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BORDO LIVRE REVISTA DO CLUBE DE OFICIAIS DA MARINHA MERCANTE

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JANEIRO/FEVEREIRO2018


Almoço de Natal Grupo de camaradas do COMM Norte, liderado pelo colega António Silva Ferreira, coadjuvado pelo nosso camarada

Rui Limas. Eles vão mensalmente, todas as penúltimas Sextas-feiras, organizando um almoço de convívio entre colegas, principalmente os que estão baseados no Norte. Geralmente estes almoços têm lugar no Restaurante Marisqueira Mauri-tânia, em Leça. Ficam desde já todos convidados a comparecer, basta a inscrição prévia através do mail: comm.norte@gmail.com


EDITORIAL

COMM – ALFAMA – FADO

JORGE RIBEIRO

O que é que um Clube de Oficiais da Marinha Mercante tem a ver com o FADO? Tudo! O Fado, esse Património Mundial, ou melhor, Património Imaterial da Humanidade, como lhe queiram chamar, é sem dúvida um enorme orgulho para todos nós Portugueses. Também a Marinha chamada Mercante é Mundial, Universal, tanto que dificilmente se discutiria hoje a chamada “Globalização” sem que aquela existisse anteriormente. A nossa, a Portuguesa, também ela já foi Global em tempos não muito distantes. Agora, agora mesmo, podemos simplesmente considerá-la local, praticamente residual. Este é na realidade o nosso FADO, o outro, o tal que é Património Universal, esse felizmente está florescente, o bairro de Alfama está aí para o testemunhar, em cada esquina se houve uma voz fadista. Então e não é precisamente no mais castiço bairro de Lisboa que o nosso COMM se insere? Cada vez mais bonito e também mais fadista? É que também nós insistimos em nos mantermos na

moda, que o digam as mais de cinco dezenas de colegas, familiares e amigos que no passado dia 23 de Janeiro fizeram questão de marcar presença na nossa Sede, alguns infelizmente já não conseguiram inscrição atempada que lhes garantiria um lugar nesta grandiosa noite de belas vozes e ótimos músicos. O jantar à medida do acontecimento estava ótimo. Parabéns ao “Chef” Roque, nosso cozinheiro. Os conhecimentos e a experiência na matéria ainda foram adquiridos nos tempos em que a tal Marinha Mercante Portuguesa era Universal. Todos nós temos tido o privilégio de usufruir dessas maisvalias nestes últimos meses em que ele tem “embarcado” connosco. A Direção do COMM pretende organizar mais eventos como este, não só com fados mas também com outras animações de interesse geral e que, no mínimo, sirvam de desculpa para fazer com que os nossos camaradas deixem as pantufas e o sofá lá de casa para mais tarde. Estejam atentos, em breve voltaremos a “atacar”.


SUMÁRIO

JANEIRO/FEVEREIRO 2018

3 6 10 12 14 18 20 22

Editorial

Jorge Ribeiro

Gwadar e Chabahar António Costa

Notícias Quadrangulanzeiros António Ferreira Lobo

Sabedoria do Mar Alberto Fontes

O Naufrágio do São Jorge (2 de 2) Manuel Martins

João Pereira Ramalheira 1898-1964 Ana Maria Lopes

Os Jovens e o Mar Bárbara Chitas

DIRETOR

Lino Cardoso

COLABORARAM NESTE NÚMERO

Jorge Ribeiro, António Costa, António Lobo, Alberto Fontes, Manuel Martins, Ana Maria Lopes e Bárbara Chitas

OS TEXTOS ASSINADOS SÃO DA RESPONSABILIDADE DOS SEUS AUTORES

COMPOSIÇÃO Mapa das Ideias TIRAGEM 1000 exemplares PERIODICIDADE Bimestral REG PUBL 117898 DEPÓSITO LEGAL 84303 CORREIO EDITORIAL Despacho eDE00512018RL/CCSuu

PROPRIETÁRIO/EDITOR

Clube de Oficiais da Marinha Mercante Trav S João da Praça, 21. 1100-522 Lisboa Tel (+351) 218880781. www.comm-pt.org secretaria.comm@gmail.com N/M Monte Brasil

CAPA

©Lino Cardoso

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA AOS SÓCIOS DO CLUBE DE OFICIAIS DA MARINHA MERCANTE

A REVISTA ESTÁ DISPONÍVEL ONLINE para leitura, duma forma fácil e intuitiva em http://issuu.com/clubeoficiaismarinhamercante/docs/bl144

HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO DA SEDE DO COMM 2.ª, 3.ª, 5.ª, 6.ªF - das 15h00 às 18h00 | 4.ªF - das 15h00 às 21h00

A SEDE DO CLUBE DISPÕE DE LIGAÇÃO PAGAMENTO DE COTAS: NIB 001000006142452000137

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GWADAR E CHABAHAR

GEOGRAFICAMENTE PERTO, ESTRATEGICAMENTE LONGE!

ANTÓNIO COSTA Localização

GWADAR E CHABAHAR: A DISPUTA PELO ÍNDICO Localizados a apenas 72 km de distância – ambos perto do Estreito de Hormuz1 – Gwadar no Paquistão e Chabahar no Irão, não são apenas dois portos, são rampas de lançamento de geopolíticas que podem alterar o equilíbrio estratégico na região. O porto de Gwadar permite que a China tenha acesso ao Oceano Índico e, daí, monitorizar a actividade naval norte-americana e indiana no Golfo Pérsico e no Mar Arábico, ao mesmo tempo que o seu “parceiro” Paquistão pode controlar as rotas da energia, a partir daí. Por outro lado, o porto de Chabahar, no Irão, é o trunfo da Índia e a sua porta de entrada para o Afeganistão, Ásia Central, Rússia e mais além. De Chabahar a Índia 1. Por onde passa um fluxo petrolífero oriundo desta região que é responsável 60 por cento das necessidades energéticas da China.

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monitorizará as actividades navais paquistanesas e chinesas na região do Oceano Índico e do Golfo. Em visita recente, o presidente chinês Xi Jinping apadrinhou 46 mil milhões de dólares americanos em projectos de infraestrutura e energia no Paquistão. A ênfase dada permitiu fortalecer o CPEC do Corredor Económico China-Paquistão entre o porto paquistanês de Gwadar e a região chinesa de Xinjiang, que é parte integrante dos programas chineses “one belt, one road” 2 e da Rota 2. A iniciativa “Belt and Road” (também conhecida como OBOR – “One Belt, One Road”) tem duas vertentes e que a perspectiva da «Road» está focada na ligação marítima – a tal Nova Rota Marítima da Seda – e a «Belt» na componente de ligações terrestres, algo que já está colocado em prática com ligações directas de comboio entre regiões centrais da China e outros países asiáticos e a Europa.


Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul

da Seda Marítima. O governo e os bancos chineses (Banco Industrial e Comercial da China Ltd e o Banco de Desen-volvimento da China) irão disponibilizar fundos às empresas chinesas que vão investir nos projectos – estando entre elas as China Power International Development Ltd, Three Gorges Corp, ICBC Corporation, Zonergy Corporation e Huaneng Group. O presidente chinês ligou os investimentos à segurança dos activos e trabalhadores chineses, uma vez que os projectos envolvem ferrovias, oleodutos e estradas que Irão atravessar áreas que são potencialmente reduto de grupos militantes, no Baluchistão. Um outro evento, particularmente significativo para a região, foi a assinatura do MOU entre os governos do Irão e da Índia para o desenvolvimento do porto de Chabahar. O projecto aumentará as rela-

A 72 km do Estreito de Hormuz, os dois portos são rampas de lançamento geopolíticas que podem alterar o equilíbrio estratégico na região. ções comerciais entre os dois países. Do lado indiano a concretização de investimento de cerca de 85 milhões de dólares americanos na construção de terminais de contentores e multiuso. Em virtude da sua localização geográfica – Paquistão e Irão, na região do Mar Cáspio, fornecem as rotas

mais curtas para os portos do Mar Arábico, pelo que estamos perante o motivo (necessário e suficiente) para que os dois países desenvolvam portos e infra-estruturas que os conectem à Região da Ásia Central (CAR). Algum tempo depois foi rubricado um acordo tripartido de comércio e trânsito entre a Índia, Irão e Afeganistão que prevê Chabahar como rota alternativa ao trânsito pelo Paquistão (porto de Gwadar), no que se convencionou chamar de Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul (INSTC). Coincidência, ou talvez não, segundo a história, Alexandre o Grande, 2500 anos atrás, seguiu aproximadamente o Corredor Económico China-Paquistão (CPEC), no Indostão, antes de marchar para o ocidente ao longo da costa até Tiz (mais tarde renomeado Tis), um antigo porto entre Chabahar e Gwadar.

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GWADAR E CHABAHAR

CHINA E ÍNDIA DISPUTAM O ÍNDICO As relações entre a República Islâmica do Afeganistão3 e a República Islâmica do Paquistão4 têm vindo a ser afectadas negativamente por questões relacionadas com os Mujahideen (episódios de terrorismo), os refugiados afegãos, a insurgência talibã e as escaramuças de fronteira. As relações bilaterais entre a República Islâmica do Afeganistão e a República da Índia têm sido, tradicionalmente, fortes e amigáveis. A Índia ajudou, activamente, no derrube do regime tendo-se tornado, em simultâneo, o maior fornecedor regional de ajuda humanitária e da reconstrução do Afeganistão. As relações entre estes dois países receberam um enorme impulso em 2011, com a assinatura de um acordo de parceria estratégica. As relações entre a República da Índia e a República Islâmica do Paquistão têm sido prejudicadas por uma série de questões históricas e políticas (70 anos de ódio entre os dois povos), que resultaram da violenta repartição da Índia Britânica em 1947, e que hoje ainda alimentam a disputa na Caxemira5 e numerosos conflitos militares fronteiriços entre as duas nações.

3. País montanhoso, pobre, rural, sem litoral e altamente dependente de ajuda externa, com um PIB anual por habitante de 280 dólares. 4. Com um PIB anual por habitante de 5.085 dólares, o Paquistão possui reservas minerais de grafite, silício, gesso, carvão, cobre, ferro, manganês e gás natural (na província do Baluchistão). 5. O controlo sobre a região da Caxemira foi causa de duas das três guerras (1948-1949, 1965 e 1971) já travadas entre Índia e Paquistão, desde 1947 -- ano em que se tornaram independentes do Reino Unido.

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Consequentemente, embora as duas nações do Sul da Ásia compartilhem laços históricos, culturais, geográficos e económicos, as relações entre ambos têm sido marcadas por uma grande hostilidade e desconfiança mútua, enraizada nas respectivas propagandas oficiais, livros de história e organização militar e de segurança – ambas potências nucleares. Apesar de convergências importantes em relação a algumas questões globais e até mesmo regionais, a República da Índia e a República Popular da China têm divergências significativas em diversas áreas importantes e estratégicas, tais como questões fronteiriças6, recursos energéticos, facilitação de comércio, entre outros. Mianmar é um exemplo onde dinâmicas simultâneas de cooperação e conflito entre a China e a Índia se sobrepõem. Actualmente, os dois países lançam projectos de investimento em infraestrutura e interessam-se pelo mercado e pela estabilidade política local sendo que, ao mesmo tempo, têm relações obscuras com as insurgências em Mianmar.

Por outro lado, expostos a neces-sidades crescentes em energia, os países em torno do Himalaia – sobretudo a China e a Índia entre as economias emergentes – embarcaram em ambiciosos projectos de barragens hidroeléctricas, causando tensões inevitáveis com os países situados a jusante. O aquecimento climático e o seu impacto sobre o derretimento dos glaciares do Himalaia têm contribuído para a índia surgir como uma grande fonte de atritos com os seus vizinhos. Com a China, a controvérsia só tem aumentado nos últimos anos e concentra-se, praticamente, nos projectos chineses ao longo do Brahmaputra. As duas potências surgem, assim, no centro de um quebra-cabeças “hidropolítico”.

6. A Disputa de fronteira sino-indiana é uma questão de soberania sobre duas vastas áreas de territórios. A oeste, Aksai Chin é reivindicada pela Índia como parte do estado de Jammu e Caxemira, ficando na região de Ladakh, mas é controlada e administrada como parte da região autónoma chinesa de Xinjiang. O outro grande território em disputa, o mais oriental, chama-se Arunachal Pradesh.

No que diz respeito à Índia, 97% do seu comércio internacional é feito através do Oceano Índico, pelo que se compreende que este seja o único país com o potencial económico, militar e político capaz de dominar este Oceano, o qual os estrategos indianos sempre encararam como uma zona de segurança inclusiva, à semelhança do

Apesar de convergências importantes em algumas questões globais, a Índia e a China têm divergências significativas em áreas importantes e estratégicas.


Rota de abastecimento chinesa e desenvolvimento de interesses no sul da Ásia

que as Caraíbas representam para os Estados Unidos e a península coreana para a China. O histórico ressentimento chinês quanto ao desígnios hegemónicos indianos sobre o Índico, por chocarem com as suas ambições de influência regional, são ainda mais acentuados pelo aumento da presença militar norte-americana na região após os atentados de 11 de Setembro de 2001, que na perspectiva de alguns estrategos chineses tende a coarctar os objectivos de segurança, de maior crescimento económico e controlo de fontes energéticas do país.

Adicionalmente o domínio naval de Washington no Golfo Pérsico não deixa de causar sérias preocupações a Pequim, relativamente à possibilidade de o fluxo petrolífero oriundo desta região – e que perfaz, actualmente, 60 por cento das necessidades energéticas da China – poder ser cortado pelos Estados Unidos, em caso de conflito, no Estreito de Taiwan. Uma estratégia comum em rivalidades geopolíticas é acumular alianças, fortalecer posições e contrariar concorrentes. E, claro, a Ásia é rica em rivalidades históricas: Índia e China, Paquistão e Índia, Irão e Paquistão,

Irão e EUA, EUA e China. Dois portos no Mar Arábico, um no Irão e outro no Paquistão, demonstram um concurso emergente para o poder nesta região. A China ajuda o Paquistão com o seu porto de Gwadar, enquanto a Índia ajuda o Irão (e, por via indirecta, o Afeganistão) com o porto de Chabahar. O desenvolvimento envolve linhas ferroviárias, rodovias e outros projectos de construção maciça e sinaliza que os gigantes emergentes da Ásia procuram conexões enquanto resistem ao cerco dos rivais. Continua na próxima edição

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NOTÍCIAS HAPAG-LLOYD PREVÊ AUMENTO NA PROCURA POR TRANSPORTE MARÍTIMO E MAIS FUSÕES PARA 2018

HELSÍNQUIA 2017 Capital Filandesa tornou-se no porto de passageiros com maior movimento registado em 2017. - do blogue Mar e Marinheiros, de António Costa

Em 2017, 11,8 milhões de passageiros de ferry passaram pelo porto. O próximo maior concorrente foi Dover na costa sul da Inglaterra, com 11,7 milhões de passageiros. Em 2017, nove milhões de passageiros navegaram entre as duas capitais, um aumento de 3,2% em relação ao ano anterior. Um novo terminal de passageiros em Helsínquia, e um novo navio Tallink na rota cruzada do Báltico ajudaram a aumentar os números. Em 2017, Helsínquia tornou-se o porto

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O grupo de transporte alemão HapagLloyd prevê que a procura pelo transporte cresça 4 por cento em 2018 e acredita que mais companhias de transporte se venham a fundir este ano. O presidente-executivo do CEO, Rolf

Habben Jansen, também disse que a Hapag-Lloyd, que se fundiu com a árabe UASC, poderá atingir 85 a 90% de poupança anual de exercício, em resultado do negócio de US $ 435 milhões, já este ano, e 100% em relação a 2019. Segundo ele, “o ano de 2018 começou bem, as taxas de frete estão a subir e o tamanho da frota ociosa é inferior”. Habben Jansen estimou o crescimento da procura de transporte em 4% em 2017, em 4,5% para 2018 e em mais de 4% para 2019. O transporte marítimo tem lutado contra o excesso de capacidade, as guerras de preços e as taxas de frete muito abaixo dos níveis de equilíbrio, mas os analistas do sector dizem que o pior pode ter passado. Disse, ainda, que o aumento dos preços do petróleo, tendo, agora, atingido máximos de três anos, estava aumentando o custo dos combustíveis, o que se apresenta como mais um desafio para as empresas de transporte marítimo.

de passageiros mais movimentado da Europa e, possivelmente, do mundo, passando por ele 12,3 milhões de passageiros. O número de passageiros continuou a aumentar na rota Helsinki/Tallinn em particular, reflectindo o resultado da geminação de Helsínquia e Tallinn. O número total de passageiros que embarcou do porto de Helsínquia também aumentou 2,4% em relação ao ano anterior. O número de passageiros do tráfego de passageiros cresceu 1,8%, para 11,8 milhões. Um total de 9 milhões de passageiros viajaram entre Tallinn e Helsínquia, enquanto 2,3 milhões viajaram entre Estocolmo e Helsínquia. Helsínquia também registou 266 visitas de cruzeiros internacionais e respectivos 478 mil passageiros, o que foi um recorde histórico. Os passageiros marítimos representam, anualmente, 805 milhões de euros para a região de Helsínquia e a receita total combinada, gerada pelas operações

relacionadas ao porto, é aproximadamente 1,6 mil milhões euros. O crescimento dos portos Helsínquia pode ser atribuído seguintes razões:

de de de às

O crescente tráfego entre Helsínquia e Tallinn. As companhias de navegação introduziram navios maiores e mais rápidos na rota Helsinki-Tallinn, ao mesmo tempo que aumentaram as suas capacidades para passageiros durante as épocas de maior procura. O Porto de Helsínquia, entretanto, respondeu à procura, aumentando significativamente a capacidade de tráfego com a abertura do novo Terminal.


PROTOCOLO CARTÃO CLIENTE COM ALOJA, LIVRARIAE CAFETARIADO MUSEU DE MARINHA Graças a um protocolo entre as duas instituições, o cartão de sócio do COMM oferece vantagens e promoções exclusivas na Loja, Livraria e Cafetaria do Museu de Marinha, incluindo a www.lojadomuseudemarinha.pt. Para ter acesso, bastará apresentar o cartão de sócio de COMM e preencher uma ficha na Loja. O cartão cliente será ativado na primeira compra, beneficiando o titular das suas vantagens a partir da mesma. As promoções e vantagens exclusivas do Cartão requerem a apresentação do cartão de sócio do COMM.

Vantagens:

a) No catálogo e na lojadomuseudemarinha.pt, os produtos assinalados com uma âncora têm um desconto exclusivo de 20% para os detentores do Cartão Cliente (não acumulável com outros descontos). b) Os membros do COMM usufruem de um desconto exclusivo de 10% em todos os produtos da Loja e Livraria do Museu de Marinha. c) Condições exclusivas em campanhas promocionais a realizar (com aquisição limitada ao stock existente). d) O membro do COMM e acompanhantes têm direito ao Menu Almoço, que inclui sopa, pão,

prato principal, sobremesa, bebida e café, pelo valor especial de 10,00 € (35% desconto). e) Os valores acima descritos são válidos durante o ano de 2018, podendo ser sujeitos a alterações e atualizações de taxas em vigor.

Esperamos que os membros do COMM se sintam muito bem-recebidos no nosso espaço que pertence a todas as Marinhas, partilhando ideias e dando sugestões para a constante melhoria dos produtos e dos serviços. Até breve!


QUADRANGULANZEIROS A banda dos Quadrazais, bem dito, talvez, banda do caos, ficou famosa à data em que proporcionava um genérico radiofónico ao Rádio Clube Português. A graça e o sucesso vinhamlhe da desafinação que as notas (com) fusas e semifusas emprestavam às suas partituras musicais.

ANTÓNIO F. LOBO

Em gesto de homenagem, não fora eu envergonhado, sugeriria a António Macedo a inclusão desta banda nas “músicas da minha vida”, ou outras ondas que se escapem regularmente da Antena 1. Com isto quis tão só desfazer qualquer atropelo que o título em epígrafe pudesse fazer à referida banda, ou a mesma banda apagar, por truques de parafonia, o lampião desta crónica. Esta acrobacia de palavras, pretende ir ao encontro do desenho melódico desse agrupamento musical.

É nesta Torres Veteres que a família Pinto se perde na contagem implacável da clepsidra

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Confesso que sei que o prefácio que acabo de escrever é um drible que faço ao leitor, apostando na narrativa de suspense até ao derradeiro ponto final. Não falta presunção, claro, com alguma água benta à mistura; tudo o mais é aventura pós Babel. Àqueles que tenham dúvidas de que a época de oiro do cinema português anda às costas de Maria Matos, António Silva, Maria Neves, Vasco Santana, Milú, Ribeirinho, Laura Alves, Barroso Lopes, Teresa Cabral, Fernando Ribeiro, aconselho-os ver ou rever: “O Pátio das Cantigas” ou “O Costa de O Castelo”, entre outros, recorrentemente passados nos nossos canais televisivos.

Atrevo-me a dizer que caberão no buraco de uma agulha os consumidores compulsivos do pequeno ecrã, que não tenham gravada na retina a cena em que Simplício Costa: O Costa De O Castelo (António Silva), traz para casa um rádio acabado de comprar e demonstra, explicando à curiosidade dos comensais dessa residência nas imediações do Castelo de S. Jorge (na costa do qual, olhando o poente, ficava uma Pensão, não recordo o nome, que me acolheu algumas vezes), como funciona e o porquê de emitir aqueles esquisitos ruídos. Alguém da casa pergunta: “E isto toca?” “Se toca! Liga-se à parede e é uma torneira a deitar música!” Todas as cidades, vilas ou mesmo aldeias, terão os seus heróis, os seus vilões, os bons, os menos bons e os maus, de estatística grosseiramente proporcional à grandeza do seu universo; muito mais de condicionalismos ou “life events” do que fatalidade genética. Preto no branco: quem nasce torto ou mau, terá que virar as entranhas do avesso à procura de torno que o endireite. Sussurramme que neste bouquet de recordações, não há torpeza, nem gente reles: augura-se um fim feliz. Torres Vedras, famosa por ser sede do maior município do Distrito de Lisboa, pelas suas gentes, pela riqueza monumental, pela gastronomia e pelo carnaval, entre outros atractivos, está, como as demais urbes, inexoravelmente marcada por vicissitudes antropológicas e, bem longe de albergar o homem vitruviano.


É nesta Turres Veteres que a família Pinto se perde na contagem implacável da clepsidra. Essa temporalidade que o vento leva, empurrado pela nortada que descola da Praia de Santa Cruz vindo do mar. Esse tempo de memória e saudade, que se esfuma sempre que venta de sudoeste a favor da superfície frontal, fazendo-se anunciar no Casal do Ulmeiro, por assobio de cobra. Aí, no Ulmeiro, ainda canta galo; um catavento encimado pelo ex-libris de Barcelos, indiferente ao ruído “sonotone”, produzido por geradores eólicos. À sombra desse negrilho ou olmo (como cá se chama) sobrevive a pá Narvik que algum lapão, na procura dos alísios, terá confiado à hospitalidade dos Bastos. Por acreditar no que poderíamos chamar de instinto e distinto acto conservador, da parte de António Bastos, de orelha à escuta do eco de passos perdidos. A referência onomástica que aqui faz ninho, tem sido fiel ao mesmo cesto em que sempre pusera os ovos, continuando arreigada ao mesmo comércio, de geração em geração, na referida cidade do Distrito de Lisboa. Dirijo, desta feita em tom familiar, a pergunta ao meu sabido amigo Toninho Bastos: Torres Vedras deriva do latim, dos Godos, ou também bebe do léxico Turco? Tema para dissecar no poço do Tana, ao sabor do Atlântico: fica em agenda. Com o intuito sábio de não deixar cair o queixo aos clientes, o marketing, outrora propaganda, da actividade comercial dos Pintos poderia recorrer a metáforas, ideias ou expressões lustrosas como as que aleatoriamente dão aqui a cara: “Plano Poupança Reforma (PPR). Face às dificuldades de financiamento da Segurança Social e à possível redução de reforma num futuro próximo, comece desde já a poupar de forma gradual e com o mínimo de sacrifício pessoal para que possa salvaguardar o dia de amanhã”.

Ou: “Sabia que a sua profissão pode dar descontos no seu seguro Automóvel?”. Sendo este anuncio, acreditando na investigação jornalística, o gongo de marketing utilizado por um dos pintos, que lembra: “O aumento da esperança média de vida, a baixa taxa de natalidade e a insuficiência das contribuições para a Segurança Social, porão fim, tudo indica, ao breve sonho de um Estado Providência, capaz de garantir uma aposentação condigna”. Também se pode ler em vertente bloguista: “Desde 29 de Fevereiro que a Pintos Corretores/Seguros está ao vosso dispor nas novas instalações de Torres Vedras. Poderá assim contar com um novo espaço mais funcional e melhor acessibilidade. O novo escritório fica localizado em local central da cidade, representando mais um passo em busca da “Qualidade superior”.”Pintos Corretores/Seguros. Desde 1945”. Considerandos à parte, a drogaria fora sempre o ramo do clã, até que a concorrência dos dias de hoje trouxe tal insegurança e insustentabilidade ao negócio, que aleijou irremediavelmente as vendas multiuso que praticava, e obrigou a procurar pouso em novo galho empresarial, como dito antes: Seguros. Sem dúvida, que a aposta estava temperada com olho de pássaro e faro canino em temática muito mais apelativa ao consumo porque imprescindível, qual mal necessário, a um (des)protegido ser humano. Sem trade mark preferida, representação exclusiva, ou patente pessoal, foram agentes de tudo e de nada. E ainda lhes sobrava tempo para alguma prática filantrópica, procurando apoiar os pacóvios e fraca roupetas nas suas iliteracias e demais dificuldades socioculturais. Aconselhavam e refrescavam o espírito dos clientes com as últimas novidades do desporto, da ciência, da moda e da política.

Bártolo Tristão acabara de entrar na drogaria “Pinto”, à baixa Torriense. Cumprimentou o dono que se barricava atrás do comprido balcão de madeira, com solução de continuidade a uma das extremidades, ao estilo de ponte levadiça, para passagem do pessoal da casa. Foi desfiando pedidos deste e daquele produto, deste e daquele material, até arrebanhar toda a listagem que tinha na cabeça, à mistura com pareceres sobre as últimas jornadas do Sport Clube União Torriense. Enquanto escolhia e conferia a mercadoria, algumas lâmpadas à mistura, foi ouvindo os mais variados comentários e conselhos de Pinto, entre uma bicada e outra… aqui e ali… a este e aquele… a isto e aquilo… como o mundo está mudado… se soubesse o que sei hoje… se fosse mais novo…, um não acabar de ideias que brotavam na justa medida do tempo em que o cliente o ocupava. Pagou a conta, agradeceu todos os ensinamentos prodigalizados, apertou a mão ao comerciante e, já com um pé na rua em pose queime, voltou a entrar. A curiosidade e a ansiedade davam-lhe um ar de detective a lançar a última pergunta do interrogatório, tendo nesse trejeito perguntado: “Sr. Pinto, afinal que vem a ser isso da electricidade?” Estávamos nos alvores do séc. XX. “Bom, Bártolo” - disse Pinto Remédios, acometido à hora certa, no lugar certo, por invejável dose de inteligência emocional, aspergindo bonomia em atitude empática para as angústias e ansiedade próprias de quem a iliteracia sempre bateu à porta, mas com fome de saber- “bom, electricidade é uma espécie de diabanzos que vêm pelos quadrangulanzeiros e, quando chegam à lâmpada fazem” - exemplificando com um estalar de dedos- “pif-páf óh claréquesse!”

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SABEDORIA DO MAR

HOMENS PARA O MAR OU HOMENS DO MAR

ALBERTO FONTES

Com este espírito nos propomos escrever sobre pessoas que pelas mais diversas formas amam o Mar

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Cedo nos moveu a loucura de caminhar sobre o mar. Somos vistos, pelos outros, como um povo com a missão de abrir caminhos, reduzir distâncias, aproximar povos e culturas. Mas afinal que Mar é esse, cujas brisas ouviram as nossas confidências e nos levou para a aventura ? O corpo do marinheiro é por análise, àgua em setenta e cinco por cento e vivemos num planeta que só tem vinte e nove por cento fora de água. Passamos parte da nossa vida activa em navios com espaços confinados, numa vivência repleta de surpresas e confrontados com perigos que estimulam a camaradagem. Esta situação pode até 2100 ser muito alterada, pois segundo um artigo publicado no The Guardian, o aumento de três graus centígrados da temperatura global, provocará a subida do nível da água do mar, inundando cidades como Osaka no Japão, Alexandria no Egípto, Xangai na China ou Jacarta na Indonésia. Com esta perspectiva futura, ficamos impressionados por homens que sozinhos, continuam a enfrentam o mar profundo, ignorando do que esse mesmo mar é capaz. Tudo ali pode ser imprevisível e inesperado. Enfrentar o mar é acima de tudo um acto de coragem e de enorme responsabilidade perante a vida. Por tudo isto o mar nos chamou para um diálogo de amor. É com este espírito que nos propomos escrever sobre pessoas que pelas mais diversas formas, amam o Mar. Numa altura em que se parte do principio de que, decorridos cinco anos

irão envelhecer os conhecimentos adquiridos na escola e no decurso da formação profissional, corremos o risco de perdermos de vista quem muito nos impressionou e influenciou ao longo da vida. Conheci o Luis Miguel Correia anos antes dele começar a editar livros em 1988, numa consequência lógica de ser um fotografo compulsivo deste fascinante mundo dos navios e um ouvinte atento junto dos homens do mar. Passeante errante pelos cais, fixa discretamente nas suas fotos, sempre no objectivo de deixar para o futuro, a possibilidade de estudar o passado dos navios e do Mar . Nasceu em Lisboa em 1956 e bastante cedo cultivou a paixão pelo mundo marítimo, colecionando os cartões-postais de navios que os armadores produziam para distribuir aos seus inumeros passageiros. Com dezoito anos tornou-se jornalista da Revista de Marinha publicando artigos e fotografias que acompanharam todas as transformações porque foram passando as Marinhas. Dedicou-se a uma investigação sistemática da história da Marinha Mercante portuguesa desde a introdução do primeiro navio a vapor, em 1820, ao mesmo tempo que as questões ligadas à Marinha de Comércio têm constituido a sua área de trabalho. Fui ao longo dos anos encontrando o Luis Miguel Correia quer quando eu tripulava navios, quer já comigo em vários armadores com responsabilidades de terra. Sempre procurava noticias para as suas multiplas actividades que a partir de 1995 se estenderam aos livros publicados pela editora EIN - Edições e Iniciativas


Náuticas. Todo o trabalho realizado denota rigor na investigação histórica que complementa sempre com fotos da sua actividade fotográfica marítima intensa, iniciada em 1975, a qual integra actualmente mais de 400.000 originais. Possui um acervo considerável de cartões-postais com fotos magníficas de navios. Cultiva as amizades, sendo visita de importantes armadores internacionais que reconhecem nele valor, competência e rigor no seu trabalho. É frequentemente solicitada a sua colaboração histórica e ou fotográfica para edições, em já mais de sessenta livros estrangeiros, possuindo inúmeros artigos publicados nos Estados Unidos da América, em Inglaterra, Portugal e Suécia. Tem proferido palestras em Inglaterra e Portugal, tal como a bordo em viagens de navios de cruzeiro. São ainda hoje notadas as fotos que tirou no Porto de Lisboa, aos três paquetes da Cunard Line, que no mesmo dia aqui fizeram escala, o Queen Mary 2, o Queen Victoria e o Queen Elizabeth ou no Porto de Aveiro quando fotografou juntos, numa ocasião única até agora, o Santa Maria Manuela. o Creoula e o Argus. Dos seus livros publicados, alguns com edições esgotadas, salientamos : PILOTAGEM Servir a Navegação e os Portos (1988); PAQUETES PORTUGUESES (1992); CACILHEIROS (1996); CAIS E NAVIOS DE LISBOA (1996); SOPONATA 1947-1997 (1997); CREOULA de novo na Terra Nova (1998); RINAVE 1973-1998 (1998); SS CANBERRA of 1961 (1997); SS ROTTERDAM of 1959 (1997); RMS QUEEN ELIZABETH 2 of 1969 (1999,2001); SS FRANCE of 1962 / SS NORWAY of 1979 (2002); N.M. LOBO MARINHO of 2003 (2004); De Lisboa à Outra Banda – Histórias de Vapores Cacilheiros e Catamarãs do Tejo; LISBOA na ROTA do MUNDO - Paquetes de Lisboa; N/M CORVO de 2007 (2007); EMPRESA DE NAVEGAÇÃO MADEIRENSE de 1907 – 2007 (2007); PAQUETES DOS AÇORES (2008).

Luis Miguel Correia veio ao auditorio da sede do COMM, fazer uma interessante palestra sobre a história do paquete FUNCHAL, trazendo nas palavras e no olhar a tristeza que lhe vai na alma, pelo que não fazem em prol da Marinha de Comércio em Portugal. Foi meu convidado para uma AULA ABERTA na Escola Superior Náutica Infante Dom Henrique, onde perante uma plateia cheia de alunos, deu conta de como é importante imortalizar o património ligado ao mar. Relevo ainda a colaboração que presta na organização expositiva, da sala da Marinha Mercante no Museu da Marinha em Lisboa. Sempre contei com a sua generosidade para a cobertura fotográfica da Regata

Escola Náutica que o COMM organizou para embarcações cruzeiro no Rio Tejo. Mantém activo o Blogue SHIPS & THE SEAS – dos Navios e do Mar onde coloca acima de tudo velhas questões mas, com um desejo enorme de virado para o futuro procurar soluções para os armadores e para os Homens preparados para o Mar. Longas e fascinantes são sempre as nossas conversas quando nos encontramos a falar do mar e da vida de quem nele trabalha. Como navegador e homem que ama o mar que sou, o Luis Miguel Correia só pode merecer a minha profunda gratidão pelo que já fez e pelo que ainda vai fazer no futuro, em prol da cultura marítima em Portugal.

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Lançamento: Apresentação do Livro

O Estaleiro Naval

com a presença do autor João Celorico da Rocha... Existiu!

Promotor do evento: Clube de Oficiais da Marinha Mercante Data: 9 de março 2018 pelas 18 horas Local: Loja do Museu de Marinha, Praça do Império, Belém, Lisboa Confirmação de presença por e-mail para Fátima Lopes: secretaria.comm@gmail.com

Rectificação:

O livro Naufrágios no «Mar de Viana» pode ser solicitado ao Centro de Estudos Regionais: livraria@cer.pt O livro, apresentado no último número da nossa revista, é o terceiro do Cte. Manuel de Oliveira, onde este apresenta a análise de mais de 240 naufrágios desde meados do século XIX até aos nossos dias.


GRANDE FOI A NOSSA NOITE DE FADOS NO DIA 23 DE FEVEREIRO!


O NAUFRÁGIO DO SÃO JORGE PARTE 2 DE 2

MANUEL MARTINS

Jangada a flutuar insuflada.

À nossa volta ficou tudo escuro como breu, só o marulhar das ondas por companhia

As labaredas eram enormes, negras e cinzentas, o fumo denso e matizado de cores ocre, o mar estava coalhado de botes vazios uns outros voltados, à deriva. Uma explosão seguida de outra quase imediata ecoou no silêncio sepulcral daquela noite fria e tenebrosa. O navio abriu pela popa projetando labaredas e tábuas incendiadas que caíam na água provocando um ruído aterrador. Em poucos minutos o navio ergueu a proa para o céu como que a pedir misericórdia e afundou-se num ápice. À nossa volta ficou tudo escuro como breu, só o marulhar das ondas por companhia. A bordo da jangada o cheiro era nauseabundo. Um cheiro a vomitado impestava o ambiente. Um energúmeno, em pé, no meio da jangada, de navalha aberta, apregoava que já tinha sido náufrago do Brites1. Ordenei-lhe que fechasse a navalha para não por 1. Brites - Lugre de 4 mastros que naufragou nos bancos da Terra Nova.

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em perigo a vida de todos quantos estavam ali. Se ele caísse e furasse a jangada íamos todos para o fundo. «Basofiando» não acatou a ordem. Combalido ainda da pancada e meio enjoado pelo balanço próprio de um meio elástico ao qual não estava habituado, ainda arranjei energias para lhe desferir um murro que o atordoou e pôs a dormir para não nos incomodar por algum tempo. Era necessário tomar alguma medida, na expetativa de alguém vir em nosso auxílio. Alimentava a esperança do navio Novos Mares vir em nosso auxílio e providenciei no sentido de estarmos vigilantes e estabeleci um sistema de vigias pela abertura da jangada, atentos a qualquer barulho de motor que pudesse aproximar-se de nós. Dormitava, por efeitos do cansaço e do enjoo (já ultrapassado pela habituação), quando um dos homens de vigia me abanou alertando-me para um barulho que lhe parecia ser de um motor que por vezes se deixava de ouvir. Supus e não me


O navio motor «Novos Mares» a sair de St. John’s em julho de 1974, após o salvamento.

enganei, que era a lancha de aliviar os botes do «Novos Mares» que vinha ao nosso encontro. Quando a lancha estava na crista das ondas ouvia-se perfeitamente, quando caía para a cava deixava de se ouvir. Ordenei então a todos, que tinham os coletes vestidos, para sacarem o apito dos respetivos coletes e começarem a apitar com quanta força tivessem, enquanto eu batia com os pequenos remos um no outro. De vez em quando mandava parar os apitos para escutar o barulho do motor que me parecia estar a dirigir-se na nossa direção parecendo-me mais nítido. Quando se avistou o clarão da pequena embarcação, quase impercetível, devido ao nevoeiro, quase todos se precipitaram para a abertura da jangada tornando eminente esta voltar-se. Tive de dar um berro a pôr ordem e serenar aquela euforia que poderia redundar em tragédia, mesmo à beira do salvamento. Faltava ainda a viagem para o navio «Novos Mares» e a subida pela escada de quebra-costas. Um a um, com muita precaução para não cair ao mar gelado, lá foram subindo para bordo os náufragos da última jangada, aplaudidos pela algazarra dos outros que já se encontravam a bordo, em sinal de regozijo por verem o camarada a seu lado, são e salvo. Fui o último a saltar, não nas melhores condições. Durante o

embarque dos tripulantes da lancha para o navio, o capitão tinha posicionado o navio por forma a fazer socairo2 para o embarque se processar em melhores condições. No momento em que se deu a minha vez de saltar para a escada de quebra-costas, o navio tinha descortinado3 e rolava4 bastante, obrigando a escada a balouçar como um pêndulo, tornando-se difícil embarcar nestas condições. Depois de várias tentativas infrutíferas, atirei-me para a escada agarrando o extremo com a mão esquerda e nesse momento houve um afastamento da lancha em relação ao navio e vice-versa e fiquei suspenso pela mão esquerda que aguentou com o meu peso e o impacto contra o costado do navio, enquanto tentava apanhar com a outra mão o outro lado da escada, o que consegui milagrosamente, no momento em que o navio rolava em sentido contrário e fiquei suspenso no ar até tocar com a ponta dos pés na água gelada no extremo do ângulo do balanço. Naquele momento pensei que não iria resistir e em segundos vejo-me 2. Socairo – Proteger do vento e mar. 3.Descortinar – Mover a proa para um e outro bordo por ação do vento, mar ou corrente e, quando a navegar, por ação do leme ou da hélice. 4. Rolar – dar rolo significa o navio balouçar lateralmente de bombordo a estibordo.

novamente projetado contra o costado do navio dando-se aqui um milagre, uma força extrema e sobrenatural ajudou-me a subir dois degraus e colocar os pés na última travessa da escada de quebra costas. Estava salvo pensei eu. Agora podia vir o balanço que viesse que eu já conseguiria aguentar. Entretanto o capitão já conseguira posicionar o navio de forma ao balanço ser menor e pude subir para bordo mais facilmente e em segurança. No momento em que pousei os pés no convés do navio, respirei fundo e elevei os olhos para o céu, agradecendo a Deus a dádiva de me ter salvo a vida. Estes momentos são inesquecíveis e gratificantes. Seguiu-se o repatriamento de que se encarregou o sr. Ângelo Silva, fretando um avião da Canada Air Pacific, para transportar as tripulações de dois navios, São Jorge e Capitão Ferreira, o navio « fantasma», e mais alguns tripulantes doutros navios que tinham ficado em terra doentes. A chegada ao aeroporto da Portela em Lisboa foi comovente para todos especialmente os que tinham familiares à espera. Não era o meu caso que tive de esperar mais algumas horas até que o autocarro chegasse à minha terra. Foram momentos indescritíveis que cada um viveu nos abraços que estreitaram com os familiares e amigos.

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JOÃO PEREIRA RAMALHEIRA 1898-1964 EXCERTO DO LIVRO TRIBUTO A CAPITÃES DE ÍLHAVO

Bela fotografia do Capitão João Pereira Ramalheira (o Vitorino), de labita e tamancos, a bordo do lugre Gamo, entre 1933 e 38 – um galã, ao leme, pensaríamos. Natural de Ílhavo, é pai do nosso prezado e distinto amigo Capitão Vitorino Paulo Ramalheira, que fez a sua primeira viagem à Terra Nova, com o seu Pai, experiente oficial, no ano de 1951, como terceiro piloto do naviohospital Gil Eannes velho, assim era conhecido.

ANA MARIA LOPES

O livro pode ser adquirido no Museu de Ílhavo ou através da sua loja online

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Quando questionei o amigo Vitorino quanto à vida marítima do Pai, para além da que é mais conhecida, testemunhou-me carinhosamente que o Pai tinha tido uma vida aventureira, que ele próprio admirava, com um espírito destemido e voluntarioso que ele nunca teria conseguido ter. A seu tempo, frequentou as primeiras letras na escola do Convento de Cimo de Vila e depois o Liceu José Estêvão, em Aveiro, até aos 14 anos. Aí tivera alguns problemas escolares passageiros que o fizeram abandonar os estudos e tentar a sorte no Brasil, onde estavam emigrados dois tios maternos. Contra a vontade do Pai, João Pereira Ramalheira Júnior acabou por lá se fixar durante seis anos. Aí tirou o curso de piloto no Rio de Janeiro, atingindo o posto de imediato nos navios do Lloyd Brasileiro, apenas com 19 anos. Acabou por regressar a Portugal, no Verão de 1919, por vontade dos pais, tendo de repetir o curso de pilotagem, em Lisboa, durante o ano de 1920, visto que a carta que possuía do Brasil não tinha validade em Portugal.

Neto de um mestre de cabotagem e filho de um capitão da pesca do bacalhau, curiosamente, todos com o mesmo nome, nada mais natural do que seguir-lhes a profissão. Em 1921, iniciou a sua vida na pesca do bacalhau, de piloto, no patacho Neptuno II, pertencente à Parceria Geral de Pescarias, comandado por Luiz da Cruz (1893-1979), meu vizinho e avô de uma amiga. O tal Neptuno II, de madeira, construído em 1873 em Vila do Conde, armou em patacho e, reconstruído em 1926 por Manuel Maria Bolais Mónica, passou a armar em lugre. João Ramalheira (o Vitorino) embarcou de seguida em navios da Empresa Insulana de Navegação e dos Transportes Marítimos do Estado, tendo, entretanto, completado o curso complementar de pilotagem (capitão). Numa das viagens que fez, atracou ao porto de Filadélfia, acabando por conhecer aí aquela que viria a ser a sua esposa, uma luso-americana, descendente de portugueses que abordou num cocktail oferecido aos oficiais dos navios atracados naquele porto. Residiu em Filadélfia entre 1927 e 28, onde casou, mas no meio de grande crise económica dessa época, viu-se forçado a regressar a Portugal. Na safra de 1929, voltou à pesca do bacalhau no lugre de madeira Argus, o velho Argus, como era conhecido, da Parceria Geral de Pescarias, de piloto, com o Capitão Sílvio Ramalheira. Na campanha de 1930, embarcou de novo, no lugre Neptuno II, da mesma


empresa, de piloto, com o Capitão Horácio Pereira Ramalheira. Na campanha de 1931, voltou a este mesmo navio, agora como capitão (fizeram, então, dez anos, em que se iniciara na pesca do bacalhau), levando, como piloto, Francisco da Silva Paião (o intrépido Capitão Almeida). Na viagem seguinte, em 1932, embarcou de piloto no lugre de madeira Gamo, comandado por Manuel Fernandes Pinto, de alcunha, Bóia. O Cap. João Ramalheira soltou, então, as amarras do lugre Gamo, de novo como capitão, de 1933 a 1938, levando de piloto Hermenegildo Rodrigues do Passo, da Fuzeta, entre os anos de 1936 e 1938. Nas safras de 1939 e 40, saltou para o comando do Creoula, lugre-motor de aço, de todos conhecido, levando como imediato, Armindo Simões Ré e, como piloto, seu Pai, Alexandre Simões Ré (1880-1967) – decano da família dos Rés, com uma vasta prole de homens todos com profissões ligadas ao mar, desde oficiais da Marinha Mercante a ajudante de motorista. Numa nova «emposta», comandou, de 1941 a 1943, o esbelto lugre Argus, o de aço, construído para a mesma empresa, na Holanda, em 1939, com os mesmos oficiais Armindo Simões Ré (imediato) e, seu Pai, Alexandre Simões Ré (piloto). Em 1944, o Capitão João Ramalheira abandonou a pesca e foi para a Marinha de Comércio, onde exerceu o posto de imediato, no navio Sete Cidades, da Companhia de Navegação Carregadores Açorianos, com o capitão José Narciso Marques. No final do ano e devido ao seu invejável currículo, foi convidado para comandar o velho navio-hospital Gil Eannes. Depois de ter ponderado com a Família, aceitou o honroso cargo. Entre 1945 e 1958 (inclusive), exerceu, pois, o cargo de Comandante do naviohospital Gil Eannes, tendo feito a transição do navio velho para o novo.

Capitão João Pereira Ramalheira (o Vitorino).

O novo navio-hospital, cujo bota-abaixo foi em Viana do Castelo, a 20 de Março de 1955, com grande pompa e circunstância, foi regado por uma chuva abençoada. Foi benzido pelo Senhor D. Manuel Trindade Salgueiro e amadrinhado pela Senhora D. Berta Craveiro Lopes, esposa do Presidente da República, à época. Todos nós conhecemos bem o papel histórico do navio-hospital Gil Eannes,

como apoio à nossa frota. Em 1960, o Capitão João Ramalheira reformou-se e deu por terminada a sua longa e prestigiosa vida do mar! No entanto, não ficou inactivo, tendo passado a empregar a sua actividade como gerente da Cooperativa dos Armadores dos Navios de Bacalhau, no Ginjal (Cacilhas), até pouco antes do seu falecimento, em final de 1964. E mais um ílhavo em postos de comando!...

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OS JOVENS E O MAR

BÁRBARA CHITAS

O meu nome é Bárbara Chitas e sou aluna do terceiro ano de pilotagem. Tenho hoje a honra de escrever no Bordo Livre, através do convite que me foi feito da parte do Sr. Eng. Jorge Ribeiro a propósito de uma conversa que tivemos sobre o meu blog. Nesse meu blog (www.Seagirl.pt), costumo falar do que vou aprendendo nas aulas e algumas experiências que tenho relacionadas com o mar e toda a experiência académica que vivencio na Escola Náutica Infante D. Henrique, onde sou aluna de pilotagem, vice magíster da Nautituna e vogal responsável do departamento náutico na associação de estudantes. Mas sobre esses assuntos todos vocês já são entendidos, por isso resolvi dar o meu contributo ao BL de uma forma diferente. A minha passagem por aqui será com o objetivo de criar uma ponte intergeracional da marinha mercante, contando o que se vai passando na escola, as nossas ideias e aspirações. O que fizemos na associação de estudantes?

O que fazemos no departamento náutico: No departamento náutico o nosso principal objetivo é aproximar os alunos do que vai ser o seu futuro, o Mar! Para conseguir esse objetivo, queremos aumentar as saídas de mar, as visitas a navios e instalações portuárias e até criar um núcleo de vela.

Tomada de Posse da nova Associação de Alunos: A nova associação de alunos da ENIDH (AAENIDH) tomou posse no dia 13 de dezembro pelas 15h. O novo presidente da associação é o Afonso Gonçalves, aluno da licenciatura em máquinas marítimas. Os nossos objetivos para este mandato são:

Próximos Eventos na ENIDH: Já existe data marcada para o próximo Infante D. Henrique, que será dia 16 de março.

. Reorganizar e potenciar o projeto da AAENIDH; . Otimizar o campus da ENIDH; . Aumentar a oferta cultural da AAENIDH; . Promover a atividade náutica; . Aproximar a ENIDH do concelho de Oeiras; . Aumentar o empreendedorismo nos estudantes da ENIDH; . Promover os cursos da nossa instituição; . Manter a nossa presença na política educativa.

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Gala de Natal: No passado dia 21 tivemos a nossa gala de Natal, que foi na quinta de S. José em Cascais. A associação apresentou o novo equipamento de futsal e ofereceu uma bandeira para fazer esquemas à Nautituna, que como também não poderia faltar, atuou na gala de natal. AAENIDH Solidária: A associação de alunos da Escola Náutica entregou, no passado dia 3 de Janeiro, os bens doados pelos alunos, docentes e funcionários da nossa instituição, que incluíam alimentos e roupa, a famílias numerosas com dificuldades económicas de Outurela/ Portela.

O Infante é um festival de tunas, onde toca não só a Nautitina, mas também tunas convidadas de outras instituições académicas. O espetáculo do ano passado foi no auditório do VTS, onde será também o deste ano. Espero que tenham gostado. Se tiverem alguma sugestão ou observação, poderão enviá-la para o meu email pessoal barbara@chitas.pt ou visitar o meu blog: www.Seagirl.pt. Até uma próxima, desejo-vos bons ventos e boas marés!


Passagem do Ano 2017/2018 no COMM



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