01MAI20 | SÓCIA de todas as colectividades

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sócia

01 A N O # 1 M A I 2 0 ASSOCIAÇÃO DAS COLECTIVIDADES

de todas as coletividades.

DO CONCELHO DA FIGUEIRA DA FOZ

40

VISÕES

PARA A DÉCADA M O V I M E N T O

MIGUEL PEREIRA EM ENTREVISTA

A S S O C I A T I V O

RICARDINA LORIGO Do palco para o

O pelouro das

hospital: "A vida tem

coletividades é "uma

coisas guardadas

moto topo de gama"

para nós"

CONTROVERSOS A opinião sem tabus sobre temas polémicos no seio das coletividades


ORDEM DE TRABALHOS E D I T O R I A L

A NOVA SÓCIA R I C A R D O

12>15 RICARDINA LORIGO

S A N T O S

Na linha da frente do combate à COVID-

A capacidade de nos deslumbrarmos com as coisas simples, com o restolho, com as pedras da calçada, com o movimento das copas, com o silêncio das portas

19,

a

enfermeira

Ricardina

revela-nos

o

que leva do palco da coletividade para os corredores do hospital.

16>18 AS COLETIVIDADES

que se fecham e abrem a todo o instante, é, porventura, o mistério dos dias felizes. Nas coletividades cultivamos, como em poucos lugares, a filosofia dessa (re)descoberta. De nós e dos outros.

A partir da contextualização histórica, percebemos

Sem a poesia destas palavras, mas com a rudeza dos

por

dias, com calos e palavrões, com esperança e

conceitos umbilicais para o movimento associativo.

ansiedade, animados pela presença de todos aqueles

Uma investigação de Frederica Jordão.

que

que, mesmo sem essa consciência, partilham desse

de alimentar e entreter “o bichinho” que se entranha em nós.

a

instrução

e

a

beneficência

são

22>25 CONTROVERSOS

esforço coletivo de servir a comunidade.

Diria o meu avô que nada mais é do que a necessidade

razão

Um engenheiro, uma psicóloga e um jornalista, com ligações

díspares

confrontados

com

ao

associativismo,

perguntas

controversas

no

são seio

das coletividades.

Em tempos de pandemia, em que vivemos numa

26>29 RUI FÉTEIRA, O POETA

espécie de distopia, as nossas coletividades fecharam as portas para impedir a entrada do vírus. Alinharam na narrativa do “fique em casa”, numa rendição

Professor,

forçada e garantidamente temporária.

ator

projeto de comunicação associativa.

30>32 SOPHIA, EDUCAR PELA DANÇA Sophia

Gil,

responsável

e

Esta revista tem nome de mulher, porque, citando

coreógrafa do 'Vaisah Dançar',

Balzac, “a mulher é o ser mais perfeito entre as

revela-nos como a dança pode

criaturas; é uma criação transitória entre o homem e o

ser agente de ativação social.

anjo”. Não temos a pretensão de fazer esta publicação tão perfeita quanto as mulheres, mas ninguém nos tira a ousadia de a tratar com o mesmo enlevo.

Sabíamos que não queríamos um produto de fast-food. Queríamos fazer algo que perdurasse no tempo, que pudesse ser guardado na gaveta (ainda que digital)

associativo, genuinamente

ligações simbióticas entre as artes.

potenciadores de mudança. Aproveitando o momento

idealizou, concebeu e trouxe à luz do dia um novo

mas

poeta, numa conversa que cruza as

As revoluções são, por definição, momentos

de exceção, a Associação das Colectividades

dirigente

acidental,

34>37 AMBIÇÃO DE CAMPEÃO José

Fonseca

é

o

treinador

do

Figueira Volei Clube e explica-nos como

a

modalidade

tem

conquistado adeptos no concelho.

para consultar mais tarde, para se ir lendo devagarinho

38>79 40 VISÕES PARA A DÉCADA

e sem pressa.

Sabíamos que não queríamos uma revista que apenas compilasse a nossa atividade ou a das nossas associadas. Queríamos mais. Queríamos conhecer as pessoas que fazem o associativismo: quem são, como são, o que fazem. Queríamos conhecer melhor as instituições: como nasceram, o que fazem, para onde vão. Intimamente, num desejo inconfesso, ansiávamos por despertar o interesse mesmo daqueles que não têm ligação ao mundo associativo.

Queríamos e ansiávamos tudo isto. Depois fizemos a SÓCIA, "a revista de todas as coletividades".

Desafiámos 40 personalidades, com e sem ligações ao movimento associativo, para que nos dessem a sua visão sobre a próxima década. Como estaremos em

2030?

Como

chegaremos?

Que

oportunidades e desafios se colocam à sociedade e em

particular

às

coletividades?

As

respostas

estão. Um dossier para voltar a ler em 2030.

80>89 ENTREVISTA: MIGUEL PEREIRA Uma

grande

entrevista

com

o

vereador do pelouro das coletividades

O tempo nos dirá se o fizemos bem feito.

da

Câmara

Foz. que

Fique

Municipal a

da

conhecer

interessam

ao

Figueira as

da

questões

movimento

associativo e as respostas do autarca figueirense.

Diretor da SÓCIA e vice-presidente da

Associação das Colectividades do Concelho da Figueira da Foz


SESSÃO DE ABERTURA

A IDADE ADULTA A N T Ó N I O

A

R A F A E L

Associação

Figueira

da

das

Foz

Colectividades

comemorou

a

5

do

de

Concelho

maio

o

seu

da 19.

º

aniversário.

Entrámos

definitivamente

na

idade

adulta.

A

experiência adquirida, o conhecimento do terreno e a confiança

que

em

nós

deposita

o

movimento

associativo concelhio dão-nos a segurança e o arrojo necessários para abraçar novos e desafiantes projetos. Na génese da nossa fundação estava a necessidade de criar

uma

estrutura

reivindicativa.

Hoje,

agregadora,

para

além

representativa

desses

propósitos

e

que

se mantêm, acrescem muitos outros: a necessidade de um

maior

envolvimento

empresarial;

de

financiamento áreas

de

e

de

os

o

mundo

de

humanos,

a

fontes explorar

comunitárias,

direitos

académico

novas

motivação;

interesse

ambiente,

com

procurar

como

ação

e de

outras

o

meio

social,

entre

outras; ou de construir projetos em rede que potenciem as dinâmicas associativas.

A

revista

cada

SÓCIA,

um

dos

homenagem

que

vós, que

é

pela um

primeira

momento

serve

muitos

vez de

trazemos reflexão

desses

até

e

de

propósitos.

Envolve, explora, reflete, aproxima e motiva.

Partilhamos

convosco

quarenta

visões

para

a

década

sobre o movimento associativo numa dimensão crítica e de

perspetiva

futura.

A

todos

os

que

disseram

“presente” e contribuíram com a sua disponibilidade e saber o nosso muito obrigado.

Destaque porque

também

não

para

podemos

ter

a

rubrica

medo

de

“Controversos”,

falar

das

coisas.

Mesmo quando não concordamos com elas.

Aos

visados

em

agradecimento representam

e

todas pelo

as

reportagens

trabalho

pela

que

mais-valia

e

rubricas

fazem, que

pelo

são

o

que

para

o

movimento associativo.

Lançamos

esta

Coletividades.

publicação

no

Homenageamos,

Dia

Nacional

assim,

todos

das os

dirigentes, colaboradores voluntários, sócios e amigos das nossas coletividades. Muito obrigado por fazerem parte da nossa família e por nos ajudarem a fazer do mundo em que vivemos um lugar mais feliz.

Orgulhosamente, e com a vossa licença, dou as boasvindas

à

nova

SÓCIA

da

Associação

das

Colectividades do Concelho da Figueira da Foz.

Presidente da Direção

Associação das Colectividades do Concelho da Figueira da Foz

sócia

03 | MAIO 2020


RECONHECER E AGRADECER C A R L O S

M O N T E I R O

Começo por louvar a iniciativa do lançamento da

Continuamos atentos e sempre presentes no que

revista “Sócia”, um estímulo para a nossa

diz respeito a reconhecer a importância do

comunidade associativa e uma voz que ecoa a

movimento associativo no desenvolvimento da

ação deste movimento intergeracional que se vive

coesão territorial. Temos dito “presente” sempre

por todo o concelho e país.

que nos deparamos com problemas inesperados, como o furacão Leslie, tendo plena noção de que,

Particularmente, no concelho da Figueira da Foz, o

sem o apoio municipal, muitas coletividades

associativismo pauta-se por um historial abnegado

poderiam ter fechado as suas portas.

no apoio às populações, no desenvolvimento cultural, na instrução, no ensino musical, entre

Aproveito, ainda, para demonstrar o meu apreço a

tantas outras atividades. A proatividade e

todos os órgãos sociais das nossas associações

resiliência de todos os envolvidos, sejam os órgãos

pelo trabalho desenvolvido, bem como a todos os

sociais ou associados, constituem uma marca

voluntários que, mesmo não sendo parte dos

indelével e uma prova do espírito que se vive no

órgãos sociais, tudo fazem para dignificar o

seio das nossas coletividades.

movimento associativo. O vosso trabalho é por nós muito louvado.

Não sendo este momento em que nos encontramos fácil, temos desenvolvido inúmeras iniciativas no

Deixo, por fim, uma palavra de agradecimento à

sentido de diminuir o impacto da pandemia e,

Associação das Colectividades, por esta iniciativa

também aqui, muitas coletividades têm sido nossas

e o desejo de que trilhe um caminho de

parceiras e dado a sua mão a quem mais precisa.

consolidação e crescimento. Um bem-haja a todos!

Em resposta a esta entrega, o Município também

Viva o movimento associativo!

tem sabido reconhecer o contributo inestimável do associativismo e, nos últimos anos, tem aumentado o apoio às coletividades, à formação musical, às associações juvenis, aos clubes desportivos, instituindo-se como pioneiro em diversos projetos

Presidente da

que traduzem a importância do trabalho

Câmara Municipal da Figueira da Foz

desenvolvido pelas coletividades.

COMUNICAÇÃO E PARCERIA: UM EXEMPLO A SEGUIR A U G U S T O

F L O R

Destaco e valorizo a importância da relação de

Tal como a Associação, também a “Sócia” poderá,

grande proximidade entre o poder local

desde o primeiro dia de vida, contar com a

democrático que são as Autarquias e o poder

sensibilidade do executivo municipal que,

local associativo que são as Colectividades de

enquanto entidade de gestão dos recursos

Cultura, Recreio e Desporto. Ambas, agindo em

públicos, tem sabido reconhecer o papel

cooperação e parceria, são essenciais para a

fundamental do associativismo figueirense.

qualidade de vida das populações, da economia, da coesão social e territorial e da democracia

À Associação Concelhia de Colectividades e à

participativa.

Câmara Municipal da Figueira da Foz desejo êxitos associativos e autárquicos e, aos seus

Um bom exemplo dessa relação é o caso da

responsáveis, as maiores felicidades pessoais.

Associação das Colectividades do Concelho da Figueira da Foz e da Câmara Municipal da Figueira

Bem hajam!

da Foz que aqui quero reconhecer e valorizar no Dia Nacional das Colectividades e de apresentação de um novo órgão de informação

Presidente da Direção da

associativo da maior importância para a sociedade

Conf. Portuguesa das Coletividades

figueirense – a Sócia!

sócia

04 | MAIO 2020


NOTÍCIAS CENTRO QUALIFICA

QUALIFICAÇÃO DE ADULTOS A ACCFF desenvolveu um protocolo de

COMISSÃO PERMANENTE A ACCFF, enquanto estrutura descentralizada

colaboração com a Sodenfor – Sociedade

da Confederação Portuguesa das Coletividades

Difusora de Ensino da Figueira da Foz, no

de Cultura, Recreio e Desporto (CPCCRD),

âmbito da rede dos Centros Qualifica. A estrutura associativa comprometeu-se a divulgar a oferta educativa/formativa daquele Centro Qualifica e a sensibilizar as

integra a Comissão Permanente do Gabinete Centro, sediado no Covilhã.

suas associadas para a importância da

ELEIÇÕES INTERNAS

qualificação. Por seu turno, aquele Centro

Em junho, decorrem as eleições para os órgãos

comprometeu-se a disponibilizar os recursos materiais e humanos para a realização de ações junto das coletividades.

sociais da ACCFF. A Assembleia Geral eleitoral está agendada para o dia 18 de junho, na sede do Grupo Recreativo e Desportivo da Chã.

COIMBRA BUSINESS SCHOOL

CONSELHO MUNICIPAL DE TURISMO

FORMAÇÃO SUPERIOR

A Câmara Municipal da Figueira da Foz aprovou

A ACCFF e o ISCAC|Coimbra Business School

stakeholders nas políticas turísticas do concelho.

desenvolveram um protocolo geral de

Nos termos do Regulamento aprovado, a ACCFF

cooperação, que surge da necessidade de potenciar a colaboração entre as duas instituições em projetos de investigação ou prestação de serviços a empresas e outras

a criação do Conselho Municipal de Turismo, que visa promover a participação e o envolvimento dos setores público e privado, sociedade civil, movimento associativo e

é um dos parceiros daquele Conselho Municipal.

instituições comunitárias e na divulgação dos

PROFISSIONAIS DO ANO

eventos organizados pelas duas entidades.

António Rafael e Fernando Gonçalves,

Este protocolo prevê a aplicação de descontos em todos os cursos não conferentes de grau aos associados das

Presidente e Vice-presidente da ACCFF, respetivamente, foram homenageados pelo

coletividades associadas da ACCFF e a

Rotary Clube da Figueira da Foz pela sua ação

partilha de recursos e experiências com vista

enquanto dirigentes associativos,

à afirmação e valorização do movimento associativo concelhio.

"reconhecendo-lhes o exemplo de dedicação e o mérito com que se vêm entregando à valorização do movimento associativo no concelho". A cerimónia decorreu durante um

FUNDAÇÃO INATEL

CRIAR SINERGIAS A ACCFF procedeu, em agosto de 2019, à inscrição como Beneficiário Associado, na qualidade de Centro de Cultura e Desporto,

jantar daquele clube de serviço, em fevereiro, no Grande Hotel da Figueira.

DIA DAS COLETIVIDADES NA FIGUEIRA A CPCCRD escolheu a Figueira da Foz para a realização do espetáculo comemorativo do Dia Nacional das Coletividades. Pesou na decisão a experiência da ACCFF na realização de

da Fundação INATEL, concorrendo assim para

iniciativas semelhantes e a disponibilidade da

a criação de sinergias entre as duas

Câmara Municipal e do Casino Figueira para

entidades.

apoiar a iniciativa. O evento, que esteve agendado para o dia 31 de maio, foi adiado, para data ainda não definida, devido à crise pandémica.

sócio

02 | MAIO 2020

sócia

05 | MAIO 2020


CURTAS PROGRAMA DE FORMAÇÃO

COLÓQUIO

A APOSTA NO ACORDEÃO

O TURISMO E O MAP

O Município da Figueira da Foz e a ACCFF

Numa organização conjunta entre a ACCFF e

assinaram, em 2018, um protocolo para o

a Fundação INATEL, realizou-se em

desenvolvimento da formação musical de

novembro, no Auditório Municipal da Figueira

acordeão para os Ranchos Folclóricos e Grupos de Cantares do concelho da Figueira da Foz, cujo objetivo central é colmatar a

da Foz, um colóquio subordinado ao tema

Popular (MAP)

falta de acordeonistas verificada no concelho, contribuindo para a valorização e qualificação da oferta cultural de cariz

«O

interesse turístico do Movimento Associativo

».

O colóquio visou debater e alertar para a relevância das coletividades, no conjunto da

tradicional promovida pelas associações e

sua ação e do seu património

coletividades locais.

material e imaterial, enquanto produto turístico de elevado potencial na

A formação, financiada a 100% pelo

dinamização e valorização dos territórios.

município e operacionalizada pela ACCFF, arrancou em janeiro de 2019 e decorreu até maio, ministrada em quatro centros de formação, sediados em coletividades locais, distribuídos pelo concelho.

A ocasião deu a conhecer três visões distintas sobre o tema. A visão do próprio MAP, através de Artur Martins, assessor da Direção da CPCCRD; do poder local, através da Dra. Paula Silvestre, chefe de divisão da

37 formandos, dos quais 19 homens e 17

Comunidade Intermunicipal da Região de

mulheres, oriundos de 12 coletividades,

Coimbra (CIM RC); e dos agentes turísticos,

inscreveram-se no programa de formação, que foi ministrado por Márcio Cabral, Bruno Gomes e Rui Jordão, todos com formação

pela voz de Jorge Simões, vice-presidente da Associação Comercial e Industrial da Figueira da Foz para a área do turismo.

musical superior e larga experiência na prática do acordeão.

O debate contou com a moderação de Manuel Castelo Branco, docente da Coimbra

Está prevista uma segunda fase do

Business Shcool e, na sessão de abertura,

projeto, direcionada para um nível de

marcaram presença, para além do vice-

estudos mais avançados, ainda sem data

presidente da Direção da ACCFF, Ricardo

definida.

Santos, Rosa Baptista, Presidente do Conselho Fiscal da CPCCRD, Bruno Paixão, Diretor Regional da Fundação INATEL, e o

ANIVERSÁRIO

Vereador Miguel Pereira, em representação

19 ANOS DE MÃOS DADAS

da Câmara Municipal da Figueira da Foz.

Ainda no âmbito da iniciativa, a SIRL Street Band, da Sociedade Instrução e Recreio de Lares (SIRL), animou durante a manhã o Mercado Municipal e o Grupo Praia Mar do

A ACCFF comemorou a 5 de maio o seu 19.

º

aniversário. As comemorações, agendadas

Grupo Instrução e Sport (GIS) encerrou, ao final da tarde, os trabalhos do colóquio.

para o Centro Cultural e Recreativo OUCOFRA, na freguesia do Paião, foram

Em jeito de balanço, a organização salientou

canceladas devida à pandemia da COVID-19.

"

Na ocasião iria ser entregue o e Mérito Associativo

»,

« Prémio

Valor

cerimónia que será

realizada em data ainda a anunciar.

o mundo de oportunidades por explorar pelas coletividades ", evidenciado pelas possibilidades de trabalho em rede e pelas potencialidades de um maior envolvimento

o reduzido número de participantes numa ação relevante ". com o setor do turismo. Lamentou, contudo, "

sócio sócia

02 || MAIO MAIO 2020 2020 06


NOTÍCIAS

ESPETÁCULO

UNIVERSAL CONCERT Promovido pela ACCFF e concebido pelo tenor Luís Pinto, teve lugar em outubro, no Grande Auditório do CAE, o espetáculo “Universal Concert”, que, através do canto lírico, conduziu o público para o universo das obras geniais e como que o "teletransportou" para o ambiente verista/renascentista das ruas de Itália.

)zoF ad arieugiF EAC( ohnidoG leinaD ed aifargotoF

Participaram a Filarmónica da Sociedade Boa União Alhadense, dirigida pelo maestro José Firme; a soprano lírica Sara Carneiro; o tenor Luís Pinto; a bailarina Tânia Carvalho; o grupo de danças tradicionais ReviverDance do GRV; e a Klasika - Academia de Bailado da Figueira da Foz.

FESTIVAL DA CANÇÃO

FIGUEIRA VOZ FEST '19

O acompanhado musical esteve a cargo da Big Band da ACCFF, dirigida pelo Maestro António Matias e constituída por músicos de filarmónicas do concelho.

Dez concorrentes, entre os 12 e os 68 anos de idade, oriundos de vários pontos do país, disputaram o título de vencedor do 7.

º

O painel de jurados foi composto por Nuno Figueira, produtor da RTP, Maestro Silva

FIGUEIRA VOZ FEST - Festival da Canção da

Cascão, o conhecido radialista Sansão

Figueira da Foz.

Coelho, Adelaide Sofia, professora de piano e fadista, e Jorge Magalhães, ator e produtor

O festival decorreu em novembro, na

de espetáculos.

Sociedade Boa União Alhadense, e contou com a apresentação de Ricardina Lorigo e

Carlos Pinheiro, de Amarante , foi o grande

com as participações especiais do Grupo de

vencedor. Liliana Soares, do Porto, e Rúben

Dança Alkimia, de Lara Ramalho e da

Nascimento, da Figueira da Foz, arrecadaram

representante de Portugal no Festival

o 2.

Eurovisão da Canção Júnior 2019, Joana

Lopes, também da Figueira da Foz, ganhou o

Almeida.

prémio de Melhor Interpretação.

º

e 3.

º

lugares, respetivamente. Irina

sócia

07 | MAIO 2020


INCUBADORA SOCIAL

MICRONINHO O projeto Microninho ISI - Incubadora Social e de Inovação da Figueira da Foz destina-se à promoção da inclusão social e ao desenvolvimento local sustentável do concelho, criando e dinamizando para o efeito um ecossistema de inovação e empreendedorismo local. Promovido por uma parceria nascida de entidades privadas sem fins lucrativos - Incubadora de Empresas da Figueira da Foz (IEFF), Associação das Colectividades do Concelho da Figueira da Foz (ACCFF) e Associação de Desenvolvimento Social e Cultural dos Cinco Lugares (ADSCCL), sediada na Lousã -, assume apoiar 300 agregados familiares que se encontrem numa situação potencial ou efetiva de exclusão social. O projeto prevê a autonomização destas famílias através da metodologia Microninho, já testada e validada noutros concelhos, na criação de micronegócios inclusivos e sustentáveis e na capacitação e intervenção para a empregabilidade, ancorada na cocriação de projetos de vida autónomos. Em paralelo, os parceiros assumem a capacitação para a inovação social do ecossistema de inovação e empreendedorismo como estratégia de desenvolvimento local sustentável, assim contribuindo ativamente para a concretização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A candidatura, entretanto aprovada, foi submetida ao Programa de Parcerias para o Impacto com um orçamento global aproximado de

345.000,00. A Câmara

Municipal da Figueira da Foz, na qualidade de investidor social, suportará 30% deste montante, sendo os restantes 70% financiados pelo PO ISE. Para Ricardo Santos, vice-presidente da ACCFF e responsável interno pelo projeto, o

oportunidade para as coletividades se comprometeram com os ODS e ativarem o setor social ", num Microninho ISI é uma "

regresso àquela que foi a origem de muitas

o apoio aos mais necessitados ". Por outro lado, acrescenta " é também uma oportunidade de dinamização associativa, de financiamento e de reforço do envolvimento e das sinergias com entidades do setor social e empresarial ". coletividades: "

O projeto tem duração de três anos e início agendado para o 2.

sócia

08 | MAIO 2020

º

trimestre de 2020.


VOLUNTARIADO

AGENTES DE SOLIDARIEDADE A beneficência e a solidariedade são pilares do associativismo.

Não são de estranhar, por

isso, as iniciativas realizadas por várias coletividades do concelho da Figueira da

Santos, acompanhado de outras entidades,

Foz, no âmbito do combate à pandemia

que testemunhou e validou a importância da

provocada pelo novo coronavírus COVID-19.

ação no contexto do atual surto epidemiológico.

De norte a sul do concelho, de portas fechadas, mas abertas de par em par ao

No zona sul, o Centro Recreativo e Cultural

serviço comunitário, foram várias as

Carvalhense também mostrou a sua veia

associações que se lançaram em iniciativas

solidária, através da distribuição de

solidárias. Respondendo, de imediato, aos

alimentos e de outros bens de primeira

apelos feitos pelos profissionais de saúde,

necessidade.

numa primeira fase, voluntários da Sociedade Filarmónica Paionense e do Grupo Instrução

Já em Tavarede, respondendo ao repto da

e Sport (GIS) lançaram mãos à obra e

Junta de Freguesia local, as coletividades da

costuraram vários equipamentos de proteção

freguesia (Grupo Desportivo e Recreativo da

individual, nomeadamente batas, botas e

Chã, Grupo Musical Carritense, Grupo

golas, depois entregues ao Hospital Distrital

Musical e de Instrução Tavaredense,

da Figueira da Foz.

Sociedade de Instrução Tavaredense e Clube Desportivo e Amizade do Saltadouro) estão a

O GIS envolveu-se também na confeção de

produzir máscaras comunitárias para

sopas e sobremesas, com o apoio de

distribuição pela população.

empresas locais, para mimar os profissionais de saúde que estão no “campo de batalha”.

Provas mais do que dadas de que o

A iniciativa da coletividade mereceu uma

associativismo faz e pode fazer a diferença

visita do Ministro do Mar, Ricardo Serrão

mesmo em tempos de pandemia.

sócia

09 | MAIO 2020


RESILIÊNCIA

FAZER ACONTECER Num tempo em tudo de exceção, que forçou a suspensão de todas as atividades associativas e levou ao confinamento domiciliário da população, há sempre quem resista ao vírus do individualismo.

Focadas na necessidade de manter viva a chama do associativismo, foram muitas as coletividades que se desdobraram em iniciativas de dinamização cultural e comunitária, criativas e inovadoras, evidenciando a capacidade de resiliência e de superação dos dirigentes associativos.

Na Sociedade Instrução e Recreio de Lares, os músicos da Filarmónica, dirigidos pelo Maestro Paulo Silva, sempre disponíveis para um bom desafio, “ligados e ativos a partir de casa”, juntaram-se on-line, por diversas vezes, para em conjunto interpretarem vários temas que foram disponibilizando na página do Facebook. A coletividade também promoveu uma Páscoa 94.

º

»

« Audição

da

no mesmo formato e, para comemorar o

aniversário, agendou uma sessão drive-in, no

Parque Urbano da localidade, que faz uma viagem pela história da instituição.

A Sociedade Boa União Alhadense alinhou pela mesma matriz e partilhou na página do Facebook a "Marcha do Vapor", interpretada a partir da casa de cada um dos músicos da Filarmónica, dirigidos on-line pelo Maestro António Firme.

EFEMÉRIDE

CENTENÁRIAS

Já em Quiaios, o 107.

º

aniversário do Grupo

Instrução e Recreio Quiaense (GIRQ) comemorouse com a publicação, na mesma rede social, de trechos de vários espetáculos de revista, desde os anos noventa até aos dias de hoje.

No final da primeira grande guerra, os raios da

Ainda nesta freguesia do norte do concelho, o

esperança de um tempo novo inspiraram a

primeiro de maio é por tradição um dia de festa.

fundação de muitas associações. Cem anos

Numa tradição secular, anualmente organizada

depois, muitas delas chegam aos nossos dias

pelo GIRQ, logo pela manhã as mulheres

investidas de um enorme dinamismo, orgulhosas

percorrem as ruas da vila com potes floridos à

do seu passado e confiantes no futuro.

cabeça e dançam acompanhadas por uma tocata.

No concelho da Figueira da Foz, há duas coletividades que comemoram em 2020 o seu primeiro centenário.

O Sport Clube de Lavos fez a festa logo nos primeiros dias de janeiro e o Grupo Instrução e Sport, da Praia de Buarcos, soprou as cem velas

Neste ano, impedida de cumprir a tradição, a coletividade adaptou a iniciativa e convidou a comunidade a colocar às portas, nos jardins e nas varandas de suas casas potes enfeitados de flores. A adesão foi enorme e, no dia, não faltou a música, gravada, que percorreu as ruas da vila, tendo reafirmado a esperança e a certeza de que nenhum vírus é maior do que a força do querer.

no início de fevereiro. Os programas comemorativos de ambas as coletividades

Exemplos de criatividade e inovação que

estendem-se ao longo do ano, embora a

testemunham a vitalidade do movimento

COVID-19 tenha forçado o cancelamento ou o

associativo popular na Figueira da Foz.

adiamento de muitas das atividades previstas.

sócio sócia

02| |MAIO 10 MAIO2020 2020


DIA NACIONAL COLETIVIDADES O Dia Nacional das Coletividades, que se celebra a 31 de maio, foi instituído pela Lei n.

º

34/2003, de 22 de agosto, como forma de reconhecimento e valorização do movimento associativo popular. Esta lei conferiu ainda ao movimento associativo português o estatuto de parceiro social. Mas porquê o dia 31 de maio? A data coincide com a realização do congresso que, em 1924, deu vida à Federação Distrital das Sociedades de Educação e Recreio, atual Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto (CPCCRD).

De acordo com a Conta Satélite da Economia Social (2016) publicada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), existem hoje mais de 31.700 entidades de cultura, recreio e desporto e mais

e benévolos.

Um longo caminho

Disseminadas por todo o território nacional, as

No plano institucional, 96 anos depois desse

coletividades cumprem um importante papel,

congresso histórico de 1924, muita coisa mudou

consagrado pela Constituição da República

no movimento associativo nacional. Através da

Portuguesa, de dinamização cultural e

CPCCRD, desenvolveram-se processos

desportiva, muitas vezes em substituição do

reivindicativos junto dos poderes políticos e

próprio Estado. Contudo, estas entidades são

estabeleceram-se parcerias com dezenas de

também o berço da cidadania, um elo de

entidades públicas, privadas, sociais, de

coesão territorial, guardiãs das tradições e

investigação e conhecimento. Conseguiram-se

identidades locais e promotoras de laços de

resultados muito positivos no plano legislativo,

partilha e solidariedade.

do reconhecimento institucional e das relações

de 425.000 dirigentes associativos, voluntários

internacionais. O movimento associativo popular, através desta estrutura, tem hoje assento em diversas estruturas nacionais, como o Conselho Económico e Social, o Conselho Nacional da Economia Social, o Conselho Nacional do Desporto e o Conselho Nacional de Cultura.

Contudo, ainda há um longo caminho a seguir. Assegurar verbas diretas do Orçamento do Estado para o financiamento da atividade associativa, o estatuto do dirigente voluntário e um estatuto fiscal próprio são algumas das reivindicações que exigem resiliência e determinação.

Nada que intimide os milhares de dirigentes que, diariamente, junto das suas comunidades, dão o melhor de si em prol das suas coletividades, na certeza de que sem a sua ação comunitária e voluntária o país seria certamente mais pobre e mais triste.

sócia

11 | MAIO 2020


DESTAQUE

DO PALCO PARA O HOSPITAL: "A VIDA TEM COISAS GUARDADAS PARA Nร S"

RICARDINA sรณcia

12 | MAIO 2020


RICARDINA LORIGO Começou no palco do Grupo Instrução e Recreio Quiaense, ainda antes de saber ler e escrever. O teatro é uma segunda pele, que veste amiúde, para ser feliz. A juventude rasga-se-lhe no olhar. Gosta de comunicar, de estar com os outros. E, também por isso, gosta de ser enfermeira, ainda que o momento seja de difíceis batalhas: "

tem coisas guardadas para nós ",

a vida

afirma. Na Unidade de Cuidados

Intensivos (UCI) do Hospital dos Covões, onde presta serviço, enfrenta diariamente a COVID-19. Assim no hospital como no palco: com determinação e vontade de vencer.

Quais são os lugares da tua infância?

Porquê enfermagem?

A casa da minha avó, o Grupo

teatro, do contacto com as

[Instrução e Recreio Quiaense] e

pessoas e de poder fazer algo

a escola primária.

que tivesse influência direta na

O que guardas desses lugares?

vida do outro. A enfermagem permite-me isso. No teatro aquilo

Tanta coisa… Da Escola Primária

que fazemos, seja bem ou mal, é

guardo as brincadeiras, gostava

imediatamente apreendido pelo

muito de jogar à bola, e o real

público que nos está a ver. A

valor da amizade. Muitas das

enfermagem também, pois todas

amizades desse tempo ainda hoje

as nossas ações impactam

perduram. O Grupo moldou a

diretamente no outro, neste caso

pessoa que sou hoje no que

nos doentes. Por outro lado, não

respeita a valores sociais e a

gostava de ter uma profissão

relações interpessoais. Saber do

redutora. A enfermagem alarga o

outro, que o outro é diferente,

espectro: é muito diversificada e

que tem gostos, credos, ideias

consegue acompanhar todo o

próprias, e que não deixa de ser

ciclo de vida de uma pessoa.

uma pessoa que merece ser respeitada é da escola do associativismo.

E da casa da tua avó…

"Eu só me consigo realizar enquanto profissional se me sentir realizada enquanto pessoa e o teatro dá-me essa realização."

Eu gostava muito, e isso vem do

Com o ingresso na vida profissional que lugar reservaste para o teatro? Mantém o mesmo lugar, é um

Fui lá criada, é lá que está a

lugar cativo. (Risos) Nunca

minha base e a minha essência.

abandonei o teatro, nem durante

Todas as minhas recordações

a formação, embora tivesse

desde que sou gente passam por

menos disponibilidade. Eu só me

aquela casa, assim como todas as

consigo realizar enquanto

pessoas que são importantes na

profissional se me sentir realizada

minha vida ocupavam aquele

enquanto pessoa e o teatro dá-

lugar.

me essa realização. Houve

Consideras que a vivência no associativismo foi importante no teu percurso académico?

grandes projetos em que participei já depois de ingressar na profissão.

Sim, claro que sim. O

Que projetos foram esses?

associativismo ensina-nos a

No Grupo, tivemos sempre

preocupar-nos com o outro, a dar

grandes teatros de revista.

de nós aos que nos rodeiam e a

O tempo vai passando e vamos

não ter medo de partilhar

acumulando experiências,

emoções e sentimentos. Muitas

personagens, que nos dão

vezes vivemos a reprimir as

bagagem para outros desafios.

emoções. Se o Grupo moldou a

Recentemente, destacaria a

minha pessoa, naturalmente que

opereta “Flor do Mondego” e um

influiu na minha formação.

outro projeto, que apesar de não ter sido na minha casa, no meu berço, me abriu as portas: 'O Enredo'.

sócia

13 | MAIO 2020


"'O Enredo' abriume os horizontes do teatro"

O teatro "deu-me ferramentas para ser a profissional que sou"

A participação n'O Enredo' foi uma experiência marcante? Sem dúvida. Foi um projeto da

Entretanto, tiveste algumas experiências na área da apresentação…

CIM Região de Coimbra e da

Sim, é verdade. Comecei por

social assim muito interessante.

Rede de Muralhas e Castelos do

fazer esse papel nalguns eventos

Tinha dificuldade em estabelecer

Baixo Mondego, em que tive o

do Grupo apenas por brincadeira,

contacto com os doentes. O

privilégio de representar o

de forma muita amadora.

teatro foi importantíssimo nessa

concelho da Figueira da Foz.

Rapidamente percebi que a

altura. No palco transformava-

Foram selecionados dez artistas,

apresentação me obrigava a

me, era muito mais extrovertida e

um por cada um dos municípios

vestir uma determinada pele, a

comunicativa. Percebi que o

da linha defensiva do Mondego, e

criar uma personagem própria

teatro me podia ajudar. Deu-me

a partir daí fizeram-se várias

para cada evento. Ganhei algum

as ferramentas de que precisava

residências artísticas e

reconhecimento e acabei por ser

para melhorar a minha

brainstormings que resultaram na

convidada para apresentar a

comunicação e tornar-me na

criação de um espetáculo

Gala da Dez de Agosto no Casino

profissional que sou hoje.

multidisciplinar, de grande efeito

Figueira, em 2016, ou, mais

Portanto, sou esse alguém que

visual, que envolvia teatro, canto,

recentemente, o Figueira Voz

gosta muito de comunicar e que

dança e música. Atuámos nos dez

Fest. Fiz também o Dez&10, que

usa essa qualidade para ser

concelhos sempre com lotações

me deu a oportunidade de

melhor enfermeira.

esgotadas.

explorar ainda mais a área,

O que te acrescentou enquanto atriz?

trabalhando essa vertente da criação.

problema de comunicação. Eu era muito tímida, recatada, até porque não tinha uma figura

O que levas dos palcos para o hospital? Não consigo materializar as

acrescentam qualquer coisa. Este

Preferes o teatro ou a apresentação?

foi diferente porque acabou por

Isso não funciona assim. Não se

de se relacionar com os doentes,

ser a minha primeira experiência

consegue dissociar uma coisa da

com os colegas, com os outros

profissional – se é que lhe posso

outra. A escola que se tem do

profissionais de saúde, muitas

chamar assim. Quando saímos da

teatro é precisa para a

vezes em ambientes de stress, que

zona de conforto, acabamos

apresentação. Mesmo os

potenciam os conflitos. É um

sempre por aprender. Cresci

apresentadores que não são

trabalho de equipa tal como o

enquanto atriz, quer ao nível da

atores têm obrigatoriamente de

trabalho do ator. Não podemos

representação, quer na

ter conhecimentos de

ser individualistas, temos de ter

compreensão do espetáculo

representação. O papel dos

uma grande capacidade de

teatral no seu todo. 'O Enredo'

apresentadores será porventura

envolvimento. Sinto que as

abriu-me os horizontes do teatro.

até mais difícil do que o dos

relações e o ambiente profissional

atores, porque eles têm de

ficam a ganhar com a experiência

conduzir um espetáculo sem um

dos palcos. Acaba por ser uma

guião escrito, obrigando-os a uma

competência que coloco ao

Tudo o que faço gosto de fazer o

enorme capacidade criativa e de

serviço do hospital.

melhor que posso e sei. Neste

improviso. São duas áreas

caso havia esse peso acrescido

desafiantes. Gosto tanto das duas

que era o de representar a minha

que me recuso a escolher. (Risos)

Todos os projetos nos

Como foi representar o Município da Figueira da Foz?

cidade. Foi uma grande responsabilidade, mas também um enorme orgulho.

sócia

14 | MAIO 2020

Sente-se a tua paixão pela área da comunicação. És uma enfermeira que gosta de comunicar ou uma comunicadora que é enfermeira?

coisas assim. O teatro facilita o contacto. O enfermeiro precisa

Os artistas vivem das palmas. Os enfermeiros também? Não! (Risos) É evidente que nesta fase [do surto da COVID-19] as palmas trazem motivação. Mas isso não é o mais importante. O que seria bom é que os nossos governantes olhassem para a nossa profissão de forma

(Silêncio) Diria que sou uma

diferente… que não nos batessem

comunicadora que é enfermeira,

palmas, mas que nos dessem

sem dúvida. É fácil de explicar.

efetivas condições de carreira e

No tempo da faculdade, quando

de trabalho para que pudéssemos

estava a fazer os ensinos clínicos,

fazer aquilo que temos de fazer:

diziam-me que tinha um grande

ajudar a salvar vidas.


Na linha da frente do combate à COVID-19 És enfermeira na UCI do Hospital dos Covões. Estás na linha da frente do combate à COVID-19. Como vives este desafio? Com determinação e na certeza de que vamos vencer o vírus.

É o desafio da tua vida?

Conseguem abster-se do mundo, das notícias, e concentrar-se na recuperação da doença, ou seja, esquecer a COVID e pensar que é apenas mais um doente que precisa ser recuperado? Temos de nos focar. Não nos podemos deixar envolver, nem

Não sei responder… Gosto

pela comunicação social, nem

muito de ser enfermeira. E se

pelos vídeos de outros países. É

alguma vez tive dúvidas, depois

um doente infetado, que tem

disto desvaneceram-se

défices e tem de ser tratado. Se

completamente. Acredito que este

nos deixamos levar pela dimensão

desafio estava guardado para

disto, não resulta.

mim. Surgiu na minha vida para me dizer assim: “Era isto que estava guardado para ti. Estás aqui por esta razão.”

Acreditas na predestinação? Acredito que a vida tem coisas

A COVID-19 é "provação pela qual tinha de passar para a enfermagem fazer ainda mais sentido na minha vida".

guardadas para nós. Vejo esta situação como uma provação pela qual tinha de passar para a enfermagem fazer ainda mais sentido na minha vida.

Para além do esforço físico, vem a necessidade de superação psicológica… Sim. Estou convencida de que,

Qual é a sensação de estar em contacto direto com o vírus, de saber que ele está ali mesmo à tua frente?

depois de tudo isto, muitos profissionais de saúde vão dar de si. É normal acontecer na fase da descompressão. São dias muito

A primeira vez que recebemos

desgastantes, tanto ao nível físico

um doente o aparato foi muito

como mental. No mesmo turno, és

grande. Só pensas: "Caramba!

capaz de te ir abaixo duas vezes.

Isto veio da China que é do outro

Sais exausto lá de dentro, depois

lado do mundo!" Começas a

de três ou quatro horas intensas,

pensar naqueles filmes de ficção

tomas um banho e só pensas que

que mostram este tipo de

não vais aguentar isto até ao fim,

ambientes e onde tu achas que

que é impossível aguentares.

nunca vais estar. Foi estranho,

Depois, respiras fundo, mudas de

mas depois começas a ambientar-

farda, alimentas-te e voltas a

te e passado pouco tempo já

entrar. É uma montanha russa.

tratas a doença por tu.

com uma vida normal,

Sentes que as pessoas, nomeadamente as que te estão mais próximas, se orgulham de ti?

principalmente idosos, que não

Sim, claro. Sinto que toda a gente

foram a lado nenhum de especial

está solidária comigo. Mesmo os

e que mesmo assim foram

mais próximos fazem questão de

infetados. Isso é que preocupa.

mo dizer e esse "mimo" é a

Percebemos essencialmente que isto não acontece só aos outros. Os doentes são pessoas normais,

energia de que preciso.

Ricardo Santos Fotografias de Ricardina Lorigo (pág. 12 e 15) e Diogo Jerónimo (pág. 13) Entrevista de

sócia

15 | MAIO 2020


PATRIMÓNIO

COLECTIVIDADES "CENTROS DE CONSTRUÇÃO DE SOCIEDADE" POR PÓ DE SABER

sócia

16 | MAIO 2020


Veloso Salgado, 1920, Cortes Constituintes de 1821. Assembleia da República. Manuel Fernandes Tomás discursando.

AS COLECTIVIDADES Fará parte do folclore do concelho da Figueira da

procurador à Junta Geral do Distrito, Provedor da

Foz a ideia de que, por aqui – como em poucos

Santa Casa da Misericórdia (1859-1861) e

lugares – se multiplicam as associações, “de tudo e

importante benemérito da construção da sede da

para tudo”. Nada mais verdadeiro!

Sociedade de Instrução Tavaredense ]

preconizava a necessidade de uma instituição que Há-as fundadas de raiz, as refundadas, as nascidas

tivesse por finalidade “a beneficência, ensinar as

de dissidências; as de classe, mutualistas,

pessoas a ler, ensinar música e proteger os

recreativas, instrutivas, as secretas… Assim

pobres”. Como interpretar, pois, que uma

categorizadas numa perspectiva funcional, são

sociedade filarmónica se apresentasse com tão

insuspeitas as complexidades do tempo e do

ousados e diversificados objectivos?

contexto em que cada uma emerge, traindo vocações e desígnios que mais as enobrecem.

Na realidade, o voluntarismo para a fundação de

associações decorria de uma evolução legislativa

O advento da República, em Outubro de 1910, é um

ambiciosa da Constituição de 1838(*) que

marco assinalável da democratização da educação

positivava as liberdades de reunião e de

para a cidadania através da literacia, que os seus

associação.

fundadores abraçaram como causa charneira da sua missão regeneradora face à Monarquia e aos

“A lei não existe; a lei estamos nós a fazer”,

atavismos da religião. Na Figueira, antes e depois

afirmou Manuel Fernandes Tomás nas Cortes Gerais

de 5 de Outubro, são, pois, inúmeros os exemplos

de 19 de Maio de 1837.

das instituições fundadas por partidários republicanos com o objectivo de alavancar a alfabetização dos mais desprotegidos, num tempo em que o analfabetismo rondaria os 75%.

Assim a

Associação de Instrução Popular ,

com

estatutos de 20 de Agosto de 1902, fundada por simpatizantes da causa – Dr. Joaquim da Silva Cortesão e os negociantes Henrique Raimundo de Barros, Joaquim Maria do Amaral, Adriano Dias Barata Salgueiro e Augusto Dias.

De acordo com

os seus estatutos, tinha por missão promover a “propaganda da instrução popular e a educação liberal e cívica” e “o desenvolvimento e progresso moral e intelectual das classes trabalhadoras do concelho da Figueira”, através do ensino gratuito para homens e mulheres – sem necessidade de autorização marital, como refere Rui Cascão (Monografia da Freguesia de São Julião, JFSJ,

Sociedade Filarmónica Figueirense, em 1881.

2009). (*) Constituição de 1838 (Diário do Governo, de 24 de Abril de

Mas logo a 5 de Julho de 1842 nasce a associação recreativa

Sociedade Filarmónica Figueirense .

1838, n.° 98), Artigo 14

º

— Todos os cidadãos têm o direito de se

associar na conformidade das Leis.

§

1.

º

— São permitidas, sem

dependência de autorização prévia, as reuniões feitas

§

º

Ainda longe dos anos dourados da educação

tranquilamente e sem armas.

democratizada, já João José da Costa [n. 1818 – f.

em lugar descoberto, os cidadãos darão previamente parte à

29/03/1893, Director e Presidente da ACIFF, sócio

autoridade competente.

fundador da

Assembleia Figueirense ,

Presidente

da Câmara Municipal da Figueira (1862-1865),

§

3.

º

2.

— Quando, porém, se reunirem

— A força armada não poderá ser

empregada para dissolver qualquer reunião, sem preceder intimação da autoridade competente.

§

4.

º

— Uma Lei especial

regulará, em quanto ao mais, o exercício deste direito.

sócia

17 | MAIO 2020


Dando-se, de facto, tais liberdades no país, elas não estavam regulamentadas, notando-se a necessidade de criar modelos de organização da convivialidade que protegessem o Estado da sedição mas que defendessem simultaneamente os interesses políticos, económicos e sociais, transversalmente por todas as classes.

Mais, uma nova consciência e valorização do exercício da participação cívica que então se afirmavam na esteira das revoluções Industrial e Francesa vão permitir a fundação de espaços de acção colectiva que, a partir da dissolução em Portugal das grandes corporações mesteirais na sequência da revolução liberal, irão actuar como uma terceira esfera – entre o Estado e o Mercado – para a conquista de direitos, habilitando os seus associados à negociação, mas igualmente à cooperação e à aprendizagem de sociabilidades outras.

Assim se justifica que a

Alhadense

Sociedade Boa União

tivesse nascido como “Sociedade

Montepio Phylarmónico União Alhadense” (1854); que a

Sociedade Filarmónica Paionense

(1858)

anunciasse como sua finalidade social “a instrução e recreio” dos sócios e o auxílio no custeamento de despesas com medicamentos; que o Grémio Carvalhense (1883), berço da

Musical Carvalhense

Sociedade Artística

(1887), tivesse organizado

uma escola de ensino elementar masculina ou que

Sociedade Musical Recreativa Instrutiva e Beneficente Santanense (1894) dinamizasse aulas a

de educação primária para as crianças da freguesia, e que quase todas mantivessem uma biblioteca geral funcionando em paralelo e complementarmente à divulgação e ensino da música entre os sócios e entre os públicos.

As sociedades recreativas, como as citadas bem demonstram, são um refinado produto do seu tempo e herdeiras dos valores caros ao constitucionalismo e ao liberalismo. Desenvolvendo-se junto das camadas populares pari passu com os clubes de cavalheiros, as associações de classe e as agremiações patronais, foram e são centros de construção de novos projectos de sociedade, tornando espúria qualquer tentativa de as reduzir a inócuos centros de convívio e recreio.

Texto de

sócia

Frederica Jordão

Pó de Saber - Cultura e Património, maio 2020 18 | MAIO 2020



VALOR E MÉRITO

JOSÉ MARIA MONTEIRO NOSSA

A TOCAR DESDE 1955 Nasceu em Alhadas, freguesia rural da Figueira

José Nossa integrou orquestras de teatro (nas

da Foz, a 4 de dezembro de 1937. Iniciou a

famosas operetas), o Rancho 1

aprendizagem musical com 14 anos de idade na

Marchas de S. João, o Grupo de Metais e a

Sociedade Boa União Alhadense (SBUA), tendo

Orquestra Ligeira. Foi dirigente durante largos

tido como professor Joaquim da Silva Pessoa,

anos, tendo ocupado diversos cargos nos

contramestre da Filarmónica. Em 1955, estreou-

Órgãos Sociais da coletividade. Pessoa de bom

se na banda daquela Sociedade, como

trato, conseguiu sempre manter um bom

executante de cornetim, instrumento que tocou

relacionamento com dirigentes e músicos.

até aos 22 anos. A partir dessa idade, e dada a

Ganhou a simpatia e a admiração dos

falta de executantes de contrabaixo, passou a

alhadenses, sendo hoje um referencial de

integrar esse naipe, numa relação que durou até

dedicação, tomado por todos aqueles que com

1989. Seguiu-se a tuba durante 30 anos e, mais

ele trabalham na SBUA como um exemplo vivo

recentemente, o regresso ao contrabaixo. Para

de valor e mérito associativo. O segredo para

além da Filarmónica, ao longo destes 65 anos

65 anos de serviço ininterruptos? O sentido de

de intensa atividade musical e associativa,

missão, a música e o amor à Boa União.

sócio sócia

02 | MAIO 2020 20

º

de Maio, as


aierroC ariereP/seraoS saiD

ropaV od ahcraM

A bordo ninguém se teme, Ninguém aqui se receia, O homem que vae ao leme Ouç'ó canto da sereia.

Sereias da marinhagem Emmudeceram aquellas Soltando à branda aragem A sua canção mais bella.

Se nos acharmos em guerra A nossa infantaria Atira beijos p'ra terra - Um primor de pontaria!

Lindos olhos do meu par Vão fazer um servição, Rutilando sobre o mar Em tempo de cerração.

(Refrão)

Oh! Noites d'amor Que as almas seduz Envolve o "Vapor" Em ondas de luz

É cantar sem medo Ó minha beldade, O mar é de rosas, Viv'á mocidade.

Fotografia de

António Ramos Silva

sócia

21 | MAIO 2020


DOSSIER

CONT ROVE RSOS Há coletividades a mais na Figueira da Foz? As sessões solenes ainda fazem sentido? E as

coletividades que só fazem almoços dignificam o associativismo? Convidámos um engenheiro, uma psicóloga e um jornalista, com ligações díspares ao movimento associativo, para nos dizerem de sua justiça. E, claro, perguntas controversas puxam respostas (ainda mais) controversas.

sócia

22 | MAIO 2020


AS SESSÕES SOLENES AINDA FAZEM SENTIDO?

HOMENAGEAR REFORMULAR J O S É

D U A R T E

O L G A

B R Á S

INOVEM! J O S É

L U Í S

S O U S A

As sessões solenes comemorativas

Todas as coletividades querem ter

Até há bem pouco tempo, a

dos aniversários, obviamente,

o seu momento de glória. O seu

obrigatória sessão solene de

fazem todo o sentido. A nossa

Ponto de Honra. Qual a melhor

aniversário era quase uma

presença será sempre um preito

data? A comemoração do

finalidade em si mesma!

de homenagem àqueles

aniversário. Agora, as sessões

Convidava-se umas quantas

benévolos, homens e mulheres,

solenes são a melhor forma de o

personalidades, sendo o

que, em prol da sua coletividade

fazer? Não. Não da forma como

presidente da Câmara

e da sua comunidade, tudo

são feitas. Num mundo moderno,

naturalmente omnipresente e

sacrificam, pese embora, muitas

onde impera a tecnologia e os

desenrolava-se um rol de feitos

vezes, não terem o merecido

dias são passados a correr, onde

ao longo do ano, acompanhados

reconhecimento.

todos os pequenos momentos são

por queixumes e pedidos de

Felizmente, temos no nosso

poucos para nos dedicarmos ao

apoio. E, na altura, não havia

concelho um associativismo de

que mais gostamos, fazer sessões

‘meros’ vereadores a representar

grande qualidade e quantidade, o

solenes ao estilo de quatro, cinco,

o município pois que o ato pedia

que, paradoxalmente e por si só,

seis ou até sete décadas atrás

a presença de Deus e não de um

é gerador de constrangimentos,

não faz sentido nenhum; em que

anjo coadjuvante! O presidente

ao não conciliar a presença de

de discurso em discurso muitas

do município lá discursava e,

todos aqueles que, por inerência

vezes repetitivo, com recados e

invariavelmente, entregava o

de função ou de preito de

trocadilhos políticos, é algo que

cheque do apoio (até me lembro

homenagem, ali gostariam de

já deveria ter sido reformulado.

de ver quem o exibisse para a

estar. Este constrangimento de

É uma cerimónia muito pouco

plateia em quase êxtase). Nos

simultaneidade das sessões

apelativa. Tantos os menos jovens

dias de hoje, se o cheque foi

solenes, é um facto, algumas

como os mais jovens já não se

substituído por resoluções

vezes, muitas vezes, impede que a

identificam com este tipo de

administrativas de apoios

imprensa, os autarcas e outros

efemérides.

variados, a solenidade do ato

convidados reiterem nesse dia o

As direções passam e aceitam

mantém-se: invariavelmente, com

seu preito de homenagem ao

passivamente a forma como estas

uma mesa corrida em que todos

associativismo. Compreendo o

sessões são realizadas, mas é

os convidados se acotovelam! Os

constrangimento, mas enquanto

hora de haver um debate interno

autarcas, esses, a não ser que

autarca e elemento executivo do

dentro das estruturas associativas

algo os ligue à coletividade (como

associativismo, prefiro do mal o

a fim de repensar um modelo mais

memórias de tempos por lá

menos, que é este

atrativo, dinâmico e integrativo. É

passados ou uma efetiva

constrangimento pela ausência da

normal irmos a estas sessões e

intervenção social da instituição,

imprensa e dos autarcas, ao

encontrarmos mais pessoas no

o que é sempre popular), vão, mas

desgosto e à dor do associado,

painel de entidades formais que

estão-se nas tintas para as

do amigo ou do colaborador da

na plateia. Se em vez desta

sessões solenes, já que as veem

sociedade, por naquele dia e

cerimónia substituíssemos por um

como um soporífero de dose

naquele lugar (na sua associação)

breve discurso de um elemento da

cavalar! Deixem lá os discursos,

não poder recordar com emoção

estrutura seguido de uma mostra

que ninguém quer saber de

o pai, a mãe, demais familiares e

das atividades desenvolvidas ao

discursos de ocasião. Sejam

amigos já falecidos, por em tão

longo do ano e com um pequeno

criativos, inovem. Façam algo

boa hora terem fundado a sua

apontamento cultural, será que a

pelos vossos, transformem um

coletividade.

adesão e o interesse não seriam

discurso numa ação de conforto,

consideravelmente superiores?

de alegria e de boa disposição.

Engenheiro

Psicóloga

Jornalista

Pres. Assembleia Municipal Fig. Foz

Pres. Assembleia Geral ACCFF

Agência Lusa

sócia

23 | MAIO 2020


EXISTEM COLETIVIDADES A MAIS NA FIGUEIRA DA FOZ?

FUSÃO O L G A

B R Á S

Não existem coletividades a mais, nem existem coletividades a menos. Há as coletividades que os fundadores e que os sócios entenderam que houvesse. Outros tempos. Hoje, em pleno século XXI, as coletividades vão por si fechando, pois já existem coletividades de portas fechadas

PRESERVAR

COOPERAÇÃO

por falta de elenco diretivo, e esta é uma área muito pouco atrativa para os

J O S É

D U A R T E

J O S É

L U Í S

S O U S A

jovens; os jovens hoje têm outras aspirações e outros objetivos e não se reveem neste tipo de estruturas. Porquanto não é difícil encontrar-se

Antes de responder aos temas que

A questão não se devia, sequer,

coletividades no nosso concelho cujas

me propuseram, se calhar fará

colocar assim. Não há

direções se perpetuam à frente das

todo o sentido expressar uma

coletividades a mais, como não há

declaração de interesses, isto é,

a menos. O direito de associação

dizer que o associativismo foi, é e

- felizmente - é livre e cada um

nível nacional, tem falta de cultura

continua a ser entendido por mim

que tiver um sonho e um objetivo

associativa, os próprios sócios das mais

como uma escola de vida coletiva,

de caráter social, cultural ou

diversas coletividades têm falta de brio e

de compreensão, de cooperação,

desportivo, pode e deve, a cada

de solidariedade, de amizade e

momento, associar-se a outros

de humanismo. No associativismo,

como ele e criar uma qualquer

Se na década de 70 do século XX, houve

aprendemos a respeitar as

nova entidade na sua

o emergir de muitas coletividades no

diferenças, partilhamos a

comunidade. Coisa bastante

nosso concelho para dar respostas onde

cidadania e fazemos da

diferente é a ideia peregrina (e

coletividade um espaço de cultura

estapafúrdia) que anda por aí da

e de vivência democrática.

redução do número de

Instrução.

Quando afirmo que

coletividades por decreto,

As coletividades para sobreviverem têm

Reconhecimento é a expressão do

apontando as fusões como o

de ter a capacidade de se reinventar em

meu olhar, ao passar junto a uma

caminho a trilhar. Dito isto,

coletividade, expresso-o

qualquer decisão de eventual

sentidamente, é uma verdade

fusão deve resultar da vontade

reinventar-se vai ser o grande desafio da

insofismável e por isso não

declarada dos sócios e não de

próxima década, só quem tiver a

considero que o concelho da

pressões exteriores ou de

capacidade de se reinventar no tempo e

Figueira da Foz tenha

objetivos a curto prazo. Mais do

coletividades a mais. No

que fusões, onde tenho a certeza

concelho, existem aquelas

de que o movimento associativo

que a sua coletividade se mantenha de

coletividades que, ao tempo da

ficaria a ganhar é na real

portas abertas, quem o não conseguir,

sua fundação, as comunidades

cooperação com outras

não tenha quaisquer dúvidas que o

deste concelho entenderam que

associações e coletividades - seja

eram as necessárias. Compete-

da sua área territorial seja de

nos a nós, gerações vindouras,

outras -, buscando objetivos

de tempo.

respeitar a vontade dos

comuns, porque está provado que

Vai ser a lei do mais forte, do mais

fundadores, garantindo a

os proveitos aumentam quando se

capacitado que vai ditar a sobrevivência.

preservação do nome da

ganha escala. Há anos que dou

comunidade onde se inserem,

exemplos da necessária

perpetuando e potenciando os

‘pacificação’ entre entidades que

seus usos, costumes e tradições.

passaram o século XX em

coletividades que dirigem por vários anos consecutivos. A nossa sociedade figueirense, e quiçá a

contribuem muito pouco para o bom desempenho das coletividades, das quais são sócios.

o Estado falhava, hoje o Estado já vai dando essas mesmas respostas, nomeadamente no que concerne à

áreas como a cultura e muito eficazmente na parte social, onde o Estado falha de forma sistemática. E o

no espaço, de conseguir trabalhar em rede, de preconizar projetos e candidatar-se aos mesmos irá conseguir

tempo as levará ao encerramento. Já nem sequer é uma questão se vão encerrar ou não, é mesmo uma questão

A grande solução para esta situação será a capacidade de as coletividades dentro duma mesma freguesia se fundirem. Poupam recursos humanos, recursos económicos e esta fusão visa

‘guerrilhas’ sem jeito nenhum

também a união de todos os atores

(como se a história de andarem

dessa mesma freguesia. Já não é tempo

constantemente ‘à batatada’

de rivalidades clubísticas, grupistas, seja

fosse tradição para se orgulharem

do que for. O tempo agora é um novo tempo. De União, Solidariedade e

e necessária de manter),

Inclusão. Ponamque divisionem unum

destacando o que os diferencia

sumus.

ao invés de assinalarem o que os aproxima!

Psicóloga

Engenheiro

Jornalista

Pres. Assembleia Geral ACCFF

Pres. Assembleia Municipal Fig. Foz

Agência Lusa

sócia

24 | MAIO 2020


AS COLETIVIDADES QUE APENAS FAZEM ALMOÇOS DIGNIFICAM O ASSOCIATIVISMO?

RESPEITAR J O S É

D U A R T E

NÃO, MAS... O L G A

B R Á S

NÃO! J O S É

L U Í S

S O U S A

Quantos às coletividades que

Penso que não existe

A resposta a esta é mais ou

apenas fazem almoços, para mim

necessariamente um tipo de

menos óbvia. Desconhecia a

continuam a dignificar o

atividade ou um conjunto de

existência de coletividades “que

associativismo e o amor ao

interesses que dignifique o

apenas fazem almoços” - imagino

próximo que é o outro, desde logo

associativismo. As associações

que noutros tempos seriam

porque não são de memória curta,

têm de servir os associados e

aquelas que viram os apoios

preservando a coletividade muitas

restantes usuários da forma que

cortados por apenas servirem

vezes a expensas suas, mantendo-

estes as idealizaram e

‘para jogos de sueca e copos de

a operacional, respeitando a

respeitando os valores basilares

tinto’ - mas, se o tema exige uma

vontade, o valor e o mérito dos

da génese das mesmas, bem

pergunta, é porque alguma coisa

seus fundadores, até ao dia em

como a sua história. Respondendo

não está bem! Com a exceção de

que de novo apareçam, na

a esta questão segundo os meus

poder existir, eventualmente, uma

comunidade, pessoas que possam

valores e interesses dentro do

qualquer Associação dos Amigos

fazer mais e melhor. Não sou

associativismo, não me

dos Almoços de Domingo, que

político, mas apetece-me citar os

identificaria com uma associação

tenha a realização daquelas

políticos quando dizem que a

que fizesse dos almoços a sua

refeições como objeto social. Não

política é a arte do possível e que

atividade “gold standard”. No

sendo assim, obviamente que é

quem faz o que pode faz o que

entanto, os almoços são

uma atividade pobrezinha e que

deve. De algum modo, no

atividades que trazem um retorno

em nada dignifica o

parágrafo anterior, já estaria

financeiro interessante e são,

associativismo!

justificado este tema.

acima de tudo, um momento de

A tolerância que nos é devida

união dos associados. Se aliarmos

aconselha-nos a respeitar todas

este tipo de atividades a uma

as opiniões, contrárias ou não

agenda gastronómica regional ou

coincidentes, na totalidade ou em

a outro tipo de atividades, sejam

parte.

elas do âmbito cultural,

Jornalista Agência Lusa

desportivo ou solidário, podem dignificar e muito o associativismo.

Engenheiro

Psicóloga

Pres. Assembleia Municipal Fig. Foz

Pres. Assembleia Geral ACCFF

sócia

25 | MAIO 2020


CULTURAS

RUI FÉTEIRA

O POETA ACIDENTALMENTE ATOR


RUI FÉTEIRA Professor de filosofia, cofundador e dirigente do Pateo das Galinhas - Grupo Experimental de Teatro da Figueira da Foz, ator acidental, mas, acima de tudo, poeta. É através da poesia, "

a mãe da literatura ",

que

descobre as coisas do mundo. Essa procura de conhecimento, que partilha com a filosofia e com o teatro, resultou na publicação de cinco livros de poesia, um deles,'O Rumor das Máquinas', vencedor do Prémio Literário Aldónio Gomes. Embora nomeado na categoria de "Melhor Interpretação Secundária Masculina", no Concurso Nacional de Teatro, em 2018, pelo seu desempenho na peça "Maria, Senhora de Mim", afirma que o palco não é o seu "quintal". Talvez a "

dimensão teatral "

da poesia, "

feita para ser dita em voz alta ",

justifique a feliz relação entre o poeta e o (ainda que acidental) ator.

"A poesia é uma procura de conhecimento. Como a ciência e a filosofia procuram conhecimento, a poesia também." "Não é a poesia no sentido narcisista que me interessa. O centro da minha poesia não sou eu." "A poesia, o teatro e outras artes assentam sobre a mesma ideia: uma procura através de linguagens diferentes."

És um ator que gosta de poesia ou um poeta que gosta de teatro? Um poeta que gosta de teatro. A poesia surgiu primeiro.

Quando é que a descobriste? No início da adolescência, por volta dos 12 anos. Como era pequenito e tímido, serviu-me para me aproximar das raparigas. Mandava-lhes poemas.

E a estratégia dava resultados? Sim, algumas vezes. (Risos) Depois

Quais são os ingredientes dessa procura? É uma procura acerca de tudo. Não propriamente acerca de mim. A poesia que se centra nos problemas da pessoa que escreve pode ser interessante, mas eu acho que é mais do que isso. Não é uma procura interior. Há uma dimensão interior, obviamente, porque o sujeito poético procura qualquer coisa. Mas não é a poesia no sentido narcisista que me interessa. O centro da minha poesia não sou eu.

essa fase passou, mas o interesse pela poesia manteve-se.

O que te inspira? As mulheres? Começou por ser, sim, mas agora não. Nem sei dizer exatamente o que me inspira. Praticamente é tudo. São uma espécie de flashes que acontecem. Preciso de uma ideia, de qualquer coisa que surja, de uma frase, de um verso, dois versos, é a partir daí que começo a trabalhar. Concordo neste sentido com aquele princípio de que a poesia é noventa por cento

Concordas com Fernando Pessoa quando dizia que “o poeta é um fingidor”? Concordo, embora entenda que é mais do que isso. É um fingidor porque finge completamente que é dor a dor que deveras sente. É uma dor sentida, que se sente efetivamente. O fingimento – não sei se Fernando Pessoa o entendia assim – é o trabalho poético. O teatro também é um fingimento. É um trabalho sobre a própria

de trabalho e dez por centro de

realidade numa outra linguagem.

inspiração. Os dez por cento

A dor que deveras sente é aquilo

resumem a parte inicial, depois

que de facto sentimos. Não uma

vem o trabalho sobre essa brecha

dor no sentido restrito do termo,

que se abriu algures, a propósito

mas a dor da alegria, a dor do

de qualquer coisa. É uma procura

amor, ou seja, a dor num sentido

de conhecimento. Como a ciência

mais amplo. A poesia, o teatro e

e a filosofia procuram conhecimento, a poesia também.

outras artes assentam sobre a mesma ideia: uma procura através

Não no sentido de o transmitir aos

de linguagens diferentes. Na

outros, mas no conhecimento que

poesia através da linguagem

eu próprio descubro. Quando acabo um poema, descubro coisas que, provavelmente, não seria

poética, no teatro através da linguagem teatral, na pintura através da tinta, das telas, etc.

capaz de descobrir de outra maneira. Em resumo, diria que é uma procura de conhecimento de mim próprio acerca das coisas.

sócia

27 | MAIO 2020


Rui Miguel Fragas: o pseudónimo que começou numa brincadeira

"A boa poesia dá cabo de mim"

Assinas os teus livros com o pseudónimo Rui Miguel Fragas. Porquê este nome?

A poesia é o parente pobre da literatura?

Começou por ser uma

considerada como a matriz da

O Rui Miguel Fragas é mais rural como ‘O Nome das Árvores’ ou mais industrial como ‘O Rumor das Máquinas’?

brincadeira. Foi uma forma que

literatura, logo nessa perspetiva

É tudo. Por exemplo, no livro de

arranjei para publicar poemas no

não é o parente pobre, é a mãe

contos é tudo muito rural, passa-

Facebook sem as pessoas

da literatura. É uma ideia

se tudo numa aldeia, em meados

saberem que eram meus.

amplamente aceite que a poesia

do século XX, e essa parte

nasceu até antes de os seres

interessa-me, mas o lado

humanos saberem escrever, em

industrial também me interessa. O

termos orais. A poesia, assim,

último livro [‘Sobre o Prumo das

Não era resguardar. Foi uma

nasceu primeiro que a literatura.

Falésias’] já não é uma coisa, nem

estratégia, ainda anterior à

Podemos afirmar que é um

outra, já é uma visão mais

publicação do meu primeiro livro,

parente pobre, sim, no que

cósmica. O próximo livro iria sair

que encontrei para saber a

respeita à edição e divulgação.

em junho, mas já não deve sair

Tinhas essa necessidade de te resguardar perante a tua obra?

reação dos leitores.

Normalmente, a poesia é

[devido à pandemia da COVID-

Não confiavas nos poemas que escrevias?

Mas concordas que há um distanciamento da sociedade em relação à poesia…

Nunca confio completamente.

Sim, claro. A poesia interessa a

transformação da palavra na voz

Mesmo em tudo o que publiquei

um círculo restrito de pessoas. Um

e coisas assim.

guardo sempre alguma

romance tem uma plateia muito

desconfiança.

mais ampla. Um romance médio

Voltando ao pseudónimo... Depois dessa brincadeira inicial, quando publiquei o primeiro livro,

pode vender milhares de exemplares, um livro de poesia venderá centenas…

19]. Está ligado a outras matérias. É um livro que aborda a temática do ator e do teatro, da

És professor do ensino secundário, dirigente do Pateo, produtor de peças de teatro, o que adivinha uma agenda sobrecarregada. A poesia também tem horários?

Fragas seria mais interessante

O que é para ti um bom livro de poesia?

que Rui Féteira e ficou. O Rui sou

Não sei explicar. Eu sei quando

essas tarefas todas. Aquilo que

eu, o Miguel é a aldeia onde eu

leio. Não tenho uma definição

disse inicialmente, descobrir uma

nasci [São Miguel, Vila Nova de

teórica. A boa poesia é uma

ideia, uma luz, isso não tem

Poiares] e o Fragas o lugar dessa

poesia que dá cabo de mim, que

horário, o trabalho sobre isso é

aldeia onde eu cresci que se

entra e que toca e que me faz

que é, sobretudo, à noite.

chama Fraga.

vacilar. É uma poesia que

a editora achou que Rui Miguel

Tem. É à noite, depois de fazer

questiona. E que é bela. Reúne a

O poeta não dorme?

procura do conhecimento com a

O problema do poeta é que ele

arte. Tem beleza, tem música. É

dorme. É normalmente quando

aquela poesia que se sente

estou a adormecer que surgem

quando se lê e que não deixa de

ideias interessantes, mas estou

se sentir mesmo depois do poema

tão cansado para me levantar que

acabar.

não vou registar a ideia, achando que no dia a seguir ainda me lembro. Obviamente, quando acordo, não me lembro de nada.

A criação exige solidão? Quando me dedico ao trabalho poético, sim. Tenho sorte porque tenho as condições ideias para isso. Habitualmente tenho uma casa só para mim, o que é ótimo.

Escreves em silêncio ou com música? Em silêncio. Com música é raro. Sou um privilegiado: moro ao lado do mar, escrevo com o mar.

sócia

28 | MAIO 2020


"A poesia é feita para ser dita em voz alta e para ser ouvida. Há uma dimensão teatral muito própria na poesia."

A dolorosa experiência dos palcos: "não me considero ator amador" Como chegas ao teatro?

amador. Nos projetos teatrais

Cheguei quase por acidente.

tento estar mais na parte da

Consideras que o teatro gosta de poesia?

Sempre gostei de teatro, como

produção. Entrei em cinco ou seis

Gosta, claro. Aliás, o teatro é

gosto de pintura ou de escultura.

peças do Pateo e uma ou outra

poesia também. Apenas utiliza

Se não estivesse no teatro,

fora, mas são participações

ferramentas que a poesia não

poderia estar em qualquer outra

pontuais. Não é uma área que me

pode utilizar, como a encenação,

dessas áreas. Acidentalmente e

interesse particularmente.

o corpo, as luzes, o som, etc. O

por causa de duas pessoas – tu

Pontualmente gosto de fazer a

teatro pode também pegar em

[Ricardo Santos] e a Donzília

experiência, embora seja dolorosa

textos poéticos e levá-los para o

[Freire] – cheguei ao teatro. A

pelo stress que me provoca.

palco. O Pateo já o fez uma vez,

Donzília convidou-me para fazer

Tento, acima de tudo, divertir-me.

com textos de Fernando Pessoa e

um clube de teatro na escola

Almada Negreiros, na peça 'O

depois, com ela e contigo nasceu

O que levas da poesia para o palco?

o Pateo [das Galinhas] e o meu

Levo tudo aquilo que faço na

Aliás, trabalhar textos poéticos

interesse pelo teatro, no sentido

poesia: dar o meu melhor. Na

teatralmente é um projeto que

de estar lá dentro e não apenas

poesia, no teatro, seja onde for,

gostaria que o Pateo pudesse

como espetador.

não gosto de brincar. Não gosto

concretizar. Por outro lado, a

de estar só para fazer número. É

poesia gosta de teatro. A poesia

ao dar o melhor que me divirto e

é feita para ser dita em voz alta e

tiro algum prazer em estar lá [no

para ser ouvida. Há uma dimensão

palco]. É também a única forma

teatral muito própria na poesia

[Secundária de Cantanhede] e,

Estás a falar no campo da produção. No entanto, depois experimentas o palco também… Sim, mas foram participações

de reduzir o stress que a situação

pontuais. Não me considero ator

me provoca, porque sei que não é

Mistério do Mundo é do Tamanho Disto'. Gostaria que se repetisse.

.

propriamente o meu quintal.

Ricardo Santos Fotografias de Filomena Praça (pág .26), Nuno Caetano (pág. 27) e Carlos Gomes (pág. 29) Entrevista de

sócia

29 | MAIO 2020


SOPHIA

EDUCAR PELA DANร A

sรณcia

30 | MAIO 2020


SOPHIA GIL Leptossómica, com ar de menina rebelde, Sophia Gil, 38 anos, educadora social de formação, ocupa grande parte do seu tempo livre a alinhar movimentos com o ritmo da música. “

Gosto de criar ”,

confessa a

responsável e coreógrafa do grupo de dança

emociono-me com o que faço, com o que vejo os meus alunos fazerem ”. Mais essência do que matéria, o ‘Vaisah Dançar’: “

discurso, exposto sobre um sorriso largo e contagiante, faz lembrar Fernando Pessoa:

« viver

não é necessário, necessário é criar

».

Sophia, que nunca se imaginou bailarina profissional e que em criança queria mesmo era ser astronauta, reinventa-se em cada nova coreografia. Leva para o palco o mundo que a rodeia e desse exercício de criação livre retira um prazer maior, diferente daquele que sente quando ela própria se entrega à dança.

O gosto pela dança já vem desde pequenina ”. Uma paixão “ escondida ” redescoberta quando, no final da Mas, afinal, como tudo começou? “

licenciatura, foi dar aulas de atividade física na “

extinta e saudosa EB1 dos Vais ”,

na Freguesia

boas pessoas, sempre simpáticas, atenciosas, divertidas, cúmplices ”, merece-lhe um carinho de Buarcos. Aquela comunidade, feita de “

especial ou não residisse nela a génese de um tempo novo na sua vida. Após a apresentação de um número de dança com os alunos numa

davam-me a chave da coletividade dos Vais [Sociedade União e Operária dos Vais] para que todos os sábados pudesse dar aulas de dança ”. Os festa da escola, chega o desafio: “

pais acreditavam que o passatempo seria

em vez de ficarem agarrados ao telemóvel, juntavam-se para dançar, conversar, brincar, trocar ideias, fazer os seus próprios espetáculos ”, numa benéfico para os filhos: “

relação simbiótica entre sociabilização e

Comecei com vinte miúdos e, entretanto, começaram a aparecer muitos mais ”. Estava dado o pontapé de saída para criatividade. “

colocar os Vais a dançar. Em linguagem artística: ‘Vaisah Dançar'.

Todavia, a exigente Sophia viu naquela oportunidade um trabalho para levar a sério. Inscreveu-se numa academia de dança [a Figueira Stage School], onde apreendeu conhecimentos e desenvolveu competências técnicas. Explorou quase todos os géneros, menos o teatro musical, e não deixa de sublinhar a relação difícil com o ballet:

frequentei três meses e desisti. Tive necessidade de perceber a base, mas aquilo já não era para a minha idade [tinha 29 anos] e estrutura óssea ”. Focou-se nas outras “

disciplinas e certificou-se em Hip Hop, Sapateado e Contemporâneo. Agora já podia "

dar mais e melhor "

aos seus alunos.

muitos não tinham condições monetárias para estar numa academia a aprender e a ter formação nas várias áreas ”. Na realidade, “

A consciência social sempre a acompanhou e,

não são as ditas aulas normais, não são aulas técnicas ”. Sophia faz questão de levar a sua talvez por isso, as aulas do ‘Vaisah Dançar’ “

"Levo para as aulas [do 'Vaisah Dançar'] todo o tipo de assuntos. Há sempre uma mensagem que fica."

área de formação – a educação social – para a

levo todo o tipo de assuntos para a aula e esmiúço, exploro ”, acicatando o espírito crítico. E resulta? “ Há sempre uma mensagem que fica ”, diz com a determinação dança: “

de quem tem uma missão a cumprir.

sócio

02 | MAIO 2020

sócia

31 | MAIO 2020


Dez anos a dançar o espírito de união, a arte e o associativismo ”, até porque, sublinha, “ se não fosse a dança, muitos dos elementos do grupo não tinham qualquer contacto com o meio associativo ”. A coreógrafa não isenta de culpas as próprias coletividades: “ muitas não têm o poder da divulgação ”, fazendo com Nas aulas, privilegia “

que os jovens se mantenham afastados e alheados das atividades que nelas se realizam.

As aulas no ‘Vaisah Dançar’ são pagas, porque o

grupo de dança não é um hobbie, mas um trabalho que complementa a [sua] atividade como professora de expressões artísticas " e, claro, como " qualquer trabalho deve ser remunerado ". Mas as verbas também são precisas “ para pagar os adereços e vestuário do grupo, assim como o seguro desportivo e outras coisas ”, ainda que os pais suportem sempre a " despesa maior ". Por outro lado, "

também é uma forma de ajudar a coletividade,

"Sinto que o ‘Vaisah Dançar’ é o meu projeto de educação social." “Há dez anos, os miúdos davam tudo para sair de casa, para estar com os amigos numa atividade. Hoje, alguns deles vão aos ensaios mais pelos pais do que por eles ”. As redes sociais também não ajudam: “ a dança tem de ser a dos vídeos do YouTube ou imitar o Tik Tok, porque está na moda ”. “ Mas nem tudo é mau ”, faz questão de sublinhar, afastando o desalento. “ Tenho três alunas que permanecem comigo desde a raiz, a Inês Moreira, a Isabel Ferraz e a Matilde Teixeira ”. Nomes que se juntam a cadenciado e alegre.

tantos outros que fazem a história do ‘Vaisah

tenho muito orgulho nos alunos e no trabalho que eles realizam comigo. São super talentosos ". Dançar’ e envaidecem a mentora Sophia: "

que fica com uma parte da receita. Dez anos depois, a responsável quer continuar a

vivacidade ”

Depois da fundação na SUO Vais, a que se

fruir da “

seguiu um longo período no Grupo Caras

proporciona. Até quando? “

que a dança lhe

instalações do Grupo Instrução e Sport (GIS),

Até ter alunos interessados, motivados e com vontade de seguir e continuar com o sonho ”. Depois,

também em Buarcos. Conta atualmente com 35

impõe-se a si própria uma pausa, a fazer

elementos, entre os seis e os vinte e dois anos,

lembrar que o silêncio também é música. Um

mas já foram mais de sessenta. “

silêncio que também se dança, este talvez

Direitas, o grupo utiliza desde fevereiro as

Os miúdos crescem ”, desabafa, “ as ambições e as prioridades acabam por ser outras. Apegome demasiado e acabo por sentir uma espécie de abandono ". Um misto de nostalgia e desânimo ensombra o discurso, habitualmente

Ricardo Santos Fotografias de Catarina Campos (pág. 30) e de Sophia Gil (pág. 31 e 32) Texto de

apenas com o coração, numa coreografia que

Sinto que o ‘Vaisah Dançar’ é o meu projeto de educação social ”, remata. faz questão de partilhar com os outros. “


asuoS e agerbóN/satierF asuoS oinótnA

zoF ad arieugiF Fotografia de

Figueira, Figueira da Foz Das finas areias Berço de sereias Procurando abrigo. Estrelas, doiradas estrelas Enfeitam o Mar Que pede a chorar Para casar contigo. Figueira, e à noite o luar, Deita-se a teu lado A fazer ciúmes Ao teu namorado. E a Serra, que te adora e deseja, Também sofre com a luz do Sol Que te abraça e te beija.

António Ramos Silva

sócia

33 | MAIO 2020


DESPORTO

AMBIÇÃO DE CAMPEÃO

sócia

34 | MAIO 2020


FIGUEIRA VOLEI CLUBE A prática desportiva do voleibol na Figueira da Foz deve muito à fundação do Figueira Volei Clube (FVC), em julho de 2016. Em quatro anos de atividade, os resultados desportivos alcançados falam por si. A paixão pela modalidade de José Fonseca, que, para além de treinador, gere também os destinos da associação, é a força motriz de um clube que tem "

Masculinos ".

a ambição de vir a ser Campeão Nacional de Seniores Femininos e

O voleibol, a nível nacional, tem crescido nos últimos anos e na Figueira da Foz o mister não

tem dúvidas: vem aí um "

grande e risonho futuro ".

Porquê um clube de voleibol na Figueira da Foz?

a funcionar em simultâneo. Foi

E porquê esse pavilhão?

uma fase de grande dinâmica,

Após a época 2018/2019, em que

O Figueira Volei Clube surge para

uma vez que tínhamos todos os

treinámos num espaço da Escola

colmatar

escalões a trabalhar ao mesmo

Secundária Dr. Bernardino

oferta desportiva da cidade. Havia

tempo, cada um em seu espaço

Machado e ainda sem o Pavilhão

futebol,

basquetebol,

autónomo. Antevia-se uma

Hélio Cardoso recuperado, surgiu

desportos

náuticos,

excelente época. Contudo, na

a possibilidade de alugar esse

noite de 13 de outubro de 2018, a

pavilhão. Não era o ideal, mas era

tempestade Leslie, ao destruir a

substancialmente melhor do que o

cobertura do Pavilhão, deixou-

espaço onde treinávamos. Não

nos, literalmente, sem teto!

hesitámos! Não conseguimos

Tínhamos duas opções: ou

"montar" três campos em

acabava por ali o sonho ou íamos

simultâneo, mas conseguimos

à luta. Como não somos pessoas

desenvolver um trabalho com

de desistir, escolhemos a segunda

muito maior qualidade do que na

opção. Fomos à procura de

época anterior.

outras

uma

lacuna

ofertas,

existente

dança,

entre

mas

na

tantas

não

havia

voleibol.

É fácil atrair voleibol? No

início

não

trabalho criação do

que do

Centro

Foz.

Na

jovens

foi

fácil,

para apesar

desenvolvi

Centro Escolar

de da

realidade,

o do

com

a

Gira-Volei Figueira

da

alguns

dos

alternativas, que na altura eram

depois estávamos a treinar

O que se privilegia nos treinos do FVC?

novamente. Num espaço três

Acima de tudo, damos privilégio

vezes mais pequeno e cada vez

ao divertimento, de forma

com mais atletas. Foi uma fase

responsável. Isto é, tentamos

felizmente, temos tido e, modéstia

muito conturbada, com muitas

incutir aos nossos atletas que é

à

dificuldades logísticas. Imagine-

possível aprender e evoluir no

se o que é colocar três equipas

voleibol, divertindo-se, mas com

num espaço onde mal cabia uma,

sentido de responsabilidade. O

mas, com muita vontade,

cumprimento de horários de

conseguimos ultrapassar todos

chegada, a saudação a todos os

Falta de meios materiais. Fizemos

esses obstáculos e acabámos por

elementos do treino, o

um esforço tremendo para

fazer uma época com grande

encerramento do treino com

apetrechar o Pavilhão Hélio

evolução dos atletas e com

o“nosso” Grito, são algumas das

Cardoso [Grupo Caras Direitas]

alguns sucessos desportivos.

rotinas que os nossos atletas

atuais

atletas

altura.

No

temos

tido

maior,

uma

em

exposição

parte,

do

FVC

entanto,

vêm

hoje

dia,

cada

vez

devido

à

procura

parte

dessa

em

mediática

ao

desenvolvido,

trabalho

que

por

vezes

que,

temos em

condições bem difíceis…

A que condições te referes?

com o mínimo necessário para

muito escassas, mas uma semana

adquirem desde o primeiro dia.

desenvolver os treinos de voleibol.

Onde treinam habitualmente?

Foi necessário adquirir postes,

No Pavilhão Gimnodesportivo da

nossos atletas saem com um

redes, bolas, etc., mas

Escola Infante D. Pedro, em

sorriso nos lábios, sabemos que

conseguimos ter três campos

Buarcos.

cumprimos a nossa tarefa.

Quando o treino acaba e os

"O Figueira Volei Clube surge para colmatar uma lacuna existente na oferta desportiva da cidade."


"O FVC tem a ambição de, um dia, vir a ser Campeão Nacional"

O mister: dedicação total à modalidade

Qual é a realidade do voleibol a nível regional e nacional?

acumulando também com as

O clube pende mais para a competição ou para a prática saudável da atividade física?

funções de Presidente da Direção.

Procuramos oferecer soluções

uma fase de grande crescimento

Com 46 anos, professor de

para todas as vertentes. Por isso,

a nível local, regional e nacional.

Educação Física do 3

temos equipas a participar em

A nível regional, no distrito de

Ensino Secundário, não consegue

Campeonatos Nacionais,

Coimbra, existem seis clubes

explicar a opção pela

Regionais, Amadores e também

filiados na Associação de Voleibol

modalidade. “

temos atletas que simplesmente

de Coimbra. A nível nacional, dos

gostam de jogar voleibol, sem a

cerca de 10 000 praticantes, em

seu fado. E se Amália Rodrigues

componente competitiva… Todos

2000, passámos para quase

dizia que

são sempre muito bem recebidos

50 000, em 2020. Estes números

e bem integrados.

são bem elucidativos da

José Fonseca é o treinador do Figueira Volei Clube (FVC),

paixão ”,

sente-se

º

CEB e

Sempre foi uma

assume, como se fosse o

«o

»,

fado não se explica,

também José Fonseca

alinha pelo mesmo padrão: “

não

consigo explicar, apenas sentir ”. “ Acordo a pensar no voleibol e deito-me a pensar no voleibol ”, confessa o mister que, entre “ preparação de treinos, treinos, viagens, jogos, entre muitas outras tarefas ”, dedica

Que caraterísticas tem de ter um bom jogador de voleibol? Tem, acima de tudo, de ter

A modalidade está a atravessar

crescente evolução do voleibol em Portugal. Valores apenas superados pelo futebol.

ter uma grande capacidade de

Que troféus ambiciona conquistar o FVC?

atenção e observação, ser

O FVC tem a ambição de, um dia,

disciplinado, ter vontade de

vir a ser Campeão Nacional de

muitas horas diárias à atividade.

aprender e de evoluir e um grande

Seniores Femininos e Masculinos.

Empreendedor, para além do FVC,

espírito de grupo e de sacrifício,

É importante lembrar que o clube

que idealizou, fundou e gere, o

pois as conquistas coletivas têm

é muito recente, mas já tem

dirigente cofundou o Clube de

de ser, sempre, mais importantes

alguns registos interessantes.

Voleibol da Tocha, em 2004, o

do que as individuais.

Centro Gira-Volei do Centro

vontade de o ser. Para isso deverá

O voleibol na Figueira da Foz tem futuro?

da Foz, em 2014 e, entre outros

Como sobrevive um clube recém-formado?

campeonatos, ressalva a

O FVC consegue manter a sua

dirigentes, pais e familiares

organização da “

atividade graças à contribuição

excecionais como tem o FVC, o

mensal de cada atleta, aos

voleibol na Figueira da Foz estará

patrocinadores que, desde o

sempre garantido e com grande e

início, têm sido inexcedíveis e ao

risonho futuro.

Escolar de São Julião – Figueira

Final 4 da Taça de Portugal de Voleibol, em Seniores Masculinos, na Figueira da Foz, em 2016 ”. José Fonseca partilha o palmarés com

apoio do Município, excelente

o FVC, mas a título individual,

também desde o momento inicial

enquanto treinador, acumula

da fundação.

ainda os títulos de Campeão

Femininos – Desporto Escolar

As receitas são suficientes para cobrir os custos?

(Guarda), durante três anos

Têm de ser… É preciso um grande

letivos consecutivos, de Vice-

exercício de gestão financeira

campeão de Voleibol Minis

para, com pouco, fazer muito…

Femininos– Desporto Escolar

No FVC temos uma mentalidade

(Coimbra) em 2004/2005 e

muito assertiva e consciente. Não

2005/2006 e o de Vice-campeão

damos “o passo maior do que a

Nacional de Gira-Volei 8-10 anos

perna” e cada investimento é

Feminino, em 2015.

ponderado do ponto de vista

Regional de Futebol Iniciados

orçamental, para não haver excessos. As despesas prendemse essencialmente com o pagamento de inscrições de atletas na Federação Portuguesa de Voleibol, o pagamento das arbitragens à Associação de Voleibol de Coimbra, os encargos inerentes às deslocações para todo o país, o aluguer do pavilhão para os treinos e para os jogos em casa, bem como a aquisição de material desportivo necessário.

sócia

36 | MAIO 2020

Enquanto houver atletas, técnicos,

"A nível nacional, dos cerca de 10 000 praticantes, em 2000, passámos para quase 50 000, em 2020. Estes números são bem elucidativos da crescente evolução do voleibol em Portugal."


Por dentro do clube

Palmarés

Fundação :

Época 2016/2017

22 de julho de 2016

Número de atletas :

Campeão Regional de Minis Femininos (AVC) 50

Campeão Regional de Minis Masculinos (AVC) Campeão Regional de Gira-Volei (08-10 anos) Masculinos (AVC)

Escalões:

Campeão Regional de Gira + Masculinos (16-18 anos) (AVC)

Petinguinhas/Minis A: 08-10 anos

Campeão Regional de Kinder Cup Infantis Masculinos (AVC)

Iniciados Femininos: 14 anos

Iniciados Masculinos: 14 anos

Época 2017/2018

Seniores Masculinos: + de 18 anos

Campeão Regional de Minis Femininos (AVC)

Gira + (Femininos): + de 16 anos

Campeão Regional de Minis Masculinos (AVC)

Campeão Regional de Gira + Masculinos (16-18 anos) (AVC)

Campeão Regional de Kinder Cup Infantis Masculinos (AVC)

Campeonatos inscritos na época 2019/2020

Campeão Regional de Kinder Cup Juniores Masculinos (AVC) 3.

º

Lugar Sub 14 Masculinos, na Etapa da Figueira da Foz, do

Petinguinhas/Minis A

Circuito Nacional de Gira-Praia (FPV)

Campeonato Regional de Minis

Circuito Regional de Gira-Volei

Época 2018/2019

Campeão Regional de Kinder Cup Infantis Femininos (AVC)

Iniciados Femininos

Campeão Regional de Kinder Cup Infantis Masculinos (AVC)

Torneio de Abertura (AVC)

Campeão Regional de Kinder Cup Juniores Masculinos (AVC)

Campeonato Reg. Iniciados (AVC)

Vice-campeão Nacional de Kinder Cup Infantis Masculinos (AVC)

Torneio António Cipriano (AVC)

Época 2019/2020

Iniciados Masculinos

A COVID-19 fez antecipar o encerramento da época, mas, em março,

Campeonato Inter-regional de

o FVC tinha já garantidos os títulos de Campeão Regional de Gira-

Iniciados (AVL)

Volei 08-10 anos Femininos e Gira + Masculinos (+ de 23 anos) (AVC)

Campeonato Nacional de Iniciados (FPV)

Estava ainda a disputar as seguintes competições:

- Torneio António Cipriano, Iniciados Femininos (AVC)

Gira + Femininos

- Campeonato Nacional de Iniciados Masculinos (FPV)

Circuito Gira-Volei e Gira + (AVC)

- Campeonato da Amizade, Seniores Masculinos.

Seniores Masculinos

AVC - Associação Voleibol de Coimbra

Campeonato da Amizade

AVL - Associação Voleibol de Lisboa

[disputado por 11 equipas de

FPV - Federação Portuguesa de Voleibol

Figueira da Foz, Coimbra, Aveiro e Viseu]

Entrevista de

Ricardo Santos

Fotografias cedidas pelo FVC

sócia

37 | MAIO 2020


DOSSIER

40

VISÕES

PARA A DÉCADA M O V I M E N T O

A S S O C I A T I V O

sócia

38 | MAIO 2020


VISÕES PARA A DÉCADA Como estaremos em 2030? Como lá chegaremos? Que oportunidades e desafios se colocam à sociedade e ao movimento associativo em particular? 40 personalidades nacionais e locais, com e sem ligações às coletividades, revelam-nos a sua visão para a década. Exercícios de livre pensamento que ajudam a compreender as dinâmicas do associativismo e revelam, de forma holística, uma sociedade ansiosa por se reencontrar com os valores maternos do humanismo e da fraternidade. Um dossier para reler em 2030, porque o futuro começa agora.

VISÕES TEMÁTICAS UM ANDAMENTO PARA O MOVIMENTO FILARMÓNICO Afonso Alves

VISÕES DE SOCIEDADE A DÉCADA PÓS COVID-19 António Matos (Padre) Clementina Henriques

Helena Baptista

Daniel Santos

Renata Oliveira

Fernando Lopes Manuel Castelo Branco

UM CENÁRIO PARA O TEATRO AMADOR Deolindo L. Pessoa João Miguel Amorim José Teles Ricardo Santos

UMA VISÃO SOBRE O FOLCLORE Daniel Calado Café Adriana Maia

Nuno Gonçalves Rodrigo Batata

A IMPORTÂNCIA DO GREGARISMO António Tavares Bruno Paixão João Pereira

AS NOVAS FORMAS DE LAZER E DE ASSOCIATIVISMO António Carraco dos Reis

UMA VISÃO SOBRE O DESPORTO ASSOCIATIVO Ana Lúcia Rolo Horácio Antunes Rui Feijão

António Jorge Lé Daniel Azenha Mafalda Azevedo

OPORTUNIDADES E DESAFIOS DO MOVIMENTO ASSOCIATIVO António Agostinho Guida Cândido Francisco Relva Pereira Lídio Lopes Nuno Lopes Sérgio Pratas

AS RELAÇÕES ENTRE O ESTADO CENTRAL O E MAP Augusto Flor Raquel Ferreira

AS MULHERES NO MOVIMENTO ASSOCIATIVO Silvina Queiroz Teresa Machado

O ASSOCIATIVISMO NO CONCELHO DA FIGUEIRA DA FOZ Carlos Tenreiro José Augusto Marques Rosa Batista Sansão Coelho

sócia

39 | MAIO 2020


40

VISÕES DE SOCIEDADE

A DÉCADA PÓS COVID-19

VISÕES PARA A DÉCADA

COLETIVIDADES: PRESENTE E FUTURO P A D R E

A N T Ó N I O

M A T O S

1 - O concelho da Figueira da Foz deve ser o que

2 - Para o futuro - não sei!

no País tem mais Coletividades. Nada será como antes. A vida mudou A freguesia de Tavarede tem cinco.

radicalmente. Temos que nos habituar a viver assim!

A Coletividade é um enriquecimento para o Povo. Nos meus princípios de pároco de Tavarede

As Coletividades continuarão a ser valiosas.

comparei-as a

Porém, terão que funcionar de outro modo.

« pequenas

universidades

»

no meio

de nós.

Qual? Não sei!!! Ainda estamos em mudança, e não sabemos, onde é que tudo vai parar.

Nelas se aprendeu a ler e escrever; prendeu-se a aceitar os outros como eles são; nelas se aprendeu

Creio que na altura própria será escolhido o

a viver.

melhor caminho!

Com um leque variado de atividades: teatro, música, desporto, costura, revistas, etc, trouxeram a cultura ao Povo. E a cultura é a maior riqueza do Povo!

As grandes individualidades,(fazendo certamente o seu melhor) estão sempre longe!

O grande elo de ligação entre as pessoas é sem dúvida nenhuma feito pelas Coletividades.

Elas estão próximas. O Papa Francisco fala muito

"

As Coletividades continuarão a ser valiosas. Porém, terão que funcionar de outro modo. Qual? Não sei!!! Ainda estamos em mudança, e não sabemos, onde é que tudo vai parar

da proximidade, como um valor fundamental! Estar próximo…estar ali…estar junto de….viver de mãos dadas.

Em 46 anos que fui pároco de Tavarede creio que nunca faltei a qualquer Sessão Solene.

Por ela eu media o

« pulsar »

da Coletividade e ao

mesmo tempo era um enriquecimento para mim próprio.

Foi o que constatei até agora nas Coletividades.

sócia

40 | MAIO 2020

Pároco

Diocese de Coimbra


40

VISÕES DE SOCIEDADE

A DÉCADA PÓS COVID-19

VISÕES PARA A DÉCADA

ASSOCIATIVISMO: QUE REALIDADE POST PANDEMIA? C L E M E N T I N A

R O D R I G U E S

Nestes dias de isolamento social, o espaço público,

Que aprendizagem é possível retirar do seu

e consequentemente as sociabilidades, as

trabalho, nomeadamente quanto às relações de

dinâmicas relacionais e de interacção, o trabalho

vizinhança? Houve novos laços criados? E de que

associativo, tem sido substituído pelas redes

tipo? Com que públicos? Com que eficácia?

sociais digitais. Claro que apenas para os

Algumas destas redes cívicas navegam em

utilizadores com competências adequadas. Tempo

« territórios »

de mudança relacional!

locais, com algum elitismo sendo vistos com

próximos da actuação dos poderes

alguma desconfiança. Como vão os poderes Sente-se um certo receio de que este

locais rendibilizar esta energia colaborativa de

confinamento enfraqueça os laços que ligam os

proximidade e disseminá-la? O que vai mudar a

membros da comunidade associativa o que deixa

partir daqui? As redes digitais vão reforçar ou

antever um agravamento das condições sociais, em

esvaziar os laços de vizinhança presencial? Ou

geral, e deixe mais fragilizados os grupos sociais

ficará tudo como dantes? E as relações entre

de risco, nomeadamente os mais isolados, bem

protagonistas cívicos e institucionais, vão alterar-

como as instituições que vêm os seus públicos

se? Este é, a meu ver, um dos grandes desafios

menos assíduos.

com que nos deparamos e daí dependerá a eficácia e grande parte da eficiência do MAP.

Porém, esta pandemia, também revela, com evidência forte, uma enorme energia cívica e de

A realidade emergente induz um nível de

voluntariado, com o surgimento de diferentes

dificuldades tremendo para as nossas

movimentos cívicos, de cidade e de bairro, em

organizações, quer ao nível da sustentabilidade

resposta a necessidades, diferenciadas,

financeira e orgânica, quer quanto à sua

emergentes. É preciso dar-lhe consistência,

representação e afirmação. Fortalece-se a

agregá-los e torná-los eficazes, pois colocam-se

necessidade de mais criatividade para respostas a

dúvidas sobre a robustez e sustentabilidade destas

situações de risco, devidamente identificadas.

novas respostas e sobre os efeitos nas redes

Emergem desafios onde o papel da mulher,

tradicionais de vizinhança.

ancorado na sua capacidade de resiliência e inovação, sensibilidade para enfrentar novos

Lembrar um indicador intrínseco ao Movimento

desafios, praticas diversificadas inerentes ao seu

Associativo Popular (MAP) (continua a ser?) o facto

saber fazer, estar e ser, se fortificam.

de, particularmente nas regiões mais isoladas, as suas organizações serem os únicos promotores de

Estes são, creio, alguns dos desafios, substantivos,

bens de produção e consumo cultural e de lazer

dos quais depende, em grande medida, a

a nível local. Esta nova realidade, induz claros

sustentabilidade e eficácia do MAP, no futuro

constrangimentos a estas práticas.

próximo. Podemos sair mais fortes se soubermos reverter as dificuldades em oportunidades.

Com efeito o confinamento é o principio essencial à segurança. Como se desenvolvem então as sociabilidades? Como se estimula a inclusão? Que novas práticas e com que protagonistas (individuais e colectivos) de base digital emergiram desta crise nomeadamente no MAP? Como se avaliam estes colectivos quanto à sua natureza, motivações e resultados? Quais os impactos?

"

A realidade emergente induz um nível de dificuldades tremendo para as nossas organizações, quer ao nível da sustentabilidade financeira e orgânica, quer quanto à sua representação e afirmação

Socióloga e Assessora da Direção da

Confederação Portuguesa das Colectividades

sócia

41 | MAIO 2020


40

VISÕES DE SOCIEDADE

A DÉCADA PÓS COVID-19

VISÕES PARA A DÉCADA

AS ASSOCIAÇÕES VÃO CONTINUAR A CRIAR O FUTURO. BASTA SONHAR D A N I E L

S A N T O S

A única caraterística que podemos atribuir ao

dominados pelo medo do que possa vir a ser, já

futuro é ser completamente desconhecido. Por

que, como entidade coletiva, poderemos e

mais visionários que consigamos ser, só por um

deveremos influenciar, até ao ponto em que é

milagroso acaso conseguiremos imaginar o que

possível, aquilo que há-de vir.

virá ocorrer para além do nosso tempo, sobretudo quando temos perante nós a tarefa de tentar

De outra perspetiva, em concreto, no caso aqui da

vislumbrar um horizonte longínquo.

nossa terra, a Figueira da Foz, a evolução demográfica plasmada no relatório do processo

O que podemos fazer, e essa é a nossa tarefa

de revisão do Plano Diretor Municipal (PDM) já

atual, é analisar as lições do passado e, com esse

não nos era favorável, atendendo às projeções

conhecimento, tentar projetar o futuro,

que apontam para 2031 que o número de

influenciando-o, tanto quanto cabe a cada um.

habitantes descerá aos níveis dos anos cinquenta

Raramente surge um George Orwell (1984) ou um

do século passado. Assunto, aliás, já antes

Aldous Huxley (Admirável Mundo Novo) distópicos,

tratado no Plano Estratégico onde se definiu

suficientemente premonitórios. E, se algum mais

como pontos fracos o decréscimo populacional e

surgir, ninguém pode assegurar hoje que acertou

o exagerado número de habitações que a gestão

com o caminho do futuro.

territorial permitiu, com consequências negativas para todos nós!

Quanto melhores formos hoje, individualmente e em sociedade, maior é a probabilidade de termos

Lições aprendidas e conclusões percebidas,

direito a um futuro à nossa medida, ou, como disse

conduzem à probabilidade de melhores soluções,

Agostinho da Silva, “os que nada entenderam do

razão pela qual, cada um de nós, em telereuniões

passado nada podem sonhar para o futuro”. Um

ou de outra forma, ajudará a sociedade a

melhor futuro dependerá do nosso caráter, tal

encontrar os melhores caminhos que nos

como o definiu o filósofo espanhol Ortega y

conduzirão ao melhor futuro possível.

Gasset, quando em “A Rebelião das massas” conclui: “É, pois, falso dizer que na vida decidem

Parafraseando Peter Drucker, “não podemos

as circunstâncias. Pelo contrário: as circunstâncias

prever o futuro, mas podemos criá-lo”. As

são o dilema, sempre novo, ante o qual temos de

Coletividades que ora celebramos (181 cá pelo

nos decidir. Mas quem decide é o nosso caráter”.

concelho), plenas de saber acumulado e

Quem imaginaria, há seis meses atrás, que o

criatividade, são fonte inesgotável de informação

momento que vivemos hoje é de confinamento e de

que, hoje, em muito podem contribuir para sonhar

preocupação permanente, de dependência

e criar as soluções de futuro definidas na bissetriz

eminente do comportamento dos serviços de

ponderada dos interesses da comunidade.

saúde, de decisões diárias do Governo, eventualmente de fome e de carências para muitos?

Quem poderá então imaginar o que poderá sobrevir, quando se fala já em segunda e terceira fase da pandemia? E o que poderá surgir mais que não consigamos controlar?

Mas não, não poderemos descansar, ficando à

"

A evolução demográfica (...) não nos era favorável, atendendo às projeções que apontam para 2031 que o número de habitantes descerá aos níveis dos anos cinquenta do século passado

espera do que não sabemos que virá, nem

Engenheiro Civil e Ex-vice-presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz

sócia

42 | MAIO 2020


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VISÕES DE SOCIEDADE

A DÉCADA PÓS COVID-19

VISÕES PARA A DÉCADA

REPOR O PARADIGMA, VIVER O ASSOCIATIVISMO F E R N A N D O

L O P E S

Em dia de festa do associativismo e das

Não devemos esquecer que são as coletividades

coletividades importa partilhar convosco algumas

que nos fazem reconhecer como grupo, com o

visões e propostas para analisar, partilhar e

sentimento de pertença e com uma história

incrementar em conjunto, onde se possam

pessoal e social indissociável. É o movimento

encontrar respostas para aquilo que alguns

associativo que nos traz as memórias das gentes,

designam por crise do associativismo.

devendo continuar a preservar a identidade do espaço, onde todos nós nos possamos rever como

Hoje, mais do que nunca, com esta nova realidade

família. Esse é o seu maior desafio, o seu maior

de um confinamento necessário, de um isolamento

desígnio e a sua verdadeira realidade para os

social imperioso, por causa de uma pandemia, foi

próximos anos.

notória a presença do associativismo e das coletividades, enaltecendo os seus pilares

Devemos continuar a exigir do poder central e

fundadores, através de múltiplas iniciativas em prol

autárquicos apoios para que essa mudança seja

da ajuda do outro.

uma realidade, pois só assim os dirigentes associativos poderão continuar a sua senda

Contudo, é impossível escapar à realidade social

abnegada e altruísta, na realização de atividades

em que estamos inseridos e que tem vindo a alterar

e ações que visam preservar a história das gentes,

os seus objetivos de sociedade, trocando

a sua cultura e a sua identidade e, mostrar ao

paulatinamente, a solidariedade pelo egoísmo, a

poder político que é pelo associativismo que se

partilha pelo solipsismo, o voluntariado pelo

chega de forma mais incisiva aos que mais

narcisismo, o outro pelo eu. Esta realidade

precisam. Há que manter a exigência pelo

verifica-se pela postura das pessoas que aos

respeito e pelo reconhecimento por todos aqueles

poucos foram criando uma vivência de aquisição

que de forma séria e desinteressada trabalham

de bens fúteis, do usufruto vertiginoso da ascensão

para todos nós e dão da sua vida particular muito

social, do desejo vaidoso da ostentação social,

do seu espaço pessoal. Neste dia de

deixando para trás o elemento mais valioso, que

comemoração do Dia Nacional das Coletividades,

nos torna seres socias – o outro.

resta dizer com muita energia e veemência: Vivam os dirigentes associativos! Vivam as

Com esta nova vivência humana há que reconhecer que o que está mal não é o associativismo em si, ou as coletividades em particular, mas sim o paradigma social vigente. O associativismo não tem que se adaptar a ele, antes pelo contrário deve ser resistente e resiliente. Deve pautar a sua postura na consciencialização da sociedade para se encontrar consigo mesmo, isto é, voltar a entender-se como um todo, onde a partilha, a solidariedade e o voluntariado são os valores que devem ser ensinados aos jovens, praticados pelos adultos e dado como herança pelos mais velhos.

Coletividades! Viva o Associativismo!

"

É o movimento associativo que nos traz as memórias das gentes, devendo continuar a preservar a identidade do espaço, onde todos nós nos possamos rever como família. Esse é o seu maior desafio, o seu maior desígnio e a sua verdadeira realidade para os próximos anos

Doutor em filosofia, docente do ensino secundário e autarca

sócia

43 | MAIO 2020


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VISÕES DE SOCIEDADE

A DÉCADA PÓS COVID-19

VISÕES

PARA A DÉCADA

O VÍRUS DO INDIVIDUALISMO M A N U E L

C A S T E L O

B R A N C O

O Covid-19, em termos de saúde pública, revelou-

e de vivência, comunitárias até então dominantes:

se um vírus particularmente adequado aos

sindicatos, partidos, igrejas, colectividades de

correntes tempos de híper-individualismo de que

bairro, clubes populares, associações culturais,

fala Gilles Lipovetsky.

tudo foi sendo levado no elevar da maré narcísico-individualista dos tempos neoliberais.

A pandemia surge no preciso momento do alegado triunfo, nos planos económico, político e

Não espanta, pois, a adesão bovina a práticas

social, do neoliberalismo de matriz chicago-

como a do “distanciamento social” como

hayekiano tornado ideologia única a partir do

instrumento privilegiado do real, singular, pessoal

início dos anos 80 do século XX, com a ascensão

e intransmissível medo da doença e da

de Reagan e de Thatcher nos Estados

morte.

Unidos e em Inglaterra. Na verdade, a suave aceitação da autoritária Thatcherismo e reaganismo que se constituíram

instituição de “confinamentos” e de “distâncias

como vanguarda do movimento de crítica e de

sociais” é o resultado lógico de décadas de

desconstrução do Estado Social, colocando termo

políticas públicas e de práticas privadas de

ao consenso keynesiano do pósguerra, pela

distância humano-existencial e de apartheid

apologia do Estado mínimo, das privatizações, das

económico-social: condomínios fechados, guetos,

desregulações e da eficiência dos mercados

subúrbios de habitação social, favelas, campos de

“eficientes” auto-regulados.

refugiados são o retrato urbanoespacial daquilo a que o filósofo Byung Chul Han define como “a

As consequências do híper-individualismo

exclusão do Outro”.

neoliberal são bem conhecidas: no plano antropológico, a prescrição da redução radical da

Nesta precisa medida o Covid-19, ao ser pretexto

provisão pública de direitos económicos, culturais

e fundamento de políticas públicas de medo do

e sociais – pela atribuição, financiada pelo

outro e de evitamento social é, por excelência, um

imposto progressivo, de prestações e benefícios

agente patogénico individualista de altíssimo

sociais como os subsídios de doença e de

contágio, anunciando a continuação do nada

desemprego, a criação de redes públicas

admirável mundo novo

de saúde e de educação, a edificação de

do neoliberalismo.

relevantes infraestruturas públicas, entre outros –

"

redundou na desqualificação humana e social dos losers económico-sociais, vistos como parasitas sem direito à cidade.

No plano comunitário, o culto da “personalização” híper-moderna, consequência colateral da explosão individualista-radical de Maio de 68, levou ao declínio e dissolução progressivos das entidades de enquadramento,

A suave aceitação da autoritária instituição de “confinamentos” e de “distâncias sociais” é o resultado lógico de décadas de políticas públicas e de práticas privadas de distância humanoexistencial

Docente Universitário

Coimbra Business School

sócio

44 | MAIO 2020


40

VISÕES DE SOCIEDADE

A DÉCADA PÓS COVID-19

VISÕES PARA A DÉCADA

CONFIANÇA N U N O

G O N Ç A L V E S

O módico de boas maneiras exige começar por

No binómio necessidade/resposta, certas

agradecer o convite e exarar a honra que constitui

correntes defendem que o associativismo é um

para mim participar nesta edificante publicação,

valor em si mesmo, um instituto indelével que por

felicitando os seus promotores.

essa índole tem de se adaptar aos tempos. Outras defendem que é um movimento de instituições em

Qualquer exercício de opinião prospetiva, assente

resposta às necessidades das pessoas e

na história e no “estado da arte”, configura tão

naturalmente assumirá uma posição dependente

somente uma perceção do futuro que é facilmente

da qualidade e versatilidade dessas mesmas

mutável pelas consequências do imponderável.

respostas. Sejam válidas em separado ou em

Sabemos do impacto do COVID-19 até agora,

simbiose, estas teorias são orientações

especulamos sobre as suas reais consequências,

interpretativas de uma preciosa realidade que

mas ambicionamos uma década pós COVID e não

julgo se manterá, ainda que com mutações e

uma década a par do COVID. Não obstante, seja

adaptações. Advém da alma das pessoas e do

qual o cenário, nada ficará igual e o dito regresso

âmago coletivo criado nas raízes da história, da

à normalidade não terá a mesma configuração.

magia das estórias que aproximam os povos genuinamente distintos ou da sã rivalidade que os

O contexto a que o COVID nos obrigou, enraizou

inspira. Advém dos ímpares e humildes sucessos a

uma consciência coletiva de maior dimensão face

que nos apropriamos passando a fazer deles parte

à finitude Humana que compulsa o significado da

integrante, das idiossincrasias da Figueira da Foz

vida com a nossa natureza gregária. Parece

e da dimensão telúrica que gera inteligibilidade

paradoxal que encontremos essa significação em

da importância holística do nosso concelho. Sem

confinamento, ainda que obrigatório ou

vitupério, importa exaltar a Figueira da Foz por ter

recomendado, quando a harmonia e paz interiores

o associativismo no seu código genético como

também se enraízam na satisfação da necessidade

alma do simbolismo coletivo.

da partilha e aceitação. Mas é desta aparente paradoxalidade que podemos sustentar uma

Estas, aliadas à capacidade de superar os

enorme oportunidade para o preenchimento do

desafios, são razões firmadas para ter esperança

objeto das Coletividades. Este “novo tempo” exara

numa década auspiciosa. Garantir o cumprimento

uma intensa alma, ávida de ter completude social,

de objetivos de sustentabilidade financeira e

de partilha e de respeitabilidade biunívoca nos

ambiental; a cabal gestão dos sócios; gerir o

desígnios do preenchimento do Ser. Assim

património imaterial e imobiliário. Capacidade de

acredito, mas vou mais longe, assim o quero crer!

inovação e reinvenção, defesa do voluntariado, honrar as tradições. Capacidade para cativar

Mesmo que assim não fosse, a história dita que as

jovens gerações e criar sinergias supra

Coletividades detêm uma força peculiar. Vários

associações gerando eficiência. Quem o fizer,

acontecimentos assolaram a sociedade: desde

incorrerá na senda da prosperidade. Vivam as

crises económicas até à tempestade Leslie. Porém,

Coletividades!

nenhuma destas colocou populações, governos, entidades públicas e privadas nesta nova provação. Mas todas criaram vicissitudes e desafios às Coletividades que foram, com dedicação, invariavelmente superados afirmando novos ou antigos valores. Senão vejamos, representam o reduto da lembrança de realizações individuais e coletivas excecionais na fita do tempo, marcando épocas distintas com nobres preocupações sociais. Em bom rigor, têm esse

"

Este “novo tempo” exara uma intensa alma, ávida de ter completude social, de partilha e de respeitabilidade biunívoca nos desígnios do preenchimento do Ser

direito de amarrar a história e de a fazer lembrar.

Gestor e autarca

sócia

45 | MAIO 2020


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VISÕES DE SOCIEDADE

A DÉCADA PÓS COVID-19

VISÕES PARA A DÉCADA

O ASSOCIATIVISMO IRÁ PRECISAR DE UM VENTILADOR? R O D R I G O

B A T A T A

Uma pandemia de caraterísticas únicas provocada

A meu ver, a próxima década será um período de

por um vírus sui generis atirou o mundo para um

transição e convergência do associativismo com

confinamento que parece não ter fim e que

as novas tecnologias, pois já percebemos que é

impede a sociedade ser isso mesmo, uma

possível participar ativamente numa reunião sem

sociedade.

estar fisicamente presente, ou que é possível fazer um teatro ou dar um concerto para uma

O novo Coronavírus, taxonomicamente designado

plateia online e, deste modo chegar àqueles que

por SARS-CoV2, responsável pela doença Covid-19

têm dificuldades de mobilização, contribuindo

consegue ser altamente imprevisível e heterogéneo

assim para uma sociedade mais inclusiva.

quanto à gravidade do quadro clínico desenvolvido pelos indivíduos infetados. Se, por um lado, uma

A relação social é o grande pilar do

fração destes indivíduos são assintomáticos ou

associativismo, mas estou convicto que esta crise

apresentam sintomatologia ligeira, há uma fração

não terá um impacto a longo prazo neste setor,

menor que irá necessitar de ventilação e suporte

pois a comunidade científica internacional dá-nos

diferenciado em regime de internamento e em

boas perspetivas de desenvolvimento de uma

última instância em Cuidados Intensivos.

vacina eficaz, bem como a crescente imunidade de grupo dada pelos indivíduos expostos ao vírus.

Analogamente, é evidente na sociedade atual, a

Ainda assim, o uso de máscaras nas atividades, o

heterogeneidade do “estado de saúde” de alguns

uso sistemático de soluções antissépticas e a

setores da nossa sociedade e o associativismo

alteração da configuração das plateias das

claramente já apresentava “sinais de dificuldade

associações que realizam espetáculos serão uma

respiratória” muito antes do aparecimento deste

realidade num futuro imediato.

vírus. Enquanto sociedade, chegaremos a 2030 com um A forte dinâmica, o espírito de solidariedade e

paradigma laboral diferente, mais direcionado

adesão que caracterizavam os tempos dourados

para o teletrabalho nos setores onde a presença

destes movimentos sociais nos pós 25 de Abril de

física é dispensável. No que diz respeito ao

1974 foram esmorecendo com a modernização

associativismo não precisará de ventilador, já que

tecnológica da sociedade, tornando-a mais

todos percebemos que socialização digital nunca

individual, egoísta e competitiva. Estes espaços

poderá substituir integralmente a relação social

que outrora eram importantes focos de

presencial, condição necessária e fundamental

socialização, de partilha e de conhecimento foram

para a existência do mesmo.

progressivamente perdendo o protagonismo na sociedade moderna.

As crises fazem parte da nossa existência e é certo que os danos colaterais são incomensuráveis, mas são também nestes períodos de adversidade que o conhecimento, a ciência e as adaptações ocorrem a um ritmo consideravelmente superior e, a hora do associativismo se reinventar chegou ou corre o risco de ficar eternamente confinado num modelo ultrapassado.

"

A hora do associativismo se reinventar chegou ou corre o risco de ficar eternamente confinado num modelo ultrapassado

Médico

Centro Hospitalar entre Douro e Vouga

sócia

04 | MAIO 2020 46


40

VISÕES DE SOCIEDADE

A IMPORTÂNCIA DO GREGARISMO

VISÕES PARA A DÉCADA

O ASSOCIATIVISMO E A AGENDA 2030 DA O.N.U. A N T Ó N I O

T A V A R E S

«Compartilhar conhecimentos e atividades tornou-se o gesto fundador de qualquer projeto de ação coletiva. Não há mais política pública sem co-construção, não há mais projeto associativo sem alianças, não há mais estratégia económica sem ecossistema!» - Yannick Blanc

Não partilho, como muitos, uma visão hiperoptimista do futuro,

É neste cenário que terá de se desenvolver o movimento

pelo menos aquela que nos vê como uma espécie de deuses

associativo, que, lembremos, é a resposta dos pobres e

que decidem o destino de tudo, por via dos avanços da

desfavorecidos baseada no princípio de que a união faz a

ciência e da tecnologia, das redes digitais, da inteligência

força. Os grandes objetivos deste movimento estão traçados

artificial e das maravilhas a que tudo isto se associa.

na Agenda 2030 da ONU, a qual exige uma nova gramática da acção colectiva. Esta acção prende-se, na esfera do

No entanto, se quisermos pintar um quadro realista do mundo,

associativismo, não só com a satisfação do interesse dos seus

ele não nos parecerá muito agradável. Uma plutocracia

membros, mas também concebendo a sua actuação como

pretensamente iluminada tomou conta do nosso destino,

utilidade colectiva. Os desafios devem ser, entre outros, a

impôs uma narrativa nacionalista e isolacionista e provocou a

acção climática, a formação cívica, o trabalho colaborativo e

anomia e a desideologização do exercício do poder.

a solidariedade, a educação para o consumo, a formação

Assistimos, desta feita, à desregulação dos mercados, à

digital, a mediação, a revalorização do saber e da

corrupção, ao declínio dos direitos e garantias e ao

experiência dos mais velhos, a prática da tolerância, o

exorbitante custo da justiça. Em causa tem estado a

desenvolvimento do espírito crítico e a responsabilidade

desvalorização do contrato social - medida no desinteresse

cívica.

manifestado pela res pública e pela abstenção -, a escassa protecção social dos que dela mecessitam e a distribuição do

As associações deverão, assim, pensar uma nova estrutura e

rendimento feita a níveis indigentes. Pela primeira vez, nos

uma nova organização que seja adequada aos desafios

EUA, em 2018 e desde há 70 anos, os bilionários pagaram

citados; deverão definir objectivos estratégicos, traçar acções

menos impostos do que os trabalhadores, como o atestam

concretas num território definido, democratizar o seu

Zucman e Saez. Da mesma forma, no país citado, 1% dos mais

funcionamento e os processos de decisão, formar e possuir

ricos detêm 20% da riqueza e 50% dos mais pobres ficam

quadros, partilhar e articular o pensamento e a acção e,

apenas com 12% do rendimento. A perseguição dos ganhos

sobretudo, exercer o direito de pronúncia sobre o território, a

perdeu o sentido da ética e da honradez e tornou-se num

paisagem, o património e a vida colectiva, junto dos

largo conjunto de negociatas, operado por obscuros mafiosos

agentes do poder.

sem escrúpulos, em conúbio com alguns estados e muitos políticos.

Ernesto Sabato, escritor argentino, e Cioran, filosofo romeno, denunciaram de forma lúcida, no final do século passado, a

Esta situação impede a tomada de decisões de forma

tecnolatria, o individualismo e a atrofia do espírito e, já

democrática e transparente, desvaloriza a mobilidade social e

numa hora derradeira das suas vidas, deixaram para a

o mérito e retira dignidade aos sectores mais frágeis da

posteridade uma aposta no ressurgimento de valores

população. Juntemos à descrição uma sociedade envelhecida

que ainda podem restaurar um sentido de comunidade;

nos países desenvolvidos e uma perda constante de

da mesma forma pensou Rilke, que acreditou na

crescimento populacional; juntemos as migrações, os conflitos,

capacidade humana de mudar as coisas e estabelecer

as alterações climáticas, os padrões de vida desajustados em

com elas uma relação de pertença que une a tudo e a

que uns morrem de fartura e outros de miséria, o carácter

todos para além do alcance da razão. Trata-se da

predador dos recursos, subjacente à constante busca de um

relação gregária, base do movimento associativo e

desenfreado crescimento económico em que o défice de

estratégia indispensável para a nossa sobrevivência.

sustentabilidade se tornou assustador.

Docente do ensino secundário, escritor e ex-vicepresidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz

sócia

47 | MAIO 2020


40

VISÕES DE SOCIEDADE

A IMPORTÂNCIA DO GREGARISMO

VISÕES PARA A DÉCADA

O SUBSTANTIVO SINGULAR COM SIGNIFICADO PLURAL B R U N O

P A I X Ã O

O que mais temo é que, no futuro, tenhamos sido

Dir-me-ão que sou um pessimista inveterado, o

passado – como um rumor de recordações profusas

que admito. Desde muito novo observei que um

que se aconchegam nas lembranças. Daqui a dez

safanão fazia tombar o baralho de cartas em

anos, daqui a muitos amanhãs, teremos sossegado

cima da mesa, e que uma sequência de novos

as ameaças? Teremos vencidos os receios? Ter-

safanões as espalhou cada vez mais, em vez de as

nos-emos conseguido reinventar?

repor no sítio original. Mas confio também, com fé, na mudança e na integridade das pessoas.

É sobretudo diante dos riscos e dos perigos que

Confio na sua solidariedade e na capacidade de

vamos tomando conta da nossa fragilidade. Mas é,

agregação, de se juntarem a outros, de se

também, perante as angústias que nos cercamos

associarem.

de solidariedade. As ameaças tendem a unir-nos. Imaginemo-nos na fímbria do mar, onde as ondas

Eis que chegamos ao princípio de tudo. A vontade

rebentam sobre os nossos pés com a força

de estarmos juntos e de partilharmos

longânime de toda aquela torrente líquida que

solidariamente o presente, para honrarmos o

sopra do universo. Olhamo-nos mutuamente em

passado e assim conseguirmos chegar ao futuro.

toda a extensão do cordão de gente. Dirigimos

Uma das formas mais nobres de o fazermos

palavras benevolentes a cuidar uns dos outros:

encontra-se na associação. E daqui pode resultar

“Está fria, não está?

um dos modelos mais belos da cidadania.

»,

“Não avance muito que a

ondulação vem forte”. E ficamos focados nos dois

Associação é um substantivo que se escreve no

polos, no mar e em nós. “Nós”. Não há “eu” nem

singular mas que tem um significado plural.

“tu”. Temos a sensação de que somos insignificantes diante da força do mar. O mar e a

O associativismo foi, antes mesmo de ser

força. Se pontapearmos o mar provocamos nele

reconhecido, um dos modelos fundadores da

alguma reação? Eis a definição de força.

civilização. E é, hoje, um motivo de aproximação de pessoas, de junção de causas, de apoio, de

Na voragem da criação, o ser humano tem vindo a

instrução, de recreio e de reconciliação connosco

superar-se a si e ao seu meio. Ecos das revoluções

próprios.

tecnológica e digital têm chegado tão depressa quanto o seu impacto. E ambas estão ligadas às duas maiores preocupações que enfrentamos: a sobrevivência biológica e a sobrevivência social. A primeira está à vista com as pandemias que nos têm assolado, com intervalos de tempo cada vez mais diminutos e com uma força que não estamos em condições de domar. A segunda, de natureza social, tem vindo a afastar as pessoas do seu foco de dignidade e de sobrevivência. Isto porque as máquinas têm substituído as pessoas: passámos a comprar online, dispensando trabalhadores;

"

Eis que chegamos ao princípio de tudo. A vontade de estarmos juntos e de partilharmos solidariamente o presente, para honrarmos o passado e assim conseguirmos chegar ao futuro

passámos a ser nós próprios a abastecer o carro nos postos de combustível, dispensando trabalhadores; passámos a construir computadores através de robôs, dispensando trabalhadores; e esta roda não para de girar

Diretor Regional de Coimbra da

Fundação INATEL

sócia

48 | MAIO 2020


40

VISÕES DE SOCIEDADE

A IMPORTÂNCIA DO GREGARISMO

VISÕES PARA A DÉCADA

ASSOCIATIVISMO: UM CAMINHO PARA NÓS E PARA OS OUTROS J O Ã O

P E R E I R A

Como humanos somos gregários, mas

Qual seria o impacto criativo numa família se pais

desenvolvemos um equilíbrio que se balanceia

e filhos participassem em diversas associações?

entre liberdade, segurança, sociedade e

Qual seria o impacto no tecido social e na

individualidade numa caminhada permanente.

inovação?

Temos uma língua e bandeira, celebramos juntos o nascimento, fazemos juntos o funeral. Criamos

Somos desafiados a pensar a cidadania, ecologia,

instituições, espaços, estruturas, ritos e rituais.

biotecnologia, debates, intervenção pública,

Porém, somos únicos, construídos na dignidade da

cooperação inter-geracional em associações que

diferença de pessoas e sociedades.

pensam a vida de forma transversal e capacitam os seus membros a fazer escolhas, encorajando-os

A participação em associações formais e informais,

a envolver-se no dia a dia, contribuindo para o

faz-nos saborear as nossas potencialidades,

bem da sociedade de forma global e exercitando

desenvolvendo as diversas dimensões que nos

a fraternidade.

habitam. São múltiplos os temas que nos desafiam. Uma associação recreativa, desportiva, social e

A participação, em associações, faz-nos agentes

cultural, de pais, de moradores, uma tertúlia de

dinâmicos e conscientes. Cidadãos ativos,

debates, voluntariado, respondem a necessidades

voluntários, habituados a gerir tempo, projectos,

diferentes.

receitas e custos, bem comum, solidariedade e fraternidade, são um tesouro para a sociedade.

Em Portugal, por razões diversas, metade da população não participa em associações, e são

O que me impede de avançar e escolher ou criar

poucos os que participam em mais de cinco, temos

uma associação? Até lá exercite aquela pequena

uma grande capacidade de crescimento. Cada

escolha de ir a uma exposição, um concerto,

interesse de vida pode ser acolhido numa

participar num debate ou conferência. São estas

associação.

escolhas que nos vão construindo como pessoas e sociedade. A participação motiva-nos e, ao

As associações são espaços de construção e

mesmo tempo, encoraja e desafia, as associações.

pertença e ultrapassam o interesse dos seus

Assim se cria a teia social e comunitária e o

membros. Às vezes são o único olhar fino para

prazer de viver cada dia.

realidades que necessitam de intervenção, o espaço de integração para quem perdeu outras redes de suporte e a ajuda a recentrar o sentido da vida.

As empresas valorizam os candidatos com atividades associativas. Exercitam comunicação, persistência, resiliência, criatividade e empreendedorismo.

É estimulante criar e cuidar de uma associação, estar unidos numa causa a que voluntariamente nos dedicamos. Nela caminhamos para os outros e

"

É estimulante criar e cuidar de uma associação, estar unidos numa causa a que voluntariamente nos dedicamos. Nela caminhamos para os outros e para nós desenvolvendo aptidões diversas

para nós desenvolvendo aptidões diversas. A vida associativa é um desafio a viver a multiplicidade de sensibilidades e interrogações. Revela-se o aroma da vida que se faz palavra narrada, poesia,

Pastor e Activista

política, filosofia, ciência, música, dança, pintura,

Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal Diálogos ComSentidos

espiritualidade…

sócia

49 | MAIO 2020


40

VISÕES DE SOCIEDADE

AS NOVAS FORMAS DE LAZER E DE ASSOCIATIVISMO

VISÕES PARA A DÉCADA

SIMBIOSES SEM PARASITISMOS A N T Ó N I O

C A R R A C O

D O S

R E I S

Associare, do Latim, conduz-nos até à ideia de

Estou plenamente convicto de que cabe a mim e a

unir, reunir, juntar…

ti zelarmos pelos nossos ideais, vontades, prosperidade e alegria. Simultaneamente, é da

A associação de pessoas, o trabalho e a vida em

escassez que surge a nossa interdependência,

equipa, veem a sua história diluída com a da

assim sou levado a acreditar que a associação de

Humanidade. Por muito que tudo aconteça mais

recursos, humanos e não, manter-se-á viva, com

depressa, creio ser prudente zelar para que

conteúdo, e necessária. Quanto à forma, essa

depressa não se torne depressa demais.

sempre foi definida pelos limites (o véu) da existência do objeto, e pela sua preservação.

A tecnologia faz uma releitura do conceito místico de egrégora: que independentemente do espaço,

Brindemos juntos, ao associativismo. Brindemos

ou do tempo, traduz uma união intelectual, mental

com a consciência de que tanto a Luz, como o

ou espiritual - se quiserem - de pessoas em torno

solo, como a videira, como o trabalho, o engenho,

de uma ideia, convicção ou vontade comuns.

o tempo, o véu do copo e as pessoas possibilitam esse brinde. Já que cada um, sem cada outro,

Aos guardiões das egrégoras pode caber a

gerará qualquer outra coisa que não um brinde.

responsabilidade de manter o véu entre o que é de César e o que é seu; aos mais jovens, usar a vista fresca para remendar os buraquinhos que as traças de César têm vindo a fazer, fazem e, por instinto ou necessidade, talvez continuem.

Manter e nutrir a simbiose e evitar parasitismos.

O futuro, como um acumular sucessivo de agoras, não será diferente da intenção e força colocadas em cada um deles. Serão os ansiãos do futuro mais independentes e autossuficientes? Não creio… Os jovens? Talvez ainda menos… E os Césares?

"

Manter e nutrir a simbiose e evitar parasitismos. O futuro, como um acumular sucessivo de agoras, não será diferente da intenção e força colocadas em cada um deles

Poderão as dinâmicas associativas vir a digitalizarse cada vez mais? Talvez… Será isso novo? Talvez não. Perderemos eficiência com isso? Duvido muito. E essência? Tampouco.

Enquanto o Estado e os Mercados (que não deixam de ser associações) não garantirem uma resposta plena a todas as nossas carências, será necessária a proatividade e ação paralelas da Sociedade Civil. Sem esquecer que o associativismo existe além das folhas de cálculo e antes das identidades jurídicas. Está-se, a meu ver, em associativismo, sempre que duas ou mais pessoas casam esforços em prol de qualquer conquista.

sócia

50 | MAIO 2020

Ativista

Diálogo intercultural e inter-religioso MURAL - ACM Diálogos ComSentidos


40

VISÕES DE SOCIEDADE

AS NOVAS FORMAS DE LAZER E DE ASSOCIATIVISMO

VISÕES PARA A DÉCADA

REGRESSO AO PASSADO A N T Ó N I O

J O R G E

L É

Estamos epicamente na Internet. Todos temos

Regressar!

facebook! Vamos querer saborear tanto a ternura da Brilhante.

ingenuidade, a frescura da simplicidade, o sorriso franco de um amigo. No rol de conversas

“Postamos” fotos de batatas fritas,

fantásticas, onde somos, cada um, protagonistas

trabalhamos on-line nos vários suportes, os mesmos

de opinião, ao vivo, olhos nos olhos dos que

que inundam os ecrãs pejados de dedadas da

conhecemos, dos que se cruzam connosco na rua,

gordura das tais batatas rijas e frias, porque

os mesmos que vivem uma rua ao lado… que

estivemos a “teclar” e nem almoçámos de jeito.

surgem quando de algo necessitamos… que

Cheios de colesterol, sentados ao pé de uma

vão ao nosso funeral.

nova app, e a acarinhar um cão cheio de pêlos, eis-nos rodeados por máquinas multifunções que,

Este é o princípio de uma nova era, aquela que

ao carregar nas teclas, até deitam fumo e que

desde sempre perseguiu o homem. Vamos voltar a

rebentam antes do prazo da garantia.

dar importância ao grupo, vamos querer associar-nos.

Surpreendente! O colorido de um rancho folclórico, a formatura Mas como surgiu um inesperado e maldito vírus,

musical de uma filarmónica, as tábuas de um

não sei quando acontecerá uma desmagnetização

velho palco, um abraço de um par de dança, tudo

global. E depois?

isto fará tamanhos encantos à vida. Voltamos às coisas físicas, as que estão off-line.

Temos de perceber a criação terrena: o ser humano é um animal de grupo, o nosso cérebro

Mas em 2030 estes pedaços de luxo terão preço.

precisa de estímulos físicos. Em 2030 já estaremos

Serão vintage, são vinil de 75 rotações… porque

fartos (e marrecos) da imaginação, da fantasia, do

pensámos sempre (e ainda pensamos!) que o

virtual, de sermos espectadores dos outros,

futuro é algo tão sensacional, tecnologicamente

danados com os likes que a toda a hora nos

avançado, ainda melhor que um bolo de bacalhau

exigem.

e um copo de tinto entre amigos… e não é. A não ser que seja zurrapa!

Depois de ultrapassarmos uma longa e penosa crise financeira mundial, entre desemprego e miséria, com repetições de vírus e bactérias, fungos e bacilos, sozinhos e tristes, mas sábios de todas das matérias e arrogantes em todas as direcções, vamos querer ser menos hábeis no inglês, menos malcriados para os vizinhos, mas ainda perdidos à procura do rumo… sempre obrigados a lavar as mãos até aparecem, em fundo desmaiado, as cábulas da escola primária…

Fartos de “fugir” do nosso semelhante,

"

Fartos de “fugir” do nosso semelhante, desalentados pelo fracasso das carreiras de sonho prometidas desde a infância, entre ambições traçadas em corpos esculturais que a linha da elegância moderna impõe... e vamos querer mudar

desalentados pelo fracasso das carreiras de sonho prometidas desde a infância, entre ambições traçadas em corpos esculturais que a linha da elegância moderna impõe... e vamos querer mudar.

Casino Figueira Jornal "O Figueirense"

Diretor Artístico do Diretor do

sócia

51 | MAIO 2020


40 VISÕES

VISÕES DE SOCIEDADE

AS NOVAS FORMAS DE LAZER E DE ASSOCIATIVISMO

PARA A DÉCADA

O PAPEL DAS ASSOCIAÇÕES DE ESTUDANTES NA SOCIEDADE E OS SEUS DESAFIOS NA PRÓXIMA DÉCADA D A N I E L

A Z E N H A

A composição de um artigo sobre “As novas formas

O afastamento dos dirigentes, e das pessoas

de lazer e de associativismo”, seria certamente

envolvidas em projetos associativos, será um dos

escrita de outra forma e com outro pensamento,

maiores problemas das estruturas. Este fator

não fosse o momento completamente excecional

levará ao enfraquecimento natural e

que o mundo vive hoje devido à crise pandémica

consequentemente a um aumento da debilidade,

da Covid-19.

que resultará na maior dificuldade em ultrapassar

Não é de análise simples perceber quais serão as

momentos sem atividade ou até mesmo a não

repercussões exatas no futuro, e qual será o

existência de dirigentes que garantam a

impacto na sociedade, na economia e na política

renovação de quadros. Não há dúvida que este

depois desta pandemia. Certo é que nenhuma

fator é aquele que deve ser visto com maior

pessoa ou setor voltará a ser igual depois de viver

atenção. Nenhuma estrutura sobrevive sem

esta realidade.

recursos humanos. A este problema acresce o

O associativismo não será exceção. Por isso, numa

facto do período de atividade das associações de

análise ao futuro do associativismo na próxima

estudantes coincidirem com o calendário letivo,

década não podemos esquecer este fenómeno da

que reforça um potencial afastamento dos seus

Covid-19, que irá condicionar o desenvolvimento

dirigentes, num período em que as instituições de

das associações e levará à imposição de vários

ensino estão encerradas.

desafios, tanto aos seus dirigentes, ao

O financiamento será, a par do afastamento dos

funcionamento das próprias associações, ao seu

dirigentes, o maior desafio que as estruturas

modelo de financiamento e à responsabilidade

associativas terão no futuro. A redução dos

social que desempenham, na identificação e

rendimentos que surgem com a diminuição o

resolução dos problemas que surgem na

número de pagantes, assim como a redução do

comunidade.

financiamento que advém do patrocínio de várias

Em matéria de associativismo, destaco o papel de

entidades será algo tanto expectável como de

extrema relevância das associações de estudantes

catastrófico para a maioria das associações. As

na nossa sociedade. Na maioria dos casos, as

dificuldades financeiras terão de ser

associações de estudantes são aquelas que mais

acompanhadas por um enorme sentido de

vertentes abrangem, tendo na sua génese a

responsabilidade da parte dos dirigentes, que

responsabilidade de promover atividades

terão a missão de garantiro equilíbrio entre a

desportivas, culturais, de índole política e até

promoção de atividades para os seus associados

mesmo de cariz solidária, com um enorme impacto

e a estabilidade financeira.

na garantia de condições mínimas à vida.

Todos nós temos presente a importância do

Pela importância que estas têm revelado, julgo que

associativismo, do seu papel na sociedade ena

a primeira análise a ter em conta para que se

vida de cada pessoa. As associações são espaços

consiga idealizar o desenvolvimento nestes

de intervenção política e social, de reivindicação,

próximos 10 anos é a da identificação dos desafios

de promoção cultural, desportiva e recreativa. E

resultantes da pandemia que vivemos hoje e que

por isso esta matéria requer uma especial atenção

trará sérias dificuldades às associações de

dos nossos governantes, garantindo assim uma

estudantes.

resposta para que as associações, e em especial

Na minha opinião, acredito que entre muitos, dois

as associações de estudantes mantenham a sua

serão os principais desafios que as associações de

missão.

estudantes terão - o afastamento das pessoas envolvidas e o financiamento disponível.

Presidente da Direção Geral

Associação Académica de Coimbra

sócia

52 | MAIO 2020


40

VISÕES

VISÕES DE SOCIEDADE

AS NOVAS FORMAS DE LAZER E DE ASSOCIATIVISMO

PARA A DÉCADA

O ASSOCIATIVISMO EM PORTUGAL: UMA MARCA DE FUTURO M A F A L D A

A Z E V E D O

Em Portugal, o associativismo começou a afirmarse a partir de meados do século XIX, quase sempre associado a organizações de natureza profissional. Já durante o Estado Novo, assistimos a uma massificação das associações de caráter cultural, recorrentemente, manietadas pelo regime de então. Porém, as associações culturais assumiram-se, em muitos casos, como uma expressão de liberdade e de oposição ao próprio regime.

Ademais, importa recordar que nesta época, a cultura e o lazer estavam reservados apenas a uma pequena elite urbana. Deste modo, o associativismo assumia-se como um instrumento da maior relevância no acesso das massas ao lazer.

Na construção da nossa democracia, o associativismo passaria a ser a expressão organizada da sociedade civil, constituindo-se como um importante veículo no exercício da cidadania. De facto, é notória a correlação entre a participação política e o envolvimento na vida associativa, como aliás, são evidência os países onde elevadas taxas de participação política estão entrosadas com notáveis culturas associativas.

No entanto, nos últimos anos, o associativismo português tem vindo a esmorecer e a envelhecer. Com a precarização das relações laborais, as novas gerações não têm tanta disponibilidade para se dedicaram à causa pública.

Paralelamente, temos assistido ao surgimento de novas formas de participação cívica. A comodidade das redes sociais arroga-se como um substituto ao tradicional modus operandi das coletividades. Portanto, afigura-se da maior relevância que as associações olhem para o

"

Afigura-se da maior relevância que as associações olhem para o espaço digital como um aliado

essencial para manter um contacto permanente com amigos e conhecidos. Neste sentido, cabe às coletividades, fazerem os necessários esforços para promover também, através da via digital, o contacto entre os seus associados e a atratividade para renovarem os seus quadros. Contudo, as coletividades têm a vantagem de já terem uma “identidade”, o que no digital é um valor difícil de alcançar.

Para além disso, esta pandemia acentuou as desigualdades sociais e, por isso, urge garantir o acesso universal à internet para mitigar as mesmas. Se em 1969, as coletividades disponibilizavam o principal meio de comunicação da época- a televisão-, nos nossos dias, têm de garantir a melhor conexão à internet da sua localidade.

Evidentemente, esta só será uma realidade possível com um programa nacional que ofereça às coletividades, redes de internet semelhantes àquelas que os serviços prioritários usufruem. Efetivamente, as coletividades foram essenciais para preservar a identidade cultural das comunidades onde se inserem. Não obstante, hoje têm de ser também o espelho da sociedade global em que vivemos. Consequentemente, a promoção de intercâmbios culturais é um enorme atrativo, para as novas gerações.

Assim, o associativismo deve abraçar as novas formas de interação, para voltar a ter a relevância de outrora.

espaço digital como um aliado. Antigamente, o fomentar das relações sociais passava pelo encontro no café da coletividade. Hoje, para as novas gerações, as redes socais são um eixo

Estudante do Ensino Superior e Presidente da CPC da

Juventude Socialista/Figueira da Foz

sócia

53 | MAIO 2020


40 VISÕES

VISÕES DE SOCIEDADE

OPORTUNIDADES E DESAFIOS DO MOVIMENTO ASSOCIATIVO

PARA A DÉCADA

OPORTUNIDADES E DESAFIOS DO MOVIMENTO ASSOCIATIVO 2020-2030 A N T Ó N I O

A G O S T I N H O

A receita para 2020/30 é simples: convívio e

Apesar deste cenário, as estatísticas demonstram

partilha de ideias.

que, desde o 25 de Abril de 1974, “o número de colectividades tem vindo constantemente a

Numa altura de crise geral no concelho, o

aumentar, mantendo um balanço positivo entre as

movimento associativo não foge à regra. O

associações que são criadas e as que

associativismo vive dias difíceis e a inversão dessa

desaparecem”. Os dados da Confederação

tendência não parece estar para breve.

Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto confirmam, ao apontarem para

A participação em associações permitiu aos

a existência em todo o território nacional, de

portugueses resistirem ao Estado Novo e preparou-

quase 7 mil associações com um total de um

os para os desafios que surgiram na administração

milhão de associados, e de 18 mil clubes e

pública no pós-25 de Abril de 1974. Foi nas

colectividades, com mais de três milhões de

colectividades que muitos democratas se juntaram

associados.

e resistiram ao período de falta de liberdade e democracia que marcou todo o tempo de vigência

A história das Colectividades do Concelho da

do Estado Novo.

Figueira da Foz resultou de contextos únicos e dificilmente reproduzíveis. Para 2020/2030 os

Recordo um episódio que se passou numa acção

desafios serão novos e motivadores. Não se

cultural na Fontela em 1937. Joaquim Namorado e

podem é construir realidades e modelos

Carlos Oliveira vieram realizar uma sessão, num

associativos artificiais: não poderão aparecer sem

Clube modesto, perante gente modesta.

ter em conta o conhecimento do passado e a

Aconteceu apenas uma conversa. Segundo

valorização da história e da cultura associativa

Joaquim Namorado, que foi da boca de quem ouvi

que faz parte do tempo que passou. As soluções

este relato, na assistência estavam amigos. E

só serão exequíveis e os caminhos só serão válidos

estava a PIDE, que a seguir à ida dos oradores de

e eficazes se tiverem em atenção e assentarem

comboio para Coimbra, "atazanou o corpo e a

num processo evolutivo que incorpore as novas

alma aos directores da Colectividade".

realidades. Os agentes da mudança só podem ser, no essencial, aqueles que integram o próprio

A resistência à ditadura, passou pela acção de

movimento associativo e não os que, do exterior, o

promoção da cultura pelo movimento associativo.

procuram controlar, para se aproveitarem para

Muitos homens e mulheres tiveram na banda de

promoção pessoal ou política.

música, no grupo de teatro, no grupo coral ou no clube desportivo a sua escola cívica e de

O futuro do associativismo passa pela receita de

cidadania. Alguns deles, com a conquista da

sempre, adaptada aos tempos de hoje, com a

liberdade, ocuparam funções públicas na

nova realidade que nos convida a ficar em casa:

sociedade democrática.

conseguir continuar a ser um espaço de convívio e de partilha de ideias.

Actualmente, as pessoas participam menos na vida das colectividades. Na Figueira, a maioria da população não pertence a nenhuma colectiviadade, movimento ou grupo de cidadãos.

Blogger

Outra Margem

sócia

54 | MAIO 2020

"

Os agentes da mudança só podem ser, no essencial, aqueles que integram o próprio movimento associativo e não os que, do exterior, o procuram controlar, para se aproveitarem para promoção pessoal ou política


40

VISÕES

VISÕES DE SOCIEDADE

OPORTUNIDADES E DESAFIOS DO MOVIMENTO ASSOCIATIVO

PARA A DÉCADA

A DEFESA DA GASTRONOMIA TRADICIONAL NO MOVIMENTO ASSOCIATIVO G U I D A

C Â N D I D O

Apetece iniciar esta reflexão com uma interpelação: onde cabe a salvaguarda da gastronomia tradicional no movimento associativo? Esta questão alude a outra: o que se entende por cozinha tradicional? Qualquer afirmação convicta de originalidade e pertença de diversos pratos associados ao que se infere por tradicional, deverá ser alvo de interrogação e

"

A existência das tradições está irremediavelmente ligada ao pressuposto antropológico da nossa finitude, relacionado com a permanente busca de vínculos e conhecimento entre gerações.

validação da sua interpretação. No mais, a questão basilar assenta na definição do próprio

multidisciplinar ancorado no conceito de

termo tradicional. A palavra tradição, e tudo o

identidade individual, familiar, comunitária, local,

que ela encerra, decorre essencialmente da

regional e nacional. Trata-se de um método de

propagação de um uso, durante um longo ciclo,

construção de uma identidade coletiva que

constituindo um património que insiste em viver na

acompanha ações políticas, económicas e

memória coletiva e que se revela em normas

culturais.

sociais atuais, ainda que muitas vezes com um caráter pontual. São práticas culturais, populares,

O município da Figueira da Foz editou em 2015

religiosas, familiares e, inevitavelmente,

(com reedição revista, melhorada e acrescentada

gastronómicas. A existência das tradições está

em 2019) o seu receituário tradicional, numa obra

irremediavelmente ligada ao pressuposto

que levou como título principal “A Nossa Mesa”.

antropológico da nossa finitude, relacionado com

Nessa ocasião, as diversas coletividades do

a permanente busca de vínculos e conhecimento

concelho contribuíram de forma inequívoca e

entre gerações. As tradições que mantemos, as

inestimável para a recolha do que se entende

questões alimentares relacionadas com as

serem o seu património gastronómico, a sua

festividades e os ciclos da vida são um repositório

identidade e matriz no domínio da comensalidade.

de saberes, crenças, hábitos e costumes que

Lembro, igualmente, o evento anual “Feira das

importa analisar e salvaguardar. Constituem

Freguesias”, que responde ao desígnio de

hábitos que perpetuam lembranças e recordam a

promover e divulgar as singularidades culinárias

necessidade de preservar valores e

do território. Neste particular, é terminantemente

conhecimentos. A transmissão oral ou escrita de

elementar que se percorra o caminho da fixação

usos e costumes culinários com práticas

do receituário tradicional em prole da sua

conservadas por ação da memória, adquirem um

manutenção, pese embora a sedução de

valor ritual e simbólico. De resto, evoco o

percursos condescendentes. Porquanto,

reconhecimento oficial do Património Cultural

regressando à questão inicial: qual o papel que o

Imaterial da Humanidade estabelecido pela

movimento associativo pretende, nos anos

UNESCO, em 2003, e por diplomas legais em

vindouros, exercer nesta salvaguarda do

diversos países, para garantir a preservação e a

património gastronómico do território?

proteção dos patrimónios culturais intangíveis em todo o mundo, visando deste modo aumentar a consciência da sua importância. A construção do património gastronómico é um processo

Investigadora do Centro Est. Clássicos e Humanísticos

Universidade de Coimbra

sócia

55 | MAIO 2020


40

VISÕES DE SOCIEDADE

OPORTUNIDADES E DESAFIOS DO MOVIMENTO ASSOCIATIVO

VISÕES

PARA A DÉCADA

OPORTUNIDADES E DESAFIOS F R A N C I S C O

R E L V A

P E R E I R A

Captação da juventude, sustentabilidade das

Assistimos hoje a uma nova vaga de responsáveis

associações, nova visão de apoios,

políticos que possuem também uma “nova”

responsabilidades diretivas e fiscais, novos modelos

estratégia sobre esse fenómeno social. Estes

festivos são ideias que, tendo em vista a

perceberam claramente a força destas

elasticidade temporal para uma década, me

organizações, visto que é através delas e das

surgiram ao explorar o desafio que me foi colocado.

pessoas que as constituem que se estabelecem inter-

De facto, todos estes itens são uma constante “dor

relações e tomadas de decisões tanto ao nível

de cabeça” para quem comanda os destinos de uma

económico como social, cultural e desportivo.

qualquer associação. A estes associam-se os muitos

Noutra perspetiva, a contribuição dos sócios, apesar

voluntários que com a sua boa vontade, e sobretudo

de ser sempre um garante financeiro, atualmente

orgulho em representar a sua terra através desse

não é suficiente para fazer face às despesas

estatuto associativo, teimam em levar para a frente

correntes, tornando-se fundamental o apoio do

a sua nobre causa de manter a tradição que muitas

poder local. Adivinha-se para a década um melhor e

vezes é de há muitos anos e umbilicalmente familiar.

maior empenhamento das autarquias na

Porém, tenho dúvidas perante as realidades com que

sustentabilidade das associações. Outro caminho

diariamente convivemos. Dentro de casa, e

que se deve seguir será o mecenato. Essas

comodamente, estamos ligados ao mundo através da

cooperações trazem também responsabilidades

internet, a qual nos permite aceder ao que nós

acrescidas ao movimento associativo, tornando-o

desejamos sem sair do sofá, abstendo-nos de tudo o

mais comprometido e credível.

que nos rodeia, não se tendo, nem se adquirindo

Por último, foco-me nos festejos, expressos na

nenhuma outra responsabilidade. Daí que me

espontaneidade e intensidade com que uma

interrogo: será que daqui a uns anos ainda teremos a

população vive e convive durante alguns dias.

juventude em massa nas associações?

Também se retira da análise a essas festividades a

O desígnio que temos pela frente, poderá em

qualidade de vida dessa mesma comunidade. A

algumas regiões do país ser mais forte do que

adaptação a novos conceitos, inovações, critérios e

noutras, mas ainda assim poderão existir alavancas

diversões será mais uma etapa desafiante para os

que possam promover e despertar consciências que

próximos anos. Não tenhamos dúvidas de que as

contrariem essa tendência de abandono e

regras irão mudar.

desinteresse pela cultura popular e, sobretudo, pelo

Enquanto nos preparamos para os novos modelos

amor que se adquire às “nossas” coletividades. O

festivos, podemos deixar uma reflexão final relativa

destino que estes nossos tempos nos reservam é uma

ao futuro do associativismo. Espera-se que seja

incógnita…

risonho. Poderá e deverá trazer uma nova lufada de

Se hoje já nos deparamos com dificuldades em os

ar fresco a esta causa. Tenho esperança em dias

“apanhar” a década que temos pela frente será

melhores, assim haja um maior empenhamento das

crucial para que os jovens sejam motivados e

entidades ligadas aos diversos sectores para

incentivados a vestir a camisola associativa nas suas

apoiarem, não com bonitas palavras e frases, mas

múltiplas vertentes.

sim com projetos, ideias e sobretudo com desafios

Por outro lado, os dirigentes deparam-se no

que possam mexer com as dinâmicas das

quotidiano com burocracias e um sem número de

associações. O próprio Estado de direito - executivo,

documentação que diariamente exigem respostas,

legislativo e judicial – terá de experimentar um maior

tanto no âmbito meramente institucional como

envolvimento, apoio e diálogo, assumindo as suas

também no domínio da fiscalidade. Se por um lado

responsabilidades no domínio social, desportivo e

será um bom indício da multiplicidade orgânica que

cultural.

prolifera para a sociedade, cultura e desporto, por

Por último, torna-se cada vez mais eficaz que o

outro, temos de ter a consciência de que os

Marketing esteja presente e ao serviço das

diretores são voluntários, e que apenas dispõem de

coletividades, bem como a comunicação social, a

um tempo para se poderem sentar à secretária da

qual muitas vezes anda desatenta à dinâmica e às

sua coletividade e cumprir os seus compromissos.

acções desenvolvidas nas associações.

No entanto, esse amadorismo vai mexendo com as

O meu abraço fraternal a todos os que lutaram e

estruturas do poder local, o qual, começa a ter outro

militam no mundo do associativismo.

olhar e uma outra visão sobre o associativismo.

Maestro

Sociedade Musical Santanense

sócio

56 | MAIO 2020


40 VISÕES

VISÕES DE SOCIEDADE

OPORTUNIDADES E DESAFIOS DO MOVIMENTO ASSOCIATIVO

PARA A DÉCADA

UM NOVO TEMPO, DEPOIS DE TANTOS NOVOS TEMPOS L Í D I O

L O P E S

O movimento associativo, através das

Muito mais do que o Estado, os seus tentáculos

coletividades que estão no terreno a desenvolver

descentralizados, as vontades políticas de

atividades culturais, recreativas, desportivas,

momento, os humores circunstanciais, dado que

humanitárias e de instrução, é, indiscutivelmente,

todos esses, nunca conseguiram e, por isso, não

um dos mais importantes pilares em que se tem

vão conseguir, bloquear, encaminhar, condicionar

suportado o poder local e mesmo o nacional, no

a vida do que o povo quer para si próprio e para a

sentido de conferir uma consistente melhoria das

sua capacidade de inovar, de se juntar em torno

condições de vida das populações, satisfazendo

de projetos comunitários, que sublinham a história

algumas das suas mais elementares necessidades.

e a tradição, mas também o presente,

Tantas vezes, quase sempre, as coletividades

proporcionando atividades desportivas,

substituem o Estado, mesmo em situações que,

recreativas e culturais e o futuro, com a

constitucionalmente, seria por

divulgação e a promoção das novas tecnologias e

inteiro uma sua responsabilidade.

do mesmo fazer de antes, no novo mundo que se desenha no estirador, de uma era digital que nos

Desde a sua origem, nos formatos mais

impõe, exige e proporciona novas encruzilhadas

normalizados e que cumprem o formalismo legal de

de decisão, num caminho a passos demonstrados

instituição com regras estatutárias estabelecidas,

para o insondável terreno da inteligência

este universo, que emana diretamente da matriz

artificial.

cultural das populações que lhe dão sentido e a quem servem na dimensão dessa vontade, já viveu,

Contar-se-á, sempre, com a iniciativa do esforço

assistiu e participou em inúmeras, tantas,

coletivo, numa ação decidida, conhecedora, de

alterações na evolução ou involução das

proximidade, assumindo-se como polo de inclusão

sociedades e de tudo o que lhe diz respeito, como

e de prevenção de comportamentos desviantes,

esteve sempre presente nos momentos mais

na mobilização dos jovens e dos menos jovens,

difíceis, guerras, fome, epidemias e pandemias,

para bons projetos. Como cada vez mais se devem

tão terríveis como a que vivemos neste tempo que

esbater os muros dos quintais do individualismo e

nos é oferecido e que, por vezes, tiveram efeitos

da competição injustificada, construídos com

muito piores, por todas as razões e em todos os

base num bairrismo bacoco, sem lugar num mundo

fatores de abordagem.

de partilha e apoio, de subsidiariedade, de tolerância, de complementaridade e de

Se o associativismo é o produto de uma resposta a

solidariedade. Creio e desejo, que a dimensão do

uma necessidade das populações, que se assumem

conceito de Humanidade, com todas as suas

como protagonista principal, ativo e participativo

variáveis, vantagens e virtudes, se afirme

na gestão das necessárias soluções às suas

vincadamente no futuro, no mundo associativo, a

necessidades, que mais ninguém lhe resolve e

construção de todos nós, do que somos e

persistiu, resistindo, sempre por vontade do seu

queremos para todos nós.

criador, as mesmas populações que lhe configuram o seu ADN e lhe fornecem os necessários anticorpos para resistir à erosão resultante da intempérie dos tempos de conflito, de individualismo exacerbado, de mau trato institucional e de falta de apoios financeiros, é fácil prever que a próxima década deste extraordinário movimento associativo, será, sobreviverá e terá a afirmação de força que a sociedade que lhe dá vida e sentido quiser.

"

Cada vez mais se devem esbater os muros dos quintais do individualismo e da competição injustificada

Presidente da Direção

Bombeiros Voluntários da Figueira da Foz

sócia

57 | MAIO 2020


40 VISÕES

VISÕES DE SOCIEDADE

OPORTUNIDADES E DESAFIOS DO MOVIMENTO ASSOCIATIVO

PARA A DÉCADA

“O ASSOCIATIVISMO É UMA NETWORKING QUE NOS DEFENDE DAS ADVERSIDADES” N U N O

L O P E S

Caros Leitores, é um verdadeiro exercício mental

Dito isto, o nosso futuro vai depender das

tentar prever a próxima década quando o nosso

escolhas que fizermos agora.

ritmo de vida é ajustado a cada 15 dias, fruto da actual crise sanitária. Mas como gosto de bons

Estes últimos tempos têm sido difíceis mas

desafios, enuncio-vos a minha percepção sobre

simultaneamente de grande esperança porque

como serão os próximos 10 anos e as

temos assistido a uma sociedade solidária, com

“oportunidades e desafios do movimento

grande espírito de sobrevivência, capaz de se

associativo”.

ajustar às adversidades e de se unir em torno de uma causa maior.

Em primeira análise teremos em 2030 a geração Millennium com idades próximas dos 50 anos, será

É aqui que renasce a importância do comércio

ela juntamente com a geração Z a grande maioria

local e das colectividades que nas últimas

da força de trabalho. Desta forma é importante

décadas têm vindo a perder fulgor. O futuro e

começarmos desde já a ouvir e compreender os

sobrevivência do comércio presencial passará

seu valores e prioridades para projectarmos como

cada vez mais por proporcionar uma boa

será o futuro. Atendendo às características destas

“experiência” em vez da simples venda e as

gerações, prevejo que haverá uma maior

colectividades terão que ser atractivas. A

consciencialização para a importância da

proximidade ao consumidor será uma

reciclagem e protecção do meio ambiente.

oportunidade para o comércio local e o associativismo verá a sua importância reforçada

A IA (Inteligência Artificial) actuará como uma

pela capacidade de rapidamente se organizar e

ferramenta sofisticada para análise de

desenvolver trabalho em prol da comunidade.

informações que nos facilitarão a tomada de decisão, e influenciará a escolha dos produtos ou

Deveremos continuar a fomentar na próxima

até mesmo os processos e modelos de negócio,

década o espírito de união, de partilha do

dando origem a novos empregos e eliminando

conhecimento, de cultura, de altruísmo, para que

muitos outros.

nos momentos difíceis como os que atravessamos, as colectividades e as associações assumam o

Na próxima década continuaremos a assistir a um

papel estratégico e de grande relevo através da

aumento exponencial da obtenção da energia

sua rede humana já criada, capaz de nos preparar

eléctrica com recurso às energias renováveis em

melhor e defender das adversidades da vida.

detrimento dos combustíveis fosseis. A grande

Juntos seremos sempre mais fortes.

maioria dos carros vendidos pela indústria automóvel serão eléctricos e alguns deles autómatos. Drones farão a fiscalização rodoviária e entrega de mercadorias e o ecommerce fará parte do nosso quotidiano, logo seremos cada vez mais cidadãos do mundo.

As alterações climáticas e a possibilidade de novos surtos pandémicos estarão nas mentes das sociedades e serão um foco de preocupação e instabilidade pelo seu forte impacto socioeconómico.

"

O associativismo verá a sua importância reforçada pela capacidade de rapidamente se organizar e desenvolver trabalho em prol da comunidade

Presidente da Direção

Associação Comercial e Industrial Figueira da Foz

sócia

58 | MAIO 2020


40

VISÕES DE SOCIEDADE

OPORTUNIDADES E DESAFIOS DO MOVIMENTO ASSOCIATIVO

VISÕES PARA A DÉCADA

O FUTURO DAS COLETIVIDADES DE CULTURA, RECREIO E DESPORTO S É R G I O

P R A T A S

Como serão as coletividades daqui a 10 anos? Ou

Aqui chegados, pode dizer-se que o futuro das

20 anos? E daqui a 50 anos? Que papel (e

coletividades surge estreitamente imbricado com

funções sociais) assumirão no futuro? Serão em

o futuro do país. As coletividades têm (e podem

maior número? Serão mais democráticas? Como

ter ainda mais) um papel importante no

será a cooperação com as autarquias? E com os

aprofundamento da democracia em Portugal.

serviços governamentais?

E o que é que sabemos sobre o contexto interno

Não é fácil dar resposta a tais perguntas. Sem

das coletividades? Sabemos que têm pontos

bola de cristal, a análise do futuro é sempre um

fortes: são a maior rede social do país – e a

exercício complexo. E discutível. Apesar disso, há

entidade coletiva mais próxima das pessoas; são

dois aspetos relativos ao futuro das coletividades

uma escola de cidadania e um exemplo de

que se podem desde já referenciar:

democracia; e são particularmente resilientes. Mas têm também alguns pontos fracos: por

a) As coletividades não vivem isoladas das

exemplo, a frágil coesão e interligação internas; o

comunidades onde estão inseridas. E não vivem

conservadorismo; ou a fraca participação de

desligadas da realidade nacional e internacional

jovens e de mulheres em funções dirigentes.

(contexto político, económico, social e cultural). A consciência dessa realidade coloca alguns b) Mas isso não significa que o futuro seja

desafios importantes. Para participarem na

ditado apenas pelo que vem de fora – pelo

construção de uma democracia avançada – ou de

contexto externo. A vontade dos associados e dos

alta intensidade – é fundamental que as

dirigentes, a sua visão, o seu querer e o seu

coletividades não se coloquem apenas numa

trabalho são também uma variável fundamental.

posição de amortecedor de problemas. Devem assumir cada vez mais um papel ativo e

E isso conduz-nos a uma primeira conclusão. O

consciente na transformação da sociedade – e na

futuro das coletividades será talhado (em grande

construção de uma sociedade mais justa. E

medida) pela relação dialética entre essas duas

precisam também de estar próximas e unidas –

realidades: o contexto externo e a realidade

trabalhando em parceria e no fortalecimento das

interna.

suas estruturas representativas. Só assim terão a força suficiente para serem obreiras do seu futuro

E o que é que sabemos sobre o contexto externo?

– e do futuro do país.

Entre muitas outras coisas, sabemos o que dispõe a Constituição Portuguesa. A nossa Constituição aponta um caminho claro: “A República Portuguesa é um Estado de direito democrático (…) visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento

º

da democracia participativa” (artigo 2. ). E reconhece o papel das coletividades na construção dessa mesma democracia: competelhes colaborar com o Estado e outras entidades na promoção do acesso por todos quer à cultura, quer ao desporto (artigos 73.

º

º

e 79. ); e compete-

"

O futuro das coletividades será talhado (em grande medida) pela relação dialética entre essas duas realidades: o contexto externo e a realidade interna

lhes também intervir ativamente na vida

º

administrativa local (artigo 263. ).

Diretor da Revista Análise Associativa Vice-presidente da Direção da

CPCCRD

sócia

59 | MAIO 2020


40

VISÕES DE SOCIEDADE

AS RELAÇÕES ENTRE O ESTADO CENTRAL E O MAP

VISÕES PARA A DÉCADA

PROSPECTIVA DAS RELAÇÕES ENTRE O ESTADO CENTRAL E O MAP A U G U S T O

F L O R

A iniciativa da Associação de Colectividades da

Seria um exercício meramente especulativo mas, é

Figueira da Foz merece-me o maior respeito e

possível estabelecer cenários com base nos

aplauso. Numa situação como a que vivemos

métodos e técnicas das ciências sociais e da

(Covid-19) comemorar o Dia Nacional das

experiência adquirida. Por outras palavras, se

Colectividades com a edição online da “Sócia” é

trabalharmos para que sejam reunidas certas

um passo da maior importância. Desejo os maiores

condições, podemos atingir certos objectivos.

êxitos sobretudo porque acredito que valerá mais

Relação causa / efeito.

pela substância que pela circunstância.

Sempre pautámos a nossa acção pelos interesses

Desafiado a reflectir sobre o futuro do MAP –

do MAP, identificando problemas internos e

Movimento Associativo Popular para a década

externos. Percebemos que muitos dos problemas

20/30, traz-me à memória a experiência dos meus

existentes no associativismo são endógenos os

50 anos de dedicação ao associativismo popular

seja, têm causas internas e como tal teremos que

de cultura, recreio e desporto (1970/2020). O que

ser nós a evitá-los ou resolve-los. Por outro lado,

vi, senti e vivi.

há problemas exógenos, ou seja, são problemas

gerais da sociedade que se reflectem no

Foi a Guerra Colonial (1961/1974) durante a

associativismo e, por isso, só terão solução no

ditadura que mobilizou e arrastou milhares de

associativismo quando forem solucionados na

jovens que eram Dirigentes Associativos. Foi a

sociedade.

Liberdade conquistada com o 25 de Abril de 1974

que levou milhares de Dirigentes Associativos para

Para cada problema, apresentamos uma solução. O

os Sindicatos, Partidos Políticos e Autarquias por

princípio é o da cooperação sem excluir a

serem experientes, reconhecidos e prestigiados. O

possibilidade de conflito institucional se

associativismo resistiu.

necessário. É essencial informar, mobilizar e dar

expressão à vontade dos Dirigentes Associativos

Foram as dificuldades de salários em atraso,

que, com a sua intervenção constituem verdadeiros

mudanças na natureza das relações de trabalho

agentes de transformação social. É desta forma

como a precariedade, as deslocações dos locais

que estabelecemos relações com o poder central.

de trabalho e a desregulação de horários de

Temos tido vitórias e derrotas e assim continuará a

trabalho, considerando que, sociologicamente,

ser.

mais de 86% dos Dirigentes Associativos são

trabalhadores por conte de outrem. E agora, uma

O funcionamento democrático do Associativismo

Pandemia que nos obriga a encerrar instalações, a

Popular, o contributo que damos para a qualidade

suspender as actividades associativas e a

da nossa democracia representativa, os valores

reinventar o futuro. O associativismo resiste.

como a transparência, solidariedade, trabalho colectivo, são o suporte da confiança que temos

Foram as muitas lutas que travámos que permitiram

porque fomos, somos e seremos parte de uma

hoje termos um conjunto de leis específicas para o

sociedade que, sem nós, seria mais pobre, menos

MAP bem como a inclusão no Conselho Económico

consciente, menos feliz e menos realizada.

e Social, Conselho Nacional do Desporto e

Conselho Nacional da Economia Social onde

O futuro está nas nossas mãos como está o

apresentamos as nossas propostas e representamos

presente e esteve o passado. A margem de erro

o MAP por inteiro. Não devemos nada a ninguém! É

aumenta se desistirmos. Importa por isso, arregaçar

um direito adquirido por dezenas de anos de luta

as mangas porque, uma década passa num

insistente e coerente. O associativismo continua a

instante.

resistir.

Até um dia destes, em 2030!

Como estaremos em 2030 não será possível, de

Antropólogo e Presidente da Direção da

todo, adivinhar.

Confederação Portuguesa das Colectividades

sócia

60 | MAIO 2020


40 VISÕES

VISÕES DE SOCIEDADE

AS RELAÇÕES ENTRE O ESTADO CENTRAL E O MAP

PARA A DÉCADA

O VALOR PATRIMONIAL DO MOVIMENTO ASSOCIATIVO NA SOCIEDADE PORTUGUESA R A Q U E L

F E R R E I R A

º

O Movimento Associativo Popular está alicerçado

Com a resolução n.

em valores fundamentais, como a solidariedade, a

Republica recomendou ao Governo a adoção de

130/2019, a Assembleia da

fraternidade, a cidadania e no trabalho voluntário

medidas de valorização do movimento associativo

de largas gerações de pessoas que dão o melhor

popular, nomeadamente,a consulta do movimento

do seu tempo e de si próprias. Este trabalho de

associativo popular para a definição de políticas

proximidade é um exemplo de persistência,

nas áreas da cultura, desporto e ação social;

dedicação e de referência na edificação dos

a criação de um programa de simplificação do

valores humanos da solidariedade e da partilha.

licenciamento, bem como, a realização de um estudo que vise a adoção de medidas,

Um relatório do Instituto Nacional de Estatística

relacionadas com a remuneração e com a

de julho de 2019, diz-nos que, de acordo com a

redução dos encargos.

distribuição dos principais indicadores segundo a classificação Internacional de Organizações Sem

A maioria das associações suporta com os seus

Fins Lucrativos e do Terceiro Setor, em 2016, o

próprios meios as tarefas que realizam. Muitas

Valor Acrescentado Bruto (VAB) da Economia

obtêm parte dos seus recursos financeiros por via

Social representou 3,0% do VAB da

de subsídios, apoios ou comparticipações com

economia,tendo aumentado 14,6%, em termos

origem no sector público.

nominais, face a 2013. Este crescimento foi superior ao observado no conjunto da economia

No que respeita ao financiamento estatal, apesar

(8,3%), no mesmo período.

das diferenças existentes entre os apoios autárquicos e o poder central, este último mais

Ainda numa análise por grupos de entidades da

expressivo em termos orçamentais, são as

Economia Social, as Associações com fins

autarquias que continuam a ser a principal fonte

altruísticos evidenciavam-se em número de

de recursos das associações. Pois, a intervenção

entidades (92,9%), VAB (60,1%),Remunerações

direta do Estado abrange apenas um número

(61,9%) e Emprego remunerado (64,6%).

muito limitado de instituições.

Se fosse considerado o enorme volume de

Não tenho dúvidas acerca do impacto das

trabalho voluntário que é feito por mulheres e

associações na vida das pessoas, por isso,

homens nas associações - caso fosse remunerado

estamos todas e todos convocadas/os a prestar

- não teríamos dúvidas que este assumiria uma

mais atenção ao trabalho que as coletividades de

dimensão muito considerável, em termos

cultura, recreio e desporto têm vindo a

económicos.

desenvolver ao longo do tempo na sociedade portuguesa, constituindo um genuíno património

As principais adversidades das associações prendem-se sobretudo com um fraco reconhecimento do trabalho desenvolvido e com recursos financeiros insuficientes,necessitando assim, de um quadro de apoio institucional mais apropriado à realidade associativa do país.

nacional de valor social incalculável.

"

Estamos todas e todos convocadas/os a prestar mais atenção ao trabalho que as coletividades de cultura, recreio e desporto têm vindo a desenvolver

Advogada e Deputada à Assembleia da República (PS)

sócia

61 | MAIO 2020


40 VISÕES

VISÕES DE SOCIEDADE

AS MULHERES NO MOVIMENTO ASSOCIATIVO

PARA A DÉCADA

O QUE FUNCIONA SEM A PARTICIPAÇÃO FEMININA? S I L V I N A

Q U E I R O Z

Maio, flores e festa, a Primavera convidando à

As colectividades são espaços de discussão

celebração. Nebulosa por ora mas não roubando

política sobre a sociedade, os seus problemas,

a alegria de construir juntos. Dia 31 é dia festivo:

avanços e recuos e a participação das mulheres

aniversário da Federação das Colectividades.

conferirá pensamento integral, favorecerá a

Alegro-me com a data, envio parabéns e votos de

criação artística, trará empatia. Vejo-as com a

sucesso, nomeadamente para a década que vem.

sua energia inata promovendo “oficinas” e

De coração agradeço o convite para contribuir

formações para discussão e resolução de

para a comemoração, corporizada na revista

questões candentes e transversais, nomeadamente

“Sócia” que agora nasce, com um forte acento no

na difícil articulação do trabalho com a vida

feminino: “As mulheres e o associativismo”.

familiar e o papel socializante de que não vão abdicar. Não precisam de quotas que as

O tema é-me caríssimo. De miúda, acompanhando

alpendurem a qualquer tipo de responsabilidade.

o meu padrinho à Colectividade, contrariando a

Querem só o respeito que lhes é devido, o

vontade da esposa: as colectividades, as

reconhecimento das capacidades criativas e de

associações, tinham uma aura de “má fama” -

resiliência como já claramente visível no

jogatanas e copos. Injusto! Esta visão contribuía

movimento associativo. Querem vencer entraves,

para o afastamento das mulheres, só convocadas

resquícios do pensamento troglodita que as

a tarefas “menores”: limpar, cozinhar e organizar

menorizou.

festinhas, sob a tutela masculina. A Federação é a herdeira da Confederação Nem sócias podiam ser, nalguns casos por

Portuguesa de 1924 e esta a sequela da primeira

imposição dos próprios Estatutos! Foram-no mais

colectividade do País, nascida em 1722 sob a

tarde, com o consentimento escrito do pai ou do

égide de Pombal. Três séculos de história que

marido e com o cartão anexo aos deles! Era o

importa honrar. Urge um digno estatuto do

padrão, crendo todos que nem podia ser outro!

dirigente benévolo, homem ou mulher, permitindo

Mas devagarinho aconteceram mudanças,

liberdade para dedicação a esta vital “causa

conquistadas pelas mulheres a pulso. E após o 25

pública”. E o apoio grato das autarquias que têm

de Abril deu-se o boom: a entrada franca, a bem

no movimento associativo de massas um aliado

do movimento associativo popular, de longe

sempre atento.

espaço privilegiado não só de convívio mas também foco de cultura e alfobre de contestação ao regime, bilhetes trocados à mesa das cartas, olhares cruzados, saídas furtivas para conversas num canto escuro, em cautela máxima. As colectividades cedo ultrapassaram o patamar do lazer, imprescindível entre gente de vida árdua. Foram e são autênticas escolas de vida. Aí se aprendeu a ler e a escrever, muitos aprendemos a discorrer sobre o Mundo. Confusão ainda existe entre acto político e partidário, ajudando à manutenção de reacções obscurantistas.

"

A participação das mulheres conferirá pensamento integral, favorecerá a criação artística, trará empatia

Docente do ensino básico aposentada e deputada municipal

sócia

62 | MAIO 2020


40 VISÕES

VISÕES DE SOCIEDADE

AS MULHERES NO MOVIMENTO ASSOCIATIVO

PARA A DÉCADA

VALORIZAR O COLETIVO NA INDIVIDUALIDADE DO SER T E R E S A

M A C H A D O

Nunca fui dirigente associativa, conheço o

O trabalho que se avizinha nos anos vindouros

incomensurável e valioso universo do

urge ser concretizado em uníssono, como a

associativismo, por isso não posso deixar de

Associação de Coletividades tão bem tem sabido

confessar a extrema admiração que tenho pelos

fazer desde os primórdios da sua fundação.

homens e mulheres que o protagonizam, e que abnegadamente e diariamente lhe dão corpo,

Para definir o vosso voluntarismo e inexcedível

alma e vida.

espírito de missão só conheço duas simples palavras, PARABÉNS e OBRIGADA.

O Concelho da Figueira da Foz é particularmente rico em Colectividades que dinamizam as mais diversas actividades desportivas, recreativas, culturais e sociais. Da vasta panóplia de acções que alavancam no meio em que se inserem, será que poderemos elencá-las, ou distingui-las por ordem de prioridades? No meu entender não, importa acima de tudo procurar a resposta certa para o cidadão, que procura no espaço físico e de pertença imaterial, a plenitude das suas aptidões e dos seus desejos.

Se atentarmos na sinonímia casa/ família

"

A mulher dirigente associativa imprime o expoente máximo do seu género. Um olhar mais atento, cuidador, intuitivo afetivo e sensível. À especificidade do feminino alia-se uma ancestral capacidade de concretização de actividades

facilmente a associaremos a colectividade/lar. Como noutras áreas de intervenção, a mulher dirigente associativa imprime o expoente máximo do seu género. Um olhar mais atento, cuidador, intuitivo afetivo e sensível. À especificidade do feminino alia-se uma ancestral capacidade de concretização de actividades, com especial enfoque nas ligadas às manualidades e gastronomia, propiciadoras de um salutar e são convívio tão enraizado no nosso ”modus vivendi ”.

Se até aqui as Colectividades sempre se souberam organizar de forma a dar respostas a necessidades de intervenção no património material e pessoal de todos, hoje, esta agilidade e pertinência interventiva terá que equacionar a intervenção social, trabalhando em parceria com IPSS e outras entidades locais, de forma a colmatar as carências económicas, que irão agravar-se na encruzilhada dos tempos que atravessamos e que, seguramente, obrigarão as Colectividades e restantes entidades civis e autárquicas a olhar, vendo, as novas realidades que emergem a um ritmo alucinante.

Docente do ensino básico e Presidente do

Rotary Club da Figueira da Foz

sócia

63 | MAIO 2020


40 VISÕES

VISÕES DE SOCIEDADE

O ASSOCIATIVISMO NO CONCELHO DA FIGUEIRA DA FOZ

PARA A DÉCADA

UMA DÉCADA DEPOIS C A R L O S

T E N R E I R O

Desafiado, confesso-me sem capacidade nem

Assumido e garantido esse modelo de

atrevimento para ler o futuro, reconhecendo,

desenvolvimento económico e sustentado do

contudo, que 2030 é já aqui ao lado, mais tendo

concelho, o resto advirá por acréscimo, pois

em conta, o ritmo desenfreado como se

quanto ao mais, a Figueira da Foz afirma-se por si

esfumaram as duas primeiras décadas do século

só, graças às suas excelentes condições naturais,

XXI.

as quais, conferem uma invejável qualidade de vida e de atractividade, determinantes para a

As associações têm assumido, ao longo dos

captação de mais investimento e consequente

tempos, um papel preponderante em substituir e

criação de emprego, de forma a poder fixar com

complementar o Estado no apoio social, nas suas

êxito as nossas gerações mais novas que hoje em

várias vertentes, e mais notório tem sido esse

dia, infelizmente, são obrigadas a viver fora da

préstimo em momentos de crise, como aquele que

sua terra natal à procura de trabalho.

se vive actualmente, o que não invalida que a sua grande maioria esteja a passar por momentos

Se assim for, em 2030, com a actual questão

extremamente difíceis, devido não só aos parcos

pandémica há muito debelada, maximizado o

apoios que recebem, mas também, em razão dos

potencial do porto de mar, concretizado o

novos tempos que muito alteraram o modo de vida

aeroporto internacional na zona centro do país e

em sociedade, cada vez mais individualista e

a governação local confiada a verdadeiros

menos comunitário.

figueirenses, a Figueira da Foz será, sem dúvida, um dos melhores locais para se investir e viver e,

Se é um facto que o associativismo surge e

contará, seguramente, com um movimento

sobressai com maior enfase nos momentos de

associativo mais pujante do que nunca.

míngua, também é verdade que são os períodos económicos mais favoráveis que marcam o seu crescimento e fortalecimento, como nos tem ensinado, aliás, a história do nosso concelho, onde o movimento associativo figueirense ganhou grande expressão na dobragem entre os séculos XIX e XX, numa época que foi de apogeu no desenvolvimento económico local. Pela inegável importância que detém para a sociedade em geral, compete a todos nós, sobretudo aos agentes políticos e económicos, o dever e a tarefa de estimular e promover o associativismo, criando condições de progresso de forma a garantir o devido apoio.

Não me canso de insistir que a Figueira da Foz detém um enorme potencial de desenvolvimento,

"

Maximizado o potencial do porto de mar, concretizado o aeroporto internacional na zona centro do país e a governação local confiada a verdadeiros figueirenses, a Figueira da Foz será, sem dúvida, um dos melhores locais para se investir e viver e, contará, seguramente, com um movimento associativo mais pujante do que nunca

contando com uma mola estratégica e decisiva na criação de riqueza para o concelho, assente na existência dum porto de mar(onde urge assegurar um maior calado e uma barra desassoreada) articulando-o com uma plataforma de mobilidade intermodal (ferrovia/rodovia) destinada a servir um interland carente de escoamento, geograficamente balizado entre as grandes áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto e que se estende pela vizinha Espanha.

Advogado, dirigente associativo e vereador não executivo da Câmara Municipal da Figueira da Foz

sócia

04 | MAIO 2020 64


40 VISÕES

VISÕES DE SOCIEDADE

O ASSOCIATIVISMO NO CONCELHO DA FIGUEIRA DA FOZ

PARA A DÉCADA

O SER HUMANO É SOCIALIZÁVEL POR NATUREZA! J O S É

A U G U S T O

M A R Q U E S

As coletividades, independentemente da sua

É claro que nestes 46 anos a tentação de

localização,citadina ou rural, tiveram, e poderão

politização das coletividades esteve quase

vir a ter, porque presentemente não têm, apesar

sempre presente. Se nos primeiros tempos da

do “não têm” parecer excessivo, uma importância

democracia foram as coletividades que ganharam

decisiva na formação cívica, cultural e desportiva

com essa influência, o futuro, por paradoxal que

de uma franja significativa da nossa população.

pareça, passa por uma maior autonomia

relativamente aos diversos poderes, sob pena de

Logo que a novidade digital, ainda criança, passe

algumas se extinguirem se não forem capazes

a ser encarada como uma ferramenta para nos

de o fazer.

facilitar a existência e não como um fim para nos individualizar, sendo o ser humano socializável por

Sendo, há muito, a falta de dirigentes, dignos

natureza, voltaremos a reencontrar-nos com uma

desse nome, um dos principais problemas na

maior necessidade de vida em comum.

manutenção das associações, contrariando

algumas tendências, que apontam no sentido de

Sob pena de evocarmos mais um truísmo, as

criar regimes de exceção para os dirigentes

coletividades do futuro serão o resultado do

associativos como incentivo ao seu recrutamento,

presente. Importa por isso recuperar alguns dos

seguindo um pouco a linha do que os políticos

valores que nos trouxeram do século XIX ao século

foram fazendo para si, parece-nos que a aposta

XXI, reenquadrando-os e dando-lhes o significado

que urge fazer, passa pela dignificação dos que

que os padrões de vida exigem em cada

servem a causa associativa no presente,

momento.

enaltecendo a sua entrega generosa a esta nobre

causa e não pela criação de vantagens materiais.

Não é por acaso que as bandas filarmónicas são das poucas instituições que resistiram de forma

Só respeitando e incentivando os melhores, pelas

ininterrupta às vicissitudes dos tempos, sempre

suas reais capacidades e vocação para o

que a matriz fundadora se manteve.

dirigismo e não por alinhamentos conjunturais de

interesse duvidoso, voltaremos a ter pessoas

As nossas associações surgiram, por regra, fruto

capazes de guindar as nossas associações aos

da necessidade de afirmação de uma

patamares de importância que tiveram no

determinada comunidade e normalmente em

desenvolvimento de atividades verdadeiramente

momentos de marcado desenvolvimento social e

importantes na formação cívica, cultural e

económico dos meios onde se inserem. Sendo a

desportiva do nosso povo.

necessidade de afirmação algo intrínseco em todos os povos, o aparecimento ou

Em cima dos erros do presente, que são notórios,

rejuvenescimento das coletividades, só pode ser

saibamosconstruir um futuro melhor. E sim, as

uma realidade.

coletividades, se quisermos e soubermos, despindo

uma parte das pequenas invejas que caracterizam

Com o advento do poder democrático municipal -

cada vez mais a sociedade e vestindo a

nuns casos por mero aproveitamento político,

humildade que rareia, terão um futuro risonho.

noutros com o genuíno interesse no desenvolvimento concelhio - ganharam condições materiais que nunca, até então, tinham conhecido. Significa que, fruto do caminho percorrido nos últimos anos, não é possível falar de associativismo, no presente ou no futuro, sem falar de política associativa dos municípios ou até do país.

Fed. Filarmónicas Distrito Coimbra Casa do Povo de Quiaios

Vice-presidente

Presidente da Direção

sócia

65 | MAIO 2020


40 VISÕES

VISÕES DE SOCIEDADE

O ASSOCIATIVISMO NO CONCELHO DA FIGUEIRA DA FOZ

PARA A DÉCADA

UM TEMPO NOVO, A MESMA PAIXÃO COM ESPERANÇA E CORAGEM VAMOS À LUTA R O S A

B A P T I S T A

Abril chegou-nos com a certeza de que o mundo

Este é o tempo real para sermos mais amigos e

se vai revelar muito diferente, depois de um

companheiros, e de poder desfrutar deste lindo

intruso vir aprisionar a vida de todos nós, numa

sentimento que se chama: amor, carinho,

guerra sem fim à vista.

companheirismo, fidelidade, solidariedade e gratidão. Sofremos por nós e pelos que nos são

Este inimigo sem rosto e sem armas tem afetado

próximos mas sem podermos estar perto para dar

todos os aspetos da nossa vida em tempo real, o

um abraço, que tanto nos reconforta.

que coloca o Movimento Associativo, numa situação invulgar e nada familiar.

O associativismo no concelho da Figueira da Foz representa um património histórico, cultural e

Como pessoas em permanente Ação, estamos

social considerável.

constantemente ocupados em diferentes atividades, circulando livremente, encontrando-

Escrevo esta reflexão, com o sentimento de

nos publicamente, gerando dinâmicas

pertença a um grupo de milhares de dirigentes

diversificadas e estendendo mãos solidárias.

associativos que, em momentos particularmente difíceis, não deixa de dizer Presente, mais que

Por isso, este é um período muito difícil para

não seja, pelos sinais que dá na comunidade em

aqueles, que como nós, estão sempre a aprender,

que se insere de que, depois da tormenta,

crescendo e servindo juntos, as nossas

estaremos cá deste lado para, amarrados na

comunidades.

Esperança, ajudarmos a reerguer um mundo mais humano e mais solidário.

Em muitos aspetos, este também pode ser o momento de fazermos a diferença. O desalento bateu-nos à porta, mas em terreno associativo, sabemos renascer das cinzas e reinventar-nos.

Não percamos a oportunidade de ser úteis e servir sempre. Os caminhos que vamos traçar nos próximos tempos não se adivinham fáceis.

Não serão rápidos, nem fáceis de percorrer.

"

Este também pode ser o momento de fazermos a diferença. O desalento bateu-nos à porta, mas em terreno associativo, sabemos renascer das cinzas e reinventarnos

Esta pandemia que nos invadiu, vai definir a era moderna da mesma forma que a Segunda Guerra Mundial moldou gerações anteriores.

Presidente da Direção do

GIS

Presidente do Conselho Fiscal da

sócia

66 | MAIO 2020

CPCCRD


40

VISÕES

VISÕES DE SOCIEDADE

O ASSOCIATIVISMO NO CONCELHO DA FIGUEIRA DA FOZ

PARA A DÉCADA

UMA TERCEIRA VAGA NO ASSOCIATIVISMO FIGUEIRENSE S A N S Ã O

C O E L H O

Na recente pandemia originada pelo coronavírus

cheias de galhardetes permutados com instituições

(covid-19) muitos foram aqueles que ficaram em casa

afins, pendem das paredes fotos amarelecidas pelo

em regime de teletrabalho. Porém não há um

tempo de vetustos dirigentes destas INCRÍVEIS

normativo jurídico para este tipo de laboração e não

associações. Os seus dirigentes dedicam-se às

questionamos quem pagou a internet ou a energia

coletividades com uma entrega quase voluptuosa e

consumida em casa pelos trabalhadores. Muitos

admiro todos os que estão neste caminho. Porém,

destes mostraram satisfação por conseguirem

estes TODOS QUE ADMIRO não são capazes de

continuar a realizar as suas tarefas em teletrabalho

relatar a realidade nua e crua da diminuição de

e até socializaram, entre aspas, com os seus

associados, da questionável falta de participação

companheiros quando tomavam o café virtual. Foi

das populações nas nossas coletividades e da

inesperado, mas a adaptação foi rápida, embora ao

extrema dificuldade em nos adaptarmos aos novos

fim de algum tempo muitos sentissem saudades do

DESEJOS DOS NOVOS PÚBLICOS e à ÉPOCA DO

normal ambiente do escritório. Em relação aos

TELETRABALHO e, talvez, de uma espécie de TELE-

jovens e às crianças que já passavam muito tempo

ASSOCIATIVISMO. É reconhecidíssimo o esforço

em casa, tendo deixado, há muito e de um modo

hercúleo dos dirigentes para realizarem uma ou

geral de frequentar a rua, estas também se

outra atividade que encha o olho e passe nos média

adaptaram ao ensino online e via televisão, mas

- tal como é feita de suor e lágrimas a dedicação

terão começado cedo a sentir falta dos colegas e do

diária destes dirigentes para não entregarem, por

frenesim do ambiente escolar. Soube que algumas

falta de financiamento, as chaves da sede…porque

que diariamente estavam agarradas aos jogos de

esta sede tem MEMÓRIAS de pessoas, muitas

computador - talvez por estarem cheias de ecrã

familiares, de vidas, das convivialidades de antanho,

escolar – abandonaram, na pandemia, os jogos.

de factos que nos orgulham e ajudam a desenhar a

Estas são imagens recentes da Figueira, de Portugal

nossa identidade/POVO.

e do mundo. Obviamente reportamos profissionais em atividades específicas: setores terciários. Não

Talvez o que esteja a acontecer nas nossas VIDAS

aconteceu assim com o movimento associativo que

ATUAIS nos leve a encarar frontalmente o PORQUÊ

não pôde recorrer ao teletrabalho; aliás o humor

da falta de associados e de participação

circulou pela Net e no Whatsapp com bonecos como

destes (e isto ainda tem honrosas exceções), de

aquele do comandante do avião em teletrabalho a

como conseguir que o Estado olhe para as

saudar os passageiros desejando-lhes um bom voo.

COLETIVIDADES como parte de um eficaz Terceiro

Imagina-se o pavor!

Setor. Urge desenvolver os objetivos de grupo com homens SOLIDÁRIOS e jamais SOLITÁRIOS, por isso

Não contávamos com a chegada do covid-19.

estamos em ASSOCIATIVISMO e acredito que vamos

Alterou, abruptamente, modos de vida e deu um

entrar efetivamente numa Terceira Vaga de

forte rombo na economia. No entanto floriu o

Associativismo com a Figueira a atingir um ponto

teletrabalho que já existia em diversas modalidades

alto neste âmbito em 2030. O covid-19 veio mostrar

como a telemedicina ou a teleassistência. Mudaram-

que temos de nos adaptar às circunstâncias das

se regras de jogo. Mudou (um pouco) a sociedade. E

sociedades, ao NOVO REAL e aos novos interesses

é do social, da socialização, que nasce o movimento

dos cidadãos deixando de ser apenas um museu com

associativo com diversas roupagens e a tocar

um passado escrito nas paredes. A vitalidade cívica

dezenas de áreas. Sociedade, Solidariedade,

tem de se mostrar e os figueirenses precisam de

Exercício sublime de Democracia assim tem sido o

estar mais em interligação, em contacto de

Movimento Associativo Figueirense permitindo

proximidade que até pode ser pela net, pelo Skype

Escolas de Música, Filarmónicas, Teatro, Preservação

ou pelo Zoom, em grupos de defesa do ambiente, de

de Tradições, Clubes de Xadrez e de Sueca, Grupos

turismo, lazer, Direitos do Homem…ou uma Secção de

de Bailado e Sapateado, Folclore, Defesa do

Youtubers. Sem prejuízo de um passado

Património. As sedes das nossas coletividades estão

teimosamente glorioso.

Jornalista e radialista aposentado Presidente da Direção da

Dez de Agosto

sócia

67 | MAIO 2020


40

VISÕES

VISÕES TEMÁTICAS

UM ANDAMENTO PARA O MOVIMENTO FILARMÓNICO

PARA A DÉCADA

UM CENÁRIO, DOIS CENÁRIOS... QUE CENÁRIO? A F O N S O

A L V E S

CENÁRIO I

Com pensamento positivo, devemos olhar para

O público recebeu com aplausos os músicos que

as bandas de música como organismos vivos,

ocupavam o seu lugar no palco. O maestro

individuais, em constante mudança. Mas que

percorreu com o olhar os instrumentistas. Tinham

mudança?

preparado o reportório para as romarias, sendo

Sei que as duas visões descritas serão reais. As

hoje a sua apresentação. No programa constava

instituições não são algo abstrato, as

uma marcha de concerto, duas aberturas, uma

instituições são as pessoas que lá estão, em

seleção de música ligeira, uma rapsódia popular

dado momento, e essas mesmas pessoas serão

e uma marcha retirada das cadernetas de rua.

as responsáveis por um dos cenários descritos.

Um dos ouvintes, pai de um jovem

Nos últimos anos assistimos a tentativas de

instrumentista, sorria. Chegara a ter dúvidas que

diversificação da atividade das bandas. No

o rapaz seguisse os passos do tio, também

entanto, salvo raras e apreciadas excepções, os

músico, porque na banda não existia

apoios não são os desejados, nem imagino que

propriamente uma escola de música e os poucos

venham a ser. As bandas de música continuam a

jovens que lá iniciavam o seu percurso musical

ter um caminho sinuoso a percorrer e seria bom

não se sentiam motivados.

que não o fizessem individualmente. Será bem-

Naquela noite de sábado, 4 de Maio de 2030, a

vindo, durante a próxima década, um movimento

banda fez-se ouvir.

associativo com raízes fortes, congregador das vontades e interesses das instituições, dando

CENÁRIO II

voz aos anseios filarmónicos. Mas desenganem-

O público recebeu com aplausos os músicos que

se, há todo um trabalho que é imperativo fazer

ocupavam o seu lugar no palco. O maestro

dentro de portas, ninguém o fará por ninguém.

observou os numerosos instrumentistas. Sentia-

Penso que durante a próxima década, também

se satisfeito pelo trabalho realizado e confiante

devido à crescente escassez de serviços

na prestação dos seus músicos, principalmente

populares, as bandas de música irão procurar

porque a banda nos últimos anos soubera

novos mercados; é importante não resumir a

reinventar-se. Hoje prometia um concerto

atividade da banda apenas às romarias.

multidisciplinar que iria incluir vozes,

Também o ensino será melhor estruturado,

coreografias e projeção de imagem.

valendo a pena investir em monitores com

Um dos ouvintes, pai de um dos mais jovens

formação. A preocupação em definir e

instrumentistas, sorria. O jovem tinha iniciado os

consolidar os quadros efetivos parece acentuar-

seus estudos na escola de música há cerca de

se, havendo indicadores de que na próxima

três anos, adquirindo conhecimentos

década assistiremos, na sua maioria, a um

proporcionados por competentes monitores.

aumento das potencialidades das bandas de

Tinha participado na banda juvenil, a qual, para

música.

além de ser um agente motivador para a

É frequente ouvirmos dizer que nada será como

aprendizagem, servia de trampolim para a

antes. Não sei se nada será como antes, o que

banda sénior.

sei é que podemos tentar que tudo venha a ser

Naquela noite de sábado, 9 de Março de 2030,

melhor que antes. Obviamente espero que

a banda fez-se ouvir.

caminhemos com passo certo e seguro e que em 2030 o primeiro cenário descrito não se

CONCLUSÃO

verifique.

Se há certezas quanto ao futuro filarmónico, uma delas é que nada é garantido. Esta premissa provou ultimamente a sua veracidade.

sócia

68 | MAIO 2020

Maestro e Compositor


40

VISÕES

VISÕES TEMÁTICAS

UM ANDAMENTO PARA O MOVIMENTO FILARMÓNICO

PARA A DÉCADA

FILARMONIA: DAS PARTICULARIDADES ÀS OPORTUNIDADES H E L E N A

B A P T I S T A

São tantas, mas tantas, as filarmónicas que ecoam de cima a baixo deste jardim. Em cada uma inscreve-se a história de todas as outras, e ao longo de mais de duas centenas de anos, assim se têm mantido, de pé. E de pé, todas têm deixado, de forma inequívoca, uma marca irrepetível na cultura, na educação e na identidade dos que as integram e dos que as rodeiam.

"

O maior desafio que a próxima década colocará a cada filarmónica será sem dúvida a descoberta e assimilação das suas idiossincrasias, a compreensão e aceitação dos sons que as caracterizam e que as distinguem

Do lado musical, todo aquele que fica de fora do coreto se apercebe das transformações significativas ao nível da formação e especialização pelas quais as filarmónicas têm passado, pelo menos de há 30 anos a esta parte. Esta evolução tem permitido não só uma maior amplitude na escolha de repertórios, como a possibilidade de presentear o público com uma qualidade menos questionável. Do mesmo modo, também aquele reconhecerá o papel que as filarmónicas sempre tiveram na democratização do acesso à Música e do Ensino Musical. A par do que se ouve, também o que se vê, sejam as fardas mais aprumadas ou os instrumentos mais reluzentes debaixo do sol, sejam os rostos menos marcados pelo tempo ou o traço cada vez mais feminino que sobressai nas filas, tudo tem contribuído para a alteração das representações sociais das filarmónicas na comunidade. Do lado associativo, e sem dúvida aquele que tem mantido a sua verticalidade, serão certamente os que ficam dentro do coreto quem melhor poderá testemunhar o valor inestimável destas instituições enquanto instrumento de formação de carácter. Nenhuma outra organização, permitirá incluir debaixo de uma mesma batuta os que estão a dar os primeiros passos e os que já percorreram um longo caminho na vida, nem os que conseguem soar melhor e os que não conseguem soar ainda tão

Não obstante o que na sua essência parece ser comum, o maior desafio que a próxima década colocará a cada filarmónica será sem dúvida a descoberta e assimilação das suas idiossincrasias, a compreensão e aceitação dos sons que as caracterizam e que as distinguem. Neste tempo de globalização, de partilha do vivido e do sentido, sem limite e sem filtro, em que parece tão difícil não ceder à mera replicação do que se entende ser o sucesso do outro, cabe a cada filarmónica perceber as suas especificidades, as suas formas únicas de inspirar e expirar. Devidamente enquadrada nos seu contexto e com as suas gentes, cabe a cada filarmónica transformar essas mesmas particularidades em oportunidades. Apenas assumindo esta singularidade será possível ainda responder com sucesso a um desafio maior. O desafio de se conhecerem verdadeiramente umas às outras, de se estimarem verdadeiramente umas às outras, de se associarem verdadeiramente umas às outras, e de em uníssono, defenderem verdadeiramente o que ninguém melhor defenderá: a filarmonia. E assim continuarem a ser tantas, mas tantas, as filarmónicas que ecoam de cima a baixo deste jardim...

bem. Nenhuma organização, terá tão profundamente gravado no seu estandarte o sentido da socialização, da coesão, do sentido de pertença, da participação cívica, da

Presidente da Direção

solidariedade e da abnegação.

Federação Filarmónicas do Distrito de Coimbra

sócia

69 | MAIO 2020


40

VISÕES

VISÕES TEMÁTICAS

UM ANDAMENTO PARA O MOVIMENTO FILARMÓNICO

PARA A DÉCADA

APOLOGIA AO DIÁLOGO R E N A T A

O L I V E I R A

Antes de partilhar a minha reflexão sobre o

cria barreiras ao crescimento do contexto

futuro das filarmónicas, sublinho que esta é uma

filarmónico português como um todo. Seremos

reflexão pessoal, fundamentada na experiência

verdadeiramente uma pequena parte do que

enquanto jovem instrumentista filarmónica de

podemos ser, se mantivermos a nossa

1998 a 2014 e na experiência enquanto

mentalidade feudalista.

maestrina, ainda jovem, de 2012 até ao

Encontra-se ainda alguma resistência quando se

presente, com toda a subjetividade que a

tenta abrir diálogo neste sentido. Felizmente,

mesma subentende.

encontramos também cada vez mais colegas

Dito isto, acredito que a próxima década será

que entendem e sentem a falta que este tipo de

marcada pelo enraizar das mudanças que já

organizações faz no nosso país, presentes em

estão em andamento nos últimos anos. Podemos

grande parte dos países com tradição de banda

resumir tais mudanças a três áreas gerais: o

e que são fundamentais para a criação de uma

aumento do nível e qualidade de formação dos

estrutura nacional de suporte, desenvolvimento

maestros e escolas de música; a reinvenção

e defesa das nossas bandas.

artística/musical das bandas, exigida pelo

Resumindo, acredito que todos os fatores acima

decréscimo no número de romarias e/ou no

mencionados têm um papel importante no futuro

valor de contratação das mesmas; e o diálogo

das bandas filarmónicas. Acredito que o futuro

necessário entre maestros e instituições.

está cheio de potencial positivo e que há, cada

Não havendo espaço, neste contexto, para

vez mais, intervenientes capazes e motivados, a

escrever sobre cada uma delas de forma mais

lutar pelo bom crescimento do tesouro que são

aprofundada, falo sobre a que me parece de

as bandas filarmónicas em Portugal.

mudança difícil, mas crucial: o diálogo.

O tipo ou grau de mudança neste futuro próximo

É sobre ele que encontro mudanças menos

depende da resposta que escolhermos dar a

profundas do que, acredito, seria ideal para o

esta questão, com que finalizo: vamos

nosso contexto. O bairrismo, tão natural,

finalmente crescer dialogando abertamente ou

tradicional e importante na construção da

vamos continuar a crescer dentro do conforto

identidade de grupo, pode ser também um fator

que o nosso individualismo permite?

castrador no que respeita ao crescimento das bandas filarmónicas como um todo. O amor à farda e à casa que nos formou é de uma enorme riqueza e em momento algum irei defender o contrário. Refiro-me antes a situações, por exemplo, de associações que se recusam a colaborar com outras por motivos históricos, mais ou menos antigos, ou maestros que não partilham informação com outros colegas com receio de perder algum tipo de vantagem imaginária. Refiro-me claramente à não

"

Vamos finalmente crescer dialogando abertamente ou vamos continuar a crescer dentro do conforto que o nosso individualismo permite?

existência de uma Associação Portuguesa de Bandas ou de uma Associação Portuguesa de Maestros de Banda. Esta resistência em unir esforços, organizar ideias e potenciais, apenas

sócia

70 | MAIO 2020

Maestrina da Filarmónica da

Sociedade Artística e Musical Carvalhense


40

VISÕES TEMÁTICAS

UM CENÁRIO PARA O TEATRO AMADOR

VISÕES

PARA A DÉCADA

UMA VISÃO DO TEATRO NO BAIXO MONDEGO D E O L I N D O

L .

P E S S O A

Ao esboçar uma perspectiva do teatro para a

ou em técnicas criadas a partir do mesmo por

próxima década, não posso deixar de referir que

Vsevolod Meyerhold (1874-1940) e Jerzy

sempre considerei que o Baixo Mondego teve

Grotowski (1933-1999). Nesta época também

uma actividade teatral importante ao longo dos

foram determinantes os conceitos próprios de

tempos, embora muitas vezes possa ter estado

Antonin Artaud (1896-1948) e Bertolt Brecht

em desacordo com a tendência dominante da

(1898-1956), bem como os “jogos teatrais” de

mesma, por razões diversas.

Viola Spolin (1906-1994) e o “teatro do oprimido”

Quando me iniciei na prática teatral

de Augusto Boal (1931-2009).

predominavam as operetas na região e em

No Baixo Mondego a prática teatral também se

muitas colectividades resumiam-se aos

foi alterando, embora em ritmos bem distintos

Pastoris

»,

« Autos

salvo algumas raras excepções. A

nos vários grupos. Os

« Autos

Pastoris

»

deixaram

representação naturalista dominava na região,

de ser a única actividade em muitos e as

propunha-se aos espectadores como sendo a

operetas perderam a sua predominância, bem

própria realidade, porém outros conceitos

como a estética naturalista, novas experiências

também introduzidos por André Antoine (1858-

foram realizadas e rompidos alguns

1943) eram depreciados, atitude que ainda hoje

preconceitos sobre a prática teatral.

persiste nalguns grupos.

Numa visão de futuro creio que os grupos de

Se a divulgação da estética naturalista explodiu

teatro devem manter uma ligação estreita com

em Portugal com o movimento republicano e a

a comunidade em que estão inseridos, mas tal

implantação da república em 1910, a critica do

não deve limitar a montagem de novos textos, o

naturalismo e a implantação de novas correntes

experimentar de novas metodologias, a busca

foi bastante limitada com o golpe de 28 de

de novos espaços e novas relações com os

Maio de 1926 e toda a perseguição e censura a

espectadores, mas sobretudo apostar na

novas ideias que se seguiu.

formação dos seus elementos e na captação de

Mas o que tem isto a ver com uma visão para o

novos públicos.

teatro na próxima década? É uma questão que

Como lá chegar? Não há uma receita infalível,

se pode colocar com toda a legitimidade. Uma

cada grupo terá que definir o seu caminho em

das primeiras frases que li em relação ao teatro

função das condições de que dispõe. Talvez

e que retenho na memória foi

arriscar e tentar o intercâmbio das produções,

velho e é novo por isso

«o mesmo » .

novo nasce do

Fiel a este princípio e reconhecendo toda a evolução registada na prática teatral da região, creio que o futuro depende muito da postura assumida pelos elementos que integram os grupos de teatro. Hoje tudo no mundo acontece a uma velocidade muito maior do que no passado e o acesso à informação é cada vez mais célere. Assim, nos anos 60 e 70 muitos se iniciaram na prática teatral com o “sistema” de Constantin Stanislavski (1863-1938) e discípulos,

as coproduções, ou outras ideias novas.

"

Cada grupo terá que definir o seu caminho em função das condições de que dispõe. Talvez arriscar e tentar o intercâmbio das produções, as coproduções, ou outras ideias novas

Médico, ator e encenador

Centro de Iniciação Teatral Ester de Carvalho (CITEC)

sócia

71 | MAIO 2020


40

VISÕES

VISÕES TEMÁTICAS

UM CENÁRIO PARA O TEATRO AMADOR

PARA A DÉCADA

A ARTE VIVA J O Ã O

M I G U E L

A M O R I M

Como é que uma arte que vive das pessoas e

companhias de Commedia dell’Arte invadem a

para as pessoas, pode resistir a uma praga que

europa e no séc. XVIII nasce o melodrama,

nos faz recear a proximidade?

influenciado pela Revolução Francesa e

De facto seria fácil sermos dominados pelo

industrial. O homem evoluí, a arte transforma-

medo e acreditar que é o princípio do fim. Não

se. No séc. XIX o teatro de Booth em Nova

façamos para já juízos apriorísticos.

Iorque utiliza o primeiro elevador hidráulico,

Se analisarmos o homem enquanto ser social e

surge o advento da iluminação a gás e em 1881 o

coletivo, entenderemos que o teatro é algo

Savoy Theatre de Londres é o primeiro a utilizar

intrínseco à sua evolução, que avança e se

a luz elétrica. Em pleno séc. XX durante o cerco

transforma na mesma medida.

a Sarajevo, onde as pessoas podiam ser mortas

Se começarmos pela sua génese, nos tempos

se saíssem de casa, dezenas de peças foram

primitivos, encontramos um homem selvagem

estreadas.

com a necessidade de entender e dominar os

Como é que podemos conceber, depois de

elementos que o rodeiam. Ao procurar a solução

tantos percalços e transformações ao longo de

no seu âmago descobre que é a arte, uma forma

toda a existência humana, que uma arte tão

primitiva de teatro dançado, de danças

rica, tão diferenciada, tão dinâmica, poderá

miméticas, a solução para conquistar e superar

padecer às mãos de uma pandemia? Não nos

os seus medos. Foi nesse momento que se

esqueçamos que o teatro se adaptou, evoluiu e

iniciou uma colaboração indissociável que

renasceu em diversas ocasiões. O teatro vive

permanece até aos dias de hoje.

para o homem, tal como o homem vive para ele,

O pensamento avançou e a arte evoluiu,

são indissociáveis. Se um dia sucumbirem será

atingindo um estágio superior na Grécia Antiga,

sempre às mãos um do outro.

o berço do Teatro Ocidental. Surge o ditirambo,

Ninguém conseguirá afirmar com certeza o que

mais tarde as famosas tragédias e comédias

será o Teatro daqui a 20 ou 30 anos, mas

gregas, Aristófanes cria a peça satírica. Em

analisando todo o seu percurso é fácil acreditar

Roma o Teatro evolui e surge a pantomima. Com

que enquanto houver um respirar, a Arte Viva irá

o advento do Cristianismo é considerado um

sobreviver.

ritual pagão e as suas representações são extintas, mas paradoxalmente renasce na idade média às mãos de quem o extinguiu, a Igreja Católica. Surgem as peças religiosas nas igrejas e as peças profanas nas praças. O teatro tornase no veículo primordial da propagação das mensagens bíblicas. No séc. XVI as peças religiosas começam em declínio, mas mesmo antes disso o teatro começa a surgir de outras formas, com outros nomes. Nos inícios do séc. XV, em Portugal, nasce Gil Vicente e com ele a

"

Não nos esqueçamos que o teatro se adaptou, evoluiu e renasceu em diversas ocasiões. O teatro vive para o homem, tal como o homem vive para ele, são indissociáveis. Se um dia sucumbirem será sempre às mãos um do outro

dramaturgia. Ao mesmo tempo surgem as trupes teatrais, o chamado teatro “elisabetano”, em Inglaterra. Nesse mesmo género no séc. XVI surgem nomes como Shakespeare, ou o seu

Ator, encenador e Presidente da Direção da

sócio Richard Burbage. No séc. XVII as

Sociedade de Instrução Tavaredense (SIT)

sócia

72 | MAIO 2020


40

VISÕES

VISÕES TEMÁTICAS

UM CENÁRIO PARA O TEATRO AMADOR

PARA A DÉCADA

UM CENÁRIO PARA O TEATRO DE AMADORES J O S É

T E L E S

Escrever sobre uma década, fazer futurologia, é sempre complicado e difícil. Escrever, hoje, em plena pandemia a do Covid19, associada à crise económica que a mesma provoca, a pensar no futuro, torna-se ainda mais complicado e difícil. As Associações, de Teatro de Amadores e as em que no seu seio albergam secções de Teatro, saberão reinventar-se e em consequência reinventar o Teatro. Falamos de estruturas que vivem, sobrevivem, fruto da acção de dirigentes, e elencos artísticos e técnicos, voluntários e benévolos, que em todas as situações sempre encontraram soluções, para as crises do passado. Esta é a certeza e a esperança. Esperança no futuro, nunca nos faltou, os homens e as mulheres do teatro, têm sido ao longo das várias crises históricas a vanguarda de um futuro novo e melhor, assim foi assim o será. A actual crise traz-nos novos desafios, só possíveis de ultrapassar com um melhor e maior apoio. Torna-se cada vez mais premente o cumprimento dos direitos consagrados na Constituição da República Portuguesa em que define quatro garantias fundamentais do associativismo popular (liberdade de associação; participação no processo de democratização da cultura e do desporto; discriminação positiva; e participação das populações na vida administrativa local), que continuam esquecidas ou por concretizar. Neste quadro resulta claro que o Estado deve assumir um outro papel no desenho e promoção das políticas públicas para estas áreas – da cultura, do desporto e do lazer. E fica também evidente a necessidade de uma profunda reforma do quadro legal e institucional aplicável ao associativismo popular. Continuaremos a exigir o cumprimento da

"

Os homens e as mulheres do teatro, têm sido ao longo das várias crises históricas a vanguarda de um futuro novo e melhor, assim foi assim o será

Fica aqui o registo de um texto de Ildefonso Valério, encenador e dramaturgo, escrito em 1999 no contexto de uma outra crise, no entanto de novo actual. “A capacidade de resistência da arte é notável! E particularmente, do teatro. Em condições adversas quase que é capaz de fazer milagres para sobreviver. Se houvesse milagres, é claro. Nos dias de hoje, pôr de pé um espectáculo de teatro com todo trabalho que isso exige (se houver preocupação de qualidade, evidentemente) em regime de puro amadorismo, é quase um acto de heroísmo. Só se explica pela sua enorme capacidade de resistência. Ou será antes teimosia? Miguel Torga, pouco antes de morrer, afirmou numa entrevista que os tempos vão maus para a cultura. É uma afirmação que não se pode, em consciência, desmentir. Mas pior que constatar esse facto, é que aqueles que deviam defender a cultura com unhas e dentes, por vezes não o fazem. E isso é uma má avaliação dos tempos que vamos vivendo. E um erro histórico. Perante o desencanto e a desorientação ideológica que corre pelo mundo, se deixarmos as artes e a cultura se degradarem, tudo vai ser decerto, mais negro e mais doloroso num futuro mais ou menos próximo. Na história da humanidade, os abismos andaram sempre de mãos dadas com a incultura”.

Constituição, e assim no futuro o Teatro será de certeza melhor, cumprindo o seu papel de

Ator, encenador e Presidente da Direção

democratização da cultura.

Federação Portuguesa de Teatro

sócia

73 | MAIO 2020


40

VISÕES

VISÕES TEMÁTICAS

UM CENÁRIO PARA O TEATRO AMADOR

PARA A DÉCADA

AUTENTICIDADE R I C A R D O

S A N T O S

Sem o deslumbramento do conhecimento inicial, esse momento ínfimo de criação, de um mundo novo que fermenta e alenta as novas manhãs, o teatro não fará sentido. O espetador cada vez mais exigente, progénie da (feliz e desassossegada) literacia cultural, reclama arte, entendida como a expressão das emoções, bela e inquieta. Já não quererá, a não ser em dimensões de fé ou de tradição comunitária, o

"

E é este o desafio do teatro na próxima década: recuperar um público, ávido de sentir, que se inquiete, que se conforte, que se ria, com a autenticidade de um beijo ou de uma morte em palco

teatro engraçado que se faz da mera carolice (naturalmente meritória) de uns poucos. Aliás, esta dimensão meramente recreativa do teatro, naturalmente laudável, praticada por alguns grupos de teatro da região, e que ganhou força a partir da década de oitenta do século passado, é (triste) resultado do desinvestimento

amador e o teatro amador deve-lhe esse esforço. Porque, afinal, a única diferença entre o teatro de amadores e o teatro de profissionais é o dinheiro. A paixão, a entrega, a genuinidade, a criatividade, a sedução, essas, têm de ser as mesmas.

sistémico na cultura, da hegemonia da televisão e da aposta num modelo educativo que privilegia o empinanço ao pensamento crítico. Convém aqui lembrar que na Figueira da Foz, em muitas das coletividades espalhadas pelo concelho, já se representaram os mais clássicos e eruditos dos dramaturgos. A avidez do conhecimento dessas mulheres e homens do teatro de então, muitos dos quais sem qualquer formação académica, aliada a técnicas e

Não falo no teatro de conceito mais experimental, ainda que seja absolutamente necessário explorar novas formas de experienciar os palcos e a relação com o público, mas tão somente de produções teatrais assentes em bons textos, clássicos ou contemporâneos, que possam servir o entretenimento sem descurar a inquietação dos sentidos.

soluções vanguardistas de grande impacto cénico, fruto da entrega de mestres e aprendizes de vários ofícios, respondiam pelos assinaláveis êxitos dos grupos de teatro amador.

Aos encenadores exige-se que leiam teatro, que leiam muito. Aos dirigentes que invistam no suporte técnico dos espetáculos. Aos amadores que amem. E ao público que nunca deixe a alma em casa.

Recuperar a essência do teatro é uma provocação inadiável. “Dar a sentir” e não

Em 2030, encontrar-nos-emos no teatro.

apenas “dar a ver”.

A formação dos agentes tem de ser a aposta. Até porque, sabemos, a qualidade traz público. E é este o desafio do teatro na próxima década: recuperar um público, ávido de sentir, que se inquiete, que se conforte, que se ria, com a

Ator e encenador

autenticidade de um beijo ou de uma morte em

Sócio fundador do

palco. O público quer a verdade do teatro

sócia

74 | MAIO 2020

Pateo das Galinhas - Grupo Experimental de Teatro da Figueira da Foz


40

VISÕES

VISÕES TEMÁTICAS

UMA VISÃO SOBRE O FOLCLORE

PARA A DÉCADA

O FOLCLORE E O SEU FUTURO A D R I A N A

M A I A

Folclore, uma das artes representativas dos nossos antepassados, uma revivência dos trajes, das danças, das músicas, dos modos, dos hábitos, dos nossos pais, avós e bisavós.

Nos tempos que correm, é muito difícil manter o Folclore vivo! Os jovens de hoje, não se interessam pelas nossas tradições e costumes, acham que é ‘mau aspeto’ e ‘foleiro’! Mas será culpa deles?? Certamente que não! Tudo nos é incutido desde pequenos. Se os pais, esses sim, que na maioria dos casos ainda vivenciaram algumas das tradições, junto dos seus avós e de seus pais, tivessem orgulho das suas raízes,

"

Não se consegue manter um grupo sem componentes e muito menos sem apoios dos nossos governantes. Ninguém dá valor ao trabalho que se faz nos Ranchos Folclóricos, ao suor de todos que ainda resistem e continuam sem receber algum tipo de remuneração

teriam todo o orgulho em dar continuidade e fariam com que seus filhos aprendessem e gostassem do que é a alma de ser português. Hoje dá-se mais valor e importância à cultura e às tradições dos outros países, tal como o samba, que lamentavelmente passou a fazer parte dos nossos hábitos e que até chegam a ter mais ajudas e suporte para se manterem.

Como diretora do Rancho das Cantarinhas de Buarcos e já com cerca de 28 anos como componente do mesmo, vejo e sinto muito sinceramente, um futuro muito negro para o folclore! Não se consegue manter um grupo sem componentes e muito menos sem apoios dos nossos governantes. Ninguém dá valor ao trabalho que se faz nos Ranchos Folclóricos, ao suor de todos que ainda resistem e continuam sem receber algum tipo de remuneração, e que continuam porque dá prazer e nos enche de orgulho dançar, cantar e tocar, ainda, por esses palcos fora! O Folclore está em desuso e até me atrevo a dizer que está em vias de extinção. A continuar assim, muitos Ranchos acabarão por não resistir e irão mesmo extinguir-se, o que é de lamentar!

Temos de ser persistentes e tudo fazer para que o Folclore não acabe! Dirigente associativa

Viva o Folclore Português!

sócia

75 | MAIO 2020

Rancho das Cantarinhas de Buarcos


40

VISÕES TEMÁTICAS

UMA VISÃO SOBRE O FOLCLORE

VISÕES

PARA A DÉCADA

A AFIRMAÇÃO DAS IDENTIDADES LOCAIS NA ATUALIDADE D A N I E L

C A L A D O

C A F É

O folclore e a etnografia ocupam um lugar de

tecido social de uma comunidade, pois é comum

destaque no movimento associativo português

a todos e todos se reveem equitativamente na

assumindo um papel importante no processo de

sua essência.

desenvolvimento social local. É um dos setores

A UNESCO desempenha um papel de grande

mais expressivos das associações culturais,

relevo na afirmação do património cultural

estimando-se o envolvimento aproximado de

estabelecendo mecanismos da valorização e

100,000 portugueses. Torna-se evidente que se

promoção das culturas das comunidades,

trata de um campo cultural de inegável impacto

regiões, países, atribuindo-lhes o selo de

junto dos portugueses.

“comum a toda a humanidade” despertando a

Portugal é um caso isolado quanto ao folclore

sociedade para as questões da cultura

dado o trajeto histórico-político e a localização

tradicional e popular nacional, despoletando

geográfica nacional contribuindo para preservar

candidaturas de muitos aspetos da tradição

a cultura das populações, mantendo quase

popular a Património Cultural da Humanidade,

intactos, no mundo maioritariamente rural do

contribuindo para um rejuvenescimento nos

país, muitos dos modos de vida ancestrais,

participantes, cada vez mais qualificados, nos

memórias, práticas sociais e elementos

grupos de folclore, aprendendo os princípios de

patrimoniais até ao 25 de abril. O país

tolerância e aceitação fraterna entre todos e

funcionou como “cápsula do tempo” trazendo

dos valores e memórias coletivas enquanto

até ao último quartel do século XX muito do seu

fatores contributivos para o desenvolvimento

ADN enquanto gente lusa, conservando a

civilizacional da humanidade.

tradição e o seu património identitário.

Transpor esses princípios para uma prática

Será esta presença na memória de muitos

social salutar e participada, explorar os

cidadãos de um modo de vida salutar,

elementos constituintes da nossa matriz

partilhado em comunidade, revestido de

identitária local a favor de uma participação

sentimento e de uma mundivisão tão diversa da

democrática das comunidades locais é

sociedade de informação pós-moderna,

contribuir para esse processo de crescimento

descaracterizada, que leva muitos portugueses

enquanto civilização que procura uma

a reverem-se nas tradições, na dança, no canto,

coexistência humana fraterna, duradoira,

no trajar tão próprio de um país que possui

consciente e inclusiva.

traços identitários marcados e tão interessantes

O reconhecimento da FFP enquanto ONG pela

no contexto mundial. Somos, de facto, um caso

UNESCO foi uma conquista no reconhecimento

de estudo no campo da antropologia social das

do valor que o nosso património cultural assume

comunidades. A composição da tipologia dos

hoje assim como o esforço de tantas gerações

folcloristas portugueses contempla um espetro

de portugueses no processo de estudo,

amplo e variado de cidadãos quanto ao género,

salvaguarda e divulgação do nosso património

extrato social, idade e formação académica

cultural.

tornando este setor associativo no mais

Este será um dos caminhos da valorização deste

abrangente, heterogéneo e inclusivo do

precioso campo da nossa identidade que

movimento associativo português juntando, no

constitui uma pérola mundial no conjunto das

mesmo projeto comunitário, todos os setores da

tradições populares da humanidade.

comunidade local. Tal apenas se torna possível por se trabalhar um elemento de grande poder mobilizador: a identidade local. Este é um fator

Presidente da Direção da

determinante, homogeneizador, aglutinador do

Federação do Folclore Português (FFP)

sócio

76 | MAIO 2020


40

VISÕES TEMÁTICAS

UMA VISÃO SOBRE O DESPORTO ASSOCIATIVO

VISÕES

PARA A DÉCADA

O ASSOCIATIVISMO E O DESPORTO A N A

L Ú C I A

R O L O

O Associativismo é um instrumento que permite satisfazer necessidades coletivas ou alcançar objetivos comuns com base numa organização voluntária de pessoas. Sendo o associativismo desportivo um dos seus pilares, uma vez que são, praticamente, os Clubes e/ou Associações os responsáveis pelo desenvolvimento da prática desportiva.

A participação associativa ajuda a desenvolver muitas capacidades, para além da nossa vida comum, sendo uma forma de crescimento enquanto pessoa. No entanto é cada vez mais

"

todos devemos fazer um esforço e empenhar-nos nesta causa nobre que é o Associativismo e mais concretamente o Associativismo Desportivo e incentivar os nossos jovens à prática desportiva como forma de hábito saudável em todos os aspetos.

difícil encontrar pessoas disponíveis para abraçar esta causa, devido às nossas próprias vidas e também por se tratar de um “trabalho” intenso, por vezes desgastante e incompreendido…

Também o próprio desporto está a sofrer uma mudança, entre desporto e/ou prestação de serviços. Continuamos a ter os atletas que praticam desporto com gosto e afinco, mas cada vez mais existem os atletas que praticam desporto como ocupação de tempos livres ou simplesmente para terem alguma atividade física.

Todas estas mudanças deixam-nos a pensar se é isto que queremos e qual será o nosso futuro?

Penso que todos devemos fazer um esforço e empenhar-nos nesta causa nobre que é o Associativismo e mais concretamente o Associativismo Desportivo e incentivar os nossos jovens à prática desportiva como forma de

Presidente da Direção

hábito saudável em todos os aspetos.

Ginásio Clube Figueirense

sócia

77 | MAIO 2020


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VISÕES TEMÁTICAS

UMA VISÃO SOBRE O DESPORTO ASSOCIATIVO

VISÕES

PARA A DÉCADA

O DESPORTO ASSOCIATIVO H O R Á C I O

A N T U N E S

O Associativismo sempre foi um ato natural nas

têm hoje um papel determinante de definição das

nossas aldeias, vilas e cidades.

prioridades para a sua ação em prol do bem estar,

Desde tempos distantes todos temos exemplos, bem

progresso e condição de vida das populações, onde

visíveis, das ligações humanas, sociais, comerciais,

o turismo, a cultura e o desporto se assumem cada

industriais, educativas, culturais, musicais e

vez mais como pontos fundamentais das atividades

desportivas.

das câmaras e juntas de freguesia.

O homem desde muito cedo teve necessidade de se

Os pelouros da cultura, turismo e desporto passaram

juntar, de se associar e consoante as finalidades e

a ter importância crescente apoiando a atividade

objetivos reunir-se para os concretizar.

das coletividades.

Temos hoje de forma muito forte um associativismo

Assim, a dinamização da prática do Desporto, numa

bem vivo em muitos dos nossos centros habitacionais

perspetiva de ocupação de tempos, livre, de

e por via disso poderemos dizer que temos no nosso

desporto amador, passou a ter um lugar cada vez

distrito concelhos riquíssimos em associativismo

mais importante na atividade dos eleitos locais.

social, cultura e desportivo, fundamentalmente.

Os pelouros da cultura, turismo ou desporto

Não posso deixar de mencionar associações ou

passaram a pelouros de maior importância e

coletividades centenárias que sempre se dedicaram

dinamismo não só construindo parques e

à música, ao teatro, à instrução, ao

equipamentos desportivos e fomentando também a

recreio e também ao desporto.

prática do desporto.

O Concelho da Figueira da Foz é, certamente, um

Os índices de participação desportiva da população

dos mais ricos não só a nível distrital, mas também a

estão ainda muito longe de ser satisfatórios.

nível nacional.

Não poderemos esquecer que a situação desportiva

Felizmente estive em muitas dessas agremiações e

tem de ser analisada em conjunto com os restantes

com elas troquei momentos muito exaltantes e

setores da sociedade e que sobre ela tem um

enriquecedores de grande valor artístico e cultural.

enorme peso a situação económica do país.

Essas associações continuam bem vivas e a trabalhar

As autarquias serão decisivas para podemos

prosseguindo os seus objetivos e seguindo os seus

melhorar os nossos índices de participação

estatutos relembrando e enaltecendo muitos dos

desportiva da população e, bem assim, no

seus antecessores que deixaram obra valiosa durante

desenvolvimento progressivo dos nossos clubes

a sua passagem de participantes interessados ou

desportivos.

dirigentes devotados.

Tem sido nossa preocupação estabelecer relações,

O caminho percorrido é já longo, mas gente nova

não apenas com os clubes, mas, também com as

aparecerá para prosseguir o desempenho das suas

escolas e, fundamentalmente, com as autarquias.

atividades e o desenvolvimento da sua coletividade

Muito se progrediu já, ao nível das infraestruturas

porque o associativismo cultural, recreativo,

desportivas, campos de futebol, pavilhões, relvados

educativo ou desportivo há-de continuar sempre

sintéticos, mas é preciso também melhorar os

forte e lutando continuamente para fazer mais e

espaços de treino e os balneários tendo em vista o

melhor.

universo de atletas e os requisitos necessários e,

Os dias de hoje não são muito animadores.

obrigatórios, dos índices de salubridade e saúde

A sociedade vive mais os seus ambientes restritos e

pública.

familiares, acentuados agora por esta coisa nova do

Os clubes, por si só, não têm condições económicas

confinamento.

e dependem, cada vez mais, das autarquias locais e

Mas dias melhores virão, certamente.

estas vão respondendo sempre com prontidão, mas

As associações, os seus sócios, os seus empenhados

nem sempre conseguindo dar cobertura a todos os

dirigentes continuarão a trabalhar para chamar o

pedidos e solicitações.

povo, os cidadãos que ao seu lado vivem e vão de

Estou certo e esperançado que todos, em conjunto,

novo levá-los ao convívio e associá-los aos seus

conseguiremos continuar o espírito associativo dos

objetivos de fortalecer o seu associativismo.

que nos antecederam e projetar novos caminhos

As autarquias terão também uma palavra a dizer

para melhorar os índices de participação desportiva

porque a Constituição da República Portuguesa

dos nossos jovens.

afirma que todos terão direito à educação, à

Contamos com todos, dirigentes, atletas, familiares e

cultura, ao desporto, que incumbe ao Estado, em

eleitos locais para que o nosso associativismo

colaboração com as escolas, as associações e as

desportivo seja cada vez mais forte, empreendedor e

coletividades sem esquecer que as autarquias locais

dinâmico.

Presidente da Direção da

sócia

78 | MAIO 2020

Associação de Futebol de Coimbra


40

VISÕES

VISÕES TEMÁTICAS

UMA VISÃO SOBRE O DESPORTO ASSOCIATIVO

PARA A DÉCADA

TUDO BONS RAPAZES R U I

F E I J Ã O

O Desporto, enquanto prática organizada,

falta de tempo, esse precioso momento do qual

implica procedimentos que necessitam do

não abdicamos?? Não me parece. Acredito que

envolvimento de gente, muita gente. É esta

haja aqui também uma certa descrença no

gente que, com enorme determinação e de uma

trabalho em equipa. E é aqui, no trabalho em

forma entusiasta e desinteressada, procura

equipa, que está a chave para o nosso sucesso,

encontrar soluções para fazer despertar as

pelo compromisso, pelo espírito competitivo, de

populações envolventes ao seu âmbito de

equipa ganhadora, motivada para o trabalho e

intervenção, e as motivar para a dinamização

desta forma fazer a diferença.

de projetos de carácter desportivo. Envolvem-se

É urgente nos darmos mais aos outros. Não nos

os sócios, os filhos destes, os seus familiares e

esqueçamos que o Homem é um ser

amigos e outros que, na procura do conforto

eminentemente social, daí a importância de

emocional, bem-estar físico e convívio social,

vermos cumprida esta premissa. É urgente

aceitam o repto. Mas, rapidamente se constata

mudarmos a nossa forma de estar na vida. É

que as pessoas que a associação conseguiu

urgente pensarmos em grande e no que o nosso

cativar são manifestamente insuficientes face

pequeno contributo pode fazer para

às exigências do desporto, seja federado ou,

engrandecer espaços de cultura desportiva. É

meramente recreativo.

urgente ajudarmos a ajudar. O desporto

Precisamos de gente que lidere projetos, que

associativo só consegue singrar se houver o

planeie, que coordene, e que, de uma forma

envolvimento das pessoas, se nos unirmos num

exemplar, indique os caminhos a seguir. Mas,

só pensamento de grande determinação, e

mais importante que tudo o que se referiu

altruísmo. Não basta acreditar na mudança.

anteriormente, as associações precisam de

Temos de fazer mais, além de acreditarmos.

gente que arregace as mangas e que trabalhe,

Temos de dar um passo em frente e,

que faça acontecer. Esta é maior dificuldade

trabalhando como uma equipa coesa, motivada

que o desporto associativo tem de enfrentar. Os

e determinada, podemos efetivamente fazer a

projetos desportivos podem ser ambiciosos,

diferença. Este é o caminho, o único caminho.

podem ser mobilizadores, mas com as

Arregacemos as mangas!

dificuldades inerentes à sustentabilidade económica dos mesmos, por escassez de receitas, há que reinventar soluções efetivas para mobilizar as pessoas e gerar proveitos. O desporto associativo depara-se com enormes desafios. Diria mesmo que serão tanto maiores quanto a nossa dificuldade em mudar comportamentos sociais. Estes desafios assentam, essencialmente, na incapacidade que o ser humano manifesta, nos dias que passam a voar, em se dar ao outro. Deixamos de ter

"

O desporto associativo só consegue singrar se houver o envolvimento das pessoas, se nos unirmos num só pensamento de grande determinação e altruísmo

tempo para o darmos aos outros, demonstrando um egoísmo desajustado ao progresso das instituições. Deixámos de nos envolver na dinâmica interna das associações. Será pela

sócia

79 | MAIO 2020

Professor de Educação Física e Treinador de Futsal

Clube Recreativo Instrução Alhadense (CRIA)


GRANDE ENTREVISTA

VEREADOR

MIGUEL PEREIRA "Mantenho o desejo de fazer da Figueira a capital do tecido associativo"

sรณcia

80 | MAIO 2020


MIGUEL PEREIRA Considera-se uma "

pessoa desassossegada ",

habituado a liderar equipas. Agregar e motivar são conceitos

de uso diário e não tem pejo de afirmar que o associativismo no concelho poderia ter "

outro peso político ".

A entrevista, feita por videoconferência a 8 de maio, é naturalmente pautada pelos efeitos da COVID-19. As incertezas do desconfinamento não impediram, contudo, Miguel Pereira de desvendar as suas propostas para o novo Regulamento Municipal de Apoio à Atividade Regular, que deverá entrar em vigor já em 2021. Questionámos sobre os apoios às coletividades. Sobre o Leslie, a cultura e as sessões solenes. Sobre o Sítio das Artes e as Festas da Cidade. O vereador que, no final do mandato, gostaria de ser recordado como um

companheiro de armas ", gama ". "

não tem dúvidas quanto às potencialidades do pelouro: "

Recuemos a outubro de 2017. Lembra-se da sua primeira reação quando soube que o Dr. João Ataíde lhe ia confiar o pelouro das coletividades?

é uma moto topo de

estendido o convite para liderar a

trabalho meritório de conjugação

associação de comerciantes de

e de agregação das diversas

Montemor-o-Velho. A associação

coletividades. Achei que poderia

não tinha fundos e acabámos por

ser mais uma peça para fazer

desenvolver uma série de

essa interligação e ajudar a

A primeira reação foi de desafio.

iniciativas, desde a organização

estabelecer algumas regras. A

Abracei o pelouro sabendo que o

do Santo António, à emissão de

minha principal missão é a de

concelho da Figueira da Foz tem a

rifas, entre outros eventos, para

juntar todas as partes para que

quantidade de coletividades que

arranjar sustento. Nesse momento,

todos, em conjunto, possamos

tem, que era uma tarefa árdua.

percebi o quão difícil era estar no

pensar o associativismo. Tem sido

Com alguma preocupação, mas

associativismo, o quão difícil era

essa a estratégia até hoje.

essencialmente como um grande

conseguir ter receitas para se

desafio. O desafio do contacto

poder fazer algo em prol da

com as pessoas, com as

comunidade. A partir desse

associações, na expetativa de

momento, acabei por me integrar

A pergunta é inevitável: há coletividades a mais no concelho da Figueira da Foz?

poder colocar ao serviço das

em órgãos sociais de algumas

Não, não há coletividades a mais.

coletividades uma parte da minha

associações, como o Grupo

Diria que há coletividades que

experiência associativa.

Juvenil de São Tomé e a

precisam de uma especialização

Associação Cultural, Recreativa e

maior. Isto é, muitas vezes o

Desportiva de Ferreira-a-Nova.

grande problema dos órgãos

Estive também ligado a uma

sociais é terem demasiadas

Apenas na qualidade de dirigente

associação em Liceia [concelho

expetativas e depois, no terreno,

associativo. O meu primeiro

de Montemor-o-Velho] e ao

verificam que é difícil fazer tudo.

contacto com o associativismo

CACTO [Centro de Assistência e

As coletividades, seja a nível

reporta a 2001. Nesse ano, vivia em

Cultura] no Tojeiro. Acabei por

nacional ou na Figueira da Foz,

Montemor-o-Velho, e, em termos

ganhar o bichinho do

são muitas vezes a única ligação

profissionais, fui confrontado com

associativismo.

social e cultural que existe nas

À data, que tipo de relação mantinha com o associativismo?

o desafio de assegurar o primeiro

pequenas povoações. A Figueira

do tecido associativo mais ligado

Depois de se inteirar da pasta, a realidade associativa que encontrou surpreendeu-o?

ao comércio e à indústria. As

Muitíssimo. Há duas situações que

não, não há. Há efetivamente

cheias de 2001 trouxeram a

me surpreenderam imenso.

necessidade de as integrar em

Montemor-o-Velho uma carga de

Primeiro, não tinha a noção da

objetivos comuns.

problemas. Ficou tudo submerso e,

imensidão e diversidade de

depois, foi necessário reabilitar o

associações que existiam e não

pequeno comércio do concelho. O

tinha a noção da quantidade de

IAPMEI, na altura, foi exemplar.

produtos culturais que, no seu

Através da minha ligação

todo, o associativismo da Figueira

profissional, tivemos de, no prazo

conseguia realizar. Foi mais um

de uma semana, colocar dinheiro

desafio, mais um salto em frente.

na bolsa das pessoas que

Se até essa altura andava de

precisavam. Foi preciso aprovar

triciclo, agora tinha uma mota

empréstimos, falar com as

topo de gama. Segunda situação:

sociedades de garantia mútua,

a tomada de consciência de que

com as pessoas e desenhar um

não existia um pensamento

plano de fácil agilização. Depois

coletivo. Passei a trabalhar mais

desse enorme desafio, felizmente

com a Associação das

superado com sucesso, foi-me

Colectividades e percebi que

plano de mitigação de risco e o primeiro plano de desenvolvimento

tem 220 povoações, logo até 220 coletividades é um número aceitável. Portanto, a resposta é

"A Figueira tem 220 povoações, logo até 220 coletividades é um número aceitável."

esta entidade estava a fazer um

sócia

81 | MAIO 2020


Entretanto optou por ficar a meio tempo. Considerando os pelouros que tem, é o tempo suficiente?

resiliência e motivação. Permitiria que as normas e a estratégia fossem pensadas em conjunto. Considero que hoje, em termos de

É insuficientemente o tempo

vereação, tentamos fazer esse

suficiente. Por vezes, é difícil e

diálogo, mas ainda existe alguma,

penitencio-me porque devia

por assim dizer, desagregação

telefonar mais [aos dirigentes

entre os diversos pelouros.

associativos], mas continuo a

Estamos a falar de ritmos

exercer a minha atividade

diferentes, serviços diferentes,

profissional. Qualquer indivíduo

que funcionam de formas

que aceite um cargo público

diferentes. Sou apologista da

nunca poderá ter a veleidade de

estrutura e defendo que o

conseguir fazer tudo, de

associativismo deveria estar sob

conseguir controlar tudo. Quando

um grande pelouro, até porque, se

conseguimos reunir equipas e

assim fosse, teria, no nosso

manter um diálogo constante com

concelho e em termos

as pessoas e com as instituições,

transversais, outro peso político.

tudo se torna muito mais fácil. É

E depois temos de ter a

Relativamente ao Sítio das Artes, que a Câmara Municipal protocolou com o IEFP, já há solução para as associações ali instaladas e que vão ter de abandonar o espaço?

capacidade de aceitar.

Essa matéria está a ser

Felizmente, os inputs por parte

acompanhada pela Senhora Vice-

das associações e das pessoas

presidente, que tem o pelouro do

que estão no associativismo há

património e que já apresentou

muitos anos têm contribuído de

algumas soluções às entidades.

forma decisiva para este processo

Não há espaços municipais. O

de aprendizagem. Temos bons

caminho poderá passar pela

líderes associativos que me

integração de algumas

facilitam o contacto com o

associações em espaços de

associativismo. O diálogo tem

outras associações, que têm muita

sido profícuo e a mensagem

área disponível. Em caso de

passa com alguma facilidade, sem

reintegração, a Câmara Municipal

ruídos na comunicação.

está disponível para financiar

um processo de aprendizagem permanente. Temos de fazer alguma tábua rasa daquilo que conhecemos e das formatações que adquirimos ao longo da vida.

Há quem defenda que a ação cultural e desportiva, por um lado, e a relevância da dimensão identitária das coletividades para o setor do turismo, por outro, justificariam que os pelouros da cultura, do desporto e do turismo fossem entregues a um mesmo vereador. Concorda com esta visão? Concordo. Respondo com uma frase: “o todo é mais do que a mera soma das partes”. Podemos ter todos os componentes de um motor e não nos servirem para nada, porque não estão interligados ou porque não estão à maneira de funcionar. Esses pelouros, em conjunto, funcionariam de uma forma mais eficiente. E eficiência para as coletividades, muitas vezes, traduz-se na sua capacidade de

sócia

82 | MAIO 2020

essa ação com um subsídio de reintegração ou subsídio de renda, conforme lhe queiram chamar. Considero que esta agregação trará pessoas a muitos edifícios que, neste momento, estão praticamente vazios. Há associações que diminuíram a atividade e esta situação pode ser uma lufada de ar fresco e, ao mesmo tempo, soluciona o problema da falta de espaços municipais.

"O associativismo deveria estar sob um grande pelouro, até porque (...) teria outro peso político"


Miguel Pereira: bancário, empresário agrícola e político

Apoio às coletividades: "continua a ser nefastamente pouco"

Instituto Politécnico de Leiria, e,

Sabemos que o desporto tem um orçamento e um vereador próprio, pelo que, em relação ao associativismo cultural, que verba tem para gerir?

mais tarde, a Licenciatura em

Neste momento, existem as verbas

justiça nas coletividades que têm

Gestão no ISCAC. É desde 1996

diretamente afetas à atividade

mais alguma dimensão. Se a

funcionário bancário, tendo

regular, que estão caraterizadas

média dos

desempenhado as mais diversas

em termos de regulamento, mas

significativamente baixa para 50%

funções na área técnica e

também gravitam muitos

das coletividades, para as

comercial. Empreendedor, iniciou

protocolos efetuados com as mais

restantes 50%, face à sua

uma atividade agrícola, em 2008,

diversas instituições que não

atividade normal, é um valor justo.

focada em produtos hortícolas

estão aí plasmados, isto é, muitos

Temos a plena consciência,

emergentes

deles não estão sob o pelouro das

conforme já referi, de que as

orientados para o mercado

coletividades. Foram sendo feitos

coletividades também têm um

internacional. É, desde 2016,

ao longo dos anos, um pouco

papel social importante. São o

Diretor do Sindicato dos

enviesados – protocolos que não

primeiro local de desenvolvimento

Bancários do Centro. Integrou os

contesto, nem questiono –, mas

da consciência coletiva e evitam

órgãos sociais de associações

que está na altura de os reunir

o isolamento. É bom que as

comerciais, desportivas, culturais

num único bolo, num único

pessoas conversem, que estejam

e recreativas. Militante do Partido

regulamento, que seja

juntas, que joguem jogos

Socialista, foi membro da

absolutamente transparente para

recreativos e que criem hábitos

Assembleia de Freguesia de

todos. O bolo que existe para as

que têm a ver com a própria

Ferreira-a-Nova, deputado

coletividades, neste ano, em

natureza humana. O que quero

municipal e eleito vereador da

termos de apoio regular, é de

sublinhar é que os valores

Natural da Figueira da Foz, 46 anos, casado e pai de dois filhos. Frequentou a Licenciatura de Gestão Comercial e Marketing, no

e diferenciados,

identificadas e hierarquizadas. Ou seja, rapidamente os

€ 75.000,00 se transformam em € 150.000,00. Atualmente, esta é

a

única forma de colocar alguma

€ 1.070,00

é

Câmara Municipal da Figueira da

€ 75.000,00.

Foz, na sequência das eleições

de somar mais

autárquicas de 2017, no Executivo

protocolo com as filarmónicas,

coletividades que apresentam

liderado por João Ataíde,

mais

uma maior atividade. Portanto,

entretanto falecido. Atualmente,

coros e mais alguns protocolos, o

diretamente a média está bem

sob a presidência de Carlos

que somado resultará numa verba

feita, mas indiretamente não.

Monteiro, mantém competências

na ordem dos

Reconheço, ainda assim, que

delegadas nos pelouros das

entanto, como já expliquei, esta

continua a ser nefastamente

Coletividades e Serviço

verba não está toda sob a tutela

pouco o valor que é atribuído às

Veterinário Municipal e coadjuva

do pelouro das coletividades.

coletividades. Tenho a expetativa

o presidente nas áreas da Proteção Civil, Bombeiros e Gabinete Técnico Florestal.

A este valor teremos

€ 50.000,00

€ 10.000,00

do

repartidos um pouco mais pelas

do protocolo com

€ 250.000,00.

apresentados acabam por ser

No

De acordo com o orçamento municipal para 2020 e conforme já referiu, o montante global para o apoio regular é de cerca de € 75.000,00 para um universo, em média, de 70 candidaturas. Esta equação resulta num valor médio de € 1.070,00 por coletividade/ano. Que comentário lhe merece este número?

de poder aumentar o pacote atual em mais 50% a 70%, já em 2021. Se no próximo ano refizer os cálculos, considerando todos os valores que referi, espero que a

€ 1.070,00, € 1.500,00.

média já não seja de mas, sim, de

Vamos então alterar a média com os mesmos valores? Não, não é verdade…

Convém referir, complementando a minha resposta anterior, que aos

€ 75.000,00

do apoio regular

se juntam, a título de exemplo, mais

€ 30.000,00

de apoio em

transporte anual, mais a

€ 7.000,00

internacionais, mais

€ 5.000,00

€ 6.000,00

de apoio a viagens

€ 4.000,00

a

de apoio a edições e

ainda cerca de

25.000,00 por

ano para pequenas obras de

"Tenho a expetativa de poder aumentar o pacote atual em mais 50% a 70% já no próximo ano"

máxima urgência, devidamente

sócia

83 | MAIO 2020


Se vamos integrar, no apoio regular os protocolos avulsos, o valor é o mesmo, apenas distribuído de forma diferente…

Será uma aposta que o Executivo definirá anualmente…

Não, não vamos integrar. O meu

redistribuído, com a garantia de

grande objetivo é que a atividade

que os valores que, neste

regular tenha a mesma dotação

momento, estão protocolados

que têm as IPSS e que tem o

estão devidamente

desporto, ou seja

salvaguardados.

120.000,00

por ano como pacote base. Todos

Exatamente. Existirá um valor global que depois poderá ser

inseridos com os valores atuais e

Quando é que o novo regulamento estará pronto?

irão somar a este mesmo valor.

Antes do final do ano, para

Em termos de planeamento do

iniciarmos 2021 com o novo

novo regulamento, vamos ter

regulamento. O objetivo é durante

diversas áreas de cabimentação,

o mês de maio submetermos o

às quais todos os anos vai ser

documento à apreciação da

atribuído um valor. Vamos ter os

Associação das Colectividades e

os outros protocolos serão

€ 50.000,00 para as filarmónicas, os € 10.000,00 para os coros, os € 30.000,00 do apoio aos transportes e, onde estão

€ 75.000,00 hoje, nós teremos € 120.000,00, ou, pelo menos, € 110.000,00. Gostaria também

das coletividades para que se possam pronunciar. Após recebermos as indicações, que iremos, tanto quanto possível, tentar plasmar no regulamento, iremos levar o documento à

junho, já gostaria que o

que está nos

documento estivesse em discussão

subir para

pública, o que acontecerá

15.000,00. O objetivo é conseguir

durante 30 dias. No final desse

que no próximo ano - que vai ser

período, recolhidas as propostas

um ano extremamente difícil -,

que, entretanto, nos chegarem,

tenhamos mais entre

apresentaremos a versão final em

a

€ 45.000,00,

€ 40.000,00

em termos globais,

"Outra possibilidade que se abre com o novo regulamento é podermos, no início de cada ano, definir qual vai ser a nossa aposta cultural"

reunião de Câmara e, no final de

que o apoio para obras urgentes,

€ 5.000,00, pudesse os € 10.000,00/ €

"O objetivo é conseguir que no próximo ano tenhamos mais entre €40.000,00 a €45.000,00, em termos globais, de dinheiro novo para as coletividades"

reunião de Câmara para depois

de dinheiro novo paras as

ser submetida à Assembleia

coletividades. Com uma ressalva:

Municipal. O ideal era que o

provavelmente as coletividades

regulamento fosse aprovado na

que mantiverem a sua atividade

sessão de setembro. Não sendo

social, com aquilo que eu

possível, na pior das hipóteses, irá

considero a política da porta

à Assembleia de dezembro.

aberta, da solidariedade, irão manter valores muito similares aos anos anteriores. As coletividades que têm uma atividade mais abrangente irão ser altamente beneficiadas em relação à média referida. Outra possibilidade que se abre com o novo regulamento é podermos, no início de cada ano, definir qual vai ser a nossa aposta cultural. Se for no teatro, que com o presente regulamento, em termos de pontuação, deverá ter um apoio que anda entre os

€ 7.000,00

a

€ 8.000,00,

o reforço

será na dotação do teatro. Se for na etnografia, o reforço será na dotação da etnografia…

sócia

84 | MAIO 2020

"O meu grande objetivo é que a atividade regular tenha a mesma dotação que têm as IPSS e que tem o desporto, ou seja € 120.000,00 por ano"


Do Leslie à COVID-19: "são muitas dores" e muitos "azares" Relativamente ao Leslie, qual é o ponto da situação do pagamento às coletividades?

os apoios atribuídos são os apoios

(Risos) São dores a mais e eu que

justos. Passados 1 ano e 3 meses,

o diga enquanto vereador. Não

ainda existiram tentativas de

tem sido fácil. E ainda se

É diverso. Todas as coletividades

[coletividades que tentaram]

esqueceu de um pormenor: antes

que atempadamente

meter processos do Leslie, que

do Leslie, foram os incêndios.

apresentaram faturas já

foram travadas. Evoco aqui o meu

Foram incêndios, foi o Leslie e

receberam. Das 32 coletividades

Presidente da Câmara à época, o

agora a COVID-19. Isto faz-me

que pediram apoio há 30% com

Dr. João Ataíde, que me deu toda

pensar muito sobre a minha

processos completamente

a liberdade, que me apresentou

posição enquanto eleito: se não

encerrados. Acredito que durante

todos os Secretários de Estado

serei eu que terei trazido todos

os próximos meses haverá mais

responsáveis, para que

estes azares.

30% que também verão os seus

conseguíssemos em tempo útil

processos encerrados. Ainda hoje

avançar com o processo. A

[8 de maio], despachei mais uma

própria CCDRC, quando há cerca

proposta de seguro. É importante

de 8 ou 9 meses, veio fazer

referir que este processo do Leslie

algumas vistorias no pressuposto

Quando vão ser pagas as verbas do apoio regular e que foram antecipadas por causa da COVID-19?

veio colmatar uma falha que

de que os processos não estavam

Os cabimentos estão feitos, o

existia no passado e que se

organizados, concluiu que os

despacho está feito, as verbas já

prende com a obrigatoriedade da

processos estavam devidamente

deveriam ter sido pagas. Estamos

edificação ter seguro. Não

organizados, não tendo feito

apenas dependentes das questões

poderemos voltar a correr o risco

qualquer tipo de reparo. É este o

burocráticas.

que tínhamos. Estruturámos as

pequeno orgulho que posso tirar

coletividades a esse nível. Depois

deste desafio. Motiva-me saber

30% a 40% dos processos que

que fizemos as coisas bem feitas.

ficaram por fechar nesta fase

Já há coletividades que estão neste momento com algumas dificuldades de subsistência. O Município está disponível para reforçar os apoios em situações limite?

perante construções

Qual foi ou será o montante total financiado às coletividades que recorreram ao apoio municipal? € 880.000,00 de apoio direto. A

completamente desorganizadas,

Câmara Municipal irá ser

avaliação que teremos de efetuar,

que foram apoiadas com dinheiros

ressarcida de uma parte, mas

caso a caso, para que, em

públicos - algumas há muitos anos

ainda não há uma perspetiva de

situações limite devidamente

e outras há menos anos - e sobre

quando é que isso vai acontecer.

identificadas, possamos vir a

as quais não havia a garantia de

A nossa grande preocupação foi

fazer um apoio extra. A minha

que a edificação estivesse

assegurar às coletividades os

filosofia sempre foi e sempre será:

legalizada. O pressuposto

meios financeiros suficientes e

em vez de dar o peixe, dar uma

principal dos processos do Leslie

justos para rapidamente

cana e ensinar a pescar. A

foi o de que todos os apoios

resolverem a sua situação. Os

proposta que está em cima da

financeiros com dinheiros públicos

danos reportados até

mesa para o turismo vai no

tinham que ser para edificações

foram assumidos, no imediato e

sentido de intensificar, durante

legais. Nas coletividades em que

por completo, pela Câmara, que

este ano, a animação de rua, com

os montantes foram mais

nem sequer os comunicou ao

o reforço do trabalho das

elevados, sendo que algumas até

Estado Central. Durante as

coletividades nessas ações,

ultrapassaram os cem mil euros,

negociações e naquele momento

pagando a Câmara o justo valor

existiram também dificuldades

crítico nós, tínhamos uma certeza:

por esses serviços. São as duas

dessas associações em conseguir

se pedíssemos mais de meio

medidas que, no imediato, estão

arranjar empresas que dessem

milhão de euros ao Estado

preconcebidas. Não podemos

resposta em tempo útil. Em termos

Central, a resposta seria não.

avançar com nada de muito mais

prendem-se com licenciamentos que não existiam. Coletividades que tiveram que instruir processos de legalização, porque estávamos

de Câmara Municipal, o processo está transparente. As regras foram definidas à partida. O pelouro das Coletividades, aquando do Leslie, fez um levantamento em tempo recorde, preciso e objetivo, que também nos salvaguarda a todos de que

€ 5.000,00

E depois do LESLIE, veio a COVID-19. Na mensagem de Páscoa que enviou às coletividades, citou Pessoa: “Quem quer passar além do Bojador / Tem que passar além da dor”. Não são dores a mais?

Está e até já falei com o Senhor Presidente sobre o tema. É uma

concreto, porque estamos a aguardar a regulamentação sobre as atividades que se poderão realizar. Penso que a partir do dia 18 [de maio] estaremos em condições de concretizar melhor estas propostas.

sócia

85 | MAIO 2020


"O modelo de comunicação das coletividades tem de ser muito melhorado" As coletividades queixam-se que não têm lugar no CAE. Como reage?

se sistematicamente uma série de

Há no concelho cultura de primeira e cultura de segunda?

grande desafio político. Colocam-

conjeturas, uns falam no Coliseu,

Não considero que exista cultura

Estrategicamente, o CAE acaba

outros no Anel das Artes, entre

de primeira e de segunda. Há

por ter uma gestão autónoma. O

outras opções, mas o que é

neste concelho cultura que é mais

espaço passou a ser minimamente

necessário é um verdadeiro Sítio

evidenciada, mais publicitada, do

rentabilizado, isto é, não dá lucro,

das Artes na Figueira da Foz. Um

que outra. O modelo de

mas também não acarreta uma

equipamento com um espaço

comunicação das coletividades

despesa substancialmente

similar ao CAE que consiga

tem de ser muito melhorado e a

elevada para o Município.

concentrar toda uma série de

Câmara Municipal aceita esse

Felizmente, o CAE tem recebido

coletividades em espaços

desafio. As coletividades têm de

ao longo dos últimos anos muitos

multidisciplinares, com uso

se organizar: não podem marcar

espetáculos que só são possíveis

permanente, para demonstrar o

duas ou três peças de teatro para

de ver em Lisboa, no Porto e na

que se faz no concelho. Não digo

o mesmo dia. Têm de apostar na

Figueira da Foz, o que também

que seja fácil ou para fazer no

itinerância e levá-las a mais

contribui para a taxa de

imediato. Não vale a pena estar

locais. Se conseguirmos organizar

ocupação constante. Se me

com demagogia. É uma ideia que

esse mapa de atividades e

disserem que precisamos de uma

neste mandato é impossível

divulgá-las convenientemente,

segunda sala com a mesma

concretizar, mas gostaria de

passaremos a não ter esse

dimensão, diria que sim e a partir

deixar feito nesta área um

conceito de cultura de primeira e

daí resolveríamos o problema. A

trabalho sustentável para que o

de segunda. É uma situação que

Figueira da Foz precisa de mais

meu sucessor pudesse agarrar no

requer uma formatação diferente

um espaço com capacidade igual

projeto.

e um diálogo permanente entre

ou superior ao CAE. Esse é um

coletividades.

"É necessário um verdadeiro Sítio das Artes na Figueira da Foz. Um equipamento com um espaço similar ao CAE que consiga concentrar toda uma série de coletividades"

sócio sócia

04 || MAIO 86 MAIO 2020 2020


Há dirigentes que acusam o pelouro de priorizar determinados projetos em detrimento de outros. Como reage? Desconheço as situações

Não sabemos se vão fazer o

concretas a que se refere, mas

investimento e depois acabam por

como é natural nem todas as

vender meia dúzia de refeições

A ACCFF fez no passado dia 5 de maio 19 anos. Desde que tomou posse como vereador tem dito publicamente que considera esta estrutura um parceiro do Município. Entende que há espaço para aprofundar essa parceria?

respostas são positivas. O

por dia… A partir do dia 18 [de

Há muito espaço para aprofundar

vereador das coletividades do

maio], acreditamos já ter outros

esta parceria. Desde o primeiro

Município da Figueira da Foz não

dados que sustentem uma tomada

instante, assumi que à Câmara

tem dado só "sins" às

de decisão.

Municipal exige-se dar inputs, dar

coletividades. Também tem dado

na própria Feira das Freguesias, nós não sabemos se as coletividades vão ser ressarcidas do hercúleo trabalho que vão ter para que possam ir às tasquinhas.

caminhos e ajudar a definir a

Orquestrae, mas provavelmente

14 freguesias, uma intensa dinâmica associativa e, em particular nos últimos anos, tão poucas marchas populares de São João. Como é que o vereador do pelouro entende esta circunstância?

tínhamos feito nove ou dez “mini

Entendo que já não é uma

tecido associativo, vai dar-se mal.

orquestraes”… A aposta é em

questão monetária. Tem a ver com

Faço um paralelismo com outra

produtos únicos. Posso revelar que

toda esta dinâmica de que há

realidade: qualquer diretor

depois do evento

pouco falámos de que é

comercial que queira vender um

necessário trazer mais pessoas

determinado produto sem ter

chegaram à mesa dos vereadores

para as coletividades e mais

todos os comerciais alinhados

outras iniciativas que queriam

motivação. Existem coletividades

com a estratégia e a fazer parte

replicar o evento e até com

que, entretanto, desistiram de ir

integrante desta, não será

menos enfoque. Há aqui um

às marchas. Portanto, vai ter de

certamente bem sucedido. E a

trabalho que tem de ser

existir um trabalho de muita

Associação das Colectividades é

respeitado por cada um dos

proximidade para que essas

a âncora dessa sustentabilidade,

interlocutores. O papel do

mesmas coletividades possam,

que tem de ter um papel

vereador neste capítulo é também

num futuro próximo, voltar a

relevante e maior em toda a

respeitar a propriedade

participar. O modelo tem de ficar

atividade. A Câmara Municipal

intelectual e respeitar a

bem assente. Muitas vezes a

precisa constantemente deste

capacidade que cada uma das

questão das classificações, quem

apoio, porque a Associação faz

associações tem de inovar.

ganhava e quem ficava em

um papel de ligação que o

segundo, criou também alguma

Município não tem capacidade de

desmotivação. Antes de

efetuar. Os serviços da Câmara

avançarmos, temos de definir

abrem às 8h30 e fecham às 17h30

regras de participação, que

e, como sabemos, o

provavelmente vão ter que ser

associativismo não se faz neste

alteradas. Não vou avançar com

horário. O associativismo faz-se

nenhuma ideia. As regras vão ter

já depois de cada um dos

de ser repensados por toda a

intervenientes ter deixado as suas

gente e com a própria

profissões. É no final [da jornada

A decisão final ainda não foi

participação das coletividades

laboral] que vão trabalhar em prol

tomada. Há necessidade de

para que não possam depois dizer

da comunidade. Há muitos mais

perceber a regulamentação

que não foram envolvidas. No

motivos, mas só este é o

relativa às aglomerações de

fundo é isto: chamar as

suficiente para ter na Associação

pessoas. Vão existir regras e

coletividades e, em conjunto,

das Colectividades um pilar de

vamos ter que quantificar e

definir regras aceites por todos.

apoio fundamental.

ponderar o quanto é que custa a

Só a partir daí é que

imposição dessas regras e quais

apaziguaremos a situação.

"nãos" e tem-nos justificado. A filosofia que tento transpor é que as coletividades em conjunto têm de apresentar produtos agregadores, diferenciadores e continuados. Nós fizemos o

ComVida

»

« República

[da Dez de Agosto]

Falemos um pouco das Festas da Cidade, também por aquilo que representam para a dinâmica associativa e para o incremento das receitas. A Feira das Freguesias foi cancelada em 2020 ou apenas adiada?

estratégia. É às forças vivas da sociedade que compete implementar essa mesma estratégia e desenvolvê-la. Qualquer que seja o vereador das coletividades, se quiser impor uma ideia sem a participação do

vão ser as grandes mais-valias para cada uma das instituições. Só depois tomaremos uma decisão. Temos também aqui uma abertura para, no caso de virem a ser necessários alguns apoios extraordinários, se não se investir

"As coletividades em conjunto têm de apresentar produtos agregadores, diferenciadores e continuados"

num lado podermos estar em condições de distribuir essas verbas de outra forma. Pensando

sócia

87 | MAIO 2020


Orquestrae "é para continuar" com "um modelo ainda mais inovador" Focando-nos nas políticas para o associativismo, o projeto Orquestrae é uma marca deste Executivo. É para continuar?

Que outros projetos tem para apoiar a dinâmica associativa?

É para continuar. Existiu uma

Capital Europeia da Gastronomia,

primeira fase do projeto e depois

em 2021. O grande objetivo é

foram abertos dois ou três

concebermos produtos próprios,

Orquestrae fora do próprio

genuínos, mostrando a

âmbito, isto é, levou-se o

capacidade que temos em cada

Orquestrae às freguesias. O

uma das áreas do associativismo.

Executivo quis, depois, dar a

Ainda temos tempo. Este trabalho

hipótese às restantes filarmónicas

era para ser simulado este ano,

para que cada uma delas pudesse

mas nestas condições [devido à

desenvolver projetos idênticos na

COVID-19] não haverá simulações.

sua comunidade. Estávamos a

Em 2021, será sem rede, mas

perspetivar estas ações durante

tenho a confiança de que vai

esta fase em que fomos

correr bem, porque sabemos quem

apanhados pela COVID. Podemos

são os interlocutores, conhecemos

ter mais algum Orquestrae nessa

as pessoas que estão no terreno.

base para encerrar esta primeira

Para mostrarmos todas estas

fase, mas não sei se iremos ter a

áreas, toda esta riqueza cultural,

possibilidade de dar as mesmas

vamos isoladamente treinar

condições que já demos às

algumas áreas, como a dança, o

filarmónicas que replicaram o

canto ou o teatro, para podermos

espetáculo na sua freguesia.

criar algo de dimensão mais

Entretanto, o pelouro das

abrangente, mais fora da caixa.

Coletividades fez, juntamente

Esta será a prioridade, mas temos

com as filarmónicas, uma análise

também a plena noção de que os

intrínseca dos objetivos iniciais e

ranchos folclóricos estão com

quantificámos com cada uma das

alguma dificuldade ou que o

filarmónicas as que tinham

teatro precisa de mais apoio.

atingindo mais e menos objetivos.

Logo que possível, seja

Tivemos essa massa crítica. Se

presencialmente ou por video-

tínhamos ou não atingido o

conferência, iremos discutir estas

objetivo e, quando não atingimos,

áreas temáticas uma a uma com

questionar por que razão não

as coletividades e perceber onde

atingimos. Nessa base, já estamos

podemos intervir.

Tínhamos, e continuamos a ter, muitas perspetivas em relação à

"Temos muitas perspetivas em relação à Capital Europeia da Gastronomia, em 2021" "Vamos treinar algumas áreas (...) para criar algo de dimensão mais abrangente, mais fora da caixa"

a perspetivar o Orquestrae do próximo ano com um modelo ainda mais inovador e desafiante. Vamos preparar mais um grande Orquestrae. Ideias não faltam.

)zoF ad arieugiF EAC( ohnidoG leinaD ed aifargotoF

sócia

88 | MAIO 2020

"Temos plena noção de que os ranchos folclóricos estão com alguma dificuldade ou que o teatro precisa de mais apoio."


O desassossego de quem deseja fazer da Figueira a capital do tecido associativo As sessões solenes fazem parte da tradição associativa local. No contexto da sociedade atual, ainda fazem sentido?

que repensar o conteúdo. As

Há precisamente um ano, no aniversário da Associação das Colectividades, confessou publicamente que gostava de fazer da Figueira “a capital do tecido associativo". Mantém esse desejo?

sessões solenes deveriam ser um

Mantenho claramente. Já fiz um

que gostaria que as coletividades

bocadinho mais curtas, mais

apanhado sobre a grande maioria

me recordassem.

objetivas e realmente mais

das situações: temos excelentes

solenes. Que seja um momento

dirigentes associativos, temos

relativamente curto para que

excelentes instituições, temos a

possa ser estabelecida essa

Associação das Colectividades

Gostaria de renovar o mandato e continuar com o pelouro após as eleições do próximo ano?

mesma solenidade. Depois,

que funciona como pilar de toda

(Silêncio) Primeira pergunta,

acrescentar-lhe a outra

a estrutura associativa, temos

primeira resposta: gostaria.

componente, após a sessão, tipo

espaços, ou seja, temos tudo. E,

Segunda resposta: é necessário

fórum, de perguntar às pessoas

mais, temos aquilo que nos

ter motivação para o efeito. Em

presentes o que é que associação

diferencia: temos muita vontade e

termos pessoais, eu utilizo muita a

pode fazer mais pela comunidade

muito empenho. A pergunta que

expressão do “desassossego

e o que é que a comunidade pode

eu deixo é: o que é que falta?

constante”. Sou uma pessoa

Fazem sempre muito sentido. Embora, possivelmente, tenhamos

fazer mais pela associação. É o

quatro anos no exercício da sua função, deixar de ser vereador – podem não me chamar companheiro –, mas se não sentir esse companheirismo é porque fiz muita coisa errada. Portanto, era como um companheiro de armas

desassossegada, no sentido de

errado, mas que poderia trazer

Como é que gostaria que os dirigentes associativos recordassem o seu mandato?

outro envolvimento, captar outras

Como um companheiro. Se,

porque, como já referi, continuo a

pessoas com ideias inovadoras e

depois do meu mandato, eu for a

desempenhar a minha atividade

até novos elementos para os

uma associação e me tratarem

profissional, e, já o disse, o tempo

órgãos sociais.

por companheiro, sentirei que fiz

é insuficientemente suficiente.

o meu papel e o meu trabalho,

Poder aceitar ou não o próximo

porque sabemos que as

desafio vai depender em grande

coletividades essencialmente

parte da minha capacidade física

vivem do fator humano. Se as

e da minha capacidade de

É verdade. Mas, objetivamente, as

relações não perdurarem, se

resiliência.

sessões solenes acabam por ter

quando este vereador, que esteve

modelo que defendo, naturalmente passível de estar

Esse momento de opinião não será próprio das assembleias gerais?

tentar melhorar, tentar motivar, tentar agregar. Esta está a ser uma experiência muito dura,

mais público do que as assembleias gerais. O públicoalvo cresce exponencialmente.

Entrevista de

Ricardo Santos Pedro Agostinho Cruz

Fotografias de

"Gostaria que as coletividades me recordassem como um companheiro de armas"

sócia

89 | MAIO 2020


IN MEMORIAM

ANTÓNIO INÁCIO n. Coimbra, 1955 - m. Figueira da Foz, 2003

António Maximino Marques Inácio

nasceu, em

Coimbra, em maio de 1955.

destinos do GIS, mas com o foco numa dinâmica associativa que envolvesse todos os parceiros do concelho da Figueira da Foz.

Pessoa bastante exigente e íntegra, foi um dedicado trabalhador da empresa LITOCAR,

Iniciou, então, a dinamização de diversos fóruns,

destacando-se pela singular facilidade em fazer

com o apoio de outros dirigentes locais, algumas

amigos.

empresas e da Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto

Passava as férias em Buarcos, lugar onde decidiu

(CPCCRD), sempre em associações de diferentes

fixar residência em 1996, aqui vivendo rodeado de

freguesias e com distintos oradores.

verdadeiros amigos, que depressa cativou e envolveu.

Estava lançada a semente para a criação da Associação das Colectividades do Concelho da

A 8 de dezembro de 1994, fez-se sócio do Grupo

Figueira da Foz. A fundação data de 5 de maio de

Instrução e Sport (GIS) e, logo em janeiro de 1995,

2001 e o GIS é unanimemente consagrado como

integrou a direção. Dois anos depois, mais

sócio fundador número um, reconhecendo o papel

propriamente a 4 de abril de 1997, foi eleito

fulcral do seu Presidente, que viria a ocupar umas

Presidente da coletividade, cargo que ocupou até

das vice-presidências dos primeiros órgãos sociais

31 de janeiro de 2003. Nesse período, António

eleitos daquela estrutura associativa.

Inácio rapidamente fez a diferença, explorando dinâmicas inovadoras, como a criação de um grupo

Integrou ainda, durante quatro anos, os órgãos

de escoteiros, a dinamização de jogos tradicionais

sociais da própria CPCCRD, defendendo sempre

de praia, exposições de artesanato local,

uma dimensão global e integradora do movimento

demonstrações de pesca de arrasto (arte), entre

associativo.

outras iniciativas que ainda hoje permanecem na memória e fazem a história da instituição.

Homem com grande visão de futuro, partiu cedo de mais, em janeiro de 2003, com apenas 47 anos de

António Inácio cedo demonstrou ter uma visão do

idade, tendo deixado um vasto e reconhecido

associativismo muito mais ampla e abrangente do

legado associativo.

que era expectável, não se limitando a gerir os [Com a colaboração de

sócia

90 | MAIO 2020

Rosa Baptista ]


CAMPANHA DE NOVAS FILIADAS A Associação das Colectividades do Concelho da Figueira da Foz (ACCFF), enquanto estrutura descentralizada da Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto (CPCCRD), associou-se à campanha nacional para a angariação de novas filiadas.

Até 31 de dezembro, todas as associações, clubes e coletividades que se queiram juntar à família do movimento associativo popular terão um desconto de 50% na quota anual de 2020.

Fazer parte da CPCCRD/ACCFF é ter acesso, a todo o momento, a legislação e informação sobre o setor, a manuais de boas práticas em diversas áreas de interesse associativo, a apoio jurídico e contabilístico, a vantagens comerciais em diversas empresas para associados e instituições e a formação especializada em temas de superior relevância para a gestão diária da associação.

Unidos somos mais fortes. Junte-se a nós.

FICHA TÉCNICA

sócia

de todas as coletividades.

Ricardo Santos Frederica Jordão

Direção e Redação Apoio à redação Apoio à edição

António Rafael, Fátima Trigo , Fernando Gonçalves, João Carronda e Celeste Miguéis Colaboração especial Frederica Jordão/Pó de Saber Grafismo Ricardo Santos Apoio à composição gráfica António Carraco dos Reis Revisão de texto Lígia Bugalho Propriedade Associação das Colectividades do Concelho da Figueira da Foz (ACCFF) Contactos

Praceta Doutor Marcos Viana, n.º 5, R/ch 3080-090 Figueira da Foz accffoz@sapo.pt | 936 860 131 | 962 920 832 Nota: Alguns artigos não seguem as alterações introduzidas pelo Acordo Ortográfico de 1990.

sócia sócia

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VALORIZAR Será possível imaginar a nossa vida coletiva sem identidade, sem desporto, sem dança, sem música, sem teatro?

É este o mote da campanha que a ACCFF vai lançar este verão, nas redes sociais, numa ação de valorização do movimento associativo.

Depois da suspensão forçada da atividade associativa por força da pandemia da COVID-

é o momento certo " para " despertar na população a consciência de que, de facto e comprovadamente, o movimento associativo nos faz falta ", destacou o Vice19, este "

presidente da Direção, Ricardo Santos.

VALORIZA O MOVIMENTO ASSOCIATIVO.


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