As Voltas dos sonhos perfilados em ti: escultura | Pedro Figueiredo

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As Voltas dos sonhos perfilados em ti Pedro Figueiredo

Galeria Municipal do Montijo Galeria SĂŁo Mamede

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As Voltas dos sonhos perfilados em ti Pedro Figueiredo

Galeria Municipal do Montijo Galeria São Mamede

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Prosseguindo uma política de alargamento do acesso às manifestações culturais no concelho, e reconhecendo a heterogeneidade dos nossos públicos e os diferentes níveis de receção cultural, mais concretamente à perceção das obras de arte no caso da Galeria Municipal, a programação deste espaço, tem vindo a ter em conta a exceção, não tratando os vários públicos como um todo homogéneo. Por isso, nesta primeira exposição de 2019, ano que a nossa Galeria Municipal comemora os seus vinte anos de existência, apresenta-se a exposição de escultura “As voltas dos sonhos perfilados em ti” da autoria de Pedro Figueiredo. Considerada a terceira das artes clássicas, a escultura é a técnica de representar objetos e seres através da reprodução de formas. A sua origem baseia-se na imitação da natureza, com o objetivo maior de representar o corpo humano. A escolha do material, pelo escultor, subordina a técnica utilizada. Pedro Figueiredo serve-se aqui da resina poliéster, dispensando a passagem pelo fogo e tornando as suas esculturas mais leves. O ecletismo das suas influências é uma marca que o distingue, privilegiando o trabalho manual, recusando o artista, qualquer ligação à sociedade industrializada em que vivemos. A exposição que, agora apresentamos na Galeria Municipal do Montijo, dar-nos-á uma perspetiva atualizada da obra deste escultor que se encontra representado em diversas coleções públicas e privadas. O Presidente da Câmara Municipal

Nuno Ribeiro Canta

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Guardiã 73x36x49cm, Grés Cerâmico e Aço inox, 2014 6


AS VOLTAS DOS SONHOS PERFILADOS EM TI Pouco resta fazer quando não nascemos para os negócios nem para a política nem para o mister guerreiro. Nosso negócio é a contemplação da nuvem. Que pelo menos ele não nos torne demasiado antipáticos aos olhos dos coetâneos absorvidos por ocupações mais seculares.1 Só a atenção profunda e contemplativa é, na realidade, capaz de captar o que é volátil, singelo ou fugaz, escreveu Maurice Merleau-Ponty2 (1908-1961). O momento em que os meus olhos se cruzaram, pela primeira vez, com a surrealidade fórmica feita escultura de Pedro Figueiredo (n.1974) apeteceu-me que a hiperatividade da vida se interrompesse por momentos. Há qualquer coisa no ritmo de todos os dias que entra em contra-ciclo nas suas sugestões poéticas. A escultura é sempre mais do que a matéria, é o cheio e o vazio, o espaço ocupado e o seu entorno, é o conceito assumido e a adjacência tentacular das leituras que permite. Em Pedro Figueiredo também é sonho e é sempre o desenvolvimento de um código semiótico de interpelação do real a partir do subconsciente que a técnica consegue traduzir. Naquele meu primeiro momento de encontro com o universo feminino particular do artista, que se viria a tornar amigo, lembrei-me de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e daquela carta, feita crónica, para o jovem Alípio, repleta de anti-conselhos que, no meu caso, me encorajaram na construção de um eu literário de combate a auto-censura sem medo da exposição; que se mune de referências sem medo de adjetivações académicas; e que usa a palavra como forma de luta, sem medo de acusações de politização da atividade criativa. Eu, como o Pedro, não nasci para os negócios, nem para a política, nem para o serviço militar. Nosso negócio é a contemplação da nuvem e percebi que comunicávamos com o mundo a partir de uma mesma energia e de um mesmo idioma: uma forma de estar que alinha os sonhos em dias e atos e que faz a vida girar perfilando idiossincrasias semânticas e vontades em direções a respostas. A arte é, porém, em “ato de expressão”. Até Nietzsche (1844-1900), que substitui o Ser pela Vontade, sabia que toda a vida humana terminaria numa hiperatividade fatídica, se fosse despojada de todo o seu lado contemplativo: “A falta de serenidade conduz a nossa civilização a uma nova barbárie. Nenhuma era valorizou mais os seres ativos, isto é, os inquietos. Uma das correções que urge, pois, fazer ao caráter da humanidade é desenvolver, e em grande medida, o seu lado contemplativo.”3 Inquietos e contemplativos. 1 ANDRADE, Carlos Drummond de – A Bolsa & a Vida (Crónicas 1). Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1962. Páginas 115 a 118. 2 Citada em HAN, Byung-Chul – A Sociedade do Cansaço. Lisboa: Relógio D’Água, 2014. Página 28. 3 HAN, Byung-Chul – A Sociedade do Cansaço. Lisboa: Relógio D’Água, 2014. Páginas 28 e 29.

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As esculturas de Pedro Figueiredo são parábolas, são metáforas, aliterações e pleonasmos vocabulares. São fábulas, pequenas narrativas da imaginação. Alimentam os nossos desenhos no ar que desafiam o nosso entendimento. Têm marcas, sobretudo as de resina de poliéster no cinza luminoso da matéria que adensa a estória no elemento colorido que lhe é somado: uma bola, um coração, uma lâmpada, uma joaninha, uma peça de xadrez, uma tesoura, um parafuso ou uma ausência. Composições simples em associações formais complexas. Um exagero das extremidades, um esticar dos corpos que nos sugerem sempre a geometria das coisas e uma manipulação das escalas e da relação entre os elementos. O real é referência mas é do surreal que vem a plasticidade, numa associação livre de formas e numa singular meta-leitura do que nos rodeia. Nada é o que parece ou tudo é o que nos apetece. Anti-conselhos, voltando ao poeta: Dou-lhe anticonselhos, meu filho. E se o chamo de filho, perdoe: é balda de gente madura. Poderia chamar-lhe irmão, de tal maneira somos semelhantes, sem embargo do tempo e do pormenor físico: cultivamos ambos o real ilusório, que é um bem e um mal para a alma.4 O bem e o mal, dicotomia dos sentidos. A Arte como poética e a poesia como vício, confusão da transparência pois, segundo Nietzsche, tudo o que é profundo ama a máscara, o segredo, o ardil e o jogo5. Aliança, Cavalo Marinho, Flamingo, Fragmento Presente, Ideia de Luz, Interseção Umbilical, Mãos Universais, Mary Love, Pôr do Sol, Retrato sem Fim, Sete, Triângulo da Sorte e Xeque-mate são máscaras, consternações interiores do poeta e do escultor. São mulheres, são Medeias, são projetos surreais, são horizontes e devaneios de infância, são alucinações freudianas, são estórias, sempre as estórias dos outros que desaguam em nós, recordando Gaston Bachelard (1884-1962): A história – sempre a história dos outros! -, aplicada aos limbos do psiquismo, obscurece todas as potências da metamnésia pessoal. Entretanto, psicologicamente falando, os limbos não são mitos. São realidades psíquicas inapagáveis. Para ajudar-nos a penetrar nesses limbos da antecedência de ser, os raros poetas vão trazer-nos suas luzes. Luzes! Luz sem limite!6

4 ANDRADE, Carlos Drummond de – A Bolsa & a Vida (Crónicas 1). Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1962. Páginas 115 a 118. 5 Citado em HAN, Byung-Chul – A Sociedade da Transparência. Lisboa: Relógio D’Água, 2014. Página 33. 6 BACHELARD, Gaston – A Poética do Devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 2009. Página 103.

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Pedro Figueiredo começa 2019 com uma exposição constituída por 13 obras que apresentam uma identificável linha estética e orientação plástica. Contudo, a insatisfação que caracteriza o seu inacabado impede-o de perseguir fórmulas. Está, antes, interessado em desafios que vão para além dos matéricos. Puros desenhos no espaço, as obras deste escultor, natural da Guarda mas residente em Coimbra (cidade onde, aliás, completou a sua formação académica), revelamnos uma techne rigorosa, um saber fazer que se acompanha do saber pensar. Classicismo de execução, portanto, que soma a crueza do conceptualismo contemporâneo: são mulheres mitológicas, por um lado, e minimalismos existenciais sem género, por outro. São 13 letras do seu alfabeto de relatos de uma ontologia das imagens e de uma fenomenologia da imaginação7. Ultrapassam a escala dos comuns e dialogam com o espaço de exposição confundindo-se com os públicos: aquelas também são as nossas interseções de pensamento, aqueles também são os nossos jogos de tabuleiro, as nossas ideias, as nossas referências e as nossas superstições. 13 devaneios que também são os nossos, nesse eterno exercício de quem só está bem onde não está, como cantava António Variações (1944-1984). Inquietos e contemplativos. A Arte como exercício de catarse, combate à negritude da alma, resposta. A Arte como poesia dos dias, epílogo das horas felizes. Pedro Figueiredo é escultor. As suas esculturas são as voltas dos sonhos que se perfilam em cada um de nós. Atos comunicantes. Arte que, não sendo vida, vem da vida, respira os seus pérfidos e sedutores detalhes. Eterna dicotomia do bem e do mal, da felicidade e da hegemonia da solidão ou, terminando com Bachelard: Que seria dos grandes sonhos da noite se não fossem sustentados, nutridos, poetizados pelos lindos devaneios dos dias felizes?8 Helena Mendes Pereira

7 BACHELARD, Gaston – A Poética do Devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 2009. Página 202. 8 BACHELARD, Gaston – A Poética do Devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 2009. Página 202.

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Cavalo Marinho 130x70x40cm, PoliĂŠster, 2016 10


Ideia de Luz 138x 55x65cm, Técnica mista, 2017 11


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Interseção Umbilical pormenor 151x100x58cm, Poliéster e Madeira, 2018 13


Aliança 210x111x26cm, Poliéster, 2018 14


Barco Negro 140x116x22cm, PoliĂŠster, 2018 15


PĂ´r do Sol pormenor 135x64x58cm, PoliĂŠster, 2018 16


Flamingo 166x 59x60cm, PoliĂŠster, 2016 17


Sete Dimensões variáveis, Poliéster e metal, 2018 18


Xeque - mate 202x32x42cm, PoliĂŠster, 2018 19


Xeque-mate pormenor 202x32x42cm, PoliĂŠster, 2018 20


Obras expostas

Interseção Umbilical 151x100x58cm, Poliéster e Madeira, 2018

Flamingo 166x 59x60cm, Poliéster, 2016

Ideia de Luz 138x 55x65cm, Técnica mista, 2017

Pôr do Sol 135x64x58cm, Poliéster, 2018

Triângulo de Sorte 160x65x35cm, Poliéster e Madeira, 2018

Sete Dimensões variáveis, Poliéster e metal, 2018

Xeque - mate 202x32x42cm, Poliéster, 2018

Aliança 210x111x26cm, Poliéster, 2018

Fragmento Presente 190x25x37cm, Poliéster, 2017

Cavalo Marinho 130x70x40cm, Poliéster, 2016

Guardiã 73x36x49cm, Grés Cerâmico e Aço inox, 2014

Retrato Sem Fim 67x22x22cm, Grés Cerâmico, 2017

Barco Negro 140x116x22cm, Poliéster, 2018

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Pedro Figueiredo

Nasceu a 22 de outubro do ano de 1974, na cidade da Guarda. Concluiu o curso profissional de Cerâmica na Escola Artística de Coimbra – ARCA – E.A.C. Licenciatura em Escultura, pós-graduação em Comunicação Estética e Mestrado em Artes Plásticas na Escola Universitária das Artes de Coimbra – ARCA – E.U.A.C. Atualmente, vive e trabalha em Coimbra. pedrofigueiredo.pt | info@pedrofigueiredo.pt Exposições individuais (resumo) 2019 - Exposição de Escultura, Galeria Municipal do Montijo, parceria com Galeria São Mamede 2018 - Exposição de Escultura, Galeria São Mamede, Porto; Exposição de Escultura, Convento São Francisco, Coimbra. 2017 - Exposição de Escultura, Cineteatro da Chamusca, Chamusca. 2016 - “Contra a Expansão”, Centro de Arte Tomás y Valiente (CEART), curadoria Galeria Nuno Sacramento, Madrid (Espanha); “No Limite da Forma”, Centro Cultural de Cascais – Fundação D. Luís I, Curadoria Galeria São Mamede, Cascais. 2014 - Museu da Farmácia, Curadoria Galeria São Mamede, Lisboa. 2013 - “Escala Global”, Galeria Nuno Sacramento, Ílhavo; “Geração Global”, Galeria São Mamede, Lisboa; Galeria de Arte de Vale do Lobo, Curadoria Galeria São Mamede, Vale do Lobo. 2012 - Auditório Municipal de Olhão, Curadoria Galeria São Mamede, Olhão; “Formas de Colibri”, Museu Nacional de Artes Decorativas, integrada na XI Bienal de Havana, Curadoria da Galeria Nuno Sacramento, Havana, (Cuba). 2011 - “Limites da des-figuração”, Galeria São Mamede, Porto. 2008 - “Um Outro Lugar”, Galeria São Mamede, Lisboa; “Um Mundo Outro”, Museu Municipal Santos Rocha, Figueira da Foz. 2006 - Museu de Zamora, Zamora (Espanha). 2004 - Galeria Projeto, Vila Nova de Cerveira. Concorre a Bienais de Arte desde 2003, nomeadamente como artista convidado na Bienal de Cerveira. Participa, regularmente, em exposições individuais e coletivas desde 2000. Tem participado em variados Simpósios e, executado cenários e adereços para teatro e outras áreas do espetáculo. Está representado em diversas coleções públicas e privadas quer nacionais quer estrangeiras. Prémios - 1.º Prémio Aquisição – NEUR’ARTE, o Cérebro e a Arte, Museu de Aveiro, Aveiro, 2015. - Menção Honrosa no Concurso de Ideias para a obra escultórica – Dr. João Cordeiro – Museu da Farmácia – Lisboa, 2013. - Prémio revelação da XII Bienal de Arte Internacional de Vila Nova de Cerveira, 2003. Capa: Triângulo de Sorte pormenor, 160x65x35cm, Poliéster e Madeira, 2018 22

Fichas Técnicas Ficha Técnica [catálogo] Título As Voltas dos sonhos perfilados em ti: escultura | Pedro Figueiredo Edição Câmara Municipal do Montijo Autor Câmara Municipal do Montijo Organização Galeria Municipal do Montijo Texto introdutório Helena Mendes Pereira Fotografia Hugo Pinheiro Projeto gráfico Gabinete de Comunicação e Relações Públicas Divulgação Gabinete de Comunicação e Relações Públicas Tiragem 300 ex. ISBN 978-989-8122-59-9 Impressão Tipografia Belgráfica, Lda. Depósito Legal 450931/19

Ficha Técnica [exposição] Produção e Organização Divisão de Cultura, Bibliotecas, Juventude e Desporto/ Galeria Municipal Design Gráfico Gabinete de Comunicação e Relações Públicas Montagem Divisão de Cultura, Bibliotecas, Juventude e Desporto/ Galeria Municipal Divisão de Obras, Serviços Urbanos e Ambiente Gabinete de Comunicação e Relações Públicas Montijo, janeiro 2019 Realizada em parceria com a Galeria São Mamede

Galeria Municipal do Montijo Rua Almirante Cândido dos Reis, 12 • 2870-253 Montijo Telefone: 21 232 77 36 E-mail: cultura@mun-montijo.pt Horário: 2.ª a Sábado das 09h00 às 12h30 e das 14h00 às 17h30 www.mun-montijo.pt

www.facebook.com/cmmontijo


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