Bordo Livre 154

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BORDO LIVRE REVISTA DO CLUBE DE OFICIAIS DA MARINHA MERCANTE

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SETEMBRO/OUTOBRO 2019


ALMOÇO DELEGAÇÃO NORTE

Todas as penúltimas sextas-feiras do mês no Restaurante Marisqueira Mauritânia, Leça da Palmeira. Inscrições através do comm.norte@gmail.com

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EDITORIAL SENTIMENTOS ANTAGÓNICOS

JORGE RIBEIRO

Dia 21 do mês de Setembro, um Sábado que poderia ser como tantos outros, mas não o é. Porquê? Porque estou presente num casamento (coisa rara em mim e aos quais tento fugir sempre que posso), é de um jovem casal, o noivo, filho de uma amiga nossa, a noiva é linda, todos super felizes, aliás como é normal nestas ocorrências. Eu, também feliz porque finalmente estava praticamente fechado o capítulo referente ao grande melhoramento efetuado no nosso COMM - a construção de uma nova cozinha, tão necessitada nos tempos presentes, um luxo que todos nós merecemos e para o qual devemos sentir a obrigação de contribuir. Porque não visitarem este novo investimento e deixarem a vossa opinião? Estão todos convidados! Perto das 17:00 desse mesmo dia, um telefonema recebi e, vindo de quem é, não espero boas notícias. Um nosso grande amigo e colega, mais um, acabou de partir para a sua última viagem, não era de todo surpresa conhecendo a situação extrema em que se encontrava, mas há sempre uma réstia de esperança, um último lançante que ainda resiste e que o mantinha ligado ao cais da vida depois de tremenda tempestade que é a chamada “doença da moda” mas que não é mais que uma “peste negra” que alastra por aí e que vai tocando cada vez mais a mais portas, qual roleta russa onde o diabo vai introduzindo mais que uma munição no tambor da arma que impõe a escuridão total e final. Aquele amigo, logo aquele, que sempre aparecia com ideias positivas e que ajudava ao alento daqueles que ainda iam tentando construir algo para beneficio de muitos, incluo-o na questão do grande melhoramento que significa esta nova cozinha do COMM. Afinal, infelizmente, nem chegou a conhecê-la tal qual ela está, já funcional. Não te esqueceremos amigo Rijo. Jorge descansa em paz!

Não me canso ao refletir em tudo isto, o que significa a vida, cada vez mais a correr, mais e mais depressa e cada um de nós sem agarrar as oportunidades de a festejar condignamente, cada vez convivemos menos com os amigos, desculpamo-nos a nós próprios com aquilo que vamos inventando. Vou lembrando o período (longo demais) em que as obras junto às nossas lindas instalações da nossa Sede não permitiam que os colegas, porventura mais comodistas ou com maiores dificuldades de locomoção, nos perguntavam para quando a finalização das mesmas, porque não iam ao COMM devido à impossibilidade de parqueamento… Há muito que as obras acabaram, que os mesmos lugares que existiam anteriormente voltaram a estar disponíveis e que um gigantesco novo parque subterrâneo ficou operacional, praticamente defronte dos nossos salões. Curioso, não tenho visto por lá muitos dos nossos “sócios motorizados”… Todos somos poucos como ajuda para construirmos mais e melhor na nossa associação de classe que é o COMM. Ao fim de mais de 20 anos fazendo parte de sucessivas Direções, é hora de desembarcar. Já me foi concedido um tal de “bilhete de desembarque” e é altura de gozar umas férias que acho bem merecidas (desculpem a imodéstia). Estão marcadas as eleições para um novo triénio. Precisa-se de gente que trabalhe, que continue a missão, com novas ideias mas também que esteja disponível para ajudar a concretizá-las. Elaborando nova lista ou integrando outra(s) que certamente irão aparecer dentro dos prazos legais conforme os Estatutos determinam, é muito importante que participes. O nosso COMM chama, aparece!

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SUMÁRIO

SETEMBRO/OUTUBRO 2019

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Editorial

Jorge Ribeiro

COMM Natura HMS Terror - o navio que fez jus ao nome António Costa

Viagens Que Não Esquecem Oliveira Gonçalves

Sabedoria do Mar Alberto Fontes

João Juff

Joaquim Saial

Memórias - 30 Anos a Pintar a Ria Ana Maria Lopes

Os Jovens e o Mar Bárbara Chitas

DIRETOR

Lino Cardoso

COLABORARAM NESTE NÚMERO

Jorge Ribeiro, António Costa, Alberto Fontes, Bárbara Chitas , Oliveira Gonçalves, Joaquim Saial, Ana Maria Lopes

OS TEXTOS ASSINADOS SÃO DA RESPONSABILIDADE DOS SEUS AUTORES

COMPOSIÇÃO Mapa das Ideias TIRAGEM 1000 exemplares PERIODICIDADE Bimestral REG PUBL 117898 DEPÓSITO LEGAL 84303 CORREIO EDITORIAL Despacho DE00192019CRS

PROPRIETÁRIO/EDITOR

Clube de Oficiais da Marinha Mercante Trav S João da Praça, 21. 1100-522 Lisboa Tel (+351) 218880781. www.comm-pt.org secretaria.comm@gmail.com

CAPA © Lino Cardoso DISTRIBUIÇÃO GRATUITA AOS SÓCIOS DO CLUBE DE OFICIAIS DA MARINHA MERCANTE

A REVISTA ESTÁ DISPONÍVEL ONLINE para leitura, duma forma fácil e intuitiva em http://issuu.com/clubeoficiaismarinhamercante/docs/bl154

HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO DA SEDE DO COMM 2.ª, 3.ª, 4.ª, 5.ª, 6.ªF - das 15h00 às 18h00

A SEDE DO CLUBE DISPÕE DE LIGAÇÃO PAGAMENTO DE COTAS: NIB 001000006142452000137


ESCOLA NÁUTICA INFANTE D. HENRIQUE

26 de Setembro – Sessão comemoratica do dia da ENIDH

IATE AQUA A empresa holandesa Sinot anunciou recentemente no Mónaco um protótipo para o Aqua, um super-iate de luxo movido a hidrogénio líquido Com 112 metros de comprimento terá uma autonomia de 3750 milhas náuticas e uma velocidade máxima de 17 nós. Será movido inteiramente a hidrogénio e, para encontrar os tanques que o armazenam, é necessário descer ao último dos seus cinco “andares”. A visão promete ser fascinante, já que estes dois tanques de 28 toneladas, isolados a vácuo, brilham com uma intensa luz azul. Para além de serem esteticamente impressionantes, têm também uma potência significativa, conseguindo fornecer energia até 4 megawatts e alimentando dois motores elétricos de 1 megawatt e dois propulsores de proa de 300 kilowatts. O navio terá ainda uma bateria que fornece a eletricidade e é carregada pela célula de combustível. Um protótipo de apenas três metros do Aqua foi apresentado pela Sinot no Monaco Yacht Show, naquela que é a maior exibição de iates na Europa. Ainda não foi definida uma data para a produção deste super-iate, mas desde que haja interessados que consigam pagar por esta embarcação luxuosa e amiga do ambiente, certamente não tardará a surgir no mercado.

Professor Luís Batista, presidente da ENIDH: «A ENIDH deverá estar equipada até 2021 com um novo conjunto de equipamentos de simulação num investimento total de 2 milhões de euros. »

Sala cheia para para assistir às comemorações do dia da ENIDH


COMM NATURA Máquina que limpa o Oceano recolheu plástico pela primeira vez. Amassa de lixo do Pacífico é alvo de uma campanha de limpeza promovida pela fundação Ocean Cleanup, criada por um adolescente holandês. Além de pedaços de lixo visíveis, a máquina também está a recolher microplásticos.

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Foi projetada por um adolescente holandês, em 2012, para recolher plástico dos oceanos. Foi testada no ano passado e falhou, mas parece estar finalmente a funcionar. A máquina desenvolvida pela fundação Ocean Cleanup recolheu pela primeira vez plástico do Grande Depósito de Lixo do Pacífico, que flutua entre a Califórnia e o Havai. Segundo o seu inventor, Boyan Slat, foram recolhidos detritos de vários tamanhos, inclusive microplásticos. "O nosso sistema de limpeza do oceano está finalmente a apanhar plástico, desde redes-fantasma [esquecidas ou largadas no mar] a uma tonelada de pequenos microplásticos. Além disso, alguém sentiu falta de um pneu?", escreveu o jovem no Twitter, acompanhada por uma fotografia onde se veem os resíduos recolhidos.

Segundo o The Guardian, 600 a 800 mil toneladas de redes de pesca são abandonadas ou perdidas no mar anualmente, que se juntam a 8 milhões de toneladas de resíduos plásticos que chegam das praias. Entre o Havai e a Califórnia situa-se aquela que é considerada a maior acumulação de plásticos do mundo. Tem 17 vezes o tamanho de Portugal continental, Açores e Madeira. O sistema de limpeza - System 001/B foi desenhado não apenas para recolher as redes de pesca e os detritos visíveis, mas também os microplásticos. De acordo com a organização sem fins lucrativos, foram apanhados pedaços de polímeros de 1 milímetro. O sistema, apresentado pela primeira vez numa conferência TedEx, consiste numa barreira flutuante de 600 metros de comprimento, que utiliza a força das correntes para capturar os resíduos. Tem a forma de U e uma espécie de rede que apanha plástico até aos três metros de profundidade. Segundo o The Guardian, o plástico que entretanto for recolhido será levado para a costa para ser reciclado. De acordo com um estudo feito pela equipa de Slat, citado pela National Geographic, as redes de pesca "representam 46% do lixo [do Grande Depósito], sendo a restante maioria composta por outros equipamentos da indústria de pesca, incluindo cordas, tubos para criação de ostras, armadilhas para enguias, caixas de pesca e cestos". Segundo as estimativas dos cientistas, "20% dos detritos provêm do tsunami que atingiu o Japão em 2011".


CONSELHO DE MINISTROS

APROVA SEGURANÇA PRIVADA ARMADA A BORDO DE NAVIOS O Governo aprovou em Conselho de Ministros o decreto-lei que aprova o regime jurídico do exercício da atividade de segurança privada armada a bordo de navios que arvorem bandeira portuguesa e que atravessem áreas de alto risco de pirataria. A necessidade deste regime prende-se com a circunstância de a pirataria ter um impacto significativo na segurança de pessoas e bens e no transporte marítimo do qual depende 90% do comércio mundial, pelo que a aprovação deste diploma visa garantir a segurança das pessoas e bens embarcados a bordo dos navios de bandeira portuguesa e, dessa forma, promover a competitividade do setor marítimo nacional. O regime aprovado, ao abrigo de uma autorização legislativa da Assembleia da República, prevê que os armadores de navios nacionais possam, desde que atravessem áreas de alto risco de pirataria, contratar empresas de segurança privada para a prestação de serviços de segurança a bordo com recurso a armas e munições adequadas à proteção dos navios.

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HMS TERROR

O NAVIO QUE FEZ JUS AO NOME -- do Blog Mar e Marinheiros

ANTÓNIO COSTA

O HMS Terror foi um bombardeiro de guerra à vela, que navegou sob o pavilhão da Marinha Real do Reino Unido e servido na Guerra anglo-americana de 1812 contra os Estados Unidos. Sob o comando de John Sheridan participou no bombardeio a Stonington, Connecticut, em 9 de Agosto de 1814 e na Batalha de Baltimore, sucedida nos dias 13 e 14 de Setembro de 1814. Após o final da guerra em 1828, o navio foi recomissionado para servir no Mediterrâneo e, sob o comando de David Hope, a 18 de Fevereiro desse ano, encalhou numa praia perto de Lisboa, quando procurava abrigo de um temporal. O navio foi recuperado e, posteriormente, adaptado e transformado para servir como transporte em expedições polares. A primeira expedição polar do HMS Terror consistiu numa viagem de exploração científica à Antárctida, entre 1839 e 1843, em conjunto com o navio gémeo HMS Erebus e liderada por James

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Clark Ross. A denominada Expedição Ross explorou a área do que hoje se designa por mar de Ross e descobriu a Plataforma de gelo com o mesmo nome. Na sua viagem de exploração, Ross descobriu os Montes Transantárcticos e os vulcões Erebus e Terror, assim designados em honra dos dois navios. A expedição permitiu deduzir, ainda, a posição do Polo Sul magnético, e realizou várias observações zoológicas e botânicas da região, das quais resultou uma monografia sobre zoologia, e uma série de quatro monografias detalhadas sobre botânica da autoria de Joseph Dalton Hooker, chamadas Flora Antárctica e publicada entre 1843 e 1859. A expedição foi a maior realizada com o recurso a navios à vela.

A Passagem do Noroeste: o tão desejado objectivo procurado pelo Almirantado Britânico

Em 1843, apenas alguns espaços do mapa do Árctico norte-americano permaneciam em branco e a descoberta da passagem parecia, perfeitamente, ao alcance da Grã-Bretanha. Para completar, então, o desbravamento da Passagem do Noroeste, o Almirantado Britânico decidiu planear e organizar uma super expedição. Para o seu comando, o Almirantado convidou, inicialmente, o reconhecido veterano do Árctico Sir William Edward Parry, que recusou e, depois, o regressado da Antártica, James Clark Ross, que também declinou o convite. Em virtude das duas recusas, o Almirantado colocou no comando o experiente e condecorado Capitão Sir John Franklin, que havia lutado nas Guerras Napoleónicas, sob as ordens do

Almirante Nelson, e já tinha liderado duas explorações bem-sucedidas ao Árctico. Muito embora, na altura, Franklin tivesse 59 anos e não se encontrasse na melhor condição física, a nomeação surgiu numa perspectiva de uma viagem final e triunfante para coroar a sua brilhante carreira naval. Esta, terá sido, provavelmente, a melhor preparada expedição da história, até então. Ambos os navios haviam sido reforçados para resistir às condições do gelo árctico e abastecidos com mantimentos e provisões para até 5 anos, incluindo muitos instrumentos científicos, ferramentas de navegação, um órgão de mão por navio, câmaras de daguerreótipo – equipamento de imagem fotográfica sem negativo. Por navio, ainda, uma enorme biblioteca repleta de relatos de expedições polares anteriores e livros científicos, além de volumes da revista Punch e romances literários da época. Entre a imensa lista de provisões para alimentar 134 homens por tanto tempo, estavam 32.224 libras de carne salgada, 36.487 libras de biscoito de navio, 3684 galões de bebidas espirituosas concentradas e cerca de 4980 galões de cerveja “ale” e “porter”. Em 19 de Maio de 1845, o Erebus (capitaneado por James Fitzjames) e o Terror (capitaneado por Francis Crozier) deixaram Greenhithe, Inglaterra, e navegaram para a costa oeste da Gronelândia. Na baía de Disko, cinco homens foram desembarcados por doença, reduzindo o número de tripulantes para 129. Em 26 de Julho, a caminho de Lancaster Sound – anteriormente mapeado e que muitos navegadores acreditavam ser o principal canal oeste – Franklin cruzou-se com


dois baleeiros britânicos, o Enterprise e o Prince of Wales – os últimos europeus a verem a expedição de Franklin viva. O Erebus e o Terror continuaram para oeste no verão de 1845 e contornaram a Ilha Cornwallis, via Wellington Channel. A tripulação passou o inverno na pequena ilha de Beechey, onde três tripulantes morreram e foram enterrados no solo gelado. Se Franklin seguisse as ordens do Almirantado, na primavera / verão de 1846, o Erebus e o Terror contornariam por oeste o Cape Walker, a 98 graus de longitude oeste, seguindo depois para sudoeste pelo Peel Sound. Em 12 de Setembro de 1846, o mar congelou à volta dos navios, ao norte da Ilha King William, assinalando o início do inverno. Em maio seguinte, um grupo de dois oficiais e seis homens liderados pelo tenente Graham Gore deixou uma nota escrita num marco de pedras, com a data e a posição em que os dois navios estavam atolados no gelo, onde de lia:

O Almirantado havia fornecido os navios com alimentos enlatados (em conserva) para vários anos, incluindo carne, sopa e legumes. No entanto, o fornecedor de enlatados fora Stephen Goldner, que alguns anos depois esteve envolvido num escândalo por as suas conservas se deteriorarem rapidamente – um relatório de 1853 adiantava que, muito provavelmente, os navios teriam deitado ao mar carne enlatada podre. Pela primavera de 1848, os navios ainda estavam atolados e as provisões, ainda em condições, a chegar ao fim. Entretanto, o capitão Franklin e vários oficiais e tripulantes haviam morrido por causas ainda desconhecidas. Nesse momento, era o Capitão Crozier que estava na liderança da expedição, sendo o Capitão Fitzjames o segundo comandante. Ambos decidiram ordenar o abandono dos navios numa última tentativa de sobrevivência. Os homens içaram dois barcos salva-vidas em trenós, carregaram-nos com provisões e

partiram em busca de resgate. Retornando ao marco de pedras onde Gore havia deixado o seu bilhete um ano antes, Fitzjames e Crozier deixaram uma nova nota escrita: “25 de Abril de 1848 - Os navios HMS Terror e Erebus foram abandonados no dia 22 de abril, 5 léguas NNW deste local, tendo estado atolados desde 12 de setembro de 1846. Os oficiais e as tripulações, constituídos por 105 almas, sob o comando do capitão F.R.M. Crozier, desembarcaram aqui, na lat. 69 ° 37 '42 "N., long. 98 ° 41' W. Sir John Franklin morreu em 11 de Junho de 1847; e o número total de mortes na expedição foi de, até hoje, 9 oficiais e 15 homens. E iniciaremos amanhã, dia 26, o regresso ao Fish River".

O Fish River, a 100 km de Back's Fish (hoje mais conhecido como Back River), levava aos postos comerciais da Hudson's Bay Company, no interior. No entanto, sem se aperceberem da deriva do gelo, eles estavam a centenas de quilómetros

"Aqui passámos o inverno de 1846-7 na ilha de Beechey, na lat. 74 ° 43 '28"N. e 91 ° 39 '15 "W., depois de se ter subido o Wellington Channel até à lat. 77 ° e retornado pelo lado oeste da Cornwallis Island. Sir John Franklin no comando da expedição. Tudo bem."

Os exploradores sabiam que o mar, por norma, congelava no final de Agosto ou no início de Setembro e depois separavase na primavera seguinte – mas em 1847, a primavera e o verão nunca chegaram àquele canto do Árctico, pelo que o Erebus e o Terror flutuavam lenta e inexoravelmente presos ao gelo na costa oeste da Ilha King William.

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da Ilha King William. Exactamente ao mesmo tempo que os 105 sobreviventes abandonaram o navio, uma série de expedições de busca e salvamento começaram a vasculhar o Árctico em busca de pistas. Em 27 de Agosto de 1850, um navio descobriu os três túmulos na Beechey Island, a primeira pista tangível da rota de Franklin, mas não encontrou cartas ou registos. Apesar dessa importante descoberta, expedições subsequentes, em 1852, nada conseguiram descobrir. Missões de resgate entre 1848 e 1859 na Ilha King William, a sudoeste da Ilha de Beechey, resultaram na recuperação de objectos pessoais, bem como ossos dispersos mostrando evidências de canibalismo. Entre os corpos encontrados, havia o de John Shaw Torrington (1825 – 1846), de 20 anos, um dos primeiros membros da tripulação de Franklin a perecer durante a expedição. Amostras ósseas retiradas do corpo revelaram que ele

havia sido submetido a envenenamento por chumbo, uma condição comum à época, por causa do consumo de alimentos enlatados. A maioria dos pesquisadores suspeita de um círculo vicioso de escorbuto e fome, especulando que o escorbuto enfraqueceu tanto os homens, que eles se tornaram incapazes de caçar carne fresca e rica em vitaminas de que necessitavam para sobreviver. Em 1980, antropólogos forenses da Universidade de Alberta, no Canadá, encontraram corpos de membros da expedição, preservados pelo frio. O seu estudo fez perceber o horror vivido por esses homens famintos, enfraquecidos pelo escorbuto, frio e loucura e até mesmo forçados ao canibalismo para sobreviver... Nenhum desses homens conseguiria voltar vivo. Em 1906, o explorador norueguês Roald Amundsen tornou-se o primeiro a

atravessar a Passagem do Noroeste, a bordo de um pequeno barco de pesca. Mas a travessia continua a ser uma missão quase impossível – ou melhor, possível mas com o apoio de quebra-gelos. Em Setembro de 2014, o naufrágio do Erebus foi descoberto debaixo de água. Dois anos depois, a 12 de Setembro de 2016, o jornal britânico The Guardian publicou a descoberta do naufrágio do HMS Terror, que se encontra intacto, à excepção dos mastros quebrados, a cerca de 92 quilómetros do local identificado como possível local do naufrágio pelos historiadores. As primeiras imagens obtidas graças a um robô mostraram que o navio havia sido fechado antes de ser abandonado, o que terá favorecido a sua preservação. Uma notícia de grande importância para poder estudar e entender a história dessa expedição! Sem os diários da expedição, talvez nunca saibamos alguns factos importantes que podem ter contribuído para o seu destino. Livros, ferramentas, botas, botões, colheres, pentes, relógios de bolso, latas de comida, os bilhetes de Crozier e Fitzjames e até um pedaço de carne enlatada da expedição de Franklin encontram-se guardados na colecção do Museu Marítimo Nacional de Greenwich, em Londres. Outras relíquias recuperadas dos dois navios, incluindo os seus sinos, fazem parte da exposição Death in the Ice, no Museu Canadiano de História. Podemos concluir dizendo que os nomes dos navios se revelaram proféticos: HMS Terror e HMS Erebus – este último, a personificação da escuridão na mitologia grega e nome de uma ala do Hades, o mundo dos mortos. Setembro de 2019 Fontes :

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National Geographic, The Guardian, Wikipédia


CABO VERDE INTERILHAS Grupo ETE ganhou o concurso para o transpote de carga e passageiros entre as ilhas de Cabo Verde . Uma sociedade liderada pela Transinsular e participada pela “maioria” dos armadores locais passou a assegurar o transporte marítimo interilhas em Cabo Verde.

A Cabo Verde Interilhas é detida em 51% pela Transinsular e Transinsular CV, do GRUPO ETE, que opera há mais de 30 anos em Cabo Verde. Os outros 49% do capital são detidos pelos armadores nacionais.

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VIAGENS QUE NÃO ESQUECEM

OLIVEIRA GONÇALVES

De repente, foi um alívio enorme, avistámos ao mesmo tempo o farol de S. Julião e o farol do Bugio. Estávamos mesmo a meio. O convés do navio estava cheio de areia.

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Antes do 25 de Abril existia uma situação caricata nos mares de Moçambique. Para que em Portugal algumas traineiras pudessem entrar na Galiza e no Golfo de Cádiz a pescar sardinha e carapau por fora das seis milhas, nós demos em troca o mesmo número de licenças, que os espanhóis aproveitaram para pescar camarão com grandes arrastões, em Angola e Moçambique, no Portugal uno e indivisivel . Em Moçambique, quem tinha licença de pesca podia pescar das três milhas para fora, das seis milhas para fora podiam pescar os espanhóis, e só das doze milhas para fora é que podiam pescar os moçambicanos, os portugueses e todos os outros em pé de igualdade. Uma licença de pesca custava quase tanto como um barco novo,e dava muita chatice. Por isso, quando houve o 25 de Abril viemos logo que pudemos a Portugal, para aprender a pescar, já que era um sector de futuro. Grande desilusão. Demos conta que a pesca do camarão em Moçambique estava muito mais avançada do que em Portugal. Embora já tivessemos comandado navios mercantes, a nossa ignorância sobre a pesca era total. Chegados a Lisboa, dirigimo-nos à Docapesca, e entre tantos navios que aparentavam má manutenção, sobressaia um que parecia novo, e se chamava JOÃO MANUEL VILARINHO. Informámo-nos quem era o armador, os escritórios eram em Santos, e conseguimos o lugar de imediato para sair dois dias depois.

Quando fomos à Torreira buscar roupa e o necessário para a viagem, apareceu-nos em casa a minha sogra preocupada, a pedir para não irmos na viagem porque o comandante do navio era o “matalobos”, e batia nos oficiais. Lá a acalmei afirmando que com esses é que eu me dava bem. Soube há pouco que ainda é vivo com 93 anos. No dia seguinte fomos ao olho de boi abastecer de combustível. Embora acabados de chegar a bordo sentia-se que havia moiro na costa. Estávamos em setembro de 1974. Logo que atracámos entraram a bordo três sujeitos que se dirigiram à ponte e começaram a gritar com o Comandante, que para minha surpresa se mantinha calado e não disse uma palavra. Quando achámos que aquilo ultrapassava o admissível e o mata lobos não abria o pio, pusemos os sujeitos na rua. Devemos ter sido tão convincentes que se calaram logo e sairam imediatamente de bordo. Uns cinco minutos depois apareceu um deles, identificou-se como Presidente do Sindicato dos Marinheiros, pediu desculpa do comportamento e pediu licença para continuar a tratar do assunto que os levara lá. Era um gentleman e pena foi que pouco tempo depois tivesse ido embora porque morava em Matosinhos. Iniciada a viagem demos conta que o mata-lobos era uma pessoa admirável, pessoa aberta, sabedor e bom professor, pronto a esclarecer dúvidas, e com ele aprendemos os princípios da arte do arrasto, como largar redes e fazer um arrasto, quais os melhores navios, os melhores pesqueiros, hábitos e arribada das espécies etc...


Ao fim de seis dias no pesqueiro partimos o veio do hélice, e viemos a reboque do primeiro navio que vinha para Lisboa. Vim a saber depois que durante a reparação do navio tinha dado um par de estalos no chefe de máquinas, justificando a fama que o perseguia. Não sei como isso acabou. Da viagem ficámos a saber que os melhores navios eram o PRAIA DE ANCORA, o PRAIA DE BUARCOS e o PRAIA DO RESTELO. Quando chegámos a Lisboa o PRAIA DE ANCORA estava na Docapesca, não tinha imediato e o comandante era um camarada do meu curso e bom amigo muito conceituado na profissão Aceitoume logo na sua tripulação. Na tarde anterior à saída do navio, o comandante Mano Clemente, por razões de saúde da sua esposa, decidiu não fazer a viagem.Tinha feito uma viagem no PRAIA DE ANCORA, que pelo tamanho do navio era muito mais demorada do que estava habituado. O anterior comandante do navio era o Capitão Luis Brandão Rocha, que estava a desempenhar as funções de diretor de produção. Não conseguiu arranjar substituto. Ainda se pôs a hipótese do mestre João Vieira ir de mestre de pesca, mas não aceitou e frisou bem que era a última viagem que fazia (andou connosco seis anos até largarmos a pesca). Perante isto, o capitão Rocha pediu-me para ir eu de comandante, senão teria que ir ele. Como recusámos, disse:.... sente-se aí... e durante umas quatro horas transmitiunos tudo aquilo que sabia e era muito... ouvimo-lo atentamente aí durante uma

hora e meia... depois ele continuou a falar mas parecia-nos que já não o ouvíamos... mas ele estava ansioso por ensinar , e nós por aprender... ele de facto pôs a alma no que ensinou. Saímos para o mar, e com o passar do tempo iamos dando conta que aquilo que ouviramos era verdade, de principio não começou lá muito bem, mas depois encarreirou e muito antes da data prevista regressámos a Lisboa com o navio carregado. Fizemos a viagem de volta do Cabo Branco sempre com tempo excelente, até que na noite de 13 para 14 de Janeiro de 1975 acordámos ao largo do Cabo de S. Vicente com o barulho do vento nas vigias e quando chegámos à ponte o mar estava todo branco e o vento era tempestuoso. Não tínhamos radares, nem girobússola. Só funcionava uma sonda de papel de queimar. Ainda não era tempo de GPS. A visibilidade foi-se tornando cada vez mais curta e quando aterrámos estávamos próximo do farol da Guia. Decidimos então, até que a visibilidade melhorasse, fazer trajetos entre este ponto de terra e o enfiamento da barra que ao tempo não tinha boias.

Quando estimávamos estar perto do enfiamento da barra passou por nós de entrada um navio mercante e nós aproveitámos logo para ir atrás dele. De princípio correu bem, mas quando entrámos na zona das pancadas da barra, o navio começou a afundar, e era necessário parar a máquina para o navio se erguer, qual baleia a despejar a água do parque de pesca. O navio que ia na nossa proa já não o avistávamos há muito, era preciso com frequência parar a máquina para ele vir acima e sem pontos de referencia foi uma meia hora de inferno. De repente, foi um alívio enorme, avistámos ao mesmo tempo o farol de S. Julião e o farol do Bugio. Estávamos mesmo a meio. O convés do navio estava cheio de areia. O professor foi excelente. Imodéstia à parte, jogámos sempre na 1ª divisão no Cabo Branco, na África do Sul e na Guiné Bissau, bem classificado entre os grandes. Quando o navio voltou para o mar, já levava dois excelentes radares FURUNO e duas sondas novas também FURUNO de papel molhado, o que havia de melhor na altura.

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SABEDORIA DO MAR

UM LIVRO QUE TRADUZ UMA VIDA

ALBERTO FONTES Um livro pode ter a sua origem nos mais diversos sentimentos. Escrevem-se livros num ímpeto de entusiasmo com a vontade psicológica de, na sua escrita fomen-tar a capacidade para pensar. O tema desta crónica, é motivo de orgulho para o Clube de Oficiais da Marinha Mercante pois assinala o apoio editorial ao livro “Segurança a Bordo dos Navios” cujo autor é o capitão da Marinha Mercante João José da Rocha Ramos. Passaram vinte anos desde que o Rocha Ramos escreveu a 1.ª edição deste livro, que há muito se encontra esgotado. Em vinte anos muito evoluíram tecnologicamente os navios, as exigências das convenções internacionais, o sistema de ensino para andar e estar no mar. Hoje vivemos num mundo onde o foco da segurança está nos sistemas que vemos e podemos tocar. Amanhã a segurança estará centrada em sistemas que nós não vemos, tais como software e dados. Cyber and Software serão a terceira perna da safety stool, juntando estrutura e maquinaria, ganhando uma nova dimensão para um sistema de segurança, reconhecendo que o software é o sistema de segurança que ninguém vê. Quando nos preocupamos com tudo a todo o momento, em vez de adotarmos uma visão baseada em factos, podemos perder a capacidade de foco naquilo que maior ameaça traz . A segurança a bordo dos navios obedece a requisitos próprios e obriga a regras de

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comportamento, com uma preparação técnica e cientifica dos marítimos, sempre tendo em vista a segurança de pessoas e bens, para controle de riscos que derivam de estar embarcado. Trabalhar no mar é perigosamente difícil, obrigando a adquirir conhecimentos e aplicando-os por forma adequada. A memória determina decisões e comportamentos, não sendo um disco rígido que recolhe experiências mas, um complexo e frágil processo cerebral que constrói, armazena e recupera ensinamentos em constante evolução. Vivemos já no “efeito GOOGLE”que consiste na tendência para não guardar na nossa memória as informações que podemos encontrar facilmente na Internet. Assim, a informação não é registada na nossa memória pessoal, biológica, neuronal, mas antes na memória externa, digital e artificial. Mas esta é muito distinta da memória individual: o cérebro digital absorve a informação e recupera-a inalterada quantas vezes quiser, enquanto o cérebro humano, está continuamente a reelaborar a informação e a reconstruir as memórias, num contexto distinto e sempre novo. O livro que aqui vos trago é um trabalho de qualidade técnica de excelência e de enorme mérito para o seu autor, que fiel aos princípios apresentados na primeira

edição onde orientava o trabalho fundamentalmente para os tripulantes dos navios de comércio assim como para outras pessoas , que por razões de serviço se encontrem a bordo e para os passageiros. Vemos com regozijo nesta segunda edição, também a abordagem da segurança a bordo de navios da marinha de pesca. Manual de referência na temática da segurança a bordo dos navios, verdadeiro registo, preservando e partilhando histórias, memórias, onde fica valorizada a vida no mar, no contacto com as comunidades visitadas no seu percurso global. O que aqui encontram deve-se a estudo metódico, devidamente testado pelo autor no exercício da sua arte de saber navegar no mar alto em segurança. Sem o esforço do comandante Rocha Ramos na elaboração deste livro, cheio de interesse didático, que queremos distintivamente recompensar, não teríamos esta obra imprescindível e com a qual todos aprendemos a estar no mar. Convido-vos a assistirem ao lançamento do livro “Segurança a Bordo dos Navios”, que se irá realizar na Escola Superior Náutica Infante D. Henrique, gerando a oportunidade para aí homenagearmos o autor com um sentido BEM HAJA, pelo contributo que deixa para a formação das gerações de pessoal para o mar.


O SONHO COMANDA A VIDA… MAIS UM PROJETO CONCRETIZADO - A NOVA COZINHA DO COMM O nosso COMM está prestes a completar 30 lindas Primaveras das quais cerca de 25 nas instalações actuais. Desde o inicio que houve a preocupação (própria de marinheiro) de criar um local para preparar uns petiscos. O local adaptou-se dentro dos condicionalismos do espaço disponível nas instalações. Este local foi sentindo a necessidade de upgrade para cozinha e, apertadinhos, lá íamos cozinhando mais ou menos de acordo com os gostos e a habilidade de cada um de nós, no papel de cozinheiros (cada marinheiro, cada cozinheiro). Os

comensais foram aumentando e a necessidade de termos um verdadeiro cozinheiro connosco, embora apenas para um almoço semanal, as célebres quintas-feiras e mais tarde alguns jantares com animação musical. Já há algum tempo que temos tido o privilégio de ter como nosso colaborador o “Chefe Roque”, cozinheiro de longa data (CCN, CTM, TOM, TRANSINSULAR e outras), agora reformado mas cada vez mais afinado. O espaço era mínimo para tanta magia gastronómica, daí pensarmos em “inventar”

um espaço condigno para podermos dar lugar a maiores horizontes culinários, para além de virmos a potenciar o nº de refeições e eventos no nosso COMM. …e como o SONHO (AINDA) COMANDA A VIDA e o nosso sonho felizmente não tem limites, ele aí está: concretizado! Cozinha digna de Restaurante de várias Estrelas! Temos que agradecer a enorme colaboração de algumas Empresas amigas que nos ajudaram a financiar este projecto lindo. Na altura própria divulgaremos e homenagearemos condignamente estes grandes amigos do nosso COMM. Esperamos a vossa visita.

SEMINÁRIOS

PRÓXIMAS DATAS 23 OUTUBRO 6 NOVEMBRO

“FERNÃO MAGALHÃES - UM AGENTE SECRETO DO REI D. MANUEL I” PELO ENG. JOSÉ MATTOS E SILVA

“TMCD - TRANSPORTE MARÍTIMO CURTA DISTANCIA A NÍVEL COMUNITÁRIO” PELO C.TE JOÃO NASCIMENTO

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JOÃO JUFF

O “CAPITÃO PRETO” DE VELEIROS, COMANDANTE DE “UMA TRIPULAÇÃO DE BRANCOS” Estudantes da Faculdade de Ciências que teve lugar a 10 de Junho na capital portuguesa, chamava-lhe “Serão de arte negra” 2. Vem isto a propósito do título que encima uma notícia/entrevista de 7 de Abril: “Para a pesca do bacalhau / O capitão preto [expressão sublinhada] seguiu hoje no ‘Navegante’ para a Terra Nova a comandar uma tripulação de brancos e contou-nos a sua história” 3.

O fraseado dos jornais portugueses no 1949 em que se passa a crónica de hoje (e não só) para com os indivíduos de raça negra era de uma certa condescendência, colocando-os numa espécie de patamar de curiosidades simpáticas. Por exemplo, o “Diário de Lisboa”, em notícia de 1 de Abril, desenvolvida sobre um jovem clandestino que arribara a Lisboa vindo de Bissau para conhecer os jogadores do Sporting Espírito Santo e Barrigana, referia-se a ele como “O pretinho da Guiné” 1. O mesmo jornal, pouco depois, relativamente a um sarau de temática caboverdiana promovido pela Associação de

Quem era então João Juff? Segundo a ficha/declaração destinada a marítimos matriculados para as campanhas bacalhoeiras existente no Museu Marítimo de Ílhavo, preenchida em 24 de Novembro de 1938, o seu nome completo era João Juff Tavares Ramos. Nascera em 5 de Setembro de 1891 em São Vicente de Cabo Verde, filho de Tomaz (sic 4) Juff e Joana Tavares. Casado com a ilhavense Silvina de Jesus Ramos desde 12 de Novembro de 1913, residia no Largo da Capela, em Ílhavo 5. Livre da condição militar, começara a ir aos bancos da pesca do bacalhau em 19086 mas interrompeu a profissão de marítimo em 1914, por motivo de estudo7. Ora o nosso homem surge-nos com grande destaque no “Diário de Lisboa” de 7

de Abril de 1949, sob o título “Para a pesca do bacalhau / O capitão preto seguiu hoje no ‘Navegante’ para a Terra Nova a comandar uma tripulação de brancos e contou-nos a sua história”. Antes de reproduzirmos o que ele declarou, lembremos o que tinha sido a sua carreira de marítimo com responsabilidades de navegação até aí. Juff fora piloto por cinco vezes8 e imediato outras tantas9, os postos de maior importância abaixo do de comandante, em lugres apenas à vela ou nalguns casos com motor. Após essas longas 10 viagens, na campanha de 1949 seguiria pela primeira (e afinal única) vez como comandante10. Desta feita, do “Navegante II”11, elegante lugre de casco de madeira e três mastros, feito em 1912 em Fão, ao qual tinha sido dado em 1936 um motor Polar/Atlas de 1600 hp12. De tão significativa a introdução biográfica do capitão feita no jornal, transcrevemo-la na íntegra: “E é bem engraçada a história deste capitão Juff, do ‘Navegante II’! Tem cinquenta e tantos anos13 e é um caboverdiano dos quatro costados [não era assim tanto, como veremos], espadaúdo, de cor retinta, modesto e tímido, respeitado e amado da sua tripulação. Pela primeira vez, um capitão de cor vai à Terra Nova a comandar um grupo de brancos… Isto para um país de colonia-

1. “Diário de Lisboa”, 01.04.1949, pág. 7, “O pretinho da Guiné regressou à sua terra e recebeu a visita de Peyroteo e Barrosa”. 2. “Diário de Lisboa”, 08.06.1949, pág. 9. Segundo o jornal, seria “um serão para apresentação de alguns aspectos do folclore negro”. Abriria com uma conferência de Tomás Ribas, seguindo-se a apresentação de quatro mornas cabo-verdianas interpretadas pela cantora Ascensão Osório, acompanhada por Ovídeo [Ovídio] Martins e Fernando Queijas [Quejas]. No programa, haveria ainda recitação de “poesia crioula e negra”, por Ema Sena Mendes, cabo-verdiana que frequentou a Faculdade de Letras de Lisboa – Ver GONÇALVES, Paulo

Sérgio – A Literatura Santomense e a Resistência Feminina por Alda Espírito Santo e Conceição Lima” – Dissertação de Mestrado em Estudos de Literatura, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (Brasil), 2018. 3. Pág. 17. 4. Provavelmente “Thomas”, por ser inglês. 5. Por intermédio do nosso amigo e oficial aposentado da Armada Agostinho Vidal de Pinho (que leu este artigo na sua versão quase final e é natural de Ílhavo) tivemos conhecimento de algumas informações que lhe foram prestadas acerca do capitão Juff por um seu

amigo também ilhavense, o ex-comandante de bacalhoeiros e de navios da marinha mercante capitão António São Marcos (a ambos agradecemos a simpatia da colaboração). Disse este que João Juffera conhecido em Ílhavo por “Senhor João Preto” e que o seu último local de residência se situava na Rua João de Deus, 67-69. Também informou que a falecida filha do nosso biografado, Silvina e bonita como a mãe, era conhecida por Silvininha. No seu funeral houve carpideiras que falavam dela, dos filhos que não teve e teria tido se não morresse tão nova e do noivo que de tanto ser lamentado no funeralficou conhecido como o “viúvo daSilvininha”. 6. Cédula da Capitania do Porto de Aveiro de 28.03.1908.

JOAQUIM SAIAL Joaquim Saial nasceu em 1953, em Vila Viçosa. É mestre em História de Arte pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Nova de Lisboa. Mantém escrita regular no seu blogue “Praia de Bote

MANEIRA DE FALAR DE COR DE PELE

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O CAPITÃO JUFF, POR ELE PRÓPRIO


listas, onde as leis não põem parágrafos restritivos, fechando as portas aos seus filhos de todas as latitudes e meridianos, seja qual for a tintura da sua pele – não é de admirar. Mas só é de distinguir porque o caso é o primeiro.” De seguida, o entrevistador faz algumas afirmações sobre a origem de João Juff. Diz que lhe corre “sangue inglês nas veias, pois era de Liverpool seu pai14 e sua mãe da África do Sul, o que não confere muito bem com os tais “quatro costados” de cabo-verdiano. Acontece que, segundo Juff, seu pai teria ido parar a Cabo Verde na qualidade de carpinteiro de obras públicas. Mas a mãe, dita de nascimento sul-africano, chamava-se Joana Tavares… Seria filha de caboverdianos emigrados na África do Sul? Não o conseguimos saber. Fosse como fosse, Juff parecia bem ligado ainda à terra de nascimento. Dizia ele: “Tinha eu 13 anos, quando um dia vim para a Metrópole. Deixei a querida terra cabo-verdiana, as suas mornas tão doces, os seus tristes escarpados, tão gratos ao meu coração, quando em 1904 o sr. dr. Samuel Maia me trouxe para Ílhavo (…) era um bom médico. E também escrevia (…). Era (…) muito meu amigo. Vim para seu paquete e ouvi os seus conselhos (…). Meti-me a praticante de farmácia e, como Ílhavo é terra de pescadores e São Vicente de Cabo

Verde é terra de mareantes, também um dia me fiz ao mar como moço de bordo.” Juff embarca em 1906 no “Luanda”, ganhando pela safra 90 mil réis, quando um pescador recebia 160.000. Depois, torna-se cozinheiro. E, já casado com uma ilhavense e pai de duas filhas, a conselho do seu protector Samuel Maia tira o curso de piloto no Porto e em Aveiro. O depoimento do capitão Juff terminava com alusão à morte recente de uma das suas filhas mas com alguma esperança: “É a primeira vez que vou à Terra Nova como capitão e um barco. Conheço aquilo tudo como as minhas mãos. A vida, sem dúvida, é agora menos dura. Temos o Mundo mais perto de nós, a rádio leva-nos notícias dos

nossos, o médico vela por quem trabalha e os motores deixam descansar os músculos do homem. Este ano já não poderei ouvir a voz da minha filha, morta há um mês. Não posso, é como quem diz: ouço-a na minha saudade.”

7. Nas cidades do Porto e Aveiro, para fazer o curso de piloto, como veremos. 8. Nos lugres “Vaz”(veleiro – campanha de 1936), “Navegante III”(veleiro – campanha de 1937), Delães (veleiro com motor – campanhas de 1938 e 1940) e Rainha Santa ou Rainha Santa Izabel (sic), (veleiro com motor – campanha de 1942). Dados do Museu Marítimo de Ílhavo. 9. Nos lugres “Rainha Santa ou Rainha Santa Izabel (sic), na campanha de 1943, “Novos Mares (veleiro, campanha de 1944), “Senhora da Saúde” (veleiro, campanha de 1946), “San Jacinto” (veleiro, campanha de 1947) e “Brites” (veleiro com motor, campanha de

1948. Dados do Museu Marítimo de Ílhavo. 10. Segundo o “Diário de Lisboa”, 17.05.1949, p. 4, o último barco a seguir para a Terra Nova nesse ano, a 18 de Maio, foi o “Vaz” (houve outro, do mesmo nome, construído em 1918). Viera dias antes da Holanda, onde fora feito e era comandado por outro ilhavense, Armindo Simões Ré. 11. O navio teve também os nomes de “Voador” (por duas vezes) e “Navegante”. 12. Embora seja esta a potência referente ao navio indicada no site do Museu Marítimo de Ílhavo, o capitão São Marcos (citado na nota 5) aponta que a

indicação está incorrecta, por demasiado elevada para aquele tipo de veleiro. Será, quando muito, 160 hp. 13. Faria 58 anos, em 5 de Setembro. 14. Sabendo-se isto, partir-se-ia da ideia de que o pai seria branco e João Juff talvez mulato, o que na realidade não sucedia. Apesar de nascido o progenitor em Liverpool, poderemos dar a este origem familiar de raça negra em alguma colónia britânica de África? Seja como for, trata-se de questão secundária para o desenvolvimento do texto.

UM DESASTROSO FINAL DE VIAGEM

Ora a vida de marítimo na pesca do bacalhau configurava-se de facto extremamente dura. Não eram raros os encalhes, incêndios e naufrágios, fora acidentes pessoais a bordo dos lugres e arrastões ou dos pequenos dóris que cada um transportava. Apenas a título de exemplo, poderemos recordar o incêndio com afundamento do “Júlia IV”, da praça

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da Figueira da Foz, já com 3000 quintais de pescado a bordo, para uma capacidade de 4300, neste caso sem perda de vidas humanas15 ou o arrastão “Águas Santas” que encalhou mas acabou por safar-se pelos próprios meios, embora com algumas avarias. Os primeiros barcos da campanha de 1949 regressaram no início de Setembro: o “João Costa”, da praça da Figueira da Foz, e o “Rio Lima”, da de Viana do Castelo16. O “Coimbra”, de Leixões, arribou no final do mês17 e os restantes, mais ou menos por estes dias. Mas não o de João Juff… A 25 de Agosto, o “Diário de Lisboa” 18 noticiava: “Naufragou na Terra Nova o lugre 15. “Diário de Lisboa”, 12.08.1949, pág. 1. 16. “Diário de Lisboa”, 05.09.1949, pág. 7. 17. “Diário de Lisboa”, 30.09.1949, pág. 3. 18. Pág. 6. 19. É possível que se trate de gralha e sejam “milhas” em vez de “metros”. 20. A notícia do naufrágio chegou aos EUA, podendo ser consultada no “Diário de Notícias” de New Bedford de 31.08.1949, pág. 7.

‘Navegante II’ mas a tripulação está toda salva”. E de novo a cor da pele de João Juff alcançava honras de nota: “O barco era comandado pelo capitão Juff Tavares Ramos (o único capitão negro da frota de pesca portuguesa), tendo como imediato João Esteves Naia, ambos de Ílhavo, um motorista, um ajudante e mais 32 tripulantes e pescadores”. Soube-se então que devido a fortíssimo temporal abrira água e se afundara no Grande Banco, quando já tinha os porões quase cheios de pescado. Do mal o menos, salvou-se toda a tripulação, recolhida por outros barcos da frota, para além de que carga, pescado e haveres dos tripulantes estavam no seguro. O mesmo jornal, no dia seguinte, dava mais pormenores. Eis o completo relato da tragédia: “O navio, depois de vários temporais, começou a meter água em grande quantidade. Toda a equipagem correu às bombas, trabalhando, dia e noite, sem descanso, na intenção de esperar uma melhoria de tempo que permitisse, ao lugre, já quase completamente carregado, arribar a São João, do qual distava 240 me-

tros19. No dia 23, a situação agravou-se muitíssimo e todas as bombas eram já insuficientes para esgotar a água. No dia 24, o compartimento do motor ficou alagado e as bombas principais deixaram de trabalhar. De madrugada, reuniu-se o conselho do barco e verificou-se que se impunha o seu abandono. O “Maria Frederico” e o “Cova da Iria” deram o apoio necessário. Parte da tripulação regressou a Portugal neste e a restante no navio de apoio ou navio-hospital “Gil Eanes” 20. Quanto ao nosso capitão, nunca mais o foi… Faria ainda as campanhas de 1950, 1951 e 1952 no “Maria Frederico” (que naufragou após incêndio a 12 de Julho de 1952 em Virgin Rocks, Terra Nova) e as de 1954 e 1955 no “Dom Denis” (que teria idêntico fim bastante mais tarde, em 26 de Agosto de 1966), todas como imediato, cargo honroso mas certamente injusto para um sábio lobo do mar como ele, detentor de enorme experiência. Em 1955, última vez que ouvimos falar deste são-vicentino, teria uns 64 anos de uma vida dura mas aventurosa.”

Na página do Museu Marítimo de Ílhavo é possível pesquisar os dados relativos às campanhas bacalhoeiras desde o início do século XX.

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MEMÓRIAS 30 ANOS A PINTAR A RIA JOSÉ OLIVEIRA

-- do blog Marintimidades

ANA MARIA LOPES

Zé Manel, à direita, há 30 anos

Ontem, dia 2 de Agosto, fui à Murtosa, assistir à apresentação do livro «Memórias – 30 anos a pintar a Ria», que pretende homenagear o pintor José Manuel Oliveira, mais conhecido por Zé Manel, pelo seu trabalho e dedicação, sobretudo, à pintura de barcos moliceiros. O Zé Manel surge numa fase de crise de decoração dos barcos lagunares, em que Avelino Marcela já não estava no activo e em que Jacinto Viera da Silva (mais conhecido por Jacinto Lavadeiro), nos tinha deixado precocemente. Foi, pois, por esse tempo, que o Zé Manel começou o seu labor, seguindo a linha do Jacinto, não deixando de respeitar o mais característico e tradicional, mas soltando inovação e criatividade. E assim o foi fazendo, durante 30 anos, de 1989 a 2019. Conheci-o, exactamente, nessa altura, à beira-ria, quando pintava o barco moliceiro A 2040 M – JOÃO MANUEL, um dos primeiros barcos que decorou.

Durante estes trinta anos, não deixei de ir acompanhando o seu trabalho, sempre que possível, registando os painéis que brochou, de duração efémera, como é natural. De convívio bastante agradável, o Zé Manel sempre respeitou painéis de temática religiosa e patriótica, mas os brejeiros é que davam prémios nos Concursos. Oh! Quem o conhecer… que o compre! Tem a brejeirice à flor da pele! Mas, em seu dizer, os proprietários das embarcações é que são uns malandrecos, pois, nos seus painéis, «só querem gajas». Estes é que dão prémios!... Muitos parabéns ao Pintor, que nos continue a brindar com as suas telas flutuantes, muitos parabéns à Etelvina Almeida, que, com o seu saber e competência, foi a coordenadora desta obra, parabéns ao Município da Murtosa, que, em boa hora a fez nascer, para ampliar o memorial da nossa laguna. Costa Nova, 3 de Agosto de 2019

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Tema patriรณtico

Tema religioso

Em baixo: alguns temas brejeiros

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OS JOVENS E O MAR NOVOS COMEÇOS:

Mais um Verão chegou ao fim e com ele dá-se o início das atividades letivas da Escola Superior Náutica Infante D. Henrique. E vamos por isso observar os dados das vagas existentes para cada curso e para os alunos admitidos para o ano letivo de 2019/2020.

VAGAS NA ENIDH:

Tal como no ano letivo passado a escola abriu um total de 173 vagas para os seus cursos, com a distribuição das tabelas abaixo.

BÁRBARA CHITAS

Como se pode ver nas tabelas, ainda existe um número significativo de vagas por preencher e todas estas são relativas às licenciaturas em engenharia.

Cursos

Vagas

N.º colocados

1.ª fase

2.ª fase

Total

56

8

6

Pilotagem Gestão de Transportes e Logística

29

25

38

Gestão Portuária Engenharia Electrotécnica Marítima

Engenharia de Máquinas Marítimas

Totais

Vagas Colocados Vagas sobrantes

Vagas sobrantes 1.ª fase

2.ª fase

14

48

42

4

29

4

0

31

7

38

7

0

20

17

3

20

3

0

30

0

4

4

30

26

173

81

24

105

92

68

173 105 68

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Os dados são relativos às 1.ª e 2.ª fases do Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior (2019-20), podendo vir a sofrer alterações devido a outras formas de ingresso.

Há uma fraca adesão dos alunos a estes ramos. Penso que em parte devido à falta de informação relativamente às funções exercidas por profissionais destas áreas. Visto que as mais novas gerações são mais visuais, uma ideia que sugeria, seria fazer vídeos explicativos acerca destas profissões dentro dos navios, que serão os locais de trabalho dos alunos formados nestas áreas. É também importante realçar que apesar de serem cursos de engenharia, estes são muito mais práticos que cursos de outras instituições. Já para não falar que no mercado de trabalho marítimo, são os engenheiros que são mais procurados e que, por essa razão, têm maior facilidade em arranjar estágios e emprego relativamente aos colegas de pilotagem.

PRECISA A ESCOLA DE MAIS VAGAS NOS CURSOS DE PILOTAGEM?

É de conhecimento geral os números da frota portuguesa… Por essa razão poderemos pensar se vale ou não a pena formar tantos indivíduos por ano para empresas que tão poucos navios possuem. No entanto ser Oficial da Marinha Mercante é ser um individuo que está preparado para trabalhar sem fronteiras, ou seja, uma pessoa que está disposta a trabalhar para empresas estrangeiras. A PETER DÖHLE, que opera mais de 300 navios, tem neste momento absorvido a grande maioria dos praticantes licenciados nos últimos anos. E empresas com estas dimensões não pretendem contratar apenas meia dúzia, mas sim dezenas de praticantes de cada vez. Sendo assim, não seria melhor aumentar o número de vagas para que possamos responder às necessidades das grandes empresas internacionais? Gostaria de pedir aos meus leitores que me dessem a vossa opinião sobre este assunto, poderão enviá-la para o meu email pessoal barbara@chitas.pt ou visitar o meu blog: www.Seagirl.pt. Bons Ventos e Boas Marés!


COMM CENTRO 4.º aniversário

Comemorou-se no passado dia 6 de Setembro o 4.º aniversário do COMM CENTRO com um almoço que contou com a presença de muitos colegas da zona. O espaço interior das instalações não foi suficiente, pelo que se optou por um convívio no exterior em zona contígua. O COMM CENTRO prova que foi uma grande conquista dos camaradas desta grande zona de marinheiros. Após quatro anos de existência procuram-se instalações condignas e com maior área de modo a conseguir responder à enorme afluência de sócios, familiares e alguns amigos do nosso COMM. Parabéns!

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