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BORDO LIVRE REVISTA DO CLUBE DE OFICIAIS DA MARINHA MERCANTE

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MAIO/JUNHO 2021


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EDITORIAL

JOÃO TAVARES

Aproxima-se o tempo de bonança e da calmaria estival e com ele a maior disponibilidade para planear as férias de cruzeiro, do próximo ano. Escolhemos dois destinos em regiões mais a norte que tradicionalmente não têm grandes aglomerados de turistas até porque são regiões mais frias durante o verão quando comparadas com as habituais estâncias balneares. É o cruzeiro aos Fiordes da Noruega e o cruzeiro à Islândia, a terra do gelo e do fogo. No interior da revista podem consultar o anúncio e solicitar mais informações. Ainda a propósito de cruzeiros foi autorizada, pelo porto de Barcelona, a concessão à companhia MSC para construir e operar um terminal de cruzeiros exclusivo por um período de 31 anos, com um investimento orçamentado em € 33 milhões. A companhia refere que entrará ao serviço no início de 2024 e será a sua base logística e operacional no Mediterrâneo Ocidental para as suas linhas. Contará com as mais recentes tecnologias e será amiga do ambiente ao disponibilizar energia de terra e operações de bancas para abastecimento de GNL, à sua mais recente e moderna frota.

O GNL parece ser o combustível alternativo, nesta época de transição energética, que está a merecer o maior destaque. Recentemente, a classificadora DNV veio reforçar essa ideia ao aprovar o estaleiro inglês, Newport Shipping, nas soluções de reconversão aplicadas aos navios tanque e graneleiros. No entanto, no radar da sustentabilidade ambiental, a propulsão eólica comercial surge com maior definição e certeza como uma aposta forte dos armadores ao seleccionarem esta tecnologia nas novas construções que entrarão ao serviço no próximo ano. A ajudar esta causa, a BAR Technologies com a solução WindWings está envolvida na construção de dois novos navios que beneficiarão deste sistema de propulsão associado a um novo conceito de casco. De igual modo, a Michelin desenvolveu um novo conceito Wisamo (wing sail mobility) com parceiros suíços e que será aplicado num navio mercante no próximo ano. Consiste em mastros telescópicos retracteis onde estão velas insufláveis que são usadas em tandem de forma a optimizar a captação do vento. Há vários anos que a Michelin iniciou a sua rota de sustentabilidade para os produtos e, alguns meses atrás, estendeu este conceito à logística das suas operações com a expedição e transporte através de um navio mercante à vela, dos pneus produzidos no Canadá com destino a França. Também novos ventos sopram na região de Ílhavo e é neste mês que faremos a reabertura de um novo espaço - a nossa querida Delegação Regional Centro que será inaugurada no dia 11 de Junho e

que terá a merecida reportagem do evento, nas páginas da próxima edição da revista. O mercado da carga contentorizada continua a chamar para si as primeiras páginas das notícias, tanto boas como aquelas mais negativas. É um mercado com forte crescimento em que os gigantes lutam pela conquista de uma maior fatia. O mais recente desenvolvimento deu-se com a entrada da Hapag Lloyd na lucrativa região oriental de África com a abertura de cinco escritórios na região e a iniciar a linha entre Quénia, Tanzânia e China com sete navios. O porto de Mombasa teve um crescimento de 70% nos últimos três anos movimentando anualmente 1,65 milhões de TEU e Dar es Salaam 0,7 milhões de TEU. Por outro lado, os porta-contentores continuam a ser protagonistas de incidentes, e desta vez calhou ao Maersk Emerald que reportou uma avaria na máquina e encalhou na margem do canal Suez no dia 28 de Maio bloqueando a passagem dos navios que seguiam no comboio. Ao fim de dez horas e com recurso a assistência de rebocadores locais continuou a viagem para Salalah em Omã. E é neste espírito de liberdade de navegação que assenta a base do comércio internacional tão fundamental como necessária para o desenvolvimento das sociedades, pelo que me resta dizer como o poeta: “Homem livre, tu sempre gostarás do Mar”. Votos de bom descanso e continuem a apreciar e a desfrutar do COMM como ponto de encontro de marítimos. Até breve!

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SUMÁRIO

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Editorial

João Tavares

COMM Natura Um "Robô Macio" António Costa

Reportagem Porto Santo Line Sabedoria do Mar Alberto Fontes

Da importância do "Cold Ironing" Joaquim Saltão

Embarque e Desembarque de Piloto António Costa

Os Jovens e o Mar Bárbara Chitas

DIRETOR Lino Cardoso COLABORARAM NESTE NÚMERO João Tavares, António Costa, Bárbara Chitas, Alberto Fontes, Joaquim Saltão

OS TEXTOS ASSINADOS SÃO DA RESPONSABILIDADE DOS SEUS AUTORES

COMPOSIÇÃO Mapa das Ideias TIRAGEM 1000 exemplares PERIODICIDADE Bimestral REG PUBL 117898 DEPÓSITO LEGAL 84303 CORREIO EDITORIAL Despacho DE04842021SC-B2B PROPRIETÁRIO/EDITOR Clube de Oficiais da Marinha Mercante Trav S João da Praça, 21. 1100-522 Lisboa Tel (+351) 218880781. www.comm-pt.org secretaria@comm-pt.org CAPA Lobo Marinho@Porto Santo Line DISTRIBUIÇÃO GRATUITA AOS SÓCIOS DO CLUBE DE OFICIAIS DA MARINHA MERCANTE

A REVISTA ESTÁ DISPONÍVEL ONLINE para leitura, duma forma fácil e intuitiva em http://issuu.com/clubeoficiaismarinhamercante/docs/bl163 HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO DA SEDE DO COMM 2.ª, 3.ª, 4.ª, 5.ª, 6.ªF - das 15h00 às 18h00 A SEDE DO CLUBE DISPÕE DE LIGAÇÃO PAGAMENTO DE COTAS: NIB 001000006142452000137


NOTÍCIAS GRUPO SOUSA APOIA OS BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS DE ALGÉS A “Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Algés” (AHBVA), assinou, a 5 de maio, um Protocolo com a GS Lines, empresa do Grupo Sousa, que se constituiu como o corolário de uma iniciativa destinada a apoiar a renovação do seu parque de formação para busca, resgate e combate a incêndios, concretizada com a oferta de 3 contentores marítimos de 40 pés. A A.H.B.V.A. é uma associação sem fins lucrativos que detém o Corpo de Bombeiros Voluntários de Algés, dedicando-se ao socorro às populações, ao transporte de acidentados e doentes, à prevenção e ao combate a incêndios, carecendo de um elevado nível de recursos para a prossecução dos seus fins. A GS Lines, atualmente o maior e único armador português a integrar a lista dos 100 maiores do mundo, insere-se no grupo empresarial denominado Grupo Sousa, que há 35 anos vem desenvolvendo atividades como operador marítimo, portuário, de logística e energia. Na ocasião, Pedro Amaral Frazão, Administrador e Chief Sustainability

Officer, do Grupo Sousa, declarou que “é com uma enorme satisfação que apoiamos este projeto, determinante para a qualidade da formação e treino dos efetivos do Corpo de Bombeiros Voluntários de Algés, uma instituição de referência que presta um importante serviço à comunidade. Fazemo-lo com um grande sentido de compromisso social e humanitário”.

Por parte da A.H.B.V.A., o seu Presidente da Direção, Abílio Fatela, agradeceu a oportunidade de colaboração apresentada pela GS Lines, referindo que a “Associação Humanitária está aberta às iniciativas de solidariedade e de responsabilidade social do tecido empresarial, que contribuem para a operacionalidade do seu Corpo de Bombeiros”.

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COMM NATURA

ENTROU EM VIGOR A ALTERAÇÃO À CONVENÇÃO DE BASILEIA

Mar devolve lixo – Bombaim, junho 2020, após a passagem do ciclone Nisarga, que assolou a região costeira com chuvas e ventos fortes.

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Entrou em vigor a alteração à Convenção de Basileia "Temos a responsabilidade de cuidar do nosso planeta. O futuro da humanidade e, na verdade, de toda a vida na Terra, depende de nós." Estas são as palavras proferidas pelo famoso naturalista David Attenborough, após a exibição de um documentário que dava destaque às

oito milhões de toneladas de plástico atiradas aos oceanos todos os anos. A ONU espera reduzir o desperdício de plástico oceânico dentro de cinco anos, depois que entrou em vigor a alteração à Convenção da Basileia de 1989 (que rege o comércio de materiais perigosos), passando a nela incluir resíduos de plástico. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) em comunicado de imprensa, a emenda à Convenção de Basileia, que entrou em vigor a 1 de janeiro de 2021, resultará num oceano mais limpo dentro de cinco anos e permitirá que países em desenvolvimento como Vietname e Malásia recusem resíduos de baixa qualidade e difíceis de reciclar mesmo antes do transporte. A poluição por resíduos de plástico, como problema ambiental de preocupação global, atingiu proporções bíblicas com as cerca de 100 milhões de toneladas de plástico que hoje podemos encontrar nos oceanos, sendo que 80% a 90% dos quais vêm de fontes terrestres. Uma vez nos oceanos, o plástico continua a causar danos, ao se desintegrar em microplásticos, que acabam no estômago dos animais marinhos e, finalmente, em nós próprios, através da alimentação. A acrescentar a isso, um estudo recente comprova que a poluição por plástico aumenta a acidificação do oceano. Esta última alteração exige "aviso prévio e consentimento" por escrito dos países de importação e trânsito, antes do envio dos resíduos plásticos para reciclagem. A nova regra internacional visa equilibrar as forças entre as nações ricas, que despejam lixo plástico contaminado, e as mais pobres, que tradicionalmente, os recebem. Antes da


nova regra, grandes quantidades de plásticos contaminados, não recicláveis e de baixa qualidade, eram frequentemente vendidas a países em desenvolvimento para reciclagem. Segundo concluiu um relatório do Greenpeace de 2020, depois da China se recusar a aceitar resíduos contaminados em 2018, esse lixo redirecionado para outras nações em desenvolvimento, que passaram a aceitá-lo. Uma vez recebidos, os resíduos eram, frequentemente, queimados de forma ilegal, ou despejados em aterros sanitários, contaminando cursos de água – apenas, e tão só, porque eram inutilizáveis e não recicláveis. A Convenção da Basileia, no entanto, abre uma exceção para sucata de plástico pré-classificada, limpa, não contaminada e reciclada: ela não estará sujeita aos requisitos de consentimento informado. A ideia é incentivar as exportações de plásticos comercialmente viáveis para reciclagem, em vez do despejo irrestrito de lixo plástico que ocorria anteriormente. Em dezembro de 2020, a União Europeia aprovou regulamentações adicionais que são ainda mais rígidas do que a emenda da Convenção de Basileia, incluindo a proibição do envio de resíduos plásticos não selecionados, que são mais difíceis de reciclar, para os países mais pobres. Esta alteração à Convenção é o primeiro, e crucial, passo para impedir o uso de países em desenvolvimento como depósito do lixo plástico do mundo.

CORREÇÃO NA PÁGINA 19 DO NR 162 DO BORDO LIVRE, EM BAIXO À ESQUERDA, ONDE ESTÁ MYSTIC WORLD CRUISES DEVE LER-SE MYSTIC CRUISES SA.

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ALMOÇOS QUINTA-FEIRA Agora que as restrições em termos de circulação e movimentação foram de alguma forma aliviadas, retomámos os almoços na sede do Clube.

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Relembramos que se mantém o protocolo de higiene e segurança em vigor, de acordo com as recomendações da DGS, para as instalações do COMM de modo a assegurar sempre um ambiente e espaço de convívio o mais tranquilo e confortável para todos os associados.

No dia 6 Maio, uma comitiva da delegação Centro visitou as instalações da sede em Lisboa e desfrutou de uma refeição tradicional envolta em muita animação.


UM "ROBÔ MACIO" PARECIDO A PEIXE NADA NA FOSSA DE MARIANAS - do blogue Mar e Marinheiros, de António Costa As regiões mais profundas dos oceanos ainda são uma das áreas menos exploradas da Terra, apesar do seu considerável interesse científico e da riqueza de formas de vida que as habitam. Duas razões para isso são as baixas temperaturas e as enormes pressões exercidas em tais profundidades, que exigem que o equipamento de exploração seja cuidadosamente blindado em câmaras de metal ou cerâmica de alta resistência para as suportar. Isso torna os ROV’s de grande profundidade volumosos, caros e pesados, bem como difíceis de projetar, fabricar e transportar. Mas um novo pequeno peixe robótico subaquático com alimentação própria parece oferecer uma alternativa. De acordo com um artigo recente, o robô foi capaz de alcançar a parte mais profunda do Oceano Pacífico – a Fossa das Marianas – a uma profundidade de quase 11 km (6,8 milhas). A pressão lá é mais de mil vezes superior à da superfície do mar. No entanto, vários animais, incluindo peixes, são capazes de suportar essa pressão impressionante e adaptaram-se à vida em tais condições adversas. A morfologia e a estrutura do crânio de um desses organismos marinhos, o peixe caracol hadal, inspirou o design deste notável robô nadador.

A Fossa das Marianas ocupa uma parte do oceano que é tão profunda, escura e fria que o seu nome – a "zona hadal" – foi deriva de "Hades", o submundo grego, de acordo com a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica. Esta região consiste principalmente de trincheiras marinhas, que se estende por profundidades de entre 6.000 a 11.000 m. O principal avanço que permitiu esta conquista significativa foi um corpo de polímero compatível, especialmente projetado, que se deforma, sem quebrar, sob alta pressão. A equipa de investigadores de Hangzhou, na China, conseguiu incorporar os delicados componentes eletrónicos necessários para energia, movimento e controlo dentro de uma matriz protetora de silicone. Os componentes eletrónicos foram separados uns dos outros, em vez de compactados juntos, como é a prática usual, para os tornar mais resistentes à pressão, semelhante aos ossos do crânio do peixe-caracol. O robô também se parece com o peixecaracol, com corpo e cauda alongados, além de duas grandes nadadeiras laterais feitas de silicone fino. As aletas batem para impulsionar o pequeno robô, que mede apenas 22 cm (8,7 polegadas) de comprimento por 28 cm de envergadura.

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A Porto Santo Line - Transportes Marítimos Lda. (PSL) é fundada em 1989, com o objetivo de estabelecer um serviço regular entre as ilhas da Madeira e do Porto Santo para transporte de mercadorias. Até então, o serviço de passageiros era assegurado pelo Governo Regional da Madeira com os navios “Independência” e “Pátria”. Em 1994, ganha o concurso público internacional, promovido pelo Governo Regional da Madeira, com vista à concessão do serviço público de transporte marítimo de passageiros e carga entre a Madeira e o Porto Santo, que então havia estabilizado com 100.000 passageiros transportados, anualmente. No ano de 1997, são adquiridos, pelo Grupo Sousa, os hotéis “Torre Praia” e “Praia Dourada”, no Porto Santo, facto que veio dinamizar e completar o serviço da PSL através do novo potencial de criação de pacotes promocionais com viagem e hotel. Em 1998, a empresa divulga a intenção de mandar construir, de raiz, um navio de passageiros, tipo ferry, destinado a substituir o navio de então, o “Lobo Marinho”, para dar resposta às necessidades específicas da linha marítima. 10 | BORDO LIVRE 163 | MAI-JUN 2021

Assim, foi possível projetar um navio com maior capacidade de transporte de passageiros e carga, mais rápido, com maior conforto e espaços de animação e lazer, incorporando, nas suas caraterísticas, as dimensões máximas permitidas para operar no Porto Santo. Em 2001 foi lançado o concurso público internacional para a construção deste novo navio, tendo sido vencedora a proposta dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo. A adjudicação culminou com a assinatura do contrato de construção entre a PSL e este estaleiro, em 24 setembro e que previa que o navio levaria 18 meses a ser construído, com o valor de adjudicação de 37 milhões de euros. A 4 junho 2003, o novo “Lobo Marinho” entrou ao serviço, fazendo a primeira viagem na carreira Funchal–Porto Santo. A concretização deste projeto, tendo em consideração o nº de passageiros da linha, só pôde ser exequível com a comparticipação de fundos comunitários sendo, no entanto, a PSL obrigada a investir mais de 22 milhões de euros.


REPORTAGEM

PORTO SANTO LINE

CARATERÍSTICAS DO NAVIO “LOBO MARINHO” Em plena era da globalização, a construção do “Lobo Marinho” caraterizou-se por uma importante participação internacional aos mais diversos níveis. Apesar da construção ser da responsabilidade dos E. N. de Viana do Castelo (coordenação do projeto, desenvolvimento do projeto básico do casco, e aprestamento do navio fora da zona habitacional), aquele estaleiro optou por subcontratar, em algumas fases de construção, empresas especialistas em determinadas áreas, nomeadamente, os ensaios hidrodinâmicos pela empresa SVA de Potsdam, na Alemanha; o projecto básico de aprestamento esteve a cargo da empresa finlandesa Deltamarin e do Arq. Naval Abreu Valente; na construção e montagem de blocos de aço nos estaleiros navais de Baltyskiy Zavod (S. Petersburgo); nos interiores fabricados pela Decon (Grécia), montados posteriormente em Viana do Castelo; e nas máquinas principais na Alemanha, na famosa fábrica de MAK, também montados em Viana do Castelo.

Pode dizer-se que o navio “Lobo Marinho” constituiu um êxito assinalável. Gerou um crescimento superior a 30% no número de passageiros transportados, atraindo o interesse e a simpatia dos madeirenses e dos utentes da carreira em particular. Abriu-se um novo ciclo na história marítima das ilhas, que, na altura, passaram a dispor de um navio de passageiros moderno, equiparado às melhores construções em termos técnicos, estéticos, de conforto e segurança. Para tal, contribuíram os ensinamentos resultantes da operação com o “Lobo Marinho” anterior que tinha sido adquirido em estado de uso, já com 28 anos.

Tanto a nível técnico, como em termos estéticos, houve um cuidado muito especial na construção do navio “Lobo Marinho”, evidente no equilíbrio de linhas exteriores e na qualidade dos interiores, que resultou na criação de um ambiente descontraído, atraente e muito confortável a bordo. Com 6 dos 8 pavimentos dedicados aos passageiros, o “Lobo Marinho” apresenta uma oferta diversificada de atividades e entretenimento, com 14 salões e espaços públicos a bordo.

O navio atraiu também, de forma feliz, as atenções da imprensa especializada internacional, sendo selecionado pelo prestigiado RINA – The Royal Institution of Naval Architects, de Londres, como um dos “Significant Ships of 2003”. Trata-se de um título exclusivo, atribuído anualmente a 50 navios mercantes, escolhidos de entre todas as unidades completadas no ano, pelas suas qualidades e caraterísticas superiores. MAI-JUN 2021 | BORDO LIVRE 163 | 11


Tipo de navio Navio motor de transporte de passageiros e viaturas, construído de aço em 2002-2003

CARATERÍSTICAS ESPECÍFICAS

Estaleiros Navais de Viana do Castelo, SA

Construtor Construção nº Custo Armador e operador Porto de Registo

237 37.000.000€ Porto Santo Line, Transportes Marítimos, Lda (2003- ) Registo Internacional de Navios da Madeira, Portugal (2003-Jan 2021), atualmente no registo convencional português (Porto de Registo: Funchal)

Nº IMO Indicativo de chamada Data de encomenda Assentamento da Quilha Lançamento Entrega Viagem inaugural Tonelagem Arqueação bruta Arqueação líquida Deslocamento Deslocamento leve Porte bruto

9267390 CQTW 24.9.2001 28.1.2002 15.8.2002 30.5.2003 4.6.2003

EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE PASSAGEIROS

8.082 2.423 5.900 toneladas 4.797 toneladas 1.103 toneladas

Dimensões Comprimento fora-a-fora Comprimento entre perpendiculares Boca da ossada Pontal da ossada (pavimento 3) Pontal pavimento 5 Calado máximo

Desde o início da concessão da rota à PSL o crescimento observado foi notório. 112,00m 98,20m 20,00m 7,00m (car deck) 12,00m (upper deck) 5,00m

Máquinas 2 motores principais diesel Catterpillar Motoren / MAK 3 motores auxiliares diesel Mitsubishi Heavy Industries / Volvo Penta 1 motor auxiliar diesel de emergência Volvo Penta

Consumo de combustível Máquinas principais 2.630 litros de gasóleo/hora Geradores 190 a 220 litros de gasóleo/hora cada um, conforme a carga Velocidade de serviço 21 nós Hélices 2 hélices Schottel de 4 pás de passo variável, com 3,30m de diâmetro Estabilizadores 2 estabilizadores de alhetas Rolls Royce / Brown Brothers Propulsor de proa 1 Lips de passo variável com 7 T de força de tracção e 500kw de potência

Classificação DNV – Hull: 100A5 Ro-Ro Ship, Passenger Ship & Machinery MC AUT

Capacidade de Passageiros e Carga Passageiros 1.153 Tripulação 47 Camarotes 44, sendo 3 camarotes destinados aos armadores e convidados, 38 camarotes individuais e 3 camarotes duplos Pavimentos 8, incluindo 6 para os passageiros com 14 espaços públicos diversos Capacidade de carga garagem situada nos pavimentos 3 e 4 com acesso de carga rolante por plataforma à popa, com 300m de comprimento de vias, capacidade para 145 automóveis, ou 18 TEU’s e 100 automóveis ou 14 atrelados e 100 automóveis

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Em 2009 (máximo histórico da linha) com 361 mil passageiros, a linha cresceu 2,6 vezes face ao último ano de operação exclusivamente público (1993 com 99 mil), demonstrando, assim, o sucesso deste modelo de concessão com evidentes repercussões quer para os habitantes e pequena economia da Ilha do Porto Santo, quer na concretização da estratégia de complementaridade entre destinos. Com a crise financeira de 2008 e a sua consequente mutação na crise de dívidas soberanas da zona euro, com especial enfoque no ano de 2011 durante o qual foi formalizado o pedido de ajuda externa português aos parceiros internacionais, a rota sofreu com os impactos do ajustamento económico-financeiro inerente. Desde 2011 que a rota se tornou deficitária. Com as atuais condições de oferta (dimensão e qualidade do Navio e as 6/7 viagens semanais obrigatórias na época baixa/alta respetivamente decorrentes da concessão) os 300 mil passageiros são o ponto de break-even. Findo o PAEF, a rota iniciou a sua recuperação evidente, a partir de 2015, tendo retomado, em 2019, os máximos históricos. Em 2020, face à situação pandémica, ocorreu uma reversão a níveis de tráfego semelhantes ao PAEF.


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SABEDORIA DO MAR

A MARINHA DE COMÉRCIO EM TEMPO DE PESTE

ALBERTO FONTES

Estamos em pleno vírus com o confinamento, as restrições à nossa liberdade, a necessidade de vivermos com menos, tudo isto nos ensina que oitenta por cento do que consumimos e fazemos é supérfluo, desnecessário e afasta-nos dos verdadeiros prazeres e valores, da natureza. Somos condicionados pela publicidade que nos invade e sacrifica a privacidade, com efeito directo na economia e na nossa liberdade de pensar com lucidez. A pandemia de COVID-19 não é, no entanto, um fenómeno raro. O que sabemos é que esta não é a primeira vez que o ser humano luta contra uma pandemia e não será a última, até porque o mundo moderno é causa para o surgimento de surtos, como o do actual corona vírus, dando origem a uma crise humanitária difícil de assimilar, mas com os governantes a reiniciarem a economia global. As costas largas da pandemia não podem esconder o que se vai passando no shipping mundial. SENTIR, SABER e RESISTIR, onde desde logo sentir é ter a certeza que a Marinha de Comércio está viva; enquanto sabemos que em pleno século XXI a globalização está para ficar e quem pensar em desligar a globa14 | BORDO LIVRE 163 | MAI-JUN 2021

lização vai constatar que é impossível, pois ela está ligada à humanidade como a conhecemos; por sua vez resistir está na superação das inexactidões ditas por quem fala sobre náutica, sem conhecer a arte de navegar. Atente-se no que se passou, após o problema ocorrido com o navio portacontentores construído no estaleiro Imabari Shipping (Japão) em 2018 “MS Ever Given” com 399 metros de comprimento e quase 60 metros de boca, carregando 18300 TEUS, com um calado de 15,70 metros que encalhou, ficando atravessado e com isso bloqueou no Canal do Suez perto de 400 navios. Pelo Canal transita cerca de 12% do comércio mundial e nos seis dias que o Canal esteve bloqueado muitos outros navios mercantes ali ficaram imobilizados, parando a Economia Global. Os contentores transformaram o transporte marítimo a nível dos custos, o contentor consegue fazer chegar rapidamente aos consumidores, uma enorme variedade de mercadorias com origem nas mais diversas partes do mundo, a um custo acessível. Ele veio implementar, entre fabricante e cliente final o conceito de “just in time” eliminando ou reduzindo consideravelmente os custos, com existências em armazém, tudo isto à custa da eficiência do transporte marítimo e da segurança das cadeias logísticas para o abastecimento. Vem daqui a importância do contentor para a economia mundial, que exige a sua movimentação, cada vez mais automatizada e sem complicações. Como pontos de estrangulamento do comércio marítimo mundial, podemos referir como sendo o Canal do Suez, o Estreito de Malaca ou mesmo o Canal do Panamá sendo a garantia do seu

curso desimpedido, essencial para a logística da produção, para o armazenamento, no transporte e para a entrega, tornando o mundo mais pequeno. Com a busca incessante de procurar reduzir o custo por TEU, crescem as dimensões dos navios, as áreas de bacia portuária para os movimentar e crescem os terminais de contentores e os meios para cargas e descargas. O Canal do Suez após dez anos de construção, foi inaugurado a 17 novembro de 1869, com 193 Km, ligando o Mar Vermelho ao Mar Mediterrâneo. Conheceu, entretanto obras de adaptação para responder aos aumentos do tráfego e da dimensão dos navios, ficando actualmente com 24 metros de profundidade e 205 metros de largura. Embora a tripulação indiana do navio saiba, que a direcção é mais importante que a velocidade, às 05 40 hrs (hora de Lisboa) de terça-feira 23 Março 2021 o navio “MS Ever Given”, debaixo de ventos que originavam intensa tempestade de areia, descortinou para estibordo, embatendo a proa na margem de areia do canal, onde se enterrou cerca de oito metros, indo a popa encalhar na outra margem, perdendo o navio o rumo e a potência da máquina. Com o bloqueamento do tráfego marítimo, avaliado em 8,1 mil milhões de euros por dia, seguiram–se seis dias de esforços por parte da Autoridade do Canal para reflutuar o navio, o que veio a acontecer na 2ª feira 29 março 2021, após uma potente draga ter movimentado 27 mil metros cúbicos de areia da proa do navio e 14 rebocadores terem sido esforçadamente aplicados. O navio com hélice e leme libertados foi rebocado para o Grande Lago Amargo, onde fundeado, ficou retido


primeiro para inspecções técnicas e depois com auditorias para apuramento de causas e responsabilidades. O armador Japonês Shoei Kisen Kaisha, que no navio arvora a bandeira Panamiana, declarou AVARIA GROSSA*, o que envolve de imediato na repartição dos custos a apurar, o fretador/operador Evergreen Lines de Taiwan que por sua vez tem como carregador a multinacional Bernhard Schulte Shipmanagement que no navio, transporta cargas de Yantain na China para o porto de Roterdão. Logo que o navio ficou liberto, pela

Sociedade Classificadora ABS, para prosseguir viagem, a Autoridade do Canal acionou sobre o navio, um arresto judicial, por indemnização a receber no valor de 916 milhões de dólares (767 milhões de euros) entre custos directos com o reflutuamento do navio e indemnização por influência da credibilidade na imagem do canal, este arresto impede o navio de largar o fundeadouro onde se encontra. A este valor haverá também de acrescentar o custo total do sinistro, no que à carga a bordo diz respeito, como as verbas pedidas a título de indemnização, por

tempo perdido, dos restantes armadores dos navios, retidos no Canal durante uma semana. Acreditamos que estaremos perante o mais complexo caso de Avaria Grossa dos tempos modernos e os próximos anos serão de longa batalha jurídica, para todos aqueles que se viram envolvidos, na aventura marítima do “Ever Given”. * Avaria Grossa ou Comum no Direito Internacional Marítimo, está legislado, em como todos os interessados na expedição marítima, irem suportar as despesas que venham a ser imputadas ao armador e ao navio.

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DA IMPORTÂNCIA DO "COLD IRONING" NA POLUIÇÃO MARÍTIMA

JOAQUIM SALTÃO

As emissões poluentes dos grandes navios e a importância do ”Cold Ironing” para mitigar o seu efeito, em porto.

O “Cold Ironing” é uma nomenclatura actualmente usada, em inglês, para designar um sistema que esteve em uso no tempo dos navios com máquinas alternativas e turbinas a vapor. As expressões em inglês são fáceis de traduzir para os portugueses que, normalmente, entendem bem o inglês. Todavia, há uma que, embora seja um sinónimo idiomático, foge ao contexto e precisa, para alguns, de uma explicação. Cold Ironing, Shore conection, Shore-toship-power (SSP), Alternative Maritime Power(AMP) On Shore Powwer Supply (OPS) High Voltage Shore-Side Conection (HVSC).

O Cold Ironing (CI) é o termo mais consensual para designar a tecnologia que vamos abordar. Era a ligação eléctrica de um navio a terra, quando atracado, para satisfazer as suas necessidades energéticas, com o fim de desligar as caldeiras. Desta forma, permitia a poupança de carvão ou nafta, que eram os combustíveis usados no tempo dos navios a vapor: os celebres “VAPORES”. Este procedimento possibilitava, ainda, proceder aos trabalhos de manutenção preventiva ou correctiva.

O apagar das caldeiras originava o arrefecimento da casa das caldeiras e da casa das máquinas, daí a denominação "Cold Ironing", que basicamente significa "arrefecimento do ferro".

Nesses tempos, ainda não havia a preocupação da poluição. Era o tempo do vapor, a força motriz capaz de impelir os pequenos e grandes “Vapores”, cuja dimensão e prestígio se avaliava pelo número de chaminés de que estavam dotados. O seu número era em função das caldeiras instaladas, o que significava grande potência de máquina e, por sua vez, grande velocidade. Não havia o cuidado a ter com problemas ambientais. Para os observadores em terra, a fumaça que saía das chaminés dos navios, quanto mais abundante fosse, não significava uma má combustão do combustível usado, mas sim a potência que se queria imprimir ao navio. O povo extrapolou o conceito de que quanto mais caldeiras tinha um navio, mais veloz era. Portanto, mais o navio se afirmava entre os seus pares, e instituiu a voz popular a metáfora muito usada pelas gentes do mar, “Mais caldeira e menos bandeira”, para definir a presunção das pessoas “que não têm onde cair mortas”.

Note-se que o celebre “TITANIC” era dotado de quatro chaminés, mas só três é que funcionavam como tiragem das caldeiras. A quarta chaminé era só para ventilação das cozinhas e máquinas auxiliares. Quase podemos dizer que era uma simples ostentação majestática e deduzirmos ter “mais bandeira do que caldeira”. O CI é uma tecnologia que, embora usada no tempo dos “vapores”, há pouco mais de 21 anos voltou a adoptar-se, com êxito, como uma inovação tecnológica para fornecer energia aos navios atracados em 16 | BORDO LIVRE 163 | MAI-JUN 2021


porto, carecendo de instalações apropriadas, com investimentos elevados, mas cujo retorno do investimento depende do número de utilizadores e dos benefícios que resultam dos custos de externalidade.

DOS CUSTOS VS BENEFÍCIOS DO “CI” Os pioneiros do Cold Ironing foram os portos de Juneau, no Alasca, o de Gotemburgo e portos da Costa Oeste dos Estados Unidos da América, com o desígnio de tornar os portos mais "verdes".

O Cold Ironing, porém, é um sistema que tem alguns constrangimentos, a sa-ber: - Falta de uniformização global do sistema, que implica normas a adoptar por todos os navios e portos; - O preço da electricidade a fornecer pela rede local de distribuição de energia deve ter um custo inferior ao que o navio pode produzir com o seu combustível autorizado, o que constitui o factor mais importante e aliciante por parte dos utilizadores; - A construção de unidades de produção local dedicadas a este sistema, ou novas linhas eléctricas para trazer a energia de alta voltagem aos locais de abastecimento; - O custo de adaptação dos navios já construídos ou o aumento do preço das novas construções adaptadas ao sistema; - A adaptação das infraestruturas portuárias, tendo em conta a corrente a fornecer aos navios construídos ou a construir, com voltagens de 220 v ou 110 v e frequências de corrente de 50 ou 60 Hz (as mais usadas). Segundo um estudo da ENTEC, em 2005, o CI seria uma tecnologia atractiva, em termos económicos, para o utilizador com um preço do combustível acima dos €450/t-métrica.

No momento em que escrevo, o ULSFO max. 0,1% S, permitido usar em porto, custa em Rotterdam 431,60 €/t-métrica. Um motor de combustão interna consome, em média, entre 175 e 200 g de combustível para obter um KWh, dependendo do ano de construção, da potência e do tipo do motor, a 4 ou 2 tempos. Tendo em conta o preço supracitado do ULSFO max. 0,1% S, cada KWh importaria, para um consumo de 180 g/KWh, em 0,0787 €. Está Portugal preparado para fornecer energia aos navios por aquele preço? Os portugueses pagam à EDP, por cada KWh consumido, 0,277 €, com as taxas e taxinhas adicionadas. A tecnologia CI é um investimento que tem que ser bem ponderado, tendo em conta o número de navios, a sua periodicidade de escalas e a suas necessidades de energia. Mais importante que o custo-benefício do investimento, são os custos de externalidade reflectidos no meio ambiente, com especial incidência na saúde pública.

Segundo um estudo da ABB Marine & Ports, de 2010, os navios emitiam 10 a 15% de NOx e 6% de SOx, relativamente às emissões globais, e são responsáveis por dezenas de milhar de mortos devido a doenças cardiopulmonares e cancro. Desde 1973, com a Convenção MARPOL e as sucessivas emendas, tem-se tentado reduzir as emissões perniciosas produzidas pelos navios, mas a solução só terá um fim sustentável quando o hidrogénio for implementado como combustível marítimo e produzido através de energias renováveis. Por enquanto, o hidrogénio constitui um obstáculo à sua utilização como combustível marítimo para navios de longo curso. Chamo-lhe um “Trilema”, tendo em conta a “Produção, Armazenamento a bordo e a Distribui-ção/Abastecimento”. Mas é, no actual estado de arte, o único

combustível que elimina as emissões poluentes, desde que produzido com energias renováveis. Actualmente os navios estão a usar o LNG como combustível marítimo, por ter algumas vantagens sobre os combustíveis tradicionais: - É mais barato; - Reduz em 85% as emissões SOx; - O CO2 é reduzido em 25%; - As PM diminuem para 98%, comparados com os combustíveis tradicionais; - Tem maior eficiência energética, 6,2 KWh/kg, enquanto o MFO tem 5,0 KWh/kg, o MDO 5,4 KWh/kg e o metanol 2,5 KWh/kg, o que o torna num combustível energeticamente rendível, a custo mais baixo. Porém, o LNG emite metano, que é um gás de efeito de estufa: 7g por kg consumido com os motores a operar em regime máximo de serviço, e 23 a 26 g com regimes mais baixos. O metano contribui para o aquecimento global 28 vezes mais do que o CO2.

O armazenamento do LNG, comparado com os combustíveis tradicionais, requer maior espaço de armazenamento e, no caso de um navio de passageiros, cada m3 ocupado pelos tanques representa a perda de uma cabine de passa-geiros. Até lá, como se tenta amenizar a “pegada ecológica”? - Reduzindo as percentagens de enxofre dos combustíveis; - Usando o LNG como combustível marítimo; - Aperfeiçoando as tecnologias de construção naval, com o fim de redução das potências a empregar; - A redução da velocidade dos navios, ou até o conceito “JIT” (Just in Time), de modo a que os navios cheguem ao porto só quando tiverem lugar para atracar, podendo regular a velocidade durante o seu percurso de forma a reduzir o consumo de combustível. MAI-JUN 2021 | BORDO LIVRE 163 | 17


A PEGADA ECOLÓGICA NA NAVEGAÇÃO A emissão de uma tonelada de CO2 é responsável pelo aumento da temperatura mundial de 0,00000000000015ºC. Um estudo da CDIAC (Carbon Dioxide Information Analysis Center) efectuado em 2010, concluiu que com a concentração de CO2 acima de 350 ppm (partes por milhão) a mudança climática fica descontrolada. Actualmente, registaram-se 416,21 ppm, a mais alta concentração registada desde o início da sua medição em 1958, apesar de a pandemia COVID-19 ter revertido, globalmente, as emissões poluentes. O maior predador do planeta Terra, o Ser Humano, em vez de perder tempo e dinheiro a tentar descobrir o caminho interplanetário para Marte, devia dar maior atenção ao seu habitat, porque Marte não é, decerto, o seu plano B quando o planeta Terra colapsar.

Outras alternativas tem sido os scrubbers, que podem ser de circuito aberto, fechado ou hibrido. Estes scrubbers são usados para remover as emissões de SO2 e PM (material particulado), mas não evitam as emissões de NOx e CO2. Podem remover 90 % de SO2 e cerca de 60 % de PM, mas os scrubbers de circuito aberto têm o inconveniente de descarregarem para o mar as águas usadas na lavagem dos poluentes. Estas, embora com o PH controlado, que não deve ser inferior a 6,5, de acordo com os “Regulamentos MARPOL - Anexo VI”, contêm hidrocarbonetos aromáticos policíclicos e metais pesados, que afectam a saúde humana e o meio marinho, contribuindo para acidificação dos oceanos, não sendo biode-gradáveis e entrando na cadeia alimentar. Os scrubbers de circuito fechado usam água doce e soda caustica para neutralizar o enxofre. As soluções de lavagem 18 | BORDO LIVRE 163 | MAI-JUN 2021

são recolhidas em tanques, afim de serem tratadas e descarregadas em terra, conduzidas para aterros dedicados a este efeito. Há já países que impõem regras ao uso de scrubbers, não podendo ser usados em porto ou com combustíveis com teores de enxofre acima de determinados valores. Mesmo com todos estes inconvenientes e condições, em 2020 havia 4341 navios dotados de scrubbers.

Um estudo Finlandês/ Alemão concluiu que usando scrubbers em motores accionados a HSFO (High Sulphur Fuel Oil), estes emitem menos poluentes do que os que usam LSFO (Low Sulphur Fuel Oil). Embora cumprindo as reco-mendações “IMO 2020”, têm sido apelidados de “FRANKESTEIN FUELS” (combustíveis Frankenstein, referindo a personagem literária de horror), por serem responsáveis por uma série de acontecimentos de mar, nomeadamente devido às máquinas propulsoras avariadas e até explosões ocorridas recente-mente com navios.

Também, nalguns portos, por representarem menos custo do que uma instala-ção fixa de CI, estão a ser utilizadas barcaças que produzem energia eléctrica com recurso ao LNG, para depois ser fornecida aos navios. Estudos efectuados em 2020, sobre os navios que “praticam” os portos europeus e águas interiores, enquanto atracados, referem que estes irão consumir 3543 GWh, anualmente, o que representa o equivalente a 0.1% de toda a energia consumida na Europa.

Nenhuma desta informação serve para diabolizar os navios, que inclusive são os meios de transporte que menos poluem, por km percorrido, relativamente a todos os outros meios de transporte. Reparese: - Os maiores navios de cruzeiro consomem, enquanto atracados (hotelling), 11200 KWh, valor variável ao longo do dia; - Um consumo de 7 MVA polui tanto em NOx como 9000 automóveis e em PM como 3000 automóveis. Os 7MVA são suficientes para alimentar uma povoa-


ção de 6000 pessoas com boa qualidade de vida.

A DIRECTIVA DA EC QUE DÁ “UMA NO CRAVO E OUTRA NA FERRADURA” A Directiva 2014/94/EU “estabelece

as normas a aplicar para a descarbonização dos transportes, mas no caso do fornecimento de eletricidade aos navios de mar a partir da rede terrestre é prioritariamente aplicada nos portos da rede RTE-T de base, e, noutros portos, até 31 de Dezembro de 2020, excepto se não houver

procura e se os custos forem desproporcionados em relação aos bene-fícios, nomeadamente os benefícios ambientais.”

Para finalizar, a transição para as novas energias necessita de um investimen-to de US$ 1,4 ton/ano (escala curta 1,4x1012), globalmente, para cumprir com a meta do “Acordo de Paris”. Acresce que o “Tratado da Carta da Energia” (contrato “leonino” que em má hora foi assinado em Lisboa em 17/12/1994, entre os Estados Contratantes e os “Senhores do Crude Oil e Seus Derivados”), e que protege as infra-

estruturas fósseis, tem, alegadamente, dificultado a transição para as energias renováveis. Entretanto, o Planeta Terra vai aquecendo à razão de 0,15ºC por década e, segundo o IPCC, quando chegar aos 4ºC acima dos níveis pré-industriais ha-verá um descontrolo absoluto, desencadeando um vasto número de extinções, destruindo o sistema produtivo humano. N.A.* - O autor não segue o Acordo Ortográfico

SÃO DOMINGOS DE RANA 21-04-2021

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EMBARQUE E DESEMBARQUE DE PILOTO

AINDA É COISA ARRISCADA

ANTÓNIO COSTA

A IMPA divulgou os resultados da campanha Pilot Ladder Safety 2020, realizada em outubro do ano passado. Foi reportado um número recorde de 6.394 observações durante a campanha, principalmente em resultado do aumento significativo de resposta de pilotos na América do Sul. Durante esta campanha, 12% (774) das escadas piloto relatadas foram consideradas não conformes, em comparação com 18% em 2016. Destas escadas não conformes, 96 foram comunicadas às autoridades. A campanha de segurança do IMPA chama a atenção para a responsabilidade dos armadores em fornecer arranjos de escada de piloto em conformidade e garantir que o processo de transferência seja realizado de acordo com o estatuído pela SOLAS. Sempre que um piloto embarca ou desembarca de um navio por escada, ele confia a sua segurança nos arranjos de transferência de piloto fornecidos pelo navio. Reconhecendo a natureza perigosa das transferências de pilotos, a OMI introduziu medidas através do Regulamento SOLAS V / 23 em julho de 2012 para melhorar a segurança dos arranjos de transferência de pilotos fornecidos por navios. No entanto, após 8 anos da entrada em vigor das mudanças regulatórias, os resultados de uma campanha de segurança realizada pela International Maritime Pilots Association (IMPA) mostram poucos Defeitos de Equipamento de Segurança Iluminação inadequada à noite Sem boia salva-vidas com luz de autoignição Sem comunicação VHF com a ponte Sem linha de içamento (heaving line) Nenhum oficial responsável presente Outros TOTAL

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sinais de melhoria. Os arranjos de embarque defeituosos e amarração insegura das escadas do piloto continuam a ser uma preocupação para os pilotos e indústria. A IMPA, representa a comunidade internacional de pilotos, e nos últimos anos tem conduzido uma campanha de segurança, normalmente em outubro, com o objetivo de relatar as experiências dos pilotos com escadas e equipamentos de embarque à OMI e à comunidade marítima em geral. A campanha de 2020 recebeu 6.394 relatórios de pilotos que operam em todo o mundo. No centro das atenções da campanha deste ano está a morte de dois pilotos, enquanto tentavam embarcar em navios usando escadas combinadas. Em linha com as conclusões dos anos anteriores, 12,11% dos arranjos foram relatados como não conformes com as escadas combinadas e as escadas piloto com a maioria dos defeitos em número e percentagem. Defeitos comuns De modo geral, os defeitos relatados podem ser categorizados em quatro áreas: conceção, procedimento, montagem e manutenção. Muitos dos problemas podiam ser evitados através de comunicação clara e implementação de requisitos. Por exemplo, foram assinaladas as seguintes não-conformidades durante a campanha: ver tabela abaixo.

N.º

%

36

21,43

49

29,17

10

5,95

36

21,43

31

18,45

6

3,57

168


Normalmente, os defeitos identificados na amarração e manutenção de escadas são geralmente básicos e podem ser reduzidos através de manutenção planeada eficaz e aplicação consistente da regulamentação: ver tabela à direita. Além disso, as escadas combinadas continuam a ser problemáticas, especialmente em navios que variam a altura dos seus bordos livres, durante a sua operação. Resultados da campanha de segurança A campanha de segurança da IMPA foi realizada no período de 1 a 15 de outubro de 2020. O seu objetivo foi o de investigar o padrão das escadas piloto e equipamentos associados e monitorizar a conformidade com a SOLAS. Infelizmente, a campanha de 2020 retornou um número recorde de relatos de não-conformidades; os resultados dececionantes permanecem amplamente em linha com as campanhas anteriores. Além disso, ainda se estão a perder vidas, desnecessariamente. Infelizmente, a indústria marítima falha, repetidamente, ao não implementar os seus próprios padrões mínimos acordados. A adoção das Resoluções da OMI não é um "trabalho feito!" É "trabalho iniciado!" Todas as partes interessadas devem garantir que as recomendações e diretrizes das Resoluções e circulares sejam cumpridas.

Defeitos da Escala Piloto Não contra o casco do navio Degraus de material não adequado Linha de recuperação mal montada Degraus partidos Degraus não espaçados por igual Escada de piloto com mais de 9 metros Degraus sujos / escorregadios Cabos de mão em material não adequado Escada de piloto muito por vante / ré Degraus pintados Encaixes de degrau incorretos Escada sem balaustres Degraus não horizontais Outros TOTAL

N.º

%

69

10,36

5

0,75

138

20,72

22

3,3

29

4,35

5

0,75

29

4,35

8

1,2

17

2,55

19

2,85

34

5,11

7

1,05

121

18,17

163

24,47

666

MAI-JUN 2021 | BORDO LIVRE 163 | 21


OS JOVENS E O MAR

WEBINAR

DIGITAL TRANSITION IN SHIPPING REALIZADO NO ÂMBITO DO PROJETO ESHIP

BÁRBARA CHITAS

NOVIDADES NA ENIDH Com os números de vacinados a aumentar cada dia que passa, começa agora a parecer que de facto nos vamos livrar desta pandemia. Na nossa escola, a ENIDH, ainda muitas atividades se encontram encerradas ou parcialmente. No entanto um grande esforço tem vindo a ser feito por toda a comunidade académica. Para evitar novas contaminações, continuamos a ter aulas teóricas em casa, apenas nos deslocando para a escola para aulas de simuladores ou para a realização de testes.

Foi realizado no passado dia 6 de maio e contou com a participação de cerca de 50 pessoas presencialmente e 850 visualizações no canal de Youtube da escola (ainda se encontra disponível na plataforma para quem quiser visualizar). Este Webinar, feito no âmbito do projeto eShip – EEA Grants, teve como tema o uso de novas tecnologias para a melhoria do mundo do Shipping e atividade portuária. Iniciativas como esta demonstram o interesse da comunidade escolar de discutir e traçar novos percursos marítimos a nível nacional e internacional. Mesmo numa época pós COVID, será benéfico para nós marítimos, que se mantenham estas iniciativas também online, uma vez que para a nossa comunidade a presença física é muitas vezes uma barreira à participação.

NOVOS SIMULADORES A escola irá proceder à compra de novos simuladores que permitirá o nosso país acompanhar outros países europeus no que toca ao ensino em novas tecnologias marítimas. Dado que a nossa escola é a primeira linha de formação dos futuros oficiais, a sua formação nas melhores condições é importante para estabelecer uma imagem de qualidade quando estes mais tarde trabalham com entidades internacionais. A possibilidade de uma formação de topo é algo que a médio e longo prazo irá consolidar a excelência da formação náutica do nosso país, e trazer os nossos oficiais para a ribalta da procura internacional. Idealmente este investimento seria diretamente inserido na marinha nacional, mas infelizmente, apesar dos crescentes esforços atuais para desenvolver novamente uma marinha de comércio nacional diversificada, muitos dos nossos alunos continuam a procurar trabalho no estrangeiro. Tenho pena de já não ir usufruir destes novos equipamentos durante o meu mestrado, no entanto os atuais já dão para ter umas boas bases de manobra do navio.

BÊNÇÃO DAS FITAS

Ciacho5, CC BY-SA 4.0 https://bit.ly/2ScGENb, via Wikimedia Commons

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Este ano, ao contrário do ano passado, irá realizar-se novamente a bênção das fitas no dia 3 de julho pelas nove horas. É sempre um dia muito especial para aqueles que se despedem, nem que seja por pouco tempo, da escola que os encaminhou para o mundo de trabalho marítimo!


PRÉMIO CARREIRA ENIDH 2021 JOÃO FERNANDO AMARAL CARVALHO

João Fernando Amaral Carvalho, Curso de Radiotecnia da ENIDH, Oficial da Marinha Mercante (1970-1975), Companhia Colonial de Navegação e Companhia de Transportes Marítimos, com embarques nos Navios Vera Cruz, Santa Maria e Uíge, de Praticante a Chefe Radiotecnico. Licenciado em Economia pelo Instituto Superior de Economia da Universidade Técnica de Lisboa e da sua vasta experiência profissional destacamos os seguintes lugares: Presidente da AAMCAssociação de Armadores da Marinha de Comércio, Presidente da CPL Comunidade Portuária de Lisboa, Membro da Direcção da ECSA – European Community Shipowners’ Association,

Presidente do Conselho de Administração da TMI-Transportes Marítimos Internacionais, S.A., Administrador Executivo da Transinsular-Transportes Marítimos Insulares, S.A., Presidente do Conselho Geral da ENIDHEscola Náutica Infante D. Henrique, Presidente do Conselho Diretivo do IPTM, IP – Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos, IP, Presidente do Conselho de Administração da AMT- Autoridade da Mobilidade e dos Transporte Presidente Juri Premio Carreira ENIDH 2021 : Dr Luis Palha da Silva

MAI-JUN 2021 | BORDO LIVRE 163 | 23



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