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BORDO LIVRE REVISTA DO CLUBE DE OFICIAIS DA MARINHA MERCANTE

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JULHO/AGOSTO 2019


ALMOÇO DELEGAÇÃO NORTE

Todas as penúltimas sextas-feiras do mês no Restaurante Marisqueira Mauritânia, Leça da Palmeira. Inscrições através do comm.norte@gmail.com

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EDITORIAL RUAS DO MAR

JORGE RIBEIRO

Que me perdoe o meu grande amigo Jorge Mendes pelo uso talvez um pouco abusivo deste título. Conforme deverão saber este é o nome do seu novo trabalho discográfico recentemente lançado no nosso COMM e eu estou a aproveitar-me dele, embora temporariamente. A verdade é que fiquei com estas três palavras na cabeça, o que me levou a outros caminhos, a outras avenidas percorridas por muitas centenas, milhares de colegas que, tendo como origem profissional a mesma Escola Náutica que todos nós frequentámos, mais cedo ou mais tarde acabaram por seguir outros caminhos profissionais que muitas vezes nada tinham a ver com a primeira escolha - o MAR. Basta consultarmos os ficheiros dos nossos sócios e rapidamente deparamos com profissões, no ativo ou já aposentados, tais como: médicos de várias especialidades, cirurgiões; advogados; juízes; empresários de vários ramos; gestores; economistas; professores; políticos; produtores agrícolas; construtores civis… Quase uma enciclopédia das profissões. Poderão alguns a quem a experiência no mar não foi tão simpática afirmar: “o mar era tão mau que acabou por empurra-los para outras profissões tão dispares…”, poderão

até ter razão, mas mesmo nesse caso o MAR exerceu a sua grande influência quando Neptuno lhes segredava ao ouvido durante as looooongas noites de quartos com alguns enjoos pelo meio: “… esta não é a

tua vida, tens outro destino a cumprir, segue o teu destino…” e aí foram eles por esse outro

caminho. Na verdade eu penso de outro modo. O curso que frequentámos e que nos levou a percorrer essas “ruas e avenidas do MAR”e, acima de tudo, as experiências que nós lá adquirimos, incutiu-nos uma visão da vida, do mundo que tão bem fomos obrigados a conhecer e que, sem nos apercebermos, fez de nós pessoas mais sábias, mais aptas, mais preparadas para percorrermos outras “ruas e avenidas para além do MAR” e não “em vêz do MAR”. O MAR foi um dado (muito importante) adquirido e nunca o foi dado substituído. Voltando ao nosso amigo Jorge Mendes que deu o mote para este tema e que, segundo ele próprio afirma: “tenho uma relação de amor e ódio com o MAR” (ele terá as suas razões), a magnifica voz que ele tem não a adquiriu no seu tempo de mar, óbvio, já nasceu e cresceu com ele. O fado, que nem sempre foi primeira opção, é o fado do clube do seu bairro, do seu coração, o Belenenses pois claro, o longo fado da sua própria vida e que um dia será cantado, talvêz por ele próprio. Para mim, amigo Jorge, os fados que melhor interpretas são aqueles que têm sal, que falam do MAR pois claro, vá lá saber-se porquê?! Amigo, até já! Boas férias a todos!

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SUMÁRIO

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Editorial

Jorge Ribeiro

COMM Natura O Nível dos Oceanos António Costa

Viagens Que Não Esquecem Oliveira Gonçalves

Sabedoria do Mar Alberto Fontes

Allianz Publica Estudo de Segurança António Costa

Regatas do Campeonato Mundial de GC32 Jorge Macedo

Os Jovens e o Mar Bárbara Chitas

DIRETOR

Lino Cardoso

COLABORARAM NESTE NÚMERO

Jorge Ribeiro, António Costa, Alberto Fontes, Oliveira Gonçalves, Jorge Macedo, Bárbara Chitas

OS TEXTOS ASSINADOS SÃO DA RESPONSABILIDADE DOS SEUS AUTORES

COMPOSIÇÃO Mapa das Ideias TIRAGEM 1000 exemplares PERIODICIDADE Bimestral REG PUBL 117898 DEPÓSITO LEGAL 84303 CORREIO EDITORIAL Despacho DE00192019CRS

PROPRIETÁRIO/EDITOR

Clube de Oficiais da Marinha Mercante Trav S João da Praça, 21. 1100-522 Lisboa Tel (+351) 218880781. www.comm-pt.org secretaria.comm@gmail.com

CAPA © Jorge Macedo DISTRIBUIÇÃO GRATUITA AOS SÓCIOS DO CLUBE DE OFICIAIS DA MARINHA MERCANTE

A REVISTA ESTÁ DISPONÍVEL ONLINE para leitura, duma forma fácil e intuitiva em http://issuu.com/clubeoficiaismarinhamercante/docs/bl153

HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO DA SEDE DO COMM 2.ª, 3.ª, 4.ª, 5.ª, 6.ªF - das 15h00 às 18h00

A SEDE DO CLUBE DISPÕE DE LIGAÇÃO PAGAMENTO DE COTAS: NIB 001000006142452000137



COMM NATURA Nesta edição, COMM Natura, trazemos aqui um tema que nos é muito querido e que nos foi apresentado e proposto pelo GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente, uma organização não governamental de ambiente, no sentido de obter a colaboração activa dos associados. Trata-se do projecto Coastwatch Portugal, projecto europeu de educação ambiental para a sustentabilidade e cidadania participativa que de forma particular está orientado para a recolha de dados ambientais das zonas costeiras. Consiste na recolha de informações sobre os animais, as algas, as plantas, a ocupação do solo acima da praia, o tipo de substrato (areia, rocha), a poluição – contaminações e resíduos e os riscos e ameaças para zonas costeiras.

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A observação incide numa faixa costeira de 500m previamente seleccionada e, na fase de maré baixa, é realizada a saída de campo onde são registados os dados científicos com o auxílio de um questionário, ficha da biodiversidade, fitas colorimétricas de nitritos/nitratos. Os dados ambientais recolhidos são inseridos numa base de dados nacional científica para posterior análise de forma a permitir a caracterização da Biodiversidade, da Zonação Costeira, dos Resíduos, das Contaminações e das Pressões Naturais e Antropicas do Litoral Português. Este é um projecto que está adaptado a vários públicos e acessível a todas os níveis etários, pelo que será uma actividade interessante de desenvolver em família, juntando os mais novos com os mais experientes.

Este ano estamos a celebrar o 30º aniversário da presença deste programa em Portugal e lançamos aqui o primeiro desafio de participação: a escolha de um slogan, uma frase memorável para a campanha que se inicia em Setembro. Os temas das últimas campanhas foram: - 2015/2016: Vamos devolver os rios às praias - 2016/2017: Turismo sustentável no litoral - 2017/2018: Deixa a tua praia respirar - 2018/2019: Litoral, património natural

Divulgue! Mobilize! Participe!


MOÇAMBIQUE PERDE

COM O SAQUE DE ESTRANGEIROS À SUA COSTA -- do Blog Mar e Marinheiros

Albergando um quinto da população da Terra, a China consome mais de um terço do peixe retirado das águas do planeta. Com a sua procura bem acima da oferta, a indústria pesqueira da China juntou-se à de outras nações e fixaram os seus olhos e redes em águas africanas sem se preocuparem com a soberania ou a lei. Os africanos que lutam para sair da pobreza estão a pagar um alto preço por essas predações. Somente Moçambique perdeu 300 mil empregos e 3,3 mil milhões de dólares americanos em receitas – 10 vezes o valor que as nações da África Oriental ganham no licenciamento legal de pesca por embarcações estrangeiras, segundo a organização sem fins lucrativos Stop Illegal Fishing. Dos 130 navios licenciados para pescar em Moçambique, apenas um pertence a moçambicanos. Muitos outros navios estrangeiros nem, sequer, estão licenciados. Sem barcos de patrulha adequados, as autoridades de Moçambique não podem monitorizar, proteger ou fazer cumprir as leis as suas próprias águas territoriais. Em 2010, Moçambique tomou medidas para conseguir um maior controlo sobre as suas pescas, encomendando uma frota de pesca moderna e um sistema de segurança costeira. No entanto, pouco tempo depois de o ex-presidente Armando Guebuza ter participado do corte de fitas para essas entidades no outono de 2014, o seu governo suspendeu os contratos que formalizavam o programa. Portanto, nem empresas, nem navios de pesca, nem formação, tampouco fiscalização. Na costa oeste da África, a Serra Leoa tem apenas um barco de patrulha para inspeccionar a pesca nas suas águas. Na sequência de um programa de investigação da BBC sobre como as traineiras chinesas estavam a usar tácticas proibidas para pescar milhares de toneladas do seu peixe, a Serra Leoa baniu a pesca chinesa por um mês.

Nem toda a pesca estrangeira na África é feita pela China, mas de acordo com a Oceanmind, com sede no Reino Unido, que monitoriza a pesca globalmente, três quartos dos navios a operar na África Ocidental estão registados para empresas chinesas. Para ser detectado por satélite, uma embarcação deve ter um sinal electrónico que permita que os navios evitem colisões entre si (AIS). É improvável que os navios de pesca envolvidos na pesca ilegal usem tal sinal, de modo que o rastreio da Oceanmind certamente subestima a pesca ilícita. A pesca estrangeira predatória na costa do Oceano Índico africano recebeu menos atenção da mídia do que a costa do Atlântico, mas o impacto não é menor, sendo até, possivelmente, mais desastroso. Moçambique importa comida da África do Sul, em parte porque os seus mercados domésticos não têm o benefício de suas próprias áreas de pesca.

Ironicamente, vários dos barcos de pesca de atum encomendados por Moçambique para desenvolver a sua própria frota comercial estão agora a ser arrendados por uma empresa chinesa. Ao contrário de um barco de patrulha da Serra Leoa, Moçambique, apesar dos esforços bem-intencionados de há nove anos, ainda não tem um, que seja. Com 1.400 milhas de litoral, Moçambique deveria parar de licenciar um dos seus maiores bens para um país distante por centavos por dólar e empreender um esforço sério para ensinar a sua população subempregada a explorar as existências de atum offshore e fornecer-lhes as ferramentas para o fazer. Leia artigo completo em https://maritimeexecutive.com/editorials/mozambique-loses-asforeigners-plunder-its-coast

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O NÍVEL DOS OCEANOS E A SUBSIDÊNCIA DOS SOLOS -- do Blog Mar e Marinheiros

ANTÓNIO COSTA O aumento do nível da água do mar – cerca de três milímetros ao ano – está a acelerar e, pode triplicar até 2100, segundo os especialistas. Embora esta elevação do nível do mar possa vir a inundar centenas de cidades num futuro próximo é, de forma geral, vista como um cenário apocalíptico que só irá suceder num futuro longínquo sendo, por isso, fácil ignorá-lo. No entanto, a comunidade científica vem agora alertar para um outro fenómeno que, embora conhecido e estudado há muito, tem tido pouca projecção mediática e, portanto, é, praticamente, desconhecida do grande público. Falamos no fenómeno de subsidência. Em geologia, geografia e topografia subsidência é o afundamento (repentino ou gradual) da superfície do solo relativamente a um nível de referência, como seja o nível médio do mar. Pode ser causada por processos naturais ou por actividades humanas. Os processos naturais incluem vários fenómenos como liquefacção do solo, descongelamento sob a crosta, consolidação, oxidação de solos orgânicos, etc. De entre as actividades humanas incluí-

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mos a mineração subsuperficial ou a extracção de fluidos subterrâneos, como petróleo, gás natural ou águas subterrâneas. A subsidência é um problema global e, além de motivo de preocupação para os geólogos, deverá preocupar o público em geral. Na verdade, a subsidência do solo e a elevação do nível do mar estão a acontecer em simultâneo e ambos estão a contribuir para o mesmo problema – inundações com maior frequência, além de maiores, mais prolongadas e mais profundas. Por outras palavras, a “tempestade perfeita”.

A HOLANDA ESTÁ A IR AO FUNDO? A Holanda, que reconhecemos como um país que conquistou uma grande parte do seu território ao mar, a partir de grandes construções hidráulicas, tem, por via disso, grande parte dele abaixo do nível médio do mar e está a afundar-se mais rapidamente do que se esperava, segundo um estudo da Agência de Avaliação do Meio Ambiente holandesa, que apresentou um mapa digital representativo da situação, elaborado pelo Centro Holandês


de Geodesia e Geo-Informática. Caso não sejam tomadas medidas que consigam reverter ou combater a situação, prevê-se que este país da Europa Ocidental submerja 50 centímetros nos próximos 50 anos, num processo de deterioração ambiental que poderá provocar danos no valor de 22 mil milhões de euros até 2050. O fenómeno irá afectar tanto zonas rurais, como urbanas. Em Gouda, uma cidade de 73 mil habitantes no oeste do país, a situação é bem visível: a cidade desce, por ano e em média, três milímetros, mas há locais onde já se verificou um afundamento de 10 milímetros anuais, o que provocou danos estruturais em casas, como rachas nas paredes e problemas com esgotos. Segundo uma vereadora municipal "o assentamento é algo que tem vindo a acontecer há muito tempo, particularmente no oeste do país. Mas, agora, estamos a chegar ao limite. Em todo o sítio há algo a afundar. Se não são as estradas, são os parques. Esse assentamento é visível nas rachas das fachadas dos edifícios, degraus de escadas desalinhadas e irregulares, danos nas estradas e no sistema de esgotos.”

A Holanda é um delta do ponto de vista geográfico e o solo afunda-se a uma maior velocidade devido à acção humana e às alterações climáticas. Os verões quentes aceleraram o assentamento do terreno e em zonas onde predomina a turfa (carvão criado por decomposição de matérias vegetais) o processo é irreversível. O assentamento em alguns locais era compensado pela areia e a argila depositada

pelas inundações dos grandes rios (Reno, Mosa e Escalda) que atravessam o país, mas a construção de diques faz com que os rios já não transbordem tantas vezes. Segundo Ramón Hanssen, catedrático de Geodesia e Observação da Terra via Satélite da Universidade Técnica de Delft (que chefiou o desenvolvimento do mapa), "há 400 anos que bombeamos a água para cultivo e criação de animais em terra seca e o solo foi caindo abaixo do nível do mar. Já se sabia, mas com este novo mapa vemos, claramente, que no oeste do país, com solos de argila e turfa, esta última desaparece uma vez exposta devido à sucção periódica da água. Oxida-se ao entrar em contacto com o ar e contribui para as emissões de CO2.”

Através do estudo, ficou a saber-se que a taxa de subsidência é particularmente significativa nos verões secos, devendo-se ao efeito cumulativo da agricultura, da extracção de sal e da extracção de gás natural, uma actividade que é economicamente relevante para o país, mas que já provocou pequenos abalos sísmicos e danos no solo devido à instabilidade dos terrenos e à infiltração da água. Caso não sejam tomadas medidas, os investigadores avisam que o solo poderá afundar 50 centímetros nos próximos 50 anos. A subsidência do solo não apenas muda as paisagens naturais típicas da Holanda, incluindo pastagens, moinhos de vento e

cidades históricas, como também danifica as fundações de casas e ruas. Os danos resultantes até 2050 estão estimados em cerca de 22 mil milhões de euros, em grande parte devido às reparações necessárias às fundações de edifícios. Para além destes danos visíveis causados ao edificado, o afundamento do solo também está a provocar elevadas emissões de CO2 devido à oxidação da turfa.

MAS SERÁ SÓ NA HOLANDA? As cidades costeiras de Veneza, Bangkok, Nova Orleães estão a afundar dez vezes mais rápido do que o nível do mar está a subir, tendo os cientistas emitido uma nova advertência para as megacidades costeiras mundiais, revelando que a ameaça de subsidência é um problema mais imediato que o aumento do nível do mar causado pelo aquecimento global. Um novo estudo (liderado pelo Dr Gilles Erkens) do Instituto de Pesquisa Deltares, na Holanda, publicado no início deste mês, identificou regiões do globo onde o nível do solo está a abater 10 vezes mais rápido do que a subida do nível da água – devido aos excessos da actividade humana. Em Jacarta, a maior cidade da Indonésia, a população cresceu de cerca de meio milhão, na década de 1930, para os quase

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10 milhões de hoje, com áreas densamente povoadas que abateram até 1,98 metros, devido à enorme quantidade de água subterrânea bombeada do subsolo para consumo humano. A mesma prática fez com que o nível do solo de Tóquio caísse dois metros antes de serem introduzidas restrições e, em Veneza, o mesmo comportamento agravou os efeitos da subsidência natural causada por processos geológicos de longo prazo. Infelizmente, a subsidência provocada pelo homem, através da rápida urbanização e dos impactos associados, tem tido um forte impacto sobre os processos naturais, conduzindo a uma maior vulnerabilidade às inundações. Estima-se que o custo financeiro dos danos estruturais e manutenção será de cerca de mil milhões de USD anuais e que parte de muitas megacidades – incluindo Jacarta, Ho Chi Minh City, Bangkok e Daca – afundará abaixo do nível do mar, a menos que sejam tomadas medidas imediatas. No caso de Jacarta, foi erguido um paredão de 30 quilómetros para proteger a cidade de inundações, mas se vier a ceder, a Universidade Deltares prevê que, em 48

horas, seriam inundadas as casas de quase um milhão de pessoas. A Indonésia projecta, agora, a construção de uma longa muralha com 21 milhas e 17 ilhas artificiais para protecção da cidade. Para outras cidades, porém, até mesmo esse tipo de defesa será inútil, já que o aumento do nível de água irá submergilas primeiro. É o caso da pequena nação insular das Maldivas (formada por uma dupla cadeia de 26 atóis), que está a, apenas, um metro e meio acima do nível do mar. As piores projecções do aumento do nível da água sugerem que cerca de 350.000 ilhéus terão que abandonar a sua casa antes do final do século, deixando para trás uma cultura de 2.000 anos. A melhor solução, e mais rigorosa, seria parar de bombear água subterrânea para consumo humano. Mas isso obrigaria a uma nova fonte de água potável para essas cidades. Na verdade, Tóquio fê-lo e a subsidência atenuou; também Veneza parece seguir o mesmo caminho. Nos Estados Unidos, mais de 90 comunidades costeiras têm vindo a enfrentar cheias crónicas, do tipo de inundação que é tão incontrolável que leva as pessoas a fugir. Prevê-se que o número de comu-

nidades afectadas poderá ultrapassar as 170, daqui a 20 anos. Estes números, compilados num primeiro mapeamento abrangente de toda a costa dos estados de cota mais baixa, mostram um quadro preocupante, especialmente para as costas leste e do golfo, onde se encontram algumas das áreas mais povoadas do país. Segundo um estudo agora publicado, até o final do século, inundações crónicas ocorrerão do Maine ao Texas e ao longo de parte da costa oeste. Isso afectará até 670 comunidades costeiras, incluindo Cambridge no Massachusetts; Oakland na Califórnia; Miami e São Petersburgo na Flórida; e quatro dos cinco distritos de Nova Iorque. A magnitude da calamidade que se avizinha é tão grande, que os efeitos de propagação irão atingir o interior dessas costas.

PERANTE ESTE CENÁRIO, O QUE FAZER QUANDO A INUNDAÇÃO SE TORNAR INTOLERÁVEL? As opções são limitadas e todas elas caras, quer seja adaptando-se a um futuro de vida entre paredões e outras barreiras, quer recuando e encontrando um novo lugar para viver. Por exemplo, a maior estação de bombagem do mundo (concluída em Junho de 2011) protege a parte ocidental de Nova Orleães durante as tempestades tropicais, tendo custado 1.100 milhões de USD. O estudo atrás citado recorreu a perguntas muito práticas e concretas, considerando que a inundação crónica e disruptiva está definida como atingindo 10%, ou mais, da terra utilizável de uma comunidade, que sucede 26, ou mais, vezes por ano, ou a cada duas semanas. Questões, como:

- Quantas vezes por ano os moradores tolerariam

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enchentes crónicas que assolassem o seu bairro? - Se as enchentes de água salgada inundassem, regularmente, o primeiro andar dos proprietários ou danificassem os seus carros, com que frequência teria que ocorrer antes que os moradores começassem a procurar um novo lugar para morar?

Para efeitos de comparação, os autores do relatório observam que Miami Beach – considerada o “Marco Zero” para a problemática do aumento do nível do mar – não atingiu o limite de 10%, mesmo experimentando enchentes de maré alta e já investiu mais de 400 milhões de USD na reconstrução do sistema de esgotos da cidade. De igual forma, as enchentes em Annapolis, Maryland, sede da Academia Naval dos Estados Unidos, não atingem o limite de 10%, embora partes fundamentais da cidade, incluindo o campus da academia e o centro, inundem 40 vezes por ano.

ATÉ AGORA, FALAMOS DO QUE CONSEGUIMOS VER. MAS HAVERÁ MAIS DO QUE ISTO? Pesquisadores da Universidade de Tecnologia de Delft, na Holanda, vieram agora dizer-nos que o fundo do oceano está a deformar sob o cada vez maior peso da

água resultante do gelo derretido e da redistribuição da água na terra. Essa consequência inesperada da mudança climática também parece estar a distorcer os dados globais da elevação do nível do mar, fazendo com que pareça menos grave. Segundo eles, são alarmantes as consequências da deformação da Terra. Combinando dados sobre a perda de massa das camadas de gelo da Groenlândia e Antártica, e mudanças no armazenamento de água na superfície terrestre (devido a barragens, reservatórios e irrigação), os cientistas carregaram essas informações em equações matemáticas e, desta forma, estimaram os valores do nível do mar em todo o mundo, chegando à conclusão de que nos últimos 20 anos, os oceanos tornaram-se cerca de 2,5 mm mais profundos. O que essas novas descobertas significam é que a elevação global do nível do mar é realmente maior do que se pensava anteriormente. Na verdade, o fenómeno inesperado de aumento de carga dos nossos oceanos está a deformar a Terra e este é, simplesmente, um sintoma menos

documentado e menos visível das Alterações Climáticas. Estas alterações são mais do que simples números e equações matemáticas, o que nos deve levar a olhar, mais uma vez, a necessidade de acção correctiva sobre a mudança climática. Estamos, portanto, perante um problema muito mais próximo e mais generalizado, de nível global. Vamos ter que entender que vivemos no decurso de um século de adaptação às mudanças climáticas. As nossas costas irão enfrentar uma transformação irreversível com o aumento do nível do mar, sabendo-se que é na faixa costeira que grande parte da nossa população vive e onde é gerada parte muito significativa do PIB. Como tal, vamos ter que mobilizar recursos para permitir que essa mudança se desenvolva de uma forma organizada e administrável.

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VIAGENS QUE NÃO ESQUECEM

(LA PALLICE)

OLIVEIRA GONÇALVES Em Junho (1990?) fomos convidados pela Sociedade Catraeiros de Lisboa para ir buscar um navio a reboque do norte da França para a Figueira da Foz. Tendo aceitado o convite ninguém nos voltou a falar no assunto até que em Dezembro desse ano disseram que estava tudo preparado para sair. Ainda propusemos que arranjassem outro, mas dias depois disseram-nos que não era fácil e lá aceitámos. Ficou combinado irem-nos buscar à Docapesca de Pedrouços, listando nós o que considerávamos necessário para fazer a viagem. Quando embarcámos no reboque (PUNTA TAMBO), o mestre alegremente disse-nos que do que nós pedíramos já não havia almanaque do ano em curso mas tinha conseguido o do ano que vem. Nós só tínhamos uma semana para fazer a viagem. Como estava fundeado frente à Trafaria o navio iraniano KHARG V, fomos a bordo e pedimos ao comandante do navio que nos tirasse fotocópias das páginas do Almanaque respeitantes aos dias que achávamos necessários para fazer a viagem. Próximo de Cascais avariou o único radar que havia a bordo. Decidimos que devíamos continuar a viagem e entraríamos em Leixões para o

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reparar no dia seguinte. Azar o nosso, o mau tempo era tanto que quando estávamos próximo de Leixões já estava a cair a noite, e para não perdermos tempo seguimos viagem. Não havia giro-bússola nem GPS, dobrámos o Cabo Finisterra e seguimos viagem aproando ao farol da foz do rio “Garonne”, que sabíamos visível a grande distância. O tempo estava muito nublado e chuvoso, mas por momentos apareceu o sol e conseguimos uma reta de direção que não estava longe do estimado e serviu de conforto porque íamos muito mais devagar do que pensávamos e só avistámos o dito farol horas depois do que prevíramos Com azimute e sonda corrigimos a posição e lá seguimos para La Pallice fundeando ao largo e entrando de manhã. Enquanto se estabelecia o cabo de reboque, o acesso dos tripulantes a terra fazia-se pelo interior da garagem (bunker) que protegia os submarinos alemães na 2ª grande guerra.Na minha mocidade tinha visto um filme feito ali que terá contribuído para que optasse pela vida de marinheiro. Reparou-se o radar. O rebocado era um grande arrastão com cerca de 90 metros, com portas e vigias soldadas.Como a amarra do rebocado nos pareceu frágil, optou-se por fazer o brinco à proa com uma quartelada de amarra que havia no rebocador, com uma bitola duas ou três vezes maior que a do navio, que estava num paiol junto da casa das máquinas. Só mais tarde soubemos que lá estava há

mais de vinte anos. Logo que estabelecido o trem de reboque, saímos para o mar. Ainda não tinham passado duas horas, o chefe de máquinas avisou-nos que pretendia que regressássemos ao porto porque tinha o bucim a arder. Avaliados os prós e contras optou-se por pôr o trem reboque ao abrigo da Ilha ao lado enquanto se averiguava a razão para o sucedido. Descobriram que a origem do problema estava na sujidade nos tubos de óleo de arrefecimento, pelo que três horas depois estávamos de novo a navegar. Pela meia noite, com muito, muito mar, o primeiro de máquinas informou-nos que a máquina não conseguia dar mais do que X rotações, e que era preciso mudar de ejectores. Perguntado qual a velocidade correspondente às tais rotações disse que no rio daria 1 milha (nó). Orçámos logo o navio ao vento, todo o pessoal foi acordado e com colete à vista. O rebocado passou muito perto do rebocador e seguiu para sotavento. Foi um alivio enorme. Os maquinistas foram autorizados então a mudar os ejectores. Fizeram duas mudanças de ejectores e o problema mantinha-se. No entretanto o contramestre entrou em pânico e começou a dizer que íamos morrer todos. Que a mãe dele dizia que os heróis já estavam todos no fundo do mar e os cobardes como ele de vez em quando escapava um. Um susto só passa com um medo maior e


foi o que fizemos. O cabo do reboque, de doze cordões e bitola considerável, começou a roçar na braçola da borda falsa com a paragem do navio e o mau tempo, fazendo-nos recear o que sucederia com o aquecimento. Ficou o contramestre de atenção ao cabo e não demorou muito a informar que um dos cordões já tinha partido. Chamada a tripulação com urgência, substituiu-se o cabo real do gato até fora da borda por uma quartelada de amarra. Esta operação durou quase duas horas. Duas horas que a todo o momento nos dava a sensação que aquelas montanhas de água entrariam no reboque e nos levariam os tripulantes. Da máquina não chegavam boas noticias. Passou-se o resto da noite, passou todo o dia e decidimos que se no dia seguinte pelas nove horas, se não houvesse bons sinais entraríamos em contacto com a companhia de rebocadores de La Corunha para nos mandarem um reboque. De madrugada o 2º motorista informou que já sabia o que se tinha passado. O Ajudante tinha fechado uma válvula, cortando o ar que alimentava a combustão. Reiniciada a viagem navegámos até à Figueira, onde nunca tínhamos entrado. Ainda eram os molhes antigos, tipo funil. Contactados os Pilotos da Barra, fomos informados que a barra estava fechada, o que nos pareceu estranho porque não nos parecia que houvesse motivo para tal. O Piloto da Barra “Arnaldo”, que por coincidência conhecêramos dois dias antes da saída para o mar, disse que ia experimentar meter um navio que lá

estava fundeado há dias, e depois decidíamos se entrávamos ou não. Acompanhámos a entrada do tal navio de longe, e de facto pareceu-nos que o navio adornava imenso antes de entrar. O Piloto da Barra achou que não estavam boas condições, mas se estivéssemos de acordo podíamos tentar. Para mim, ao abrigo do Cabo Mondego, as condições pareciam-me boas. Decidimos então começar a entrar. Fomos reduzindo o comprimento do cabo, o barco de pilotos estava entre molhes e em determinada altura altura o Piloto da Barra começou a dar ordens para máquina e leme. Tudo foi correndo normalmente, máquina devagar e quase entre molhes, até que subitamente se forma uma montanha de água à popa e parte o cabo de reboque. O cabo de reboque ficou todo dentro de água o que tornou inútil o rebocador. Nesta situação, pedimos ao barco de pilotos para se aproximar. Era nossa intenção ir a bordo do rebocado largar o ferro. Connosco saltou também o marinheiro João Algarvio, por sua iniciativa. Quando chegámos junto ao costado do rebocado, este bateu violentamente nas pedras, e o barco de pilotos levantou a proa quase na vertical, metendo água pela popa. Pensámos : Já matei esta gente toda... Entretanto no poço de ré com água quase pela cintura, apanhámos o cabo de emergência. O marinheiro João foi grande mais valia, era muito mais rápido que nós a meter a retenida dentro e a passar o cabo de

emergência no cabeço. De seguida o navio . elevou-se e bateu segunda vez violentamente nas pedras, na altura em que já gritávamos ao mestre do barco de pilotos para dar força. Os botões do cabo de emergência foram rebentando um atrás de outro, e quando o navio se ergueu pela terceira vez já o cabo de emergência estava em força e o navio ao cair já não bateu nas pedras. Força... Foorça... mestre . O rebocado acabou por entrar mais ou menos de lado, empurrado pela ondulação. O rebocador depois de meter o cabo de reboque dentro foi mandado aguardar entre molhes, e logo que teve abrigo atracou ao rebocado de braço dado. O barco de pilotos era um barco de madeira antigo. Ouvi dizer que tinha 120 Cv. Os cabeços à popa eram caibros de 10x10. A tripulação do barco de pilotos portou-se heroicamente A avaria limitou-se a dois buracos no tanque de gasóleo por baixo do pique tanque a vante. Juntou-se gente a ver em terra, parecia um jogo de futebol. - O que partiu foi o brinco à proa do rebocado que abriu os elos. - Não sabemos qual o efeito da quartelada de amarra usada ter estado tantos anos sujeita a temperaturas tão elevadas. - Para o rebocador poder sair levámos de Imediato um mestre do alto com título obtido em Angola e que nunca tinha andado no mar. Embora tivesse ordens para não mexer em nada, disseram-nos depois que com o medo terá acelerado o rebocador.

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SABEDORIA DO MAR

O OURO BRANCO DO MAR

ALBERTO FONTES A ligação do Homem ao sal está documentada desde 2700 a.C. na China, os egípcios usavam o sal nos processos da mumificação, na Grécia antiga o sal funcionava como moeda de troca e os soldados romanos recebiam rações de sal conhecidas por “salarium argentum“. A importância do sal continuou e o ouro branco, como era conhecido foi também causa de guerras. Por sua vez o Mar Morto, que banha Israel, a Cisjordânia e a Jordânia é um lago salgado cujas margens estão a mais de 400 metros abaixo do nível do mar, sendo o ponto mais baixo em terra seca do planeta. A sua água hipersalina facilita a flutuação e a lama negra, rica em sais minerais é usada em tratamentos terapêuticos e estéticos nos resorts da região. Em Portugal onde os 943 Km de costa, identificam cinco salgados (conjuntos de salinas) como o salgado de Aveiro, da Figueira da Foz, de Setúbal, de Alcácer do Sal, e do Algarve, sendo este último o grande produtor nacional de sal. Este salgado ocupa uma área de 1750 hectares, chegando a ter em 1986, cento e vinte quatro unidades a produzir 126 mil toneladas empregando cerca de duzentas pessoas. Situa-se em Loulé o buraco mais profundo para extrair sal gema a 230 metros, sendo explorado desde 1960, pela CUF Quimicos Industriais SA que já abriu cerca de 40 Km de galerias. Até algumas décadas, todo o sal aqui extraído, era usado na produção de cloro, sendo hoje muito dele exportado para degelo das estradas, e na alimentação

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animal, como aditivo das rações. Por ano a capacidade de extração vai até 100 mil toneladas, havendo neste maciço salino reservas para três mil anos de exploração. Em 2013 foram exportadas cerca de 500 mil toneladas. O sal assume-se como um elemento fundamental da vida do ser humano. Sem sal, o nosso corpo não poderia executar algumas das vitais funções como a regularização do sangue, fluidos e a transmissão da informação ao nosso sistema nervoso e músculos. Numa escala de importância no que o ser humano necessita para se manter vivo e a sua privação conduzir à morte, teremos : 1. FALTA de OXIGÉNIO 2. FALTA de ÁGUA 3. FALTA de SAL 4. FALTA de ALIMENTOS

Como o corpo humano não produz sal, dependemos dos alimentos que ingerimos e do sal que usamos. Daí que o sal foi provavelmente, desde o princípio dos tempos, o primeiro mineral utilizado conscientemente pelo homem como suplemento alimentar. A necessidade e preocupação do homem para manter os alimentos em bom estado, levou-o a perceber que o uso do sal, era um dos métodos. Em Portugal a partir do século XVI a exportação nacional de sal, principalmente para os Países Baixos e Bacia do Báltico, representava uma das principais fontes de rendimento para a economia

portuguesa da época. Nos anos 60 iniciou-se a mecanização da extração, sendo o sal canalizado para as indústrias químicas, assim como toneladas de sal foram usadas na frota da pesca do bacalhau onde era essencial para aumentar a durabilidade do peixe no mar, assim como nas secas em terra, sendo ainda hoje comercializado curado e salgado. Com o desenvolvimento da indústria do frio, o sal marinho passou a ser pouco utilizado como meio de conservação dos alimentos, sendo empregue como tempero pois a sua seca ao sol preserva a humidade natural e os minerais da ág a do mar torna-o saudável e saboroso, rico em magnésio, potássio, iodo e selénio . A adesão de Portugal à Comunidade Europeia, com o surgimento dos fundos comunitários para o estabelecimento de explorações aquículas, grande parte destas verbas foram utilizadas na conversão de salinas, sendo outras salinas destruídas para darem espaço a campos de arroz. Por sua vez a competição do sal marinho com o sal gema proveniente essencialmente da Europa Central e Norte de África que entra no Mercado a preços muito competitivos, conduz a produção do sal marinho tradicional para níveis quase residuais, apenas ainda existente pela tenacidade de salineiros que teimam em colocar ao seu serviço décadas de experiência, enquanto as novas gerações não demonstram o mesmo interesse por estes pesados trabalhos.


NOTÍCIA TRÊS PESSOAS PRESAS EM ESPANHA POR FOGO POSTO NO GRANDE EUROPA -- o blog Mar e Marinheiros

Três pessoas foram presas na Espanha em conexão com um incidente no mês passado em que ocorreram dois focos de incêndio num navio da Grimaldi Lines enquanto navegava no Mar das Baleares. O capitão, e outros dois outros oficiais, do navio roro Grande Europa foram levados

sob custódia policial na sexta-feira, 14 de junho, depois que os investigadores descobriram evidências de que os incêndios ocorridos a bordo do navio foram deliberadamente ateados. Desde então, os três indivíduos compareceram perante um juiz em Valência e continuam a negar qualquer irregularidade, apesar da evidência que o ministério público descreve como "esmagadora". Nenhum veredicto foi ainda proferido contra os réus, todos eles cidadãos italianos. O Grande Europa tinha uma tripulação de 25 pessoas e transportava mais de 1.600 autos quando o incidente ocorreu em 15 de maio. Os incêndios foram extintos e o navio foi rebocado para o porto de Palma, onde se encontra ancorado desde então, para permitir uma inspecção mais real das causas e danos. Fonte: https://safety4sea.com/three-officersarrested-over-alleged-arson-regarding-grandeeuropas-fire/

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ALLIANZ PUBLICA ESTUDO DE SEGURANÇA NO TRANSPORTE MARÍTIMO 2019 -- do Blog Mar e Marinheiros

ANTÓNIO COSTA

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Em 2018, as grandes perdas no sector marítimo caíram para o nível mais baixo neste século, tendo diminuído em mais de 50% em relação ao ano anterior. O Allianz's Safety & Shipping Review 2019, divulgado na terça-feira, mostra um total de 46 perdas totais em todo o mundo, no ano passado (bem abaixo dos 98 em 2017) impulsionado por um declínio significativo no número de perdas em pontos críticos como o Sudeste Asiático. As perdas provocadas por condições atmosféricas adversas também reduziram pela metade, devido a períodos mais longos sem furacões e tufões. Enquanto a Allianz observa que, embora essa queda nas perdas totais seja encorajadora, os 2.698 casos reportados demonstram que os incidentes relatados, na generalidade, mostram apenas um pequeno declínio de menos de 1% ao ano. Avarias de maquinaria é a causa principal, respondendo por mais de um terço dos mais de 26.000 incidentes na última década, quase o dobro da 2ª causa mais importante, a colisão. Os danos causados por maquinaria são uma das causas mais caras de reclamações de seguro marítimo, representando mais de mil milhões de dólares americanos, só nos últimos cinco anos, mostra o relatório. Apesar das notícias animadoras, desafios como ameaças políticas à segurança de navios, o impacto da IMO 2020 e o crescente número de incidentes de fogo a bordo continuam a representar uma ameaça para o transporte marítimo global. Os números “simpáticos” de 2018 são,

provavelmente, influenciados por circunstâncias “afortunadas”, embora seja palpável a melhoria de longo prazo da segurança na indústria marítima global, devida ao aprimoramento do projecto de navios, à tecnologia, à regulamentação mais rígida e aos sistemas de gestão de segurança mais robustos.

PERDASPORLOCALIZAÇÃO

A região do Sul da China, Indochina, Indonésia e Filipinas continua a ser o principal local de perdas, respondendo por aproximadamente 25% das 48 perdas totais em todo o mundo em 2018, de acordo com o relatório. O Mediterrâneo Oriental e o Mar Negro e as Ilhas Britânicas estão em segundo e terceiro lugares, respectivamente, com seis e quatro perdas totais.

PERDAS POR TIPO DE NAVIO E CAUSA

Os navios de carga seca, com 15 perdas totais em 2018, foram responsáveis por cerca de um terço dos navios perdidos em todo o mundo no ano passado. A causa mais comum de perdas de navios continua a ser o naufrágio (ou afundamento), que já fora responsável por mais da metade dos 1.036 navios perdidos na última década. Em 2018, foram relatados 30 casos. Os incêndios continuam a gerar um grande número de perdas a bordo, com o número de incidentes relatados a crescer. Essa tendência ascendente continuou até hoje, com vários problemas recentes em navios porta-contentores e três eventos


significativos em navios de transporte de automóveis no início deste ano. A carga mal declarada, incluindo rotulagem / embalagem incorrecta de mercadorias perigosas, acredita-se estar por trás de vários incêndios no mar. Por outro lado, a perda de centenas de por parte do navio “MSC Zoe” no início de 2019, serve como um lembrete de que os bens danificados são a causa mais comum de reclamação de seguro marítimo, respondendo por um, em cada cinco participações, nos últimos cinco anos, segundo a Allianz.

DESAFIOS COLOCADOS PELA IMO 2020

A regulamentação da Organização Marítima Internacional para 2020, que limita o conteúdo de enxofre usado em combustível para navios a partir de janeiro de 2020 será, provavelmente, um desafio para a indústria naval, com amplas implicações nos custos, conformidade e tripulação, aumentam os riscos e a possibilidade de sucederem outros tipos de avarias.

AMEAÇAS À SEGURANÇA

O risco político aumentou em todo o mundo e representa uma ameaça crescente à segurança, ao comércio e às cadeias de abastecimento através de conflitos, disputas territoriais, ciberataques, sanções, pirataria e até sabotagem, como evidenciaram os mais recentes ataques contra petroleiros no Médio Oriente, de acordo com a Allianz. Além disso, o crescente número de migrantes no mar e um aumento no

número de clandestinos encontrados em embarcações comerciais têm sérias consequências para os proprietários de navios, levando a atrasos, desvios e pressão sobre a tripulação. Os incidentes de pirataria também aumentaram em 2018 para mais de 200, com a Nigéria sendo agora o principal hotspot global. Outros tópicos importantes apontados no estudo da Allianz:

- O crescente número de incidentes em navios maiores é preocupante. A capacidade de transporte de contentores quase duplicou na última década e um pior cenário de perda poderá custar até US $ 4 mil milhões no futuro. - Tecnologia de confiança: a tecnologia de aumento de segurança no transporte tem sido um factor positivo na indústria, embora os acidentes continuem a acontecer devido à dependência excessiva dos tripulantes desses equipamentos – o que é

contraproducente, além de terem ocorrido perdas por tripulantes estarem a utilizar telefones. A tecnologia não é panaceia, se a causa raiz de incidentes e perdas não for resolvida. - Em estado de confusão e desordem? – Os navios mais expostos a acidentes no ano passado foram três ferries das ilhas gregas, envolvidos em oito incidentes diferentes. - Ano de 2018: foi um ano excepcional, se comparado com a média das perdas acumuladas nos últimos 10 anos (de 46 para 104 – redução de 55%).

Caso pretenda fazer o download do estudo completo, pode encontrá-lo em https://safety4sea.com/wp-content/uploads/2019/06/Allianz-Safety-and-Shipping-Review2019-2019_06.pdf

Fonte: maritimecyprus.com

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GRAVE IMPACTO

DA PESCA ILEGAL POR ARRASTÕES ESTRANGEIROS NO GANA -- do Blog Mar e Marinheiros

Pela primeira vez, uma ONG apresenta um relatório documentado, onde estima o verdadeiro custo da prática Saiko, uma forma de pesca ilegal onde traineiras estrangeiras concorrem com os pescadores de canoa do Gana e depois vendem esse peixe “roubado” de volta às comunidades locais com lucro chorudo. Em 2017, este comércio envolveu cerca de 100.000 toneladas de peixe, custando dezenas de milhões de dólares em receitas ao Gana – o que significa que apenas 40% das capturas dos arrastões foram desembarcadas de forma legal naquele ano. Isso ameaçou a segurança alimentar e os meios de vida costeiros, segundo comprovam as investigações. A Fundação para a Justiça Ambiental (EJF) filmou as actividades ilegais realizadas no mar, monitorizou os portos e analisou

os dados que revelam a dimensão da escala dessa forma de crime organizado. Os arrastões propriamente ditos são geridos, quase exclusivamente, por operadores chineses, que usam empresas “fronteiriças” do Gana para contornar as leis que proíbem qualquer propriedade estrangeira ou controlo de navios de arrasto industriais que arvoram a bandeira de Gana. A EJF revelou que mais de 90% dos arrastões industriais licenciados no Gana estão ligados a proprietários chineses. Estas embarcações industriais são capazes de capturar grandes quantidades de pequenos peixes pelágicos, como sardinela – a principal espécie capturada dos pescadores de canoa locais e uma parte crucial da dieta de Gana. A menos que medidas ambiciosas sejam tomadas, os

cientistas estimam que esses recursos podem durar menos de seis anos. Além disso, grande parte da prática de captura Saiko é de peixe juvenil – mais de 60% dos peixes analisados de outubro de 2018 a abril de 2019, segundo o relatório. A pesca nesta fase inicial de vida da espécie pode afectar seriamente a capacidade de reprodução das populações de peixe do Gana, impedindo a sua regeneração natural. As capturas Saiko em 2017 atingiram o valor de US $ 40,6 a 50,7 milhões, quando vendidos no mar e US $ 52,7 a 81,1 milhões, quando vendidos no local de trasfega, estima o relatório. Grande parte desse dinheiro passa directamente para as empresas de pesca chinesas e para fora de Gana. A prática Saiko também causa perdas de emprego. As canoas Saiko, especialmente construídas para levarem o peixe das traineiras para portos como Elmina, carregam 450 vezes a captura média das canoas de pesca convencionais e são operadas por apenas alguns indivíduos. O relatório calcula que, enquanto a pesca de canoa oferece emprego directo cerca de 60 pescadores para cada 100 toneladas de peixe, a prática Saiko significa apenas 1,5 empregos pelas mesmas 100 toneladas. Esta prática predatória está a precipitar o colapso da população base de peixe do Gana e, com ele, a pobreza e a fome do seu povo, diz a EJF. No entanto, fica absolutamente claro que o governo, não só tem capacidade para parar esta actividade ilegal e altamente prejudicial a qualquer momento, como o deve fazer sem demora, impedindo o colapso destas existências piscícolas. Veja as conclusões do estudo no em:

https://ejfoundation.org//resources/downloads/Chi na-hidden-fleet-briefing-v2.pdf

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REGATAS

DO CAMPEONATO MUNDIAL DE GC32 Animaram Lagos no final do passado mês de Junho

Os GC32, são catamarãs com 32’ de comprimento, extremamente rápidos nas manobras e que se deslocam a velocidades impressionantes resultantes de materiais constituintes extremamente leves, de uma enorme área vélica e do deslocamento apoiado em lâminas de carbono em que os barcos “voam”por cima de água. Dez equipas participaram nesta prova, sendo algumas delas tripuladas por verdadeiras estrelas (medalhados olímpicos, vencedores da America’s Cup, Campeóes da Volvo Ocean Race) da vela mundial, sendo a lista de participantes a seguinte: • Alinghi (SUI) Arnaud Psarofaghis • Argo (USA) Jason Carroll • Black Star Sailing Team (SUI) Christian Zuerrer • CHINAone NINGBO (CHN) Phil Robertson • INEOS Rebels UK (GBR) Ben Ainslie • NORAUTO (FRA) Franck Cammas • Team Oman Air (OMA) Adam Minoprio • Team Tilt (SUI) Sebastien Schneiter • Red Bull Sailing Team (AUT) Roman Hagara • Zoulou (FRA) Erik Maris

As provas decorreram entre 26 e 30 de Junho, estando prevista a realização de 5 regatas / dia.

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O resultado final foi o apresentado no quadro abaixo. De referir que a equipa vencedora, o Team Alinghi, tem como responsável da equipa técnica em terra o nosso colega João Cabeçadas (que recentemente deu uma palestra na nossa sede) e que assim contribuiu de forma significativa para a conquista deste troféu.

JORGE MACEDO

Classificação 1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 9º 10º

Equipa Alinghi Team Tilt INEOS Rebels UK NORAUTO Oman Air Argo Red Bull Sailing Team Zoulou CHINAone NINGB O Black Star Sailing Team

Total de pontos 57 74 78 79 86 102 111 128 137 141


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OS JOVENS E O MAR METADE DO ESTÁGIO DE PRATICANTE

BÁRBARA CHITAS

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O tempo é das coisas mais interessantes que existem, tem a capacidade de passar depressa e lentamente ao mesmo tempo… Já passou mais de um ano desde que terminei a licenciatura na Escola Náutica e estou agora a meio do meu tempo de praticante. Para o ano, por esta altura provavelmente já serei oficialmente Oficial da Marinha Mercante! Já me sinto mais à vontade com os equipamentos de navegação e as diversas responsabilidades que me são atribuídas, apesar de todos os dias no mar serem uma lição de vida. Aqui aprende-se muito, não só relativamente às nossas funções, mas também a lidar com a vida de forma diferente. Na vida, tudo tem o seu lado positivo e negativo. E a forma como escolhemos lidar com a nossa realidade, é o que define a nossa felicidade. Tive sorte em começar a vida de mar num navio português. Para os que não sabem, estou embarcada no navio Corvo, da Mutualista Açoreana.

Aqui, no Corvo, eu vou ganhando autonomia para fazer diversas tarefas: a manobra à popa, carga e descarga, lastros, segurança, documentação, navegação, entre outras tarefas que serão necessárias na minha profissão… Nem todos os meus colegas tiveram a mesma sorte, de encontrar oficiais que estão de facto preocupados com ensinarme a progredir na minha carreira e a ensinar-me a ser oficial. Por enquanto tenho estado sempre neste navio com tripulação portuguesa. É bom na medida em que ao sermos portugueses há certos hábitos que são semelhantes e a comida é à boa maneira portuguesa, deliciosa! Por outro lado, tem a parte negativa de não treinar com tanta frequência as terminologias em inglês, como faria num navio estrangeiro. É uma pena a marinha portuguesa estar reduzida a um número pequeno de navios e nem todos os que existem aceitarem praticantes. Os praticantes são uma grande ajuda para os oficiais do navio, pois à medida que vamos aprendendo e ganhando experiência vamos fazendo parte das tarefas dos oficiais de bordo. Já para não falar que somos também a futura tripulação dos navios! Acho que é importante investir-se na formação dos nossos marítimos, pois somos nós os responsáveis por manter a economia em funcionamento! Se não fossemos nós, não existiriam nem metade dos produtos que consumimos nas prateleiras dos supermercados, medicamentos, carros, combustíveis, entre os mais diversos produtos que conhecemos…. Devemos por isso ter muito orgulho na nossa profissão! Sei que estar embarcada não é um mar de rosas e que ainda tenho muito que aprender, mas estou certa de que gosto de cá estar e quero sem dúvida continuar esta carreira no Mar! Se tiverem alguma sugestão ou observação, poderão enviá-la para o meu email pessoal barbara@chitas.pt ou visitar o meu blog: www.Seagirl.pt. Até uma próxima…. Bons ventos e Boas Marés!


RUAS DO MAR O NOSSO COLEGA Jorge Mendes editou recentemente um CD de fados (versões e originais) a que chamou Ruas do Mar. O mar tem sido uma constante da sua vida e da sua música. Em 1987 representou Portugal na Eurovisão, ao lado de Alfredo Azinheiro nos Nevada, com o tema Neste barco à vela e agora o CD que assinala o seu regresso à música percorre as Ruas do Mar que são também as ruas do Fado. Depois do lançamento na Casa do Alentejo tivemos a prazer de o ver e ouvir na nossa sede na passado dia 9 de Julho

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