infelizes leitores pensar sobre o assunto antes de se tornarem os cegos crentes do vapor e engrenagem que assolam hoje o nosso país e mundo. A tecnologia está a devastar a sociedade. Os líderes desta suposta progressão, perdidos no seu ego gigante, não vêem - ou não querem ver - o que os
E não será isto que estes patrões querem? Deixar de pagar a múltiplos trabalhadores, pois pagar somente a
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máquina e a manutenção sairá decerto mais barato. O cliente deixará, a seu tempo, de se preocupar com a qualidade do objecto que compra de forma que o lucro terá tendência a aumentar. Vão enriquecer cada vez mais, os patrões - de si já abastados - e com eles os loucos inventores destes demónios de engrenagem, e vai empobrecer, mais ainda, o povo que pouco mais pode fazer.
certamente para espalhar esta mensagem de verdade, escondida no meio do chorrilho de mentiras que o constituirá! Anónimo
Se ao final de tudo isto perceberam como estavam cegos, como é preciso impedir a destruição do Homem e seu modo de vida, não fiquem parados! Há sempre um conhecido, um amigo, um irmão que sabe com quem se deve falar para se poder contribuir para a nossa causa, que é, no fundo, a causa de todos! As máquinas serão paradas, os vapores arrefecidos, as engrenagens quebradas, os motores rebentados! Às armas, meus irmãos, às armas! Post scriptum: Caros editores, caso sejam incapazes de compreender as verdades demonstradas neste documento e pretendam recusar a sua publicação, destruí-lo, pôr um detective atrás do autor, aviso-vos: os esforços serão em vão. Não há local neste país onde possam esconder-se e não há detectives imparáveis. Se desistirem publicamente do projecto o quanto antes, estão ainda a tempo de salvar as vossas vidas dos possíveis atentados. Mas, finalmente, se este almanaque chegar a ver a luz do dia, servirá
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Cr贸nicas Sociais
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O Vapor do Chique
Uma distinta amiga do Almanaque, por todos sobejamente conhecida, mas que, por etiqueta, nomearemos como Madame S., voltou a presentear-nos por carta com os mais recentes frissons da alta sociedade. Presença habitual nos saraus e ocasiões solenes de Lisboa e Porto, mas também assídua e conhecida nas temporadas chiques de Paris e Londres, Madame S. compartilhou com os editores deste anuário alguns dos casos envolvendo aristocratas e capitalistas que têm sido, por força da influência e do dinheiro, negados às parangonas dos jornais. Agradecemos, penhorados, a sua gentileza, reproduzindo, para deleite e edificação dos nossos leitores, as partes que ela tem interesse em que sejam publicadas, e que entende conterem recomendações para grande número dos leitores do nosso Almanaque
Habitué nos saraus e bailes do Teatro da Trindade, o virtuosismo da orquestra familiar que conduzia, e o brilhantismo do engenho mecano-psíquico com o qual arrebatava o espanto da audiência, fizeram dele um fenómeno de popularidade, expresso há alguns anos na sua tournée europeia que terminou em apoteose no Baile Imperial que flutua eternamente sobre as estepes russas.
Uma Família Destroçada
Mestre José Marcolino, em pé e no centro, acompanhado pelo seu Adivinhador Árabe, pelo filho Gervásio, a mulher Laurette, e a filha Perpétua; retratados no Sarau da Condessa de Safim, Mogador e Canárias.
Tendo desaparecido dos olhares populares de forma tão misteriosa como havia surgido, Mestre José Marcolino tornou-se uma das figuras mais saudosas do negócio do espectáculo na capital.
Não constituirá surpresa aos mais perspicazes leitores do Almanaque que
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tal desaparecimento seja atribuível a problemas conjugais. Efectivamente, ao se casar com a francesa Laurette Pascal, excêntrica figura, que, escandalosamente, se apresentava em público sempre vestida de homem, tornou claro nas mentes mais lúcidas da sociedade que o seu seria um final triste. Beneficiando já de tremenda notoriedade, fruto da sessão em que havia deixado boquiabertos com o seu Adivinhador Árabe os veneráveis membros da Real Academia de Ciências Naturais e Tecnologias do Vapor, o enlace surpreendeu tudo e todos, desde os pasquins sensacionalistas às respeitáveis brochuras en haute. Anos mais tarde, o surgimento dos filhos, Gervário e Perpétua, apaziguou esse mal-estar. Mas a desgraça pendia inexorável, alimentada por uma serpente no seu seio.
como da performance artística, Mestre Marcolino tinha no Adivinhador Árabe a mais genial realização da sua oficina. Oficina essa que sorvia quase todo o tempo que lhe sobrava das constantes apresentações e tournées, desmazelando o saudável equilíbrio familiar, excepção feita para os tempos de ensaio da orquestra, onde, pior a emenda que o soneto, era particularmente exigente e severo com mulher e filhos. Desleixando a harmonia familiar, encerrando o Adivinhador numa sumptuosa caixa antiga de madeira e vidro, qual gabinete de curiosidade, Mestre Marcolino não se dava conta de que já não era só ele que havia constituído uma ligação mental com o maquinismo. Efectivamente, produto do abandono e da amargura, a pobre Laurette iniciara conversas com uma voz que se insinuara na sua cabeça, e que aos poucos reconhecera não como sinal de loucura mas como a voz ponderada e sábia do Adivinhador. Do calor das discussões filosóficas à descoberta da escaldante eficiência do amor carnal impelido pela servomecânica-a-vapor conduzida por uma sensibilidade milenar, Laurette entregou-se ao pecado contra-natura. Mesmo assim, Mestre Marcolino manteve-se oblívio aos seus deveres de chefe-de-família!
Usando saberes que publicitava teremlhe sido transmitidos psiquicamente desde o Antigo Egipto por um mágico faraónico, comunicava mentalmente com o mecano-ser que concebera, e a quem dera uma aparência de vida através do milagre do Vapor. Descortinando cartas de baralho, mas também objectos escondidos pelo público, e mesmo antecipando alguns eventos reservados ao Futuro, o Adivinhador Árabe fazia as delícias das multidões e a inveja e incredulidade de Engenheiros e Cientistas, chegando a ser comentado que recusara uma oferta avultada do Kaiser da Grosse Germania pelo misterioso engenho. Assim, génio do Vapor assim
Quem de nós poderá condenar tais desenvolvimentos, mesmo que
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repugnando a nossa Fé? Quem atirará a primeira pedra, depois de saber que apenas a sagacidade do Adivinhador conseguiu penetrar a muralha que Laurette havia construído à sua volta, sob a forma de uma aparência masculina, para se proteger do trauma de ter sido abusada em tenra idade por um tio materno? Quem lançará o primeiro archote, depois de saber que só a persistência terna do quase-ser fez desabrochar em pleno a mulher que Laurette toldava em si? Não tardou que Laurette fugisse com os filhos, acartando o Adivinhador Árabe e deixando o marido para trás. Envergonhado pelos seus erros, e pela abdução da criação que, consta, nunca mais conseguiu reproduzir, Mestre Marcolino deixou Portugal e acabou os seus tristes dias numa tasca da Galiza, vítima de uma febre purulenta. Correm actualmente rumores de uma trupe familiar ocidental, liderada por uma bela mulher morena e um homem atlético de tez morena e bigode farfalhudo, que comove e diverte o Imperador dos Japoneses com música e prestidigitações. Convido os editores e leitores a tirarem as suas próprias conclusões.
um porte digno e um comportamento irrepreensível, outros tantos pavoneiam uma desbragada contumácia, mesmo quando a sua primorosa educação faria esperar o contrário. Tal parece ser o caso de A.S., conhecido bacharel de leis. Sendo herdeiro de um sonante título nobiliárquico e de uma considerável fortuna, seria de esperar que se comportasse a preceito. Ao invés, tem obrigado os seus progenitores ao dispêndio de avultadas quantias e uns quantos favores, na tentativa de manter anónimas as tolices de seu filho. Entre os episódios pouco edificantes com que A.S. tem brindado a nossa sociedade, creio que será de boa justiça revelar que foi da sua (ir)responsabilidade a “avaria” que em Fevereiro passado lançou, num início de madrugada, uma das locomotivas que faz o serviço público de transporte entre o zepellinoporto do Alto do Parque da Liberdade e o ribeirinho Terreiro do Vapor, contra a Estação do Rossio. Faço esta revelação porque creio ser dever patriótico manter
Juventude Incauta Má fama é atribuída aos humores que nos guiam nos nossos verdes anos. Enquanto muitos de nós fazem por contrariar essa visão popular, através de
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Como resultado, dois feridos graves e um imóvel danificado. E mais um caso abafado pela Imprensa e pelas autoridades, que o meu sentido de decência obriga a trazer ao vosso conhecimento.
impoluto o bom nome da indústria e capacidade tecnológica portuguesa, não a vendo manchada pelos desvarios que lhe são alheios. Apesar das acusações e insinuações que nessa altura iniquamente surgiram nas primeiras páginas de alguns pasquins, fiquem as minhas amigas e amigos descansados, pois é da maior segurança a carreira nº45, que corre ao longo do concorrido Passeio Público. A dita perturbação ocorreu devido à conduta inebriada do referido jovem, resultado de uma noitada plena de álcool e companhias insalubres nos estabelecimentos de diversão menos aconselháveis que infectam as ruelas esconsas nas imediações do Passeio.
El-Rei no Porto Perante a esfusiante recepção e homenagem dispensadas pelas gentes do Porto na sua recente visita, reconheceu El-Rei o papel fundamental desta metrópole no desenvolvimento do Poder do Vapor, que tanto tem elevado o estatuto industrial e financeiro do nosso país no Mundo. A supremacia nacional, razão principal da actual
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détente entre as potências europeias, e causa de Portugal ser o alvo da inveja de tantos estrangeiros, ficou mais uma vez demonstrada pela prenda ofertada pelo presidente da Câmara do Porto a El-Rei: um cavalo-a-vapor, indistinguível dos verdadeiros puros-sangue que compõe a Real Coudelaria.
ver El-Rei unido a uma das linhagens bafientas da Velha Ordem, esta vossa amiga veria com bons olhos que, tal como o Vapor fez pela Sociedade lusitana, também esta união possa trazer sangue-novo e um renovado ímpeto à nossa imperecível Monarquia.
Tamanha façanha do engenho luso pode ser comprovada na fotografia arriba colocada, assim como podem os leitores e leitoras espiar, na primeira figura a contar da esquerda postada na varanda do estabelecimento comercial Costa Lima, a fronte de Madame Gina Bianchi, que se sussurra nos salões chiques ser a amante de Sua Majestade. Mulher de Artes e Ciência, filha do destacado explorador italiano Giuseppe Bianchi, é referida entre muitos homens como uma “escultura grega”, num comentário desajeitado que não faz juz à sua beleza, ou ao seu intelecto, mas que é totalmente esperado do que conhecemos da pateguice da maioria dos nossos concidadãos. Aparte estas idiossincrasias habituais da nossa convivência provinciana, que os espíritos mais iluminados esperariam estar ultrapassada nesta Era prodigiosa, os mais perspicazes preferem notar a influência benéfica que esta relação não declarada parece estar a ter na disposição geral de Sua Majestade, e na forma como sabiamente conduz os destinos da Nação. E, ao contrário daqueles que prefeririam
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O Duelo que não Aconteceu
Porém, contra as suas espectativas, Phillipe de Busquet não optou pelo florete ou pelas clássicas pistolas. Os seus padrinhos comunicaram a Besson que as armas escolhidas seriam as novas pistolas de vapor, uma inovadora arma de defesa desenvolvida no seu laboratório que disparava um pequeno míssil propulsionado por um jacto de vapor sobreaquecido. Perante esta escolha, consta que Besson sentiu algum desconforto. Lembrou-se de uma reportagem que vira semanas atrás no Echos du Vapeur, que descrevia com múltiplos detalhes a invenção de Phillipe de Busquet. Foi reler e não gostou do que leu. As diversas imagens que mostravam um Busquet sorridente a atirar ao alvo não contribuiram para o tranquilizar. A arma possuia uma elevada precisão e era natural que o inventor fosse um perito na sua utilização.
Os antecedentes do duelo são por demais conhecidos. Phillipe de Busquet, Chevalier de la Republique, Maitre de Recherches na Sorbonne, membro da Academia das Ciências, foi desafiado por Romain Besson, um jovem cientista e bon-vivant, sob o pretexto de ter sido afectado o seu bom nome e reputação por palavras proferidas em local público. A história resume-se em poucas palavras. Besson submeteu à Academia das Ciências uma comunicação em que propunha uma nova equação de estado para o vapor sobreaquecido, que consistia essencialmente numa equação de virial com termos adicionais. Phillipe de Busquet criticou o manuscrito de forma severa, detectando um erro na fórmula apresentada, resultante de uma aplicação incorrecta da expansão em série. Romain Besson, orgulhoso da sua habilidade de duelista, desafiou o académico.Estava seguro que, qualquer que fosse a arma escolhida, o resultado ser-lhe-ia sempre favorável, como tinha sido nos três duelos que já travara, um por dívidas de jogo e dois por negócios de saias.
Roman Besson sentou-se à escrivaninha e começou a elaborar uma carta de desculpas que lhe permitisse salvar a face. Depois de várias tentativas insatisfatórias chegou a uma versão que considerou adequada. Leu duas vezes, assinou, dobrou cuidadosamente a folha
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e lacrou-a, usando o seu anel de sinete. Puxou o cordão junto á parede e quando o empregado acorreu deu-lhe a carta, com ordem de a entregar pessoalmente na residência de Busquet. Dois dias depois, recebia uma carta em que o seu desafiado aceitava as suas desculpas e graciosamente considerava sanado o incidente. E como a vida social é fértil em fait divers, este foi também rapidamente esquecido. João Ventura
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Dicas para Donas de Casa de Madame C.
Cara Madame, estou a viver um dilema. O meu amado marido anda a mãos com um nova peça, cujo intuito não posso divulgar. Acontece que há mais de duas semanas que ele não faz nenhum avanço e não percebe o porquê de não conseguir colocar a máquina a funcionar. Eu nunca lhe contei e tenho alguma vergonha de admitir, mas sempre me senti fascinada com as evoluções mecânicas. Como tal, aproveitei uma ausência do meu esposo e dei uma vista de olhos à invenção e acontece que detetei o problema. E agora o que faço? Deverei dizer-lhe? Brigite, Évora
uma mulher com tendências masculinas. Guarde esses seus gostos para si e tenha cuidado para não os deixar transparecer. Madame C., foi-me diagnosticado um grave problema ocular. Poderia perder a visão nos próximos cinco anos. O doutor deu-me duas hipóteses: ou uso os tradicionais óculos de lente escura ou coloco um experimental globo ocular mecânico. Qual é a melhor escolha para uma senhora que ainda quer arranjar um homem com quem casar? Manuela, Porto Lamento imenso a situação em que a Manuela se encontra. Felizmente foramlhe dadas opções que poderão contornar o mal de que padece. Esta é uma decisão que deve ser tomada com cautela. Os óculos são sem dúvida uma alternativa mais segura, porém acabam por esconder metade do seu rosto, tornam o seu problema bem visível aos olhos dos outros, o que pode afastar os possíveis pretendentes. Por outro lado, o globo ocular é um projeto que não dá certezas, mas que irá, com certeza, fornecer-
Estimada Brigite, compreendo a sua preocupação. Contudo, deve perceber que nesta situação o melhor será guardar segredo. Se revelar ao seu marido os seus conhecimentos, ele poderia sentirse emasculado. Assuma o papel de uma boa esposa e seja paciente. Decerto ele perceberá qual é o erro que está a cometer e a senhora não terá de colocar em causa a sua feminilidade. Lembre-se que nenhum homem aprecia estar ao lado de
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limpa? Elizabete, Lisboa
lhe um visual mais natural, agradável e até exótico. Sendo assim, analise as alternativas e perceba se prefere colocar em risco: saúde ou imagem. Desejo que independentemente da sua decisão consiga solucionar o seu problema e encontrar marido.
Tomar conta de um cão-a-vapor requer paciência e atenção. Será necessário alimentar a sua caldeira diariamente com pequenas quantidades de carvão. Reveja os níveis de óleo de mês a mês. Mas, em primeiro lugar, deve falar com o seu marido sobre a possibilidade de construírem uma casota no quintal para o manterem na rua. Se tal não for possível, terá de estar preparada para limpar possíveis manchas de gordura e ainda tolerar os baixos valores de fumo que ele solta. Assegure que o seu filho usa sempre luvas protetoras quando está a desfrutar do brinquedo, pois se este não estiver bem calibrado poderá atingir temperaturas altas e provocar queimaduras na pele.
Madame C., vou viajar no próximo mês de dirigível até à Lua. É a primeira vez que faço este tipo de viagem, por isso gostaria de saber o que devo levar na mala. Anabela, Aveiro Querida Anabela, para esta viagem não pode faltar vestuário formal para os bailes, peças de roupa confortáveis para os passeios que irá realizar no satélite natural, produtos de higiene, maquilhagem e um creme que proteja a sua pele dos ventos lunares. É importante que não se esqueça dos pesos suplementares para as pernas, pois a força gravítica da lua é menor do que a da Terra. Aconselho-a ainda a dirigir-se a uma unidade médica para se informar relativamente à vacinação. Afinal, as poeiras da lua provocam alergias em 35% dos viajantes e o melhor é prevenir.
Aprecio muito os conselhos da Madame C., e gostaria de esclarecer uma dúvida. Reparo que as boutiques apresentam cada vez mais corpetes com detalhes metálicos. Em que circunstâncias é que estes devem ser usados? Graça, Faro O metal está muito associado ao que é masculino, já que faz lembrar os trabalhos fabris mais duros e as atividades de ferreiro. Por este motivo, o seu uso no vestuário de uma mulher fornece um visual pouco feminino. Estas inovações podem ser usadas por jovens mais modernas e com atividades profissionais
Cara Madame, o meu filho conseguiu convencer o pai a receber um cão-avapor como prenda de aniversário. Acontece que eu não sei quais são os cuidados que devo ter com a criatura. Como garantir o seu funcionamento ao mesmo tempo que mantenho a casa
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todas as minhas amigas dizem que a nova bimbautomática é uma ajuda imprescindível na cozinha. Ao início não lhes dava ouvidos, pois gosto muito de me dedicar à culinária, mas agora sinto-me tentada a pedir uma ao meu esposo. De que forma é que esta máquina me pode ajudar? Corro o risco de não conseguir manter o sabor das minhas refeições? Preciso dos seus conselhos! Maria, Santarém
liberais. Desaconselho estas peças a donas de casa ou para senhoras que se relacionem com ciclos de alta sociedade. O uso deste género de indumentária não é apreciado em meios conservadores. Madame C., estou desesperada! Descobri que o meu marido tem uma amante. Depois de muita desconfiança perdi a cabeça e comprei uma pequena aranha mecânica que grava som e escondia–a na roupa dele. Fiquei chocada quando ouvi a gravação! Estou desolada, não sei o que fazer. Anónimo
O seu marido é um homem de sorte por ter uma esposa tão prendada nas suas tarefas domésticas e preocupada com a satisfação familiar. Realmente a bimbautomática tem vindo a revolucionar a vida doméstica. Para além de ajudar na preparação das refeições, ainda fornece mais tempo à dona de casa para se dedicar a outras tarefas domésticas. Para uma mulher como a Maria que aprecia a culinária, esta invenção pode ser usada na confeção de doces, molhos e outros complementos especiais de uma refeição principal. Ao início irá notar ligeiras modificações no sabor, mas com o tempo vai perceber de que modo pode dar o seu toque pessoal. Não se esqueça ainda que esta é uma máquina grande que necessita de muito espaço. Volte a analisar os motivos que a levam a querer uma e veja se realmente vale a pena pedir uma ao seu marido.
Querida leitora, acredito que deve estar a passar por um sofrimento atroz. A aranha mecânica não foi a atitude mais correta, pois não lhe fica bem espiar o seu marido dessa forma. Mas agora que o mal já foi feito, aconselho-a a colocar a dor de parte e a mimar ainda mais o seu esposo. Dê-lhe carinho, atenção e seja o exemplo de uma mulher dedicada. Com estas atitudes, ele vai sentir-se amado e ficar com menos vontade de estar com a outra mulher. Não o confronte com a situação, isso só o vai aborrecer e afastá-lo ainda mais de si. Segure o seu casamento, evite ser uma mulher abandonada. Adoro cozinhar e nada me dá mais prazer do que ver o meu marido satisfeito com uma refeição preparada por mim. Tenho uma cozinha tradicional, mas
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Jogos
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Sopa de Letras
VITORIANA ZEPPELIN RELÓGIO PUNK CHÁ ALMANAQUE VAPOR GOGGLES CIÊNCIA VERNE CORPETE ENGRENAGEM
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Palavras Cruzadas
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HORIZONTAL
VERTICAL
2 - Termo de gíria Vitoriana para prostitutas amadoras ou em part-time. 3 - Nome próprio da autora do livro debatido no segundo episódio dos Diários Steampunk. 5 - Óculos de protecção usados para proteger os olhos de agressões externas. São um staple da moda Steampunk. 6 - Abreviatura de Em Nome de Sua Majestade, usada sobretudo em navios ingleses. 7 - Naturalista e escritor inglês do século XIX que propôs a Teoria da Evolução a partir da selecção natural. 9 - Parte rotativa de uma máquina, geralmente de forma circular, constituída por pequenos “dentes” que encaixam uns nos outros para transmitir movimento rotacional. 14 - Nome com que eram assinadas as cartas ameaçadoras dos trabalhadores rurais dos English Swing Riots de 1830, que se queixavam da introdução de máquinas agrícolas que extinguiram os seus postos de trabalho e modo de vida. 15 - Água em estado gasoso.
1 - Biólogo e anatomista inglês do século XIX, conhecido como o “Bulldog de Darwin”. 2 - Calculadora mecânica automática, proposta por Charles Babbage, desenhado para processar funções polinomiais. 4 - Nome da primeira convenção Europeia de Steampunk a ser organizada simultaneamente em diversos países. 8 - Matemática e escritora inglesa do século XIX, conhecida pelos seus textos acerca do motor analítico de Charles Babbage, e por ter escrito o primeiro algoritmo destinado a ser processado por uma máquina. 10 - Termo designado para descrever máquinas ou robots que se operam sozinhos. 11 - Género, muitas vezes inspirado na era Vitoriana (mas que não se cinge a esta), que incorpora elementos de ficção científica, fantasia e história alternativa, que imagina um mundo em que a tecnologia a vapor é dominante. 12 - Nome da Rainha do Reino Unido e do Império Britânico desde 1837 até 1901. 13 – Escritor, que em 1987, numa carta à Revista Locus, usou pela primeira vez o termo que passou a designar o movimento que dá o nome a este almanaque.
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NotĂcias
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Insólito “Crime” nas Margens do Tejo
Na passada semana deram à costa nas margens deste rio, dois cadáveres completamente despidos e amarrados entre si, o de um velho de 74 anos, posteriormente identificado como o do Snr. João Alves, proprietário de uma pequena usine a vapor, pioneira no ramo, e o de uma bela jovem na casa dos vinte, identificada como a sua criada Zulmira. A morte de ambos terá sido causada por asfixiamento, no que se crê terem sido trancados numa sala com
vários motores a trabalhar. Acidente ou crime? perguntam as autoridades locais, inclinando-se para a segunda hipótese, vindo a deter como suspeito Procópio Mendes, marido de Zulmira. O alegado móbil terá sido um crime amoroso, apontado por várias testemunhas. Segundo uma delas, Procópio, um dos trabalhadores da usine, terá tentado queimar os corpos das vítimas em fornos de carvão, não o tendo feito apenas, segundo a mesma testemunha,
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por dificuldades em ocultar o horrível cheiro. Após o crime as vítimas terão sido despidas dos seus trajos, comodamente amarradas entre si e lançadas no leito do rio durante a noite. O lenço da jovem foi posteriormente encontrado junto de um dos montes de carvão, fazendo crer que as roupas das vitimas terão sido queimadas nos fornos da fábrica, talvez para eliminar as provas. O primeiro forte indicio de que se tratava de um crime.
«comportamentos estranhos e muito contrários à boa moral» nos últimos tempos, «desde que voltou de Lisboa», diz ainda um antigo trabalhador da usine. Ainda tentámos contactar a esposa da vítima, a senhora Dª. Alberta Alves, que não nos esclarecendo grandes pormenores sobre o trágico acontecimento, alega ser falsa a história de adultério, dizendo ainda que se trata de uma enorme calúnia para com a memória de um marido exemplar.
O aparecimento dos corpos, dois dias após o desaparecimento, não deixa dúvidas do que realmente se tratou. A população desta bela cidade encontrase chocada com tal acto de barbárie, clamando por justiça. O grande impacto deste crime trouxe a curiosidade de alguns homens das artes e da ciência ao local, tais como o Snr. Eng. Sousa Matos, disposto a interrogar o suspeito usandose de uma esquisita máquina que trouxe da América, um novo sistema eléctrico, que segundo ele permite detectar as mentiras e um tal Snr. Almeida Mathias de «kinetographo» numa mão, lápis e maço de papel na outra, disposto a encenar em «film» os trágicos acontecimentos ocorridos.
Sobre a estória do Snr. João Alves, viemos a descobrir que visitou a capital com o pretexto de experimentar um novo instrumento científico que tem andado muito em voga nestes últimos tempos, cujo nome e o fim a que se destina, não nos caberá expor aqui. Não nos parecendo que um bom chefe de família abandonasse os costumes católicos de ânimo leve, cedendo tão facilmente ao bárbaro pecado da carne, julgo termos de condenar certos desafios da ciência, que nada trazendo de bom à partida, acabam por levar a estórias deste tipo. Rodrigo Dias
A forma como o corpo do Snr. João Alves foi encontrado, assim como toda a pretensa história de adultério, têm criado aceso debate entre aqueles que o conheciam, que sempre o descreveram como homem de bem, salientando ainda alguns que desenvolveu
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Explosão da Fundição de Sinos
dezenas de trabalhadores metalúrgicos que agora enfrentam tempos difíceis de desemprego.
A explosão da Fundição de Sinos, situada na margem norte do Douro, no passado dia 30 de Maio, continua envolta em mistério.
Minuciosas buscas efectuadas nos destroços do edifício levaram à descoberta de vários fragmentos de páginas escritas. Após reconhecimento da caligrafia por parte da viúva, as autoridades acreditam terem pertencido a um diário pessoal do desaparecido engenheiro. As autoridades fizeram a cortesia de permitir que esta redacção transcrevesse os escritos acima mencionados. Após leitura atenta, encontram-se mais perguntas do que respostas. Devido aos estragos causados pelo fogo, partes do texto encontramse completamente destruídas, ou indecifráveis. Essas falhas estarão assinaladas com (…).
Decorridos dois dias de investigações, estão ainda por apurar as circunstâncias da tragédia e a causa da explosão. Uma tragédia que podia ter sido maior se os trabalhadores não tivessem abandonado a fundição quando um misterioso grupo de homens encapuzados invadiu o edifício aos tiros. Várias testemunhas asseguraram que as armas usadas pelos invasores foram disparadas diversas vezes sem que as recarregassem. Os misteriosos encapuzados e o engenheiro Henrique Aldim, fundador e presidente da Fundição, foram as únicas vítimas mortais até agora contabilizadas. Henrique Aldim era um elemento activo da comunidade industrial e científica do país. Altas individualidades do Porto, e de vários pontos do país, compareceram no velório de corpo ausente, para apresentar as condolências à viúva, que agora fica com duas crianças para criar, um menino de seis anos e uma menina de quatro. É uma tragédia que se estende às famílias portuenses das
«Porto, 29 de Maio de 1834. O homem do monóculo voltou a seguirme. Tenho sido discreto nas minhas movimentações e (…) até agora. Portanto, estou em crer que (…) e alcancei algum sucesso em esconder os meus receios. Acho que não suspeita de que já detectei a sua presença.
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Procurei saber a sua identidade, e a quem está directa ou indirectamente afiliado. Fi-lo apenas entre conhecidos de confiança e somente através de comentários casuais. Um amigo íntimo, que não ouso mencionar (…) nome a fim de o proteger e aos seus, avançou uma hipótese. Confidenciou-me que, em outros círculos, já tinha ouvido falar do homem do monóculo, sempre referenciado por nomes diferentes. Em certa ocasião, ouviu o (…) sem que fosse dada confirmação. Tão-pouco podia assegurar que se chamasse (…) …es”, nem se era nome próprio ou sobrenome. Já dei voltas à cabeça e não consigo conceber de que forma descobriram o projecto. Tenho mantido tudo tão secreto quando a origem da própria vida. Deverei considerar a hipótese de haver um espião entre os trabalhadores da fundição. Mas tenho sido exemplarmente cuidadoso. Ninguém entra no laboratório sem (…) por mim. Parece-me que o (…). Não tenho quaisquer evidências que comprovem. Resta-me in… (…).»
própria família. Atribuí-lhes nomes familiares. Momo é o nome que o meu filho chama ao seu cavalinho de baloiço. O Ricardo é capaz de passar um bom par de horas a inventar que é um cowboy a fugir de índios. É uma criança muito imaginativa. Um dia, será capaz de criar coisas (…) do que o pai. Nini é o nome da boneca de trapos da minha filha mais nova. Helena só tem (…) anos. Mas já sabe dizer que tem nome de (…) grande, que era melhor que a mãe lhe tivesse chamado Nini. É sempre motivo para rir. Agora que penso nisso, apesar de parecerem ridículos e infantis para (…) e feitos de metal, os nomes gozam de uma coincidência irónica. Momo é revestido por uma liga metálica maioritariamente composta pelo elemento molibdénio, cujo símbolo químico é Mo. Nini é revestida de (…) níquel, cujo (…) é Ni. Suponho que há coisas que coincidem como piadas bem pensadas. Não que a presente situação seja, de todo, humorística. Hoje tive a certeza de que (…) e vi o (…). Receio que seja hoje (…) e tomei a decisão que há muito adiava. Logo, quando os trabalhadores saírem, irei completar os (…). Vou (…) pernas e (…) mobilidade (…) coração especial. Só espero (…) a tempo.»
«Porto, 30 de Maio (…) 1834. Tenho agora a certeza de que (…) ser seguido. O homem do monóculo é um fantasma que me assombra cada movimento. Tenho receio de qu… (…) e temo pela minha família. Temo também pelo destino dos autómatos. Nunca poderia imaginar que um ser humano seria capaz de se afeiçoar assim a duas (…) sem que (…) como se fossem da
E foram essas as últimas palavras deixadas por um homem que, na opinião de muitos colegas de ciência, estava à frente do seu tempo. Talvez nunca saibamos ao certo o que aconteceu nesse dia de tragédia.
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Contudo, as autoridades garantiram o seu empenho em apurar responsabilidades. Dada a extensão dos estragos materiais e o número de famílias afectadas, foram disponibilizados meios excepcionais para prosseguir com a investigação. O acontecimento suscitou interesse até de autoridades internacionais, como é o caso da ainda recente força policial britânica, a Scotland Yard. Muito se especula, particularmente quanto à origem da explosão, e acerca da sua configuração invulgar, que foi descrita por muitas testemunhas como “ (…) uma nuvem de forma estranha, tipo cogumelo”. Perante a exigência popular de respostas, as autoridades apelaram à ponderação e avançaram mesmo a possibilidade de a investigação se revelar inconclusiva. Manuel Alves
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Portugal e o Mundo Interior
Como muitos dos nossos leitores saberão, ainda que através de meros rumores, no passado ano deu-se um dos maiores feitos da história da nossa nação. Desde que as primeiras caravelas partiram para explorar mares desconhecidos que não tínhamos tão grande motivo de orgulho. Um grupo de pioneiros, apoiado pelos esforços e sacrifícios de todo o reino, colocou a nossa nação na curta lista de países que alcançaram a Terra Interior. Apesar da importância social e económica do feito, assim como do prestígio que nos traz no palco internacional, a necessidade de secretismo levou a que poucas notícias fossem publicadas sobre ele e quase exclusivamente na capital. Isto deixou a província e as colónias à mercê de rumores e histórias fantásticas que pouco têm de realidade. Com o intuito de informar a população das circunstâncias que levaram o país ao actual estado de guerra e dispersar as ideias bizarras que se têm propagado, e devido ao longo alcance deste almanaque, lido até nas colónias mais remotas e no interior mais profundo, o Parlamento e Sua Majestade pediramnos para transcrever as três notícias que se seguem, originalmente publicadas
na revista lisboeta “A Ilustrada”, onde se apresentam os acontecimentos mais importantes da nossa exploração da Terra Interior. Expedição Portuguesa Chega à Terra Interior 05/08/1900 Ontem, Portugal juntou-se à GrãBretanha, França e Alemanha como uma das nações a alcançar a Terra Interior, batendo o Império Russo na corrida para ser a quarta a consegui-lo. Os professores Agostinho Silva e Teodoro Martins, juntamente com os restantes membros da sua expedição, foram os primeiros portugueses a avistar Plutão e Prosérpina, os dois sois interiores que brilham no centro do nosso planeta. Este colossal esforço teve inicio há cerca de vinte anos, quando a perfuradora projectada pelo Eng. Amaral Branco, entretanto falecido, começou a ser construída. O titânico veículo, maior do que um navio e suportado por dez lagartas do tamanho de locomotivas, só estaria concluído uma década depois, altura em que se deu início à escavação do poço na planície ribatejana a sul de
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Almeirim. O empreendimento teve avultados custos para a economia nacional, pois ao preço da construção da escavadora somam-se o do carvão para alimentar as suas máquinas de quíntupla expansão, quase um terço do consumo de todo o reino nos últimos dez anos, e o do desvio do curso do Rio Alpiarça para encher as suas caldeiras e auxiliar a broca durante a escavação. No início desta semana, com a conclusão do poço, começou-se finalmente a ver os frutos deste investimento. No dia seguinte, a nossa expedição iniciou a descida. Os exploradores fizeram-se transportar pela máquina conhecida como Andarilho, outro desenho do Eng. Amaral Branco. Este peculiar transporte não possui rodas nem lagartas, mas várias pernas mecânicas que se apoiam nas paredes do poço, movidas por uma das mais compactas e eficientes máquinas a vapor actuais. Há dois dias, a expedição chegou à Linha de Leslie, onde a força gravítica da Terra se vê anulada pela força centrifuga da sua rotação e, consequentemente, nada tem peso. Assim que a transpuseram, o balanço de forças inverteu-se, e a descida transformou-se numa escalada. Finalmente, ontem, através do cabo de telégrafo que o Andarilho foi largando à sua passagem, chegou-nos a primeira mensagem em português vinda da Terra Interior, escrita pelo Prof. Agostinho Silva: “Acabamos de erguer a bandeira.
Portugal chegou à Terra Interior.” Poucas horas depois, Sua Majestade anunciou publicamente: “Os sacrifícios que fizemos para atingir a Terra Interior, o abrandamento económico provocado pelo desvio de recursos de outras indústrias para este glorioso empreendimento, vão ser agora recompensados. Temos, enfim, acesso a novos recursos e a um vasto território para onde expandir a nossa nação. Hoje, os portugueses podem novamente sonhar com o Quinto Império.” Expedição Portuguesa Encontra Civilização na Terra Interior 29/10/1900 Os professores Agostinho Silva e Teodoro Martins puseram ontem fim à especulação de se haveria ou não vida inteligente na Terra Interior. Embora os ingleses tivessem, há alguns anos, encontrado extensas ruínas, não havia certezas se a raça que os construíra ainda existia. Segundo as mensagens enviadas por telégrafo pelo Prof. Teodoro Martins, este povo, cuja nome ainda se desconhece, é surpreendentemente semelhante aos humanos da superfície, apresentando até um nível de inteligência muito próximo do nosso. Tem, porém, algumas peculiaridades. As suas peles são negras, mais escuras que a de qualquer africano, provavelmente para os proteger da luz incessante de Plutão e Prosérpina, os dois sois interiores, mas, estranhamente, as
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suas feições assemelham-se mais às dos povos nórdicos. Também possuem uma grande estatura, sendo a média de altura entre os homens os dois metros. Em termos tecnológicos, nas palavras do Prof. Teodoro Martins, “Este povo não possui ainda tecnologias como máquinas a vapor, armas de fogo ou iluminação a gás, mas tem acesso a materiais por nós desconhecidos que lhe permite fazer coisas notáveis. Na sua cidade, vi edifícios mais altos que qualquer um da superfície, e as suas espadas são capazes de cortar aço como se fosse latão.” Sua Majestade já reagiu a esta pioneira descoberta: “Este povo pode fornecernos materiais e ensinar-nos técnicas que até agora desconhecíamos. Termos sido os primeiros a entrar em contacto com eles e o facto da sua cidade se encontrar próximo da nossa base pode dar a Portugal supremacia económica até sobre as outras nações terranautas. Já enviámos um embaixador e vários linguistas para estabelecerem um tratado comercial. Trocas pacíficas com os nativos da Terra Interior podem ser a chave para a nossa grandiosa nação recuperar a glória do passado”.
dos seus objectivos. “Os nativos não mostraram interesse em nada do que tínhamos para lhes oferecer” disse o Dr. Miguel de Bettencourt, o nosso embaixador na Terra Interior, numa mensagem de telégrafo enviada da Base Interior 1. No dia seguinte, a guerra foi declarada. O Rei justificou-a da seguinte forma: “A falta de interesse dos Rode nas comodidades da tecnologia moderna não se pode interpor na recuperação do nosso investimento e no crescimento de Portugal. Se não conseguirmos fazer com que aceitem o tratado comercial pacificamente, teremos de os forçar”. Os primeiros dias da guerra não correram bem aos nossos soldados. Os homens do Batalhão de Caçadores 2, enviados para proteger a Base Interior 1 pouco depois desta ter sido estabelecida, foram encarregados de atacar a cidade inimiga, mas rapidamente descobriram que as suas armas de pequeno calibre e baionetas não conseguiam atravessar o metal das armaduras mediévicas dos nativos e acabaram por ser escorraçados. O inimigo perseguiu-os até à base, e esta só não caiu devido à capacidade de improviso do Prof. Agostinho Silva, que transformou várias máquinas a vapor em armas capazes de lançar nuvens de vapor sobreaquecido, contra as quais as armaduras dos nativos pouco protegiam. Estas armas improvisadas deram tempo ao Andarilho para chegar da superfície com um carregamento de Gatlings automáticas a vapor. As metralhadoras,
Guerra Debaixo dos Nossos Pés 01/12/1900 Portugal está em guerra. Cinco dias atrás, as negociações de um tratado comercial com os Rode (o nome que os habitantes da Terra Interior dão a si próprios) chegaram ao fim sem atingirem nenhum
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vapor desta força, equipadas com Gatlings automáticas, lança-chamas e foguetes Hale, nos tragam uma rápida vitória.
que, graças ao seu grande calibre, se mostraram capazes de atravessar as armaduras inimigas, obrigaram os nativos a fugir de volta para a sua cidade. O General Alberto Martins, responsável pela campanha, já deu início aos preparativos para uma nova ofensiva.
Joel Puga
O Batalhão Mecanizado 1 começou ontem a ser levado para a Terra Interior. Devido à pequena capacidade do Andarilho, as operações de transporte só devem estar terminadas daqui a dois dias, mas espera-se que as armaduras a
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Um Dia na Vida do Intrépido Teófilo
“O Intrépido Teófilo nas ruínas do Cairo”, tem também uma edição para os operários, impressa em papel de jornal, com muito menos frases, mas mantendo as magníficas ilustrações dos locais exóticos visitados. Quem comprar dois livros da saga, um para si e outro para oferecer no Natal, recebe ainda um pequeno frasco contendo areias do Saara, com certificado de origem do Real Instituto de Geologia e Geografia de Portugal.
“Foi assim como vos disse. E o que vos disse, foi o que vivi.” Foi com a sua típica frase de assinatura que Teófilo dos Pais terminou a intervenção na Livraria Pascal. A multidão que assistia ao lançamento do livro permaneceu calada, de olhar vidrado no orador, como um sedento a quem lhe tinham apenas dado um copo de água. A quietude interrompeuse assim que foi anunciado que “O Intrépido Teófilo” estava disponível para dar autógrafos. Pesados tomos, profusamente ilustrados a cores, surgiram de todas as direcções, rodeando o escritor, até que os organizadores do evento conseguissem dispor a multidão numa fila. Por entre sorriso e meias palavras, o Intrépido ia despachando rubricas e dedicatórias sempre iguais. Uma jovem rapariga chegou mesmo a desmaiar quando Teófilo lhe disse que os seus olhos lhe faziam lembrar os da jovem selvagem pela qual se apaixonara em Angola.
Teófilo rejubilava com todo aquele rebuliço, mas não pode demorar-se muito mais com os fãs. Era altura de atender a um novo compromisso do outro lado da capital. Quando as portas se abriram, centenas de operários inundaram a livraria, agitando as suas cópias de menor qualidade, saudando o único autor capaz de os distrair do labor diário nas fábricas. “Adoro-te Teófilo! Leva-me contigo!” Gritou uma das fãs proveniente dos extractos sociais mais baixos. A magia das histórias de Teófilo Pais é tão grande que na fábrica de conservas Pestisqueira,
O livro lançado em Maio deste ano,
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um grupo de operários juntou-se para comprar uma cópia da edição mais cara para ser lida em voz alta pelo chefe de turno, o único com instrução primária. Inspirado por esse movimento popular, Teófilo confidenciou ao nosso almanaque que estava em negociações com um fabricante de cilindros para fonógrafos. O objectivo será poder vender gravações audiofónicas de leituras dramatizadas para preencher os intervalos entre turnos das indústrias do reino.
o epidiascópio no salão de visitas. A apresentação seria inspirada na fantástica imagem dos cartazes de promoção da próxima aventura do Intrépido Teófilo, que por esta altura já deve estar afixada nas principais cidades. Para os leitores do Almanaque que vivam num ambiente rural e não tenham a oportunidade de ver o cartaz, este tem representado um barco, semi-afundado, quase devorado pelo caudal violento do rio mais comprido do Mundo. De lado jacarés de bocarra aberta esperam que os marinheiros caiam à água. Na proa do barco, ocupando o lugar de destaque, está Teófilo bramindo uma faca de mato contra morcegos gigantes. Aqui e ali, nas frondosas plantas da margem, podem-se ver índios, de arco e flecha prontos a disparar. A legenda da figura era apenas uma frase “Não perca a próxima aventura do Intrépido Teófilo”.
Teófilo Pais, o seu relações-públicas e o repórter deste almanaque atravessaram a turba com dificuldade em direcção ao auto-coche a vapor que nos esperava. Não podemos deixar de referir que se tratava de um dos mais avançados modelos de viação sem chauffeur existente em Portugal. Após a inserção, por meio de um cartão furado, da morada de destino no condutor autómato iniciou marcha. Porém, nem durante a viagem o prolífico autor parou para descansar e iniciou os preparativos da digressão de promoção do livro pela europa. Temos autorização para dizer em primeira mão que o Intrépido irá chegar a Paris pendurado numa escada de corda presa num dirigível, rodeado de fogo-de-artifício, em referência a uma das passagens do seu novo livro, que muitos já devem estar a identificar.
Após alguns minutos de viagem, o condutor autómato parou o carro sob a sombra do enorme prédio da Condessa. É um colosso arquitectónico, como está na moda entre a nobreza endinheirada, recheado de tecnologia a vapor e porto de dirigíveis no topo da estrutura. O portão principal abriu-se e um cortejo de finas damas, de exuberantes indumentárias, saiu para cumprimentar o Intrépido. Todas elas brilhavam, não só por meio de sua graça, mas das inúmeras ampolas com fogos-fátuos sintetizados quimicamente presas nos vestidos. No entanto, não era esse o pormenor que mais elogios de Teófilo mereceu, mas
Seguiu-se uma angariação de fundos no prédio da Condessa das Galveias, onde os técnicos já estavam a montar
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sim o movimento autómato das vestes da Condessa. Nas costas, estruturas de tecido articuladas batiam como asas, acompanhado o enrolar de tentáculos de lantejoulas que repousavam sobre a saia. Tudo isto movido graças à energia de pequenas caldeiras de vapor escondidas debaixo dos saiotes, chegámos mais tarde a saber. Trata-se da última moda inglesa, importada de propósito para agraciar o famoso escritor que as visitava.
encarecidamente, minhas senhoras, que não vos senteis ofendida pela ousadia que vou cometer. Ao sinal de Teófilo, as janelas foram fechadas, ficando a sala iluminada por centenas de pontos brilhantes e a luz forte da máquina projectora. O escritor tirou o casaco e, para o júbilo de umas e pudor de outras, despiu a camisa exibindo o seu largo tronco másculo. Apontou para uma cicatriz no abdómen e disse: “Esta ferida foi feita no Cairo. Estava já há um dia a atravessar uma das cidades abandonadas, por causa do falhanço das fábricas autónomas quando... Senhoras…se vísseis…Uma visão do inferno! São máquinas sem lei nem dono, trabalhando dia e noite para a tarefa para a qual foram desenhadas. Uma confusão de metal em movimento perpétuo que cospe continuamente barras do mais perfeito sabão perfumado para, segundos depois, destruir e com as matérias daí resultantes, voltar ao início do processo. Um castigo de Sísifo dos tempos modernos. Os autómatos não fazem os seus produtos para o Homem, fazem-nos para si, para cumprir o seu destino ao qual não podem fugir. Essas fábricas estão povoadas de selvagens, que consideram as estruturas metálicas os seus deuses, e que atacam qualquer aventureiro como eu que se aproxime. Se o meu velho revólver não tivesse falhado no preciso momento em que fui descoberto, esta cicatriz não existiria. Tive de os imobilizar com as minhas
Seguimos a aristocrata, entrando na cabina do ascensor que se assemelhava à gaiola de um pássaro em que, em vez de barras verticais como é comum, padrões de flores metálicas faziam de porta. O elevador atravessou o último andar antes do seu destino e abriu as portas automaticamente. Uma explosão de palmas rebentou no salão apinhado de damas cintilantes. Os técnicos apressaram-se a informar Teófilo que mesmo que desligassem as luzes, os vestidos não iriam permitir que se visse projecção alguma. As transparências e o epidiascópio eram inúteis em tais condições. Teófilo teve ali um desafio à sua mente fervilhante. Rapidamente, improvisou uma das melhores apresentações que de seguida transcrevo: “Minhas senhoras, sei que esperais uma apresentação como as que ouviram falar. No entanto, na viagem para cá eu pensei: Porque hei de fazer uma apresentação ordinária a um conjunto de damas extraordinárias? Peço-vos
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próprias mãos, numa luta de forças desiguais. Sobrevivi…desta vez. Tive sorte, dirão algumas de vós. Minhas senhoras, eu não acredito na sorte! Acredito em estar bem preparado. Da minha parte, podem crer que todos os dias me preparo para as minhas viagens. O que eu venho aqui hoje pedir, é a vossa parte. Não vou usar luvas de pelica no assunto. Preciso que me financiem. Preciso do vosso contributo para reunir equipamento de qualidade, para que não me falhe nas alturas críticas. Preciso de vós para sobreviver.” Digo-vos caros leitores, nunca antes vi tão rápido desembolso de tão grandes quantias de dinheiro. Em breve reuniuse numerário suficiente para todo o equipamento necessário para a próxima viagem de recolha de material de escrita. Foi também a este grupo selecto de damas que Teófilo Pais revelou o local da próxima aventura, que agora já é público: a Amazónia. Os eventos sociais chegaram a um término e o Intrépido Teófilo pôde então regressar à sua casa em Belém para descansar o corpo e a mente. Só retemperado conseguirá produzir mais um dos fantásticos livros com que nos habituou. Carlos Silva
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Quadragésima Quinta Demonstração Pública Anual da Academia Real de Ciências
Decorreu no fim-de-semana de 4 e 5 de Agosto do presente ano, na Academia Real de Ciências, a 45º Demonstração pública anual de protótipos. O prestigiado evento contou com mais de uma centena de inventores do foro nacional e cerca de cinquenta mil visitantes vindos de várias partes do mundo.
parte dos cavalheiros que os visitaram. O pavilhão abriu as portas ao meio dia de Sábado, altura pela qual vários grupos de entusiastas se aglomeravam perto da entrada. Cada um dos cientistas apresentou uma das invenções que realizou no último ano. As apresentações foram simples, de linguagem apropriada ao cidadão comum, ao mesmo tempo que não alienou a restante comunidade científica. Durante toda a exposição, cada uma das criações foi avaliada individualmente. O júri foi presidido pelo príncipe herdeiro, D. Orlando, acompanhado por grandes personalidades do mundo empresarial e da ordem dos engenheiros. Os factores determinantes para a escolha do vencedor foram a originalidade, relevância e potencial comercial. À saída, cada um dos visitantes foi convidado a escrever no seu bilhete o número da invenção que mais interesse lhe despertou. Os votos foram posteriormente contabilizados e o resultado dado a conhecer ao júri.
Seguindo a tradição dos anos passados, os organizadores decidiram tomar em conta os hábitos noctívagos de grande
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Durante o segundo dia, as portas estiveram abertas entre o meio-dia e as seis da tarde. No entanto, a afluência ultrapassou o dobro do dia anterior, registando-se longas filas na bilheteira, a partir das nove da manhã, com um tempo médio de espera de cerca de uma hora para os mais atrasados. A famosa gala de entrega dos prémios começou às dez da noite, com a actuação da Orquestra Mecânica da Academia Real de Música, interpretando Mozart. Os espectadores foram de seguida presenteados pela adaptação de Romeu e Julieta, encenada pela Companhia Nacional de Bailado. Passava da meia-noite quando os vencedores foram anunciados. Em terceiro lugar ficou uma invenção chamada de “Inversor de corrente”, criada por Luís le Creux. No segundo lugar do pódio ficou Francisco Ramires, com um “Forno super-eficiente”. O vencedor foi Daniel Ribeiro, que apresentou uma criação denominada “Poço de produção de ar comprimido”. Todos os vencedores receberam os diplomas pela mão do nosso príncipe Orlando. Entre os membros da organização, os inventores e os espectadores, a opinião de que o evento foi produtivo é unânime. Aguarda-se com expectativa a próxima edição. Pedro Cipriano
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Este Nosso Vasto Mundo
No Congresso Mundial de Antropologia que teve lugar no ano passado na Universidade de Cambridge, na GrãBretanha, uma equipa de investigadores holandeses, liderada pelo famoso antropólogo Olaf Jansen, apresentou um trabalho intitulado “Steam religion” que resumiremos para os nossos leitores. Numa ilha da Polinésia, esta equipa encontrou uma tribo cuja religião tem como deus... uma máquina a vapor!
sido atacada por piratas muitos anos antes,a tripulação presumivelmente assassinada, a carga pilhada e o navio abandonado à deriva, tendo percorrido milhares de milhas ao sabor das correntes até vir encalhar naquele local. A forma como os indígenas descobriram como fazer funcionar a máquina a vapor e a génese da religião em torno dela é por enquanto um mistério, sendo objecto da investigação em progresso. A equipa autora da comunicação recusou-se a fornecer dados precisos sobre a localização da ilha. Quando acusados de estarem a sonegar informação (científica) que devia ser de livre acesso, defenderam-se dizendo que, como livres-pensadores assumidos, não queriam ver a ilha “invadida” por missionários ocidentais com o fito de “converter os pobres indígenas”.
Num navio mercante encalhado nos baixios que bordejam a costa sul da ilha, os feiticeiros da tribo alimentam cuidadosamente a fornalha da máquina, e fazem o “deus” reagir às oferendas e atitudes dos fiéis com apitos da sirene a vapor. Os antropólogos encontraram toda uma teologia estruturada, transmitida oralmente, e perfeitamente entrosada com a vida quotidiana da população, com papeis atribuídos à água, à lenha, o vapor e os sons da sirene como emanações da divindade, o fumo com características demoníacas... A partir do nome do navio, The Southern Sea, a equipa conseguiu descobrir que uma embarcação com esse nome terá
João Ventura
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O Vapor e a Electricidade
Um dos melhores espectáculos do ano transacto, estreado no Teatro Nacional de São Carlos, com a presença da família real, foi alvo de comentários altamente elogiosos da generalidade da crítica especializada. Após uma temporada em Lisboa, sempre com lotações esgotadas, o espectáculo anda em digressão pelo Paiz. Daí que a presente recensão apenas fará um breve resumo do dito, para não prejudicar a apreciação dos nossos leitores que venham a ter a oportunidade de a ele assistir, o que vivamente recomendamos. Na primeira fala, o Vapor entra em cena e enumera tudo o que tem feito em prol da humanidade. Como exemplo do fino recorte literário da obra a que nos estamos a referir, transcrevemos a primeira estrofe da fala do Vapor:
Na segunda fala, entra a Electricidade, exaltando as suas próprias qualidades, denegrindo as características do Vapor. Eis um exemplo:
O carvão da profundeza Mais o ar à nossa beira Mantêm a fornalha acesa Para aquecer a caldeira Onde a água bela e fria Recebendo esse calor Muda como por magia P’ra surgir eu – o Vapor!
Sou eu, Electricidade Prodígio da Natureza, Sou eu que sirvo a cidade Plena de luz e beleza. Não existe em meu redor
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Suor e pó de carvão. Um toque no interruptor E cumpro a minha missão. No epílogo, e seguindo uma estrutura a que o filósofo alemão chamaria a síntese, resultante da tese e da antítese das duas falas precedentes, a Electricidade vem a descobrir que é filha do Vapor, e o espectáculo termina em apoteose, com um comovente abraço dos protagonistas: Sou movimento, calor De energia é meu vestido Mas se não fosse o Vapor Nunca teria existido. É ele que nas turbinas produz a força motriz Que faz mover os geradores Onde está minha raiz! Em resumo, um espectáculo de alto nível, que une a Literatura e a Ciência, com um desempenho que muito honra a arte dramática Portugueza. João Ventura
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Obituário do Barão das Antas
raiz, o Barão escolheu, ele mesmo, o dia em que celebraria o seu nascimento, comemorando-o no dia do advento do primeiro árbitro a vapor do Campeonato Nacional de Futebol, patente da sua lavra exclusiva. Realça-se que o génio do Barão não se extinguiu apenas na capacidade de esquematizar e construir um autómato, coisa algo comum no mundo civilizado e até noutras partes, mas de o dotar de mecanismos de decisão adequados perante situações complexas. O algoritmo que orienta o mecanismo de decisão do autómato encontra-se parcialmente em exposição na emérita Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, onde é aspergido com vapor das águas da Fonte dos Leões duas vezes por ano, visto que “ as ideias dos nortenhos só desabrocham com águas invictas!”, segundo afirmação do grande homem no momento da entrega. Embora parte do algoritmo nunca tenha sido revelado ao grande público, sabe-se que há uma conjugação entre as decisões de impasse e as correntes do vapor interior do autómato por magnetismo.
Desceu à terra o mais enigmático cavalheiro de indústria e desporto português, deixando grande mágoa e saudade. Luís João de Barbosa, Barão das Antas por pedido do próprio a Sua Majestade e em detrimento dum ducado ofertado pela pátria agradecida, viveu em promoção da imparcialidade e do fair-play no desporto mais amado em peitos lusos. A lenda pessoal foi pontuada de mistérios, não sendo o menor a data do seu nascimento. Como um cavalheiro que se fez a si mesmo de
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Porém, foi o próprio Barão, após alguns protestos dos adversários e confrontado com a recusa de vários países em adoptar o árbitro por ele concebido, que indicou algumas das pistas deste mecanismo de puro assombro científico: Não tenho culpa da ignorância cientifica que ainda subsiste, tristemente, no meu país e, pelo que parece, também além-fronteiras. A actuação da força magnética é uma das inovações deste autómato, através de elementos microscópicos reticulados no vapor que o anima. Permite rapidez nos processos e alcance na diversidade de variáveis na tomada de decisão, como só poderia ser, perante a situação real dum jogo. Ora, como é do domínio público e qualquer criança com uma bússola pode verificar, as linhas orientadoras do campo magnético terrestre apontam sempre para Norte, sendo esse o factor de desempate das decisões. Poderá existir algo mais imparcial que o campo magnético terrestre, meus senhores? Luís João de Barbosa viveu e morreu assim, sob o domínio exclusivo da racionalidade científica, que pôs ao serviço do desportivismo e do desportorei, para gozo das massas, do público e dos adeptos. Provera o dia, dizia, em que os três sejam o mesmo! A.M.P.Rodriguez
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Entrevistas
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Cherie Priest
prémio Stocker. Para além dos livros que escreve, Priest foi colaboradora do website Chiaroscuro, detentor de um prémio Bram Stocker e actualmente faz parte da equipa da Subterranean Press (que conta com autores como George R.R. Martin, Neil gaiman e Stephen King, só para nomear alguns dos mais mediáticos). É palestrante frequente na DragonCon e em muitas convenções do género, um pouco por todo o continente americano (p.e. Penguicon e Steamcon). É também uma praticante de Exploração Urbana ou Urbex, sendo este o seu hobby favorito.
Autora de Boneshaker (série Clockwork Century) Cherie Priest é autora de cerca de uma dúzia de livros, incluindo as aventuras steampunk Ganymede, Dreadnought, Clementine e Boneshaker. Boneshaker foi nomeado para um Prémio Hugo e para um Nébula, recebeu ainda um prémio PNBA (Pacific Northwest Booksellers Association), e um prémio Locus, para o Melhor Livro de Ficção Científica de 2010.
Actualmente vive em Chattanooga, no Tenessee com o marido, uma gata preta com problemas de peso e um cachorro em fase de adaptação. www.cheriepriest.com theclockworkcentury.com
As short-stories de Cherie Priest e artigos de não-ficção têm aparecido em algumas publicações emblemáticas como a Weird Tales, Subterranean Magazine, Publisher’s Weekly e a antologia Aegri Somnia, da Apex, nomeada para um
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Underground. It is a real place - and you can learn about it here: http://www.undergroundtour.com/ It didn’t come about by virtue of a poisonous gas, but, oh well... I took the tour so many times that they offered me a job. Steampunk was not your starting point as a writer, it all began with horror. And because of that zombies came to steampunk, and no one complained about that, au contraire. Was this transition from horror to steampunk the next logical step? I’d like to think there’s a pretty healthy dose of horror in my steampunk - there’s no reason to insist on keeping it separate. I’m not very picky about guarding my genre boundaries.
Recomendado: Boneshaker (Tor Books)
In Boneshaker, the descriptions of the underground structures are fascinating. Recently we discovered that one of your hobbies is Urbex. Can we blame this hobby for all those vivid details?
Boneshaker, the first book of The Clockwork Century Series, sadly hasn’t been published in Portugal yet. We hope that the steampunk wave sweeping us right now will bring pleasant surprises to the lovers of the genre. Any words for the Portuguese steampunks?
It certainly doesn’t hurt. You’re right and I greatly enjoy exploring, though I do have my personal boundaries: I don’t break-and-enter, I only trespass; and I do not take anything or vandalize anything. I’ve been in some fascinating locales that way! But really, most of the detail is inspired by the real-life Seattle
I have only two rules for steampunk, and they go as follows: (1). If you’re not having fun, you’re doing it wrong, and (2). don’t let anyone else tell you how to go about being a steampunk. There is nothing punk about letting other people tell you how to participate in your hobbies.
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Gail Carriger
para um Locus Award na categoria de Melhor Primeiro Livro, Soulless foi ainda incluido pela Revista Locus, na sua lista de leituras recomendadas. O segundo e terceiro livro da sua série The Parasol Protectorate, Changeless e Heartless, respectivamente, publicados no ano de 2010 valeram-lhe um lugar na “solarenga” lista de Bestsellers do New York Times. The Parasol Protectorate mantevese fiel ao plano original de 5 volumes e depois de Soulless, Changeless e Heartless (publicado em Junho de 2011), em Março de 2012 fechou-se este ciclo com Timeless. Na mesma altura em que Heartless era lançado, saiu também o primeiro volume do manga desta série, Soulless com a arte de Rem e publicado pela editora Yen Press. O manga acompanhará as aventuras de Alexia Tarabotti, mas manterá o título de Soulless por todos os volumes.
Autora de Soulless (série The Parasol Protectorate) Gail Carriger é o pseudónimo de Tofa Borregaard, arqueóloga e autora de ficção steampunk. Muitas vezes a autora classifica Gail mais como o seu alter-ego, o que por vezes leva os seus amigos mais próximos a preocuparem-se com ela. “Gail has her own wardrobe but we share shoes.” O primeiro livro de Carriger, Soulless foi publicado em 2009 pela editora Orbit Books e valeu-lhe uma nomeação para um John W. Campbell Award na categoria de Escritor Revelação. O seu livro de estreia foi também nomeado para um Compton Crook Award, e foi finalista
Gail Carriger foi a convidada de honra da convenção de Ficção-científica FenCon, em Dallas no Texas em Setembro de 2011. gailcarriger.com
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England. I think there they still make it to her liking. Alexia must have a dinner party, her role in the paranormal society dictates it. As a good hostess she must plan the seating arrangements(managing good friends and less friendly company), and of course the courses to be served (we are somewhat suspicious about the chosen dessert). A traditional Victorian Menu for a dinner party in February of 1876 Soups Mulligatawny Soup ~ shredded chicken in a veggie chicken broth Clear Gravy Soup ~ veggie stock with Marsala Fishes Stewed Eels ~ with nutmeg, garlic, onion, anchovy paste, and port wine Fried Soles ~ done in an egg and breadcrumb batter, served with a brown butter, vinegar, and tarragon sauce
Recomendado: Soulless (Orbit Books)
What would be Alexia’s reaction to the overall lack of etiquette on today’s society and the appalling quality of tea?
Mains Fricandeau of Veal with Spinach ~ with a gravy of brandy and sherry Croquets of Fowel with Piquant Sauce ~ made with cold chicken seasoned with white pepper and mustered and rolled in a pastry, deep fried in lard, served on napkins with fried parsley. Curried Lobster with Rice ~ lobster mixed with curry spices and butter, then
I suspect she would be quite shocked indeed, and instantly demand to be returned to her own time period. The mere fact that women were trousers everywhere would be deeply trouble to her. I mean one Madame Lefoux is more than enough! She wouldn’t even want to talk about the tea, at least not outside of
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fried, with coconut milk, cream, and lemon, then served with mixed pickles of chutney Roast Capon ~ use lean veal minced with herbs, spices, and truffles to stuff and reform a capon slathered in butter and roasted over and open fire Saddle of Mutton, served with Sea Kale and other Veg ~ saddle hung 10 days, dredged with flour, suspended high over a fire, served very hot with red currant jelly
to encourage convivial conversation and gossip. The werewolf pack, as a whole, would not be welcome although she might use Professor Lyall to make up the numbers.
Puddings Conservative pudding ~ a steamed pudding made with sponge cake, ratafias, macaroons, rum, cream, preserved cherries. Served with a simple syrup flavored with laurel leaf and almond. Raspberry Cream for pudding ~ cream whipped with a pot of raspberry jam Blancmange ~ made with vanilla, cinnamon, cream, and bitter and sweet almonds. Cheesecakes ~ lemon flavored with current, and orange flavored with almonds and candied orange peel Stilton Cheese, Celery, and Pulled Bread
The Parasol Protectorate, sadly hasn’t been published in Portugal yet. We hope that the steampunk wave sweeping us right now will bring pleasant surprises to the lovers of the genre. Any words for the Portuguese steampunks?
What would you most like potential readers to know about you and/or your book? Neither of us are meant to be taken seriously.
I hope the hold to the course and fight the good fight for steam and country (and translation).
She would sit at the foot of the table, Lord Maccon at the head. To his right would be the lady of honor, perhaps Mrs. Loontwill, and to her left the gentleman, Mr. Loontwill. On her right the gentleman with second precedence, and to Lord Maccon’s left the lady and so forth. Pairs would be arranged by state but also
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Meljean Brook
a floresta para trás e enveredou por engano, numa carreira no mundo da contabilidade antes de retornar aos seus primeiros amores: ler e escrever. Aí de caneta na mão, descobriu que monstros, super-heróis e finais felizes para sempre são facilmente encontrados entre as folhas de um livro… nesse momento iniciou uma épica viagem para ela mesma criar os seus. Meljean vive em Portland, no Oregon com o marido e uma filha.
Autora de The Iron Duke (série The Iron Seas) Meljean Brook foi criada no meio de uma floresta, durante a noite escondiase debaixo dos cobertores acompanhada de contos de fadas, bandas desenhadas e romances. Um dia Meljean deixou
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sent into zombie-infested territories in Europe and Africa. Most of Australia is relatively safe and prosperous under the Japanese who fled the Horde, but long years of war have turned it into a military dictatorship. In the New World, many of the people are ruled by fear -- of their own governments, of the Horde, of nanoagents -- and although places like Lusitania are more stable and progressive than others, there are also the dark bits that would make living there morally difficult (the augmented slaves in the mines.) The native confederacies have many of the same pros and cons -- some are prosperous but everyone lives under strict laws, or they are exclusive of any other races. So I guess I’d probably choose the Far Maghreb, which is relatively peaceful (only a few skirmishes with the natives and Greeks to the north), and they have some great universities. Or Iceland, because - for the most part - you can just live however you like there.
Recomendado: The Iron Duke (Berkley)
If you were a character in the Iron Seas series, which nation would you belong to, and why?
In the Iron Seas world, the Lusitanians are an important nation in the New World. Obviously, we, as Portuguese readers, are always delighted to read about their culture. How did you come up with this idea, and what kind of research did you do?
This is definitely a difficult question, because there’s nowhere that’s perfect in any way. England is newly freed from Horde control, but everyone still lives under the fear and the effects of the long occupation and slavery. The Horde empire would be a fantastic and safe place to live -- even if you’re unemployed or poor, you’re taken care of -- but one word against the local officials or the Khan and you’ll disappear or be
It was one of those bits of worldbuilding that seemed obvious, honestly. I’ve changed European history so that the
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oncoming Horde armies and the zombie plague swept across the land from east to west. And since the Portuguese were already exploring and trading -- and familiar with the seas -- it made perfect sense that they would be among the first to leave Europe and settle in the Americas. They saw the threat coming from the east and decided not to wait around until it reached them, so they quickly created settlements in the New World and sent as many people over as possible. In this way, they were able to establish strong ties with the natives before other nations arrived, and to establish a strong presence in the New World.
I get to it. So I have a lot more research ahead of me!
As for research, there was a little bit of everything: looking at the general histories of explorers and sailing ships, comparing climates to decide which would be most suitable and appealing to anyone leaving their home for a new land, and then extrapolating from there. Right now, however, everything I’ve done is in a very general sense -- I know how the Lusitanian economy works, the government, the prevailing religious beliefs, and their history of war with the French and Spanish over territory. When I finally set a story in Lusitania -- or when a primary character is Lusitanian -- that is when I’ll dive into the deeper, cultural research. Every time I move around the Iron Seas world, I want to add another layer, so I’ll practically recreate and deepen the history of the location when
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Lista de Leituras
The Difference Engine Wlliam Gibson e Bruce Sterling // Gollancz Considerado por muitos como a obra seminal do Steampunk, The Difference Engine foi a única colaboração em forma de novela de dois autores conhecidos do género Cyberpunk nos anos 80. Segue a premissa de que Charles Babbage teria conseguido completar o seu computador mecânico na década de 1820, levando a Inglaterra e o mundo a uma Era da Informação antecipada. Diversas personalidades da Londres Vitoriana competem pelo controlo da informação e o poder que isso acarreta. Este livro combina aventura, ciência, história, computação e vapor numa obra única. VaporPunk - Relatos Steampunk Publicados sob as Ordens de Sua Majestade Editado por Gerson Lodi-Ribeiro e Luís Filipe Silva Editora Draco A popularidade do Steampunk está a aumentar em terras lusas e brasileiras que se afastam de uma perspectiva maioritariamente britânica e imaginam a era do vapor noutros pontos do mundo. Esta antologia agrupa histórias tão díspares como: “A Fazenda-Relógio” de Octávio Aragão; “Os Primeiros Aztecas na Lua”; e “O Sol é que Alegra o Dia” de João Ventura, que explora a questão dos interesses instalados na indústria de produção de energia, e como um português teve a coragem de enfrentar esses interesses e lutar por tecnologias limpas.
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Leviatã de Scott Westerfeld Scott Westeferld and Keith Thompson // Editora Vogais Neste retrato reimaginado da I Guerra Mundial, os Germânicos (ou Clankers) utilizam gigantescas máquinas de guerra a vapor para lutar contra as nações Darwinistas, que criaram animais resultantes do cruzamento do DNA de diversas espécies. A história segue dois jovens de 15 anos, oriundos de países inimigos: Deryn, uma jovem que sempre desejou fazer parte da Força Aérea e decidiu fazer passar-se por um rapaz para o conseguir; e Alek, o filho do arquiduque do Império Austro-Húngaro, cujo assassinato leva ao início da guerra. Acompanhada por belíssimas ilustrações, esta é uma série dirigida ao público juvenil, mas que tem o potencial de agradar a leitores de todas as idades. League of Extraordinary Gentlemen Vol.1 Allan Moore and Kevin O’Neill // Wildstorm Numa banda desenhada que se tornou já um clássico do género, Allan Moore junta diversas personagens de diversos livros da era Vitoriana, como Dr. Jekyll e Mr. Hyde, Capitão Nemo, Mina Harker e o Homem Invisível, que formam um grupo de investigadores num universo Vitoriano alternativo. Uma história intensa que explora o lado mais negro da época, com heróis moralmente ambíguos, racismo, colonialismo, sexismo e muita violência.
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Incarceron Catherine Fischer // Porto Editora Incarceron é uma prisão futurista, com celas, corredores, florestas e mares, na qual os descendentes dos prisioneiros originais vivem rodeados por violência e rivalidade. Finn é um prisioneiro que acredita ter nascido fora da prisão. Claudia é filha do guarda da prisão, e embora não viva no Incarceron, está ela própria presa numa simulação do século XVII, condenada a um casamento arranjado. Quando ambos encontram um mecanismo que lhes permite comunicar um com o outro, começam os planos para escapar... Uma aventura que explora o medo e o que significa ser prisioneiro, dentro ou fora de quatro paredes. A Corte do Ar Stephen Hunt // Saída de Emergência Este livro conta a história de dois jovens, Molly Templar, aprendiz de bordel e orfã, e Oliver Brooks, que vive com o tio. Quando ambos começam a ser rodeados de mortes e acontecimentos estranhos, apercebem-se de que há algo neles que os torna alvos a abater por forças implacáveis. Um poder antigo, que se julgava ter sido derrotado há mais de mil anos, ressurge com o objectivo de destruir a sociedade. Com a ajuda da misteriosa Corte do Ar, Molly e Oliver terão de combater esta ameaça, num mundo repleto de aventura, acção e intrigas.
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Crítica Literária de “O Intrépido Teófilo nas Ruínas do Cairo”
Muita tinta tem corrido e vapor consumido acerca da última obra de Teófilo dos Pais, mas ainda nenhuma opinião foi feita com real sentido crítico, parecendo haver um complô para enaltecer uma obra que não merece mais que um mero encolher de ombros. Comecemos pela análise da trama.
Teófilo, o escritor que se confunde com a personagem dos seus livros, narra a exploração das ruínas da cidade do Cairo, no Egipto. Para os mais desinformados, aquando da revolução industrial no início do século, houve uma súbita migração massiva desta cidade para as adjacentes com portos marítimos. Em resultado disso, a antiga capital do Egipto
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é agora um monte de ruínas, povoada de selvagens que ignoram os tesouros culturais abandonados em favor das indústrias do vapor. A história começa em media res com Teófilo, a personagem, aprisionado pelo rei dos selvagens que o quer casar com a sua filha. Só este facto, logo no início do livro, deita por terra toda a verosimilhança que a história poderia alcançar. É de senso comum, para qualquer cidadão informado, que estes selvagens têm um profundo sentimento xenófobo para com o homem branco e que o casamento da filha de um líder é uma forma ritual de selar um pacto de paz, o que contradiz toda a atitude dos indígenas ao longo da história que nos é contada. No entanto, há que dar valor à tentativa de enriquecer a narrativa, uma vez que os vários episódios que levam à prisão de Teófilo são contados em sucessivas analepses à filha do selvagem que o vai visitar. Mais uma vez, não é explicado como a selvagem e o aventureiro conseguem comunicar, o que me faz crer que todas estas aventuras não são mais que fruto da imaginação exacerbada de Teófilo Pais. O modo como Teófilo escapa da prisão, ajudado pela jovem nativa, é claramente um elemento romântico inserido para agradar às damas e em tudo é igual à evasão de “O Intrépido Teófilo desbravando Angola”, só que em vez de um balão de ar quente improvisado, encontramos um carro a vapor feito com partes de uma locomotiva e, em vez de uma angolana, uma princesa egípcia.
Os locais onde se passa a acção são descritos de modo insípido e desinteressante, passando completamente despercebidos não fossem as ricas figuras que, aqui e ali, adornam o texto. A nível de escrita, a construção de frases é bastante pobre e acabam por resultar em períodos muito curtos. Se por um lado se compreenda que este tipo de escrita é o único capaz de ser entendido pelos operários, por outro, leitores de estratos sociais mais elevados achá-lo-ão enfadonho. Nota-se também uma grande falta de lirismos e palavras anacrónicas, que poderia dar um pendor erudito ao texto. Em todo o livro, não precisei uma única vez de consultar o dicionário. Uma pena, tanta falta de bom gosto. Para os caríssimos leitores que ainda insistem em comprar as aventuras do Intrépido Teófilo, apenas quero transmitir o meu profundo pesar pelo modo cordeirinho como seguem as pantominices deste aspirante a escritor que arranca patrocínios à mais fina nata da sociedade. Para todos os outros, que querem verdadeira literatura, aconselho “As inquietações da jovem Marquesa de Sinhá” de Joana de Vasconcelos e “Ao longe o vapor da caldeira passa por nuvem”, um romance enternecedor do estreante Dom João Varatojo de Melo e Silva. Isto sim, são livros dignos de um espírito iluminado!
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Antologia Lisboa Electropunk
Em breve numa livraria perto de si! Uma antologia editada por João Barreiros.
Consegue imaginar como será a cidade de Lisboa no ano 2000? Descubra o futuro através da imaginação de diversos autores do nosso século! Baseando-se num profundo entendimento das tecnologias mais recentes e avançadas, estes escritores levaram a cabo a difícil tarefa de imaginar como seria a cidade de Lisboa se a electricidade fosse extensivamente utilizada pelos seus habitantes. A ideia terá surgido a partir dos rumores dos quais os nossos leitores se lembrarão de alguns anos atrás, de que o celebrado escritor de ficção, Júlio Verne, teria escrito um livro que imaginava Paris no século XX, livro que não chegou a ser publicado por razões misteriosas. Os mecanismos electromecânicos e as torres do famoso inventor Nikola Tesla (Sérvia, 1856) servem de mote e inspiração. A electricidade, esse novo poder enigmático e quase divino, ainda pouco compreendido mesmo pelas mentes mais brilhantes do nosso tempo, é ubíqua no novo mundo do próximo milénio.
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Em Breve: “O Intrépido Teófilo no Rio Amazonas”
mais ninguém sabe a resposta: Serão verdade as lendas da bela e eternamente jovem guardiã das primeiras águas do Amazonas? Conseguirá o Intrépido Teófilo ver a luz do seu rosto e provar as águas que ela protege?
Amazonas, o mais poderoso rio do Mundo, conhece finalmente o único capaz de lhe descobrir a origem: o Intrépido Téofilo! Acompanhe o escritor aventureiro ao longo dos sete mil quilômetros que separam a foz da mítica nascente do colosso de água doce. Conheça as civilizações selvagens que pululam na bacia do Amazonas, delicie-se com os frutos exóticos que só as árvores da floresta mais inexplorada do planeta conseguem produzir, maravilhe-se com os colossos animais que os nossos cientistas ainda desconhecem. Deixese levar pelos ensinamentos místicos dos Pajé das tribos Tupi, descubra qual o animal-totem do Intrépido Téofilo e apaixone-se pelas mulheres da tribo de brancos que se esconde nas profundezas do Amazonas.
Adquira esta aventura na livraria mais próxima e seja o primeiro a viver a aventura mais recente do mais aclamado escritor português.
Por fim, o Intrépido Téofilo será capaz de lhe responder às perguntas que
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Contos
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Coração Atómico de Manuel Alves
Momo podia passar o dia inteiro, diante da janela grande do laboratório, a olhar directamente para o Sol sem cegar. Via as coisas que estavam muito longe como se estivessem muito perto. O Sol era uma espécie de coração no céu, que pulsava em vez de bater. Para ele, não era apenas um disco brilhante e plano, era uma esfera com três dimensões, preenchida de extraordinários detalhes que mais ninguém podia observar com os próprios olhos. Excepto Nini. Ela tinha olhos como os dele. — Não pertencemos aqui — disse Momo. — Devíamos poder tocar o Sol. — Nós não precisamos de sonhar com prodígios — disse Nini. — Nós somos o prodígio. — Não. Somos apenas a prova de que o Homem quer sair da sombra de Deus. - Momo focou uma mancha escura na superfície do Sol e observou as variações de luminosidade. — A nossa existência é um absurdo — disse ele. — O próprio conceito de Deus é absurdo. Principalmente para nós. — E tocar o Sol não desafia tudo o que é possível? Momo continuou de olhos postos no céu. Nini estava certa. Ainda assim, tocar o Sol continuava um sonho mais possível do que apertar a mão a Deus. — Mas nunca imaginaste, Nini? Como seria se fosse possível? — Imagino outras coisas. — Coisas que terei de adivinhar? Nini sorriu. O suspense era sempre uma maneira eficaz de ele lhe dar atenção. — Momo, e se pudéssemos tocar-nos? Momo olhou para o meio corpo de Nini. Ambos existiam apenas da cintura para cima, apoiados sobre duas mesas de trabalho separadas por três metros de laboratório. Estavam ligados, por tubos, à máquina que distribuía pelos dois o vapor pressurizado, que vinha da fundição lá em baixo. Era lá que o Criador trabalhava durante o dia. Uns chamavamlhe doutor, outros, engenheiro; outros ainda chamavam-lhe cientista. Era ao fim do dia, quando todos iam embora, que ele subia ao laboratório. Às vezes, afinava-lhes as
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engrenagens e verificava a pressão do vapor nos instrumentos. Outras vezes passava horas debruçado sobre o livro grosso, que guardava no cofre da parede, juntamente com um diário pessoal. Certos dias ficava em silêncio, só a escrever no diário. Nesses dias, parecia preocupado. No dia anterior, tinha dito que finalmente os deixaria completos. Válvulas minúsculas impulsionaram as articulações do rosto em movimentos predeterminados em projecto. Momo sorriu. — Achas mesmo que é hoje, Nini? — Acredito que sim. Sinto-o. — E como sabes que o que sentes não faz parte do plano? Como sabes que é mesmo sentir? Nini desceu os olhos para a mesa. Tudo aquilo que achava que sentia vinha daqueles tubos. Como seria ter sangue nas veias em vez de vapor? Ter veias. — O que achas que é a fé, Momo? — Não sei. — Os humanos também não sabem. Não de verdade. Mas não deixam de senti-la. Por que achas que será? — Porque os humanos… Momo olhou pela janela. Era uma vista privilegiada sobre a encosta da cidade onde o Douro desaguava no Atlântico. — São humanos — acabou por dizer. O brilho prateado do níquel pareceu diminuir no rosto de Nini. — A humanidade não é carne e osso, Momo. Não é sangue nas veias. Não é respirar. A humanidade é pensar. É sentir. É amar. O rosto de Momo era mais fosco, com o peso da liga metálica enriquecida por molibdénio. Não tinha fé. — Nós pensamos — disse ele. — E sentimos, porque queremos coisas. Temos sonhos – ou achamos que são sonhos. Mas onde está o amor? Nini entristeceu tanto quanto um rosto feito de metal podia entristecer. O amor que sentia estava diante dela, reflectido na sua face. — Umas vezes encontramo-lo — disse ela —, outras vezes é ele que nos encontra. Momo olhou pela janela. O Sol descia no horizonte. A noite era sempre a parte mais difícil para estar ali. O céu acendia-se de estrelas e sonhava com elas. Sonhava acordado. Não dormia. Não podia deitar-se. Não podia abandonar aquela mesa que o prendia, pela cintura, à vida. — Nada nos vai encontrar — disse ele. — Nem nós vamos encontrar nada. A porta do laboratório abriu-se num estrondo de madeira contra parede. O Criador entrou no laboratório em desespero. Recolheu algumas coisas de cima de uma bancada e derrubou outras. Parou entre Momo e Nini, com um braçado de ferramentas.
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— É hoje — disse ele. Espalhou as ferramentas na mesa de Momo e desapertou os parafusos que lhe imobilizavam o tronco metálico. Pediu que Momo se deitasse. Com aqueles tubos todos que vinham de baixo, ele parecia um ferido de guerra com as tripas sobre a mesa de operações. Prendeu-o à bancada com grossas correias de couro que lhe enlaçavam o tronco e os braços. Fez o mesmo com Nini. Mexeu numa série de alavancas que accionaram engrenagens. As mesas elevaramse para uma posição vertical. Se Momo e Nini tivessem coração, havia de lhes bater forte no peito. Não compreendiam a súbita urgência do Criador. Ele subira mais cedo ao laboratório. Ainda não soara o apito para a saída dos trabalhadores. A fundição ainda transpirava o fumo do metal derretido que escorria dos cadinhos. O Criador empurrou duas plataformas com rodas, cada uma delas com um par de pernas metálicas em cima. Colocou cada uma sob o respectivo autómato. Afastou-se e ficou no meio dos dois, numa indecisão que lhe deixava os movimentos nervosos. Tirou do bolso uma caixinha de chumbo que lhe tremia nas mãos. — Isto vai ser o vosso coração — disse ele. Pousou a caixinha com um cuidado receoso. Momo e Nini não faziam ideia de como dois corações podiam caber numa caixinha tão pequena. Mas também não faziam ideia de como o Criador os tinha dotado de pensamento complexo e não deixava de ser uma realidade. O Criador pressionou uma tampa no peito de Momo. Rodou-a em pequenos segmentos, em direcções opostas, como se abrisse um cofre de combinação. Repetiu o procedimento com a tampa no peito de Nini. Vestiu um fato que o cobria dos pés ao pescoço. Era uma peça única e pesada. Enfiou um capuz, com viseira de vidro. Calçou umas luvas grossas e abriu a caixinha. Com uma pinça, retirou uma pastilha metálica, do tamanho de uma pequena moeda, e segurou-a na frente da viseira. Voltou-se para Momo. — Urânio — disse ele. Introduziu a pastilha no peito de Momo e pressionou até se ouvir um estalido. Logo que afastou a pinça, o compartimento do urânio selou-se e encheu-se de água. Funcionava. Fechou a tampa. Repetiu o procedimento no peito de Nini. Despiu o fato e deixou-o no chão. Tinha pouco tempo para encaixar as pernas dos autómatos. Momo e Nini sentiam no peito o poder da reacção atómica alimentada pelo urânio. Não era um coração que batia, mas pulsava. O Criador mexia as mãos com precisão urgente. Mal desencaixava os tubos de vapor que saíam da mesa, e se ligavam ao tronco de Momo, encaixava-os rapidamente nas válvulas que se encontravam na parte das pernas. Após o último encaixe, manejou energicamente uma alavanca que fez subir a plataforma que suportava as pernas. As duas partes do
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corpo tocaram-se num encaixe que se trancou por acção mecânica. Uma grossa anilha rodou na cintura e finalizou a união. Desapertou as correias que prendiam o autómato à mesa e afastou-se. Momo estava inteiro. Sentia as pernas. Não as sentia como as pessoas, mas sabia que as tinha e que podia usá-las. Desceu da plataforma com a confiança de quem sabia o que era andar. Desequilibrou-se e levou com ele um armário. Parou de ombro contra a parede. Esperou até se habituar àquela nova percepção de equilíbrio. O armário destruído e o buraco na parede deram-lhe a noção do seu peso e força. — Ninguém dança nos primeiros passos — sorriu o Criador. Foi uma boa disposição que não durou. Vários estouros, lá em baixo, agitaram as vozes dos trabalhadores. Tiros. Espreitou da porta do laboratório. Todos corriam, em pânico, para as saídas. Pediu que Momo colocasse o armário grande contra a porta. Momo arrastou o móvel sem esforço. — O que está a acontecer? — Perguntou. O Criador não respondeu. Começou a encaixar tubos no corpo de Nini. Antes que acabasse, estremeceu com o estrondo de um punho que ecoou na porta. Uma distracção breve que logo ignorou. Ligou o último tubo. Faltava encaixar as duas partes do corpo. O punho voltou a ecoar. Do lado de fora, um homem disse que sabia que o caro engenheiro estava ali. Fosse quem fosse, desistiu de bater. Fez-se silêncio seguido de passos. Uma sucessão de estouros cuspiu uma saraivada de balas que atravessaram a porta e o armário. A maior parte dos projécteis ricocheteou nas costas metálicas de Momo, partindo e esburacando tudo onde acertava. Uma bala, de trajectória mais oblíqua, raspou no corpo de Momo e acertou no único corpo que podia ferir. O Criador levou a mão ao pescoço e tombou no chão. A bala perdida abriu-lhe um rasgão na carótida. Precisava falar. Engasgou-se nas primeiras tentativas. Por entre engasgos de sangue, disse que lamentava. Não lhes deu pernas apenas para que ficassem completos. Lamentava muito, mas Momo e Nini não podiam ser levados pelo homem que estava do outro lado da porta. — Agora que eles sabem de… vão usar-vos. Para o mal. O mundo… o mundo está à beira de grandes mudanças. A tecnologia vai… vai… as guerras… a ganância… não posso… Eles não estão interessados no… lado bom. Não podemos deixá-los construir… outros... O Criador engasgou-se pela última vez e morreu. A janela grande estilhaçou-se com um estrondo, e homens vestidos de negro entraram de armas em punho. Todos estavam encapuzados, com uma única abertura para os olhos. Um encapuzado baixou a arma e tentou empurrar o armário que barrava a porta. Só com a ajuda de outros dois conseguiu arrastá-lo. Disse que o chefe já podia entrar. O puxador da porta escavacou-se com um tiro disparado do lado de fora. Entraram
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mais encapuzados e um homem de cabeça descoberta. Uma cicatriz diagonal descialhe pela testa, desde a linha do cabelo grisalho, passava pela vista direita tapada com um monóculo e seguia pela face até ao queixo. A morte do engenheiro era uma chatice superável. Momo manteve-se imóvel, como uma escultura de metal maciço. Calculava os movimentos necessários para derrubar todos os encapuzados. O encaixe de Nini não estava completo. Os tubos internos permaneciam expostos. Se uma bala perdida danificasse algum, Momo não saberia repará-lo. Voltou-se para o homem do monóculo. Os encapuzados apontaram-lhe as armas instintivamente. — Porquê? — Perguntou Momo. O monóculo do homem reluziu com surpresa genuína. Esquinou um sorriso. — Tu falas! — É uma característica comum em seres com capacidade de raciocínio complexo — disse Momo. O homem voltou a sorrir. — Mas tu não és um ser — disse ele. — Tu és uma coisa. Uma máquina. — Todos somos o que somos. O homem insistiu num sorriso que só servia para esconder o assombro perante a ideia de que era possível que se construísse uma máquina capaz de imitar o intelecto humano. — A partir de agora — disse ele—, serás o que nós quisermos. Um incomodativo raspar metálico encheu o laboratório quando Momo cerrou os punhos. — O Criador fez-me como sou. Ninguém me fará ser diferente. O homem esqueceu o sorriso. Levantou a arma e apontou-a ao peito do autómato. — Esta arma é como tu — disse ele. — Uma maravilha do engenho humano. Dispara seis balas antes de ser necessário recarregar. O seu inventor é dos nossos. Estes são os primeiros protótipos, enviados do outro lado do Atlântico especialmente para nós. Sabes o que é o Atlântico? O homem apontou a arma para a janela. — Sei muitas coisas — disse Momo. — Não importa quantas balas tenha essa arma, sei que nenhuma pode causar-me dano. O homem subiu a sobrancelha do monóculo e ponderou algo durante um instante. Disparou contra a cabeça do autómato. A bala ricocheteou e perdeu-se numa das traves do tecto. — Parece que és mesmo um filho da mãe resistente — concordou. — Por fora. Momo seguiu-lhe o movimento quando ele apontou a arma para Nini. O metal que a revestia aguentaria os disparos, mas os tubos internos não. — Porquê? — Insistiu Momo. — Suponho que não cheguei a responder-te, não é? Porque somos humanos. Está na
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nossa natureza construir umas coisas para destruir outras. Tudo se constrói para se derrubar. E agora, grandalhão, é a ti que temos de derrubar. — Será necessária uma arma maior — disse Momo. — Uma máquina com sentido de humor — ironizou o homem. — Realmente, o mundo está a mudar. Se Momo fosse humano, teria estremecido com o disparo que saiu sem aviso da arma. A bala resvalou no tronco de Nini, perigosamente perto do encaixe onde se viam os tubos internos. Um disparo propositadamente falhado. — Não há vantagem em destruir-nos — disse Momo. — Nem tal é a minha intenção. Mas certos danos são aceitáveis. Só necessito de um completamente funcional. E tu, grandalhão, pareces-me bem funcional. — Se ela for destruída, nenhum corpo sairá daqui funcional — ameaçou Momo. — Artificial ou humano. O homem quase tinha vontade de dar uma palmada amigável no ombro metálico do autómato e dizer-lhe que ali estava um belo sacana. — Ela não será destruída. Se tu colaborares. Preciso dos planos da vossa estrutura. Onde estão? Momo calculou quantas balas restariam em todas aquelas armas. Não podia neutralizálos a todos sem que pelo menos uma bala provocasse danos irreparáveis em Nini. — No cofre — cedeu Momo. — Desconheço a combinação. — Isso não é problema para ti, grandalhão. Momo podia sentir o sorriso do homem a reflectir-se nas lentes dos seus olhos. Voltouse para uma parede. Cada passo fez ranger as tábuas do soalho. Parou diante de uma gravura com uma reprodução do Homem Vitruviano. Atravessou-a com as mãos e arrancou um cofre da parede. Segurou-o debaixo do braço e amolgou a porta com um único murro que fez tremer o soalho. Cravou os dedos numa fresta e arrancou a porta. Atirou o cofre para junto dos pés do homem. Algumas tábuas estalaram. O homem agachou-se e retirou o conteúdo do cofre. Um livro grosso e um diário. Folheou as primeiras páginas do diário e não lhe encontrou qualquer interesse. Relatos entediantes de como ser pai era uma coisa maravilhosa. Jogou-o pela janela estilhaçada. Folheou algumas páginas do livro grosso. Estava lá tudo. Esquemas, fórmulas e anotações de procedimentos. Passeou pelo laboratório enquanto folheou mais páginas. Momo seguiu-lhe cada passo que o aproximava de Nini. O homem parou e fechou o livro. Sorriu. Apontou a arma aos tubos expostos e engatilhou-a. Voltou-se para Momo. — Vais criar problemas, grandalhão? Aquela proximidade aumentou a pressão dentro de Nini. — Muitos — disse ela.
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Rebentou a correia que lhe segurava o braço esquerdo e agarrou o cano da arma. Esmagou-o antes que uma bala passasse. Apertou o pescoço do homem e levantou-o do chão como a um boneco de trapos. Todos os encapuzados que rodeavam Momo lhe apontaram as armas. Momo cruzou olhares com Nini, que lhe devolveu um sorriso triste. Ele deu um salto vertical e enlaçou com os braços as pernas dobradas, numa imitação de bala de canhão. Atingiu o soalho com um estrondo de tábuas rachadas. Caiu para o andar de baixo e levou todos os encapuzados com ele. O laboratório ficava mesmo por cima de uma das zonas de vazamento para os moldes. Os encapuzados ardiam num cadinho cheio de metal derretido. Momo estava no meio deles. A temperatura do metal rondava os dois mil graus. A liga de molibdénio que revestia Momo tinha um ponto de fusão bem superior. Momo ia resistir e esperar por Nini. O homem do monóculo sacou uma arma minúscula da manga e disparou contra os tubos internos da autómata. Um tubo metálico assobiou um jacto de vapor. Nini jogou o homem por cima de uma bancada e rebentou a correia que lhe prendia o braço direito. Apertou o tubo até esmagar. O vapor não passava mas também não saía. As pernas já estavam em posição de encaixe. Não ia ser difícil. Rebentou a correia que lhe prendia o tronco e deixou-se cair em cima das pernas. O encaixe concluiu-se por acção mecânica quando a grossa anilha lhe rodou na cintura. O homem levantou-se de costas contra a parede, para evitar o buraco no chão. Passou a mão no pescoço dorido. — É impossível parar o futuro — disse ele. — É tão impossível pará-lo como controlá-lo — respondeu Nini. Ia levá-lo com ela. Desceu da plataforma e a perna direita falhou-lhe. O tubo danificado. Nini tombou em desequilíbrio e caiu no buraco. Fez esparrinhar metal derretido quando atingiu o cadinho. Momo ainda resistia ao calor. Resistiria, de pé, na superfície do Sol, enquanto tivesse de esperar por ela. Nini sorriu-lhe. Afinal, Momo acabara por tocar o Sol. De certa maneira. E ela podia tocar Momo. Abraçaram-se no meio do fogo. A liga de níquel que revestia Nini tinha um ponto de fusão inferior a dois mil graus. O corpo dela começou a derreter nos braços de Momo. Acima deles, o homem do monóculo observa-os do buraco, com um sorriso vitorioso. Agitou um livro grosso na mão. — É impossível parar o futuro — repetiu. Momo nunca sentira ódio. Fincou os pés no fundo do cadinho e transferiu toda a sua força para um salto. Não foi suficiente para o impulsionar de volta ao laboratório. Mas bastou para alcançar uma perna do homem e arrastá-lo para a queda. Momo ouviu-lhe
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os gritos que logo se silenciaram quando a garganta pegou fogo. O livro grosso caiu com eles. Ardeu como se nunca tivesse existido. Algures, no metal fundido, o coração nuclear de Nini explodiu. O coração de Momo aumentou a explosão e a fundição tornou-se um buraco no chão de onde subiu uma nuvem, em forma de cogumelo, que iluminou as águas do Douro e do Atlântico. O futuro podia esperar.
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Colombo de Carla Ribeiro
Aquele devia ter sido o seu triunfo. Devia ser meu, pensava, irritado, enquanto, postado na proa, olhava para baixo, para o mar de devastação que tinha aos pés. Aqueles eram os feitos da sua obra. As ruínas, que eram tudo quanto restava dos edifícios antigos, os pedaços dispersos e fumegantes dos carros de guerra, dos poucos dirigíveis comandados pela força aérea da antiga nação. Apenas cinzas e morte, no local onde o ventre das naves largara as bombas, e os restos de corpos espalhados nas ruas arruinadas, os cadáveres dos poucos que, cumprindo ordens, haviam ousado opor-se ao fogo dos céus. Tudo aquilo era obra sua. Sentia-se agoniado pela visão de morte que tinha diante dos olhos. Nem a suave vibração do convés debaixo das botas o confortava agora, com a lembrança de que fora a sua mente a criar a mais imponente máquina que alguma vez bailara nos salões da guerra. Aquela mesma nave onde se encontrava, a que haviam chamado Colombo em sua honra e que liderava uma vasta frota de outras iguais a si, fora o elemento decisivo na vitória, a arma que espalhara medo e morte pela nação agora subjugada. E o que via revolvia-lhe até os mais escuros recessos do ser, porque fora dele a mão que criara os instrumentos da hecatombe. Ele, que era filho daquela terra destruída. A culpa foi deles, disse-se, em pensamento. Eu fui até eles, primeiro, mas não me quiseram ouvir. Por instantes, o ressentimento apaziguou-o, com a memória de que tentara, de facto, oferecer ao seu país os planos da frota que agora os destroçava. Mas fora ignorado, e… Não. Fora pior que isso. Fora humilhado e escarnecido pelos membros do conselho de inventores do reino. Incapazes de aceitar que, com pouco mais de vinte anos de vida, Colombo fosse capaz de produzir fosse o que fosse de meritório, aquele bando de velhos arrogantes e malcriados limitara-se a dar uma vista de olhos aos planos da máquina a que chamara aeronau, para logo de seguida analisar, em tom de troça, a mais pequena das
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suas características, evocando mil obscuras razões para que jamais pudesse funcionar. E, contudo, movia-se, e ali estava ele, de pé ante a ruína do seu povo, para lhes mostrar como estavam errados. Ele soubera. Ele nunca deixara de acreditar e, revoltado contra aqueles que o rejeitavam, não tardara a reunir todos os seus planos e a correr até aos líderes da única outra nação com os meios necessários para dar forma física à sua criação. Desertara. Não, fizera pior que isso, pois sabia já que o que tinha para apresentar representava tanto uma possibilidade revolucionária de transporte como uma máquina capaz de elevar a guerra aérea a um nível nunca antes visto, mas, mesmo assim, não hesitara em apresentar-se aos inimigos do seu povo para lhes oferecer a sua mente e o seu trabalho. Escusado será dizer que foi recebido de braços abertos. Sou um traidor, pensava, agora, firmemente postado na sua criação ante um cenário de destroços e morte. E, pior que isso, sou um falhado. Não importava que a sua máquina fosse a invenção do século. Não importava que se tivesse tornado um pária para o seu reino apenas para ver nascer a beleza da nave sobre a qual se deslocava. Para formar o ventre de vários metais combinados, em cujo âmago viviam as caldeiras que lhe moviam o corpo mecânico, a cúpula fechada onde múltiplas bolsas de diferentes peles e tecidos se erguiam, firmes, contendo os gases que os sustinham no céu, os grandes tubos dourados por onde subiam altas colunas de vapor, as asas articuladas que impulsionavam o movimento conduzido pelo homem que dominava o leme. Que não era Colombo, claro, porque este era apenas um inventor estrangeiro e, prestada a honra do seu nome dado à nave principal, o valor da sua mente desaparecera com o término da sua invenção. Claro que o haviam levado com eles, ainda que não soubesse se fora para que visse em primeira mão as consequências da sua escolha ou se apenas para o impedir de, num rasgo de consciência, alertar o seu povo para a ameaça que se aproximava. O certo era que, mesmo que o tivesse feito, seria tarde demais, pois a investida fora rápida e furiosa. Ainda os olhos dos primeiros soldados se erguiam para o alto e já a devastação chovia dos céus. Agora estavam ali, avançando ainda, para tomar posse do que restava. Lá em baixo, num dos poucos edifícios a sobreviver à violência do ataque, um farrapo branco agitavase, fustigado pela ventania, trémulo como a vara de metal que o sustentava. A vitória fora absoluta. Lá dentro, estariam os sobreviventes, prontos a enfrentar o destino que os vencedores lhes reservassem, se é que era possível estar preparado para lidar com tamanha perda. E Colombo tremia, pois sabia agora que seria mostrado como arma do triunfo, usado para dizer ao seu povo que fora um traidor que os prostrara, que fora o orgulho a razão da queda. Mas era isso que eu queria, pensava Colombo. Não era? Porque sentia, então, que daria todos os anos que lhe restavam de vida para não ter de passar por esse momento?
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- Chegámos. – anunciou uma voz grave atrás de si. Não que Colombo precisasse da informação, pois, mesmo que os seus olhos não compreendessem o que viam, os ruídos da nave – da sua nave – diziam-lhe que esta abrandava, que se preparava para parar os seus avanços e pairar, imensa, no céu. Mas não o podia dizer ao homem que lhe falava, pois não? Isso seria insubordinação da sua parte e, explorados os seus préstimos em tudo o que tinham para dar, Colombo era apenas um homem nas mãos de um superior que o desprezava. - Vai descer, general? – perguntou, respeitosamente, enquanto se voltava para o seu interlocutor. - Vamos descer. – respondeu este, com um sorriso de desdém – Não quero que percas o teu momento de glória. Colombo conteve um estremecimento, pedindo a todos os deuses que conhecia que fosse aquele o seu último momento de glória. Aquela fora a capital do reino, por isso esperava que não sentissem a necessidade de o exibir também nas cidades menores. Mais que isso, pensou, de súbito, sentindo mãos invisíveis que lhe apertavam o coração, aquela era a cidade que o vira nascer e crescer. O seu mais amado lugar na nação… e o reduto dos que o haviam recusado. - Vens? – a brusquidão na voz do general interrompeu-lhe o pensamento – Ou vais ficar aí parado a pensar no medo que tens? A resposta surgiu-lhe automaticamente, apesar de ser uma flagrante mentira. - Não tenho medo. O general mostrou-lhe um sorriso provocador. - Nesse caso - replicou, com um gesto convidativo para a escada que se desdobrava na direcção do solo – faz o favor de avançar. Compreendeu, ao pousar os pés em terra, que nem todos os tremores que sentira percorrer-lhe o corpo se deviam às vibrações da aeronau. Parte deles eram seus e esses pareciam agravar-se a cada um dos pesados passos na direcção do edifício escurecido pelo fumo e pelos destroços. Era a culpa que lhe entorpecia a caminhada, a mesma que fazia brotar lágrimas nos olhos que cravara sobre a porta de metal e que não ousava desviar. E o medo ante a possibilidade de se encontrar face a face com aqueles que traíra. Não o conselho que o rejeitara, pois esses já nada significavam, mas o seu pai, o homem que o moldara segundo melhores valores que os que demonstrara possuir. Que servia ainda, tanto quanto sabia, como conselheiro do reino. Alguns passos à frente, o general deteve-se. Ergueu o olhar para a bandeira esfarrapada e sorriu. Depois, voltou-se para Colombo e chamou-o, com um gesto imperioso. - Vem cá. – ordenou e, como o jovem hesitasse, as mãos dos soldados atrás de si
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apressaram-se a dar-lhe um empurrão. Colombo tropeçou, cambaleou um pouco e conseguiu, por fim, equilibrar-se ao chegar junto do general. - Pareceu-me ouvir-te dizer – provocou este – que não tinhas medo. Colombo engoliu em seco. - Mas tenho. Só que não do que pensa. O golpe em resposta foi fulminante. Ainda o som das palavras não se dissipara e já o estampido da bofetada se lhe sobrepunha, seguido pelo som de um corpo a cair. - Levanta-te. – gritou o general, cravando nos olhos que, surpresos, o fitavam, a mais pérfida mirada – Pouco me importa se te sentes culpado. Estás sob o meu comando e obedecerás. Ou sofrerás as consequências, entendes? - Sim, senhor. – murmurou Colombo, desviando o olhar enquanto se forçava a encontrar ânimo para se pôr de pé. - Óptimo. – havia um prazer sádico na expressão do superior – Ainda bem. Agora vai até àquela porta e bate com força. Vais ser tu a dizer-lhes que estamos aqui. O jovem estremeceu, mas não teve a coragem de desobedecer. Avançou, como o condenado que caminha para uma morte cruel, e fez o que lhe fora ordenado. À segunda pancada, a porta fugiu-lhe da mão. Estivera sempre aberta. - Entra. – ordenou o general, antes mesmo de lhe dar tempo para qualquer pergunta – Vamos atrás de ti. Não lhe restava alternativa. Mesmo imaginando já o que o poderia esperar no interior, não havia, para ele, uma forma de fugir ao seu encontro com o abismo, não com o general e os seus homens nas suas costas. Teria de enfrentar, de uma vez por todas, as consequências da sua traição. Uma imagem que deveria ter sempre presente, pois desde criança que para ela fora preparado. Os filhos desta terra morrem de pé., repetira, inúmeras vezes, o seu pai. Pelas próprias mãos, se for preciso, mas sem humilhações. O reino pode sangrar, mas não se rende. Com mãos trémulas, empurrou a porta. Julgou morrer naquele momento, tal era o pavor que lhe incendiava as veias, mas continuava de pé. Entrou, pois, vacilante nos seus passos, à espera, enquanto atravessava o vestíbulo, da imagem que se lhe entranharia na memória para o resto dos seus dias. E lá estava, escancarada, a porta da sala de audiências e, para lá dela, o já esperado conclave de morte. Sentados alguns, outros tombados por terra, todos rodeados pelo sangue que jorrara dos golpes abertos pelas suas próprias vontades. Rostos familiares, de amigos e conhecidos, fitando agora o nada dos abismos, vazios do sangue que manchava agora as mãos do traidor. E, ao centro, sentado num pesado cadeirão, o homem que o moldara e que abandonara, as mãos pousadas sobre um pequeno cofre dourado, todo moldado em formas de rodas dentadas que encaixavam entre si, o sangue pintando rastos rubros sobre o ouro.
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- O reino pode sangrar, mas não se rende… - murmurou Colombo, fitando a devastação. Depois a dor tomou posse da sua alma. As palavras deram lugar aos gritos e os joelhos cederam ante o peso do remorso. Tombou, também, como os mortos que o cercavam, vencido pelas suas próprias acções. Os soldados passaram adiante, sem reacção. O seu tormento não lhes interessava. Mergulharam, sem hesitar, no mar de morte, em busca de algo que lhes parecesse relevante para a guerra, mas nada de valor fora deixado. Nada, excepto o pequeno cofre dourado, que era agora arrancado pelo general às mãos do legítimo dono. - O que é isto? – inquiriu o homem, e mãos duras agarraram o corpo de Colombo, forçando-o a levantar. - É um… cofre. – balbuciou o inventor, lutando contra palavras que persistiam em soar incoerentes – Fui eu que o construí. - Nesse caso, - ordenou o general – diz-me como se abre. Incerto sobre como responder, Colombo hesitou. Não terá sido mais que um segundo de silêncio, mas bastou para o general o tomasse por relutante. A consequência não se fez esperar, na forma de um novo e doloroso golpe que, mais uma vez, o prostrou por terra. - Não queres responder? – inquiriu a voz do general, acima de si. Cada som era um prenúncio de crueldade. - Eu… Eu tenho uma chave. – murmurou Colombo, as mãos erguidas diante de si, qual patética tentativa de defesa. Mas logo se apercebeu de que a resposta sucinta fora um erro, pois a voz do general ecoou ainda mais fria e ameaçadora, enquanto exigia respostas a uma pergunta que o jovem inventor devia ter previsto. - Porque razão tens tu a chave de um cofre pertencente ao nosso inimigo? - Além de vosso inimigo, é o meu pai. As palavras saíram trémulas, como o corpo contra o qual lutava numa tentativa de se erguer. Já não eram caóticas, ainda assim, pois a confusão do medo fora dominada, mais uma vez, pelo peso de uma tristeza infinita. Lágrimas inundaram-lhe os olhos, mas já não de dor ou de medo, antes de culpa e revolta contra si mesmo. Fora a sua primeira criação, aquele cofre dourado, e, inebriado pelo êxtase do sucesso, não hesitara em ofertar a seu pai aquele precioso objecto. Era belo, mas de simples construção, e mesmo assim o pai tecera louvores à sua obra e jurara preservá-lo para sempre, como símbolo da ligação que os unia. Claro que isso acontecera muito antes do dia em que o homem se juntara à troça do conselho de inventores, mas a prova de que a memória prevalecera estava ali, brilhante por entre o sangue. A pequena caixa onde o pai jurara que, quando o tempo os separasse, deixaria o seu legado para o filho. Por isso Colombo tinha uma chave. O que o pai fizera à outra ninguém chegaria a saber. - Onde está a chave? – exigiu o general – Dá-ma. A dureza no comando da voz bastou para quebrar o fio das memórias, mas o medo não
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voltou. À tristeza juntava-se agora a apatia e o vazio nos olhos de Colombo anunciava a quem os soubesse ler que, de futuro, nada mais importava. Como um autómato, despido já de vontade ou emoção, levou a mão à corrente que usava sob as vestes. Tocou-a com suavidade, como que despedindo-se de um sentido oculto, e tirou-a pelo pescoço. Dela pendia uma pequena chave dourada, moldada também com a forma de uma roda dentada, da qual nascia um par de elaboradas asas. - Está aqui. – anunciou, de olhos fechados. Num gesto brusco, o general tirou-lhe a chave das mãos. Ávido do que julgava ser o segredo dos seus inimigos, apressou-se a abrir o pequeno cofre, indiferente à beleza dos pequenos mecanismos que formavam o fecho ou as articulações por onde se abria. O conteúdo, contudo, foi uma desilusão. Apenas uma carta, duas páginas de uma caligrafia rebuscada, dirigidas ao jovem que fitava o vazio da morte que causara. - É para ti. – disse o general, ao terminar de ler – Tenho a certeza de que te vai trazer conforto. Colombo recebeu a carta nas mãos trémulas, mas mal teve tempo de a olhar, pois já o general ordenava que retornassem à aeronau. A viagem de regresso era longa e os senhores da nação estariam à espera de respostas. - E eu? – perguntou Colombo, ainda que não lhe importasse a resposta. Até podiam livrar-se dele ali, se o desejassem, agora que a sua utilidade fora totalmente explorada. Ou não, disse-lhe o olhar ameaçador do general. - Tu vens connosco. – respondeu a sua voz – Eles que decidam se ainda lhes serves de alguma coisa. Aquele devia ter sido o seu triunfo. Mas não foi, pensava Colombo, novamente postado junto à proa, com os olhos fixos num horizonte que não via. Foi a minha desgraça. As mãos trémulas agarravam ainda a carta do pai, mas não precisava de a olhar para que, como punhais trespassando o seu coração, as palavras lhe fustigassem o pensamento. Não as esqueceria enquanto vivesse, de louvor e censura por igual, de orgulho e desilusão ante tudo o que não devia ter sido. Ecoariam para sempre dentro de si. Conteve um soluço. Quase podia ouvir a voz do pai a pronunciar aquelas palavras suaves que lhe serviam de condenação. Vejo como se aproximam e compreendo, meu filho, que não falavas de impossíveis. A tua criação era funcional e é magnífica. Parabéns. Mas há escolhas de vida e escolhas de morte e, por esta altura, já deves ter descoberto que a morte é a única consequência possível para um povo como o nosso. Não há vida suportável depois de tanta devastação. Estou certo de que o sabes. Espero que sejas capaz de o suportar. - Não sou… - murmurou Colombo – Não sou…
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As lágrimas que lhe invadiram os olhos pareciam agora capazes de rivalizar com o mar que sobrevoavam, deixada para trás a nação devastada. O mar que bailava nas cintilações do sol e que, quase sereno nos seus gestos, parecia estender-se num apelo aos corações destroçados. És, hoje, um instrumento nas mãos deles., concluíra o pai. Liberta-te, se puderes. Honranos sendo o que já não podemos ser. Colombo sorriu por entre as lágrimas, seguro agora do caminho que lhe restava percorrer. O seu legado ficava, pois não o podia quebrar. Mas podia garantir que ele, pelo menos, não lhes serviria para mais nada. - Há escolhas de vida e escolhas de morte… - sussurrou, ao caminhar até à amurada. – E a liberdade… Abriu os braços ao vento que o embalava. - A liberdade é minha! As suas últimas palavras foram um grito que se desvaneceu na água, um salto para o nada. Pois também Colombo entendia que, por vezes, apenas a morte restava como escolha depois do mal e da dor. Ele, que escolhera voar, em tempos, para longe dos seus – mas que só naquele derradeiro voo alcançava a libertação.
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O Saque da Lampedusa de José de Barros
Relatório recolhido post-colapsium, pelos engenheiros lusos da corveta de Sua Alteza Real, “Miguel I”, de seu nome. Estimados colegas e investigadores, resta-me acrescentar que estas memórias, gravadas ao correr da consciência do seu malogrado utente, foram descobertos na caixa negra do tanque Mak-34, encontrado nas ruínas do complexo autofabril (sector Rei Trovão), trinta e cinco anos após o saque de Lampedusa. Informo vossas senhorias que, o relatório não está completo, pois apenas restaram alguns fragmentos não oxidados do fio de memorex que as gravou. De qualquer modo poderá servir de prova cabal relativa às atrocidades cometidas pela Grosse Germânia durante a guerra contra os complexos autofabris do Norte de África. Segue-se a tradução, tão fiel quanto possível: ...ach...mein Gott... nunca pensei que haveria de acordar assim, participante num irremediável mergulho suicida, em pleno mar Mediterrâneo, afastado de um corpo que deixou de ser o meu, com o motor dorsal a zunir, e a espuma a acender-se nas minhas costas num rasto doentio de plâncton fosforescente. A temperatura exterior não passa dos dez graus centígrados, informam-me os termómetros cravados no dorso do torpedo. Como se isso tivesse algum interesse. Como se o que resta da minha consciência tivesse espaço e tempo para processar tantos dados inúteis. De qualquer modo, para que conste, fiquem sabendo que estas águas infectas estão saturadas de óleos e doutras toxinas resultantes dos despojos industriais das fábricas em agonia. Quem se rala? Já ninguém pesca num mar que foi um dia o berço da civilização ocidental. Os técnicos que me duplicaram, disseram-me que nenhuma criatura de carne e osso poderia sobreviver aqui durante muito tempo. Em boa verdade, junto às costas africanas, as águas são mortíferas para qualquer forma de vida mais complexa do que uma bactéria. Mas eu não sou
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humano. Não passo de uma cópia instalada no ventre de um tanque de assalto. Cópia nº25, dizem-me os protocolos de combate. Isto significa que há outros tanques iguais ao meu, dispersos por esse mar fora, em vector de aproximação à ilha de Lampedusa. Bem que gostaria de conversar com os meus duplos, dizer-lhes olá estúpidos, já viram o sarilho em que se meteram? Mas não posso. Para quem já está morto, não são necessárias despedidas. Nada de rádio, nada de morse, nada de flashes luminosos. Por ordem do Kaiser avançamos em silent running. Aqui para nós, que ninguém nos escuta, ser uma simples cópia, implica que esta está pronta a sacrificar-se pela fatherland, sem perda de maior para quem quer que seja. E eu, ingénuo que fui, julgando-me patriota, ofereci-me como voluntário porque me garantiram que o meu corpo verdadeiro permaneceria intacto, protegido pela blindagem do cruzador de batalha Schopenhauer. Papeis assinados, feitas as juras de fidelidade à causa do sacro Império, deitaram-me na marquesa e, sem mais delongas, instalaram-me o capacete de transferência gnóstica. Adormeci durante alguns minutos, pouco mais do que isso, e, ao acordar, dei-me conta que afinal a cópia sou eu e que vou morrer, morrer de verdade, quando se gastar o combustível deste tanque, porque uma cópia é feita para isso mesmo, para ser descartável. Agora, lá no alto, as nuvens baixas reflectem os incêndios da martirizada ilha de Lampedusa. Junto à costa que aos poucos se aproxima, troam as bombardas de defesa, pelo céu atormentado escorregam obuses apontados à frota de assalto, mas a verdade é que as autofábricas não se entendem, não conseguem chegar a um consenso, como se lhes fosse impossível recolher e trocar dados entre si. De facto são muitas, as autofábricas que infestam esta colónia. São às dezenas e dezenas. E cada uma delas possui a sua agenda secreta. Parecem ninhos de vespas em permanente conflito territorial. Por causa disso, os impulsos eléctricos que coordenam as trajectórias dos obuses entram muitas vezes em conflito. Uns interferem nos outros. E falham. Falham mais vezes do que acertam. Afinal não passam de simples máquinas rádio-controladas. Enquanto eu Stephan 25, sou algo mais, nem que o seja apenas durante algumas horas...Na fornalha do meu ventre, existe um fio de memorex a correr entre duas bobinas. E mesmo ao lado, protegida por uma cápsula de gelatina, freme uma partícula do Deus Morto, ali instalada para ajudar à causa gnóstica. Não passo de uma cópia, é certo, uma simples cópia mutilada, um mero fragmento da minha verdadeira personalidade que ainda existe e persiste, algures, espero eu, ligada ao meu corpinho bem-feito, a beber um schnapps com os colegas na cantina do cruzador Schopenhauer. Consulto os indicadores que me informam da distância que resta até à costa e, para meu espanto, descubro que já só faltam umas poucas centenas de metros. Lá ao fundo, a encher o horizonte, brilham as falésias da ilha em chamas, desaba com estrépito a alvenaria das ancoradouros e das rampas de acesso aos cais de embarque, troam em surdina os poucos canhões de defesa que ainda subsistem, e um bibip cada vez mais insistente diz-me que
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há minas por perto, minas malvadas e semi-conscientes que não se importam nada de dar a vida em troca da destruição de um tanque invasor. ...apresso-me. Acelero. Gemem os hélices. Não quero saber se estou a gastar demasiada energia. O motor eléctrico zune, agastado. No ventre do tanque que forma o meu corpo, as caldeiras lançam jactos de vapor. Braoom, à minha esquerda. Braoom atrás de mim. Cinco estrondos, cinco minas que atingiram o alvo, cinco cópias que nunca chegarão a ver a luz do dia. Cinco invasores ao fundo. Mas eu, não, mein Gott, eu não...ainda aqui estou... ...olho para o fundo, através das câmaras incrustadas no meu ventre. Acendo um holofote. E a luz desmaiada ilumina uma paisagem feita de horror. Porque lá em baixo, onde deveria haver areia, limos, conchas, corais, há apenas carcaças de navios naufragados. Submarinos abatidos à nascença. Gruas, guindastes, tractores, carruagens, contentores, que as autofábricas foram descartando ao longo dos anos de ocupação. A água está tinta de ferrugem. Bolhas de óleo colam-se aos mastros dos barcos, às pinças das catarpillas. Estes despojos da hecatombe industrial estão ali para ficar. Mas também se vêem esqueletos. Esqueletos dos servos dilectos das fábricas, abatidos por incapacidade física, ou por já terem chegado a uma idade imprópria para o trabalho. Esqueletos que as fábricas acharam por bem deitar fora, pois não valia a pena utilizá-los como adubo numa ilha onde já não existe um centímetro quadrado de espaço disponível. Desligo o holofote e a câmara ventral. Já chega. Não quero saber. As autofábricas contaminaram todo o Norte de África. Estenderam-se desde Marrocos ao Nilo e, para Sul, até à cadeia do grande Atlas. Produzem, produzem e produzem, como se não houvesse mais nada a fazer nesta triste existência. Produzem, descartam o que produziram, para sempre e sempre, até que uma autofábrica rival se aproveite de todos estes despojos para melhor os reciclar. Que importa, disseram-me. A África será delas. Mas Lampedusa não. O Atlântico tem de voltar a pertencer aos seres humanos. Pertencer à Grosse Germânia, queriam eles dizer. Pertencer ao Kaiser. ...já estou demasiado perto, junto à agonia de um porto em chamas, para que as minas cogitadoras consigam detectar-me. Cauteloso, desligo os hélices dorsais e deixo-me deslizar, devagarinho, rumo a uma rampa de acesso ainda intacta. Se respirasse, se tivesse ainda um par de pulmões, decerto sufocaria, pois aqui não existe ar puro. Os incêndios consumiram todo o oxigénio. Resta apenas um turbilhão de labaredas e vórtices de cinza tórrida. O sol já nasceu para lá do horizonte. Pelo menos assim o diz o meu relógio. São sete da manhã. Mas no porto de Lampedusa não há sol, nem holofotes, nem árvores, nem pessoas. Aqui e ali, troa uma bombarda ainda activa, sempre a disparar até que já não
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lhe sobrem munições. Deve com certeza haver, aqui e acolá, franco-atiradores negróides e de coleira conselheira sempre frenética, a debitar uma chusma instruções inúteis. Respiram através de máscaras de oxigénio, as mãos esqueléticas seguram electrobastões prontos para fazer fogo contra o exército invasor. Idiotas. Como se os oficiais da Grosse Germânia entregassem assim o corpinho ao manifesto! Quem chega somos nós, os tanques gnósticos de assalto, onde um pedacinho daquilo que foi a nossa personalidade, pulsa ainda junto à partícula do Deus Morto que nos activou. Não há bala que nos abata. Não há raio que nos queime. Somos máquinas feitas para combater outras máquinas... ...destravo as pernas, desembaraço-me do resto do torpedo marítimo que deixou de ser necessário. E este lá vai a resvalar, rampa abaixo até desaparecer nas águas viscosas do porto. Ponho-me de pé. Gemem as articulações das pernas que agora se vêem obrigadas a suportar o peso de quase uma tonelada de ferragem. Bato com o punho no peito, e o som do punho a raspar contra a superfície blindada do tórax, soa como um tambor, o tambor de vitória de um Império que nunca permitiu que o calcassem. A caldeira do ventre entrou agora mesmo em actividade. O motor que me impulsiona é antigo e convencional, funciona a vapor e não a electricidade. É mais seguro assim. Se for atacado, nenhum impulso electromagnético poderá grelhar os meus circuitos internos. Saído da minha traqueia soa um apito estridente. Uma fumarola esbranquiçada escapa-se pelos respiradores das costas. A cardio-válvula geme em sintonia. Para que conste, tenho agora quatro braços, dois deles dotados de pinças manipuladoras, os outros munidos de micro-canhões. Do lado direito posso disparar balas perfurantes de carbono puro. Do outro, consigo lançar filamentos de alumínio acelerados várias vezes acima da velocidade do som. Uns servem para abater mecanóides. Os outros, pobres serviçais humanos por choque hidrostático. Na bainha presa à cintura, transporto um espigão extensível, algo que lembra as espadas que os meus antepassados bramiram aquando da unificação da Europa. Pour faire joli, como diriam os nossos subordinados franceses. Apenas para mostrar a imperiosa glória de um combatente do Kaiser. Gestos como este são inúteis. Mas a verdade é que sobrevivi à primeira parte da Missão, atravessei um mar poluto sem encontrar uma única mina ou mecha inimigo, e epifanias como esta merecem ser conhecidas. Por isso ali, no meio do cais em chamas, rodeado de guindastes amolecidos pelo calor, ergo os braços, acendo os holofotes do peito e clamo, alto e bom som, a quem me queira escutar: Ich bin hier! ...e vocês, estimados ouvintes, que um dia hão-de escutar estas sábias palavras, perguntam agora de cenho carregado: escuta, meu caro Stephen, que vieste tu fazer aqui? Que disparate, mein Gott, porque é que não bombardearam a ilha inteira até que nada restasse? Para quê estes excessos, qual o sentido desta invasão inútil? E eu respondo,
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porque a resposta é afinal tão simples: Viemos reclamar territórios, apropriar-nos do que guardam os armazéns. Viemos sobretudo cravar bandeiras em solo fértil. Porque afinal há outros países que desejam o mesmo que nós. Os Britânicos. Os Hispânicos. Os Amareloques do Império do Meio. Os secretos Csaristas. Agora que Lampedusa está cercada, agora que cortámos todos os cabos submarinos que a ligavam ao Norte de África, e abatemos as Torres Tesla, é todos à uma e fé em Deus. Lampedusa está rodeada de cruzadores, mas nem todos são germânicos. Pelos acordos de Genéve, o protocolo será o seguinte: o primeiro a chegar serve-se do espólio. Mas para isso terá de implantar uma bandeira com um rádio-sinal. Lembram-se da corrida ao ouro nas tundras geladas do Canadá, nos finais do século XIX? Encontramo-nos numa situação semelhante... Não, camaradas, o verdadeiro inimigo não são os periclitantes meios de defesa destas desgraçadas fábricas...o verdadeiro inimigo é... ...zing, zing, o mundo em volta encheu-se de súbito com o cruel zunir das vespas. São projécteis cuspidos pelo inimigo a passar por perto dos meus sonosensores. Aqueles que eu oiço são os que não me acertaram. Muitos deles, os inaudíveis, estão agora a bater-me contra as costas, o tórax, a procurar uma qualquer frincha nos meus servomecanismos, para melhor me imobilizar. Quem assim dispara, não são os escravos das autofabs. Esses tristes despojos servem-se apenas dos electrobastões. Nada disso. Recordam-se de eu vos dizer que estamos todos embrenhados num objectivo único? Apanhar um armazém cheio de consumíveis. Electrodomésticos, brinquedos, armas, eu sei lá. Qualquer coisa de útil. Qualquer coisa que os povos europeus longe do domínio do Sacro Império, possam utilizar contra nós. Quem quer abater-me fez parte da mesma frota de assalto. Colaborámos no cerco de Lampedusa como se fôssemos irmãos de sangue. Mas isso acabou. Agora os protocolos são outros. Paff, paff, ricocheteiam balas contra as placas de aço do meu peito. O impacto é tão forte que, por momentos, o corpo oscila à beira de uma queda catastrófica. Salvam-me os giroscópios. Salva-me a maravilhosa capacidade tecnológica dos engenheiros germânicos. Viro-me para a direita, de onde vem o som. Meio oculto pelos restos de um muro demolido, descubro um mecha italiano. Malditos papistas! Este tem a forma de uma louva-a-deus, está pintado de um vermelho escarlate e cospe projecteis pelo canhão através do orifício bucal. Está ali imóvel, a disparar contra mim, como se não tivesse mais nada que fazer, como se a ordem mestra não fosse cravar uma bandeira em solo fértil. Anda a perder o tempo dele e o meu. Acabou-se. Não há contemplações. Viro-me, com os meus pés a rasparem no cimento cariado do porto. Aponto o canhão de balas perfurantes. O cogitador balístico rodeia o inimigo num circulo de alvos prováveis. Faço fogo. Cinco vezes. Quero lá saber se estou a gastar demasiadas munições. Detesto papistas. Detesto que me digam que Deus ainda está vivo. Faço fogo, e três dos mísseis decapitam a louva-a-deus com sombria precisão. O mecha, sem olhos,
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sem capacidade cognitiva, desaba por detrás do muro que nem sequer o protegeu, e aí explode por inteiro, ou melhor, explode a caldeira que o alimentava. Pedacinhos de metal escaldado e tijolo vêm cair à minha volta. Menos um, penso. Mas não tarda que eu lhe vá fazer companhia... ...consulto o mapa interior e avanço: Apenas quatro quilómetros até ao alvo que me foi destinado. Tempo operacional: Vinte minutos. Pouco, tão pouco...Mas como não existe outra opção além desta, ou seja, mergulhar como uma pobre traça rumo à crueldade da candeia, resigno-me a seguir em frente, ao longo de um corredor rasgado nas falésias de prédios e escritórios em ruína. Os telhados ardem num incêndio indiferente. Tições chovem sobre a alameda num crepitar festivo. Nunca foram habitados. As autofabs construíram-nos, porque isso fazia parte dos programas de origem. Quando atingiram a capacidade de cogitação, quando perceberam que podiam muito bem funcionar sozinhas, sem ajuda humana, continuaram a construi-los porque, eliminar este acto do programa base poderia resultar na quebra de qualquer outro programa mais essencial. Algures, no ventre imenso das IMs, giram cilindros picotados com ordens inúteis: Que se crie um parque industrial. Que se construam refeitórios, zonas de lazer e escolas. Sem esquecer os Centros Comerciais onde tudo será exposto por bom preço. Obras inúteis, pois nunca serão habitadas. Restam as carcaças dos prédios. Os escritórios vazios por onde sopra o vento. Os jardins infantis numa profusão sonora de baloiços e carrocéis a ranger. Caminho, imperioso, a cuspir fumarolas de vapor pelos ventiladores das costas, através de uma terra de ninguém onde murcham as ervas daninhas, onde as árvores não passam de cotos ressequidos. Não se vê nada nem para a direita nem para a esquerda, pelo menos numa zona de exclusão entre dois complexos autofabris. Eat VITEX, Your Energetic Pills, clama um cartaz num muro à direita, lá muito ao longe. Jouets Croquemitaine, diz outro cartaz, quase ilegível, no muro da esquerda. Das pastilhas VITEX já ouvi falar. Desconheço em absoluto o que seja um brinquedo Croquemitaine. ...acabei de atravessar uma zona de conflito. Aqui, mesmo, a meio do corredor, duas autofabs entraram em colisão, talvez em busca de um qualquer lebensraum, neste espaço já de si saturado da ilha de Lampedusa. Lutaram, lutaram e lutaram, até que lhes cortámos os cabos submarinos e bombardeámos do ar as Torres Tesla. Sem energia, reduziram-se a pilhas e pilhas de cilindros Matrizes engalfinhados uns nos outros. Mera sucata. Coladas aos cilindros ainda se podem ver restos decepados dos fieis aracnóides que alegremente se extinguiram em fraternal combate. Ora aqui está, para minha desgraça, uma pilha quase intransponível que eu vou ser obrigado a escalar. Perco preciosos minutos a fazer frente a toda esta ferragem, mas não tenho outra solução...O Poço está do outro lado. O Poço do Avatar do Rei Trovão. A meta escolhida pelos meus superiores.
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...dez minutos de actividade até que se esgote o óleo da caldeira. Apenas e tão só. Dez minutos até que o fio de memorex deixe de rodar. Scheisse! Na minha frente o Poço. Enfim. Duzentos metros de negro abismo, sempre a descer. O Poço que os técnicos do Kaiser fotografaram do ar. Uma espécie de vazadouro imenso, em forma de cilindro, com rampas de acesso de ambos os lados. Só me resta escolher uma das rampas, fazer figas para que esta consiga sustentar todo o peso do meu corpo, e começar o mergulho. Ergo a cabeça na direcção de um céu que nunca mais verei. Quero chorar, mas não posso. Este é o meu destino, esta é a minha sombria glória. Oito minutos e aqui vamos nós. ....desço. A rampa em espiral possui um declive suave. Boa para a passagem de contentores. As paredes do Poço estão cheias de nichos. Todos eles com um metro cúbico de extensão. No interior, pacotes. Nos pacotes, a imagem de uma fábrica. De uma micro-fábrica, mein Gott. Pacotes que contem fábricas em miniatura. Fábricas operacionais que, quando ligadas à corrente, vão ser capazes de produzir outras fábricas. Maiores ou menores, quem sabe? Um mito urbano tornado real. É isto que a Grosse Germânia almejava mais do que tudo. Foi por isto que ela sacrificou todos os meus duplos para que eu pudesse ter uma passagem segura até aqui. Um espólio tremendo. Uma mais valia para a fatherland! ...cinco minutos e a contar... Já não vejo a sombra do céu a pulsar lá no alto, na boca do Poço. Aqui, nesta rampa que desce e desce, só há um lusco-fusco pálido alimentado por uns quantos veios luminescentes que sobreviveram à hecatombe autofabril. Os pacotes incrustados nos nichos são aos milhares. O piso da rampa tornou-se mais escorregadio e lamacento. Água das chuvas e das canalizações rebentadas pinga lá do alto. Não se ouve mais nada além deste gotejar e do som das minhas botas metálicas. ...ao fundo. Dois minutos de actividade. Seguro a bandeira na pinça direita. Ligo o rádiosinal que identifica a tomada de posse legalizada pelos acordes de Genéve. Pronto. O conteúdo do Poço é meu. Ou seja, da Grosse Germânia...Resta-me... ...mas há qualquer coisa imensa mesmo ao centro do Poço. Sentada num Trono feito de metal. Qualquer coisa munida de muitos braços e apêndices locomotores. Na cabeça cónica fulge um anel de olhos vermelhos. Qualquer coisa que ainda não morreu. Qualquer coisa que a minha presença despertou. Qualquer coisa que se desliga dos cabos que ora a alimentavam e começa a pôr-se de pé. A criatura feita de metal, de cerâmica, de vidro, ergue um dedo na minha direcção. Um dedo que é uma garra, uma pinça, uma lança.
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Céus, é um Avatar do Rei Trovão. O monstro da lenda. O meu Croquemitaine! Algo que eu julgava extinto. Um monstro que grita, e cuja voz ressoa nas paredes repletas do Poço. QUEM ÉS TU, QUE TE ATREVES A PROFANAR O TERRITÓRIO DAQUELES QUE SÃO LEGIÃO? E eu, cujo corpo não é mais do que um décimo do corpo monstruoso que se ergue à minha frente, eu, a quem apenas resta um minuto de actividade gnóstica, saco da espada extensível que transporto ao cinto. Sou Siegfried perante o Dragão. Grito: QUERO O TEU SANGUE. QUERO VIVER PARA SEMPRE! Ataco. Invisto. Disparo. ...cinco segundos. Dois. Um. Nada. Saibam vossas senhorias que o tanque Mak-34 foi encontrado debaixo de uma camada de entulho de várias toneladas, pela nossa equipa de “engenheiros de ruínas”. O mecha encontrava-se abraçado a um desses ridículos Avatares que costumam aparecer retratados nos folhetins e nas óperas de três vinténs. Melhor seria dizer que foi esmagado, por este poderoso amplexo, quase cortado em dois. O Avatar, esse, tinha uma espada extensível cravada mesmo no centro do cogitador. Ambos devem ter cessado funções quase ao mesmo tempo. Quanto ao conteúdo do Poço, ou seja, os pacotes que alegadamente guardariam os modelos das mini-fábricas, não encontrámos um único. Sinal que a Grosse Germânia, a acreditar no relato inscrito no fio de memorex, está agora, trinta anos passados, na posse de um sem número de armas de destruição maciça. Em boa verdade, eu não passo de um humilde técnico que se limita a transmitir o presente relatório às devidas autoridades. Não tenho voto na matéria. Mas qualquer coisa deveria ser feita, julgo eu. Providências tomadas. Miguel Silveira, técnico de autognose e cogitação, da corveta de Sua Alteza Real, Don Miguel I. 20 de Outubro de 1960
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Créditos
Capa: Sofia Romualdo e Joana Maltez, baseada na obra Wanderer above the Sea of Fog (1818) de Caspar David Friedrich. Editorial: Clockwork Portugal. Efemérides: Joana Neto Lima Horóscopo: Sofia Romualdo. Imagens: Wikimedia Commons. O que é o Steampunk?: Joana Neto Lima, André Nóbrega e Sofia Romualdo. Ilustrações: Nuno Mendes. Décimo Nono Teste de Competência Robótica: Débora Fortunato Moreira Carta de um Leitor Anónimo: André Nóbrega O Vapor do Chique: Rogério Ribeiro O Duelo que Não Aconteceu: João Ventura Dicas para Donas de Casa de Madame C.: Cláudia Sérgio Sopa de Letras: Cátia Marques Palavras Cruzadas: Sofia Romualdo e Joana Neto Lima Insólito Crime nas Margens do Tejo: Pedro Ferreira Explosão da Fundição de Sinos: Manuel Alves
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Portugal e o Mundo Interior: Joel Puga Um Dia na Vida do Intrépido Teófilo: Carlos Silva 45ª Demonstração pública anual da Academia Real de Ciências: Pedro Cipriano Este Nosso Vasto Mundo: João Ventura O Vapor e a Electricidade: João Ventura Obituário do Barão das Antas: A.M.P. Rodriguez Entrevista com Cherie Priest e Gail Carriger: Joana Neto Lima Entrevista com Meljean Brook: Sofia Romualdo Lista de Leituras: Sofia Romualdo Crítica Literária de “O Intrépido Teófilo nas Ruínas do Cairo”: Carlos Silva Sinopse de “Lisboa Electropunk”: Sofia Romualdo Sinopse de “O Intrépido Teófilo no Rio Amazonas”: Carlos Silva Coração Atómico: Manuel Alves Colombo: Carla Ribeiro O Saque de Lampedusa: João Barreiros Anúncios: Abelhas Mecânicas: Sofia Romualdo. Ilustração de Nuno Mendes. Petrol Cyclo: Anton Stark Armas: Manuel Alves Elixir Milagroso: Carlos Silva Engraxadora: Carlos Silva OneiroCâmara: Sofia Romualdo
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Poção Hércules: Manuel Alves Taurum Mágico: Pedro Ferreira. Ilustração de Sérgio Sebastião. Termas Vaporosas: João Ventura Elfic Wear: Sofia Romualdo EuEdito: Sofia Romualdo Koollook: Sofia Romualdo Revista Lusitânia: Carlos Silva Musa de Inspiração: Sofia Romualdo Nanozine: Sofia Romualdo Revista Trëma: Rogério Ribeiro Fórum Fantástico: Sofia Romualdo Revista Bang!: Sofia Romualdo Fotografias: US Library of Congress (Public Domain). Excepto: Fotografia de “Insólito Crime nas Margens do Tejo” – Primeiras instalações da Metalúrgica Duarte Ferreira, Tramagal, 1910, fotógrafo desconhecido (com a autorização dos herdeiros para uso fictício).
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Agradecimentos
A equipa da ClockWork Portugal, formada por André Nóbrega, Joana Neto Lima, Sofia Romualdo e Rogério Ribeiro, gostaria de agradecer a diversas pessoas por terem ajudado a tornar este almanaque uma realidade: À Joana Maltez, provavelmente a designer mais extraordinária do Universo, sem a qual este Almanaque seria bastante menos agradável à vista; À Cherie Priest, por gentilmente ter acedido a conceder-nos uma entrevista e pelo shout out à Comunidade Steampunk portuguesa; À Gail Carriger, pelo desafio de encontrar perguntas verdadeiramente originais e pela gentileza de ter acedido a conceder-nos uma entrevista carregada de humor; À Meljean Brook, pela criação do mundo de The Iron Seas e por ter acedido de forma tão gentil a conceder-nos uma pequena entrevista recheada de deliciosos detalhes. A K.W. Jeter por, em tom de desafio, ter dado origem ao termo steampunk; A todos os que contribuíram para a construção deste Almanaque com as suas submissões, mesmo aqueles cujos textos não foram incluídos, pelo interesse no nosso projecto e pela coragem de enviar os trabalhos; Às editoras Saída de Emergência, Vogais e Presença, por terem apoiado a Clockwork Portugal; Ao Daniel Oliveira, por ter acreditado no nosso projecto e possibilitado a realização da EuroSteamCon no Porto.
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