Bordo Livre 151

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BORDO LIVRE REVISTA DO CLUBE DE OFICIAIS DA MARINHA MERCANTE

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MARÇO /ABRIL 2019


GRANDE NOITE DE FADOS

No passado dia 26 de Marรงo tivemos mais uma Grande Noite Fados. Casa cheia, esgotada em menos de uma semana.

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EDITORIAL ORGULHO PORTUGUÊS I JORGE RIBEIRO

Há cerca de 5 anos atrás, numa altura em que a nossa MM já era um enorme desastre, num dos artigos de opinião que vou mascarando como editoriais, escrevia eu mais ou menos isto: “… o nosso amigo Mário Ferreira arrisca-se a ser o maior Armador Português já durante os próximos anos…”. A “profecia”, que era de todo expetável, aí está a cumprir-se. Com a estreia em alto mar e competindo com os grandes tubarões do mercado de cruzeiros de luxo, Mário Ferreira demonstra que não tem medo de pensar GRANDE e mostrar que neste canto à beira mar plantado que um dia foi líder dos mares ainda há marinheiros com M grande. M também de “Super Mário”. A juntar a tudo isto, a audácia de apostar em estaleiro e mão de obra Portugueses para a construção do “World Explorer” é, a todos os níveis, louvável. A prova que vale a pena arriscar e que o mundo é dos audazes é que as vendas de viagens agendadas para

os primeiros três a quatro anos de navegação se encontram esgotadas. Claro que ainda temos que contar com os chamados “velhos do Restelo”, figura mítica descrita pelo nosso Luís de Camões e que espelha bem o maior defeito dos Portugueses - a inveja. Aí estão eles e lá vão dizendo: “completamente endividado”; “é à custa dos enormes subsidios que o governo lhe dá”; blá, blá, blá… Mas faz, mas tem obra feita, mas dá trabalho a muitos Portugueses e, que eu saiba, não faz parte daquelas “ilustres figuras”da nossa sociedade que nos têm sugado a vida com NB; CGD; BANIFs e outras aventuras financeiras à Portuguesa. Outras novas construções se anunciam. Parabéns Mário Ferreira! Dos fracos não reza a história e os feitos até agora realizados assim como os que aí virão garantir-lhe-ão um longo espaço na história deste nosso Portugal.

ORGULHO PORTUGUÊS II O desastre pavoroso que aconteceu muito recentemente na nossa ex colónia banhada pelo Índico deixou-nos a todos estupefatos, as forças da Natureza fizeram mais uma vez das suas. Moçambique, mais precisamente a 2ª cidade do país, ficou irreconhecível. Muitos de nós, camaradas de muitas visitas àquela cidade durante os muitos anos em que navegámos, nunca imaginámos ser possível tal destruição. O povo Português, como habitualmente, tem ouvido os apelos da solidariedade.

Mais uma vêz somos inexcedíveis para com aqueles que vemos sofrer, neste caso falando a mesma lingua de Camões. Apesar das sucessivas e infelizes experiências que temos sentido com gente menos honesta que se vai aproveitando das desgraças alheias para de algum modo tirar benefícios próprios, basta ver os casos muito recentes acontecidos no nosso País, os Portugueses aí estão sempre na primeira linha prontos a ajudar. Parabéns Povo Português!

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SUMÁRIO

MARÇO/ABRIL 2019

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Editorial

Jorge Ribeiro

Por Onde Passam os Navios - parte 3 António Costa

Sabedoria do Mar Alberto Fontes

Notas sobre a viagem de Magalhães - parte 2 J. C. Lobato Ferreira

O nível dos oceanos e a subsidência dos solos - parte 2 António Costa

Iberia Branch João Frade

Acontecimento de Mar Joaquim Saltão

Os Jovens e o Mar Bárbara Chitas

DIRETOR

Lino Cardoso

COLABORARAM NESTE NÚMERO

Jorge Ribeiro, António Costa, Alberto Fontes, J. Ferreira, João Frade, Joaquim Saltão, Bárbara Chitas OS TEXTOS ASSINADOS SÃO DA RESPONSABILIDADE DOS SEUS AUTORES

COMPOSIÇÃO Mapa das Ideias TIRAGEM 1000 exemplares PERIODICIDADE Bimestral REG PUBL 117898 DEPÓSITO LEGAL 84303 CORREIO EDITORIAL Despacho DE00192019CRS

PROPRIETÁRIO/EDITOR

Clube de Oficiais da Marinha Mercante

Trav S João da Praça, 21. 1100-522 Lisboa Tel (+351) 218880781. www.comm-pt.org secretaria.comm@gmail.com

CAPA © Navio World Explorer DISTRIBUIÇÃO GRATUITA AOS SÓCIOS DO CLUBE DE OFICIAIS DA MARINHA MERCANTE

A REVISTA ESTÁ DISPONÍVEL ONLINE para leitura, duma forma fácil e intuitiva em http://issuu.com/clubeoficiaismarinhamercante/docs/bl151

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POR ONDE PASSAM OS NAVIOS?

PARTE 3

(3,5 milhões bbl / d), é originário, principalmente, de África (2,1 milhões de bbl / d) e da América do Sul e do Caribe (1,3 milhões de bbl / d).

O RIO CONGO (OU ZAIRE)

ANTÓNIO COSTA

NO CONTINENTE AFRICANO CANAL DE M OÇAMBIQUE

O Canal de Moçambique é um braço do Oceano Índico com cerca de 1.000 milhas náuticas de comprimento e 260 milhas náuticas no seu ponto mais estreito, atingindo a profundidade de 3.292 metros a cerca de 143 milhas náuticas ao largo da costa de Moçambique. É uma passagem movimentada e importante para o comércio africano.

CABO DA BOA ESPERANÇA

Embora não seja um estreito nem se possa considerar como um estrangulamento, o Cabo da Boa Esperança é uma importante rota do comércio global. O Cabo da Boa Esperança, localizado na ponta sul da África do Sul, é um ponto de trânsito importante para a navegação mundial de navios-tanque de petróleo e mineraleiros. Estima-se que cerca de 4,9 milhões de barris diários de petróleo bruto passaram pelo Cabo da Boa Esperança, em ambos os sentidos, em 2013, o que representa cerca de 9% de todo o petróleo negociado por via marítima. Este petróleo, quase em exclusivo destinado a mercados asiáticos

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O rio Congo, também conhecido como rio Zaire, é o segundo maior rio de África (depois do Nilo) e o sétimo do mundo, com uma extensão total de 4.700 km e o primeiro de África e o segundo do mundo em volume de água, chegando a debitar um caudal de 67.000 m³/s no Oceano Atlântico. A principal extensão do rio atravessa a República Democrática do Congo como um "U" invertido e, perto da sua foz, estabelece a fronteira com Angola. Devido à constância do seu enorme caudal, é navegável por navios de grande tonelagem até Matadi, na República Democrática do Congo. São três os portos relevantes da sua bacia, que surgem como porta de entrada para a República Centro-Africana, o Chade, os Camarões, o Gabão, Angola e a República Democrática do Congo: os portos de Pointe Noire (Ponta Negra), Boma e Matadi – este último situado na margem esquerda do rio, a 148 km (92 milhas) da foz e 8 km (5,0 milhas) abaixo

do último ponto navegável, antes dos rápidos tornarem o rio intransponível.

NA OCEÂNIA ESTREITO DE VITIAZ

É um estreito situado entre a Ilha de Nova Inglaterra e a Península Huon, ao norte da Papua Nova Guiné. Pelo meio do estreito existe uma série de ilhas.

ESTREITO DE TORRES

Está situado entre a Austrália e a ilha de Papua Nova Guiné, na Melanésia. Tem cerca de 93 milhas de largura no ponto mais estreito. Ao sul encontramos a Península do Cabo York, a extremidade continental norte do estado australiano de Queensland. Liga o Mar de Coral, a leste, com o Mar de Arafura, a oeste. Embora seja uma importante rota marítima internacional, é pouco profunda e um labirinto de recifes e ilhas, o que o torna perigoso para a navegação. Ao sul, localiza-se o Estreito Endeavour, entre a Ilha Prince of Wales e o continente – com uma largura entre as 2 e as 6 milhas e uma pro-fundidade aproximada de 15 metros, é navegável, embora muito perigoso.


ESTREITO DE BASS

É o canal que separa a Ilha Victoria, na Austrália, da ilha da Tasmânia, a sul. A sua largura máxima é de 150 milhas e a sua profundidade de 15 a 22 metros. A Ilha King e o Oceano Índico ficam na sua extremidade ocidental. O Estreito de Banks liga-o, a sueste, ao Mar da Tasmânia.

ESTREITO DE COOK

Situa-se entre as ilhas Norte e Sul da Nova Zelândia e estende-se de norte para sul, de uma forma geral. Liga o Mar da Tasmânia, a noroeste, com o Oceano Pacífico Sul, a sueste, e estende-se frente à capital, Wellington. Tem 14 milhas náuticas de largura no seu ponto mais estreito, sendo considerado como as águas mais perigosas e imprevisíveis do mundo.

ESTREITO FOVEAUX

Separa a Ilha Stewart – terceira maior ilha da Nova Zelândia – da Ilha do Sul. Tem cerca de 70 milhas de comprimento por de 7 a 26 milhas de largura, com uma profundidade compreendida entre os 20 e os 120 metros. É um trecho de mar muitas vezes alteroso e de difícil navegação.

PASSAGENS SECUNDÁRIAS (ARTIFICIAIS OU CANAIS)

Desde tempos imemoriais que o engenho do homem procurou modelar o ambiente às suas necessidades. Os mais antigos canais conhecidos foram os canais de irrigação, construídos na Mesopotâmia por volta de 4000 aC. Os canais artificiais de navegação encontram-se incluídos nestas necessidades. Por exemplo, a ideia da construção de um canal que ligasse o Mar Mediterrâneo ao Mar Vermelho (como o actual Suez), remonta à época dos faraós do Egipto, quando Senuseret III, que reinou de 1878 a.C. a 1840 a.C., ordenou as primeiras escavações para unir o Rio Nilo ao Mar Vermelho (era chamado de “Canal dos Faraós”). Um canal de navegação, na verdadeira acepção da palavra, é um canal navegável por uma secção de drenagem que liga duas bacias hidrográficas diferentes.

A maioria dos canais, comercialmente importantes, da primeira metade do século XIX era um misto de cada, utilizando os rios em longos trechos, divididos por canais que os ligavam. Isto continua a ser verdade para muitos dos canais ainda em uso. Pequenos canais navegáveis, por pequenas embarcações, alimentaram a revolução industrial em grande parte da Europa e dos Estados Unidos. Para a melhorar a navegação nos canais, são construídas outras estruturas: • Açudes e barragens, que aumentam os níveis de água a profundidades utilizáveis em navegação e permitem contornar quedas de água e rápidos, criando um canal mais longo e suave; • Comportas ou eclusas para permitir aos navios e barcaças subirem / descerem desníveis de terreno.

Para além do corte de secções de drenagem, os canais obrigam à construção de equipamentos e instalações, como viadutos e aquedutos, não só para transvase de mais água para alimentação do nível no canal, como para ultrapassar estradas e outros obstáculos, naturais ou artificiais. Historicamente, os canais sempre foram de enorme importância para o comércio e o desenvolvimento da civilização. Os modernos canais são um sucedâneo daqueles que alimentaram as indústrias e as economias dos séculos XVII a XX. Os canais que hoje servem as indústrias e as grandes empresas de transporte, demonstram ter uma utilidade crítica, por permitirem o transporte a longas distâncias, dentro dos continentes, a custos muito razoáveis, em clara vantagem aos modos alternativos como o ferroviário e o rodoviário. Os canais de navegação de grande escala, como o Canal do Panamá e o Canal do Suez, continuam a operar para a passagem do transporte de carga, bem como os canais europeus de barcaças e de pequenos navios. Devido à globalização, tornaram-se cada vez mais importantes, resultando em projectos de expansão, como o da expansão dos Canais do Panamá e do Suez.

Os estreitos canais industriais antigos, no entanto, deixaram de transportar quantidades significativas de carga, tendo muitos sido abandonados à navegação comercial, embora possam, ainda, ser usados como sistema de transporte de água não tratada ou destinados à navegação de recreio e turismo. Com o final da II Guerra Mundial, o crescimento do transporte fluvial na Europa, coordenado pelas diversas autoridades internacionais, resultou no crescimento de uma rede alargada e integrada de navegação interior, em muitos casos, para embarcações até as 1.350 toneladas – e, nalguns trechos, superior. As vias interiores navegáveis no mundo totalizam 450 mil km e respondem pelo transporte anual de 2,5 biliões de toneladas de carga. Refiro, agora, os de maior importância económica actual e que servem as necessidades do comércio global.

N O CONTINENTE EUROPEU

A rede de navegação interior da União Europeia engloba 20 Estados-Membros e conta com cerca de 37.000 quilómetros de vias navegáveis. Todos os anos, são transportados nesta rede 500 milhões de toneladas de mercadorias, em particular em zonas densamente povoadas, e congestionadas, da Alemanha, Países Baixos, França e Bélgica, irrigadas pelo Reno, o Escalda, o Mosa e o Sena e com ligação ao Danúbio.

A) E M FRANÇA A França será, certamente, o país europeu com maior extensão de vias aquíferas navegáveis (perto de 5.000 km), na sua maioria aproveitados para navegação de turismo em pequenas embarcações. O Seine-Nord Europe é um projecto de canal de alta capacidade em França, que ligará o rio Oise, em Janville e o Canal DunkerqueEscaut, a leste de Arleux. O efeito pretendido será a expansão considerável dos fluxos de comércio com economia de combustível e ecologicamente mais amigáveis do ambiente, ligando os países do MAR-ABR 2019 | BORDO LIVRE 151 | 7


norte da Europa, como a Bélgica, Alemanha e Holanda. A secção francesa do canal terá 106 quilómetros, de Janville até ao Canal Dunkerque-Escaut, atravessando as regiões da Picardia e Nord-Pas-de-Calais, ligando os rios Sena e Escalda e facilitando o transporte de mercadorias através de vias navegáveis interiores. Quando a nova ligação Seine Nord estiver pronta, irá permitir o tráfego de grandes embarcações de transporte de mercadorias e irá substituir o Canal de Saint-Quentin e o actual Canal du Nord, aumentando a capacidade máxima de barcaças e navios de 650 para 4400 toneladas. O Grand Canal d'Alsace é uma via fluvial ao longo do Rio Reno, no leste da França, projectado em 1922. A primeira secção, em Kembs, foi inaugurada em 1932, tendo hoje mais três pares de eclusas construídos entre 1952 e 1959. O canal tem, agora, 30 milhas e corre entre Basel, na Suíça, e Breisach, na Alemanha. Foi construído para melhorar a navegação no Reno (caracterizado por águas rasas e uma corrente rápida) e, assim, aumentar o tráfego acima do corredor de Estrasburgo.

B) N O REINO U NIDO Os canais do Reino Unido têm uma história reconhecida, no uso de irrigação e transporte, em especial no período da Revolução Industrial. Actualmente, na sua esmagadora maioria, assumem papel de relevo na náutica de recreio. O canal de Manchester (Manchester Ship Canal) tem 36 milhas náuticas de extensão e serve a navegação interior no noroeste da Inglaterra, ligando Manchester ao mar da Irlanda. Começa no Estuário do Mersey, perto de Liverpool, seguindo as rotas originais dos rios Mersey e Irwell através dos condados históricos de Cheshire e 8 | BORDO LIVRE 151 | MAR-ABR 2019

Lancashire. Vários grupos de eclusas elevam os navios, aproximadamente, 18 m até Manchester, onde termina. O comprimento máximo da embarcação actualmente aceite é de 161,5 metros, com uma boca máxima de 19,35 metros um calado máximo de 7,3 metros.

permitiu que o canal ligue directamente ao Escalda. O Porto de Bruxelas está agora acessível a navios de 4.500 toneladas. Este canal é de enorme importância para o fornecimento de combustíveis à cidade de Bruxelas, e representa 30-50% do tráfego anual.

C) N A B ÉLGICA O Canal Ghent-Terneuzen, com cerca de 19 milhas de extensão, liga o porto belga de Ghent, ao sul, com o estuário do Escalda, no porto holandês de Terneuzen. Permite que o porto de Ghent possa receber navios de 80 mil toneladas. Um sistema de eclusas em Terneuzen faz a passagem entre o canal e o estuário. O canal tem cerca de 150 metros de largura na Holanda, mas alarga para os 200 metros na Bélgica, sendo a profundidade de 13,5 metros. Posteriormente, foi dragado no início de 1990, para permitir que o canal pudesse receber navios de 125.000 toneladas, na sua parte inicial. O Brussels–Scheldt Maritime Canal (Canal Maritimo Bruxelas-Escalda), também chamado de Canal Willebroek ou Zeekanal, liga Bruxelas na Bélgica com o rio Escalda. É um dos mais antigos canais navegáveis na Bélgica e na Europa. As obras de construção começaram em 1550 e duraram até 1561. A diferença de altitude de 14 metros entre Bruxelas e o rio Rupel foi ultrapassada com 4 eclusas. Com a entrada em funcionamento do canal, os navios puderam evitar navegar no Sena. Em 1922, o canal totalmente modernizado foi reaberto à navegação, com novas bacias e novas eclusas. Uma nova actualização foi iniciada em 1965, tendo o canal sido ampliado para 55 m (25 m nas eclusas). A construção de duas novas eclusas (205 x 25 m) em Zemst (inaugurada em 1975) e Hingene (inaugurada em 1997)

D) N A ALEMANHA O Mittelland Canal, também conhecido como o Canal Midland, é um importante canal no centro da Alemanha. Constitui um elo importante na rede de vias navegáveis do país, proporcionando a principal conexão fluvial leste-oeste. A sua importância estende-se para além da Alemanha, uma vez que liga a França, a Suíça e aos países do Benelux, além da Polónia, República Checa e o Mar Báltico. Com 202,4 milhas náuticas de comprimento, o Canal Mittelland é a via artificial mais longa na Alemanha. O Elbe Lateral Canal (ou Elbe-Seitenkanal, em alemão), percorre 71 milhas, situando-se na Baixa Saxónia. Liga o Elba, perto de Lauenburg ao Mittelland Canal perto de Gifhorn. Constitui-se como uma importante ligação de transporte entre o sul e norte da Alemanha, fornecendo uma ligação ao Elba, embora tenha navegabilidade limitada. O Elbe-Havel Canal tem 56 quilómetros de extensão navegável na Alemanha. Liga Magdeburg, no Rio Elba, com Brandenburg, no rio Havel. Desde 2003, que se encontra ligado ao Canal Mittelland pela ponte de água de Magdeburg (uma obra de engenharia impressionante, conhecida em todo o mundo), que passa por cima do rio Elba e permite uma conexão para o oeste da Alemanha. Para o leste, o rio Havel está ligado ao Canal Oder-Havel, estabelecendo, desta forma, um curso de água contínuo do oeste para Berlim e para a Polónia.


O Canal Oder-Havel corre da cidade de Cedynia, (perto de Stetin, na Polónia) no rio Oder até o rio Havel, um afluente do Elba, perto de Berlim. Tem 51,4 milhas náuticas de comprimento e 33 metros de largura. Em 1934, foi construído sobre o canal um elevador para embarcações, perto de Niederfinow. O elevador vertical tem 16,9 metros. As dimensões da caixa são 85 x 12 x 2,5 m, podendo levantar navios até 1.000 toneladas de deslocamento. Elevador de Niederfinow

O Canal de Kiel é um canal de água doce com 61 milhas de comprimento, no estado alemão de Schleswig-Holstein. O canal foi concluído em 1895 e liga o Mar do Norte, em Brunsbüttel ao Mar Báltico em Kiel-Holtenau. Poupam-se de 250 milhas náuticas ao usar o Canal de Kiel em vez de contornar a península da Jutlândia. A sua passagem não só economiza tempo, como evita um trecho de mar tempestuoso e potencialmente perigoso. Além das suas duas entradas de mar, o Canal está ligado, em Oldenbüttel, ao navegável rio Eider pelo curto Canal de Gieselau. A via aquífera navegável Reno-MenoDanúbio (Rhine–Main–Danube Canal ) que liga o Reno, com o Mar Negro foi concluída em 1992 e proporciona uma via navegável para o tráfego entre a Europa oriental e ocidental através da Alemanha, com capacidade para navios até 1.350 toneladas de deslocamento, ao longo de todo o seu percurso. Seguindo

o rio principal para Bamberg, na Alemanha, a rota prossegue por via fluvial artificial, incluindo uma secção do Regnitz Canal do rio Dietfurt, daí pelo rio Altmühl até um pouco ao sul de Kelheim, onde se junta com o Danúbio, atravessando a fronteira austríaca em Jochenstein. A secção de canal com 44 milhas entre Bamberg e Nuremberga, concluída em 1972, inclui sete eclusas com um elevador combinado de 88,5 metros. Todas as eclusas têm 205 de comprimento e são capazes de albergar navios até 1.500 toneladas. A altitude máxima atingida (entre as eclusas Hilpoltstein e Bachhausen) é de 406 metros acima do nível do mar. Este é o ponto mais alto do mundo actualmente alcançada por embarcações comerciais marítimas. Ao longo do curso do canal existem 16 eclusas com alturas de elevação de até 25 metros, das quais treze são concebidas para conservar a água. O canal Dortmund-Ems tem 269 km de comprimento na Alemanha entre o porto fluvial da cidade de Dortmund e o porto marítimo de Emden. O canal artificial termina após 215 km na eclusa de Herbrum perto Meppen. A partir daí, a passagem é feita através do rio Sem, por cerca de 45 km até à eclusa de Oldersum. Aqui, o percurso do canal volta a ser artificial por mais 9 km. Esta parte do canal está ligado ao Ems-Jade Canal, de Emden para Wilhelmshaven.

CONTINUA NA PRÓXIMA EDIÇÃO

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SABEDORIA DO MAR

O ELEMENTO HUMANO

ALBERTO FONTES

O Dr. Carlos Barosa, falecido a 1 de Janeiro 2019, foi médico pioneiro da medicina hiperbárica e subaquática a nível nacional, tendo representado Portugal no European Diving Technology Comitee. Um amante do mar, onde foi instrutor de mergulho e como apaixonado pela Náutica de Recreio em 2001 fez a travessia Cascais / Horta nos Açores em semi-rígido. Na altura escolheu o auditório do COMM para apresentar esta prova que ficou a constar

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no livro do Guiness. Por variadíssimas vezes recor-remos a ouvi-lo, para na sua sensatez, conhecermos os limites humanos. Sempre nos atormentou o que poderá ser normal neste mundo de incertezas e volatilidade. Exercitava com ele o pensamento, os sentimentos e as emoções que cada vez mais advém de podermos ser governados por robôs, numa evolução da inteligência artificial, com limites éticos e as questões ligadas à inovação no sector público. Foi por ele que tomei conhecimento de uma empresa chinesa de capital de risco que investe em projectos de medicina rege-nerativa, big data, fintech e inteligência artificial, que designou um algoritmo, o VITAL, como membro do seu conselho de administração – dando-lhe autonomia para realizar recomendações de investi-mento e votar propostas, como qualquer outro membro – abrindo caminho a termos robôs a liderar humanos e a decidir do nosso destino, num futuro nada risonho, com tantas características de incerteza, ambiguidade e complexidade. Um mundo repleto de imensa informação, que os nossos cinco sentidos cada vez mais estão dedicados em absorver. A evolução con-vencional em Cultura e Tecnologia está sempre presente na I&D dos visionários futuristas, que embora afirmando procurar a aplicabilidade da investigação académica na vida quotidiana, estão sim a procurar esconder o seu lado obscuro, que pretende formatar os humanos em parte humana, parte máquina, numa corrida que pode revelar-se mortífera para o Homem. Não faltarão apoios para que tal suceda, pois as previsões apontam para o contínuo aumento da riqueza em todo mundo, atingindo em 2023 os 349 biliões de euros. Para tal contribuirão as valorizações dos mercados financeiros, segundo o Global Wealth Report 2018, estudo anual do

Credit Suisse que analisa a distribuição de riqueza a nível global. Em casa de um comum amigo já falecido, com o pretexto de saborearmos um polvo guisado em vinho de cheiro, petisco açoriano onde não falta a malagueta para acentuar os sabores, que o Zé Correia como bom natural de S. Miguel caprichava, ali partilhei com o Dr. Carlos Barosa, recordações em torno do mar e de tudo o que no seu seio se cria e sobre ele navega, com ambição humana, tecnologia, competência, num trabalho em equipa. Numa altura em que a IMO põe imensa força na divulgação da História Marítima, num reforço dos níveis de adesão, maior conhecimento geral dos cidadãos pela indústria marítima, por forma a conseguirse melhores profissionais e aceitação da população em geral, para navios cada vez maiores, a escalarem portos das cidades mais orientadas para o turismo, a IMO está convencida que a parceria da indústria com a divulgação da história marítima, promoverá os transportes marítimos, de uma forma que os tornará mais relevantes aos olhos dos cidadãos. O COMM acompanha esta visão e atendendo à história marítima portuguesa, promove em 2019 duas palestras públicas que trazem por um lado, a história dos “CUIDADOS MÉDICOS a BORDO dos NAVIOS” desde a altura dos Descobrimentos até ao século XX e ainda no primeiro semestre deste ano 2019 “os 500 anos da viagem de circum-navegação por Fernão Magalhães”. A saudade é filha do afecto, da distância e das pessoas irremediavelmente desaparecidas, como é o caso do meu amigo Doutor Carlos Barosa. Para o Homem o tempo passa, mas as memórias e o sentimento ficam algures no mar que nos une e nos distingue.


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NOTAS SOBRE A VIAGEM DE CIRCUM-NAVEGAÇÃO DE MAGALHÃES

POR OCASIÃO DOS SEUS 500 ANOS 1519/2019 PARTE 2

A VIAGEM

J.C. LOBATO FERREIRA

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A viagem de Sevilha a Tenerife nas Canarias durou 6 dias e, quando já se encontravam prontos para dali zarpar, acosta uma pequena embarcação que traz para o capitão-mor uma carta do seu sogro Barbosa alertando-o para uma eventual conspiração que envolvia João de Cartagena, Quesada e Mendonza. No que se deduz, Magalhães não terá revelado claramente aos outros capitães o roteiro planeado para a viagem. Estabeleceu sim que dados os andamentos diferentes dos navios a frota se reuniria ao final de cada dia e com a nau capitania parada as outras passariam por ela, seguindo a tradição espanhola com a saudação “Dios vos salve, Señor Capitan-General y maestro y buena compañia” e se o tempo o permitisse conferenciavam a bordo da “Trinidad” e recebiam as instruções para o dia seguinte. Por razões ainda hoje pouco esclarecidas, Magalhães ao partir das Canárias em vez de rumar, como seria de esperar, na direcção da costa do Brasil decidiu navegar para sul encostado à costa de África até à altura da Serra Leoa, o que causou estranheza aos outros capitães, tendo mesmo João de Cartagena ousado, na sua qualidade de Vedor Real, pedir explicações que foram acolhidas por Magalhães com alguma arrogância.

Como consequência, ao final do dia seguinte, a “San Antonio“ não apresentou as saudações habituais, tendo mesmo Cartagena não comparecido ao Conselho dos Capitães, fazendo-se representar pelo seu Mestre – Quarteleiro, o que ofendeu ainda mais o Almirante. Passados dias foram convocados os quatro capitães, procedendo-se ao julgamento do réu Cartagena, tendo havido troca violenta de palavras o que levou Magalhães a dar-lhe ordem de prisão. Ao final desse dia o capitão-mor foi saudado pelo novo capitão da “San António”, oespanhol António de Coca. Pelo cronista Pigafetta sabemos que a 29 de Novembro de 1519 avistaram o cabo S. Agostinho perto de Pernambuco, rumo a sul – sudoeste e entram na baía do Rio de Janeiro a 3 de Dezembro de onde saem 13 dias depois, rumando a Oeste – Sudoeste, tendo entretanto o português Álvaro Mesquita substituído António de Coca no comando da “San Antonio”. A navegação foi cautelosa para evitar os baixios e a 11 de Janeiro de 1520, à latitude de 35º S avistam três colinas a cujo cabo dão o nome de Monte Vidi, o actual Montevideo, confirmando-se o mapa de Martin Behaim que indicava, com alguma fantasia, um braço de mar mais largo que o Canal da Mancha ou o Estreito de Gibraltar. “Até aqui – escreve-se em 1523 – se


haviam estendido as nossas descobertas portuguesas”. Agora já pouco falta, sendo enviada em reconhecimento a “Santiago“que sendo a mais pequena calava menos. Adentra-se no golfo durante 15 dias, percorrendo 25 léguas mas não se trata de um “paso“ mas de um rio larguíssimo já conhecido como Rio Solis – hoje Rio de La Plata – onde o capitão espanhol Juan Diaz Solis tinha sido devorado por canibais em 1513 juntamente com os 27 homens a seu comando. O desiludido Magalhães apercebe-se então de que a informação do mapa de Behaim é falsa, como falsos eram os cálculos portugueses que davam a passagem pelos 40º Sul, sendo falso igualmente o que tinha prometido ao rei D. Carlos e seus conselheiros. Como não pode, nem quer perder a face, resta convencer-se e tentar convencer os outros que “se não está aqui a passagem que procuramos tem de estar mais a sul”. E como um mal nunca vem só, em Fevereiro naquelas paragens não significa fim do inverno como nas zonas pátrias, mas pelo contrário, o seu começo, sendo urgente procurar um local para invernar, agarrando-se a esta última esperança. A falta de mantimentos começa também a fazer-se sentir e há que desembarcar homens para os procurar em terra,

valendo-lhes os pinguins e lobos-marinhos que abundam por ali. Além dos oficiais, as tripulações começam a mostrar abertamente o seu desassossego e por instinto apercebem-se de que algo não está em ordem. Mas, se Magalhães reconhecesse o seu erro, como seria possível persuadir os seus homens a navegarem mais para Sul? Os nobres espanhóis triunfariam e com que insolência lhe fariam sentir o seu desprezo! Sucederam-se vários percalços e à medida que a latitude crescia e se iam encontrando várias enseadas, os acidentes e as tempestades do Antártico não davam folgas, com as temperaturas cada vez mais baixas. A “Vitória” chocou com um banco de areia e conseguiu safar-se, as velas das “Trinidad” foram arrancadas, partiram-se vergas e, impotentes, os navios foram arrastados para uma baía a que deram o nome de S. Julião. Estava-se a 31 de Março de 1520, a 49º Sul, um dos pontos mais sombrios da terra, baía essa que talvez nenhum mareante procurara e onde a frota acabou por permanecer durante cinco meses, de Março a Agosto. Pigafetta regista que um dia lhes aparece em terra um índio gigante que, com os seus habituais exageros, diz que um homem normal lhes dava pela cintura,

cara pintada de vermelho, vestido com peles de animais que também lhes cobriam os pés, e que pela sua dimensão deram à terra o nome de Patagónia, pela qual ainda hoje é conhecida. Na véspera do Domingo de Páscoa que nesse ano caiu a 1 de Abril, Magalhães ordenou que se realizasse missa em terra no dia seguinte, que toda a gente devia assistir, sendo os capitães espanhóis convidados, o que raramente acontecia, a jantarem na nau almirante, certamente na tentativa de acalmar alguma irritação já notória. Gaspar de Quesada e Luis de Mendonza não compareceram ao ofício divino e, mais ainda, nenhum dos oficiais espanhóis foi ao jantar oferecido por Magalhães. Nessa mesma noite, Juan de Cartagena a quem tinha sido concedida liberdade mitigada, juntamente com Gaspar de Quesada conseguem levantar os capitães dos três navios mais poderosos, ficando o almirante somente com a "Trinidad" e a pequena "Santiago". Magalhães consegue controlar a situação, Cartagena é posto a ferros no porão da "Trinidad" e no dia seguinte ao julgamento, quarenta homens são condenados à morte com a pena comutada a trabalhos forçados, sendo Quesada, um dos promotores da revolta, a sofrer pena capital.

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Faltava decidir da sorte de D. Juan de Cartagena, o verdadeiro chefe da conjura e um padre Sanchez de Rein, que sempre a fomentaram. Decapitar o representante do rei de Espanha e fazer correr o sangue do sacerdote nunca o piedoso almirante católico daria tal ordem. Quando a frota partir, providos de vinho e víveres serão abandonados na praia de S. Julião e que seja Deus a decidir do seu destino! Com as condições do tempo a piorarem com temperaturas de 35º negativos Magalhães decide ficar e durante cerca de 5 meses faz reparações e calafetagem dos navios, já bem necessitados ao fim de um ano de navegação. Manda preparar a "Santiago"e Serrão saiu para sul em viagem de reconhecimento. Passam-se dias, semanas e nada mais se sabe do navio e da sua tripulação até que um dia, já no mês de Maio, aparecem na praia dois homens cobertos de farrapos e com enorme barba, balbuciando palavras espanholas. Perdido o navio, nadaram para terra e Serrão mandou os dois por terra a S. Julião a dar conhecimento do sucedido, arrastando-se durante onze dias e onze noites até chegarem. O almirante ordena de imediato uma coluna de socorro que consegue resgatar Serrão e 36 dos seus homens que à chegada são saudados com salvas de canhão. O cosmógrafo André de San Martin estabelece com rigor 49º de latitude Sul para a posição de S. Julião e depois da missa, a pequena armada levanta ferro agora com Serrão na "Conception", Barbosa na "Vitoria" e Mesquita na "San António". Há ainda um percalço na Baía de Santa Cruz e é aí que numa reunião com o Capitão-mor os capitães e pilotos ouvem surpreendidos a sua decisão de marcar os 75º Sul como limite para tentarem encontrar a passagem e o abandono da missão no caso de tal não acontecer. Durante dois dias os ventos são contrários e os navios pouco avançam e só a

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21 de Outubro avistam um cabo recheado de recifes brancos e como era dia de S. Úrsula, Magalhães dá-lhe o nome de “Cabo de Las Virgines“ e manda a “San António“ e a “Conception“ em reconhecimento, ficando os outros dois a pairar porque as condições não lhes permite fundear. Fixa-lhes o tempo de procura em 4 dias e ao terceiro dia a "Conception" está de volta e da "San António"não há mais notícias. Os três navios restantes seguiram ao longo do estreito, avistaram um rio que, pela abundância de peixe nas imediações lhe deram o nome de Rio das Sardinhas e a 28 de Novembro de 1520 avistam um promontório o agora "Cabo Desejado" e depois de um percurso de 360 milhas no estreito de Magalhães surge-lhe à vista uma toalha de mar calmo, o "Pacifico". Como os seus homens já tinham sofrido bastante sob o rigoroso frio do Antártico, Magalhães navega para norte encostado à costa do actual Chile até atingir o Equador, navega ainda mais novecentas milhas antes de virar para Oeste na direção das Filipinas. Depois de tocarem em várias ilhas e estabelecido relação com seus reis e populações, chegaram ao porto de Cebú tendo-se envolvido inexplicavelmente em disputas locais. A pedido do rei, a 27 de Março de 1521, o capitão-general decidiu ir a terra com 3 batéis para combater um chefe rebelde, levando consigo sessenta homens com armaduras e capacetes e ao saltaram a terra encontram um inimigo em número superior ao esperado, com mil e quinhentos homens e num encontro fortuito, Magalhães é atingido numa perna com uma seta envenenada, cai de bruços na água e aí é trucidado, tendo os indígenas se apoderado do seu corpo, que não mais foi devolvido. Serrão foi também atingido e morreu em Cebú. Entretanto, como os 115 homens que restavam não eram suficientes para manobrar os três navios, foi decidido perto da ilha de Bohal esvaziar a "Conception"de tudo o que era utilizável e foi

incendiada sendo os seus tripulantes sido repartidos pela "Trinidad"agora sob comando de Carvalho e com Alonso Gomez Espinosa na "Vitória". Como o comportamento de Carvalho merecia reparo este foi substituído por Espinosa, assumindo Sebastian del Cano o comando da "Vitória". Retomaram a sua navegação errante, já que o arquipélago das Molucas conta mais de sete mil ilhas e em Julho chegaram à ilha de Burrué, Teruate e Tidore onde foram muito bem acolhidos, tendo tido finalmente oportunidade de negociarem as desejadas especiarias. Depois de merecido repouso, Sebastian del Cano decidiu que era tempo de partir deixando para trás a nau almirante, a "Trinidad", que estava a fazer água e não tinha condições de navegabilidade para seguir viagem. Estava-se no Natal de 1521, ainda fez escala por Timor onde abasteceu e iniciam o regresso a Espanha trazendo consigo as 26 toneladas de cravinho, de canela, de nós moscada e gengibre. Navegam pelo Índico, em direção à costa de Moçambique, passam o cabo das Agulhas a 14 de Abril de 1522, passam ao Atlântico, detém-se em Cabo Verde, em Agosto passam à vista da Ilha de S. Miguel e a 4 de Setembro avistam em fim o Cabo de S. Vicente e finalmente, a 6 de Setembro divisam ao longe S. Lucas de Barrameda. Quase três anos depois da partida, os pescadores andaluzes olham espantados para estranho navio, cinzento e sujo, que se arrasta com as velas despedaçadas com 18 homens de faces escavadas, bocas desdentadas e que só a custo sabem dizer "temos fome e sede". Sebastian del Cano é recebido pelo Imperador Carlos V, é elevado à dignidade de cavaleiro, é-lhe conferido brasão e designado como o realizador deste feito imortal, ostentando o seu escudo a orgulhosa inscrição "Primus circumdedisti me". J.C. Lobato Ferreira Engº Maq. M.M. (MIME)


O NÍVEL DOS OCEANOS E A SUBSIDÊNCIA DOS SOLOS

PARTE 2

comunidade, que sucede 26, ou mais, vezes por ano, ou a cada duas semanas. Questões, como:

ANTÓNIO COSTA PERANTE ESTE CENÁRIO, O QUE FAZER QUANDO A INUNDAÇÃO SE TORNAR INTOLERÁVEL? As opções são limitadas e todas elas caras, quer seja adaptando-se a um futuro de vida entre paredões e outras barreiras, quer recuando e encontrando um novo lugar para viver. Por exemplo, a maior estação de bombagem do mundo (concluída em Junho de 2011) protege a parte ocidental de Nova Orleães durante as tempestades tropicais, tendo custado 1.100 milhões de USD. O estudo atrás citado recorreu a perguntas muito práticas e concretas, considerando que a inundação crónica e disruptiva está definida como atingindo 10%, ou mais, da terra utilizável de uma

• Quantas vezes por ano os moradores tolerariam enchentes crónicas que assolassem o seu bairro? • Se as enchentes de água salgada inundassem, regularmente, o primeiro andar dos proprietários ou danificassem os seus carros, com que frequência teria que ocorrer antes que os moradores começassem a procurar um novo lugar para morar?

Para efeitos de comparação, os autores do relatório observam que Miami Beach – considerada o “Marco Zero” para a problemática do aumento do nível do mar – não atingiu o limite de 10%, mesmo experimentando enchentes de maré alta e já investiu mais de 400 milhões de USD na reconstrução do sistema de esgotos da cidade. De igual forma, as enchentes em Annapolis, Maryland, sede da Academia Naval dos Estados Unidos, não atingem o limite de 10%, embora partes funda-mentais da cidade, incluindo o campus da academia e o centro, inundem 40 vezes por ano.

ATÉ AGORA, FALAMOS DO QUE CONSEGUIMOS VER. MAS HAVERÁ MAIS DO QUE ISTO?

Pesquisadores da Universidade de Tecnologia de Delft, na Holanda, vieram agora

dizer-nos que o fundo do oceano está a deformar sob o cada vez maior peso da água resultante do gelo derretido e da redistribuição da água na terra. Essa consequência inesperada da mudança climática também parece estar a distorcer os dados globais da elevação do nível do mar, fazendo com que pareça menos grave. Segundo eles, são alarmantes as consequências da deformação da Terra. Combinando dados sobre a perda de massa das camadas de gelo da Groenlândia e Antártica, e mudanças no armazenamento de água na superfície terrestre (devido a barragens, reservatórios e irrigação), os cientistas carregaram essas informações em equações matemáticas e, desta forma, estimaram os valores do nível do mar em todo o mundo, chegando à conclusão de que nos últimos 20 anos, os oceanos tornaram-se cerca de 2,5 mm mais profundos. O que essas novas descobertas significam é que a elevação global do nível do mar é realmente maior do que se pensava anteriormente. Na verdade, o fenómeno inesperado de aumento de carga dos nossos oceanos está a deformar a Terra e este é, simplesmente, um sintoma menos documentado e menos visível das Alterações Climáticas. Estas alterações são mais do que simples números e equações matemáticas, o que nos deve levar a olhar, mais uma vez, a necessidade de acção correctiva sobre a mudança climática. Estamos, portanto, perante um problema muito mais próximo e mais generalizado, de nível global. Vamos ter que entender que vivemos no decurso de um século de adaptação às mudanças climáticas. As nossas costas irão enfrentar uma transformação irreversível com o aumento do nível do mar, sabendo-se que é na faixa costeira que grande parte da nossa população vive e onde é gerada parte muito significativa do PIB. Como tal, vamos ter que mobilizar recursos para permitir que essa mudança se desenvolva de uma forma organizada e administrável. © Novembro de 2018

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IBERIA BRANCH

RELAUNCH, SEMINÁRIO INAUGURAL EM LISBOA

O NI está dividido em filiais que são agrupadas por áreas geográficas. A filial Ibérica é constituída por todos os membros do NI de Portugal, Espanha e Gibraltar.

A direção da filial Ibérica do the Nautical Institute (NI) promoveu um seminário inaugural no passado dia 20 de março de 2019, na sede do Clube dos Oficiais da Marinha Mercante – COMM. O tema do seminário foi “Atualmente a navegação tornou-se pouco importante?”. O programa do seminário começou com uma visita à Agência Europeia de Segurança Marítima – EMSA, onde também participaram os alunos do Mestrado em Pilotagem da ENIDH. O membro do NI, Cte. Jaime Leça da Veiga apoiou a organização do evento, fazendo uma apresentação da organização da EMSA, incluindo os 3 principais departamentos, em particular o seu departamento “Safety and Standards”, o qual inclui a área das inspeções, incluindo as referentes à verificação da implementação da Convenção

STCW. Seguiu-se uma visita à sala de operações, com demonstração de rastreamento e vigilância dos navios através do uso de satélites, Long Range Identification and Tracking system (LRIT) e drones. Estes sistemas permitem monitorizar, entre outras, descargas de poluição e atividades de pesca ilegal. O detalhe das imagens de satélite é verdadeiramente notável. A seminário decorreu ao final da tarde nas instalações do COMM. No total foram cerca 77 participantes, incluindo 4 membros da direção da filial Ibérica, membros do COMM, alunos e professores dos cursos de licenciatura e mestrado em Pilotagem da ENIDH. Foi possível acompanhar o seminário por videoconferência permitindo a todos os membros do NI assistir ao evento. A reunião foi aberta pelo secretário da filial Ibérica, Cte. Mark Bull, que deu as boas vindas aos presentes e endereçou os agradecimentos a todos os que apoiaram a organização do seminário, em particular ao Cte. Jaime Leça da Veiga (EMSA), Cte. Alberto Fontes (COMM) e Cte. Hugo Bastos (Mystic Cruise). A agenda do seminário foi composta por 3 tópicos; o primeiro tópico, uma introdução ao NI; o segundo tópico com o tema “Atualmente a navegação tornou-se pouco importante?” seguido de debate, e finalmente, a apresentação do programa de apoio aos Praticantes, incluindo uma apresentação da empresa Mystic Cruises. O Cte. João Frade, membro da direção da filial Ibérica e professor de navegação na ENIDH, apresentou o primeiro tópico, com a introdução do NI e da filial Ibérica. O Cte João Frade apresentou as metas e objetivos do NI, os benefícios para os membros. Durante a apresentou salientou o facto do “The Nautical Institute - NI” ser

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uma organização não governamental (ONG) com estatuto consultivo na Organização Marítima Internacional (OMI). O principal objetivo do NI é representar os pontos de vista dos profissionais marítimos ao mais alto nível. O NI atua como um corpo representativo de profissionais marítimos em todo o mundo. É responsável pela publicação de uma série de livros e guias marítimos especializados, escritos por marítimos para marítimos. Promove cursos e esquemas de formação contínua profissional. Tem mais de 7000 membros em cerca de 120 países e contribui para atualização de conhecimentos, facilitando o acompanhando do desenvolvimento na indústria marítima. Incentiva o diálogo ativo sobre as preocupações e questões atuais do setor marítimo. O NI está dividido em filiais que são agrupadas por áreas geográficas. As filiais são organizações dinâmicas e pro ativas, com o objetivo de promover atividade através da sua direção. A filial Ibérica é constituída por todos os membros do NI de Portugal, Espanha e Gibraltar. Finalmente, o Cte Frade descreveu o relançamento da filial Ibérica, tendo a mesma como principais objetivos aumentar o número de membros e realizar mais seminários na Península Ibérica. O segundo tópico da agenda foi apresentado pelo secretário da filial e diretor da empresa Trafalgar Navigation, Cte. Mark Bull, sobre o assunto “Atualmente a navegação tornou-se pouco importante?”. A apresentação foi aberta com referências a todos os exploradores marítimos portugueses, em particular aos 500 anos da Circum-navegação de Fernão Magalhães. A navegação era então de extrema importância - uma fonte de poder, influência, saúde e riqueza.

Este tópico foi dividido em quatro partes: segurança, legislação, tecnologia e comércio. O Cte Bull deu exemplos de grandes desastres marítimos, as suas consequências bem como a legislação criada para tentar evitar a repetição dos mesmos. Seguidamente salientou a introdução de nova tecnologia e equipamentos, chamando a atenção para o facto de esta introdução ser considerada mais de forma individual e não como parte integrante da gestão dos recursos da ponte. Antigos métodos de trabalho ainda são em alguns casos impostos aos jovens oficiais que precisam usar o novo equipamento. Por fim, foi apresentado a questão dos seguros. O Cte. Amadeu Albuquerque e o Cte. Gregoriy Udovytskyy membros da direção da filial Ibérica, complementaram a apresentação dando exemplos da experiência no segmento de navios de passageiros e no setor offshore. A audiência foi então convidada a participar com as suas opiniões e questões sobre o assunto, e foram vários os participantes que contribuíram para o debate,

incluindo os alunos. A grande maioria dos participantes concordou que não é dada a devida importância à navegação com consequências em termos de segurança. O último tópico foi apresentado pelo Cte. Hugo Bastos, Diretor de Navegação da Mystic Cruises, empresa portuguesa que está a construir navios de cruzeiro de expedição nos estaleiros navais da West Sea, em Viana do Castelo. O primeiro navio “World Explorer” será comandado pelo Cte. Filipe Sousa que esteve presente no seminário. Ficou a promessa desta companhia portuguesa em apoiar a inserção profissional dos estagiários nos seus navios. Após a conclusão do seminário seguiu-se um jantar entre os membros da direção da filial Ibérica do NI e os membros do COMM, ficando acordada a possibilidade de futuros seminários nas instalações do COMM. NAUTICA INSTITUTE - IBERIA BRANCH COUNCIL HTTPS://WWW.NAUTINST.ORG/

JOÃO FRADE MAR-ABR 2019 | BORDO LIVRE 151 | 17


ACONTECIMENTOS DE MAR

“ TITANIC SOVIÉTICO” S.S. “ ADMIRAL NAKHIMOV”

JOAQUIM B. SALTÃO

Houve seis navios com nome de "Berlin”, três de carga geral e três de passageiros, mas este cuja história vamos relatar trata-se do “Berlin III” de 1925

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Os soviéticos também tiveram o seu “TITANIC”, embora mais modesto, cujo acidente foi ocultado durante cinco dias. Esta é a narrativa do navio S.S. “Berlin” construído em 1925 e cujas vicissitudes por que passou são pouco conhecidas. O historial deste navio é vasto e os acontecimentos de mar em que foi envolvido é digno de ser registado para memória da história marítima. Houve seis navios com nome de "Berlin”, três de carga geral e três de passageiros, mas este cuja história vamos relatar trata-se do “Berlin III”de 1925, muitas vezes, na história marítima, confundido com o "M.S. Berlin", ex-"M.S. Gripsholm", o primeiro navio de passageiros com motores diesel no trafego do Atlântico Norte. Foi construído no estaleiro da Bremen Vulkan, em Vegesack, Alemanha, para a NGL-North Germany Lloyd e lançado à água em 24/03/1925. Foi o terceiro navio da NGL a ser nomeado com o nome da cidade de Berlim. Em 26/09/1925 iniciou a sua primeira viagem entre: Bremen, Southampton, Cherbourg e New York tendo mantido este serviço até Maio de 1939, tendo amarrado em Bremerhaven para manutenção preventiva e correctiva e adaptação aos parâmetros da KDF(classe única) para navios de cruzeiro. Após os fabricos foi afretado, ainda em 1939, à KdF-Kraft Durch Freude, a precursora dos actuais navios de cruzeiro, sem classes, agregada à DAF-Deutsche Arbeiterfront, maior operadora de viagens do mundo, no seu tempo. O "Berlin" tinha 174,3 m de comprimento de fora a fora, 20,98 m de boca, 9,04 m de calado, 15286 TAB, 23480 t de deslocamento, 2 chaminés, 2 mastros, 2 hélices, máquinas a vapor de tríplice expansão desenvolvendo uma potência de 12000 cv, com uma autonomia de 12500 milhas marítimas a 16 nós. Podia transportar 323 passageiros em 1ª. classe, 290 em 2ª. classe e 488 em 3ª. classe.

Em 12/11/1928, participou no salvamento dos passageiros e tripulação do navio S.S. "Vetris", que se afundou a 240 milhas marítimas ao largo de Hampton Roads na costa da Virginia, E.U.A., em rota de New York para Barbados. O "Berlin III", manteve-se nos cruzeiros da KdF, até ao principio da 2ª. G.M. Em 17/07/1939, quando se encontrava, em Swinemünde, explodiu uma caldeira matando 17 tripulantes. Foi reparado em Hamburgo e passou a navio hospital, denominado "A", (Lazarettschiff "A") tendo entrado ao serviço em 23/08/1939. Dispunha de alojamento para 400 doentes e 165 tripulantes. Inicialmente operou nas águas noruegue-sas. Em 1944 passou a navio residência. Em Janeiro de 1945 integrou a Operação Hannibal, transportando feridos e refugiados dos portos de leste do Báltico. Em 31/01/1945, no mesmo dia do afundamento do "Wilhelm Gustloff", quando se dirigia para Kiel, colidiu com uma mina ao largo de Swinemünde, tendo sido rebocado para Kiel, tornou a colidir com outra mina, tendo sido encalhado em águas pouco profundas na posição 54 02.6 N e 14 19 E. Apesar deste aparato de sucessivos acidentes morreu apenas uma pessoa. Em 05/02/1945, foi retirado do navio todo o equipamento prestável, que foi possível salvar e abandonado. Em 1949 o navio foi posto a flutuar pelos soviéticos e levado para Warnemund, como reparação de guerra, onde foi reconstruído, durante 7 anos, e alargado para 17.053 TAB (designação à época, agora AB). Foi renomeado "Admiral Nakimov" e em 1957 entrou ao serviço da Black Sea Steamship Company. < Em 1962, durante a crise dos mísseis cubanos foi utilizado para transportar soldados e conselheiros para Havana. O "Admiral Nakimov" operava regularmente em cruzeiros no Mar Negro entre Odessa e Batumi, com a duração de 6 dias, transportando 1000 passageiros por viagem. Foi durante muito tempo o navio


almirante da Black Sea Steamship Co., até à entrada em serviço de novos navios. Este navio protagonizou o maior acidente marítimo soviético após a 2ª. G.M. tendo morrido no naufrágio 423 pessoas de um total de 1234 embarcadas. Das pessoas desaparecidas 64 eram tripulantes e 359 passageiros. Os passageiros eram de origem Ukraniana, Moldava, Repúblicas do Báltico e da Ásia Central. O "Admiral Nakhimov", saiu de Novorossiysk (Mar Negro) pelas 22:00 horas (F=+4), do dia 31/08/1986 com destino a Sochi, com o rumo de 160 e uma velocidade de 10 nós. Às 22:47 foi avistado por EB, à distância de 7.2 milhas marítimas, e ao rumo de 036 e à velocidade de 12 nós, o navio graneleiro russo "Pyotr Vasev", de 32.961 dwt, construído no Japão em 1981 e recentemente adquirido pela URSS, que transportava aveia e cevada a granel, proveniente do Canadá. O 2º. piloto de quarto, Alexander Chudnovsky, do "Admiral Nakhimov", comunicou com o "Pyotr Vasev", via VHF, para combinar os procedimentos de manobra e o comandante, deste, respondeu: "Não se preocupe porque vamos passar claros um do outro e deixe por minha conta todos os cuidados a tomar". Às 23:05 o "Admiral Nakhimov" alterou o rumo para 155, mantendo a velocidade de 12 nós e marcou o "Pyotr Vasev" por 176 à distância de 2.3 milhas marítimas. Às 23:07,5 o "Admiral Nakhimov" alterou o rumo para 150 e manteve a velocidade de 12 nós, com o "Pyotr Vasev" à distância de 1.1 milhas marítimas, tendo este navio reduzido a sua velocidade para 9 nós. Às 23:09 o "Admiral Nakhimov", alterou o rumo para 140 e manteve a mesma velocidade. Às 23:10 a velocidade do "Pyotr Vasev"era de 7 nós e o rumo manteve-se nos 036. Às 23:12 dá-se a colisão na posição =44 36'15" N e L=37 52'35" E, continuando o "Admiral Nakhimov"a andar a vante, com a proa do "Pyotr Vasev"alojada entre as suas casa das caldeiras a casa das máquinas, provocando-lhe um rasgão naquela região de aproximadamente 8 metros de comprimento por

10 metros da altura. Às 23:20 na posição =44 35.'98 N e L=37 52'.90 E, o "Admiral Nakhimov" afundava-se sem haver tempo de arriar baleeiras, a 8 milhas marítimas do porto de Novorossiysk, a duas milhas da linha de costa e em 45 metros de profundidade, na Baía de Tsemes, adormecido sobre o seu EB. Aquela hora, muitos passageiros já se tinham deitado mas havia outros que dançavam e ouviam música ao som da orquestra de bordo. O enorme estrondo e o apagão quase imediato e o adornamento a EB, naquela noite escura e trágica estabeleceu o caos e levou para o fundo do mar 423 pessoas. O "Pyotr Vasev", poucas avarias sofreu e participou imediatamente no salvamento das pessoas que nadavam, num mar de óleo, tentando apanhar tudo que flutuava à sua volta. Participaram no salvamento 64 navios e embarcações e 20 helicópteros que tiraram da água 836 pessoas. Retirar os corpos da água foi difícil porque impregnados de óleo tornavam-se escorregadios quan-

do eram puxados pelos seus salvadores. Naquela noite quente de verão, com a ventilação avariada, 90 vigias do "Admiral Nakhimov" estavam abertas durante o acidente o que facilitou a inundação do navio. Outro pormenor: durante a reconversão do "Admiral Nakhimov"algumas das anteparas estanques tinham sido removidas. Esta colisão, conjecture-se o que se quiser, é inexplicável e só pode ter acontecido por negligência, facilitismo ou até mesmo por incompetência dos manobradores. Há um dito, muito usado pelos automobilistas, que é o conduzir à defesa, que também pode ser aplicado à navegação, o que parece neste acidente foi ignorado. A manobra tinha sido combinada pelo VHF e embora o "Admiral Nakhkimov" tivesse que manobrar para safar do "Pyotr Vasev"o comandante deste encarregou-se de ser ele a fazê-lo. À primeira vista as marcações efectuadas respectivamente às 23:00 e 23:05 deixaram transparecer que os navios passavam safos um do outro, embora a uma dis-

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tância pouco confortável. Talvez por isso o comandante do "Pyotr Vasev", que se man-teve sempre na ponte, ao contrário do comandante do "Admiral Nakhimov", manteve sempre o seu rumo e velocidade. Por sua vez o oficial de quarto do "Admiral Nakhimov", o 2º. piloto, Alexandre Chudnovsky, a partir das 23:00 embora mantivesse a velocidade do seu navio, foi fazendo alterações do rumo para BB. Com os dados disponíveis, supracitados, fazendo uma análise aos movimentos absolutos e relativos dos dois navios (plotting), chega-se à seguinte conclusão: Às 23:05 se os rumos e as velocidades dos dois navios se tivessem mantido inalteráveis, os na-vios passariam safos um do outro à distância mínima de 0.5 de milha marítima. As alterações de rumo para BB do "Admiral Nakhimov" foram fatais. Às 23:05 a alteração do rumo do "Admiral Nahkimov" para 155 alterou a distância mínima de passagem para 0.35 de milha marítima. Às 23:07.5 a alteração do rumo para 150, do "Admiral Nahkimov" e a redução de velo-

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cidade do "Pyotr Vasev"para 9 nós alterou a distância mínima de passagem, entre os dois navios, para 0.2 de milha marítima. A inconsequente redução de velocidade do "Pyotr Vasev", que às 23:10 era de 7 nós completou o móbil da colisão. Em conclusão o "A.N." não devia nunca ter alterado o rumo para BB, mas sim para EB, como o deveria ter feito desde o inicio para cumprir as Regras para Evitar Abalroamentos. Bastava ter alterado o rumo para 165, às 23:05 para os dois navios passarem à distância mínima de 0.6 de milha marítima. O comandante do "Pyotr Vasev" talvez não se tivesse apercebido das alterações de rumo do "A. N." e quando se apercebeu que a colisão era eminente tentou reduzir a velocidade. Às 23:09 se o "P. V." tivesse aumentado a sua velocidade para 13 nós, não sei se seria possível, em vez de a diminuir, a distância mínima de passagem entre os dois navios teria sido de 0.25 de milha marítima. Tudo isto se passou à noite, onde todos os gatos são pardos, com menor possibilidade

de avaliação dos riscos, como é óbvio. Na época em que aconteceu este acidente os RADARES já permitiam fazer um plotting que não deixasse dúvidas de um risco eminente de colisão. O RADAR é um auxiliar de navegação e não um instrumento infalível de decisão. Teriam os RADARES anomalias que levaram a falsas leituras? O comandante do "P. V." disse na Comissão de Inquérito que o seu RADAR teria, eventualmente, um erro de pelo menos 0.5 de milha marítima, pois indicava que o "A.N."estaria mais afastado. O acidente, foi investigado por uma comissão nomeada pelo Governo Soviético, tendo-se concluído que tanto o comandante do "Admiral Nakhimov", Vadim Markov, como o comandante do "Pyotr Vasev", Viktor Tkachenko, violaram as regras de segurança da navegação. O Cap. Tkachenko embora desse a oportunidade ao "Admiral Nakhimov"para deixar a manobra por sua conta não alterou a velocidade e o rumo, como devia ter feito, com antecedência, se achasse que havia iminência de colisão ou se o fez já foi em cima do acontecimento, tardiamente, com as consequências óbvias. Quanto ao Cap. Markov estava ausente da ponte quando ocorreu a colisão. Ambos foram julgados em 1987, em Odessa, e condenados a 15 anos de prisão. Não chegaram a concluir a totalidade da pena e foram libertados em 1992. A notícia deste naufrágio foi censurada pelas autoridades soviéticas e só no dia 5 de Setembro de 1986 o jornal Pravda publicava uma nota de pesar pelas vítimas do naufrágio. Aos sobreviventes só foi autorizado que enviassem telegramas às famílias dizendo: "Vivos, estamos bem em Navorossiysk". Eram as amplas liberdades em plena era da Glasnost e Perestroika. O "Admiral Nakhimov", ex-"Berlin III", foi dos navios da KdF que sobreviveu mais tempo, 61 anos de glória e tragédia, apesar das vicissitudes por que passou. O que se disse do acidente: No dia de saída do "Admiral Nakhimov" do porto de Navorossiysk, o pôr-do-sol apresentou-se deslumbrantemente vermelho, como nunca tinha sido visto, e registaram-se anomalias electromagnéticas de grande intensidade que eventualmente teriam levado a


interferências nas leituras das informações dadas pelo RADAR. O comandante do "Pyotr Vasev" afirmou que no seu RADAR, apareceu um terceiro navio ("fantasma") que o terá levado a confundi-lo com o "Admiral Nakhimov", tendo as distâncias aos navios, lidas no RADAR, acusado uma maior distância do que realmente se encontravam. Também se constatou que os azimutes tirados porambos os navios não foram coincidentes. Os supersticiosos disseram que o "Admiral Nakhimov" se afundou porque tinha um nome que atraía desgraça. Em 1897 um navio de carga a vapor de nome "Admiral Nakhimov" afundou-se na costa da Turquia. Durante a batalha de Tsushima, em 1905, os japoneses afundaram um navio de guerra de nome "Admiral Nakhimov". Também, já depois deste acidente, em 1992, um navio de nome "Tavira-7", com o mesmo indicativo de chamada do "Admiral Nahkimov", afundou-se ao largo da costa da Bulgária.

JUNHO DE 2018 CAP. M.M. JOBERSALSTER@GMAIL.COM Conselho Fiscal

Realizou-se no passado dia 23 de Março, a Assembleia Geral da PASC para a eleição dos novos corpos sociais para o triénio 2019-2021 que tomaram posse no final do acto eleitoral (quadro à direita). O que é a PASC-Casa da Cidadania?

Várias Associações da Sociedade Civil, reconhecendo a responsabilidade e necessidade da sua participação na vida nacional, decidiram criar uma Plataforma Activa da Sociedade Civil (PASC). Assim em Outubro de 2014, nasce esta Associação de Associações, que resulta da vontade de partilha de opinião, reflexão, trabalho e intervenção de várias Associações, em todas as questões que se consi-

derem relevantes e urgentes para o futuro dos portugueses. A PASC é para as Associações, um local de partilha, de encontro e participação, cujo objectivo é promover a participação cívica dos cidadãos, através das associações suas afiliadas, visando reforçar o contributo consciente e activo da cidadania para uma sociedade mais justa, solidária e onde a confiança entre a sociedade civil e ao poderes públicos seja reforçada, nomeadamente através da mediação e busca de consensos. Saí que o seu lema seja: Conhecer > Colaborar > Intervir > Transformar.

O COMM aderiu no final de 2016 à PASC e participa de forma activa no Cluster do Mar.

Função

Associação

Representante

Presidente Vogal Vogal Suplente

AORN APRE COMM MIL

Mário Baptista Teresa Rio de Carvalho João da Costa Tavares Renato Epifânio

Função

Presidente Vice-Presidente Secretário

Função

Presidente Vice-Presidente Vogal Vogal Vogal Vogal Vogal Vogal

Assembleia Geral Associação Representante

AAACM GEOTA CIFOTIE

Carlos Rio de Carvalho João Joanaz de Melo António Matos Cristóvão

Direcção Associação Representante

APE MIL AAAIO AACDN AORN APDSI GEOTA AECODE

Américo Ferreira Joaquim Rocha Afonso Genoveva Pereira Carlos Seixas da Fonseca Jorge Robalo Luís Vidigal Hélder Careto Zeferino Boal

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OS JOVENS E O MAR

BÁRBARA CHITAS O CÓDIGO POLAR: Desde o início da navegação oceânica que existem navios a navegar nas zonas polares, mas o degelo e a procura por novas rotas têm aumentado a popularidade destas zonas. Para navios de carga, as águas polares poderão ser uma resposta para fazer uma viagem mais curta entre portos. Para passageiros que visitam a zona, é uma das mais incríveis experiências. Para os tripulantes acaba por ser um teste às capacidades dos navios e às suas experiências profissionais. Os ambientalistas afirmam que estas zonas não deveriam ser navegadas, pois este ambiente é para ser preservado e não navegado. A IMO (International Maritime Organization) não deu a sua opinião nesta matéria, optando por legislar este tipo específico de navegação com o propósito de minimizar possíveis danos.

O QUE É O CÓDIGO POLAR? O código polar entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2017.

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Tem como objetivo legislar tudo o que tenha haver com os navios que navegam em ambos os polos: o design do navio, construção e equipamento, treino da tripulação, operações de resgate e proteção do ambiente e dos seus ecossistemas nas regiões polares.

Design e construção dos navios:

O código obriga os navios a passarem um teste que os irá colocar numa de três categorias:

Operações e tripulação:

> A: Gelo médio > B: Gelo fino > C: Água abertas: condições mais favoráveis que as categorias A e B

Após este teste, é passado o certificado de navio polar. Estes navios têm de ter a bordo um manual de navegação em águas polares, para que o dono do navio e a sua tripulação saibam as capacidades e limitações do seu navio.

O QUE É QUE O CÓDIGO POLAR FAZ PELA SEGURANÇA DO NAVIO? O que muda para os navios?

• Janelas da ponte: têm de estar preparadas

para derreter o gelo que se acumula. • Embarcações salva vidas: têm de ser parcialmente ou totalmente cobertas. • Roupas: têm de existir ajudas térmicas para todos os passageiros a bordo. • Removedor de gelo: equipamento especial para remover gelo. Poderão ser aparelhos elétricos ou pneumáticos tais como machados ou tacos de madeira. • Segurança em caso de incêndio: aparelhos para extinguir incêndios operacionais em temperaturas polares.

• Categorias dos navios:

categorias.

divisão em três

• Estabilidade intacta em condições de gelo. • Materiais: os navios contruídos para ope-

rar em águas polares, deverão ter materiais resistentes a estas temperaturas. o navio deve receber informação atualizada relativamente ao gelo. • Certificado e manual: o navio deve ter a bordo o certificado de navegação em águas polares e também um manual de operações em águas polares. • Treino: os oficias da ponte devem ter um certificado para operações em águas polares. • Navegação:

O QUE O CÓDIGO POLAR FAZ PELA SEGURANÇA AMBIENTAL? Óleo:

• Descargas: é estritamente proibida quais-

quer descargas de derivados de petróleo nestas zonas. • Estrutura: para navio para todos os petroleiros é obrigatório duplo casco e duplo fundo, independentemente do tamanho. • Óleos combustíveis pesados: são proibidos de se utilizar nesta zona. Os navios também são encorajados a não o transportar. • Lubrificantes: aconselha a utilização de lubrificantes não tóxicos e que sejam biodegradáveis. Espécies invasivas:

medidas preventivas para minimizar a proliferação de espécies invasivas através de águas de lastro e bio incrustação. • Espécies invasivas marinhas:


Esgoto:

Químicos:

nesta zona (exceto sobre situações específicas). • Estações de tratamento: poderão ser fei-tas descargas, se o navio tiver uma estação de tratamento de esgotos aprovada. As descargas terão de ser feitas o mais longe possível de terra ou blocos de gelo. As descargas que não estejam trituradas ou desinfetadas podem ser largadas a uma distância de 12mn relativamente a blocos de gelo. As descargas trituradas e desin-fetadas podem ser largadas a uma distância de 3mn.

vas em águas polares.

• Descargas: não são permitidas descargas

Lixo: • Plástico: é proibida a eliminação

de plástico, atirado borda fora. • Restos de comida: é proibida a descarga de restos de comida para cima de gelo. Caso a comida esteja triturada poderá ser descarregada a uma distância de 12nm de terra ou de um bloco de gelo. • Carcaças de animais: é proibida a descarga de carcaças de animais.

• É proibida a descarga de substâncias noci-

Treino das tripulações:

Desde julho de 2018 é obrigatório os tripulantes dos navios que operam em águas polares, terem uma certificação específica para operarem estes navios. Esta certificação é necessária uma vez que nos polos a navegação é bastante diferente de outros locais, pelas seguintes razões: • Más condições climatéricas; • Fracos sistemas de comunicações; • As cartas de navegação não são tão precisas como as de outros locais. • Os meios de salva vidas têm de ser completamente fechados e haver equipamentos para libertar o navio de gelo. • Civilização mais distante. • A temperatura ambiente poderá reduzir a eficiência dos diversos componentes do navio. • Por serem áreas remotas as operações

de resgate são mais difíceis e com custos elevados. Onde se pode fazer esta formação?

A partir deste ano, já é possível realizar o curso de navegação em águas polares na Escola Superior Náutica Infante D. Henrique-ENIDH.

CONCLUSÕES:

A poluição é uma realidade atual. Penso que a resposta estará na prevenção de danos apontada pela IMO. Estes locais serem visitados por passageiros poderá até ser uma chamada de atenção para pequenos atos do dia a dia e dar ênfase ao que está em risco de ser perdido. Se tiverem alguma sugestão ou observação, poderão enviá-la para o meu email pessoal barbara@chitas.pt ou visitar o meu blog: www.Seagirl.pt. Bons ventos e Boas Marés!

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