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Montijo Hoje

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Entre Nós

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INFORMAÇÃO MUNICIPAL

34 JUNHO 2020 II SÉRIE

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Na linha da frente

CENTRO HOSPITALA R BARREIRO MONTIJO As equipas da Linha da Frente

Duas notas prévias: esta reportagem foi realizada no dia 13 de maio. A evolução da pandemia por SARS-CoV-2 é, em muitas dimensões, desconhecida e imprevisível. Portanto, em matéria de números, os dados aqui divulgados podem não corresponder à atual situação epidemiológica. Feito este enquadramento sobre uma realidade dinâmica e mutável, o que vai ler nas próximas páginas pretende ser, sobretudo, um retrato do vasto trabalho desenvolvido pelo Centro Hospitalar Barreiro Montijo (CHBM) e pelos seus 1800 profissionais que, efetivamente, estão na Linha da Frente deste combate. Uma missão que não é só deles. É de todos nós. Correm muitas vezes contra o tempo, num contrarrelógio para chegar à vitória da vida contra a morte. São heróis nesta luta contra o vírus. Mas também são pessoas. Com emoções. Com medos e anseios. Com esperança. E, sobretudo, com a segurança, a confiança e a convicção que tudo fazem, diariamente, para tratar, curar…, enfim para prestar à população cuidados de saúde hospitalares de excelência.

Antecipação, organização e números

Ana Teresa Xavier, Filomena Carneiro e Elvira Camacho são médicas e, simultaneamente, assumem cargos de direção na estrutura do Centro Hospitalar Barreiro Montijo. A primeira é diretora clínica da instituição e admite que “a pandemia instalou-se rapidamente. De um momento para o outro, todo o CHBM teve que se virar para o combate a esta situação, que não sabíamos, nem sabemos como vai ser”. Esta adaptação levou à reorganização do espaço físico e dos serviços, tanto no Hospital do Mon

tijo como no Hospital Nossa Senhora do Rosário (Barreiro). Levou, igualmente, à adoção de novas metodologias de trabalho, particularmente nos serviços de Urgência, de Pneumologia e de Medicina Interna. Em finais de janeiro, “foi criado um grupo para a elaboração do Plano de Contingência. A partir daí iniciámos o trabalho no sentido da criação de circuitos, de áreas especificas de atendimento deste tipo de doentes, de reforço das práticas de higienização e proteção. Medidas que foram sendo alteradas e atualizadas conforme indicações da Direção Geral da Saúde (DGS)”, acrescenta Filomena Carneiro, diretora dos Serviços de Urgência. “A mudança maior prendeu-se com a criação das Áreas Dedicadas Covid-19 (ADC), que têm de ser muito restritas inclusive ao nível do pessoal e das medidas de proteção nos serviços de Ur

gência, de Pneumologia e de Medicina Interna. Foi um trabalho muito difícil, que exigiu grande esforço dos profissionais. Em linha com as indicações do ministério, grande parte da restante área assistencial foi minimizada”, explica Ana Teresa Xavier. Sob a responsabilidade da médica Elvira Camacho está o Serviço de Pneumologia, onde são internados os doentes mais críticos. O primeiro deu entrada no dia 13 de março. Exatamente dois meses depois, os números revelavam um total de 34 internamentos. Cinco pacientes, acima dos 85 anos, acabaram por falecer “não pela insuficiência respiratória provocada pela covid-19, mas pelas suas comorbilidades”, explica. Como é característico desta patologia, são internamentos e recuperações muito longas: “são doentes com insuficiência respiratória mais ou menos grave, com pneumonias intersticiais, que precisam de muitos cuidados e vigilância. A minha experiência é que, na fase aguda, os doentes até estão estáveis, mas rapidamente entram num grau de insuficiência respiratória grave e precisam de entubação, ventilação e até de transferência para os hospitais centrais. Até 30 de abril, transferimos cinco doentes”, conta. O Serviço de Pneumologia, onde funcionava também a Unidade Funcional de Oncologia que foi deslocalizada para outro espaço, “passou a Área Dedicada Covid-19. A estrutura do serviço não estava apropriada a esta patologia com alto grau de infecciosidade, mas rapidamente adaptámos os espaços físicos”. São nove camas de isolamento. Três em quartos individuais com pressão negativa e outras seis em enfermaria, também, com pressão negativa. “O serviço disponha de 18 camas e passámos a ter uma capacidade de 30 para atendimento de doentes covid-19 e fortemente suspeitos de patologia respiratória grave. Na ala da Urologia, foi criada outra unidade de internamento para doentes covid positivo, mas sem patologia respiratória”, explica a médica Elvira Camacho. Chegaram a estar ocupadas 27 das 30 camas, num “momento de pico, muito complicado de gerir”, confessa a diretora clínica, Ana Teresa Xavier. No dia em que foi realizada esta reportagem (13 de maio), estavam internados 18 doentes na ADC do Serviço de Pneumologia. É, aqui, que a enfermeira gestora Luísa Barbosa passa os seus dias, a cuidar dos seus doentes e a coordenar as equipas de enfermagem. “Não foi, nem está a ser fácil. Tivemos que reorganizar as equipas, os horários e planear tudo devidamente. Passado o primeiro impacto da fase de adaptação, caracterizada por medo, ansiedade e insegurança, já crescemos muito neste caminho que é feito em equipa e partilha. É importante que a comunidade saiba que pode confiar em nós.

Equipa do Serviço de Urgência Geral Hospital N.ª Sra do Rosário

O CHBM tem todas as condições para cuidar em seguranças dos doentes da sua área de influência, sejam doentes covid ou não”, afirma sem hesitações.

Urgência – A porta de entrada

Estão abertos 24 horas por dia, 365 dias por ano. Não há feriados, fins de semana ou datas festivas de portas fechadas. O impacto da covid-19 nos Serviços de Urgência (e nos seus profissionais) do Centro Hospitalar Barreiro Montijo é notório à primeira vista: tanto no Serviço de Urgência Geral (SUG) do Barreiro, como no Serviço de Urgência Básica (SUB) do Montijo os circuitos “Lembro-me perfeitamente. Era familiar de um doente já infetado, internado noutro hospital. Omitiu informação quando entrou na nossa urgência e, por isso, esteve três horas no circuito geral de todos os doentes. Foi complicado e dramático para os profissionais envolvidos, mas intervimos logo que soubemos da situação”, conta. A evolução desconhecida da doença e a atualização constante de orientações e normas, leva os serviços e os profissionais a aguçar a capacidade de antecipação e planeamento. Também no SUG do Barreiro, houve reforço de pessoal nas equipas de enfermagem e pormenores de organização que contribuíram para melhorar o atendi

Dr.ª Filomena Carneiro, Enf.ª Filomena Sanches, Dr.ª Ana Teresa Xavier, Dr.ª Elvira Camacho e Enf.ª Luísa Barbosa

de entrada de doentes foram separados fisicamente, para que não haja cruzamento de utentes suspeitos de infeção por SARS-CoV-2 com aqueles que vão à urgência devido a outras patologias. Em ambas as urgências, foram assim criadas Áreas Dedicadas Covid-19, num “processo trabalhoso de definir por onde entram os doentes e a forma como são atendidos”, afirma João Fonseca, enfermeiro chefe do SUB do Montijo. Neste serviço do CHBM houve “reforço de profissionais nas equipas de enfermagem e de assistentes operacionais. Os turnos passaram a ser de 12 horas, num regime de espelho, para se evitar contágio entre as equipas”, acrescenta. Sempre a trabalhar a “200 ou 300 à hora” como confessa Filomena Sanches, enfermeira chefe do SUG do Barreiro, quando saiu a orientação da DGS para separação de circuitos já este serviço de urgência tinha implementado esta medida, até porque o primeiro caso de doente covid-19 colocou logo à prova a estrutura, as metodologias e os profissionais de saúde daquela unidade. mento aos doentes e a atuação dos profissionais. São disso exemplo a tenda de pré-triagem, importante para prevenir o cruzamento de doentes, ou os equipamentos de proteção individual que, desde a primeira hora, nunca faltaram aos profissionais do CHBM. Ao longo de mais de dois meses de uma situação “para a qual ninguém está preparado”, são muitos os episódios que marcam estes profissionais de saúde. Filomena Sanches recorda “dois doentes que até ao dia anterior estavam perfeitamente bem. Pessoas com capacidade imunitária para dar resposta, que não se sentem muito doentes para vir ao hospital até poucas horas antes de falecer, o que é dramático. Este é um vírus muito complicado. Não tivemos muitas situações destas, mas na altura do pico, existiram casos muitos difíceis”. “Apesar de nos termos preparado para enfrentar esta pandemia, estamos perante uma situação que é um vírus cuja contaminação é diferente de tudo o resto que já tinha ocorrido”, salienta a diretora dos Serviços de Urgência, Filomena Carneiro,

acrescentando que “continua a existir o problema dos doentes que dizem estar referenciados pelo SNS 24 e na realidade não estão”. Aliás a utilização adequada, racional e proporcional dos recursos hospitalares por parte da população é um fator chave para o bom desempenho dos serviços de saúde, exista ou não pandemia por covid-19. “Os hospitais são instituições altamente diferenciadas, que estão viradas para determinadas prestações de cuidados. Deve existir uma utilização muito seletiva do serviço”, refere a diretora clínica, Ana Teresa Xavier, com a diretora dos Serviços de Urgência a assinalar que “os doentes triados verde e azul (n.r.: graus de menor gravidade na Triagem de Manchester) são uma problemática recorrente do CHBM. É claro que somos médicos e enfermeiros e não podemos, por si só, deixar de atender os doentes, mas seria ótimo que a população utilizasse os recursos de forma adequada e que os centros de saúde abarcassem este tipo de doentes, que não precisam de intervenção hospitalar”. São estes e outros doentes, com ou sem covid, muitos com patologias crónicas graves que estão a voltar aos serviços de urgência. “Antes da pandemia, no SUG tínhamos uma média de atendimento de 300 pessoas por dia. Durante o Estado de Emergência reduziu para 90. No momento em que as medidas de confinamento foram alivia

das passámos para 150 pessoas/dia. A afluência aumentou significativamente e os casos graves também”, relata a enfermeira Filomena Sanches.

Heróis de carne e osso

Como todos sabemos, o vírus iniciou o seu caminho no Extremo Oriente e, rapidamente, se espalhou pelo mundo, transformando por completo as nossas vidas. Quando a realidade suplanta a ficção, nesta luta do bem contra o mal, há um vasto grupo de pessoas que, pela profissão que desempenham, são efetivamente heróis. Os profissionais de saúde estão neste grupo restrito. Estão, certamente, exaustos, mas resilientes. Cansados, mas lutadores. São heróis de carne e osso. Com medos, inseguranças e ansiedades. Afinal, tal como todos nós, têm emoções e família à sua espera, apesar de muitos destes profissionais terem saído de casa, com medo de ser fonte de contágio para os familiares. “A minha família foi a maior prejudicada. Passo horas e horas aqui. Acabam por ter medo por eles, mas sobretudo por mim. Vi os meus pais, pela janela, a chorar. Os meus filhos a pedirem para não vir trabalhar. São emoções difíceis de gerir, mas foi a profissão que escolhemos”, conta a enfermeira Filomena Sanches. A perigosidade do vírus faz com que estes profissionais sejam forçados a trabalhar em condições de grande exaustão física e psicológica. Aquilo que os protege, os Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s), rapidamente se transformam num fardo, como explica a médica Elvira Camacho: “estar duas, três, quatro horas com aqueles EPI’s é muito difícil. O trabalho é muito mais exaustivo. Ficamos muito mais cansados, até porque os fatos prejudicam a respiração. Nas enfermarias de isolamento, o uso duplo de luvas dificulta a sensibilidade que precisamos de ter para os exames e tratamentos. É tudo muito mais complexo. Até ouvir o doente é difícil devido ao isolamento do fato. Os enfermeiros e auxiliares têm uma carga enorme. São eles que estão 24 horas com os doentes”. Neste contexto, a perspetiva holística da prática clínica e assistencial de médicos e enfermeiros está reduzida de forma muito substancial. A comunicação é dificultada pelos EPI’s. O sorriso está escondido por trás de máscaras e viseiras. É complicado estabelecer o contacto e a ligação humana entre doente e profissional de saúde. Apesar de tudo, no meio de um vírus altamente infecioso, de uma situação onde os problemas são sempre em maior escala que as coisas boas, também tem havido oportunidade para sorrisos e gestos que emocionam pela positiva. É a enfermeira Luísa Barbosa que salienta o crescimento “enquanto pessoas e profissionais. Sempre fomos muito próximos, mas esta situação da covid-19

Serviço de Pneumologia Hospital N.ª Sra do Rosário

veio reforçar o trabalho em equipa, a partilha e o respeito entre todos nós”. O CHBM tem contado com o apoio da comunidade (municípios, empresas, outros serviços de saúde, população), que muitas vezes é espelhado em gestos como a doação de alimentos ou equipamentos: “têm sido a energia que precisamos nos momentos certos”, diz a enfermeira Filomena. É um carinho que “revela uma prova de confiança da comunidade no Centro Hospitalar Barreiro Montijo e na capacidade dos seus profissionais. E isso é de um enorme valor”, remata a diretora clínica, Ana Teresa Xavier.

O futuro desconhecido do vírus

Muitos dos doentes que entram na urgência do Barreiro ou do Montijo não são positivos para covid-19, mas o corpo médico e de enfermagem do CHBM está apreensivo face à evolução da doença na região (n.r.: entrevistas realizadas a 13 de maio): “depois do terceiro Estado de Emergência as pessoas começaram a descomprimir. A questão de alguns focos de contágio em empresas, também, é preocupante. O que verificamos é que continuam a aparecer doentes por covid-19. O que vai acontecer não sabemos. O que acredito é que os ADC têm de se manter como estão, para conseguirmos enfrentar esta pandemia com a segurança necessária para doentes e profissionais”, refere a médica Filomena Carneiro. Também a diretora do Serviço de Pneumologia, Elvira Camacho, defende que “as pessoas estão a perder o medo. Pensam que acabou, mas não acabou. No nosso serviço, o que constatamos é que pessoas positivas, que fizeram confinamento no domicílio, acabaram por contagiar familiares dentro do próprio habitat. É fácil dizer que em casa é preciso ter tudo separado para o doente covid, mas na prática, até pelas condições de muitas pessoas, isso não funciona assim”. A enfermeira gestora do Serviço de Pneumologia, Luísa Barbosa, revela, ainda, outro pormenor importante: “numa primeira fase, no internamento a média de idades era muito alta. Depois tivemos um período de acalmia na entrada de doentes e há cerca de dez dias (n.r.: entrevistas realizadas a 13 de maio) houve um novo aumento e de pacientes com uma média de idades bem mais baixa, isto é, população ativa a rondar os 40/50 anos”. Também no SUB do Montijo, o enfermeiro chefe João Fonseca fala de uma alteração na tipologia dos doentes: “nos últimos tempos têm dado entrada doentes que já eram conhecidos como positivos, que estavam em confinamento no domicílio e que viram a sua situação clínica piorar”. Por todos estes motivos e porque falamos de um inimigo invisível, imprevisível e desconhecido, estes cinco profissionais do CHBM reforçam a mensagem principal que todos devemos interiorizar e aplicar diariamente nas nossas vidas: “o vírus está na comunidade e as premissas necessárias para minimizar o contágio são o confinamento, sair de casa só para o estritamente necessário, usar máscara, higienização das mãos e distanciamento social”, aponta o enfermeiro João Fonseca. No combate a esta doença, “que não sabemos bem como é, como se trata, quando vai haver vacina, a população tem de ajudar. Tem de perceber que o percurso da doença é determinado pelos comportamentos individuais de cada um de nós. Não se pode pensar que são as instituições de saúde que vão combater a pandemia”, diz a diretora clínica, Ana Teresa Xavier. Este é, efetivamente, um daqueles momentos na história recente da humanidade onde a realidade suplanta qualquer cenário e argumento imaginados pela indústria cinematográfica. Não é ficção. É real. O vírus está entre nós e não se sabe até quando. Apenas sabemos que a força da sua presença depende da nossa cidadania e da nossa responsabilidade perante nós e os outros. O papel destes profissionais de saúde é extenuante física e mentalmente. O seu papel é bem mais simples. É nas mãos de cada um de nós - que a propósito deve lavar frequentemente - que está a saúde de todos.

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