Cenários do quotidiano | Benedita Kendall

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Cenários do Quotidiano Benedita Kendall



E X P O S I Ç Ã O

D E

P I N T U R A

Cenários do Quotidiano Benedita Kendall

22 JAN. A 26 FEV. 2022 GALERIA MUNICIPAL DO MONTIJO



“Uma imagem vale mais do que mil palavras” Confúcio (Imperador e filósofo chinês)

Todas as artes são, de facto, um poderoso meio de comunicação, e a comunicação através da imagem é, sem dúvida, um privilégio das artes visuais! A arte pode transmitir tanto quanto as palavras acrescentando, a essas palavras, os sentimentos. É através da arte que o artista expressa, transmite ao outro aquilo que sente, porque os sentimentos são o motor da razão. É através do seu trabalho que o artista dá cores e contornos às coisas que sente. Benedita Kendall pinta porque as palavras não lhe são suficientes, já “as imagens abrem sentidos e comunicam com sentido lato, não restringindo os significados”. Propõe-nos, nesta exposição, “uma reflexão sobre os tempos que correm” em que “o tempo está suspenso e a realidade está plasmada num espaço empírico, desenhado com perspetivas incertas”. Esperando que este seja o ano da endemia, que nos permita regressar a algo próximo do que consideramos o nosso “normal”, certos de que os agentes de cultura continuarão a dar “forma” aos seus sonhos e pensamentos, convido-vos a “soltar” a vossa imaginação numa visita a “Cenários do Quotidiano”, uma exposição que surge da resistência da artista, da sua necessidade de criar e comunicar o que cria aos outros. Votos de um excelente 2022!

O Presidente da Câmara Municipal

Nuno Ribeiro Canta



Cenários do quotidiano A minha pintura é povoada de narratividade. Represento histórias que se cruzam e se sobrepõem. Aqui confrontam-se mundos em diferentes cenários e linguagens. São narrativas que se complementam e se valorizam mutuamente, integrando-se na sua diversidade. São fábulas sobre a vida quotidiana, são cenários de arquiteturas impossíveis, provenientes de memórias imprecisas. O meu processo de trabalho desenvolve-se tendo o desenho como ponto de partida. Numa primeira fase do trabalho, elaboro esboços e estudos, colocando ideias no papel, numa procura pelas imagens que se encontram no meu pensamento, dando forma aos conceitos que exploro. Nesta fase tento romper barreiras linguísticas, que obrigam a que todas as coisas tenham um nome e um significado, uma forma de serem configuradas e as imagens que eu produzo, não seguem estas regas. A pintura vai desvendando sentidos que se afiguram à medida que é produzida. Exploro imagens sem saber o que significam, num registo o mais automático e onírico possível. Desenho sem rede. Configuro formas que se vão conjugando numa “escrita” improvável e em contraponto. Imagens que rivalizam e se antagonizam. Por essa razão, sinto que a minha pintura começa e termina no desenho. Começa nesses esboços rápidos, produzidos em blocos de papel, onde o lápis deambula pela folha, sem borracha, sem filtro, numa escrita automática, poeticamente livre e sem regras, nem referenciais. Nestes desenhos, não existem regras de representação, são figuras que se antagonizam, que vão crescendo por si próprias, como versos de um poema. Há muito tempo que descobri que as palavras ditas por mim, podem aprisionar os conceitos, ficam limitadas em redundâncias e induzem a erros. As palavras sempre me atraiçoaram. A expressão verbal pode reduzir o meu discurso a interpretações que eu não desejava. Por outro lado, as imagens abrem sentidos e comunicam com sentido lato, não restringem os significados. Cabe-me a mim ampliá-las, multiplicá-las, repeti-las até exaustão. Tenho plena consciência de que me repito, de que ando muito tempo à volta de um pensamento, tentando dize-lo de diferentes formas. Este é o meu processo de trabalho. A minha pintura também termina no desenho. Por cima das camadas de tinta dispostas na tela, em layers de sobreposições, regresso ao desenho, contornando figuras, delineando objetos e personagens. Traço contornos com um pincel fino, ou rasgo a superfície com uma ponteira afiada. O desenho está presente ao longo de todo o meu processo de trabalho e por vezes encerra-o na fase de acabamento. Desenvolvo cartografias, geometrias pré-euclidianas, paisagens sem referenciais, sem perspetiva, sem escala. Trabalho como um ilustrador medieval. Caracterizo as formas aproximando-me dos conceitos. Tento reproduzir o que há de essencial na forma, num processo de simplificação formal à maneira cubista. Tanto procuro o niilismo representativo, como um excesso figurativo. Represento ao mesmo tempo a era do vazio e a idade neobarroca, mostrando que estes dois princípios coexistem na atualidade.


Produzo planos de cor de forma a caracterizar o espaço. São não-lugares. São lugares imaginários, de ausência, ou lugares inexistentes. Estas zonas complementares definem exterior/interior; realidade/espaço onírico; espaço publico/privado. São linhas de horizonte que delimitam planos, que intercetam diferentes níveis de realidade, cruzando e interpenetrando planos e elementos espaciais que configuram cenários. São mapas mentais, memórias descritivas retiradas de sonhos impossíveis. Linhas que definem expectativas, desejos plasmados em objetos que caem do céu. As habitações transformam-se em labirintos fechados, os percursos transformam-se em escadas, personagens transportam poltronas no tejadilho de automóveis, o lastro das suas expectativas de conforto e de luxo. Acedo a um repositório de imagens, um arquivo, um acervo, que consulto sem selecionar fontes. Desenho pensamentos que vejo plasmados nas questões com que todos nos deparamos. Limito-me a traduzir e a converter em imagens, de acordo com os filtros que criei. Sou interprete. Modifico as linguagens, torno a realidade numa massa plástica que foi sintetizada pelo meu traço. Codifico significados explícitos, ilustro metáforas, afasto-me da literalidade da realidade. Sempre tive uma predileção por casinhas de bonecas. São modelos pequenos que configuram os nossos sonhos, onde podemos criar narrativas ficcionais e rever-nos em vidas diferentes. As casinhas de brincar fazem o mesmo que as telenovelas: transportam-nos para vivências imaginadas, que podemos experienciar sem ter vivido. Através destas narrativas, acedemos a expectativas e desenhamos percursos de vida. Por isso represento casas. Casas rebatidas, planificadas, abertas para podermos idealizar espaços privados. São labirintos fechados porque delimitam as vivências de cada um. Paredes erguidas a murar o espaço pessoal e individual. Podemos entrar e sair pelas aberturas que desenhamos. Somos personagens e expectadores em simultâneo. Estas pinturas são brincadeiras infantis que nos treinam para a realidade adulta e textual. A arte permite-nos repensar o mundo, questionar a realidade e desconstruí-la em ficções imaginadas. Por isso, preparei esta série de pinturas explorando uma questão da atualidade: saber lidar com as consequências da rotina e com as dificuldades do quotidiano, conciliando a vida com o trabalho, num equilíbrio quase impossível de conseguir. Na atualidade, a rotina desgasta e preenche todo o espaço da vida, que estava destinado a outras vivências. Vivemos um tempo onde a disponibilidade é um luxo, que nos deixa reféns de um egoísmo involuntário. Como gerir expectativas neste contexto, em que o tempo nos foi confiscado? Conciliar a vida pessoal com a profissional, tornou-se num exercício de contorcionismo acrobático.


Regresso a casa III

Acrílico sobre tela, 100 x 120 cm, 2021



Represento aspetos da vida quotidiana, do isolamento em que vivemos, tecendo uma rotina completamente absorvente. Pinto personagens que se transformam em ilhas de solidão, que usufruem do seu conforto e de momentos de lazer em casas labirínticas, em condomínios seguros e confortáveis onde constroem muralhas de egoísmo e ausência. Estes indivíduos deambulam nas avenidas olhando os seus relógios, carregando as almofadas onde descansam, pagando o preço do seu conforto. São figuras monocromáticas que circulam apressadas, regressando às suas casas ao final do dia, reunindo-se após a loucura da rotina diária. Depois dos atropelos, das armadilhas, das tramas, podem descer pairando para a realidade que mais prezam, caindo suavemente dentro das paredes das suas casas, para finalmente desfrutar do conforto que as faz correr tanto. Represento figuras humorísticas, que caem do céu agarradas a guarda-chuvas, em momentos de suspensão, na rotina do seu quotidiano. Planifico casas labirínticas e enigmáticas onde se sucedem portas atrás de portas. Muralhas de isolamento, labirintos enigmáticos. São resguardos do ser. Estas habitações erguem-se e posicionam-se na paisagem, sem coordenadas definidas, em geometrias variáveis e perspetivas irregulares. Neste espaço cartesiano, está presente a linha de terra que delimita diferentes realidades.

Pairando sobre a rotina

Acrílico sobre tela, 90 x 90 cm, 2021

Nas avenidas deambulam personagens-tipo e caem de paraquedas alguns objetos de conforto. Maples, cadeiras e sofás, pairam sobre as personagens, como objetos de desejo, atribuídos de forma aleatória, tecendo a sorte dos dias, em destinos sonhados como fatalidades improváveis. Com esta esta exposição, proponho uma reflexão sobre os tempos que correm, onde fomos confrontados com o tempo e o espaço exíguo e diminuto das nossas vivências. O tempo está suspenso e a realidade está plasmada num espaço empírico, desenhado com perspetivas incertas e em simplificações redutoras. Este é o espaço das vivências, enquadrado no horizonte das expectativas, sob a atmosfera da fatalidade. Cada individuo cumpre o seu quotidiano, regressando ao seu labirinto impossível, pairando sobre as contingências das suas vivências. Nesta época em que a incerteza e a ansiedade nos assolam constantemente, proponho uma fuga. Proponho uma reflexão sobre a forma como deixamos a rotina e o quotidiano ocupar todo o espaço e tempo das nossas vidas. Proponho um regresso a casa e ao nosso espaço vital. Um regresso à disponibilidade, uma suspensão no tempo, valorizando as coisas significativas que possuímos e que estão ao nosso alcance. Uma pausa nas deambulações rotineiras para pairar sobre os sonhos que fomos construindo.

Benedita Kendall



Acrílico sobre tela, 90 x 90 cm, 2022 Mapa Mental I

Just like your daddy did

Acrílico sobre tela, 50 x 70 cm, 2020


Construindo pódios Acrílico sobre tela, 70 x 100 cm, 2021




Não-ausências

Acrílico sobre tela, 50 x 70 cm, 2021

Regresso a casa II

Acrílico sobre tela, 90 x 90 cm, 2021


Acrílico sobre tela, 60 x 60 cm, 2022

Acrílico sobre tela, 100 x 120 cm, 2021

Mapa Mental II

Assintonia de fim de tarde




Acrílico sobre tela, 90 x 90 cm, 2021 Demanda Quotidiana

Keep calm and carry on II

Acrílico sobre tela, 60 x 80 cm, 2021


Inevitabilidade do ser Diferentes pontos de partida

Acrílico sobre tela, 120 x 120 cm, 2020 Acrílico sobre tela, 80 x 80 cm, 2022




BENEDITA KENDALL

Versão abreviada

Benedita Kendall nasceu no Porto em 71. Frequenta o Curso de Desenho na FAUP em 86 e em 94, conclui o curso de Artes Plásticas-Pintura, na FBAUP e frequenta o Curso de Desenho de Figura Humana na International Sommer Academie de Salzburg, na Áustria, leccionado por Jim Dine. Bolseira na Slade Shool of Arts, Reino Unido. Professora de Artes Visuais do Ensino Secundário. Conclui o Mestrado em Práticas e Teorias do Desenho na FBAUP, 2006. Formadora do curso de Arte Contemporânea CFAE Matosinhos, 2020. Júri convidada no Prémio de Pintura Eixo Atlântico 2006/07. Edita serigrafias para o Eixo Atlântico em Vigo, em 2007.

Filho adulto

Acrílico sobre tela, 40 x 40 cm, 2022

Exposições Individuais: “Máquinas de Pintar” na Galeria Vandelli de Coimbra, em Abril de 96. “Vestígios” na Cooperativa Árvore, Porto, 2003. “Vestígios de Intimidades”, Galeria S. Mamede, Lisboa, 2005. “Superfície-pele”, Galeria S.Mamede, Porto em 2006. “Alegorias”, Iduna, Espaço Cultural, Julho a Setembro de 2007. “Histórias Improváveis”, Galeria S. Mamede, Março 2008. “Design Emocional”, Museu do Douro, Cidade da Régua 2010. “Design Emocional”, Galeria S. Mamede, Lisboa 2011. “Arquitetura da Memória, Galeria S. Mamede, Porto 2013; “Narrativas Sobrepostas”, Galeria S. Mamede Lisboa,2018; “Cenários do quotidiano”, Galeria S. Mamede Lisboa e Porto, 2021.

Exposições Colectivas: Galeria Labirintho, Porto, 92,93,94 Feira de Arte Contemporânea, na Exponor, no Porto, 2003 Galeria Por Amor à Arte, no Porto em 94 Concurso Nacional dos Jovens nas Artes, no Fórum da Maia, em 94 (artista premiada)

Prémio BCM (Banco Comercial de Macau), em 95 Alunos Finalistas das Belas Artes no Fórum da Maia, em 94 Alunos Finalistas no Museu da Fac. de Belas Artes da Universidade do Porto Prémio Júlio Resende no Auditório Municipal de Gondomar, em 96 “Colorações” na Casa da Companhia da Fundação da Juventude, em 96 (artista convidada) Exposição na Sede da Associação Nacional dos Jovens Empresários, em 96 (artista convidada). Colectivas dos Sócios da Árvore em 96, 97, 98 e 99 Exposição no I.E.S.F. em 98 (na antiga Clínica Heliantia em Francelos, Vila Nova de Gaia) Exposição no EPROMAT em 1999 Pequeno Formato, Prémio Joaquim Afonso Madeira, Moita, 2020 Bienal de Cerveira 2020 (Artista convidada).

Prémios: Work Shop Augusto Gomes, 1987 – 1.º Prémio; 1988 – 2.º Prémio; Concurso Nacional dos Jovens nas Artes, 1994 – Bolsa de Intercâmbio; Prémio Águas do Minho e Lima na Bienal de Cerveira 2003; Concurso “30 anos da Universidade de Aveiro”, 2003 – 2.º prémio.


Acrobacias do quotidiano

Acrílico sobre tela, 100 x 150 cm, 2021

FICHA TÉCNICA CATÁLOGO

FICHA TÉCNICA EXPOSIÇÃO

Título Cenários do quotidiano: pintura | Benedita Kendall

Produção e Organização Divisão de Cultura, Bibliotecas, Juventude e Desporto/ Galeria Municipal

Edição Câmara Municipal do Montijo Autor Câmara Municipal do Montijo Organização Galeria Municipal do Montijo Texto Benedita Kendall Fotografia Cedidas pela autora Projeto gráfico Gabinete de Comunicação e Relações Públicas Divulgação Gabinete de Comunicação e Relações Públicas Impressão Tipografia Belgráfica, Lda. Tiragem 350 exemplares Depósito Legal 494015/22 ISBN 978-989-8122-79-7

Design Gráfico Gabinete de Comunicação e Relações Públicas Montagem Divisão de Cultura, Bibliotecas, Juventude e Desporto/ Galeria Municipal Divisão de Obras, Serviços Urbanos e Ambiente Montijo, janeiro 2022 Galeria Municipal do Montijo Rua Almirante Cândido dos Reis, 12 • 2870-253 Montijo Telefone 21 232 77 36 E-mail cultura@mun-montijo.pt Horário 3.ª a Sábado das 09h00 às 12h30 e das 14h00 às 17h30 www.mun-montijo.pt instagram.com/galeriamunicipaldomontijo

Realizada em parceria com a Galeria São Mamede

Capa e Contracapa We all which to have an easier life II Acrílico sobre tela, 100 x 120 cm, 2021



www.mun-montijo.pt galeriamunicipalmontijo


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