Catálogo | Damião de Góis

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FICHA TÉCNICA EXHIBIT DATA

MUSEU DAMIÃO DE GÓIS E DAS VÍTIMAS DA INQUISIÇÃO MUSEALIZAÇÃO | FICHA TÉCNICA MUSEALIZATION EXHIBIT DATA PROMOTOR PROMOTER

MUNICÍPIO DE ALENQUER CONCEÇÃO E COORDENAÇÃO CONCEPTION AND COORDINATION

GLORYBOX, LDA ARQUITETURA EXPOSITIVA EXHIBIT ARCHITECTURE

SPACEWORKERS MUSEOGRAFIA MUSEOGRAPHY

GLORYBOX, LDA DESIGN GRÁFICO GRAPHIC DESIGN

PAULO PASSOS / NAPPERON INVESTIGAÇÃO HISTÓRICA E PRODUÇÃO DE CONTEÚDOS HISTORICAL RESEARCH AND CONTENT CREATION

MARIA JOSÉ PIMENTA FERRO TAVARES PAULO CELSO FERNANDES MONTEIRO MONTAGEM ASSEMBLY

GLORYBOX, LDA EON, INDUSTRIAS CRIATIVAS AMS PUBLICIDADE. MULTIMÉDIA MULTIMEDIA COORDENAÇÃO COORDINATION

EON, INDUSTRIAS CRIATIVAS CONCEÇÃO, IDEIA E GUIÕES CONCEPTION, IDEA AND SCRIPTS

PAULO CELSO FERNANDES MONTEIRO RECOLHA DE IMAGENS IMAGE COLLECTION

PAULO CELSO FERNANDES MONTEIRO APLICAÇÕES MULTIMÉDIA MULTIMEDIA APPLICATIONS

EON, INDUSTRIAS CRIATIVAS, LDA M&A DIGITAL, LDA FOTOS PHOTOS

FERNANDO GUERRA

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MENSAGEM DO PRESIDENTE

Bem-vindos ao Museu Damião de Góis e das Vítimas da Inquisição Considerada a indiscutível importância deste filho de Alenquer, Damião de Góis, no mundo, em Portugal e em particular para Alenquer, mais do que merecidamente, foi restaurada pelo Município de Alenquer a antiga igreja da Várzea, adquirida por si, na altura, para aí serem sepultados os seus restos mortais. Sábia foi também a decisão do Município, há alguns anos, de adquirir o imóvel degradado para o poder recuperar e homenagear tão iluminada pessoa. Era uma lacuna na história de Alenquer não se prestar a devida homenagem a um humanista tão brilhante que teve a hipótese de privar com as figuras mais ilustres do seu tempo e de algum modo poder influenciar as políticas nacionais e internacionais de então e, de ser um homem de ação, também muito famoso, como cronista, historiador e compositor. Tal como disse, não seria justo, não poder partilhar com o mundo, em Alenquer, a história, as estórias de Damião de Góis e a sua tão preenchida vida entre a cultura, as artes e a política. Damião de Góis, viveu tempos difíceis, numa época em que o Mundo, a Europa e Portugal estavam em convulsão, nomeadamente e no que diz respeito à ordem pré-estabelecida pela igreja de Roma, mas colocada em causa por Lutero, Henrique VIII, Calvino e pelos Turcos. É, também, no seu tempo que a Inquisição Portuguesa conhece procedimentos diferentes para com aqueles que eram denunciados, reconhecidos hereges ou culpados de crimes contra a moral vigente e presos. Em 1571, Damião de Góis é denunciado e preso pela Inquisição sendo posteriormente condenado como herege, luterano, pertinaz e negativo. Acaba por morrer em 1574 em circunstâncias pouco esclarecedoras. Assim em 2017, inaugura-se o Museu Damião de Góis e das Vítimas da Inquisição, espaço de memória relacionado com este grande humanista, com a Judiaria de Alenquer e com as vítimas da Inquisição, incluindo os judeus ou cristãos-novos. A sua criação enquadra-se no projeto ”Rotas de Sefarad: valorização da identidade judaica portuguesa no diálogo interculturas” promovido pela Rede de Judiarias de Portugal, com o apoio do Estado Português, através da Direção Regional de Cultura do Centro e do Governo da Noruega, via mecanismo financeiro do Espaço Económico Europeu – EEA Grants. Neste espaço, podemos encontrar, para além do carneiro (aberto) da sepultura de Damião de Góis, exposição consagrada à sua vida e obra, com particular destaque à sua condição de vítima da inquisição. Com esta obra, para além de fazer jus ao ilustre humanista alenquerense, o Município devolveu o imóvel requalificado ao mundo e aos habitantes desta vila e de todo o concelho, mais particularmente. Convido-vos a explorar este magnifico espaço. Espero que gostem!

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PRESIDENT MESSAGE

Welcome to the Damião de Góis and the Victims of the Inquisition Museum Considered the indisputable importance of this son of Alenquer, Damião de Góis, in the world, in Portugal and in particular for Alenquer, more than deservedly, it was restaured by the Municpality of Alenquer the old church of Várzea, acquired by Damião de Góis, at the time, to be buried there. Wise was this decision of the Municipality, some years ago, to acquire the degraded property, to recover it and honor such an enlightened person. It was a gap in Alenquer’s history not to pay a proper homage to such a brilliant humanist, that had the chance to deprive with the most illustrious figures of his time and somehow to be able to influence the national and international policies of that time and, to be a man of action, also well known, as a chronicler, na historian and a music composer. As I said previously, it would not be fair, not to be able to share with Alenquer the history, the stories of Damião de Gois and his fulfilled life between culture, the arts and politics. Damião de Góis experienced difficult moments, at a time when the world, Europe and Portugal were in convulsion, in particular and in regard to the pre-established order by the church of Rome, but challenged by Luther, Henry VIII, Calvin and by the Turks. It is also in his time that the Portuguese Inquisition knows different procedures for those who were denounced, recognized heretics or guilty of crimes against the current morality and prisoners. In 1571, Damião de Góis was denounced and imprisoned by the Inquisition and later condemned as a heretic, lutheran, obstinate and negative. It ends up dying in 1574 in not very clear circumstances. Thus, in 2017, the Damião de Góis Museum and the Victims of the Inquisition, a space of memory related to this great humanist, to the Jewry of Alenquer and to the victims of the Inquisition, including the Jews or new Christians, was inaugurated. Its creation is part of the project “Routes of Sepharad: enhancement of the Portuguese Jewish identity in intercultural dialogue” promoted by the Portuguese Jewry Network, with the support of the Portuguese State through the Regional Directorate of Culture of the Center and the Government of Norway, financial mechanism of the European Economic Area - EEA Grants. In this space, we can find, besides the grave of Damião de Goes, an exhibition devoted to his life and work, with particular emphasis on his condition as a victim of the inquisition. With this work, in addition to honoring the illustrious humanist from Alenquer, the Municipality returned the requalified property to the world and the inhabitants of this village and council, in particularly. I invite you all to explore this magnificent space. Hope you enjoy it!

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UM

Uma igreja, um homem, um museu Podemos pensar num edifício como um local de histórias, de quem o construiu, de quem aqui viveu. Numa igreja como a da Várzea, podemos ainda acrescentar-lhe um outro fator: quem aqui foi sepultado. Damião de Góis é a nossa personagem central. Um dos portugueses mais famosos de Quinhentos, que se relacionou com a elite cultural, política e religiosa da Europa de então. Um Homem que se revelou em cada viagem, em cada obra, na sua música, na sua visão do mundo. São estas histórias entre o Homem e o edifício que queremos contar no Museu Damião de Góis. É importante entender estas histórias, mas é mais importante podermos contá-las a quem aqui se desloca, de forma a que se desenvolva um sentimento de pertença, de entendimento e de construção das nossas estórias. Um Museu é mais do que um simples espaço de exposições. É um complexo sistema de relações programadas, funcionais e humanas, interligadas com uma experiência social e emocional que o visitante lhe acrescenta. Este museu foi pensado como uma cápsula do tempo que encerra em si, a história, o homem, as memórias e um conceito estético potenciador. Uma caixa dentro da outra maior- A igreja da Várzea. Um local com múltiplas transformações. Uma pele que envolve a nossa cápsula, que guarda e transmite as diversas narrativas. A museografia contemporânea ultrapassa em muito o simples conceito do objeto exposto, da coleção museológica. A nossa intervenção foi pensada de forma a criar uma estrutura organizativa, definindo diversas narrativas para públicos heterogéneos, dando-lhe acesso a tudo isto para que possam criar as suas próprias narrativas e experiências. Deste modo, a multiplicidade de conteúdos associada a uma estrutura homogénea que cria uma estrutura lógica de conteúdos que pode ser explorada de múltiplas maneiras. Há, neste museu, uma intencional mistura de diversos elementos cénicos, históricos e tecnológicos, de modo a criar um conjunto cénico integrado, atrativo e pedagógico, que não deixa ninguém indiferente. A luz que entra pelas janelas, a iluminação rasante, a textura das paredes, os arcos que abrem e fecham, textos que revelam histórias, uma sepultura que perdeu a sua funcionalidade e se tornou um objeto expositivo. São estes pormenores que nos permitiram transformar a igreja da Várzea num Museu que adota a história, desvenda o contexto e a personalidade Damião de Góis. Aqui sentimos a alma da história e a humanidade de um lugar.

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ONE

A church, a man, a museum A building may be regarded as a place filled with stories. The stories of those who built it and of those who lived there. In a church, such as the Church of Várzea, we can also consider another factor: The people who were laid to rest there. Damião de Góis is our central figure. He was one of the most famous Portuguese citizens of the 16th century and he rubbed shoulders with the cultural, political and religious elite of the time. A Man that revealed himself with each journey, with each of his works, with his music, and with his perception of the world. These are the stories, the stories of the Man and the Building, that we want to tell with the Damião de Góis Museum. it is important to understand these stories, but it is more important to tell them to those who visit us. Our main objective is that our visitors feel like they belong, that they understand the stories and that they help us create our own stories. A Museum is much more than just a space for exhibits. It’s a complex system of programmed, functional and human relations that are intertwined with a social and emotional experience on the part of the visitor. This museum was envisioned as a time capsule that would contain the story, the man, the memories and that would be complemented by an aesthetic that would better the experience. A box within a bigger box - The Church of Várzea. A place t hat transforms itself multiple times. A shell that envelops our capsule, that protects it and that communicates the various narratives. Contemporary museography is much more than just exhibiting an object or a museological collection. Our intervention took place, in order to design an organized structure that would create various narratives for a heterogeneous audience. This would allow visitors to create their own narratives and experiences. Therefore, the wide variety of content and the homogeneous structure creates a logical exhibit that may be explored in many ways. In this museum, we have intentionally mixed various scenic, historical and technological elements. The main objective is to create an integrated, appealing and pedagogical scenic design that will leave everyone in awe. The light that shines through the windows, the low lighting, the texture of the walls, the arches that open and close, the texts that tell stories and the grave that does not serve its purpose anymore and is only part of the exhibition. These are the details that allowed us to transform the Church of Várzea into a museum that adopts the history of Damião the Góis and that unveils its context and personality. Here, we can connect with the history and humanity of a place.

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DOIS

Um edifício

Intervir num edifício existente é por si só um bom desafio. Quando à pré-existência juntamos séculos de história o desafio é ainda maior. A intervenção centra-se na criação de uma estrutura expositiva, alusiva à vida e legado histórico de Damião de Gois, no interior de uma antiga igreja, recuperada, em Alenquer. A igreja, agora esvaziada dessa mesma função, funciona como um espaço “contentor” com uma identidade muito própria, marcada pela geometria dos seus tetos abobadados e pela textura das suas paredes de tijolo, de grande valor plástico. A proposta procura, precisamente, valorizar as características plásticas do espaço e minimizar o seu impacto na pré-existência, respeitando o existente, afastando-se das paredes, procurando uma posição central no espaço, assumindo uma geometria que é familiar ao edifício, originada pelo paralelismo às formas do teto e paredes, capturando a configuração do vazio existente numa espécie de núcleo, de cor escura, fragmentado, que recebe e organiza a exposição e os visitantes. Este núcleo, apesar de fragmentado, confere ao visitante uma ideia de continuidade virtual, onde os seus vazios são entendidos como momentos de pausa e de contemplação do existente e como momentos de penetração no interior do núcleo, explorando esta relação ancestral de interior e exterior que nos fascinou desde o início do projeto. O espaço expositivo assume-se como um elemento negro, delicado, que convida à sua descoberta e que se destaca do restante cromatismo do espaço existente, sem nunca se sobrepor a este, mas sem perder as suas características espaciais.

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TWO

A Building

Planning an intervention in a building that already exists is in itself a challenge. When this is combined with centuries of history, the challenge is even bigger. The intervention’s main objective was to create an exhibition that represented the life and the historical legacy of Damião de Góis inside an old restored church, in Alenquer. The church, that is no longer a place of cult, is a type of “storage” space. It has a very unique identity, characterized by the geometry of the vaults of its ceilings and by the texture of its brick walls that have a great aesthetic value. This project aims at valuing the aesthetic qualities of the church and having a low impact on the preexisting elements. To do so, it is essential to respect the existing elements, to stay away from the walls and to find a central space for the exhibit. We must also respect the geometry of the building that is created by the shape of the ceiling and walls. The geometry creates a kind of dark and fragmented central space that will welcome visitors and that is home to the exhibit. This central space, even though fragmented, gives the visitor a sense of virtual continuity. The empty space is perceived as a time to pause, to observe and to delve into the inside of the space, in order to explore this ancestral bond between the inside and the outside that fascinated us from the start. The space of the exhibition is dark and delicate. It invites visitors to discover it and highlights the colors present in the space as a whole. Nevertheless, it never outshines it and maintains all its spatial features.

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TRÊS

Alenquer

A vila de Alenquer e o seu castelo enquadravam a linha defensiva de Lisboa e do Tejo, onde desaguava o rio que deu o nome à vila. D. Sancho I doou-a à sua filha D. Sancha, tendo a vila sofrido com as guerras entre D. Afonso II e as irmãs. No séc. XIII passaria a pertencer à casa das rainhas, sendo D. Isabel, mulher de D. Dinis, a sua primeira senhora, senão antes a sogra D. Beatriz que mandou construir a igreja do convento de S. Francisco, fundado por D. Sancha. Durante o reinado de D. Fernando, a malha defensiva iria sofrer benefícios, uma vez que a vila, situada entre Santarém e Lisboa, era estratégica para a defesa da capital e do Tejo. Com as convulsões sociais ocorridas após a morte deste soberano, à sua vila de Alenquer acolher-se-ia a rainha viúva Leonor Teles, antes de partir para Santarém onde receberia a filha e herdeira D. Beatriz, casada com o rei de Castela. Sendo-lhe leal, Alenquer sofreu o cerco e a destruição das suas muralhas ordenada pelo Mestre de Avis, aclamado rei de Portugal. As suas muralhas e castelo dificilmente recuperariam.

URBANISMO NA IDADE MODERNA

Dos seus templos, nos alvores da modernidade, restam o convento de S. Francisco, o primeiro convento desta ordem fundado em Portugal, onde professou frei Jerónimo do Espírito Santo ou Jerónimo de Mendonça, pintor de óleos, a igreja de S. Pedro onde está sepultado o grande humanista Damião de Góis, e as memórias das igrejas de Sto. Estêvão, do Espírito Santo e de S. Tiago. Teve mais dois conventos femininos, o de Sta. Catarina, segundo a tradição fundado também por D. Sancha, e o de Nossa Senhora da Conceição, erguido no tempo de D. João III. Pertencente ao domínio dos Filipes é a igreja da Misericórdia. Na vila era muito concorrida a festa do Espírito Santo, instituída, segundo a tradição, pela rainha Sta. Isabel, e que ainda no início do séc. XVIII mantinha a eleição do Imperador que, desde a Páscoa até ao Pentecostes presidia às celebrações religiosas e às festas que em sua honra se faziam. No tempo do autor da Corografia Portuguesa, Alenquer tinha cinco pontes, a última das quais, a do Espírito Santo, talvez pela proximidade da igreja da mesma invocação, fora mandada construir por D. Sebastião. Com os finais de Quinhentos, iniciou-se a decadência de Alenquer que o terramoto de 1755 agravaria ainda mais. Do seu traçado medieval restam poucos vestígios como a cerca do Castelo ou a sua toponímia.

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THREE

Alenquer Alenquer and its castle were a part of Lisbon’s and the Tejo’s defense line. It was also the place where the river with the same name flows into the ocean. Sancho I of Portugal gifted the village to her daughter Sancha, Lady of Alenquer. The village was also ravaged by the wars between Afonso II of Portugal and his sisters. During the 13th century it would become the property of the queens. If first belonged to Elizabeth of Aragon, wife of Denis of Portugal. Nonetheless, before this happened, Beatrice of Portugal had the church of the Convent of São Francisco built. The Convent had been created by Sancha, Lady of Alenquer. During the reign of Ferdinand I of Portugal, the defensive structures located in Alenquer received a lot of benefits, due to the fact that it was located between Santarém and Lisbon and it was a strategic point in terms of defending Portugal’s capital and the Tejo river. Due to all the social uproar that occurred after Ferdinand’s death, Leonor Teles, the widowed queen, sought refuge in Alenquer, before travelling to Santarém. There she received the visit of her heir Beatrice of Portugal, who was married with the king of Castile. Since this village was loyal to the queen, it was besieged, and its walls were destroyed by order of John I of Portugal (Mestre de Avis), who was proclaimed king of Portugal. The village’s walls and castle would never recover.

URBA N ISM IN THE E ARLY MOD E RN P E RIOD

Of all its places of cult, in our modern times, the Convent of São Francisco is one of the few still standing. It was the first convent of this order to be created in Portugal. Moreover, it was the place where friar Jerónimo do Espírito Santo or Jerónimo de Mendonça, famous for his oil painting, professed his religion. The other places of cult one can still find is the Church of São Pedro, where Damião de Góis, a great humanist, is entombed, as well as the Church of Santo Estêvão, the Church of the Espírito Santo and the Church of São Tiago memorial. Alenquer had two more female convents. The Convent of Santa Catarina which, according to tradition, was also created by Sancha, Lady of Alenquer, and the Convent of Nossa Senhora da Conceição, which was built during the reign of John III of Portugal. One of the other churches, the Church of Misericórdia, was built during the Philippine dynasty. One of the most popular festivals in Alenquer was the Espírito Santo popular festival. According to tradition, it was created by Elizabeth of Aragon. During the early stages of the 18th century, the election of the Emperor remained a common practice. This figure was in charge of presiding over all the religious ceremonies and festivals in his honor, from Easter until the Pentecost. During the lifetime of the author of the “Corografia Portuguesa, E Descripcam Topografica Do Famoso Reyno De Portugal”, Alenquer had five bridges. The last one to be built, by order of Sebastian of Portugal, was named Bridge of the Espírito Santo, probably due to its proximity to the church. When the end of the 16th century approached, Alenquer’s downfall began and the earthquake in 1755 further accelerated the process. Nowadays, not much of the medieval city plan can be seen.

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Q U AT R O

Damião de Góis

Damião de Góis foi um dos nossos grandes humanistas. Nasceu em Alenquer, em 1502, filho de Rui Dias de Góis, fidalgo da casa de D. Fernando, duque de Viseu, o que lhe permitiria entrar ao serviço de D. Manuel, como seu pajem, em 1511, e depois moço da câmara. O contacto com a corte, uma das mais cultas da época, levá-lo-ia a conhecer os grandes nomes da cultura de então, desde Gil Vicente a Garcia de Resende e Rui de Pina. Seria talvez o contacto com Garcia de Resende que o faria admirar D. João II, de quem escreveria, após o seu périplo europeu, uma crónica deste quando príncipe, assim como escreveria uma carta a D. João III censurando-lhe a cunhagem de novas moedas de liga mais fraca, o que iria empobrecer o reino pela expulsão da circulação das moedas mais fortes. Em 1523, partia para a Flandres como escrivão da feitoria de Antuérpia. Representaria o rei de Portugal junto do monarca dinamarquês e do imperador Carlos V. No norte da Europa, conheceria os grandes humanistas e críticos da Igreja de Roma, como Erasmo, mas também Lutero e Melanchton, e Durer que lhe pintaria o retrato. Estudioso, dominando o latim e as línguas vernaculares dos locais onde vivia, Damião de Góis frequentaria as universidades de Pádua e de Lovaina. Casaria com Joana de Hargen. Regressou a Portugal em 1545 e dois anos depois D. João III nomeava-o guarda-mor da Torre do Tombo, funções que exerceu até 1571. Entretanto, entre várias obras sobre a gesta portuguesa escritas em latim, escreveria a Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel por encomenda do cardeal D. Henrique, em 1558, obra que ele teve de corrigir por não ter agradado à casa de Bragança e aos seus apaniguados. A ele se deve uma pormenorizada descrição da cidade de Lisboa, no período áureo de Quinhentos.

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FOUR

Damião de Góis

Damião de Góis was one of Portugal’s greatest humanists. He was born in Alenquer, in 1502. He was the son of Rui Dias de Góis, one of Ferdinand’s nobleman and the duke of Viseu. This allowed Damião to serve Manuel I of Portugal as a servant, in 1511, and in the coming years as a chamberlain. The fact that he had contact with the court, one of the most educated of that period, allowed him to gain knowledge of the most important figures in terms of culture, such as, Gil Vicente, Garcia de Resende and Rui de Pina. It was, possibly, the fact that he rubbed shoulders with Garcia de Resende that fueled his admiration for John II of Portugal, about whom he would write. He did so after his periplus of Europe, when John II was still prince. He also wrote a letter to John III of Portugal where he criticized the creation of new coins using less valuable metals. In his opinion, the kingdom would become poorer, because the coins would leave no room for others with a higher value. In 1523, he left and went Flanders where he became notary of the Portuguese trading post in Antwerp. He was the representative of the Portuguese king amongst the Danish monarch and Charles V, Holy Roman Emperor. While in the northern regions of Europe he had the opportunity to meet great humanists who criticized the Catholic Church. Some examples are Erasmus, Luther, Melanchthon and Dürer. The latter was the artist who painted his portrait. Damião was a scholar and was fluent in Latin and in all the languages spoken in the places where he lived. He also attended the universities of Padua and Leuven. Later on, he married Johanna van Hargen. He returned to Portugal in 1545 and two years later he was nominated, by John III of Portugal, the head guard of the Torre do Tombo, a position that was his until 1571. Among all his works that narrated Portuguese heroic deeds and that where written in Latin, he decided to write “Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel” (Chronicle of the Very Happy Manuel I of Portugal). This work was commissioned by Cardinal Henry, in 1558, and after his completion he had to rewrite it, because it didn’t please the House of Braganza and its followers. Thanks to this work, we have a detailed description of Lisbon in the 16th century.

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BI OGRAF I A BIOGR A PHY

1523

1502

1513

Nasceu em Alenquer Was born in Alenquer

Fica órfão de Pai His father passes away

1511

Entra no Paço Real da Ribeira como pajem do Rei D. Manuel Becomes a part of the Ribeira Palace and serves as the squire of Manuel I of Portugal

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Nomeado pelo Rei D. João III como Secretário da Feitoria de Antuérpia John III of Portugal nominates him Secretary of the Portuguese trading post in Antwerp

1518

Moço de Câmara do Rei D. Manuel Becomes the Chamberlain of Manuel I of Portugal


1534 — 1539

1545

Ruma a Pádua onde frequenta a Universidade Travels to Padua and enrolls in the University

1534

1539

Viaja para Estrasburgo e depois para Friburgo onde foi hóspede de Erasmo de Roterdão Travels to Strasbourg and then to Fribourg, where he was a guest of Erasmus of Rotterdam

1529

Parte em missão de D. João III para Dantzig, Vilna, Posen e 1532 Cracóvia John III Publica em of Portugal latim Legation sends him Magni Indoru on a mission Publishes to Danzig, Legation Vilnius, Posen Magni Indoru, and Krakow in Latin

1531

Vai em missão real à Dinamarca; passa por Witemberg onde conhece Lutero e Melanchton; regressa a Antuérpia e fixa-se depois em Lovaina. Is sent on a royal mission to Denmark; passes through Wittenberg where he meets Luther and Melanchton; returns to Antwerp and then moves to Leuven

1533

Matricula-se na Universidade de Lovaina; publica os Comentari Rerum Gestarum in India Enrolls in Leuven University; publishes the Comentari Rerum Gestarum in India

1541

Sai em Lovaina Hispaniae Urbis Ubertia et Potentia Hispaniae Urbis Ubertia et Potentia is published in Leuven

1538

Publica em Veneza o Livro de Marco Túlio Cícero, em latim. Ruma a Lovaina onde casa com Joana Van Hargen. Publishes a book of Marco Túlio Cícero, in Latin, and then goes to Leuven where he marries Joana Van Hargen.

Regressou a Portugal a pedido do Rei D.João III, tendo-o nomeado Tesoureiro da Casa da India. Recusa o cargo e vai em Peregrinação a Santiago de Compostela John III of Portugal asks him to return to Portugal and nominates him Treasurer of the Casa da Índia. He refused the nomination and decided to go on pilgrimage to Santiago de Compostela.

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Chamado por D. João III para desempenhar o cargo de mestre do príncipe herdeiro. Nomeação inviabilizada por força de ter sido denunciado pela primeira vez por heterodoxia à Inquisição John III of Portugal asks him to return to Portugal to serve as a tutor for the crown prince. Nevertheless, he couldn’t accept the nomination, because the Inquisition had accused him of heterodoxy

1540

1546

1542

Sai em Lisboa, Urbis Lovaniensis Obsidio Urbis Lovaniensis Obsidio is published in Lisbon

Lovaina é atacada pelos franceses; Damião de Góis é um dos que mais se distingue na defesa da cidade; é feito prisioneiro e libertado após intervenção de D. João III The French attack Leuven; Damião de Góis was one of the great defenders of the city; he was taken prisoner and was released after John III of Portugal intervened.

Publica Fides, Religio Moresque Aethiopum Publishes Fides, Religio Moresque Aethiopum

1544

Publica Aliquot Opuscula Publishes Aliquot Opuscula.

1548

É nomeado guarda-mor da torre do Tombo Is nominated head guard of the Torre do Tombo


1554

1560

Publica, em Évora, Urbis Olisiponensis Descriptio (Descrição da Cidade de Lisboa) Urbis Olisiponensis Descriptio (Description of Lisbon) is published in Évora

Sugestão: Manda erguer o seu túmulo na Igreja de Santa Maria da Várzea, escrevendo o seu próprio epitáfio tumular Commissions the construction of his tomb in the Church of Santa Maria de Várzea and writes is own epitaph

1558

O regente cardeal D. Henrique encarrega-o de escrever a Crónica de D. Manuel Cardinal Henry, the regent, charges him with writing Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel

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1567

Saem as 3ª e 4ª Partes da Crónica de D. Manuel e a Crónica do Príncipe D. João The 3RD and 4TH parts of Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel and the Crónica do Sereníssimo Principe D. João are published

1566

Saem, em português, a 1ª e a 2ª Partes da Crónica de D. Manuel The 1ST and 2ND parts of Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel are published in Portuguese.

1572

Foi condenado, a cumprir prisão perpétua no Mosteiro da Batalha, como herege Is sentenced to life in prison at the Batalha Monastery and was labeled a heretic, a Lutheran, persistent, and pessimistic

1571

Foi denunciado e preso pela Inquisição Is accused and arrested by the Inquisition

1574

january 30 janeiro Morre na sua casa de Alenquer num episódio de contornos obscuros. Foi sepultado nesta igreja Dies in his house in Alenquer in a suspicious fashion. Is laid to rest in this church


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A Sala das Perguntas No seu périplo por Itália e durante a sua presença em Pádua, cruzar-se-ia com o jesuíta Simão Rodrigues, denunciante no Tribunal do Santo Ofício de inúmeros cristãos-novos que por aquela Península viviam e também de Damião de Góis. As denúncias sobre este último incidiam na sua convivência com os defensores da Reforma, como Lutero e Melanchton, entre outros, o que o tornava suspeito de ideias luteranas e, por conseguinte, de heresia. Preso, em 1571, as denúncias foram-se acumulando. A Simão Rodrigues juntava-se as delações de heresia por parte de Pedro de Andrade Caminha, do próprio genro e sobrinha entre tantos outros que ele conhecera na vida familiar, na corte e por essa Europa fora. Envelhecido, pobre e doente ouviria a sentença de que devia abjurar os seus erros heréticos e era condenado a cárcere penitencial perpétuo, em outubro de 1572. Em dezembro, sairia para o mosteiro da Batalha onde deveria permanecer em cárcere. Por fim, obteve autorização para ir viver na terra onde nascera. Em Alenquer, em condições pouco claras apareceu morto, tendo sido sepultado no túmulo que ele próprio mandara erguer em 1560 e para o qual escrevera o seu epitáfio em latim.

A Sala das Perguntas (The Questioning Room) During his travels through Italy and his stay in Padua, he met Simão Rodrigues, a Jesuit, who delivered to the Tribunal do Santo Ofício (the Inquisition) countless New Christians that lived there, as well as Damião de Góis. The charges brought against Damião where related to his relationship with those who defended a reform, such as Luther, Melanchton, etc. This made him a suspect of being a supporter of Lutheranism and, consequently, a heretic. He was arrested in 1571 and the charges kept piling up. Moreover, Simão Rodrigues’ accusations were followed by accusations of heresy by Pedro de Andrade Caminha, by his son-in-law, by his niece and by a lot of others he knew from his daily life, from his time in the court and from his travels throughout Europe. Elderly, poor and sick he was sentenced to forswear his heretic mistakes and to life in prison, in October 1572. In December, he was sent to the Batalha Monastery, where he was to be incarcerated. Nonetheless, he finally received permission to return to the land where he was born. He was found dead, in Alenquer, under suspicious circumstances. He was entombed in the tomb the he ordered be built in 1560. Moreover, it was he who wrote his own epitaph in Latin.

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Eu, Damião de Góis, cristão-velho… morador na cidade de Lisboa, perante vós, reverendos senhores inquisidores, contra a herética pravidade e apostasia, juro nestes Santos Evangelhos em que tenho as minhas mãos…” “I, DAMIÃO DE GÓIS, OLD CHRISTIAN… RESIDENT IN LISBON, STAND HERE BEFORE THESE RESPECTFUL INQUISITORS TO DECLARE MY INNOCENCE REGARDING THE ACCUSATIONS OF HERESY AND APOSTASY. I SWEAR ON THESE GOSPELS THAT I HOLD IN MY HANDS…” FERNANDO CAMPOS [ ] A SALA DAS PERGUNTAS

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Damião de Góis e a sua época

Damião de Góis viveu o período áureo da história portuguesa e assistiu ao início da sua decadência ainda no final do reinado de D. Manuel. Residente no paço, quer como pagem, quer como moço da câmara deste soberano e, mais tarde, como cronista e guarda-mor da Torre do Tombo, conheceu e conviveu com os grandes nomes da cultura portuguesa e das artes. A Garcia de Resende e aos poetas cortesãos do Cancioneiro Geral, ao cronista Rui de Pina e a Fernão de Pina – este guarda-mor da Torre do Tombo, seu antecessor – a Gil Vicente e ao seu teatro, João de Barros e as suas Décadas da Índia ou a Crónica do Imperador Clarimundo, juntavam-se escultores como João de Ruão, Nicolau de Chanterenne, os arquitetos Arruda e Torralva, entre muitos outros nomes da cultura portuguesa dos reinados de D. Manuel e D. João III. Góis assistiria ao nascimento da Companhia de Jesus, de uma nova universidade com o Colégio das Artes e do Tribunal do Santo Ofício, assim como à afirmação de Portugal no Oriente e no Brasil. Assimilou e difundiu na sua Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel a ideologia messiânica que caracterizaria o reinado deste soberano e que, no reino, corria paralela à corrente messiânica dos cristãos-novos de cariz heterodoxo. De facto, se o manuelino veiculava a ideologia da monarquia, Bandarra, o sapateiro de Trancoso, nas suas Trovas aparecia como o profeta do messianismo judaico/cristão-novo que, na sua heterodoxia, proclamava a decadência de Roma e da cristandade, cercada por Lutero, Henrique VIII, Calvino e pelos Turcos.

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Damião de Góis and his time

Damião de Góis was contemporary to Portugal’s golden age. Nonetheless, he also witnessed its downfall during the last stages of the reign of Manuel I of Portugal. He resided in the palace, both when he was a squire and when he was a chamberlain of Manuel I, and later on when he was a chronicler and the head guard of the Torre do Tombo. He met and rubbed shoulders with all the greats of Portuguese culture and art. He met Garcia de Resende and his court poets that contributed to “Cancioneiro Geral”; Rui de Pina and Fernão de Pina - the former head guard of the Torre o Tombo; Gil Vicente and his theater; João de Barros and his works, such as “Décadas da Índia” or “ Crónica do Imperador Clarimundo”; João de Ruão, a sculptor; Arruda e Torralva, who were architects; and many other great names of Portuguese culture during the reign of Manuel I of Portugal and John III of Portugal. Góis witnessed the creation of the Society of Jesus, of a new university which included the Colégio das Artes (Art College) and of the Tribunal do Santo Ofício. He was also contemporaneous to Portugal’s expansion to the Indies and Brazil. He interiorized and used “Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel” to disseminate the messianic ideology that would characterize the reign of Manuel I of Portugal. This ideology coexisted within the territory with the heterodox ideology of the New Christians. In fact, the Manueline embodied the monarchic ideology and Bandarra, the Trancoso shoemaker, in his ballads was a sort of Jewish / New Christian messianic prophet. In a heterodox manner, he spoke of the downfall of Rome and Christianity and of how it was besieged by Luther, Henry VIII, John Calvin and by the Turks.

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O Humanista Góis juntava-se a João de Barros, Diogo de Teive, Gil Vicente, Duarte Pacheco Pereira que louvavam a empresa portuguesa como resultado da vontade de Deus. Deus predestinara os portugueses a tão grandes feitos e permitira que o reinado do Venturoso, rei Emanuel, que significa “Deus connosco”, ficasse marcado por um império marítimo, mas também que Portugal tivesse um rei, tivesse uma única fé com a expulsão/conversão de Judeus e Mouros, e fosse um único reino. A esta visão transformada em arte no gótico final português, o manuelino, juntava-se o avanço da cristandade para outras terras e outras gentes graças aos portugueses e ao seu rei, assim como a vontade de este expulsar os Turcos de Jerusalém. Os reis portugueses tornavam-se assim reis messiânicos e a cruz acompanhada pela legenda das suas moedas “In hoc signo vinces” e a esfera armilar era a mensagem da cristianização universal que antecederia os Últimos Tempos povoados por Anticristos como Lutero e os Turcos e a decadência/ regeneração de Roma.

The Humanist Góis as well as João de Barros, Diogo de Teive, Gil Vicente and Duarte Pacheco Pereira all praised the Portuguese discoveries and advocated that they were a result of God’s will. God had predestined the Portuguese to accomplish great feats and had allowed the reign of Manuel I of Portugal, “the Fortunate”, to be characterized by a maritime empire. Moreover, God had allowed Portugal to have a king, to be a kingdom within itself and to have a single faith, thanks to all the Jews and Moors having been expelled or converted. This vision, that was transformed into art in the final stages of the Portuguese Gothic, was accompanied by the will to expel the Turks from Jerusalem and by the expansion of Christianity into other locations and other people, thanks to the Portuguese and their king. Due to all this, the Portuguese kings became messianic kings. The cross, the writing in their coins, which read “In hoc signo vinces”, and the armillary sphere where a sign of the universal Christianization that would precede the End Times. These would be characterized by the presence of antichrists, such as Luther, the Turks and the downfall / revitalization of Rome.

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Foi esse o resultado da expulsão de mais de duzentos mil judeus. Saíram do Reino e levaram consigo, além do muito dinheiro que possuíam, o saber e a experiência dos ofícios. – Pode suprimir-se o metal, mas a tradição das artes mecânicas, o apego ao trabalho, os engenhos sutis e delicados, essas são coisas que não há nada que se coloque em seu lugar… – Não contente com isso, na Pascoela de quatrocentos e noventa e sete mandou roubar-lhes os filhos… – Ad maiorem Dei gloriam!” “THAT WAS THE RESULT OF MORE TWO HUNDRED THOUSAND JEWS BEING EXPELLED. THEY LEFT THE KINGDOM AND TOOK WITH THEN, BESIDES THE GREAT AMOUNT OF MONEY THEY HAD, THE KNOWLEDGE AND EXPERTISE OF CERTAIN TRADES. - METAL CAN BE REPLACED, BUT THE TRADITION OF THE MECHANICAL ARTS, THE LOVE FOR THAT WORK, THE SUBTLE AND DELICATE SKILLS, THOSE ARE THINGS THAT CANNOT BE REPLACED… - HOWEVER, HE WAS STILL NOT HAPPY AND ON LOW SUNDAY OF FOURTEEN NINETY-SEVEN HE HAD THEIR CHILDREN STOLEN… - AD MAIOREM DEI GLORIAM! “ FERNANDO CAMPOS [ ] A SALA DAS PERGUNTAS

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CINCO

A comunidade judaica de Alenquer

Sabemos muito pouco sobre a presença de judeus em Alenquer, pelo que supomos não dever ter sido muito importante, dada a proximidade a duas grandes comunas de judeus: Santarém e Lisboa. No tempo de D. Dinis, o mercado de cereais da vila integrava as rendas e direitos que os judeus do reino deviam pagar ao soberano. No entanto, nada nos é dito sobre a sua população de credo moisaico que só viríamos a encontrar no final do século XIV. É precisamente do reinado de D. Fernando que temos as primeiras notícias sobre dois judeus que se dedicavam ao arrendamento das rendas reais, Fraire Nambram e um Abraão. Outros três correligionários aqui se fixaram. Um deles, David que pelo apelido de origem toponímica provinha de Beja, era ferreiro, profissão que deveria ter grande procura dado o número de profissionais desta arte que aqui se fixariam. Com os movimentos antijudaicos ocorridos em Castela, nos finais do século XIV e inícios do XV, a comunidade cresceu, podendo nós supor pelas cartas individuais de contrato conhecidas, em 1442, num total de 19, que em Alenquer viveriam cerca de cem pessoas de credo judaico. Dedicavam-se ao artesanato: ferreiros, alfaiates, sapateiros. Era uma comunidade pequena cujos impostos eram pagos às rainhas de Portugal. Nela encontramos judeus de apelido Cohen, Machorro, Natan, Ambran, Francês, Sofer, Amado, Abibe, apelidos comuns aos de outros imigrantes que entraram no reino provenientes de Castela. A 4 ou 5 de dezembro de 1496, D. Manuel promulgou o édito de expulsão de mouros e de judeus do reino. É provável que as famílias se tivessem dispersado em direção a Lisboa para embarcarem e saírem do reino. A 19 de Março, o rei ordenava que lhes retirassem os filhos crianças, e os entregassem a famílias cristãs e incitava-os a converterem-se livremente até 30 de maio, em troca de privilégios. A maioria terá permanecido no local de residência, esperando vender os bens sem grande prejuízo, e seria apanhada pela voragem do tempo. Acabariam por ser batizados de pé nas igrejas da vila, provavelmente na matriz, sem qualquer catequização.

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FIVE

The jewish community in Alenquer

We know very little of the presence of a Jewish community in Alenquer. Therefore, it is possible to conclude that it may have not been very significant, mainly due to the proximity to two big Jewish Communities: Santarém and Lisbon. During the reign of Denis of Portugal, the villages cereal market was included in the rents and taxes the Jews had to pay their lord. Nonetheless, we don’t have any information about the Moors, because they were only present in the late 14th century. It is during the reign of Ferdinand that we find two Jews that collected royal taxes. Their names were Fraire Nambram and Abraão. Three more coreligionists took up residence in Alenquer. One of them, David, who was from Beja, as his surname indicated, was a blacksmith. We conclude it was an activity with a lot of demand, due to the number of blacksmithing professionals that took up residence in Alenquer. Due to the anti-Semitic movements in Castile, in the late 14th century and in the beginning of the 15th century, the community grew. By examining the available individual contracts from 1442 - 19 in total - we may assume that there were about 100 Jewish residents. Their main activity was craftsmanship: blacksmithing, tailoring, shoemaking. It was a small town and the taxes were paid to the Portuguese queens. Alenquer’s Jewish residents had surnames, such as, Cohen, Machorro, Natan, Ambran, Francês, Sofer, Amado and Abibe. They had the same surnames as immigrants who came to Portugal from Castile. On 4th or 5th December 1946, D. Manuel promulgated an edict that would expel the Moors and the Jewish from the kingdom. It is likely that the families got separated when heading to Lisbon, in order to board a boat and leave the realm. On 19th March, the king ordered that their young children were taken from them and that they were given to a Christian family. He also urged them to freely convert until 30th May. If they did so, they would reap some benefits. It is thought that the majority of the Jews stayed in the place where they resided, in order to sell their goods without incurring in too much loss, but the quickly changing times caught up with them. They would end up being baptized in the village’s churches, probably in the parish church, without being previously converted.

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SEIS

Alenquer perante a inquisição No tempo de Damião de Góis, a Inquisição portuguesa conheceu dois procedimentos diferentes para com aqueles que eram denunciados, reconhecidos hereges ou culpados de crimes contra a moral vigente e presos. Em cada lugar as entradas inquisitoriais e a leitura do monitório com a declaração de todos os crimes que caíam sob a alçada da Inquisição – judaísmo, luteranismo, anglicanismo, islamismo, apostasia, sodomia, bigamia, imprecações heréticas contra a religião ou a Igreja, etc – e a proclamação do édito da graça para quem o desejasse se poder acusar livremente e assim beneficiar do perdão ou para quem soubesse de alguém que os tivesse cometido os devesse denunciar. O medo era a razão das autoacusações livres e das denúncias, geralmente feitas por cristãos-velhos. A conversão e o arrependimento manifestavam-se pelo número de denunciados e, ainda mais convincentes, se estes fossem familiares próximos. À denúncia juntavam-se as lágrimas e os pedidos de misericórdia. Até 1547, o processo inquisitorial regia-se pelo conhecimento dos denunciantes e das denúncias, tal como sucedia no tribunal civil e tal como D. Manuel prometera aos representantes dos cristãos-novos em maio de 1497. O mesmo sucedia com os bens que, mesmo em caso de condenação, não seriam confiscados, mas entregues a familiares cristãos. Com o papa Paulo III, a Inquisição portuguesa passou a funcionar como as regras do tribunal eclesiástico, com as testemunhas caladas, ou seja, sem o conhecimento do denunciante nem do que este tinha denunciado para poder apresentar contraditas na defesa. Na sua generalidade, podemos dizer que todo o processo era constituído pelas seguintes partes: DENÚNCIA

A abertura do processo era constituída por 3 denúncias feitas por diferentes pessoas, concordantes nos atos praticados e constantes do monitório, junto do comissário do Santo Ofício ou num dos tribunais; ORDEM DE PRISÃO

Emanada do Inquisidor com confisco dos bens e com a obrigatoriedade de trazer roupa e dinheiro para mantimento; ENTREGA DO PRESO NO CÁRCERE

Entrega ao responsável pelo cárcere e pelos presos; PRIMEIRA SESSÃO

Perante o Inquisidor com o objetivo, depois da primeira admoestação era convidado a confessar as pessoas com quem praticara os delitos, a dizer a verdade e não denunciar inocentes, a guardar segredo, jurava sobre os Evangelhos, e era solicitado a confessar; São 3 as sessões e as admoestações para confessar a verdade, a não denunciar inocentes e a jurar segredo sobre o que se passava, antes de ser lido o libelo pelo promotor fiscal;

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LIBELO

Lido o libelo, o preso confessa ou nega, apresentando a sua defesa com ou sem advogado e forma as suas contraditas; A CONFISSÃO

Pode ser suficiente ou até mais do que suficiente se o preso denuncia mais pessoas do que aquelas que o denunciaram e se denuncia parentes muito próximos e vivos; a confissão pode ser insuficiente e o preso ser condenado a ser torturado; À entrada da sala da tortura é-lhe explicada a mesma e as suas consequências para a sua saúde física, o preso confessa ter praticado os atos crime em falta e com que pessoas os praticou, ou mantém a confissão feita. Neste caso, a tortura pode ser suspensa ou mantida. TORTURA

Pode manter-se negativo e a tortura é-lhe aplicada uma, duas, três vezes consoante o grau de debilidade física manifestado. No entanto, o manter-se negativo pode sustentar as dúvidas que as denúncias já tivessem provocado nos inquisidores e o réu era libertado e os bens devolvidos, com ou sem penas espirituais. R AT I F I C A Ç Ã O D A C O N F I S S Ã O

A confissão necessita sempre de ser ratificada e era-o através das perguntas feitas pelo inquisidor, assentes no monitório e na confissão dita em cada sessão e cuidadosamente assente pelo notário do Santo Ofício em caderno próprio. S E N T E N Ç A : L I B E R TA Ç Ã O O U C O N D E N A Ç Ã O

A confissão tida como suficiente leva à sentença, lida no auto da fé, público ou não, e que varia entre penas espirituais, catequização e/ou penas espirituais e cárcere e hábito penitencial perpétuo ou ao arbítrio do inquisidor, sendo que cárcere e hábito podiam ser levantados se o parecer do sacerdote orientador da fé no colégio da doutrina fosse positivo sobre a efetiva catequização do condenado. ENTREGA À JUSTIÇA SECULAR

Caso a confissão fosse insuficiente ou não aceite, o preso era condenado a ser entregue à justiça secular, sendo a sentença lida no auto público da fé. No mesmo dia ou noutro próximo, sempre acompanhado por um sacerdote para receber a última confissão do condenado, o réu era conduzido à Praça onde se desenrolaria a sua morte pelo fogo, podendo ser garrotado, previamente, ou não, consoante o arrependimento mostrado in extremis. Por vezes, acontecia que o arrependimento e a confissão junto à pira de madeira, podiam levar o inquisidor a chamá-lo ao cárcere para ser anotada a nova confissão que levaria a uma nova sentença ou à ratificação da anterior.

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SIX

Alenquer and the inquisition

During the time Damião de Góis was alive, the Portuguese Inquisition had two different ways of treating those accused of heresy, those convicted of the same crime, those considered guilty of moral crimes and those who were convicted. The presence of the Inquisition was followed by the reading of the monitory that stated the crimes that were to be trialed by the Inquisition Judaism, Lutheranism, Anglicanism, Islamism, apostasy, sodomy, bigamy and heretic imprecations against Christianity or the Church. After that, a Édito de Graça was proclaimed. It allowed people who had knowledge of such crimes to accuse the perpetrators or those who wished to confess their own crimes. If they did so, they would benefit from forgiveness. People confessed their own crimes and accused other perpetrators of those crimes, mainly due to fear. The factor that determined their successful conversion and regret was the number of people they accused. This would be even more convincing if they were close relatives. The accusation of others was frequently accompanied of tears and cries for mercy. Until 1547, the inquisitorial process required knowing those who accused and what they accused others of. This was a similar process to that of the civil courts, just as Manuel I of Portugal had promised to the representatives of the New Christians in 1497. Something similar happened with people’s possessions. If they were convicted, their belongings would not be confiscated, but rather given to Christian relatives. With Pope Paul III, the Portuguese Inquisition started to operate under the same rules as the ecclesiastical court, which means the accuser and the accusation weren’t known and, therefore, it was not possible to present viable defense arguments. In general, we can divide the whole process in the following parts: A C C U S AT I O N

The proceedings were initiated when three different people accused the same person of the same crimes, which had to be part of the monitory. The accusations could be presented to the Santo Ofício commissioner or to one of the courts; ARREST ORDER

Issue of an order to detain the accused and confiscate his belonging. The accused was forced to bring clothes and money to maintain himself; DELIVERY OF THE ACCUSED

Delivery of the accused to the person responsible for the jail and the prisoners;

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FIRST SESSION

First session with the Inquisitor, where the accused had the opportunity to name the people with whom he had perpetrated the crimes, the opportunity to tell the truth and the opportunity to not accuse innocents. The accused was instructed to maintain what went on a secret, by swearing on the Gospels and it was requested that he confessed; There was a total of three sessions and the accused had the opportunity to confess and to not accuse innocent people. It was requested that he kept what went on a secret and the fiscal procurator would read the libel; LIBEL

After the libel was read, the accused would confess or deny the accusations. To do so, he would present his defense and arguments with or without resort to a lawyer. CONFESSION

Confession may be enough or more than enough, if the prisoner accuses more people than the number of people that accused him or if he accuses close relatives that are still alive; If confession did not suffice the prisoner would be convicted and tortured; When entering the torture room, the prisoner is explained what it contains and how it will affect his health. He is given the opportunity to confess to his crimes and reveal his accomplices or to maintain his previous plea. If this happens, they could opt to suspend the torture or to still go ahead. TORTURE

If the prisoner doesn’t confess, he is tortured one, two or three times, depending on his state of physical debility. Nonetheless, not confessing could corroborate the doubts that the accusations had already caused the Inquisitors. This would mean the accused would be set free, his assets would be returned, and he may be subject to spiritual sentences. R AT I F I C AT I O N O F T H E C O N F E S S I O N

The confession had to be ratified and this was accomplished through the Inquisitor’s questions. The questions were based on the monitory and the confession was carefully written, in each session, by the Santo Ofício monitor in a specially designated notebook. SENTENCE: FREEDOM OR CONVICTION

If the confession was considered to be enough, the sentence would be read in Auto-da-fé, which could be either public or private. The sentence could be spiritual, religious conversion and/or spiritual sentence. It could also be imprisonment and using the penitential garment perpetually or whichever sentence was decided by the Inquisitor. The accused could be released and authorized to take off the penitentiary garment if the priest in charge of the conversion attested to the success of that same process.

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SECULAR JUSTICE

If the confession was not enough or wasn’t accepted, the accused would be referred to the secular justice and his sentence would be read in a public Auto-de-fé. During that same day or during one of the following days, the prisoner would be led to the square where the death penalty would be carried out and he would be burned. He could be garroted prior to burning, depending on how sorry he seemed to be in extremis. The prisoners were always accompanied by a priest, in order for them to confess one last time. Sometimes, repenting and confessing near the fire would result in the Inquisitors jailing the accused and requesting a new confession that would lead to a different sentence or to the ratification of the previous one.

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A Inquisição em Alenquer As primeiras vítimas do Tribunal do Santo Ofício em Alenquer foram franciscanos que seriam acusados de bigamia, uns, de não cumprimento do celibato, outros, um membro da nobreza acusado de sodomia e dois cristãos-novos, ela, Guiomar Rodrigues, tendeira, natural de Alenquer e residente em Santarém, ele, Damião Vaz, cantor, natural daquela vila e morador em Évora. Aliás o Tribunal do Santo Ofício, incidiu durante estes três séculos sobre crimes vários a que não faltou um seguidor do Islão e um pedreiro-livre, nem eclesiásticos denunciados por terem violado jovens. A estes juntavam-se os cristãos velhos acusados de poligamia ou de poliandria. A maioria era de origem cristã-nova e vivia na crença da Lei de Moisés. Alenquer surgia nos processos como local de residência, menos de naturalidade e de passagem como aquele sacerdote preso em Angra, nos Açores, que servira em vários locais do reino e fora condenado a sofrer a penitência no convento de Nossa Senhora da Encarnação em Alenquer. Outro cometera o sacrilégio de celebrar missa sem ter recebido o sacramento da ordem. Sendo diminuta a comunidade judaica, não podemos estranhar que, com a aproximação a Santarém e a Lisboa, a presença cristã-nova também seja igualmente rara e a incidência da Inquisição não seja tão acutilante como o foi noutros locais. À semelhança de Santarém, os cristãos-novos de Alenquer só seriam incomodados com as suspeitas de judaísmo na segunda metade do século XVI. E mesmo esta presunção, leva-nos a conhecer que a sua permanência na vila não era constante, pois residiam em Santarém, em Évora, em Lisboa e neste deambular pelo reino não faltava o salto a outras terras, nomeadamente a França, onde eram incentivados a abjurar o cristianismo. SÉCULO XVI

Assim, em 1555, é denunciada e presa na Inquisição de Lisboa, Guiomar Rodrigues, viúva de Gaspar Vaz, tendeiro e morador na Praça de Marvila, em Santarém. Este processo mostra-nos que logo no início do século XVI houve uma grande dispersão da população de origem judaica. Foi batizada na igreja de Sto. Estêvão e casou em Santarém. Tem duas irmãs a viver em Alenquer, uma casada com Miguel Garcia, tratante, e outra Beatriz Gonçalves, viúva. A terceira, Violante Rodrigues, encontra-se a morar em Tancos e está casada com Alexandre Rodrigues, tratante. Tem 3 filhas e 1 filho. O filho é o licenciado Jorge Vaz que vive na Golegã e é solteiro. As filhas estão casadas em Santarém e em Lisboa. Isabel Nunes mulher de Henrique Nunes, mercador, reside em Santarém; Beatriz Nunes está casada com Manuel Rodrigues, mercador de panos, também habita nesta cidade. A mais moça, Maria Jorge é mulher do procurador licenciado Aires Gonçalves e vive em Lisboa. Sabe ler e escrever, assinando sempre até ao fim em letra muito legível o nome. Enviará nos punhos de uma camisa uma mensagem que foi confiscada pelo alcaide do cárcere e levada ao inquisidor. Apenas dizia “não disse nada sobre v.m”. Em finais de Quinhentos, um outro cristão-novo natural de Alenquer é apanhado pela Inquisição e acusado de práticas judaicas. Damião Vaz residia em Évora onde era cantor, na altura da prisão.

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SÉCULO XVII

Por sua vez Manuel Botelho e Maria Lopes, sua mulher, trocaram Alenquer por Lisboa, onde morava a filha, Filipa Botelha, tendo antes residido em França onde tinham sido aliciados a abjurar o cristianismo. Estávamos em 1609 e anos antes tinha sido publicado um novo perdão geral, com o qual descansados regressariam ao reino. Os cristãos-novos que caem sob a alçada da Inquisição por suspeita de judaizarem provêm de vários locais, sobressaindo o Alentejo e Lisboa. A cidade não espanta dada a sua proximidade à vila, mas a ela juntava-se Estremoz e Beja. Curiosamente, as práticas judaicas de que são acusados como a guarda do sábado, vestindo camisa lavada, e limpando na véspera ao anoitecer os candeeiros, mudando-lhes as matulas e pondo azeite novo, jejuando os jejuns de segunda e quinta-feira e não comendo os alimentos proibidos na Lei de Moisés, ou seja, carne de porco, coelho, lebre e peixe sem escama, são mínimas. Ao contrário do que acontecia com os cristãos-novos da Beira interior, os de Alenquer conheciam pouco as cerimónias judaicas, quer jejuns, quer Páscoas. Apenas Guiomar Rodrigues, confessará ter jejuado os jejuns do quipur, ou das perdoanças, e o thisabeab, em memória da tomada do Templo por Nabucodonosor e depois pelos romanos. Declarava que não fazia mais nenhuma das cerimónias judaicas porque não sabia quando caíam nem tinha a quem perguntar. Não conhecia orações judaicas, mas rezava os Salmos sem dizer Glória no final. Sabia-os de cor, como “Alcei os meus olhos aos montes” ou “Cantarei ao Senhor um canto novo”. Como era costume, cumpriam exteriormente os preceitos cristãos e quando interrogados sabiam persignar-se, dizer o Pai-Nosso, a Avé-Maria, o Credo e a Salvé-Rainha, enunciar os mandamentos da Lei e os mandamentos da Igreja. Confessavam-se e comungavam nas festas cristãs.

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Inquisition in Alenquer The first victims of the Tribunal do Santo Ofício, in Alenquer, were the Franciscans. Some were accused of bigamy and others of breaking their vow of chastity; A nobleman was accused of sodomy; And two New Christians were also accused. She was named Guiomar Rodrigues, and she was a stallholder born in Alenquer that had taken up residence in Santarém. He was named Damião Vaz, and he was a singer born in Santarém that had taken up residence in Évora. During these three centuries, the Tribunal do Santo Ofício trialed various crimes and the accused included a follower of Islam, a freemason, and members of the clergy suspected of having raped young people. The accused also included Old Christians that were accused of polygamy and polyandry. Nonetheless, the majority were New Christians that followed the Law of Moses. Alenquer was stated in the proceedings as the place of residency. It appeared less often as the place a birth and was written down as a place of passage of a priest who was arrested in Angra, Azores. The priest had served in various places in Portugal and was sentenced to carry out his penitence in the Convento de Nossa Senhora da Encarnação, in Alenquer. Another priest was guilty of the sacrilege of celebrating mass, without having received the sacrament of the Holy Order. Since the Jewish community was very small, is is not odd that, due to the proximity to Santarém and Lisbon, the existence of New Christians is also rare, and the intervention of Inquisition was not as great an in other places. As well as in Santarém, the New Christians in Alenquer would only be harassed, due to suspicions of Judaism, during the second half of the 16th century. This leads us to conclude that they weren't permanently in the village. They resided in Santarém, Évora and Lisbon. They travelled a lot within the kingdom and often visited other countries, such as France, Rome and Angola, on business. In France, they were persuaded to forswear Christianity, even if they had refused to do so before departing. 1 6 TH C E N T U R Y

Therefore, in 1555, Guiomar Rodrigues was accused and incarcerated by the Lisbon Inquisition. She was the widow of Gaspar Vaz, a stallholder, and she resided in Praça da Marvila, in Santarém. This process shows us that the population of Jewish origin dispersed, during the beginning of the 16th century. She was baptized in the Church of Santo Estêvão and she got married in Santarém. She had two sisters that lived in Alenquer. One was married with Miguel Garcia, a merchant, and the other was Beatriz Gonçalves, a widower. Her third sister was Violante Rodrigues. She resided in Tancos and was married to Alexandre Rodrigues, a merchant. She had three daughters and a son. Her son, Jorge Vaz, was educated, lived in Golegã, and was single. Her daughters were married and lived in Santarém and Lisbon. Isabel Nunes was married to Henrique Nunes, a tradesman, and they resided in Santarém. Beatriz Nunes was married to Manuel Rodrigues, a cloth merchant, and they also resided in Santarém. The youngest, Maria Jorge, was the wife of an educated attorney named Aires Gonçalves and they lived in Lisbon.

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She knew how to read and write and signed her name very clearly, until the very end. She sent a message written in the cuff of a shirt. The message was discovered by one of the prison's officers and she was be presented to the Inquisitor. The message only contained the words "I said nothing about v.m". Near the end of the 16th century, another New Christian, who was born in Alenquer, was captured by the Inquisition and accused of Jewish practices. Damião Vaz was a singer that resided in Évora, at the time of his arrest. 1 7 TH C E N T U R Y

On the other hand, Manuel Botelho and Maria Lopes, his wife, moved to Lisbon form Alenquer because their daughter, Filipa Botelho, lived there. They had also lived in France and had been encouraged to forswear Christianity. The year was 1609 and years before a new general pardon had been promulgated. Therefore, they could safely return to Portugal. The New Christians that were targeted by the Inquisition, due to suspicion of Judaizing, were from various places, but the ones that stood out the most were Alentejo and Lisbon. The city does not come as a surprise, due to its proximity to the village, but Estremoz and Beja also stand out. Something curious is that the Jewish practices that they were accused of were quite insignificant. These practices were celebrating sabbath; wearing a clean shirt on that day; cleaning the lamps at dusk, the previous day, by changing their hulks and their oil; fasting from Monday to Thursday; and not eating the foods forbidden in the Law of Moses, namely pork, rabbit, hare and scaleless fish. Unlike the New Christians from Beira Interior, the New Christians from Alenquer didn't know much about Jewish ceremonies, like fasts and Easter. Only Guiomar Rodrigues confessed having fasted during Yom Kippur and the Tenth of Tevet, in order to honor the Siege of the Holy Temple led by Nebuchadnezzar and later on by the Romans. She also stated that she didn't partake in any other Jewish ceremonies, because she didn't know their dates and she didn't know anyone she could inquire about this. She didn't know the Jewish prayers, but she would recite the Psalms without saying Glory in the end. She knew all of them by heart, and some examples are "I lift up my eyes to the mountains" or "Sing to the Lord a new song". It was costumery for them to follow Christian teachings, outside of their households. When they were interrogated, they knew how to cross themselves and how to recite the Lord's Prayer, the Hail Mary, the Apostle's Creed, the Ten Commandments and the Commandments of the Church. They confessed and took Communion during Christian festivities.

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SETE

Os cárceres da Inquisição

A prisão de um dos membros da família era o rastilho para a prisão dos demais, uma vez que em conversas familiares acabavam por se declararem crentes e observantes da Lei de Moisés, fiando-se uns nos outros por parentes, amigos e gente da mesma nação. Na generalidade, acusam-se e acusam quem os ensinou logo na primeira sessão. Os mais renitentes a confessar e a pedir misericórdia acabavam por estar presos nos cárceres da Inquisição três ou quatro anos. Alguns tiveram familiares relaxados pelo braço secular como João Rodrigues Lourenço, cujo pai Manuel de Mesas Lemos, contratador das jugadas de Sintra, pertencentes à casa da Rainha, tinha sido entregue ao braço secular, ou condenados às galés, como o tio materno de Manuel Botelho, rendeiro do conde de Vimioso e distribuídos da moeda em Lisboa. Aliás a genealogia deste cristão-novo é curiosa porque se declara flamengo, filho de um flamengo e de Catarina Nunes, natural de Beja e ele nascera em Tavira. O avô paterno era português, de nome Manuel Dias, o que nos leva a supor que seria um dos cristãos-novos que conseguira sair do reino para a Flandres e lá constituíra família. O filho regressaria ao reino como flamengo e aqui casaria com uma cristã-nova. As famílias cruzam-se agora com cristãos velhos e nelas começa a existir, ao contrário do início do século XVI, filhos solteiros e casais sem descendência ou porque não a tiveram ou porque os filhos faleceram crianças ou jovens. Alguns ingressaram na vida eclesiástica como Manuel Curado, sacerdote e beneficiado em Sta. Maria da Várzea, ou o padre João Barbosa, ou o padre Pedro Gaspar Fragoso. A comunidade cristã-nova apresentava-se integrada na sociedade de Alenquer, mas dispersa por Leiria, Lisboa, Estremoz ou até por outras paragens como Roma ou Angola, em negócios.

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SEVEN

The prisons of the inquisition

If one of the families was incarcerated, the rest of the of the family would have the same fate. This happened because, during family conversations, they would state that they believed and followed the Law of Moses. They usually trusted other relatives, friends and fellow believers. Normally, they would confess during the first session and would name those who taught them their ways. Those who were more reluctant to ask for mercy would spend up to three or four years in the Inquisition's prisons. Some of them had relatives that were sentenced by secular justice or sentenced to the galleys. João Rodrigues Lourenço is an example of this. His father, Manuel de Mesas Lemos, was a yoke tax collector in Sintra and had to deliver those taxes to the queen. He was sentenced by secular justice. Another example is Manuel Boltelho's uncle on his mother's side. He was a tenant of Count of Vimioso. They were also forced to give up their coin in Lisbon. The genealogy of this New Christian is very curious. He declared he was Flemish, that his father was Flemish, and that his mother was Catarina Nunes. He also said that his mother was born in Beja and that he was born in Tavira. His father's father was Portuguese and named Manuel Dias. This leads us to assume that he was a New Christian that managed to leave for Flanders and raise a family. His son returned to Portugal as a Flemish citizen and married a New Christian. The families started to cross with Old Christians and they started to have, unlike in the 16th century, single sons or couples without any children. This happened because the couples either decided to not have kids or they passed away while children or teenagers. Some, like Manuel Curado, opted for the clergy life and benefited of a life as a priest in the Church of Santa Maria de Várzea. Another example is father João Barbosa or father Pedro Gaspar Fragoso. The New Christian community was fully integrated in Alenquer's society. Nonetheless, it was spread out through Leiria, Lisbon, Estremoz and other places, such as Rome or Angola, due to business.

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OITO EIGHT

Igreja da Várzea

CRON OLOGI A CH R ON OLOGY

1203 Já existe a igreja paroquial da Várzea, pois o seu prior é então juiz apostólico numa causa contra o bispo da Guarda, D. Martinho The parish church of Várzea already existed and its prior was an apostolic judge with a grudge against the bishop of Guarda, Dom Martinho

1574

1502

january 30 janeiro Damião de Góis é sepultado nesta igreja Damião de Góis is laid to rest in the church

Damião de Góis é batizado nesta igreja Damião de Góis is Baptized in this church

1560

april 14 abril Damião de Góis adquire, por escritura lavrada nas notas do tabelião de Alenquer Afonso Ferrão, o direito de sepultura na capela-mor desta igreja Damião de Góis purchases the right to be laid to rest in the church's chancel, via a legal document produced by Afonso Ferrão, the notary public of Alenquer

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1941

august 30 agosto Realiza-se solenemente a trasladação dos restos mortais de Damião de Gois desta igreja para uma capela construída propositadamente na igreja de São Pedro, onde são aplicados os materiais da capela tumular original Damião de Góis' remains are solemnly moved from this church to a chapel that was specially built in the Church of São Pedro. The materials used where the ones from the original tomb

1843 Data do termo do arquivo paroquial desta igreja e, muito provavelmente, da extinção da própria paróquia, que será anexada à de Triana Year in which the parish's archives end. It was also likely the year in which the parish was extinct and became a part of Triana

1901 As obras de reconstrução progridem lentamente e serão, entretanto, completamente abandonadas The restoration work was slowly advancing and would, after a short period, stop

1897

outubro October Inauguram-se os trabalhos de reconstrução da igreja, então arruinada, levados a cabo pela Junta de Paróquia de Triana, com o incentivo de muitos alenquerenses, conseguindo-se apoios do governo e da rainha D. Amélia Start of the church's restoration work. At the the time, the church was in ruins and the restoration was done by the Triana parish. This initiative was applauded by many citizens of Alenquer and that resulted in funds from the government and Amélie of Orléans

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2017

may 20 maio Inaugura-se o Museu Damião de Góis e das Vítimas da Inquisição, após obras de reabilitação da Igreja da Várzea.


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