AS MULHERES NA POLÍTICA E A POLÍTICA NA VIDA DAS MULHERES:OLHARES SOBRE A ATER MULHER NO SERTÃO/PE

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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO

GRACIETE GONÇALVES DOS SANTOS

AS MULHERES NA POLÍTICA E A POLÍTICA NA VIDA DAS MULHERES:OLHARES SOBRE A ATER MULHER NO SERTÃO DO PAJEÚ-PE

RECIFE 2017


GRACIETE GONÇALVES DOS SANTOS

AS MULHERES NA POLÍTICA E A POLÍTICA NA VIDA DAS MULHERES:OLHARES SOBRE A ATER MULHER NO SERTÃO DO PAJEÚ-PE

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural e Desenvolvimento Local (Posmex), Área de Concentração em Extensão Rural para o Desenvolvimento Local, da Universidade Federal Rural de Pernambuco, como requisito parcial para obtenção de grau de Mestre em Extensão Rural para o Desenvolvimento Local. Orientador:ProfºDrº:Roberto Francisco Caporal Co-Orientadora:Profª Drª: Laetícia Medeiros Jalil

RECIFE 2017


GRACIETE GONÇALVES DOS SANTOS

AS MULHERES NA POLÍTICA E A POLÍTICA NA VIDA DAS MULHERES:OLHARES SOBRE A ATER MULHER NO SERTÃO DO PAJEÚ-PE

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural e Desenvolvimento Local (Posmex), Área de Concentração em Extensão Rural para o Desenvolvimento Local, da Universidade Federal Rural de Pernambuco, como requisito parcial para obtenção de grau de Mestre em Extensão Rural para o Desenvolvimento Local. Aprovada em BANCA EXAMINADORA

________________________ Profº Drº..Francisco Roberto Caporal. Universidade Federal Rural de Pernambuco

________________________ Profª DrªLaeticia Medeiros Jalil Universidade Federal Rural de Pernambuco

________________________ Profª Drª.Laura Duque Arrazola.

Universidade Federal Rural de Pernambuco

________________________ Profª DrªIrenilda Lima Universidade Federal Rural de Pernambuco

________________________ Profª DrªMaria do Socorro de Lima Oliveira Universidade Federal Rural de Pernambuco


À meu filho Vitor e minha filha Manuela, por revelarem na vida cotidiana, que é possível desconstruir os estereótipos de gênero. À esperança de um mundo mais justo e feliz para homens e mulheres em suas diversidades e liberdades...


AGRADECIMENTOS

Chegar até aqui foi um processo de muitos caminhos, aprendizados e construções coletivas. Apesar da solidão da escrita e do reconhecimento dos meus méritos, expresso a minha gratidão a todas as pessoas que de maneira direta e indireta deixaram suas contribuições e levaram também. As mulheres do sertão do Pajeú, que compartilharam suas experiências, pelos aprendizados, pela acolhida e pela energia de viver e resistir. À meu orientador Caporal pela confiança, abertura e apoio ao meu projeto. Pela solidariedade e incentivo a minha caminhada, em um momento difícil de sua vida. À Laeticia, minha orientadora, pelo apoio desde e sempre. Seu olhar cuidadoso e suas provocações me incentivaram a continuar e chegar até aqui. Agradeço a força, as palavras amigas, as dicas e o carinho. Por abrir sua biblioteca e partilhar seus livros e saberes. Pelas trocas e sororidade. À Casa da Mulher do Nordeste por contribuir na minha formação política feminista e pelo apoio nessa caminhada, fundamentais, para chegar até aqui. Às companheiras da CMN pelos diferentes apoios e trocas em nosso fazer cotidiano. Em especial as companheiras da colegiada, Ariane e Itanacy, pela compreensão e solidariedade nas minhas ausências. Pelo suporte e incentivo para conclusão desse trabalho. À Cassio, meu companheiro, pelo apoio e amor nessa partilha da vida. Pelo suporte e incentivo à minha trajetória política e profissional. Pela compreensão nos vários momentos de ausência. Ao meu filho Vitor, pela paciência e apoio técnico nos momentos de “sufoco”, fundamentais para conclusão desse trabalho. Pelo abraço gostoso nos momentos de cansaço e suas comidinhas deliciosas. A Manuela, minha filha, pelos momentos de relax e alegria, nossos passeios e instigantes papos, ajudaram a dar energia e me sentir mais jovem para enfrentar o desafio da prática cotidiana como mãe, feminista e pesquisadora. À minha mãe por seu apoio e carinho sempre presentes em todos os momentos da minha vida. As suas orações e bênçãos. Pelo exemplo de mulher forte e destemida. À Doris, minha cachorrinha linda, companheira nos momentos de escrita desse trabalho. À Lucinha pelo carinho e cuidado nos momentos de estudo e aperreio. À meu pai, em memória, por seus incentivos para seguir minha formação intelectual e profissional.


Ao POSMEX em especial a Irenilda e Aparecida pela atenção sempre presente. Às minhas amigas Celinha e Riva pela acolhida carinhosa, suas comidinhas gostosas, pelo vinho e o friozinho de Triunfo, que ajudaram na minha concentração e inspiração. À Luiza e a Karine, pelo apoio na transcrição das entrevistas. À Cristina pelo suporte emocional, pela escuta, florais e pelas dicas. À todas as mulheres feministas maravilhosas, guerreiras, inspiradoras em minha vida que ajudaram a fortalecer e engrandecer meu feminismo. Gratidão ao universo por essa experiência, dolorosa, mais enriquecedora em minha vida.

...recria tua vida, Sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doces. (Cora Coralina)


Seres de vida e de luta Reatores de disputas Sonhos de um mundo melhor Mulheres de resistência Mulheres de inteligência Mulheres na sua essência Feitas de sangue e suor Mulheres de todo canto Mulheres de toda a cor Desbravadoras da vida E defensoras do amor Ribeirinhas, quebradeiras Quilombolas, rezadeiras, das águas, das florestas e das cidades De toda a diversidade A própria mãe natureza Pariu a mão camponesa Em sua ancestralidade (...)

Maria do Socorro Silva Nascimento, Côca, mulher camponesa e poeta do Sertão do Pajeú)

Às mulheres da minha vida! À minha mãe Graciete por me ensinar desde cedo a defender meus direitos e nunca calar. À minha filha Manuela por me ensinar que o feminismo se renova e se reconstrói.


RESUMO

Esta dissertação apresenta uma análise da política pública de ATER Mulher, considerando como marco histórico a luta feminista em defesa dos direitos das mulheres rurais e de seu acesso às políticas públicas. Destaca a criação da DPMRQ do MDA em 2003 e a participação do movimento de mulheres rurais no processo de construção da PNATER. Os movimentos de mulheres organizados no Brasil iniciam a partir da década de 90 um processo de demanda por políticas públicas específicas, questionando as desigualdades de gênero institucionalizadas pelo Estado. Para as mulheres rurais, esse processo traz consigo a luta pela visibilidade e reconhecimento como trabalhadoras, por direitos sociais como aposentadoria, licença maternidade e pelo reconhecimento como sujeitos políticos no acesso à terra, crédito, educação e participação nos espaços públicos de representação política como sindicatos e associações. O objetivo geral da pesquisa foi compreender a experiência do Projeto ATER Mulher a partir das percepções das mulheres participantes do processo de construção, gestão e execução. Desde de uma dimensão institucional no âmbito do Estado, na visão das ex gestoras da DPMRQ, da sociedade civil, até a dimensão da execução onde a política foi vivida, experimentada, pelas técnicas na assessoria e articulação local, e pelas agricultoras como beneficiárias dessa política. A pesquisa de campo foi realizada na região do Sertão do Pajeú em Pernambuco, Nordeste do Brasil, com as três técnicas que executaram o ATER Mulher nessa região, duas ex gestoras da DPMRQ, uma representante da sociedade civil(membro do Conselho Gestor de Organização Produtiva da DPMRQ) e sete agricultoras. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas, grupo focal e observação participante em algumas atividades na região. O presente estudo indicou que a experiência do ATER Mulher, contribuiu para alterar o padrão patriarcal arraigado no Estado e criou novos arranjos e racionalidades, alterando as práticas políticas, incluindo novos conteúdos e recuperando a experiência feminista. No âmbito local, no Pajéu, contribuiu para inserir as agricultoras no circuito da organização produtiva e econômica das políticas públicas, fortaleceu a autonomia econômica e provocou alterações na divisão sexual do trabalho nas relações na família. A auto-organização dos movimentos de mulheres rurais e feministas, foi o motor impulsionador para efetivação da ATER Mulher. A experiência aponta para reflexão que o Estado pode ser outra coisa, mais democratizante, desde que tenha uma sociedade civil forte, organizada e crítica e que se estabeleça um processo dialógico de disputas pela hegemonia Palavras chave: Mulheres Rurais;Feminismo;Política Pública;ATER Mulher.


ABSTRACT This essay presents an analisys of the public policies of “ATER Mulher (roughly, Technical Support and Rural Expense for women) considering as a historic landmark the feminist struggle to defend rural women’s rights and their access to public policies, mostly focused on the creation of DPMRQ of MDA (roughly, Public Policies Administration for Rural Women and Free Salve Communities of the Ministry of Agrarian Development) for 2003, and the participation of the movement of rural women in the process of the construction of the PNATER (National Policy of Technical Support and Rural Expense). Women’s movements organized in Brazil, start around the 90’s, a process that demands the creation of specific public policies, questioning the inequalities of gender institutionalized by the State. To rural women, this process brings to light the struggle for visibility and their recognition as laborers, for social rights, such as retirement, maternity leave and for their recognition as political subjects, their access to land, credit, education and participation in public spaces of representation such as syndicates and associations. The general object of the present research was to try to understand the experience of “ATER Mulher” through the perception of the women who were part of this policy, from the administration offices of (DPMRQ of MDA), through to the civilian society , the technicians and the female farmers, where the policies were actually applied. The field research was performed in the hinterlands of the State of Pernambuco, the “Pajeú” region (northeast of Brazil), with the technicians, administrators and a representative of the civilian society - Management Committee of Productive Organization of (DPMRQ of MDA) and the female farmers, final recipients of the policy “ATER Mulher”. The research showed that “ATER Mulher” contributed to alter the patriarchal pattern present in the State, created new ways and approaches of the political policies and recovering the feminist experience. Locally, in the “Pajeú” it contributed to include the female farmers in the circuit of the organization of the public policies, strengthening their economic autonomy which resulted in alterations in the sexual division of work in the family relations. The selforganization of the rural feminist movements, was the engine that propelled the “ATER Mulher” into being. The research also showed that the State can be more democratic, provided it has a strong civil society, organized and critical and that a dialogic process is established that disputes hegemony.

Key words: Rural Women. Feminism. Public Policy. ATER Mulher


LISTA DE FIGURAS

Figura 1

Mapa do Semiárido Brasileiro................................................................................ 33

Figura 2

Localização do Estado de Pernambuco e suas microrregiões.................................34

Figura 3 Mapa do Sertão do Pajeú e seus municípios.............................................................35 Figura 4 Campanha Nacional de documentação da Trabalhadora Rural............................... 58 Figura 5 Material da campanha usado na II CNDRSS 2013…………………………..........58 Figura 6 II CNDRSS 2013......................................................................................................83 Figura 7 Comunidade Mundo novo no município de Tabira- Pajeú.......................................94 Figura 8 Agricultoras entrevistadas no grupo focal realizado no município de Tabira- Pajeú ............................................................................................................96 Figura 9 Seminário de avaliação final do ATER mulher em Afogados da Ingazeira...........100 Figura 10 Oficina com as agricultoras no município de Santa Cruz da Baixa Verde-Pajeú..113


LISTAS DE ABREVIATURAS SIGLAS

AEGRE

Assessoria Especial Gênero Raça e Etnia

ANA

Articulação Nacional de Agroecologia

ASA

Articulação do Semiárido

ATER

Assistência Técnica e Extensão Rural

CMN

Casa da Mulher do Nordeste

CNDRSS

Conferência Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável Solidário

CONDRAF

Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável

DATER

Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural

DAP

Declaração de Aptidão do Pronaf

DPMRQ

Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais e Quilombolas

EMBRATER

Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural

EMATER

Empresa de Assistência Técnica Rural

FETRAF

Federação de Trabalhadores da Agricultura Familiar

FMPE

Fórum de Mulheres de Pernambuco

IBGE

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INCRA

Instituto Nacional Colonização e Reforma Agrária

MDA

Ministério de Desenvolvimento Agrário

MIQCB

Movimento Interestadual de Quebradeiras de Côco Babaçu

MMTR-NE

Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste

MMC

Movimento de Mulheres Camponesas

MST

Movimento Sem Terra

ONG

Organização Não Governamental

PAA

Programa de Alimentação da Agricultura


PNATER

Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural

PNAE

Programa Nacional de Alimentação Escolar

PPA

Plano Plurianual

PPIGRE

Programa de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia

PNDTR

Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural

POPMR

Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais

POSMEX

Programa de Extensão Rural e Desenvolvimento Local

PRONAF

Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

REF

Rede Economia e Feminismo

REMERA

Rede de Empreendedoras do Amazonas

SAF

Secretaria de Agricultura Familiar

SOF

Sempre Viva Organização Feminista

SPM

Secretaria de Políticas para Mulheres


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................14 1

CAPÍTULO 1 - PERCURSO METODOLÓGICO...................................................20

1.1 DE ONDE PARTIMOS E COMO CAMINHAMOS......................................................20 1.2 OS SUJEITOS, AMOSTRA E INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS DA PESQUISA......................................................................................................................26 1.3 DE ONDE FALAMOS................................................................................................... 31 1.3.1 O Sertão do Pajéu..........................................................................................................33 1.3.2 As Mulheres no Sertão do Pajeú...................................................................................35 2

CAPÍTULO 2 - REFERENCIAIS TEÓRICOS E ANALÍTICOS.......................... 38

3

CAPÍTULO 3 - POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURALPARA MULHERES: DA FORMULAÇÃO À MATERIALIZAÇÃO.......46

3.1 AS MULHERES RURAIS E A CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA PÚBLICA NO BRASIL: O PATRIARCADO NO ESTADO E NA FAMÍLIA......................................46 3.2 A POLÍTICA DE ATER E SEUS MARCOS HISTÓRICOS.........................................56 3.3 A EXPERIÊNCIA DA DIRETORIA DE POLÍTICA PARA MULHERES RURAIS E QUILOMBOLAS: A VISÃO DAS GESTORAS............................................................60 3.4 OS ARRANJOS INSTITUCIONAIS NO ESTADO: COMITÊ DE ORGANIZAÇÃO PRODUTIVA E A SOCIEDADE CIVIL........................................................................81 4

CAPÍTULO 4 – A POLÍTICA VIVIDA......................................................................92

4.1 A EXPERIÊNCIA DA CHAMADA DE ATER MULHER NO PAJEÚ: A VISÃO DAS AGRICULTORAS E TÉCNICAS........................................................................ 93 5

CONCLUSÕES ...........................................................................................................120 REFERÊNCIAS...........................................................................................................127 APÊNDICE.................................................................................................................. 132 ANEXO........................................................................................................................ 157


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INTRODUÇÃO Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você tem que manter-se vigilante durante toda a sua vida. (Simone de Beauvoir)

Os movimentos de mulheres organizados no Brasil iniciam a partir da década de 90 um processo de demanda por políticas públicas específicas, questionando as desigualdades de gênero institucionalizadas pelo Estado, no que se refere à manutenção das lógicas patriarcais, que não reconhecem as mulheres como sujeitos de direito econômicos e produtivos, e atribuem uma supremacia do masculino em todas as instâncias sociais, econômicas e políticas, demarcando relações desiguais de poder nos espaços públicos e privados. Para as mulheres rurais, esse processo traz consigo a luta pela visibilidade e reconhecimento como trabalhadoras, por direitos sociais como aposentadoria, licença maternidade e pelo reconhecimento como sujeitos políticos no acesso à terra, crédito, educação e participação nos espaços públicos de representação política como sindicatos e associações. Após anos de lutas as mulheres rurais demandam do Estado políticas públicas, tais como documentação, acesso à terra com titularidade conjunta, enfrentamento à violência, acesso à crédito, formação e capacitação, tecnologias sociais, assessoria técnica, comercialização e acesso aos mercados. (SANTOS, 2013) Partimos do pressuposto que nos últimos 13 anos ocorreram mudanças importantes nos governos, através do Ministério de Desenvolvimento Agrário/MDA, em relação à incorporação de uma agenda pautada no reconhecimento dos direitos das mulheres, posta enquanto condição para um projeto nacional de desenvolvimento rural sustentável. A criação do Programa de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia/ PPIGRE, vinculado ao gabinete do MDA, em 2003, depois promovido a Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais e Quilombolas-DPMRQ, em 2010, foi resultado da capacidade política e técnica das gestoras(em diálogo e alianças com o movimento de mulheres rurais e feminista),no sentido de disputarem dentro do governo, em especial no âmbito do MDA, um espaço estratégico com orçamento e estrutura própria, com maior condição de responder às demandas apresentadas pelos movimentos organizados de mulheres rurais. Em 2016, no exercício do segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff, inicia-se um processo de retomada das correntes conservadoras no país, acirrando os conflitos e ameaçando


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a gestão da então presidenta da república e levando ao processo de impeachment 1 e o seu afastamento. É nesse contexto de recentes mudanças e incertezas, refletidas em uma conjuntura política turbulenta, com retrocessos no âmbito das políticas e programas voltados para as demandas das mulheres rurais, que desenvolvemos esta pesquisa. Partimos de uma concepção crítica da pesquisa social que consiste no questionamento da situação na qual se estabelece a diferença existente entre as questões objetivas da realidade e os aspectos sociais arbitrários e transformáveis. Pretendemos mostrar as tensões que existem entre o que é e o que poderia ser, desmistificar os bloqueios à transformação ou explorar possíveis ações. A valorização da experiência das mulheres envolvidas no processo de construção, execução e acesso da política de Assistência Técnica e Extensão Rural-ATER Mulher, no papel das gestoras, das técnicas e das agricultoras, apresentou-se como fundamental para esse trabalho. A problemática da pesquisa tem como marco histórico a luta feminista em defesa dos direitos das mulheres rurais e de seu acesso às políticas públicas, em especial, no processo de construção da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural-PNATER, com destaque para a política setorial de ATER Mulher, em 2005. Tomamos como marco importante a ação e contribuição das mulheres na II Conferência Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável, realizada no ano de 2013, em Brasília. Nesse evento as mulheres organizadas conquistam para as Chamadas de ATER a obrigatoriedade do mínimo de 50% de mulheres como público beneficiário nas chamadas de ATER e de 30% dos recursos a serem destinados às mulheres, como também a obrigatoriedade da oferta de recreação infantil (MDA, 2014, p.33) Compreendemos que a ATER deve ser uma política estruturante no âmbito do desenvolvimento rural, com destaque para a organização econômica e produtiva. Deve ser articuladora de outras políticas, como o crédito, acesso à terra e acesso à mercados. Aqui destacamos a realidade das mulheres rurais marcada por desigualdades de gênero expressa pela divisão sexual do trabalho na estrutura da organização da agricultura familiar, onde o trabalho realizado pelas mulheres é invisibilizado e desvalorizado e enfrentam dificuldades no acesso às políticas públicas. Ressaltamos a importância da criação da política setorial de ATER Mulher como estratégia importante e impulsionadora para o enfrentamento das desigualdades de gênero 1

Na liderança dos partidos de oposição e encabeçado pelo PMDB na pessoa do deputado federal Eduardo Cunha é aprovado na Câmara dos Deputados o projeto do Impeachment da presidenta Dilma Rousseff que é afastada e assume o governo interino liderado pelo vice Michel Temer, que logo apresenta seu plano de governo e um ministério composto por homens brancos, elimina ministérios importantes como o Ministério do Desenvolvimento Agrário-MDA, responsável pela execução da política de ATER e das chamadas públicas de ATER e a DPMQ.


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no âmbito das políticas públicas e do Estado, e no reconhecimento das mulheres rurais2 como sujeitos de direitos. Um pressuposto importante no presente trabalho foi considerar a estrutura e os arranjos institucionais do Estado, vigentes no período que iniciamos o estudo e concluímos a pesquisa de campo. Essa estrutura previa espaços estratégicos de formulação e gestão de políticas públicas específicas para as mulheres a exemplo da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres-SPM, responsável por garantir a transversalidade de gênero em todas as instâncias e ministérios no âmbito federal, e a Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais e QuilombolaDPMRQ inserida no Ministério de Desenvolvimento Agrário-MDA, fundamental na formulação e implementação de políticas e programas específicos para as mulheres rurais. Um destaque nesse arranjo institucional, foi a criação de espaços de diálogo e proposição entre sociedade civil e governo, garantindo a participação dos movimentos de mulheres rurais e feministas no Brasil, a exemplo do Comitê Gestor do Programa Nacional de Organização Produtiva e o Comitê Gestor do Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural. Vale destacar que a DPMRQ também disputava internamente no MDA, compreendendo que esse espaço não estava dado nem garantido e, portanto, havia conflitos e disputas internas. Destacamos o Comitê Gestor de Organização Produtiva, como espaço de interlocução entre Estado e sociedade civil, mas também de conflitos e proposições. Nesse sentido iremos analisar o papel dos movimentos de mulheres rurais e feministas em alterar as dinâmicas e estruturas do Estado em sua forma e regras de participação. A partir do caráter desfomalizador e desregulamentador, como analisa Oliveira (2002). A pesquisa buscou analisar o Projeto de ATER Mulher, executado através da Chamada Pública na região do Sertão do Pajeú em Pernambuco, por organizações não governamentais, no período 2014 à 2016. O objetivo geral desta investigação foi compreender a experiência do Projeto a partir das percepções das mulheres, envolvidas na execução do Projeto dessa Chamada. Desde os arranjos institucionais no âmbito do Estado a partir da visão das Gestoras da DPMRQ e da sociedade civil (movimento de mulheres rurais), integrante do Comitê Gestor do Programa de Organização Produtiva. Até a “ponta”, onde a política é vivida, experimentada, com as Técnicas no papel da execução e articulação do Projeto no local, e as Agricultoras enquanto beneficiárias, mas também como sujeitos dessa política.

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Mulheres rurais aqui compreendido em sua dimensão ampla: agricultoras, trabalhadoras rurais, pescadoras, quilombolas, extrativistas, artesãs, mães, militantes do movimento feminista e agroecológico. Na pesquisa consideramos a categoria agricultora, compreendida pelas mulheres atendidas pela chamada de ATER Mulher no Pajeú .Na Chamada Pública de ATER Mulher nº10/2013, o termo usado é mulheres agricultoras familiares rurais no estado de Pernambuco.


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Nossa hipótese é que essas mulheres são todas sujeitos, com ações e pensamentos próprios desse processo de concepção, proposição e execução da política de ATER Mulher, e que essas instâncias se articulam e dialogam entre elas. Também queremos saber se a experiência contribuiu na construção de novos arranjos institucionais, na formulação de instrumentos normativos e como incidiu na estrutura do Estado, se houve mudanças das práticas e também nos conteúdos. Partimos de um pressuposto que essas mulheres desde diferentes lugares, vão construindo e mudando a política, orientadas pelo feminismo, e se fortalecendo como sujeitos políticos. Mulheres feministas que estão intervindo em uma política em diferentes espaços, e que vão expressar diferentes racionalidades, que se materializam em concepções distintas de programas e projetos, sobretudo nas metodologias de execução. Uma outra hipótese que nos orientou, é que a ATER Mulher contribuiu para o reconhecimento e valorização das mulheres como sujeitos econômicos e produtivos, no âmbito da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural-PNATER, assim como para as práticas de ATER das organizações e movimentos mistos nesse campo3. Escolhemos analisar o Projeto desenvolvido pela chamada ATER Mulher no Pajeú, como o caso em estudo. O estudo de caso4 compreende ser uma estratégia da metodologia qualitativa, que permite ampliar e aprofundar o objeto pesquisado.

Para tal utilizamos

diferentes instrumentos de investigação da realidade em estudo. Entrevistas semiestruturadas para a pesquisa com as Técnicas, Gestoras e representante da sociedade civil no Comitê Nacional Gestor de Organização Produtiva da DPMRQ, e o grupo focal com as Agricultoras, além de observação de campo e análise documental. As questões que orientam esse trabalho se baseiam em uma perspectiva feminista, que fundamenta as lentes teóricas dessa dissertação, a partir da análise das relações sociais de sexo/gênero articuladas as dimensões de raça e classe, e o sistema patriarcal. Alguns conceitos estruturam a base teórica: Divisão Sexual do Trabalho, Autonomia Econômica e Política, Economia Feminista, Auto-Organização das mulheres. Esse arcabouço teórico tem como referência o pensamento de algumas autoras (HIRATA, 2002; SCOTT, 2002; KERGOAT, 2003; SAFFIOTI, 2004; SILIPRANDI, 2015; CARRASCO, 2012).

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Organizações e movimentos mistos são aqui entendidos como aqueles compostos por homens e mulheres e que não tem o feminismo em sua missão. 4 Reconhecido por alguns autores (MARTINS, 2004) dentro da metodologia de pesquisa qualitativa. Estudo em amplitude e em profundidade, visando a elaboração de uma explicação, válida para o caso (ou casos) em estudo, reconhecendo que os,resultados das observações são sempre parciais.(Laperrière, 1997, p. 375 apud Martins, 2014, p. 295).


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Buscamos compreender como o Projeto ATER Mulher contribuiu para mudanças na vida das mulheres: na dimensão econômica e produtiva, a partir das práticas agroecológicas e do acesso à mercados, na dimensão social e política, a partir da maior participação delas nos espaços políticos e sua auto-organização, e na dimensão cultural como o questionamento a divisão sexual do trabalho. Queremos entender a relevância dessas questões na prática desenvolvida no Projeto analisado, e em que medida essas dimensões, conjugadas, contribuem para autonomia das mulheres rurais. Pretendemos responder, de maneira mais concreta quais os impactos do Projeto ATER Mulher na vida cotidiana das Agricultoras beneficiárias no sertão do Pajeú? Nas suas práticas agroecológicas? No questionamento a divisão sexual do trabalho nas relações na família? No fortalecimento da produção e na autonomia econômica? Na auto-organização e participação política? Sobre o enfrentamento à violência contra à mulher? No âmbito das Técnicas nosso foco é analisar a metodologia e as práticas desenvolvidas e a relação com as Agricultoras. Quais os princípios norteadores e conteúdos trabalhados à luz do previsto na ATER Mulher? Suas dificuldades? Avanços? E capacidades construídas. Nos desafiamos analisar o processo de ATER Mulher em uma escala nacional, desde sua formulação, até sua execução em uma escala local.

O contexto da construção e

consolidação da DPMRQ, os arranjos institucionais do Estado, suas estratégias e ações para formalização da ATER Mulher, a relação com a sociedade civil. De que maneira a ATER Mulher contribuiu para inserir na agenda da política de ATER os princípios da igualdade de gênero no âmbito da política de ATER? Por fim nos desafiamos a responder, em que medida o Projeto ATER Mulher se constituiu uma experiência voltada para uma perspectiva da igualdade ou da diferença em sua ação feminista? Nos aportaremos nas análises de Scott (2002) sobre os paradoxos e complexidade da práxis do feminismo. Destacamos por fim que essa dissertação está situada em um contexto político e social, e portando traz os desafios e os limites de uma conjuntura de muitas incertezas. Esperamos que o presente trabalho possa contribuir para o registro de um período histórico importante para experiência das mulheres no âmbito das políticas públicas rurais, e para inspirar o aprofundamento de possíveis estudos. A dissertação consta dos seguintes capítulos: Capítulo 1 iremos apresentar o percurso metodológico iniciando de onde partimos, situando o objeto da pesquisa e a relação com a pesquisadora, destacando brevemente sua trajetória pessoal. Nesse mesmo capítulo, vamos trazer informações e aspectos da Região do


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Sertão do Pajeú, local onde foi realizado a pesquisa de campo, e uma breve situação das mulheres nessa Região. No Capítulo 2 apresentamos os aportes teóricos, conceitos e categorias que ajudaram a problematizar e fundamentar as análises sobre a experiência estudada. Para tal, tomamos o conceito de gênero como categoria de análise e sua relação com a teoria feminista, para compreender as relações de desigualdades vivenciadas pelas mulheres rurais no âmbito da política pública de ATER. Para análise nos âmbitos público e privado, o conceito de patriarcado nos ajudará a compreender como se organiza e se estrutura as relações de poder no Estado e na família. Outra categoria de análise é a divisão sexual do trabalho, ancorada na economia feminista que será o aporte conceitual, para problematizarmos a organização produtiva e o trabalho das mulheres rurais no contexto da experiência de ATER Mulher. O Capítulo 3 vamos analisar o processo de construção da política de ATER no Brasil, especificamente ATER Mulher, os marcos importantes na relação entre o governo federal, e o extinto Ministério de Desenvolvimento Agrário-MDA, a criação da Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais e Quilombolas-DPMRQ, sua relação com o Estado e com os movimentos sociais de mulheres rurais e feministas. Vamos analisar as capacidades e dificuldades no período da gestão da DPMRQ, a partir da visão das Gestoras, assim como o papel do Comitê Gestor de Organização Produtiva, espaço de diálogo com os movimentos de mulheres rurais e feminista, na visão da sociedade civil. No capítulo 4 iremos apresentar a experiência da política vivida, a partir dos olhares das agricultoras e das técnicas envolvidas no projeto ATER Mulher no Sertão do Pajeú. Vamos analisar como essa política chega na vida dessas mulheres, as dificuldades enfrentadas, as capacidades desenvolvidas. E em que medida a ATER Mulher modifica as relações sociais na vida das mulheres (no questionamento a divisão sexual do trabalho, nas questões cotidianas), bem como as metodologias e relação com as técnicas. O capítulo 5 vamos apresentar algumas conclusões sobre os achados desse trabalho de pesquisa presente nessa dissertação. Retomaremos algumas questões já indicadas nas análises apresentadas nos capítulos três e quatro, assim como indagações e provocações para futuros trabalhos.


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1 CAPÍTULO 1 - PERCURSO METODOLÓGICO O único modo de encontrar uma visão mais ampla é estando em algum lugar em particular (HARAWAY,1995)

1.1 DE ONDE PARTIMOS E COMO CAMINHAMOS

Uma questão inicial do percurso metodológico e que me acompanhou por um período, foi o meu grau de envolvimento e compromisso com o objeto da pesquisa. Para além de ser um interesse meu era também de outras pesquisadoras e militantes envolvidas com esse tema e com o projeto Organização Produtiva de Mulheres e Promoção da Autonomia por meio do Estímulo5 às Práticas Agroecológicas, coordenado pela Universidade Federal Rural de Pernambuco, onde participam organizações feministas e agroecológicas e movimentos de mulheres rurais na região do Nordeste do país, citado anteriormente. A oportunidade de participar ativamente da construção dessa rede, assim como as muitas questões levantadas em minha experiência junto às práticas de extensão rural vivenciadas pela Casa da Mulher do Nordeste-CMN6, influenciaram na escolha do objeto desta dissertação. Como delimitar o meu foco? Como separar os processos? O projeto de mestrado e o projeto com os movimentos? Como me posicionar como militante feminista participante do processo histórico na luta pelos direitos das mulheres em especial das rurais? Como encontrar minha posição ética enquanto coordenadora de uma organização com experiência em assistência técnica e parceira do Projeto de ATER Mulher no Pajéu, objeto da pesquisa? Portanto ressaltar a relação entre a minha militância política e produção de conhecimento nessa dissertação, tem relevância particular na construção da minha trajetória pessoal e como socióloga, assim como está relacionada a uma questão na construção da teoria

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O Projeto visa apoiar e fortalecer processos de organização produtiva e de formação feminista para agricultoras e técnicas(os) envolvidos com as Chamadas de ATER Mulher e ATER Agroecologia na região Nordeste. Dentre seus produtos está a pesquisa realizada nos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, com mulheres agricultoras atendidas nessas duas chamadas, as técnicas e gestoras integrantes nesse processo. Participam desse Projeto a Casa da Mulher do Nordeste - CMN, o Centro Feminista 8 de março – CF8, o Centro de Pesquisa e Assessoria - Esplar, o Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste – MMTR- NE e a Universidade Federal do Ceará – UFC, depois sendo ampliado para outras organizações e movimentos de mulheres rurais da região Nordeste, tecendo uma rede com 21 organizações de ATER, 5 movimentos sociais mistos e de mulheres do campo e 2 universidades públicas. 6 Casa da Mulher do Nordeste é uma organização não governamental feminista fundada em 1980 com sede em Recife e escritório em Afogados da Ingazeira, sertão do Pajeú. Desenvolve seu trabalho voltado para a autonomia econômica e política das mulheres, com base no feminismo, na igualdade racial e inspirada na agroecologia. Mais informações www.casadamulherdonordeste.org.br


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social feminista, de acordo com várias autoras. (KERGOAT, 1986; HARDING, 1993; HARAWAY et al., 1995; GEBARA, 1997; ÁVILA, 2009) Minha trajetória inicia no curso de Ciências Sociais na Universidade Federal de Pernambuco a partir da participação no grupo de estudo e pesquisa sobre a mulher, e com o trabalho de conclusão de curso, um estudo de caso sobre um grupo de mulheres localizado na periferia de Recife. Posteriormente, atuando como assistente de pesquisa na Coordenadoria da Mulher da Fundação Joaquim Nabuco, e na Casa da Mulher do Nordeste, onde me encontro no atual momento. O interesse pelo rural se qualificou a partir do Curso de Especialização Latu Sensu Convivência com o Semiárido na Perspectiva da Segurança e da Soberania Alimentar e da Agroecologia realizado pela Universidade Federal Rural de Pernambuco, concluído em 2012. Ele me fez retomar o contato com a universidade, o gosto pelo estudo nessa área, e me estimulou para tentar o mestrado mais tarde no Programa de Extensão Rural e Desenvolvimento local da Universidade Federal Rural de Pernambuco-POSMEX. Portanto, a escolha pelo campo de estudo, sua problemática e metodologia, está circunscrita a partir do meu lugar como feminista e militante na Agroecologia. Numa relação dialética entre o objeto e o sujeito, o individual e o coletivo, em meio aos desafios de conciliar o estudo com o trabalho na coordenação da Casa da Mulher do NordesteCMN e uma agenda de militância. Na extensão dessas relações de trabalho, soma-se ao contexto o exercício da maternidade e das relações do trabalho doméstico na família. Destaco ainda à questão geracional articulado a dimensão de gênero, sentidas no corpo nessa etapa da minha vida. Na minha trajetória essas coisas caminham juntas e fazem parte de um processo histórico, no qual eu me posiciono como parte dele. E a partir daí fui puxando os fios que ajudaram a alinhavar o meu trabalho, referendado em uma perspectiva feminista, onde um dos elementos é a valorização da relação entre sujeito individual e coletivo enquanto questão política e metodológica na forma de construir a ação. Como analisa Betânia Ávila, sobre os grupos de reflexão ou conscientização7, como eram chamados que funcionavam como uma espécie de matriz da organização do movimento feminista contemporâneo. (ÁVILA, 2009, p.

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Baseavam-se na relação entre narrativa da experiência pessoal e análise de contexto sócio-histórico e, também, no debate teórico. O sentido era de construção da consciência crítica e o fortalecimento da organização através da consolidação do pertencimentos ao coletivo. Ver mais em Maria Betânia. O Tempo do Trabalho das Empregadas Domésticas: tensões entre dominação, exploração e resistência, 2009. UFPE.


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25). No Brasil irão influenciar a formação das primeiras organizações feministas8. A teoria feminista desenvolveu-se tanto no quadro institucional da pesquisa, no espaço da academia, como nos grupos situados fora das instituições tradicionais [...] a prática política criou novas formas de organização como também novas instituições de produção de conhecimento. (COLLIN, 1988, p. 81-93 apud ÁVILA, 2009, p. 26) Como muitas teóricas feministas apontam (HARDING, 1993; HARAWAY, 1995; GEBARA, 1997), se faz necessário romper com os postulados da ciência androcêntrica e patriarcal, que não reconhece as mulheres como produtoras de conhecimento nem o feminismo como teoria social. Vejamos o que afirma uma delas

nós, como feministas, nos encontramos perversamente conjugadas ao discurso de vários cientistas praticantes os quais uma vez dito e feito, acreditam principalmente que estão descrevendo e descobrindo coisas através de sua construção e de sua argumentação. As feministas têm interesse num projeto de ciência sucessora que ofereça uma explicação mais adequada, mais rica melhor do mundo, de modo a viver bem nele, e na relação crítica, reflexiva em relação às nossas próprias e as práticas de dominação de outros e nas partes desiguais de privilégios e opressão que todas as posições contêm (HARAWAY, 1995, p. 15).

Nesse sentido nos desafiamos neste trabalho ampliar os olhares sobre o objeto de pesquisa, a ATER Mulher no Pajeú, a partir das experiências das mulheres inseridas nessa construção, como sujeitos produtores de conhecimentos, suas capacidades e contribuições para a transformação social. Segundo essas autoras, as feministas têm que insistir numa explicação melhor do mundo, a partir de uma perspectiva que rompe com o sujeito universal masculino. Significa ampliar os sentidos do que compreendemos por ATER, e romper a referência constituída na experiência dos homens e valorizar a experiência das mulheres e seus saberes. Segundo Ivone Gebara, o feminismo levanta suspeitas ao paradigma da tradição patriarcal, questiona a objetividade da ciência, seu caráter aparentemente a-sexual para reafirmar que o conhecimento humano é situado em nossa realidade social, cultural e sexual (GEBARA, 1997, p. 69). Trata-se, portanto de uma pesquisa engajada9que nos desafia a correr alguns riscos metodológicos e cuidados éticos de “vigilância epistemológica” como se referem Bourdieu et 8

Como exemplo a Casa da Mulher do Nordeste, SOS Corpo Instituto Feminista para Democracia, SOF Sempre Viva Organização Feminista, entre outras. 9 É um estudo engajado, no sentido de que sua proposta é contribuir para desvendar situações que são ocultadas nos estudos tradicionais que apresentam, na grande maioria, uma visão androcêntrica, do mundo rural, como se uma única problemática apresentada “universal”, representasse o todo. Neste trabalho, parto da necessidade de analisar os mecanismos que promovem a exclusão das mulheres do protagonismo social no meio rural, tirandoas da invisibilidade a que são habitualmente relegadas. Ver Gertz (1997). Ver Carvalho (2002).


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al. (1999), em Ofício de Sociólogo, quando trata sobre a relação sujeito-objeto. Nas análises desses autores, deve-se estar atenta na prática científica, não apenas ao rigor no uso dos instrumentos de pesquisa, mas, especialmente, submeter a prática científica a uma reflexão crítica. À tentação sempre renascente de transformar os preceitos do método em receitas de cozinha científica ou em engenhocas de laboratório só podemos opor o treino constante na vigilância epistemológica que, subordinando a utilização das técnicas e conceitos a uma interrogação sobre as condições e limites de sua validade, proíbe as facilidades de uma aplicação automática de procedimentos já experimentados e ensina que toda operação, por mais rotineira ou rotinizada que seja, deve ser repensada, tanto em si mesma quanto em função do caso particular (BOURDIEU et al., 1999, p. 14).

A partir dessas leituras e reflexões ao longo do processo da pesquisa, fui construindo o meu lugar como pesquisadora, articulado com outros elementos da minha identidade. Fui exercitando a observação do meu lugar e percebendo as diferenças, a alteridade e os distanciamentos em relação às mulheres entrevistadas, para então construir os meus estranhamentos da realidade. Como analisa Cardoso (1986) estranhamento “como forma de compreender o outro”, e chama atenção para o exercício permanente do questionamento à realidade, evitando o risco de incorrer no erro de tomar o objeto de pesquisa como verdade absoluta (CARDOSO, 1986, p. 100). Não ser agricultura, não morar no sertão, não ter trabalhado no campo na execução do Projeto de ATER Mulher, foram elementos importantes para facilitar o necessário distanciamento do objeto estudado. Por outro lado, o conhecimento sobre a realidade no Pajeú, através da participação em atividades e projetos, assim como o envolvimento nas lutas pelos direitos das mulheres rurais, também contribuíram para facilitar a construção de um ambiente de confiança com as agricultoras e técnicas. Aqui destacamos o fato de ser a coordenadora geral da Casa da Mulher do Nordeste, parceira do Projeto, como uma preocupação presente no desenvolvimento da pesquisa e representar um lugar de poder hierárquico nas relações com essas mulheres. Questões subjetivas que podem ter interferido nos momentos da pesquisa de campo, como o medo de estarem sendo avaliadas e fiscalizadas, ou de perder o benefício de participar do Projeto. Alguns cuidados foram tomados para minimizar esses riscos de interferências nos relatos e informações na pesquisa. Minha postura no campo foi sempre de muita discrição, de exercício de escuta, observação e de muito respeito. Mas também de espontaneidade e sinceridade de esclarecer sobre as minhas intenções e apresentar os objetivos do projeto de pesquisa, onde assumir o compromisso de retornar após a defesa da dissertação para apresentar e compartilhar os resultados com as envolvidas no processo.


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Na minha apresentação para as mulheres, enfatizei sempre o meu lugar de estudante de mestrado e pesquisadora naquele momento, e me policiei para não mencionar questões relativas à CMN ou ações ocorridas no processo do Projeto. Também consideramos na definição dos critérios para escolha das agricultoras a serem entrevistadas, não ter aproximação com a pesquisadora. Em relação às técnicas entrevistadas outro elemento que ajudou a quebrar as possíveis tensões nas relações, foi enfatizar que o objeto da pesquisa é o Projeto desenvolvido na Chamada ATER Mulher no Pajeú, financiado pela DPMRQ. Não é a organização executora do Projeto, nem o trabalho desenvolvido por essas mulheres, mas sim o olhar delas sobre o processo de como isso aconteceu em suas vidas. Nessa relação dialética e dialógica entre sujeitos, pesquisadora e entrevistadas, considero importante trazer também as minhas observações e sentimento na minha experiência enquanto pesquisadora. Foi muito marcante a alegria e prazer de partilhar com as mulheres os relatos sobre os processos de aprendizagens e descobertas. Por outro lado o sentimento de frustração de constatar algumas ações não realizadas por questões relativas às exigências burocráticas na execução do projeto dessa chamada, como o não recebimento do fomento para apoio da produção das mulheres. As dificuldades com a falta de chuvas, que castigam o Sertão do Pajéu, impactando na produção dos quintais e na renda das mulheres, assim com a sobrecarga de trabalho vivenciada por essas mulheres em seus cotidianos. Essas e outras questões trouxeram reflexões sobre nossas identidades enquanto mulheres em suas diferenças, entrelaçadas por pontos comuns que nos une, nos fortalece e reforçam a sororidade10. Não posso deixar de registrar também as emoções vivenciadas nos momentos das entrevistas com as gestoras e militantes feministas. Em meio ao atual contexto político desalentador11, pude resgatar através dos relatos, a história vivida de tantas lutas e conquistas em favor do reconhecimento dos direitos das mulheres rurais, e entender a dimensão transformadora que a DPMRQ significou para história das políticas públicas voltadas às mulheres rurais no Brasil.

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Sororidade termo originado na França. No Brasil tem sido usado especialmente por feministas jovens. No latim sóror, que significa “irmãs”. Define pertenças em torno de causas comuns e algumas menos comuns. Materializa ações que expressem aquelas “especificidades femininas“. Simbolização da “solidariedade” nas relações entre as mulheres. Ver em Suely Gomes Costa. Revista Internacional Interdisciplinas – UFSC v. 6, jun./dez. 2009. Pode ser entendido como o sentimento de entender o sofrimento da outra, se colocar no lugar. 11 No ano de 2016 no Brasil após impeachment da presidente Dilma Roussef, assumi o governo Michel Temer, marcado por forças conservadoras com perdas no campo dos direitos sociais, com destaque para as mulheres a exemplo da extinção da Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres e da Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais do extinto MDA. Observa-se com isso um retrocesso na luta pela igualdade de gênero no âmbito do Estado, impactando fortemente na garantia de políticas públicas específicas para as mulheres como ATER Mulher.


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Sobre essas questões do campo da subjetividade recorro novamente a Ruth Cardoso, quando diz que a relação intersubjetiva não é o encontro de indivíduos autônomos e autossuficientes. É uma comunicação simbólica que supõe e repõe processos básicos responsáveis pela criação de significados e de grupos. É neste encontro entre pessoas que se estranham e que fazem um movimento de aproximação que se podem desvendar sentidos ocultos e explicitar relações desconhecidas (CARDOSO, 1986, p. 103).

A partir das questões levantadas, definimos a metodologia deste trabalho, como pesquisa qualitativa que possibilita ampliar o conhecimento de práticas sociais e estabelecer a relação entre as macroestruturas e os microprocessos, entre o universal e o particular, que reproduzem as relações sociais. Também permite revelar as relações de tensão e as percepções dos sujeitos, como analisa Daniéle Kergoat citada por Ávila:

os estudos qualitativos são uma base importante para uma abordagem dialética da realidade, como um caminho que permite conhecer as percepções dos sujeitos e as condições materiais e, a partir daí, poder analisá-las levando em consideração as tensões que constituem as relações sociais(KERGOAT, 1986, p. 79-93 apud ÁVILA, 2009, p. 32).

Como uma estratégia da pesquisa qualitativa escolhemos o estudo de caso12 para aprofundarmos sobre a experiência de ATER Mulher no Pajeú. A escolha desse método nos ajudou a delimitar o objeto da pesquisa e compreender em maior profundidade como foi construída a experiência de ATER Mulher no contexto da política pública afirmativa, e de como chega para as agricultoras beneficiadas, e para as técnicas a partir da experiência desenvolvida no sertão do Pajeú. A partir da pesquisa de campo realizada com as técnicas e com as agricultoras, percebemos que era necessário ampliar nossa análise sobre o contexto de construção e concepção da política de ATER Mulher e os arranjos desenvolvidos na estrutura do Estado. Definimos então incluir na amostra duas ex-gestoras da DPMRQ e uma representante do

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Estudo de Caso visa sobretudo à profundidade. Ele pode servir para ajudar a melhor compreender uma situação ou um fenômeno complexo [...] (LAVILLE; DIONNE, 1991, p. 156). Não cabe, ao meu ver, no uso da metodologia qualitativa, a preocupação com a generalização, pois o que a caracteriza é o estudo em amplitude e em profundidade, visando a elaboração de uma explicação válida para o caso(ou casos) em estudo, reconhecendo que o resultado das observações são sempre parciais. O que sustenta e garante a validade desses estudos é que “o rigor vem, então da solidez dos laços estabelecidos entre nossas interpretações teóricas e nossos dados empíricos” (MARTINS, 2004, p. 295 apud LAPERRÈRE, 1997, p. 375).


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movimento de mulheres rurais, integrante do Comitê Gestor Nacional de Organização Produtiva da DPMRQ. Partimos do pressuposto que a chamada de ATER Mulher no Pajéu, representa uma experiência que questiona o arranjo institucional clássico do Estado brasileiro. Demonstra capacidades na produção de novos conteúdos e metodologias voltadas para a transformação das desigualdades de gênero no âmbito da política pública de ATER, marcada por uma visão difusionista, patriarcal e produtivista. Reconhecemos, portanto a contribuição desse trabalho para ampliar e aprofundar os estudos sobre a política de ATER a partir de uma visão feminista como nos propomos analisar.

1.2 OS SUJEITOS, AMOSTRA E INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS DA PESQUISA Tudo que não puder contar como fez, não faça!

(Kant)

A escolha da amostra partiu primeiramente do levantamento dos lotes da Chamada Pública de ATER Mulher no período de 2013-2016, em Pernambuco13, onde foi observado que só houve um Projeto aprovado nessa Chamada. A partir daí foi definido uma amostra de 14 mulheres para ser as entrevistadas da pesquisa, classificadas em quatro dimensões pensadas a partir dos objetivos definidos na pesquisa: 07 agricultoras cadastradas nessa Chamada e escolhidas por sorteio aleatório; 03 técnicas executoras desse Projeto; 02 ex-gestoras integrantes da Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais Quilombolas-DPMRQ, responsável pela implementação da Chamada de ATER Mulher, e 01 militante do movimento de mulheres rurais representante da sociedade civil e integrante do Comitê Gestor Nacional de Organização Produtiva14. Com as agricultoras buscamos compreender como o Projeto é percebido e quais os impactos nas suas vidas, na dimensão produtiva e econômica, na organização social e política, na divisão sexual do trabalho na família e na relação com as técnicas responsáveis pela ATER. Para as técnicas, buscamos entender quais as dinâmicas da execução, sua metodologia, 13

O Sertão do Pajéu foi a única região que realizou a Chamada Pública de ATER Mulher, nº 10/2013/DPMRQ/MDA, lote 03, com público previsto de 240 mulheres em 20 municípios dessa Região. (Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA Diretoria de Políticas para as Mulheres Rurais e Quilombolas Chamada Pública Nº 10/2013/DPMRQ/MDA ) 14

Comitê Gestor de Organização Produtiva espaço criado pela DPMRQ para diálogo com o movimento de mulheres rurais e o Estado sobre questões relacionadas à organização produtiva das mulheres rurais. Mais informações no capítulo 2.


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conteúdos e sua relação com as agricultoras e as dificuldades apontadas na execução do Projeto nessa Chamada. Em relação às gestoras, buscamos compreender os arranjos institucionais desenvolvidos pela DPMRQ no âmbito da política de ATER, os marcos políticos relacionados a agenda das mulheres rurais, e suas capacidades de incidir nesse âmbito. Na dimensão dos movimentos sociais, buscamos entender o papel do Comitê Gestor de Organização Produtiva na participação e incidência da política de ATER Mulher. O passo seguinte foi a escolha dos instrumentos para coleta das informações para cada grupo definido. Para as agricultoras, escolhemos o Grupo Focal (GF), uma técnica de coleta de dados qualitativos que proporciona a interação e a discussão entre pessoas em uma mesma vivência. Como o objetivo metodológico era aprofundar sobre o processo da experiência vivida, apostamos pelo Grupo Focal, compreendendo que a combinação de pessoas produz mais informações por intermédio da participação interativa e da liberdade de expressão para uma participação efetiva, de modo a evidenciar suas experiências através de suas percepções e seus sentimentos (GATTI, 2008). A escolha pelo uso de grupo focal está relacionada também com a perspectiva de Freire (1970) de “método de pesquisa dialógico” que busca facilitar a produção de conhecimento pelos e para os sujeitos de pesquisa. Na pesquisa buscamos ouvir as mulheres, sobre como o Projeto ATER Mulher impactou em diferentes dimensões de suas vidas. Foi definido um roteiro (guia de tópicos) com os temas definidos: organização produtiva e econômica, divisão sexual do trabalho, produção de conhecimentos, violência contra à mulher, feminismo e agroecologia. O Grupo Focal pode estimular o debate sobre questões difíceis de serem compartilhadas como a violência contra a mulher, ajudando muitas a falarem sobre o assunto, saindo do âmbito do individual para o coletivo15. Sobre isso Barbour analisa:

a ideia de que os grupos focais inerentemente engendram relações mais igualitárias entre pesquisadores e os pesquisados também tem levado alguns comentadores a afirmar que eles são um método feminista.(...) grupos focais com mulheres podem certamente prover um excelente fórum para discutir e questionar aspectos de suas experiências associadas a gêneros e podem transformar “problemas pessoais” em “questões públicas”( WILKINSON, 1999, p. 30 apud BARBOUR, 2009, p. 32)

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A dinâmica em roda com exercícios de relaxamento, facilitou a integração e ajudou a criar um clima acolhedor e de confiança entre as mulheres e com a pesquisadora. Algumas mulheres demonstraram mais facilidade para se expressarem, outras mais caladas no início mas depois foram se soltando e se colocando. A ideia da roda de conversa, onde uma fala e as outras escutam, estimulou a expressão dos sentimentos, do respeito à fala da outra, a paciência da escuta e também muitas trocas e debates entre elas.


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Os sentimentos de muitas incertezas e lamentos sobre a situação política do governo federal e da ameaça da descontinuidade da chamada de ATER, estiveram presentes nos diálogos, no Grupo Focal e em outros momentos de campo com as agricultoras. Aqui destacamos a demanda das agricultoras para o recebimento do fomento16 para apoiar a produção das mulheres. Até a finalização da pesquisa esse fomento não havia sido repassado. Um outro ponto presente nas discussões foram as dificuldades enfrentadas com a longa estiagem vivida no sertão do Pajeú,17 interferindo sobremaneira na produção das mulheres. O tamanho da amostra foi definida considerando as orientações para o trabalho com o Grupo Focal de ter no máximo oito pessoas, pensando nos processos da transcrição e da facilitação da moderação de maneira mais cuidadosa (BARBOUR, 2009). Sendo assim foi realizado um (01) Grupo Focal composto por (07) sete agricultoras cadastradas no Projeto da Chamada de ATER Mulher (Planejado 08 mas uma faltou no dia). Com relação às Técnicas o método usado foi a entrevista semiestruturada. Escolhemos essa modalidade por permitir uma flexibilidade maior em compreender o objeto pesquisado, de acrescentar questões não previstas dependendo do desenvolvimento das respostas durante a entrevista. Nosso objetivo foi dar ênfase às Técnicas e não as suas organizações. Explorar suas trajetórias, seu compromisso e envolvimento na defesa dos direitos das mulheres, a identidade com o feminismo e agroecologia, a metodologia desenvolvida e as dificuldades enfrentadas na execução do Projeto ATER Mulher no Pajeú. As entrevistas proporcionaram a oportunidade de explorar melhor essas questões. A partir de um roteiro elaborado contendo informações gerais sobre perfil, trajetória profissional, posicionamentos a respeito das questões teórico políticas estruturadoras do objeto da pesquisa como feminismo, agroecologia, relação com as agricultoras, suas percepções sobre a política de ATER, as dificuldades enfrentadas na prática, a metodologia desenvolvida, a violência contra a mulher vivenciada por elas e pelas agricultoras e a divisão sexual do trabalho.

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Fomento foi uma demanda do movimento de mulheres rurais apresentada na Marcha das Margaridas, em 2015, à presidenta Dilma. Negociado com o Ministério do Desenvolvimento Social /MDS e MDA através da DPMRQ e do Comitê de Organização Produtiva na Chamada de ATER Mulher. Apoio financeiro no valor de R$3.00,00 para infra e insumos. Até a conclusão do Projeto2013-2016 os recursos não haviam sido repassados para as mulheres selecionadas que deveriam ter acesso à segunda água e à ATER. Mais informações em: http://www.mda.gov.br/sitemda/secretaria/dpmr-org/sobre-o-programa 17 A maior seca dos últimos 60 anos vem castigando a região Nordeste. No Pajeú o acumulado médio para o primeiro trimestre do ano é pouco superior a 302 milímetros de chuva. Segundo APAC, ainda que não se possa afirmar ao certo quanto choverá, a região terá consideráveis milímetros a menos. Significa que choverá no máximo 20% menos que o habitual 240 mm. As chuvas previstas no sertão do Pajeú para 2017 é de 242 milímetros enquanto a média histórica é 302 milímetros. (curiosamente. Diário de pernambuco.com.br/Project/clima fará seca seguir castigando PE em 2017. José Vitor Pascoal).


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O critério de escolha das Técnicas foi estarem contratadas e executando o Projeto de ATER Mulher, lote 03 no Pajeú. Foram identificadas 04 técnicas responsáveis pelo trabalho de campo, mas na prática só entrevistamos três. Para minha experiência como pesquisadora foi a oportunidade de exercitar os estranhamentos, citado por Cardoso (1986) e aqui analisado no início desse capítulo18. Escutar as histórias particulares dessas técnicas enquanto mulheres, suas trajetórias, descobertas e os seus posicionamentos enquanto feministas me trouxe muitas reflexões. Percebi que existem muitas dúvidas, limites e questões abertas sobre a sexualidade delas próprias, expressa nas dificuldades de trabalhar essas questões com as agricultoras. Uma maneira encontrada para minimizar os riscos causados pela proximidade na relação entre pesquisadora e entrevistadas, foi tentar cruzar as informações em diferentes fontes, transcrição das entrevistas e do grupo focal, relatórios dos três Seminários de Avaliação Final e relatório da Oficina de Comercialização realizada no município de Mirandiba. De modo que pude perceber as coerências, as lacunas e os pontos convergentes, que serão apresentados ao longo da dissertação. As entrevistas semiestruturadas também foram usadas com as Gestoras da DPMRQ e com a integrante do Comitê de Organização Produtiva. Foram entrevistadas duas (02) Gestoras, ex-diretoras da DPMR. Essas entrevistas foram realizadas depois do trabalho de campo com as agricultoras e as técnicas, ocasião em que identificamos a necessidade de analisar essa dimensão e as inter-relações com as ações do Projeto no local. Também partirmos de um roteiro com as questões orientadoras com os objetivos: identificar os marcos históricos constituintes da criação da DPMRQ, compreender o desenho institucional, os arranjos na estrutura do Estado, a relação entre Estado e movimento de mulheres e feminista, a criação da ATER Mulher, seus sentidos, objetivos, desafios e disputas dentro do governo, assim como o papel do Comitê Gestor de Organização Produtiva para dentro e para fora do Estado. Foram entrevistas longas e ricas em informações históricas nos dando elementos para compreender os marcos e a dimensão da DPMRQ na estrutura do Estado. Aqui destacamos os sentimentos de emoção pelos avanços alcançados em favor dos direitos das mulheres rurais no Brasil. A entrevista com a representante do movimento de mulheres rurais no Comitê Gestor de Organização Produtiva, trouxe a visão da participação na gestão da política pública, a partir dos movimentos sociais de mulheres, suas lutas e resistências. Revela as tensões e conflitos

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Duas das técnicas entrevistadas trabalhavam na equipe técnica da CMN


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entre as mulheres dos movimentos e as gestoras da DPMRQ, em especial no enfrentamento das questões burocráticas e na dinâmica da execução das políticas nas diferentes realidades. Por outro lado, destaca a importância desse espaço para fortalecer a auto-organização das mulheres e incidência política nesse campo. A Observação de campo também foi um outro recurso usado na pesquisa visando a aproximação com as agricultoras e as técnicas, captando a realidade onde vivem, e vivenciando diferentes aspectos da ATER Mulher, muitas vezes não explícitos, mas presentes nas expressões corporais, nas atitudes e mudanças na vida real. Priorizamos algumas atividades coletivas onde reunia um número significativo das mulheres cadastradas no Projeto. Os Seminários de Avaliação do Projeto aconteceram em três municípios: Afogados da Ingazeira, Serra Talhada e São José do Egito, onde participaram as 240 mulheres cadastradas. Participaram convidadas lideranças feministas e mulheres do movimento sindical e de organizações parceiras. Destaco a Oficina de Comercialização na comunidade quilombola no município de Mirandiba, onde vivenciei um dia de campo na comunidade, e pude compreender melhor a metodologia desenvolvida no Projeto, com ênfase na participação ativa das agricultoras na construção coletiva do conhecimento. Também fizeram parte da nossa pesquisa a leitura e análise de alguns documentos como Política Nacional de ATER, Edital Chamada ATER Mulher 2013 MDA/DPMRQ; Plano da Secretaria Nacional da Mulher e da Diretoria de Política para Mulheres Rurais Relatórios dos Seminários de Avaliação do Projeto ATER Mulher 2016/Centro Sabiá; Relatório da Oficina de Comercialização- 2016/Centro Sabiá; Plano de Desenvolvimento Territorial do Sertão do Pajeú-2011/MDA; Reunião do Comitê Gestor Organização Produtiva-2015/MDA/DPMRQ; Relatório Final da Conferência Setorial de Mulheres Rurais-2013.


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1.3 DE ONDE FALAMOS Figura 1 - Mapa do Semiárido Brasileiro.

Fonte: IBGE (2016).

Estamos falando de uma região semiárida situada no Nordeste do Brasil. O semiárido brasileiro abrange os estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe e Norte de Minas Gerais. Compreende uma área de 975 mil km², onde cerca de 57% está no território nordestino. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), a população é estimada em 23,5 milhões de pessoas, que representam 34% da população do Nordeste e 12% da população brasileira. É o Semiárido mais populoso do planeta e corresponde a 63% de toda a região Nordeste. Essa grande região abriga o bioma caatinga19 existente exclusivamente no Brasil. É caracterizada por um período anual

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O termo caatinga (mata branca) é uma referência à aparência do ambiente nos períodos de estiagem. O Bioma Caatinga em tupi guarani significa Mata Branca. É um bioma exclusivamente brasileiro e se caracteriza por ter espécies xerófitas, com suas folhas como espinhos. Sua composição florística não é uniforme em toda sua extensão e apresenta uma grande variedade de paisagens, de espécies animais e vegetais, nativas e adaptadas, com alto potencial e que garantem a sobrevivência das famílias agricultoras da região. Na sua pluralidade pode-se falar que existem pelo menos 12 tipos de caatingas, que chama atenção especial pelos exemplos incríveis de adaptação ao habitat. Fonte.www.asabrasil.org.br. Acessado em: 23 de out.2013


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de estiagem, intercalado por um período curto de chuvas irregulares que confere à paisagem, um aspecto esbranquiçado em função da queda de folhas das árvores e de seus troncos cobertos por cascas ressecadas, processo fisiológico das plantas para evitar a perda de água e a manutenção da vida até o próximo ciclo de chuvas (GONÇALVES et al., 2016).

Figura 2 - Localização do Estado de Pernambuco e suas microrregiões.

Fonte: IBGE (2016).

Em Pernambuco20a região semiárida corresponde a aproximadamente 82% de todo o seu território, o que exige um olhar diferenciado para a ação de políticas públicas e para pensar um modelo de desenvolvimento que considere todas as especificidades existentes (JALIL, 2016).

1.3.1 O Sertão do Pajéu Existem muitas belezas Que não dá para expressar É preciso você mesmo Ir lá para verificar Mas vá com convicção Que quem visita meu Sertão Com certeza quer voltar (Maria do Soocorro “Côca”agricultora do assentamento Carnaúba do Ajudante em Serra Talhada no Pajéu.)

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Dados do IBGE (2010) demonstram que no estado de Pernambuco a população que vive no Semiárido corresponde a 3 milhões 655 mil pessoas, o que corresponde a 41, 56% da população do estado, e a 20,91% da população residente no semiárido brasileiro, sendo o 2° mais populoso, só perdendo para o estado da Bahia, seguido do Ceará (JALIL, 2016, p. 6).


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Figura 3 - Mapa do Sertão do Pajeú e seus municípios.

Fonte: MDA (2016, p. 20).

A Região do Sertão do Pajeú abrange uma área de 13.350,30 Km² e é composta por 20 municípios21. A população total é de 389.580 habitantes, dos quais 164.559 vivem na área rural, o que corresponde a 42,24% do total (SIT/MDA, 2004). É uma das importantes regiões do semiárido do estado de Pernambuco, no Brasil, por sua organização social, sua força e diversidade cultural na poesia, na música, na dança, e nas experiências na agricultura familiar, com destaque para as práticas agroecológicas e convivência com o semiárido. Marcada pela forte organização social e participação política dos movimentos sindicais, das organizações não governamentais-ONGs, do movimento feminista e de organizações de mulheres.

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Distribuídos em microrregiões: Microrregião São José do Egito: Itapetim, Tuparetama, São José do Egito, Santa Terezinha e Brejinho; Microrregião de Afogados: Afogados da Ingazeira, Tabira, Sertânia, Carnaíba, Quixaba, Iguaraci, Ingazeira e Solidão e Microrregião Serra Talhada: São José do Belmonte, Santa Cruz da Baixa Verde, Serra Talhada, Mirandiba, Flores, Triunfo e Calumbi. Itapetim, Tuparetama, (Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável do Sertão do Pajéu, 2011).


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Destacamos algumas experiências e projetos desenvolvidos na região em ações articuladas em redes entre essas organizações e movimentos sociais, voltadas para práticas agroecológicas, implementação de tecnologias de convivência com o semiárido, a exemplo do Programa Um Milhão de Cisterna-P1MC22, que armazena água para consumo humano, o Programa Uma Terra e Duas Águas-P1+223, voltado para garantir água para produção, e o Projeto Sementes para valorização e armazenamento de sementes crioulas. Todos em parceria com a Articulação do Semiárido-ASA.24 Ressaltamos aqui o Projeto Mulheres na Caatinga25, desenvolvido pela Casa da Mulher, na Região do Pajeú, voltado para formação feminista e ambiental, reflorestamento da Caatinga e construção de fogões agroecológicos. O Sertão do Pajeú se destaca historicamente por ser um território de lutas e resistências, e de disputas ao modelo hegemônico, da oligarquia agrária, coronelista, patriarcal e do agronegócio presentes nos territórios rurais do Brasil. Uma expressão desse contexto, são as dinâmicas de desenvolvimento no jogo do poder regional das grandes obras, localizadas em especial em dois municípios pólos da região, Serra Talhada e Afogados da Ingazeira: obras de uma ferrovia federal, novas adutoras, participação no sistema universitário federal (Universidade Federal Rural de Pernambuco-UFRPE, e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia-IFPE). 1.3.2 As Mulheres no Sertão do Pajeú Como mandacaru, permanecemos de pé A estiagem pode ser longa Mas grande é nossa fé Não devemos nos desesperar Devemos, sim nos organizar Para enfrentar o que vier... (trecho da poesia Os valores da Caatinga de Maria do Socorro, Côca, agricultora do assentamento Carnaúba do Ajudante em Serra Talhada no Pajéu).

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P1MC Programa Um Milhão de Cisternas tecnologia desenvolvida pela Articulação do Semiárido-ASA, para construção de cisternas de placas de captação de água da chuva para o consumo humano, para beber e cozinhar. Saber mais acessar: www.asabrasil.org.br 23 P1+2 Programa Uma Terra e Duas Águas tecnologias de captação de água voltadas para a produção. Além da cisterna calçadão outras tecnologias: barragem subterrânea, tanque de pedra, barreiro trincheira, entre outras. Para mais informações acessar: www.asabrasil.org.br 24 ASA Rede formada por mil organizações da sociedade civil pautadas pela proposta da convivência com o semiárido. Defende, propaga e põe em prática inclusive através de políticas públicas o projeto político de convivência com o semiárido. Mais informações acessar: www.asabrasil.org.br 25 O Mulheres na Caatinga envolveu 210 mulheres em 12 municípios do sertão do Pajéu no período de três anos(2014-2017). Contou com o patrocínio do Programa Petrobrás Ambiental e PPECOS. Desenvolveram ações de formação feminista, educação ambiental sobre o bioma Caatinga, reflorestamento com plantas nativas da Caatinga e construção dos fogões agroecológicos (evita o desmatamento da Caatinga, uso de gravetos, sem fumaça no interior das casas, mais econômico).


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A história das mulheres no Sertão do Pajéu é marcada por muitas lutas contra as desigualdades sociais de gênero, classe e raça, e contra uma cultura patriarcal fortemente presente nos contextos rurais. Aqui destacamos a luta das trabalhadoras rurais do Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Sertão Central-MMTR-SC26, que rompe com a lógica patriarcal e enfrenta o movimento sindical, majoritariamente masculino, pelo reconhecimento da mulher ser incluída e reconhecida como trabalhadora rural e como sujeito político coletivo. Como nos fala Laetícia Jalil: o surgimento do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Sertão Central em 1984, como expressão primeira da organização social das mulheres rurais como um sujeito coletivo, com ações organizadas e pautas políticas construídas coletivamente. O MMTR-SC é o primeiro movimento social rural e feminista do Brasil e inicia o processo de organização das mulheres em torno da luta pelo direito à trabalhar nas frentes de emergências em Pernambuco; direto à sindicalização, direito à previdência e de serem reconhecidas como trabalhadoras (JALIL, 2016, p. 8) .

As mulheres dessa região, sertanejas, catingueiras, pajuizeiras, agricultoras, mães, jovens, brancas e negras, foram se organizando em grupos, associações e redes, participando de encontros do movimento feminista e de mulheres rurais, em processos de formação, fortalecendo suas experiências produtivas, seus conhecimentos agroecológicos em seus quintais, comercializando seus produtos e participando de espaços políticos, como fóruns, conselhos e sindicatos. As mulheres no Pajéu constroem seus espaços próprios e seguem fortalecendo sua autonomia econômica e política na região e também alçam vôos, conhecem outras experiências de mulheres em outros estados e até em outros países. Um marco importante desse contexto foi a chegada de uma organização feminista na região, em 2002, a Casa da Mulher do Nordeste (CMN), que tinha como uma de suas bandeiras, fortalecer a auto-organização das mulheres, oferecer assessoria técnica emancipadora e investir na produção das mulheres. Considerando, o artesanato, a criação de pequenos animais e a produção nos quintais com hortaliças, frutíferas, representando sua diversidade e riqueza para segurança alimentar e para subsistência das famílias. A partir desse trabalho, a CMN investiu na construção da Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú que hoje tem sua autonomia, gera seus próprios recursos e articula aproximadamente 450 mulheres organizadas em 30 grupos, acessando mercados e ampliando a renda das mulheres na região. Como analisa Laetícia Jalil sobre as potencialidades do território do sertão do Pajéu: O sertão é o território das organizações sociais, das redes e articulações, das resistências cotidianas, das invenções sociais, das adaptações e da preservação do 26

Para saber mais sobre MMTR-SC ler Jalil (2013); Esmeraldo (2011).


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bioma Caatinga, da recriação das lógicas de representação e participação política. Aqui destacamos a ação das Mulheres Trabalhadoras rurais e de organizações feministas, como a Casa da Mulher do Nordeste -CMN que atuam no processo de fortalecimento das mulheres rurais como sujeitos de direitos (JALIL, 2016, p. 8).

Um destaque nessa construção da auto-organização das mulheres tem sido a ampliação da participação das mulheres nos programas e políticas de acesso à água, a exemplo do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) e do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2). A região ficou marcada pela realização do primeiro curso de pedreiras de cisternas 27, problematizando o lugar das mulheres nesses programas desenvolvidos pela ASA, no qual as mulheres eram consideradas ajudantes dos pedreiros e cozinheiras nos momentos de construção das cisternas. O Sertão do Pajéu é também um território de resistências pelo fim da violência contra à mulher. O Fórum de Mulheres do Pajéu28 é um dos espaços de auto-organização política na região. A agenda principal é a luta pelo fim da violência contra à mulher, em todas as suas formas. Uma das questões que agrava essa situação29, diz respeito a ausência de serviços especializados para o atendimento às mulheres que sofrem violência na região. Como analisamos o Sertão do Pajeú demonstra ser um território rico em articulações e transformações, como afirma Laetícia, “reconhecemos o Sertão do Pajeú como território profícuo para o fortalecimento do protagonismo das mulheres rurais, um “território feminista” (JALIL, 2016, p.14). É a partir desse contexto que a experiência do Projeto ATER Mulher no Pajéu, caso do presente estudo, se desenvolve. No próximo capítulo, iremos apresentar os aportes teóricos, conceitos e categorias que ajudaram a problematizar e fundamentar as análises sobre a experiência estudada. Para tal, tomamos o conceito de gênero como categoria de análise e sua relação com a teoria feminista, para compreender as relações de desigualdades vivenciadas pelas mulheres rurais no âmbito da política pública de ATER. Para análise nos âmbitos público e privado, o conceito de patriarcado

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Em 2003 a CMN realizou no Sertão do Pajeú o primeiro curso para mulheres pedreiras de cisternas na Região Nordeste, quebrando com preconceito de mulher não ser capaz de exercer trabalho na construção civil. A partir daí a ideia foi disseminada e outros cursos aconteceram em outros estados nordestinos. As mulheres além de serem valorizadas em suas capacidades, também ampliaram suas opções de renda recebendo pagamento pela construção de cisternas. 28 Criado há mais de 10 anos composto por ONGs, Rede de Produtoras do Pajéu, estudantes, militantes, comissão de mulheres do sindicato rural. Compõe a coordenação regional do Fórum de Mulheres de Pernambuco, que está organizado em quatro regiões: Região Metropolitana do Recife, Zona da Mata Sul, Sertão do Araripe e Sertão do Pajeú. 29 Na região do Sertão do Pajeú, a reivindicação das mulheres não tem sido atendida: nessas regiões não há delegacias especializadas de atendimento as mulheres-DEAMs casa abrigo ou centro de referência; na delegacia geral não é feito atendimento específico para as mulheres, os profissionais desconhecem a Lei Maria da Penha e as delegacias não funcionam nos finais de semana (FMPE, 2012).


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nos ajudará a compreender como se organiza e se estrutura as relações de poder no Estado e na família. Outra categoria de análise é a divisão sexual do trabalho, ancorada na economia feminista que será o aporte conceitual, para problematizarmos a organização produtiva e o trabalho das mulheres rurais no contexto da experiência de ATER Mulher.


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2 CAPÍTULOS 2 - REFERENCIAIS TEÓRICOS E ANALÍTICOS Aqueles que não conseguem reler são obrigados a ler a mesma história em toda parte (Roland Barthes)

Neste capítulo vamos apresentar os aportes teóricos e analíticos que ajudaram a pensar e problematizar o objeto de pesquisa, assim como fundamentar as análises e conclusões desenvolvidas nessa dissertação. Como já colocado no capítulo anterior é um estudo que parte de uma perspectiva feminista, e quer contribuir para desvendar e revelar a experiência das mulheres, ocultadas nos estudos tradicionais que apresentam, com raras exceções, uma visão androcêntrica30 do mundo rural, que parte de uma visão universal masculina, representando o todo. Neste trabalho nos desafiamos a analisar os mecanismos que promovem a exclusão das mulheres rurais no acesso à política de ATER e que impedem sua autonomia econômica, em um sistema patriarcal marcado nas relações sociais tanto na família (tido como espaço privado) e na estrutura do Estado (reconhecido como espaço público). Partimos do reconhecimento da existência de processos sexuados de exclusão entre os homens e as mulheres, construídos socialmente e produtores de diferentes subjetividades e racionalidades. Tomamos o conceito de gênero31,como categoria de análise histórica, como construção social do masculino e feminino, constitutivo das relações sociais, que envolve como um de seus componentes centrais as desigualdades de poder(SCOTT, 1995), e assim, acesso desiguais as políticas públicas, a participação social e a cidadania plena. Segundo Saffioti (2004) gênero é um conceito amplo e seu uso exclusivo pode trazer diferentes compreensões, comprometendo sua dimensão histórica e política de questionamento e transformação das desigualdades. Defende a articulação com outras dimensões compreendidas como estruturantes, “o nó formado por três subestruturas: gênero, classe social, raça/ etnia. O importante é analisar essas contradições na condição de fundidas, ou enoveladas ou enlaçadas em um nó.” Na compreensão dessa autora deve haver mobilidade, não se tomar nada como fixo. A análise das relações de gênero não pode, assim prescindir, de um lado, da

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Androcentrismo refere-se às construções de noções que tomam a experiência dos homens como universais, ou seja, que ocultam ou desconsideram as experiências das mulheres.(Estatísticas Sob Suspeita. Cristina Carrasco, SOF,2012,p.5) “construção autorizada de normas que privilegiam as características associadas à masculinidade” (Ver em Nancy Fraser, 1997). 31 O conceito de gênero no Brasil alastrou-se rapidamente na década de 1990. Já no fim dos anos 1980, circulava a copia xerox do artigo de Joan Scott(1983,1988). Traduzido em 1990, no Brasil, difundiu-se rápida e extensamente. O próprio título do trabalho em questão ressalta o gênero como categoria analítica, o que também ocorre ao longo do artigo.Gênero como imagens que a sociedade constrói do feminino e masculino. Mais informações Joan W. Scott Gênero: uma categoria útil de análise histórica, educação e realidade. Porto Alegre: UFRGS, 1990.


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análise das demais, e de outro, da recomposição da totalidade, ocupam as três contradições sociais básicas, – novelo patriarcado-racismo-capitalismo historicamente constituída (SAFFIOTI, 2004, p. 125). Para a autora o uso da categoria gênero foi a recusa do essencialismo biológico, a repulsa pela imutabilidade implícita em “anatomia é o destino”, assunto candente naquele momento histórico (SAFFIOTI, 2009, p. 16). Nesse sentido esse conceito nos ajuda a problematizar o papel de “ajudante” atribuído às mulheres na agricultura de base familiar, invisibilizadas enquanto agricultoras e sujeitos econômicos e produtivos. Daniele Kergoat (2014) apresenta uma análise sobre as relações sociais ao nosso ver numa direção convergente à visão de Saffioti (2004). Segundo ela as relações sociais são consubstanciais, porque há um entrelaçamento dinâmico e complexo no conjunto das relações sociais. São coextensivas isto é, são em parte sobrepostas. Ao se desdobrarem, as relações sociais de classe, gênero e raça se reproduzem e coproduzem reciprocamente. Ou seja, o gênero constrói a classe e a raça, a raça constrói a classe e o gênero, a classe constrói o gênero e a raça (KERGOAT, 2014, p. 13). Essa abordagem ampla de acordo com as autoras, nos ajuda compreender a complexidade das diferentes situações de desigualdades vivenciadas pelas mulheres no âmbito do mundo rural (na dimensão cultural), no enfrentamento ao modelo de produção e consumo (dimensão econômica), e no acesso a política de ATER (dimensão política). A partir de uma perspectiva feminista, contesta a exploração-dominação masculina e propõe um projeto de transformação social das desigualdades entre homens e mulheres (SAFFIOTI, 2009, p. 18). No presente trabalho o conceito de patriarcado32,aqui entendido como um sistema que sustenta e organiza as estruturas e instituições, é útil para analisar as relações de poder existentes na família, no espaço público e desta forma no Estado, quando analisamos a política de ATER Mulher. Desta forma, nos propomos a compreender as relações de opressão e exploração vivenciadas pelas mulheres rurais nas dinâmicas da organização produtiva e econômica, na agricultura de base familiar e sua exclusão enquanto cidadãs de direitos nas políticas públicas, como parte do sistema patriarcal, e não como um fato natural das relações sociais entre homens e mulheres.

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Como um sistema em que os homens controlam, individual e coletivamente, o corpo, o trabalho e a sexualidade das mulheres. Desde o advento do capitalismo como modo de produção hegemônico do Ocidente, o patriarcado reconfigurou-se, tornando-se um componente fundamental desse sistema, o capitalismo patriarcal. A separação rígida entre o mundo público e o privado, à qual corresponde também a separação entre produção e reprodução, é um elemento central que organiza a vida em nossas sociedades com base na divisão sexual do trabalho e nas práticas sociais diferenciadas entre homens e mulheres (MORENO, 2014, p. 7).


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Tomamos como referência a definição de Safiotti (2004) que compreende o patriarcado como um fenômeno social constituído de uma engrenagem de dominação/exploração do homem sobre às mulheres, que perpassa todas as áreas da convivência social na família, no mundo do trabalho, na política, enfim, da sociedade como um todo. Esse aporte teórico nos ajuda a problematizar a realidade das mulheres no Sertão do Pajeú, onde a naturalização da dominação dos maridos sobre suas companheiras está presente, bem como nas relações produtivas quando são impedidas de acessar recursos, tecnologia, e acesso à terra, lhe cerceando o direito de ser reconhecida como sujeito econômico e produtivo. Também nos possibilita questionar as diversas formas de violência contra às mulheres, seja no ambiente da casa, nos quintais e na roça (tido como espaço doméstico), seja na rua (esse reconhecido como espaço público). Nesse mesmo sentido Walby (1990) define patriarcado como “o sistema de estruturas sociais e práticas em que os homens dominam, oprimem e exploram as mulheres” (WALBY, 1990, p. 20). Para a autora é um sistema de relações sociais que se articula com o capitalismo e o racismo, composto por seis estruturas: “o modo patriarcal de produção, as relações patriarcais no trabalho remunerado, as relações patriarcais no Estado, a violência masculina, as relações sexuais patriarcais e as relações patriarcais nas instituições culturais” (WALBY, 1990, p. 20). Outro aspecto destacado no trabalho é a análise crítica ao sistema do patriarcado sobre a visão binária baseada na separação entre o público e o privado, reificando o lugar das mulheres de subalternidade e ou complementaridade. Como nos fala Pateman citada por Saffioti, a seguir:

[...] O privado ou pessoal e o público ou político são sustentados como separados e irrelevantes um em relação ao outro; a experiência cotidiana das mulheres ainda confirma esta separação e, simultaneamente, a nega e afirma a conexão integral entre as duas esferas. A separação entre a vida doméstica privada das mulheres e o mundo público dos homens tem sido constitutiva do liberalismo patriarcal desde sua gênese e, desde meados do século XIX, a esposa economicamente dependente tem estado presente como ideal de todas as classes sociais da sociedade (PATEMAN, 1989, p.131 apud SAFFIOTI, 2004, p. 137).

Esses conceitos são fundamentais em nossa análise sobre a realidade das mulheres agricultoras no Pajéu. Destacamos que as relações de exploração/opressão vivenciadas pelas mulheres se situam nas relações sociais na família e ganham força e materialidade também nas relações de trabalho desenvolvidas no espaço da agricultura familiar (como espaço produtivo, de vida e de reprodução de um modo de ser e vivenciar as relações sociais entre os sujeitos e entre estes e natureza).


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Nesse espaço as mulheres são as responsáveis pelo trabalho doméstico e de cuidado e desenvolvem suas atividades produtivas nos quintais e na roça, em que a produção, normalmente destinadas ao auto consumo, e em parte também para comercialização e ampliação da renda familiar. Observa-se que as mulheres realizam uma jornada pesada de trabalho33, pois grande parte dos maridos não dividem o trabalho em casa, nem nos quintais por entenderem ser de obrigação das mulheres. Esses trabalhos por serem desenvolvidos pelas mulheres, não tem valor social nem econômico, e são concebidos como mais fáceis e mais leves de serem executados e portanto de competência das mulheres. Para aprofundar as questões relacionadas à organização produtiva e econômica das mulheres, centrais na ATER Mulher, nos aportamos nas análises de algumas teóricas feministas a exemplo de Daniele Kergoat (2003); Helena Hirata (2003); Cristina Carrasco (2012); Miriam Nobre (2003); Nalu Farias (2009); que desenvolvem estudos sobre a economia feminista e a problematização da divisão sexual do trabalho como categoria importante de análise da teoria feminista. Como vimos no início deste capítulo, as condições que vivem homens e mulheres não são produtos de um destino biológico e sim construções sociais. Segundo Kergoat (2003) todas as relações sociais têm uma base material, no caso o trabalho, e se exprimem através da divisão social do trabalho entre os sexos chamada, de maneira concisa, divisão sexual do trabalho34 (KERGOAT, 2003, p. 55). É uma forma de divisão social do trabalho decorrente das relações sociais de sexo, adaptada a cada sociedade, definida por algumas características como aponta a autora a seguir:

Tem por características a distinção prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva. Tem princípios organizadores: princípio de separação (existem trabalho de homens e trabalho de mulheres) e o princípio de hierarquização (um trabalho de homem “vale” mais do que um trabalho de mulher) (KERGOAT, 2003, p. 56).

Essa categoria de análise nos provoca a problematizar e ampliar o conceito de trabalho, reconstruindo e desconstruindo conceitos conexos, o trabalho doméstico, esfera reprodutiva, tempo de trabalho das mulheres, trabalho de cuidado, saberes das mulheres, economia 33

Essa concepção está baseada na divisão sexual do trabalho, que separa e hierarquiza (trabalho de homem vale mais que trabalho de mulher) e naturaliza que o trabalho doméstico e de cuidado é da responsabilidade e obrigação das mulheres. 34 Foram as antropólogas feministas as primeiras que lhe deram um conteúdo novo, demonstrando que ela traduzia não só uma complementaridade de tarefas, mas uma relação de poder dos homens sobre as mulheres. Sobre esse assunto ver Helena Hirata. As Novas Fronteiras da desigualdade. Homens e mulheres no mercado de trabalho, 2003; Daniele Kergoat. Divisão Sexual do Trabalho e Relações Sociais de Sexo, 2003.


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feminista. Nos possibilita ampliar a visão crítica sobre o trabalho desenvolvido na agricultura familiar: o valor e tempo do trabalho das mulheres, a participação dos homens no trabalho doméstico, a inclusão do trabalho reprodutivo e dos quintais na economia dos agroecossistemas agroecológicos35 e o reconhecimento das mulheres como portadoras de conhecimentos e sujeitos políticos. Assim a economia feminista (seus conceitos e categorias) são centrais nesse trabalho, por aportar os elementos teóricos e práticos desenvolvidos pela teoria feminista e relação com a discussão da economia clássica, onde as relações desiguais de poder entre homens e mulheres ficam subsumidas as questões de classe. Desta forma, a percepção da economia feminista nos ajuda a refletir sobre o trabalho das mulheres no meio rural e considera o seu protagonismo, na resistência camponesa às políticas neoliberais e seu esforço de auto-organização como movimento de mulheres ou como integrantes dos movimentos sociais mistos. Significa considerar a contribuição e a força na realização de amplas mobilizações para alterar políticas públicas e na construção de uma nova correlação de forças na sociedade (FARIA, 2009). A economia feminista questiona o paradigma dominante36 e sua abordagem androcêntrica37 e contribui para dar visibilidade ao aporte econômico das mulheres. Questiona a economia clássica38 que desconsidera e invisibiliza a contribuição econômica das mulheres e só considera o que pode ser comprovado pelo modelo matemático. Busca em primeiro lugar visibilizar as mulheres como “sujeitos” econômicos e, assim, enfocar o grande volume de trabalho doméstico e de cuidados realizado pelas mulheres (FARIA, 2009). Valoriza o trabalho doméstico e de cuidados como parte do sistema produtivo, ou seja, quer desconstruir a visão dicotômica que separa trabalho produtivo e trabalho reprodutivo (trabalho de mulher trabalho de homem).

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Para a ciência da agroecologia, que busca aplicar os princípios da ecologia à agricultura, o conceito de agroecossistema é a unidade básica de análise e intervenção (Dicionário da Educação do Campo, 2012). Para mais informações ver Miguel Altieri. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. ASPTA, 2012. Gliessman,1998. 36 Baseado na ecomomia clássica que partem do princípio de que o motor da economia é o indivíduo, suas preferências escolhas totalmente racionais e explicáveis pelo seu desejo de maximizar a utilidade ao mínimo custo. Homo economicus, representado por um homem branco. Sobre esse tema ver Economia Feminista, Cadernos Sempreviva, SOF, 2002. Nalu Faria; Miriam Nobre. 37 Economistas afirmam que são falsos os argumentos de que a economia é androcêntrica, já que originalmente esse é um campo do conhecimento em que as mulheres estiveram ausentes, e que o debate de gênero não estava colocado. Para fazer frente a essa ideia parafraseando as filósofas feministas, “o estudo do discurso dos economistas nos mostra que, muitas vezes ou quase sempre-, quando há um discurso profundamente misógino é porque paralelamente existe um discurso feminista, nessa mesma época”(PULEO,2004 apud FARIA, 2009). 38 Economia clássica preocupa-se com o trabalho como fonte do valor das mercadorias (Adam Smith em sua obra A Riqueza das Nações em 1776). Os economistas clássicos não consideravam o trabalho doméstico nem as mulheres em suas análises econômicas.


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Desta forma amplia e resignifica o conceito de trabalho estabelecido pela sociedade capitalista, onde tudo vira mercadoria e critica a determinação posta as mulheres em função da maternidade e portanto responsável pela trabalho reprodutivo e de cuidado. Pretende romper com a visão centrada no mercado, e assumir um outro paradigma onde a centralidade é na vida humana e seu bem- estar (FARIA,2009). Esses estudos da economia feminista nos desafiam a pensar sobre construção de indicadores sociais, econômicos e políticos que reflitam de fato a experiência das mulheres rurais na análise das políticas públicas. A partir das análises de Cristina Carrasco (2012), desenvolvidas em seu estudo39, que propõe a produção de estatísticas que visibilizem as experiências das mulheres na elaboração de conceitos e teorias, a partir da crítica da economia feminista. Sua proposta é avançar para além dos indicadores de igualdade de gênero, que em sua análise estaria pensado em um modelo de “igualdade no masculino”, cujo objetivo seria conseguir a igualdade de direitos entre mulheres e homens, mas sem alterar o modelo dominante, ou seja, conseguir que as mulheres se igualassem aos homens em sua forma de participar na sociedade: no mercado de trabalho, nos cargos ou locais de poder, no uso do espaço público entre outros. Mas sem uma verdadeira transformação do modelo (CARRASCO, 2012, p. 36). O que se desdobra é repensar o conceito de desenvolvimento, a partir da perspectiva de desenvolvimento como liberdade, desenvolvida por Amartya Sem (2010)40, para analisar os impactos da experiência de ATER Mulher na vida das agricultoras no Sertão do Pajéu, que apontam para outras racionalidades ligadas ao bem-estar, a qualidade de vida e liberdade de escolhas. Aqui também referendamos o pensamento de Francisco de Oliveira (2001), quando desenvolve suas análises sobre desenvolvimento e cidadania ativa, onde questiona as regras e as normas de participação e representação política. Esse autor propõe recuperar a iniciativa e a autonomia na gestão do bem comum, através de uma participação direta, rompendo com a separação entre governantes e governados (chama de “governo local”), (OLIVEIRA, 2001). Suas ideias nos ajudam a analisar os processos de gestão desenvolvidos pela DPMRQ e sua 39

Estatísticas sob Suspeita: proposta de novos indicadores com base na experiência das mulheres. SOF, 2012. Estudo realizado para o Instituto Catalão das Mulheres (ICD), propõe um novo modelo para compreender e analisar a realidade das mulheres de um outro ângulo que não seja aos referenciais masculinos. Se baseia no enfoque das dez capacidades e indicadores de Amartya Sem (2000). 40 Analisa o desenvolvimento não apenas pela renda como indicador de bem estar. Os bens matérias são apenas um meio. O que importa são os fins que obtém com eles, a qualidade de vida, das possibilidades e liberdade de escolhas (Ver sobre esse assunto Desenvolvimento como Liberdade).


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relação com a sociedade civil41, com destaque para o Comitê Gestor Organização Produtiva do MDA. Queremos analisar em que medida essa experiência, se constituiu um processo contrahegemônico, ao Estado patriarcal e capitalista, e construiu novas racionalidades42. Segundo Oliveira(2001), os movimentos de luta contra-hegemônica devem ter um caráter desformalizador e desregulamentador43, que questionam as regras e as formas de participação e representação política. Queremos compreender o papel da sociedade civil, (movimento de mulheres rurais e feminista) no Comitê Gestor de Organização Produtiva no processo de construção da política de ATER, e as contribuições para criação de novas formas e regras de participação e representação política. Em nossas análises sobre a experiência de ATER Mulher no Sertão do Pajéu, voltaremos a essas questões, nos desafiando a responder em que medida essa experiência pretende-se uma situação voltada para igualdade na diferença ou de recuperação da experiência feminista, como sugeri Carrasco (2012). Segundo essa autora, trata-se de avançar para romper com o modelo masculino, de nomear e dar valor às atividades desenvolvidas tradicionalmente pelas mulheres, e que o modelo patriarcal desvaloriza. Essa mesma autora resume, “não é suficiente olhar somente o eixo da (des)igualdade entre mulheres e homens; trata-se também de nos movermos em torno do eixo da diferença e do bem-estar humano” (CARRASCO, 2012, p. 37). Buscaremos compreender os desafios e os paradoxos, marcados pelas perspectivas do feminismo da diferença e da igualdade.44, tomando as análises de Scott45, quando analisa os paradoxos entre essas duas correntes. Argumenta que igualdade e diferença não são conceitos opostos, mas interdependentes que estão necessariamente em tensão:

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a sociedade civil não é um ator coletivo e homogêneo […] é um conjunto heterogêneo de múltiplos atores sociais, com frequência opostos entre si, que atuam em diferentes espaços públicos e que,via de regra, têm seus próprios canais de articulação com os sistemas político e econômico. Isso quer dizer que a sociedade civil está entre cruzada por múltiplos conflitos e que ela é, em todo caso, uma arena de arenas) e não um território da convivência pacífica e não conflituosa”(WALTZER, 1992, p.96 apud JALIL, 2009, p. 96). 42

Novas racionalidades refere-se à construção acumulada de experiências contra hegemônica. Ver Oliveira, 2001. 43 Desregulamentador mudança nas regaras de representação. Desformalizador mudança na forma de representação (JALIL, 2009, p. 19). Ver Oliveira (2001). 44 Debate igualdade versus diferença dominou as preocupações das feministas na década de 1970 e no início de 1980, com visões conflitantes. Para as feministas da “igualdade”, as diferenças de gênero têm sido usadas historicamente para racionalizar a subordinação da mulher, portanto destacar estas diferenças seria reforçar o papel doméstico e a marginalização da mulher. Para as feministas da “diferença” ou “culturais” as diferenças de gênero eram a base da identidade da mulher, e o androcentrismo, o princial problema. Ver Deere e León (2002, p. 46); Ver Scott (2002). 45 Sobre esse debate ver Joan Scott. A Cidadã Paradoxal: as feministas francesas e os direitos do homem (2002).


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[...] o feminismo era um protesto contra a exclusão política da mulher: seu objetivo era eliminar as “diferenças sexuais” na política, mas a reivindicação tinha de ser feita em nome das “mulheres” (um produto do próprio discurso da diferença). Na medida quem que o feminismo defendia as “mulheres”, acabava por alimentar a “diferença sexual” que procurava eliminar. Esse paradoxo- a necessidade de, a um só tempo, aceitar e recusar a “diferença sexual” - permeou o feminismo como movimento político por toda a sua longa história (SCOTT, 2002, p. 27).

É a partir das questões identificadas nesse capítulo, que orientamos nosso arcabouço teórico nesse trabalho, que nos ajuda a entender a complexidade da ATER Mulher, e identificar os desafios e capacidades apontadas nessa experiência para superação da ordem patriarcal de gênero na família e no Estado. Como analisa Saffioti:

onde há dominação-exploração, há resistência de grau mais forte ou menos forte. Em grande parte dos casos a ordem masculina acaba por vencer. [..] há porem, grandes contingentes de mulheres, cuja reação insiste no caminho da transgressão da ordem masculina, respondendo pelas mudanças operadas na relação homem-mulher. Onde há relações de dominação, exploração, há resistência, há luta, há conflitos, que se expressam [...] (SAFFIOTI, 2009, p. 26).

No próximo capítulo vamos analisar o processo de construção da política de ATER no Brasil, especificamente ATER Mulher, os marcos importantes na relação entre o governo federal, e o extinto Ministério de Desenvolvimento Agrário-MDA, a criação da Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais e Quilombolas-DPMRQ, sua relação com o Estado e com os movimentos sociais de mulheres rurais e feministas. Assim, nos propomos a perguntar: Quais as estratégias, dificuldades, capacidades e potencialidades acumuladas no período da gestão dessa Diretoria em favor de uma política específica de ATER para as mulheres? Para tal, entrevistamos duas ex gestoras da DPMRQ, que a partir de suas narrativas, nos mostram algumas questões que foram sendo enfrentadas, tanto para “dentro” do Estado, quanto em relação ao diálogo com a sociedade civil. Para tal, analisaremos o papel do Comitê Gestor de Organização Produtiva, instância de diálogo com os movimentos de mulheres dessa Diretoria.

3 CAPÍTULO 3 - POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL PARA MULHERES: DA FORMULAÇÃO À MATERIALIZAÇÃO 3.1 AS MULHERES RURAIS E A CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA PÚBLICA NO BRASIL: O PATRIARCADO NO ESTADO E NA FAMÍLIA


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O Estado Brasileiro assumiu o compromisso de reduzir as desigualdades de gênero no nosso país reconhecendo as particularidades do meio rural. Para isto, desde 2003 vem implementando um conjunto de políticas públicas e programas que buscam garantir direitos à cidadania e ao desenvolvimento econômico, bem como, promover a autonomia das mulheres do campo e da floresta46

Nesse capítulo iremos trazer alguns dados sobre a situação das mulheres rurais e os marcos históricos no âmbito da política de ATER Mulher no período de 2003 à 2016. Partimos do pressuposto que nesse período algumas mudanças importantes aconteceram no cenário das políticas públicas voltadas para população rural, com destaque para as mulheres, e na ampliação da participação democrática da sociedade civil nos arranjos institucionais do Estado. Alguns dados sobre a situação econômica das mulheres rurais nesse período no Brasil, indicam avanços, como demonstram Butto e Hora (2014). As autoras analisam que houve um aumento no rendimento médio mensal de todos os trabalhos realizados pelas mulheres de 13,5% enquanto que para os homens foi de 4,1%. Chamam atenção para melhoria no rendimento mensal das mulheres em relação ao dos homens que, em 2000, era de 67,7% aumentando para 73,8% em 2010, segundo dados do IBGE de 2010. (HORA; BUTTO, 2014, p. 17). Destacam ainda a importância de analisar a origem da renda da mulher, onde “5% é proveniente de trabalhos agrícolas e a maior parte vem das transferências públicas dos programas sociais, enquanto os homens, em situação de extrema pobreza no meio rural, tem 85% da renda advinda da atividade agrícola” (HORA; BUTTO, 2014, p.17). Destacamos esse dado da renda das mulheres por entender sua relevância para análise da política púbica de ATER, indicando as fragilidades das mulheres rurais no acesso à recursos e tecnologias para o investimento e fortalecimento de sua organização produtiva e econômica. Também aponta para a necessidade de garantir uma ATER para mulheres, que atenda suas demandas específicas e permita ampliar suas capacidades produtivas e sua autonomia econômica enquanto agricultoras no âmbito das relações sociais na família. Sobre esses dados analisamos que a iniciativa do Estado em nominar às mulheres para receber os recursos dos programas sociais, parece indicar uma medida importante para sua autonomia. Por outro lado, reifica o lugar das mulheres ao âmbito das políticas sociais ligadas à família, a exemplo da Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida. Esse parece ser um paradoxo a ser analisado no âmbito das políticas de igualdade de gênero, ao mesmo tempo é importante assegurar que as mulheres sejam as beneficiárias dos 46

Miguel Roseto Ministro do Desenvolvimento Agrário–MDA no governo da presidenta Dilma Rouseff em 2014. Foi também ministro do MDA no governo Lula de 2003 a 2006.


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programas sociais, reconhecendo suas condições de pobreza e de serem elas as responsáveis pelo trabalho de cuidados. Também se faz necessário o investimento do Estado para ampliar o acesso das mulheres à renda proveniente das atividades agrícolas, reconhecendo-as como sujeitos econômicos e produtivos e ampliando suas condições de igualdade no espaço da agricultura familiar. Cabe aqui destacar que é papel do Estado e desta forma, das políticas, reconhecer e incorporar as desigualdades de gênero como parte das questões que devem ser enfrentadas na implementação de políticas públicas. Estudos47 analisam que uma das principais questões na organização econômica das mulheres rurais é a ausência de Assistência Técnica adequada às suas demandas, ou seja, que considere as desigualdades de gênero existentes nas relações econômicas e culturais que impactam negativamente na vida das mulheres, reforçando as desigualdades históricas. Como analisa uma das gestoras da DPMRQ entrevistada, a Assistência Técnica é uma porta de entrada para outras políticas no circuito econômico (Gestora I). Outro dado importante é sobre a chefia familiar feminina nas áreas rurais, que passou de 14% para 17% entre os anos de 2006 e 2010. (IBGE/PNAD, 2006 e IBGE/Censo, 2010 apud HORA;BUTTO, 2014, p.17-18).Os dados revelam as responsabilidades e o papel que as mulheres exercem na família, desconstruindo a ideia comum do “homem como chefe de família”. Essa é uma questão fundamental na vida das mulheres, sejam oriundas de áreas rurais ou urbanas, pois são as responsáveis pelo trabalho doméstico e de cuidados com a casa e a família, além do trabalho fora de casa. Assim, desde a perspectiva feminista, o Estado deve considerar essa realidade em suas políticas e programas e promover ações de suporte, como creches e educação infantil, assim como ações educativas para mudar a cultura patriarcal que fundamenta essa desigualdade na sociedade. Partindo desse contexto de avanços e desafios iremos nesse capítulo resgatar parte da luta das mulheres rurais no Brasil, destacando os principais marcos históricos no âmbito das políticas públicas de ATER. As primeiras aparições públicas das mulheres rurais organizadas no Brasil ocorreram no período de luta pela democratização do país nos anos 1980, com a participação relevante do movimento feminista, de mulheres e das trabalhadoras rurais na Assembléia Constituinte. Estimuladas e apoiadas por organizações sindicais de âmbito nacional (urbanas e rurais), dos Conselhos Nacionais e Estaduais dos Direitos da Mulher, das ONGs feministas, com algumas

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Ver Weitzman (2011). Mulheres na Assistência Técnica e Extensão Rural; Butto et al. (2014).


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importantes conquistas na Constituição promulgada em 1988. Tais como a menção explícita ao direito à terra e sua inclusão como beneficiária da previdência social, na condição de seguradas especiais, a conquista ao direito à aposentadoria, à licença saúde e à licença maternidade (SILIPRANDI; CINTRÃO, 2015, p. 577 apud DEERE, 2002; HEREDIA e CINTRÃO, 2006). A principal reivindicação das mulheres rurais nesse período foi o reconhecimento do estatuto profissional de trabalhadora e, como consequência, o pleno reconhecimento dos seus direitos trabalhistas e previdenciários até então apenas garantidos para as trabalhadoras urbanas. (JALIL, 2013). Laeticia Jalil, chama atenção para relevância histórica dessa reivindicação levantada pelas mulheres rurais, que exigem mudança nos padrões valorativos, políticos e organizativos do sindicalismo rural, que não deve ser negligenciada ou tomada como algo de menor importância e como reflexo do movimento geral da sociedade. Enfatiza a autora, Deve ser vista como tomada de consciência e uma construção política que implicaram a consolidação das mulheres trabalhadoras rurais e dos movimentos de mulheres rurais, como atores políticos relevantes, atuando fortemente na esfera pública e levando para essa esfera questões consideradas como privadas, politizando a vida privada (JALIL, 2013, p. 37).

Sendo assim a participação das mulheres rurais nos espaços políticos e de controle social, assim como o seu reconhecimento como sujeitos políticos, não foi algo fácil nem superado, seja no âmbito dos movimentos sociais do campo, seja nas instâncias de controle social com o Estado. Surgem os movimentos específicos e autônomos de mulheres rurais a exemplo do Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste-MMTR-NE; Movimento de Mulheres Agricultoras-MMAs e depois sob o nome de Movimento de Mulheres Camponesas MMC, ingressando na Via Campesina; Articulação das Quebradeiras de Côco Babaçu no Norte e Nordeste, que se transforma no final da década de 1990, no Movimento Interestadual de Quebradeiras de Côco Babaçu, MIQCB. Como uma das estratégias de enfrentamento às discriminações e a falta de inclusão das pautas das mulheres rurais no interior das organizações de trabalhadores rurais (SILIPRANDI; CINTRÃO, 2015, p. 577). Esmeraldo(2013), quando analisa os movimentos autônomos de mulheres rurais, destaca os desafios e os preconceitos enfrentados pelas mulheres, nas relações nos sindicatos. Segunda essa autora as mulheres têm “um jeito de fazer política”: a ação política das mulheres é com frequência desqualificada, ignorada nos espaços partidário, sindical e classista. Suas especificidades não cabem nas pautas de reivindicações de caráter econômico e político, não são acolhidas nas grandes manifestações, não aparecem no jornal sindical, não fazem parte do debate formativo [...] ao buscarem sua inscrição sindical, para o reconhecimento de seu trabalho no


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mundo camponês, produzem outro campo político para engendrarem uma fala e um jeito de fazer política. Criam um novo campo político de forças e de lutas específico de mulheres - os movimentos autônomos de mulheres trabalhadoras rurais (ESMERALDO, 2013, p. 250).

Concordando com Gema, esse é um aspecto do fazer política das mulheres rurais que se colocam no enfrentamento com o outro, no caso o movimento misto, e mesmo quando afirmam suas lutas específicas provocam a estrutura da organização social baseada em uma ordem binária, homem/mulher, público/privado, e hierarquizada, como se o sujeito mulher não bastasse, não fosse legitimado pelo sistema normativo e jurídico. O que nos leva a refletir sobre a necessidade de romper com essa lógica e atingir a transformação das desigualdades de gênero enfrentadas pelas mulheres rurais no exercício político. Os movimentos de mulheres rurais evoluíram em suas capacidades de discussão e proposição, acúmulos políticos e formas de organização. Também avançaram na sua visibilidade pública e na sua diversidade. Ampliaram seus campos de luta e suas bandeiras, saindo das reivindicações previdenciárias e de direitos sociais, para temas ligados à produção e ao modelo econômica, assim como o questionamento do papel atribuído à mulher na agricultura familiar, a violência de gênero, trabalho e etc. O que se observa é o fortalecimento da autoorganização das mulheres rurais nos movimentos sociais do campo, a exemplo dos sindicatos e uma maior aliança com os movimentos feministas. Auto-organização das mulheres é uma estratégia para transformar a correlação de forças e avançar na conquista de igualdade e liberdade para as mulheres. [...] tem como objetivo a construção de um sujeito político forte, capaz de formular plataformas de luta, ampliar a consciência e a ação feminista (SOF, 2015, p. 6).

À medida que tais movimentos e organizações de mulheres se fortalecem, eles conquistam espaços internamente, nos demais movimentos sociais e vão transformando a agenda do desenvolvimento rural, integrando-se nos debates mais amplos e construindo alianças políticas na defesa dos seus direitos. Essas novas práticas sociais foram capazes de impulsionar o Estado a elaborar políticas públicas voltadas para o acesso das mulheres à cidadania e à promoção da autonomia econômica com vistas à maior igualdade (BUTTO et al., 2014, p. 25). A mobilização das mulheres rurais cumpriu um papel destacado na criação e redefinição de políticas para o campo, exigindo ações diferenciadas para as mulheres e problematizando as desigualdades de gênero no âmbito das políticas públicas no Estado. Essas reivindicações são, portanto, parte de um processo longo, dinâmico e conflituoso. O reconhecimento das mulheres na condição de sujeitos sociais e políticos, o questionamento


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às relações de gênero revelando a hierarquia e a subordinação às quais as mulheres estão submetidas, são parte das questões (PARADIS, 2014, p. 55). Segundo Paradis (2014), essa construção está intimamente relacionada com a divisão entre as esferas pública e privada. Enquanto a família é construída como parte do âmbito privado, Estado e sociedade civil são construídos como pertencentes ao âmbito público:

Essa divisão é também uma divisão sexual- as mulheres, historicamente privadas de participação pública, passaram a ser associadas ao amor, aos laços sanguíneos, à sensibilidade, ao cuidado, à submissão. Já o mundo público é associado à cidadania, à liberdade, aos direitos à propriedade e, portanto, aos homens que interagem como cidadãos iguais (PARADIS, 2014, p. 56).

Como analisa Clarisse Paradis, “as mulheres transitam nas esferas pública e privada, mas sua inserção em ambas continua a ser marcada pela lógica liberal de separação e hierarquização” ( PARADIS, 2014, p. 56). Refletir sobre políticas públicas para as mulheres requer algumas considerações sobre o papel do Estado, as tensões e os mecanismos voltados para o enfrentamento das desigualdades de gênero. Há muitas discussões entre as feministas e o papel do Estado 48, considerando que não é um ente neutro e está a serviço de interesses políticos e econômicos. Reproduzindo e produzindo valores, princípios patriarcais e práticas que afirmam as desigualdades entre homens e mulheres, e reforçam a dominação masculina. Por outro lado, também pode desempenhar um papel importante na organização social, econômica e política da sociedade e na transformação das desigualdades sociais. Como analisa Clarisse Paradis sobre essas controvérsias: [...] ao mesmo tempo em que o Estado é fundamental para a construção da igualdade e para transformação das relações de opressão, muitas vezes também atua como produtor e reprodutor dessas mesmas desigualdades, a serviço da classe burguesa, perpetuando os diversos privilégios desta e favorecendo a exploração da massa de trabalhadores. Isso significa que o Estado não é um ator neutro e que as políticas públicas produzidas no interior do seu aparato, mesmo que revestidas de um discurso meramente técnico, refletem uma concepção específica sobre a sociedade e sobre o lugar das mulheres nela (PARADIS, 2014, p. 57).

Ainda nessa mesma lógica sintetizamos o pensamento de Sally Kenney citada por Paradis, sobre sua visão do Estado, que aponta ser uma arena de disputas cabendo ao movimento feminista vigilância no seu papel de sujeitos políticos:

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Sobre essa análise ver (ALVAREZ, 2000; GODINHO, 2000; FARAH, 2004; PARADIS, 2014).


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Arena não neutra, estruturada contra os interesses das mulheres, mas relativamente autônoma, capaz de ocasionalmente ser perturbada por objetivos feministas e, talvez ainda mais importante, uma arena onde tanto dano pode ser causado às mulheres, que as feministas não podem se dar ao luxo de abandoná-la (KENNEY, 2003, p. 182 apud PARADIS, 2014, p. 57).

Portanto estamos falando sobre políticas públicas para mulheres em uma perspectiva feminista que incidem sobre as desigualdades de gênero, classe, raça entre outras, e concebem as mulheres como sujeitos ativos na transformação dessas desigualdades e não como simples público-alvo (PARADIS, 2014, p. 56). A relação entre o movimento de mulheres e o Estado é, portanto, dinâmica e dialética. Os processos de monitoramento e controle social das políticas, devem ser garantidos, no sentido da transformação das desigualdades de gênero e da desconstrução da visão familista49, que aprisiona as mulheres ao âmbito privado (ALVAREZ, 1990 apud PARADIS, 2014, p. 58). Consideramos importante aqui introduzir nessa análise sobre políticas públicas, mulheres rurais e Estado, também a relação com a família50. A crítica da sociologia feminista sobre o conceito de família se centra na contestação da ideia de um modelo único estático de família. Questiona a ideia da divisão de papéis, fundamentada sobre as naturezas masculina (provedor da renda da família e encarregado das relações com a sociedade) e feminina(esposamãe que se consagra à vida doméstica e aos cuidados das pessoas, exercendo sua função afetiva no âmbito da família).Nessa abordagem a contribuição das mulheres para produção econômica da sociedade é excluída (DEVREUX, 2009, p. 96.). O que observamos é que historicamente as políticas públicas pensadas para as mulheres rurais, consideram a família como a unidade de análise homogênea. Partem da ideia que seus integrantes são iguais e não existem relações de poder entre homens e mulheres e entre gerações. Assim, prevalece, tanto no âmbito público quanto privado, uma visão patriarcal, de que cabe primordialmente ao chamado “chefe de família” (homem) a interlocução com o Estado e com a sociedade em geral (SILIPRANDI; CINTRÃO, 2015, p. 572). A matriz patriarcal nas relações de gênero fundamenta a base das relações entre homens e mulheres nas diferentes dimensões da sociedade. Como vimos, o patriarcado51é um sistema enraizado nas relações sociais e se reproduz na sociedade, no Estado e na família. Aqui nos 49

Visão que parte da família como centro de tudo, baseada no modelo conservador onde a mulher é responsável pelo doméstico e o homem pelo público. A mulher ajudante e o homem chefe da família. 50 Família um espaço social, cujo funcionamento não se pode compreender e a não ser levando-se em conta articulações com outros campos, em particular a esfera do trabalho profissional, o que inúmeros sociólogos têm feito. Ver Dicionário Crítico Feminista, 2009, p. 96. Ver Michel (1974). 51 Patriarcado como trabalhado no capítulo 2 dessa dissertação. Entendido como um sistema de dominação e exploração sobre as mulheres, regido pelo medo e o poder entre homens e mulheres. Para maior aprofundamento sobre patriarcado ver Saffioti (2004). E outras referências citadas nesse trabalho.


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interessa destacar que a unidade familiar é o lócus central da organização social e produtiva na agricultura camponesa,52 onde as relações do poder patriarcal são estruturantes, seja na relação entre pai e filhas (os) seja na relação entre marido e mulher. Como diz Heleieth Saffioti sobre a presença do patriarcado no público e privado, no Estado e na família. [...] as relações patriarcais, suas hierarquias, sua estrutura de poder contaminam toda a sociedade civil, o direito patriarcal perpassa não apenas a sociedade civil, mas impregna também o Estado. [...] estão nesses espaços(público e privado) profundamente ligados e parcialmente mesclados. Pra fins analíticos, trata-se de esferas distintas: são contudo, inseparáveis para a compreensão do todo social (SAFFIOTI, 2004, p. 54).

Como analisaram as autoras aqui citadas, o patriarcado é um conjunto de formas de dominação de um padrão do masculino sobre o feminino (dos homens sobre as mulheres,) nos diferentes contextos e épocas, articulado às várias dimensões e sistemas como o capitalismo e o racismo. Essa engrenagem53 influencia e fundamenta as instituições como a família e o Estado, e desta forma, as políticas públicas, reforçando a dominação masculina sobre às mulheres e naturalizando sua incapacidade como cidadãs e sujeitos de direitos. Destacamos a realidade vivenciada pelas mulheres rurais, onde a figura do homem, pai e provedor, define lugares, valores, e é detentor do poder e proprietário dos bens, assim como do corpo das mulheres. Portanto entendemos ser fundamental a utilização do conceito de patriarcado para a análise das relações de gênero na família e no Estado, e assim, nos permite compreender as tensões em termos de proposição e implementação da política de ATER Mulher. Frente a esse contexto as mulheres rurais organizadas nos diversos movimentos sociais e feministas em várias regiões do Brasil, afirmam suas bandeiras de lutas contra as diversas expressões do patriarcado nos espaços públicos e privados. Apresentam ao Estado propostas concretas e exigem políticas públicas que reconheçam as mulheres rurais como cidadãs,54

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É o modo de fazer agricultura e de viver das famílias que , tendo acesso à terra e aos recursos naturais que ela suporta, resolvem seus problemas reprodutivos por meio da produção rural, desenvolvida de tal maneira que não se diferencia o universo dos que decidem sobre a alocação do trabalho dos que se aproximam do resultado dessa alocação (Costa, 2000,p.116-130 apud CARVALHO e COSTA, 2012, p. 26) no Dicionário da Educação do Campo. 53 Termo usado por Heleieth Saffioti quando se referi a relação entre patriarcado, capitalismo e racismo. Para mais informações ver em Gênero, patriarcado e violência (2004). 54

Aqui usamos o conceito de cidadania desenvolvido por Francisco Oliveira, que compreende como uma ação ativa oriunda de conflito, de luta. Segundo ele é a luta pelos significados pelo direito à fala e à política, à direitos, redefinindo-os e transformando-os. Refere-se ao indivíduo autônomo, crítico e reflexivo, longe, portanto do indivíduo massa; trata-se de uma aquisição por meio do conflito (OLIVEIRA, 2001, p. 12-13).


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críticas com autonomia, portadoras de direitos independente de seus vínculos familiares, e afirmando-as como sujeitos econômicos e produtivos autônomos. Como veremos a seguir muitos foram os avanços ocorridos no âmbito da incidência política exercida pelo movimento organizado de mulheres rurais. Aqui destacamos a organização das mulheres rurais a partir da primeira Marcha das Margaridas55 em 2000, quando apresentou para o Estado uma proposta de política pública que atendesse as demandas das mulheres do campo. Destaca-se entre as questões apresentadas, o pioneirismo na apresentação dos temas da agroecologia56 como uma proposta de política pública, e dos movimentos organizados pela Via Campesina57 em prol de um sistema agroalimentar sustentável (SILIPRANDI; CINTRÃO, 2011). A mobilização das mulheres rurais cumpriu um papel destacado na criação e redefinição de políticas para o campo. Na análise de Butto (2011)após a primeira edição da Marcha das Margaridas, houve por parte do governo federal uma reação tímida e limitada às demandas apresentadas pelas mulheres. A autora afirma que a promoção da igualdade de gênero passa a ser um objetivo da política pública para as mulheres rurais a partir de 2003. Complementa que a partir desse ano, se criou uma institucionalidade (o PPIGRE que depois se constitui na

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O nome é homenagem à líder sindical rural Margarida Maria Alves, assinada em 1983. A primeira foi em 2000, uma ação em adesão à Marcha Mundial de Mulheres, originada do Canadá em 1995. Aconteceram cinco marchas em 2000, 2003, 2007, 2011 e 2015. É uma ampla ação estratégica das mulheres do campo, da floresta e das águas, para conquistar visibilidade, reconhecimento social e político e cidadania plena. Coordenada pela CONTAG, através de suas 27 Federações de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais e STTRS – Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, em parceria com a CUT - Central Única dos Trabalhadores, CTB - Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil, AMB - Articulação de Mulheres Brasileiras, MMM - Marcha Mundial das Mulheres, UBM - União Brasileira de Mulheres ,CNS - Conselho Nacional das Populações Extrativistas, MAMA - Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia, MIQCB - Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco de Babaçu, MMTR/NE - Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste, COPROFAM Confederação de Organizações de Produtores Familiares, Campesinos e Indígenas do Mercosul Ampliado, GT de Mulheres da ANA - Articulação Nacional de Agroecologia, Coletivo de mulheres da UNICAFES - União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária e demais organizações que queiram integrar-se nos demais âmbitos, estaduais ou locais. 56 É uma abordagem agrícola que incorpora cuidados especiais relativos ao ambiente, assim como aos problemas sociais, enfocando não somente a produção, mas também a sustentabilidade ecológica do sistema de produção (HECHT, 2002, p. 26 apud SILIPRANDI, 2015, p. 81). Entendida como enfoque científico destinado a apoiar a transição dos atuais modelos de desenvolvimento rural e de agricultura convencionais para estilos de desenvolvimento rural e de agriculturas sustentáveis (CAPORAL; COSTA; BEBER, 2000a; 2000b; 2001, 2002.). Um conjunto de conhecimentos voltados à construção de uma agricultura sustentável, que atende simultaneamente a critérios sociais, econômicos políticos, culturais e ambientais (SILIPRANDI, 2015, p. 25). Para esse assunto ver Caporal (2015) e Siliprandi (2015). 57 Criada em 1993 na Bélgica, como um movimento político camponês, presente em mais de uma centena de países, em quatro continentes e tem estado à frente das lutas pela terra e por soberania alimentar em todo o mundo. No Brasil fazem parte da Via Campesina: Movimento sem Terra (MST), Movimento Atingido por Barragens (MAB), Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Federação dos Estudantes de agronomia do Brasil (Feab), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Pastoral da Juventude Rural (PJR). A temática das relações de gênero é um dos princípios programáticos da Via (SILIPRANDI, 2015, p. 128).


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DPMRQ) capaz de integrar esta perspectiva tanto às demais políticas de desenvolvimento agrário como às políticas para as mulheres no âmbito do governo federal e com orçamento destinado a essa política (BUTTO,2011,p.16) A Marcha das Margaridas se constitui em um espaço político e estratégico de construção de uma agenda coletiva representada por agricultoras, militantes feministas de diferentes movimentos do campo, da floresta e das águas, e movimentos feministas do Brasil. Com o objetivo de construir pautas com as demandas e reivindicações no campo dos direitos das mulheres rurais para incidência no diálogo com o Estado, como analisa Emma Siliprandi e Rosângela Cintrão a seguir. Em 2000 na primeira Marcha, as mulheres agricultoras ocuparam o espaço público reivindicando o direito de serem beneficiária de políticas produtivas, expressando, assim, a necessidade de seu reconhecimento como produtoras rurais propriamente ditas e, nesse sentido, demandando do Estado políticas diferenciadas que respondessem às suas demandas específicas (SILIPRANDI; CINTRÃO, 2000, p. 578).

Nessa primeira Marcha das Margaridas, o Movimento de Mulheres Camponesas-MMC, apresentou como demanda a criação de um crédito para as mulheres rurais. Segundo uma das gestoras entrevistadas, essa demanda impulsionou o debate sobre a Assistência Técnica e as mulheres, entendendo que essas duas questões estão inteiramente relacionadas, pois foi analisado que as dificuldades de acesso das mulheres ao crédito estava relacionado com a dificuldade de formulação de projetos (Gestora I). O desdobramento desse debate se desenvolve e ganha corpo no diálogo com o Estado, na primeira gestão do governo Luís Inácio Lula da Silva em 2003, quando é criado uma assessoria dentro do MDA, com objetivo de assessorar e articular as questões relativas às mulheres rurais para pensar políticas públicas. Assim, em 2003 cria-se o Programa de Promoção da Igualdade de Gênero Raça e Etnia-PPIGRE, inserido no Ministério do Desenvolvimento Agrário-MDA, com o objetivo de articular e integrar as demandas das mulheres rurais para dentro das políticas agrícolas e agrárias e de desenvolvimento rural. Sobre a estrutura, os programas e a relação dessa instância com o Estado, e também com os movimentos sociais, iremos abordar mais adiante nesse capítulo. A despeito das dificuldades ainda existentes é importante reconhecer que a condição das mulheres rurais no Brasil, nos últimos quinze anos, vem sendo transformada nas diversas dimensões: nos avanços dos direitos sociais e no reconhecimento da cidadania das mulheres, na contribuição na produção econômica e na participação na política. Essas mudanças como vimos até aqui, são frutos da ampliação da participação política da sociedade civil organizada


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em espaços de incidência e do fortalecimento do diálogo entre essas instâncias e o Estado na construção de políticas públicas para o campo. “A partir de uma reorientação da ação do Estado e um novo arranjo institucional atenderam-se demandas de grandes parcelas da sociedade brasileira que, até então, não acessavam direitos, valendo-se de um amplo processo de estímulo à participação social” (HORA; BUTTO, 2014, p. 16). É nesse contexto político que iremos desenvolver nossas análises sobre a política de ATER, cujo foco desse trabalho é a ATER Mulher. No próximo ponto vamos trazer uma síntese dos marcos históricos fundamentais para compreendermos os processos de construções, conflitos e desafios da política de ATER Mulher.

3.2 A POLÍTICA DE ATER E SEU MARCOS HISTÓRICO

Figura 4 e 5 – Cartaz da Campanha Nacional de documentação da Trabalhadora Rural. Material usado(lenço) na II CNDRSS em 2013 em defesa dos 50% de mulheres atendidas na ATER.

Fonte: Foto do acervo da autora


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Falar da política de Assistência Técnica e Extensão Rural-ATER58 no Brasil é resgatar a história da extensão rural no país. A atividade de Extensão Rural tem origem nos Estados Unidos como estratégia da igreja e Estado, no início deste século na intenção de melhorar as condições de pobreza no rural, devido ao rápido crescimento industrial. Após a Segunda Guerra Mundial em apoio ao desenvolvimento rural nos países de terceiro mundo59, as agências de cooperação internacional60 e organizações privadas dos Estados Unidos, apoiam a “exportação” do modelo de extensão rural, enviando especialistas e professores universitários com a missão de implementar atividade de extensão rural em diferentes países da América, África e Europa (CAPORAL, 2015, p. 88). Caporal também analisa que as atividades de Extensão Rural sofrem influência da “sociologia da vida rural61”, cuja ênfase era dada aos estudos de comunidades rurais voltadas para melhoria das condições sociais:

as ações extensionistas passariam a desenvolver-se orientadas tanto para as atividades agrícolas quanto para outras atividades fundamentais para melhoria da qualidade de vida da população rural em estado de vulnerabilidade, inclusive, executando programas diferenciados junto aos jovens rurais, mulheres e idosos. [...] realizando ações no campo do desenvolvimento rural, da agricultura de Bem Estar Social. (CAPORAL, 2015, p. 89).

Segundo Weitzman (2011) a partir dos anos 60 até os anos 70, entram em cena as Extensionistas de Bem-Estar Social e os Clubes de Mães, o que implica em uma sedimentação da visão inaugurada na década de 40 (WEITZMAN, 2011, p. 90). Ressaltamos que nesse bojo da Extensão Rural o foco era a modernização da agricultura e o desenvolvimento da família rural, onde cabia para os técnicos homens à assistência técnica para produção agrícola voltada para os agricultores. Para às mulheres era pensada as atividades relacionadas ao bem-estar social, cuidado com a água, saúde e alimentação, oferecidas pelas assistentes sociais.

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Para aprofundar esse assunto ver Francisco Caporal. Sua obra mais recente reúne textos e artigos sobre esse tema: Extensão Rural e Agroecologia: para um novo desenvolvimento rural, necessário e possível. Recife, 2015. 59 Noção complexa que se refere a divisão política mundial iniciada na Guerra Fria no século XX que dividiu países em três mundos: as potencias capitalistas Europa e América do Norte, Austrália. Segundo União das Repúblicas Soviéticas, atual Rússia, e o terceiro mundo todos os países que não se filiaram diretamente com um nem com outro. Continente Africano, América Latina e Sudeste Asiático. Também denominado de países subdesenvolvidos, pobres. Brasil e China estão em crescimento. 60 Agências bilaterais surgidas no final dos anos 1970, com objetivos de apoiar ações em países pobres e subdesenvolvidos voltados para superar as desigualdades sociais, políticas, econômicas e ambientais. 61 Sobre esse assunto ver Caporal (2015). Extensão Rural e Agroecologia: para um desenvolvimento rural, necessário e possível.


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Percebe-se que além da visão modernizadora e produtivista da agricultura62, também carrega uma forte visão patriarcal, que considera as mulheres como membro de segunda categoria, vinculadas apenas às atividades domésticas, não reconhecendo as suas capacidades produtivas e impedindo-as de ampliarem o acesso às políticas públicas. Como analisa ainda Rodica Weitzman:

O projeto pedagógico assistencial, que constitui a espinha dorsal da política de ATER, foi embasado numa separação entre dois universos- o universo da produção agrícola e o da economia doméstica.[...] a filosofia produtivista racional e a divisão sexual de trabalho são inscrições que parecem estar encrustadas na estrutura dos serviços de assistência técnica (WEITZMAN, 2015, p. 90).

Para a presente pesquisa destacamos alguns marcos históricos que nos ajudam a entender o debate da ATER como um processo de conflitos, disputas e construções. Na década de 1980 foi o período que se consolidaram as organizações não governamentais-ONGs63 atuando no meio rural, muitas financiadas por entidades internacionais, trazendo conteúdos e metodologias totalmente diferentes da extensão rural estatal, se aproximando mais das comunidades e grupos de agricultores/as e com forte apelo à questão da sustentabilidade. Segundo Emma Siliprandi foram essas organizações que, pioneiramente, trouxeram a discussão e a prática da agricultura alternativa para o campo brasileiro. Para a autora é importante resgatar a extensão rural como parte de um processo maior, que implica em regulação estatal (mas não necessariamente via intervenção direta) questões como a degradação ambiental, a pobreza, a garantia da segurança alimentar, não podem ser deixadas inteiramente ao sabor das forças do mercado. “Parece evidente que há possibilidade do Estado entregar parte dessas funções para instituições não estatais, desde que resguardando o caráter público da prestação de serviços” (SILIPRANDI, 2005, p. 14).

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Baseada no pacote tecnológico da revolução verde que estimula o uso de insumos químicos, agrotóxicos, e a produção em grande escala voltada para o mercado externo. 63 Surgem na década de 1970 início de 1980 em contraposição a incapacidade e ausência do governo no atendimento as necessidades e demandas sociais dos diferentes segmentos: mulheres, jovens, agricultores(as), negros(as), trabalhadoras(es) urbanos.


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Nessa mesma década de 1980, inicia um processo para repensar a ATER, um projeto alternativo na perspectiva do pensamento de Paulo Freire64, valorização da experiência das redes de agroecologia65 e da Empresa estadual de Assistência Técnica-Emater66. A luta por renovação da ATER no final dos anos de 1990 67, tomou corpo a partir da forte mobilização social em favor da reforma agrária e políticas públicas e da afirmação política da categoria agricultura familiar. Em 1990 foi extinta a Empresa Brasileira de Assistência Técnica-EMBRAPA, deixando de existir uma política federal de Ater, cabendo a cada governo estadual dispor dos recursos. Na visão de Caporal (2014) os estados mantiveram-se no caminho da modernização da agricultura e funcionaram de forma precária. O Programa Nacional da Agricultura Familiar-PRONAF é criado em 1995 e logo depois em 1999, o Ministério do Desenvolvimento Agrário-MDA, muda o foco da questão fundiária, para promoção do desenvolvimento integrado no meio rural, onde também assume o apoio à ATER. A história continua e as ações de ATER permanecem orientadas pelos agrônomos para os agricultores e pelas assistentes sociais ou economistas domésticas para as agricultoras. As mulheres rurais(agricultoras, pescadoras, quebradeiras de côco, artesãs entre outras) não eram reconhecidas como sujeitos produtivos e econômicos. Em 2003 inicia o governo de Luís Inácio Lula da Silva, que impulsiona uma agenda de desenvolvimento rural sustentável e solidário e assumi o compromisso com o movimento de mulheres rurais organizadas, de reduzir as desigualdades de gênero no país. A Assistência Técnica e Extensão Rural68passa para o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e em 2004 cria-se a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER),

Pensamento revolucionário da educação libertadora. Contribuiu para problematizar o conceito “extensão rural”, sua visão crítica para uma prática dialógica entre sujeitos, rompendo com a relação de poder entre “extensionista” e “agricultor(a)”. Para saber mais sobre esse tema ver Paulo Freire sua obra. Extensão ou Comunicação, 2013. 65 No Brasil no final de 1980, passa a ser conhecido, inicialmente por um pequeno grupo de profissionais, da ciências agrárias, e se concentrou na crítica ao padrão tecnológico moderno e na busca de tecnologias sustentáveis. Nesse período se formou um conjunto articulado, simbolizado pela criação da Rede PTA. Ver Siliprandi (2015, p. 136). 66 EMATER entidade estadual de ATER no Rio Grande do Sul criada em1970. Para mais informações ver Caporal (2015). 67 Em 1990, o governo do presidente Fernando Collor de Mello extinguiu a Embrater (Empresa Brasileira de Assistência Técnica), desativando o Sibrater (Sistema Brasileiro de Assistência Técnica) e abandonando claramente os esforços antes realizados para garantir a existência de serviços de Ater no país. Ver Caporal (2015). 68 A ação da ATER pública deve ter um caráter educativo, com ênfase na pedagogia da prática, promovendo a geração e apropriação coletiva de conhecimentos, a construção de processos de desenvolvimento sustentável e a adaptação e adoção de tecnologias voltadas para a construção de agriculturas sustentáveis. Deste modo, a intervenção dos agentes de Ater deve ocorrer de forma democrática, adotando metodologias participativas e uma pedagogia construtivista e humanista, tendo sempre como ponto de partida a realidade e o conhecimento local. (Plano Nacional de Assistência Técnica. MDA-SAF-DATER. Brasília, novembro de 2007): Ver: www.mda.gov.br. Acesso em: maio de 2017. 64


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implantada pelo Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural (Dater). Foi construída de forma participativa, em articulação com diversas esferas do governo federal, ouvindo os governos das unidades federativas e suas instituições, assim como os segmentos da sociedade civil, lideranças das organizações de representação dos agricultores familiares e dos movimentos sociais comprometidos com esta questão. Aqui destacamos alguns dos princípios legais previstos nesse documento: equidade nas relações de raça, gênero e etnia; adoção dos princípios da agroecologia como enfoque preferencial para produção sustentável, o que demonstra a participação e contribuição dos movimentos sociais rurais nessa construção. Havia no país uma movimentação em favor de reformas no Estado, mudanças nos ministérios, a exemplo do MDA, voltadas para construção de uma agenda de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário, e da mobilização para participação da sociedade civil nesse processo. É o que ilustra o texto transcrito do documento da PNATER a seguir: O Brasil vive um momento ímpar na sua história, um momento de consolidação de um governo democrático e popular que abre o caminho para a participação e o controle social sobre as políticas públicas, de modo que se estabeleçam possibilidades concretas para que o aparato estatal e os serviços públicos em geral fiquem à disposição da população, particularmente daqueles segmentos até então alijados do processo de desenvolvimento. É neste marco de reconstrução do Estado democrático que as atividades de Assistência Técnica e Extensão Rural – Ater, em suas várias modalidades (voltada para agricultores familiares, assentados, quilombolas, pescadores artesanais, povos indígenas e outros), passaram a ser coordenadas pela Secretaria da Agricultura Familiar – SAF, do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA, como estabelece o Decreto nº 4.739, de 13 de junho de 2003.Brasília (MDASAF-DATER, 2007).

Essa retrospectiva cronológica de alguns marcos históricos destacados, nos ajuda a compreender o processo de desenvolvimento da política de ATER, para situar a luta das mulheres rurais na construção da ATER Mulher. Desta forma, agregar novos olhares sobre os processos de ATER que vislumbrem outras possibilidades para qualificação e democratização desses serviços, foi um primeiro passo para forjar a política de ATER nos moldes de novas matrizes (WEITZMAN, 2011).

3.3 A EXPERIÊNCIA DA DIRETORIA DE POLÍTICA PARA MULHERES RURAIS E QUILOMBOLAS: A VISÃO DAS GESTORAS

Eu acho que a Diretoria construiu uma rota da política pública, um pilar na base de promoção e acesso à cidadania, acesso à terra e aos meios de produção e acesso à inclusão produtiva, e destaco a assistência técnica. (Gestora entrevistada)


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O objetivo aqui é relatar a trajetória da construção da política de ATER Mulher no Brasil no período de 2003 à 2016, a partir da experiência da Diretoria de Política para Mulheres Rurais e Quilombolas-DPMRQ. A base de análise se fundamenta no olhar das gestoras da DPMRQ sua relação com o Estado e com a sociedade civil organizada composta por movimentos de mulheres do campo, da floresta e das águas e pelas organizações não governamentais feministas: os embates internos e as disputas políticas. Vamos dar destaque a visão das gestoras que participaram de diferentes períodos da gestão do governo federal nessa Diretoria (2003-2012; 2013-2015), entrevistadas na pesquisa. Aqui preferimos não usar os seus nomes, nominaremos de Gestora I e Gestora II. Cria-se um novo desenho institucional no poder executivo assim como no âmbito do MDA. A Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres-SPM, diretamente ligada à Presidência da República, e um organismo de política para as mulheres rurais no MDA. Inicialmente se constituiu no Programa de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e EtniaPPIGRE,69 depois em uma assessoria e ao final uma diretoria, ampliando sua estrutura física e financeira e mudando seu status (com recurso próprio destinado as suas ações) e desta forma, ampliando seus objetivos. Segundo uma das gestoras entrevistadas:

Quando chegamos não havia um programa de ações afirmativas para as mulheres. Era apenas uma assessora, não havia equipe, tinha apoio de uma agência de cooperação internacional, para capacitação de gênero com gestores do Incra, coisas do tipo crédito rosa, compra de micro-ondas para as gestoras, toda uma representação bastante conservadora do que seria o papel desse órgão.Não era específico para as mulheres, era uma agenda dos excluídos digamos assim[...]. Era um nome fantasia porque não existia no Plano Pluri Anual-PPA do governo federal (Gestora I).

O que parece importante ressaltar nesse início da construção desse espaço de políticas públicas para as mulheres rurais é o contexto político no governo federal, que na nossa análise ajudou a impulsionar as mudanças necessárias para a institucionalidade da política para as mulheres rurais. Havia um projeto político em direção ao desenvolvimento rural sustentável e solidário70, lema construído nesse processo que buscou romper com a ideia de um rural 69

Teve sua origem no Programa de Ações Afirmativas do MDA, criado em 2001, no governo de Fernando Henrique Cardoso, fruto da reivindicação da primeira Marcha das Margaridas e da pressão dos organismos internacionais no governo em função das Conferências da ONU (promovidas pela Organização das Nações Unidas-ONU, criada no pós guerra, organismo internacional destinado a arbitrar sobre conflitos, injustiças e manter a paz mundial. Aconteceram várias conferências temáticas relacionadas aos direitos humanos. A exemplo da Conferência da Mulher em Beijing-Pequim na China em 1995, onde 130 países participaram e assinaram compromisso destinado ao cumprimento de normas e leis relativas aos direitos das mulheres: saúde, trabalho, política e violência contra mulher. A Convenção das Nações Unidas sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação E Violência contra às Mulheres foi ratificada nesse Conferência pelo Brasil outros países 70 Conceito construído pelo MDA no governo Lula que orientou sua agenda e foi tema da II Conferencia de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário em2013. Ver em: www.mda.gov.br


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atrasado, desigual e insustentável. Conforme transcrito abaixo em documento da Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais e Quilombolas:

O rural passou a ser concebido como espaço de produção, de vida e de sustentabilidade ambiental. Reconheceram-se as distinções entre os diferentes segmentos da agricultura familiar e o papel ativo destas populações na superação dos entraves ao desenvolvimento e buscou-se atuar no combate às desigualdades de gênero, geração, raça e renda ainda presentes no Brasil (HORA; BUTTO, 2014).

Um outro aspecto do contexto nesse período é que o MDA passava por mudanças significativas, de reformulação em sua estrutura e programas, a partir do diálogo com os movimentos sociais do campo e também com movimento de mulheres. Como relata uma das gestoras entrevistadas, sobre esse processo de construção junto com a sociedade civil e o MDA: [...] acho que uma coisa importante disso, não se tratava de só o começo de políticas para as mulheres com a gente, tratava de começo para o conjunto do MDA. Tinha um único programa Pronaf e Reforma Agrária, com todos os limites que vivemos no governo Fernando Henrique. [...], construir políticas para esse segmento foi um momento de muita efervescência, muito diálogo com os movimentos, de muita construção de fato, de montar um ministério. Algo interessante porque não se tratava da gente iniciar uma agenda em um ministério já constituído [...] o repensar do MDA é muito importante daquilo que a gente herdou do governo Fernando Henrique, secretarias novas, agendas novas. Eu diria, esse é um dado importante desse contexto (Gestora I).

Desta forma, o processo de institucionalidade da política para as mulheres rurais vai sendo

construído, junto com a estruturação do governo federal, em especial do MDA e da SPM71. Segundo a Gestora entrevistada a relação com a SPM no início não era de muita aproximação com o PPIGRE (o que demonstra certa tensão entre as mulheres rurais e as mulheres como um todo), mas sofre mudanças a partir da gestão da presidenta Dilma:

No início foi muito solitário, as questões do rural ficava com a gente nós apoiamos mais que recebemos. Dilma procurou fazer diferente em várias coisas ali na SPM, essa ideia de Eleonora (ministra da SPM no mandato de Dilma) de construir uma assessoria específica para rurais, a relação, eu diria da Dilma e a Marcha das Margaridas era distinta do que o Lula tinha. Ela tinha uma afinidade e proximidade maior, acho que Eleonora capta isso bem [...] (Gestora I).

O que também foi destacado em relação à SPM pela Gestora II entrevistada, é que o diálogo dessa Secretaria com os ministérios variou, com alguns avanços, outros não muito, mas

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A SPM antes era um conselho da mulher e não tinha o papel de controle social, ligada ao Ministério da Justiça sem caráter de organismos de política para as mulheres. Passa a uma Secretaria de Políticas para as Mulheres ligadas ao presidente da república com status de ministério. Seu papel em linhas gerais era desenvolver um plano nacional de políticas para as mulheres e apoiar a construção de uma área de gênero em todos os ministérios.


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nenhum com a representatividade orçamentária, física, estrutural e organizativa que a DPMRQ tomou (Gestora II). Uma primeira iniciativa do governo federal em 2003 foi construir o PPA72com a participação de alguns segmentos da sociedade civil em todos os estados no Brasil. Como uma estratégia de fortalecimento interno do PPIGRE (ainda como assessoria)garantiu já no primeiro ano algumas ações no PPA fundamentais para sua estruturação para dentro do MDA, e para fora na relação com os movimentos de mulheres rurais tais como: reuniões e formações com gestores e gestoras sobre gênero e políticas públicas, ações com os movimentos de mulheres rurais, a exemplo da mobilização do movimento de mulheres camponesas no 8 de março, cuja agenda foi o crédito especial para as mulheres rurais, e em agosto a segunda edição da Marcha das Margaridas que trazia como um dos pontos da pauta a documentação e o acesso à terra. Segunda a Gestora I entrevistada, essa iniciativa foi fundamental para que o Programa fosse se estruturando para dentro do governo e para fora com os movimentos de mulheres rurais especialmente. Outra estratégia considerada importante nesse processo de institucionalidade nesse contexto inicial foi a criação do Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora RuralPNDTR73. Segundo a Gestora I, esse PNDTR exerceu um papel de aglutinação dos órgãos responsáveis, apesar das resistências do MDA assumir esse programa, por entender que era competência do Ministério da Justiça. A proposta desse órgão para o PNDTR foi problematizar a questão da cidadania das mulheres rurais, que constitui parcela da população com falta de documentação civil e trabalhista, fato que as exclui o acesso a um conjunto de políticas públicas, a exemplo do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar-PRONAF, onde os documentos são requisitos para acessar o crédito:

[...] a gente foi mostrando que isso era porta de entrada pra o resto das políticas, mesmo que a gente não fizesse, não fosse responsável pela execução propriamente dita dos documentos que cabia a outros órgãos, a gente podia exercer um papel importante de aglutinação dos órgãos responsáveis para fazer isso. Nossa ideia era 72

Plano Pluri Anual planejamento anual do governo com ações, programas e orçamentos do ano em todas as instâncias do governo com prazo para ser enviado para avaliação no Congresso Nacional. 73 Cabe destacar que esse programa foi inspirado na campanha do MMTR, Nenhuma Trabalhadora Rural sem Documento, e foi incorporado como ação estratégica para o PPIGRE ser reconhecido entre os movimentos de mulheres rurais, bem como para dentro do MDA, na medida que ganha reconhecimento de fora. PNDTR é criado em 2004 pela DPMRQ para garantir o acesso das mulheres rurais de todo o Brasil a documentação civil e trabalhista. Coordenado e executado pelo MDA e INCRA através do Comitê Nacional composto pelo MDA, INCRA, SPM, Ministério da Justiça, Ministério do Trabalho entre outros assim como movimentos de mulheres trabalhadoras rurais: MMC,MMTR-NE,MIQCB,Comissão Nacional das Mulheres da Contag e da Fetraf, Setor de Gênero do MST.


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levar a discussão dos direitos da cidadania, não era fazer ação global, corte de cabelo, fazer casamento[...] (Entrevista com Gestora I). PNDTR, isso é uma expressão que vem lá dos movimentos sociais, nenhuma trabalhadora rural sem documento. Porque sem documento você não acessa direitos, não é cidadã, então aquele primeiro passo que ficou, fincou, criou raiz e criou um série de outras possibilidades e foi incidindo no tema de acesso à terra, a titulação conjunta e obrigatória, depois para uma política de inclusão produtiva, e aí destaco a assistência técnica. Eu acho que esses três foram emblemáticos, até porque foram casos exitosos (Gestora II).

A falta de documentos civis básicos é uma das grandes barreiras para as mulheres rurais serem reconhecidas sujeitos políticos e sociais e as impede de vivenciarem seus direitos de acesso à terra, ao crédito, ao seguro safra, a programas de assistência técnica e de comercialização dos produtos (SOF, 2006, p. 16). Observamos aqui uma importante iniciativa dessas gestoras de pensar estratégias para estruturar um conjunto de políticas públicas que tem por objetivo a superação das desigualdades de gênero no âmbito rural, com ênfase na autonomia econômica e política das mulheres. A partir de bases concretas e materiais como o acesso à documentação, princípio fundante da cidadania. “Na verdade a situação de desigualdades se alicerça em bases materiais que vão dando concretude e naturalização às desigualdades na vida das mulheres” (SOF, 2006, p. 16). Quando perguntadas sobre o processo de institucionalidade do organismo no interior do Estado, as Gestoras entrevistadas destacam a mudança da posição do PPIGRE para a Assessoria Especial de Gênero, Raça e Etnia-AEGRE e posteriormente em Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais e Quilombolas-DPMRQ implantada em 2010 já no governo da presidenta Dilma Rousseff. Essa mudança foi significativa na análise das Gestoras entrevistadas pois além de haver uma mudança de situação dentro da estrutura organizacional do governo, já que passa de uma assessoria do MDA, enquanto AEGRE, para uma posição superior de diretoria, como órgão executivo ligado diretamente ao secretário executivo do MDA, ganhando uma estrutura física própria, uma equipe e orçamento. Segundo a Gestora entrevistada, a DPMRQ passa a ter um lugar importante de poder no Ministério e na relação com outras instâncias do governo, com o papel de dialogar transversalmente com todas as secretarias:

Então o lugar dela na estrutura administrativa do MDA não é pouca coisa, porque o fato dela estar vinculada ao vice-ministro facilitava o diálogo institucional e normativo [...] então a gente participava das reuniões mesmo no primeiro escalão e reuniões fora, outros escalões, isso dá um respaldo super grande, e além do que, a gente tinha uma estrutura organizativa às vezes maior que algumas várias secretarias dos Ministérios e orçamento, a gente era uma diretoria com coordenações e equipe (Gestora II).


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A missão da DPMRQ segundo as entrevistadas, era trabalhar com a promoção da autonomia das mulheres e a superação da desigualdade de gênero no meio rural. A principal estratégia era desenvolver e executar políticas específicas para as mulheres rurais e incidir nas demais políticas do MDA para garantir os recortes de gênero na reforma agrária, crédito e assistência técnica: Eu acho que a Diretoria construiu uma rota da política pública, um pilar na base de promoção e acesso à cidadania, acesso à terra e aos meios de produção e acesso à inclusão produtiva, e destaco a assistência técnica (Gestora II ).

Outro tema relevante desenvolvido pela DPMRQ foi a política setorial de ATER para Mulheres, formulada em 2004 e incorporada à Política Nacional de ATER-PNATER como uma das estratégias voltadas para assegurar a igualdade de gênero no âmbito dessa política. Os objetivos eram: fortalecer a organização produtiva das mulheres rurais; promover a agroecologia e a produção de base ecológica; ampliar às políticas públicas; apoiar a articulação em rede. Segundo dados da Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais do Ministério de Desenvolvimento Agrário, foram beneficiadas mais de 56,4 mil mulheres, disponibilizando aproximadamente 32,3 milhões de reais entre 2004 e 20013 (BUTTO; FARIA; HORA; DANTAS; NOBRE, 2014). As Gestoras em suas entrevistas analisam que o tema da ATER para a DPMRQ foi tratado desde o início de sua criação. Em 2003 realizaram o primeiro seminário junto com a Secretaria de Agricultura Familiar-SAF, onde foi o início do diálogo com alguns movimentos sociais, sobre as diretrizes da construção da Política de Assistência Técnica e Extensão RuralPNATER. A proposta apresentada foi a criação de uma ação específica de ATER para as mulheres, fundamentada nas dificuldades das mulheres rurais em suas práticas econômicas e políticas e comprometida com a superação das desigualdades de gênero:

A gente elaborou um documento e essas propostas de diretrizes foram incorporadas já no nascimento da PNATER. Aí foi se construindo os instrumentos, e claro o MDA foi tendo dificuldades de execução de recursos em função do modelo de convênio que era um modelo muito inapropriado para ação de assistência técnica [...] a gente tinha que explicitar que tinha que ter assistência técnica para as mulheres e ter um trabalho de estímulo de juntar as organizações para que isso aconteça, esse foi o primeiro esforço nosso de participar (Gestora I).


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Antes de ser implementada a modalidade de Chamadas Públicas, que chega com a Lei de ATER em 2010, funcionava outra modalidade, “chamamentos públicos 74”, com regras de seleção bem mais abertas, segundo a Gestora entrevistada. A DPMRQ procurou incidir nesse processo junto com a equipe da SAF, assumindo a função de analistas dos projetos com demandas para as mulheres. Essa foi uma condição negociada pelas gestoras da DPMRQ, justificando competência para tal, como relata a Gestora:

No início era recurso da SAF e a gente procurava estimular a demanda com as mulheres e a gente fazia parte da equipe de avaliação dos projetos. Isso era uma coisa importante, porque se deixasse para um extensionista padrão avaliar um projeto, mesmo tendo diretrizes e tal, podia dar uma chance desse projeto não ser bem avaliado, porque não tinha knw-how para reconhecer, valorizar a proposta, enfim, isso foi primeira coisa, o primeiro estágio (Gestora I). [...] a gente procurou incidir sobre essas coisas dessa maneira: participava, fazíamos reuniões com a equipe, fazíamos sugestões pra incidir sobre [...]e uma coisa eu acho bacana nisso é que a gente passou a ser parte da equipe que avaliava projetos, então um acerto que a gente fez com a SAF na época, se chegassem projetos com demandas pra mulheres, quem analisaria esses projetos não seriam eles, seríamos nós, porque a gente tinha a competência que eles não tinham, porque se tratando de uma agenda recente pra eles, mas não foi só isso a gente queria fazer parte da política[...] definir as diretrizes, incidir nos chamamentos, claro que a gente foi aprimorando muito, no início foi acanhado isso e agente foi sendo parte dessa forma (Gestora I).

Essa estratégia da DPMRQ parece ter sido acertada, uma vez que oportunizou para essa Diretoria conhecer e aprender sobre os aparatos burocráticos do Estado, e também para as gestoras se afirmarem internamente. Também ajudou a DPMRQ apresentar suas capacidades e competências nesse setor, ainda desconhecido no âmbito da gestão governamental naquele período inicial. Um ponto ressaltado nas entrevistas é a relação direta da ATER com a organização produtiva, indicando que a necessidade de articular as ações de assistência técnica com programas e políticas também estruturantes para autonomia econômica das mulheres. Tais como crédito, tecnologias, acesso à mercados e formação política feminista. Segundo Weitzman (2015): Abordar a questão de gênero com seriedade num projeto de assistência técnica exige um compromisso político e implica na busca de ferramentas analíticas que possam ‘desnaturalizar’ a opressão das mulheres e realmente possibilitar sua ‘inclusão’ nos serviços de assistência técnica.

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Chamamentos públicos de projetos específicos de ATER para Mulheres Rurais estratégia usada antes da Lei de ATER. Consolidou-se a partir da operacionalização da Política Setorial de ATER Mulheres. No período de 2004 a 2009 foram investidos 12 milhões, beneficiando 74 mil mulheres. Ver em Mulheres na Assistência Técnica e Extensão Rural(WEITZMAN, 2015).


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Observa-se a partir dos relatos das entrevistas com as Gestoras e na leitura de publicações produzidas pela DPMRQ, um investimento em debates com os movimentos de mulheres rurais e feministas. A realização de diagnósticos75 sobre a realidade das mulheres no campo, demonstram a necessidade de problematizar o debate da ATER a partir das questões trazidas pelo feminismo como a divisão sexual do trabalho, a invisibilidade do trabalho das mulheres e a necessidade de uma ATER que atenda as demandas e fortaleça autonomia das mulheres. Nesse âmbito em 2007 a DPMRQ, lança o Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais-POPMR:

A gente começou a dizer que a ATER não pode ser discutida separada de uma política mais geral de apoio às mulheres na agricultura. Então em 2007, a gente lança o Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais [...] a gente não pode dar apoio a essas organizações econômicas sem ter uma assistência técnica para essas organizações. É aqui, neste momento em que a gente diz: olha tem que ter uma política de ATER para as mulheres [...] (Gestora I).

Segundo Rodica Weitzman ao analisar em seu artigo as mulheres na Assistência Técnica, era preciso sedimentar o compromisso político com uma nova política de ATER, que de fato pudesse romper com velhos padrões, a partir da primazia a ser dada ao fortalecimento da atuação das mulheres no campo econômico, no que se refere às ações voltadas para produção, comercialização e fortalecimento dos empreendimentos econômicos. O desafio era articular com outras políticas públicas, especialmente com aquelas ligadas ao financiamento à comercialização a partir de uma assistência técnica setorial (WEITZMAN, 2011, p. 104). A partir de 2008 a Política Setorial de ATER se operacionaliza através de quatro eixos estratégicos: 1) Capacitação de agentes e de mulheres trabalhadoras rurais sobre ATER-ATES; 2) Integração com o Programa de Organização Produtiva (POPMR); 3) Chamamentos Públicos de ATER para Mulheres; 4) Constituição da Rede Temática de ATER para Mulheres (WEITZMAN, 2011, p. 104). Aqui destacamos o Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais (POPMR), criado em 2008, com o objetivo de garantir o protagonismo das mulheres na economia rural, através do incentivo à troca de conhecimentos técnicos e organizacionais, no que diz respeito à

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DPMRQ realizou convênios com ONGs feministas como a SOF para estudos, diagnósticos e formação com mulheres em vários estados do Brasil, exemplo Convênio em Políticas de Igualdade de Gênero no meio Rural Formação e Articulação para Efetivação da Política Pública. Saber mais publicações Estratégia para Efetivação de Políticas Pública de Gênero no Campo. SOF (2006). São Paulo; Mulheres Rurais e Autonomia (2014). Andrea Butto; Karla Hora; Nalu Faria e outras.


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produção, à gestão, e à comercialização, tendo como pano de fundo os princípios da economia solidária feminista76. Dentre suas principais ações, destacam-se: a) identificação e mapeamento de grupos de mulheres rurais, mediante a sistematização de informações sobre a produção, organização, comercialização e acesso a políticas públicas; b) realização de ações de formação em políticas públicas de apoio à produção, visando o maior acesso por parte de trabalhadores rurais às diferentes linhas de financiamento, como o PRONAF, os Chamamentos Públicos de Apoio a Projetos do POPMR, e as políticas de compra governamentais, como o Programa Aquisição de Alimentos (PAA); c) Capacitação de mulheres rurais para elaboração e gestão de projetos (WEITZMAN, 2011, p. 105). O Programa de Organização Produtiva para Mulheres Rurais englobava diferentes áreas de atuação que contribuem para qualificação de uma assistência técnica diferenciada, marcada pelo apoio às mulheres no processo de gestão de unidade de produção familiares e iniciativas comunitárias (WEITZMAN, 2011, p. 106). Em nossa análise esse POPMR, desempenhou papel fundamental para sedimentar a ATER Mulher, uma vez que coloca na centralidade a organização produtiva e autonomia econômica das mulheres rurais, problematizando a divisão sexual do trabalho, no processo de desenvolvimento rural. Essas questões trazem à tona a necessidade do acesso das mulheres à ATER mas principalmente, a necessidade de mudar e ajustar essa política às suas demandas e realidades das mulheres rurais. Como relata uma das Gestoras entrevistadas sobre a estratégia de ir incidindo internamente no Estado para mudar a concepção da mulher enquanto sujeito produtivo e não apenas beneficiária da política:

[...] uma coisa é as mulheres como beneficiárias e outra coisa é ir construindo uma política pública que fosse dirigida para organizações produtivas de mulheres, aqui é que entra a ATER Mulher [...] então sendo um programa coordenado pela gente mas em diálogo com diferentes áreas inclusive a SAF, no momento em que a gente começa a desenhar o programa de organização produtiva, a própria SAF reconhecia que essa era uma ação nossa e outra coisa que foi aumentando a demanda por assistência técnica de organizações principalmente feminista, não apenas. E como a gente já

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Já apresentada no capítulo 2, a Economia feminista questiona o paradigma dominante e sua abordagem androcêntrica e contribui para dar visibilidade ao aporte econômico das mulheres. Busca visibilizar as mulheres como sujeitos econômicas e enfocar o grande volume de trabalho doméstico e de cuidados realizados pelas mulheres. Ver Nalu Farias em “Economia Feminista e agenda de luta das mulheres no meio rural.”, 2009; SOF Cadernos Sempreviva, sobre Economia Feminista (2002). Economia Solidária compreende práticas fundadas em relações de colaboração solidária, inspiradas por valores culturais que visem o ser humano no centro. Ambas perspectivas compreendem a economia para além do monetarizado e na democratização das relações de poder. Ver Miriam Nobre. Diálogos entre economia solidária e economia feminista (2003).


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estava com esse papel de receber e avaliar os projetos, é claro que isso foi gerando um caldo pra ir constituindo uma ação finalística (Gestora I).

Segundo Weitzman (2011), somente a partir da criação do POPMR foi definida como meta obrigatória, em 2008, o desenvolvimento de “atividades voltadas à implementação do Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais, em consonância com as orientações a serem disponibilizadas pela Articuladora Nacional da Rede de ATER para Mulheres Rurais77. O que se observa nas leituras das autoras (DANTAS; BUTTO,2011; BUTTO et al., 2014) e nas entrevistas realizadas nessa pesquisa, é que o contexto desse período era de muita construção e articulação voltadas para demarcar uma outra perspectiva de desenvolvimento rural e de uma nova ATER. Podemos dizer que havia um ambiente favorável a incorporação de inovações para dentro do Estado com a inclusão de “novos temas”, como economia solidária, divisão sexual do trabalho, creches, combate a violência, dentre outros, que modificam alguns arranjos institucionais de políticas públicas, a exemplo da ATER Mulher. A I Conferência Nacional de Desenvolvimento Rural Solidário e Sustentável-CNDRSS realizada em 2008 com o tema, “Por um Brasil Rural com Gente: sustentabilidade, inclusão, diversidade, igualdade e solidariedade”, foi marcada pela luta pela paridade na participação das mulheres. Como relata o ministro do Ministério do Desenvolvimento Agrário-MDA, Guilherme Cassel, na ocasião da I Conferência. “Um destaque do evento foi a presença massiva das mulheres, que representaram mais de 40% dos participantes” (texto extraído da introdução do Relatório Final da I CNDRSS, 2008). Como estratégia de mobilização das mulheres, foi lançada a campanha nacional Brasil Rural com Igualdade para as Mulheres em 2007, com objetivo de divulgar, mobilizar e preparar a participação das mulheres na Conferência, criando cotas nas conferências estaduais. Como evento preparatório foi realizado Evento Setorial Nacional de Mulheres em Brasília em 2008, promovido pelo GT mulheres do Comitê de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia do CONDRAF e pelo PPIGRE, SPM, MMC, MMTR, MIQCB, Mulheres da Contag. Percebe-se que essas estratégias foram importantes para pautar as questões das mulheres nas discussões sobre o desenvolvimento rural, assim como provocar a agenda política sobre a igualdade de participação das mulheres rurais nos processos de definição da política rural. Como relatou Carmem Foro, representante dos movimentos sociais de mulheres rurais, na abertura da I Conferência sobre a participação das mulheres:

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A Rede era estratégia para aprimorar a reflexão sobre as diretrizes e orientações de PNATER, e suporte metodológico para as práticas de ATER. Tinha intenção de criar interfaces com as demais políticas púbicas do MDA, monitorar etc. Mais informações ver (WEITZMAN, 2011).


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Acredito que a Conferência que estamos realizando é um marco histórico, pois já começa na sua primeira realização com um processo democrático rico, quando conseguimos fazer todo um debate da participação dos indígenas, da participação das mulheres, da participação dos nossos irmãos e irmãs quilombolas, da participação da diversidade. E eu acredito que isso é uma escolha política. Considero que ter 42% de mulheres nessa Conferência é uma sinalização, é abrir a porta da participação para a construção de um processo, de um conjunto de proposições (trecho do discurso de Carmem Foro comissão de mulheres da Contag Vice-presidente da CUT, representante dos movimentos das mulheres rurais presentes à Conferência (Relatório da I CNDRSS78).

A II Conferência Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário-CNDRSS realizada em 2013, foi outro marco histórico importante para o processo de fortalecimento da institucionalidade da agenda feminista e para os avanços das questões das mulheres no âmbito da ATER e do desenvolvimento rural. Os movimentos de mulheres rurais estiveram presentes, com sua diversidade de bandeiras e cores, entoaram músicas e palavras de ordem afirmando os direitos e autonomia das mulheres. O lema para essa II CNDRSS foi “Paridade no Atendimento da ATER”. Faixas, camisetas e lenços coloriram esse momento, simbolizando a forte participação e as lutas das mulheres rurais. As mulheres marcaram sua presença em maior número e de maneira mais organizada, pois aconteceram várias ações preparatórias assim como havia um maior acúmulo nas discussões e no diálogo com o Estado. Destacamos aqui a Conferência Setorial Nacional de Mulheres Rurais, promovida pela DPMRQ. O objetivo foi aprofundar as propostas de políticas públicas para mulheres rurais, visando efetivar a paridade de gênero na II CNDRSS. Foram definidas dez propostas para serem levadas e apresentadas para a II CNDRS. Uma delas tratou da Assistência Técnica e Extensão Rural-ATER. Nesse item definiram que 50% do público beneficiário da ATER deve ser de mulheres e 30% dos recursos em atividade específicas com mulheres. Também garantir a oferta de “espaço criança”, para recreação, para facilitar a participação das mulheres beneficiárias. Esse lema foi definido na Conferência Setorial Nacional de Mulheres mas encontrou fortes resistências por alguns membros de organizações da sociedade civil e do movimento agroecológico integrantes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural SustentávelCONDRAF. Esse fato demonstra o quanto os processos de mudanças são contraditórios e o

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www.contag.org.br. Acesso em maio de 2017.


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quanto as questões relativas à autonomia das mulheres encontram fortes preconceitos, seja pelo Estado, seja pelos movimentos sociais mistos. Apesar dos conflitos as propostas apresentadas pelas mulheres na II CNDRSS, foram aprovadas e contribuíram na construção do Plano de Desenvolvimento Rural, cujo um dos objetivos é “promover a autonomia das mulheres por meio da garantia do acesso à terra e a cidadania, da organização produtiva, gestão econômica e qualificação das políticas e serviços públicos” (Plano de Desenvolvimento Rural, 2013) No relato abaixo a Gestora I expressa sua análise sobre os embates acontecidos com alguns líderes do movimento agroecológico79 quanto à proposta apresentada pelas mulheres sobre a paridade no atendimento da ATER:

[...] é uma pena que a gente tenha no movimento social, inclusive no movimento agroecológico, pessoas que se opõem a isso, pelo amor de Deus! Foi uma construção importante, a duras penas construído dentro do MDA e você vê gente do movimento se opondo a isso, é meio complicado, mas eu acho que apesar de ter tido isso, o fato de ter tido uma conferência, última conferência do MDA, não de ATER, mas de Desenvolvimento Rural, tendo aprovado essa ideia foi um avanço (Gestora I).

Sobre essas questões, a experiência da DPMRQ de diálogo com os movimentos sociais, relatadas pelas gestoras foram momentos de aprendizados, e trocas onde ambas se fortaleceram mutualmente. Também como espaços de preparação para incidência nos espaços mistos, onde as disputas e resistências são maiores. As Gestoras ressaltam que para elas, esses momentos com as mulheres eram de muitas discussões, conflitos, mas também de construção de consensos e pactuações. Vejamos no trecho abaixo da entrevista com uma a Gestora II:

[...] como é que acontece esse espaço da política setorial. Elas se reúnem, definem, falam, brigam, elas exigem, a gente come juntinho, e era bom porque era um debate franco e fraterno, se estava errado elas falam o que tem que mudar, a gente também falava, e depois daquele espaço a gente pactuava, então qual o consenso. Elas diziam o que queriam, a gente falava o que estávamos pensando, pactuava consenso, então agora vamos para o espaço coletivo. E aí a gente ia juntas, nós porque assim a contradição de gênero ela está dentro e fora do governo, está nos movimentos e também está no governo, não era porque a gente era governo a gente era consenso dentro né. Então todas as opressões de gênero a gente também sofria dentro do governo, não era uma coisa tão tranquila, embora a gente tivesse uma representação e apoio interno no ministério, mas a gente pactuava quando chegava nos espaços coletivos, da política coletiva, elas defendiam o que era postura de movimento e nós defendíamos dentro do governo o que nós tínhamos pactuado, que achávamos que ia avançar (Gestora II). 79

Sobre isso o Grupo Mulheres da ANA produziu uma carta de repúdio relativo ao posicionamento de alguns integrantes do movimento agroecológico sobre as propostas apresentadas na II CNDRSS. Ver GT mulheres da ANA (www.agroecologia.org.br).


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Como vemos esses conflitos são vividos e experimentados pelas mulheres tanto na relação com o Estado, como na relação com a sociedade civil, na medida em que, como afirma DAGNINO (2002, p. 282), esta não pode ser vista como espaço do bem, mas que reflete relações de poder e que pode disputar distintos projetos políticos. O que observamos aqui é um conjunto de estratégias pensadas e planejadas pela DPMRQ em parceria com organizações feministas e com os movimentos de mulheres rurais. Ações voltadas para mobilização e preparação das mulheres de diversos segmentos rurais, para participação nos espaços políticos e de controle social de políticas públicas rurais, outras ações de fortalecimento da auto-organização das mulheres nos espaços mistos, a exemplo da criação de diversos espaços como a Rede Temática de ATER, Comitê de Mulheres do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável–CONDRAF e o Comitê Nacional do Programa de Organização Produtiva. Para as Gestoras a política setorial específica para as mulheres foi fundamental para consolidação da política de ATER, para elas enquanto gestoras e para as mulheres que vivem a realidade da política na prática. Oportunizou para ambas conhecer a dinâmica do Estado, dificuldades e brechas, aprofundar as análises sobre as realidades das mulheres rurais, e produzir conhecimentos desde uma perspectiva feminista. Essa relação dialógica, mesmo que conflituosa por vezes, parece ter sido o elemento principal que sustentou a ATER Mulher como uma ação que estrutura a política mais geral, ou seja, a ATER, assim como sua relação com outras políticas: como a política de documentação, de crédito e de acesso à terra. Também contribuiu para o fortalecimento de uma identidade feminista desses sujeitos, através do diálogo, de trocas de conhecimentos, de construções coletivas em prol de objetivos comuns relacionados à melhoria das condições de vida e do atendimento das demandas das mulheres rurais:

[...] se você deixa de ter a política setorial, se você deixa de ter essa política específica, você deixa de ter um espaço anterior de preparação para as mulheres, e por que esses espaços tem que acontecer? Porque a opressão e a desigualdade são históricas, as mulheres não tiveram a oportunidade de treinar esse desenvolvimento seja da oratória, da argumentação, da disputa ideológica e das estratégias, elas sempre foram submissas, foram obrigadas a serem caladas, assassinadas, maltratadas, enfim nas suas diferentes formas de violência. Então esse espaço é um espaço que a gente recupera essas energias, é um espaço onde a gente também coloca as contradições do que cada uma pensa e construímos ações e estratégias juntas. Se você acaba com isso, onde elas vão se preparar? [...] elas estão indo lá, também estão testando a gente, preparando quem está lá no governo, então elas também nos ajudam, porque eu saio de uma reunião dessas muito mais fortalecida, é importante pra os dois lados (Gestora II).


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Também ressaltam o investimento dado pela DPMRQ na inclusão do conteúdo feminista (economia feminista, divisão sexual do trabalho, violência contra à mulher) na qualidade da formação para incidir nas mudanças, como uma estratégia importante. Segundo a Gestora II foi preciso discutir na política geral, qual a ATER para Mulheres se quer, e construir as referências e conteúdos: Porque precisa incidir no conteúdo, não é só a quantidade, não é só colocar a cota, embora a cota seja uma estratégia importante, nós nunca abrimos mão, tinha que ter cota pra forçar a discussão. Mas como é que você respalda a mudança de conteúdo? Aí você faz a política específica, porque na política específica consolidam-se as estratégias, as ações, discute-se em profundidade os conteúdos das desigualdades com quem sofre, com a oprimida, não é o opressor que muda, é a oprimida que toma consciência. Então a política setorial de ATER para mulheres ela é taticamente consequência dessa estratégia. Se você tem uma política de ATER você tem a necessidade de discutir que ATER para mulheres se quer. A divisão sexual do trabalho, não adianta ir na ATER mista e discutir sem ter base, sem ter metodologia, sem ter parâmetros [...] ATER específica ajuda a revelar essas contradições, revelar como se manifesta as desigualdades. Por que as mulheres são as que mais produzem leite e queijo, mas não tem oficinas de pastoreio, vazão, mas tem pano de prato. [...]Nesse espaço elas se sentem a vontade para falar, sentem que é delas, ninguém olha atravessado para quem entrou sua roupa[...] nos espaços mistos é mais difícil para as mulheres se posicionarem. Quando pedem a fala é sempre a última a falar, quando fala os outros se viram para olhar. Então na setorial é mais fácil você fazer isso, porque você incide você revela você constrói estratégias, você dialoga diretamente com elas. É um espaço que elas se sentem representadas. São coisas subjetivas que afetam até como ela se posiciona na reunião (Gestora II).

Quando perguntadas sobre as dificuldades na relação com o Estado, as Gestoras relatam que existem diferentes níveis: um relativo ao projeto político definido pelo governo relacionado ao desenvolvimento rural sustentável e solidário, e sua relação e tensão com outras dimensões sociais, gênero, classe, raça e etnia. Outra questão relacionada à estrutura do Estado e seu funcionamento normativo, fiscal, e seus valores patriarcais e patrimonialistas. Em suas análises as Gestoras afirmam que a DPMRQ recebia apoio do MDA, que lhe abria as portas para o diálogo com outros ministérios e instâncias do governo federal. Ambas as entrevistadas citaram o apoio recebido da gestão durante o mandato delas na DPMRQ, como algo imprescindível para que as ações pudessem se desenvolver. Também ressaltam os conflitos existentes no MDA, segundo elas fruto da diversidade político partidária na sua composição, como podemos perceber na fala da Gestora: Assim para dento eu acho que a gente tinha uma coisa muito importante que era decisão política. Uma decisão clara da direção do MDA de dar um suporte para esse trabalho, isso sempre foi uma coisa muito importante. Não só político, mas também político, quando a gente tinha resistência em alguma área a gente se apoiava na direção do MDA para gente forçar abrir a porta, digam assim. Eu acho que isso é uma coisa muito marcante porque não era uma coisa de uma área, entende, vire-se! [...] não que não tivesse conflito, claro que teve. Eu acho que a gente sempre teve um suporte da


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direção do MDA para fazer os trabalhos. Tinha resistências nas áreas, claro umas maiores que outras e por razões distintas, inclusive porque a gente tinha uma diversidade dentro do MDA de culturas institucionais, então você tinha secretarias que tinham acabado de ser constituídas e secretarias que existiam há mais tempo, você tinha uma diversidade política na composição do ministério, é claro que essas coisas, de alguma forma interferem no cotidiano de construção das coisas [...] há uma coisa de ordem política, há uma coisa de ordem pessoal que eu acho que interfere também nessas coisas, na SAF era com certeza uma secretaria de todas com maior potência para pensar e pra executar política de todas elas e bom, tinha essa coisa interessante de uma diversidade de agendas que a gente apresentava, mas foi se abrindo, e eu acho que se conseguiu fazer muita coisa interessante com a SAF (Gestora I).

Sobre as dificuldades enfrentadas pela DPMRQ no funcionamento da estrutura do Estado, uma das Gestoras em sua narrativa analisa os limites e entraves nos campos normativos, legislativos e no campo da cultura patriarcal que não reconhece as mulheres como cidadãs de direitos e não está voltado para satisfazer as pessoas em suas diversidades e demandas. Segunda ela, sua lógica é voltada para operar números e não sujeitos políticos:

O Estado que a gente conhece, esse Estado que foi montado, que veio da colonização pAra cá, não é um Estado que opera direitos, é um Estado que opera orçamento, que opera número, que opera o que está lá normatizado. Um Estado legalista, normatizador e ele funciona com muitas amarras e muitos entraves, então a gente foi descobrindo. Nós tínhamos legislações que era, se eu não me engano, dos anos 30 que ainda tinha jurisprudência válida de que a mulher não tinha direito a propriedade, o código civil é um deles. Mas a gente tem várias coisinhas à margem nesse mundo jurídico-normativo do Estado que você vai descobrindo na medida que você começa a executar, e assim, tem legislações que precisam ser mudadas para gente operar dentro da legalidade desse aparato que é o Estado. Acho que muita coisa foi feita, a gente gastou muita energia, primeiro para entender como funcionava, para nós era inimaginável, eu quero fazer uma ação, por que eu não consigo fazer? [..]você tem que desbaratar isso e entender. A gente nunca esteve no governo, nunca esteve nesse Estado, então a primeira coisa é conhecer, depois saber incidir e articular para mudar e operar (Gestora II).

E continua sua análise quando ressalta que a Chamada Pública foi sendo pensada para melhorar a operacionalização da ATER, garantindo seus diferentes objetos específicos e tentando encontrar brechas no marco legal da lei de licitação 866680. O que entendemos aqui é que a Chamada Pública é um instrumento previsto na lei da ATER 12.188 para operacionalizar uma política pública a partir de um projeto apresentado: As Chamadas foi um desenho que foi sendo construído nesse período todo, de tentar melhor operacionalizar esse instrumento que era a ATER. É uma mudança de 80

Lei de licitação 8666 de 21 de junho de 1993. Estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações nos âmbitos dos Poderes da União, dos Estados, do distrito Federal e dos Municípios. Licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para administração e promoção do desenvolvimento nacional sustentável (Art.3º) Ver www.planalto.gov.br. Acesso em: 15 de julho de 2017.


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conjuntura dentro do Estado. Como é que se opera a política pública? Pensa você deveria licitar, mas licitar como? Se a chamada é um objeto específico. Então conseguiu-se dentro da legislação 866 criar um caminho operacional que pudesse fazer uma licitação direcionada para o público específico da ATER, pra isso você precisava ter alguém que oferte o serviço credenciado e o público alvo identificado, então para estar credenciado você tem que ter um sistema de credenciamento [..] era fora de cogitação mudar a 866, não foi feita pra nós, foi feita para os grandes, para as licitações das grandes obras[...] mas é o que você tem no Estado e o Estado tem limites. Por que não mudou a 866?Porque não se muda por decreto, você não tem força no Congresso, você não tem uma série de coisas, e aí a gente procurava dentro do que existe onde são as brechas e as possibilidades, então esse sistema de Chamadas foi o que melhor, vamos dizer assim no momento foi o que melhor deu concretude a uma forma de operacionalizar a política pra atender o maior número possível de agricultores e agricultoras na sua diversidade, garantindo que o público alvo fosse atendido que era o público da agricultura familiar [...]como você faz isso em uma Chamada que é pra atender agricultor que está esparramado nesse país inteiro? [...] como é que as Chamadas foram construídas no início. A gente tentava ter um mínimo de diagnostico dessa realidade. Qual era o espaço? Os conselhos e os comitês então lá na Diretoria têm o Comitê de Organização Produtiva, que junta as principais organizações seja mista, seja específica de mulheres para fazer um perfil [...] (Gestora II).

A Gestora chama atenção para a complexidade da operacionalização de uma política no âmbito da estrutura do Estado e as brechas que foram sendo identificadas para atender aos objetivos previstos no projeto governamental. Aqui chamamos atenção para o processo de participação criado pela DPMRQ para dar legitimidade ao processo de construção e de escuta das mulheres em suas diversidades regionais, étnicas, com realidades e contextos produtivos diversos. Assim, como citado, o Comitê Gestor de Organização Produtiva foi um espaço estratégico, bem como o Comitê de mulheres do CONDRAF, também já citado anteriormente. Essas ações demonstram que a ênfase na estratégia da DPMRQ foi o fortalecimento da autoorganização política das mulheres rurais, reconhecendo-as como sujeitos políticos e econômicos na construção das pautas e demandas e incidência nas políticas públicas. Sobre os aprendizados e legados na experiência da DPMRQ as Gestoras afirmam que incidiram no cambo das ideias e dos símbolos, nos arranjos institucionais do Estado orientados para a igualdade de gênero, assim como em mudanças materiais, concretas que melhoraram a vidas das mulheres rurais, reconhecendo-as como cidadãs portadoras de direitos e na sua organização produtiva e econômica. As narrativas de ambas as Gestoras entrevistadas revelam os avanços: [...] eu podia dizer uma série de coisas, mas acho que tem uma coisa que é tão importante que são os simbolismos das coisas que ficam, nós tivemos muitos desafios no período que eu estava lá, e não eram desafios que certamente a Diretoria sozinha consegue resolver, são processos históricos de desigualdades, mas o tema da universalização, de mudar esse instrumento [...] de mudar a lei para chegar nas mulheres [...] você ter no Estado uma estrutura de gênero pela primeira vez, com poder e status, que faz assim, aqui nós vamos fazer políticas para as mulheres, não interessa


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se você queira ou não, nós vamos executar a ATER vai cumprir metas, você vai executar e nós vamos questionar o seu método, então nós vamos monitorar isso, e eu vou mudar aquele instrumento de monitoramento porque eu não agüento aquela planilha Excel que só cabe números, nós queremos dados qualitativos, isso é de um simbolismo[...]eu acho isso impressionante, porque você olha pra trás, a gente não tem nenhum lugar na história que nos dá retorno de que isso existiu e, assim quando você conta isso pra fora é impressionante como as pessoas recebem, então eu acho que ele tem esse simbolismo marcante.A DPMRQ tem um peso simbólico muito grande [...] ela não é um item solto. Porque teve movimentos sociais o tempo inteiro, porque teve militância, mais ou menos isso né? A turma trabalha 10 horas, nós trabalhamos 20 horas [...] eu acho que o retrato disso é a existência dela, imagina saiu a SPM mas não saiu a Diretoria, quer coisa mais simbólica que isso? É um simbolismo que a gente ver na fala das mulheres, qual o lugar das mulheres rurais na Esplanada? Na DPMRQ! (Gestora II).

Sobre as conquistas materiais nas vidas das mulheres rurais a Gestora enfatiza o acesso à documentação e a ATER, quando cita a mudança do posicionamento da mulher quando o técnico chega em sua casa: Quando a gente fez um milhão de mulheres documentadas, tem noção do que é uma mulher que nunca soube o que era um documento? Com noventa anos poder colocar seu dedo ou desenhar seu nome e de repente, ter direitos, receber aposentadoria[...]A ATER do mesmo jeito. Dona Maria vai fazer o café? Não faz o café você enquanto você me conta o que é esse trabalho que você está fazendo aqui.Olha que bacana isso, então você ver uma série de relatos delas contando essas coisas pra gente, e a gente sente que vale a pena o que a gente fez! (Gestora II).

Ainda sobre o que marcou na experiência, destaca um relato de uma mulher quilombola certa vez em uma reunião com a DPMRQ onde demonstra o seu grau de auto estima e autonomia enquanto sujeito político:

Eu me lembro uma vez uma quilombola, que foi para Brasília, uma liderança, e ela contando as dificuldades dela chegar na reunião: pega barco, pega ônibus, pega no sei o que, dorme no aeroporto e chegou na reunião. Ela falou que estava no aeroporto de Brasília e encontrou o prefeito do município dela, aí o prefeito levou o maior susto, porque reconheceu ela, uma liderança. O prefeito perguntou o que você está fazendo aqui?Ah! eu vou pra uma reunião, ele ignorou ela, falando que ia ao ministério, aí ela falou que ia pra reunião com a presidenta, aí ela contando que ele voltou(risos), ele nunca tinha conseguido a reunião com o ministério, nem com a presidenta. Ela falou, gente pode ser bobeira mas eu me sentir a melhor pessoa do mundo porque ele teve que engolir uma mulher negra, quilombola, que ele não me recebia, dizer que ia vir aqui falar no ministério e com vocês e eu ia ser recebida pela presidenta , e ele nunca tinha ido. [...] essas coisas marcam, essas coisas fazem muitas diferenças, e não foi uma nem duas vezes [...] ( Gestora II).

Para outra Gestora entrevistada, fica da experiência a ideia para as mulheres que o Estado pode ser outra coisa para elas, pode melhorar a vida delas. Também ressalta que é possível fazer outro arranjo institucional orientado pela participação democrática dos


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movimentos sociais e enfatiza a importância da organização das mulheres. Vejamos sua narrativa: Eu acho que o que fica é uma experiência, uma ideia que fica muito clara para as mulheres é que o Estado pode ser outra coisa para elas, que o Estado pode jogar, mesmo com todos os limites que a gente vivenciou na experiência, a gente pode ter uma relação, seja ela uma relação democrática, que seja uma ideia de reconhecimento e valorização, e uma coisa muito concreta para melhorar a vida delas, mas só no sentido de reconhecimento político concreto. Minha vida melhorou, minha autonomia se alterou. Isso fica não tem golpe nenhum que derrube isso aí. Outra coisa é o aprendizado, claro que o Estado que é muito ruim, que é pensado e concebido para os grandes, que é concebido para interesses patronais, que é concebido para fazer a política em grande escala e em prol do setor que não é impermeável para essas demandas e que é possível fazer outro arranjo que seja democratizante, que seja orientado mais para igualdade. Acho que essas duas coisas são as principais e outra que para fazer isso só se faz se tiver um processo lento de organização de mulheres, só se faz se tiver um diálogo com grande sociedade civil, porque essas coisas não se fazem por ideia, é a relação cotidiana. Essa foi uma diferença no MDA que você não tinha em outros ministérios [...] (Gestora I).

Aqui trazemos as análises de Dagnino (2002) sobre a importância dos movimentos sociais na ampliação da democracia, (no caso aqui o movimento de mulheres rurais e feminista) que buscam ampliar os espaços de participação política, bem como na contribuição da criação de um novo projeto político participativo. Segundo essa autora, esse projeto deve ser resultado do desenvolvimento da capacidade de ação propositiva e crítica dos movimentos sociais e outros atores políticos e, diferentemente da simples reivindicação, para capacidade propositiva, o que os coloca como sujeitos políticos reconhecidos em outras esferas políticas e como negociadores com o Estado, fazendo com que os movimentos saiam do protesto para a proposta. A sociedade civil é um lócus privilegiado de ações, disputas e legitimações dos sujeitos políticos (JALIL, 2013, p. 39). Uma questão ressaltada pela Gestora I foi a ênfase dada pela Diretoria, em parceria com os movimentos de mulheres rurais, na formação das equipes de ATER, incluindo o tema do feminismo, da divisão sexual do trabalho, sensibilizando mesmo antes da adoção da paridade. Segundo ela, além de garantir a cota, era importante mudar os conteúdos e a lógica da composição das equipes de ATER, que em sua opinião foi o tema que mais despertou tensão na época, mais até que a paridade: Não adianta a gente ficar querendo fazer formação de pessoas, a gente ofertar financiamento, se quem vai fazer essa assistência técnica, por mais que sensibilizadas ela fique, são os homens com a formação e com a cultura institucional extremamente limitada em relação a essa agenda. Então começamos com essa ideia de que vamos pensar a ideia da divisão sexual do trabalho dentro das equipes de ATER. Questionar porque as mulheres estão se voltando para fazer compota, curso de higiene, curso de pano de prato, disso daquilo. [...] adentrar nessa ideia das instituições que prestavam [...] como é que esse serviço está estruturado? É aí que entra essa ideia da cota dos


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30% de mulheres e quando a gente propôs isso às equipes, nossa senhora! Foi uma reação! (Gestora I).

A mesma Gestora enfatiza o quanto essa estratégia foi importante não só para mexer na composição das equipes, mas garantir a mudança do serviço da orientação feminista, questionar a divisão sexual do trabalho na relação com as agricultoras, suas escolhas na produção e sua autonomia econômica. Romper com a ideia que cabe às agricultoras o serviço de assistência social, mas sim de colocá-las no circuito da organização produtiva e econômica das políticas públicas: [...] a gente começou a colocar o dedo na ferida das organizações que prestavam ATER [...] pensar ATER por dentro, porque não adianta tu colocar mulheres e homens e você deixar intacto o serviço do ponto de vista da sua orientação. [...] a gente incidir na equipe e dizer a equipe de mulheres tem que estar vinculada a um serviço de assistência técnica que seja não para fazer o serviço tradicional que as assistentes sociais faziam, mas para colocar as mulheres dentro do circuito de políticas pública [...] de apoio a produção. Isso não é uma questão simples! (Gestora I).

Continua sua análise destacando que o Programa do Brasil Sem Miséria 81 foi muito significativo para discussão com a Assistência Técnica e as mulheres rurais. Segundo ela, colocou o “dedo na ferida”, quando analisado as estatísticas da condição de pobreza de homens e mulheres, observou-se que a renda das mulheres era proveniente do Bolsa Família82, diferentemente da dos homens originárias da agricultura e atividades produtivas. Portanto as mulheres são ainda mais pobres que os homens e precisam entrar no circuito da renda agrícola. Relata a Gestora I: se a renda das mulheres depende exclusivamente disso é porque as mulheres precisam entrar no circuito da renda agrícola o que quer dizer que a gente tem que ter uma estratégia para fortalecer a participação das mulheres nessa área”. Para isso a principal estratégia era fortalecer a participação das mulheres nessa área e oferecer uma Assistência Técnica diferenciada para as mulheres rurais. Segundo a Gestora entrevistada, esse Programa elabora uma proposta de ATER diferenciada, onde a DPMRQ teve uma participação determinante, em que foi realizado um diagnóstico, e planejamento considerando as mulheres como sujeitos econômicos e produtivos. Também analisou que para a superação da pobreza requer um conjunto de políticas que se

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Programa Brasil sem Miséria elaborado pelo governo Dilma com várias ações articuladas às várias políticas públicas, voltado para enfrentamento da pobreza. O programa Brasil Sem Miséria foi um programa intergovernamental, que surgiu após a experiência dos Territórios da Cidadania. Na sua visão o enfrentamento à pobreza deve estar articulado a uma política de desenvolvimento territorial. Ver Butto et al org. Mulheres Rurais e Autonomia: formação e articulação para efetivar políticas públicas nos territórios da cidadania. MDA, 2014. 82 Programa Social de Transferência de Renda para famílias pobres


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articulem, pois o problema da pobreza exige uma abordagem mais complexa, compreendendoa como fruto de relações sociais desiguais, perpassada pela questão de classe, raça/etnia e gênero:

A gente participou de todo o processo no diagnóstico problematizando a divisão sexual do trabalho com a equipe do governo. Colocamos o dedo na ferida na composição das equipes e a cota dos 30% de técnicas. Porque foi um momento que a gente participou do planejamento da execução da ATER, mas conseguiu incidir sobre a discussão da ATER, sobre a equipe, financiamento, o serviço como ia ser. O Brasil Sem Miséria foi primeiramente construído no ambiente do governo. Foi um momento de melhor desenvolvimento disso (Gestora I).

Nas análises das Gestoras fica evidente a ênfase na organização produtiva e na autonomia econômica das mulheres como base estruturante para garantir a transformação das desigualdades de gênero no contexto do desenvolvimento rural sustentável e solidário. Observa-se o esforço da DPMRQ em pensar a política de ATER Mulher articulada com outras políticas e programas, assim como pensar a dimensão de gênero articulada as outras dimensões também fundantes das desigualdades sociais, a classe e raça, como analisa Saffioti (2004) e Kergoat (2014 ). Outro elemento aqui destacado é a perspectiva feminista presente nas narrativas das Gestoras entrevistadas. Vejamos o que ainda nos fala sobre a contribuição do Feminismo na prática da ATER Mulher:

[...] a gente está discutindo a necessidade de superar a contradição do trabalho produtivo e reprodutivo, são todos trabalhos e precisam estar articulados, então preciso discutir isso com a ATER, porque se eu não discutir a economia feminista nesse tema, [...] a ATER vai pra campo e vai reproduzir os processos históricos de desigualdades, vai deixar a mulher dentro de casa, cerceada de direitos, deixando o homem assinar por ela, o homem vender por ela e ela fica lá achando que está linda, feliz e maravilhosa, que ela não tem nem acesso do que ela pode ser, não tem nem escolha de dizer se eu quero ou se não quero porque ela não conhece. Então o feminismo ajuda nisso, ele ajuda a discutir não só as categorias, mas a revelar a partir do que eu compreendo, do que isso significa, a revelar como ela se manifesta no trabalho da ATER. Quando o técnico tradicional ele faz assim, chega na propriedade, oi dona Maria, cadê João? Posso falar com ele? Ele vai fala com João e pede para dona Maria fazer o café, ou seja, ela não tem direito a nada, ele chega e ela não existe, faz lá o trabalho e pedi pra ela fazer o café. Então o feminismo ajuda a revelar essas contradições, o que ele está fazendo alí? O lugar dela é lá e não aqui? Por que ele não fala com ela? Por que ele não pergunta se ela quer participar da capacitação? Então levar essas coisas para discussão da ATER foi importante, agora não são temas fáceis, não são temas simples, são temas complexos e tem resistência, das organizações, principalmente parte das organizações mistas e tem resistências dentro do Estado, dentro do governo, porque é um Estado que não está preparado pra nós (Gestora II).

Quando perguntada sobre o que orienta uma política de ATER para mulheres ela expressa sua visão:


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Pensar em uma política de democratização da ATER para mulheres do ponto de vista do feminismo, mais importante que garantir que sejam atendidas, é a orientação para tirar da condição de subordinação e que consiga colocar elas também no circuito monetário e de políticas públicas de ATER. Não pode reforçar a divisão sexual do trabalho. Deve estimular o protagonismo das mulheres, problematizar as equipes. ATER precisa incidir sobre os conteúdos das atividades econômicas que as mulheres fazem, não pode reforçar a divisão sexual do trabalho. Sem isso não adianta ter ações afirmativas (Gestora I).

Fica evidente a partir das narrativas das Gestoras, assim como das leituras das publicações e relatórios da DPMRQ aqui citados, o quanto foi presente a perspectiva feminista na gestão, nas ações e programas desenvolvidos pela DPMRQ. Como bem citado por elas, a problematização da divisão sexual do trabalho, o reconhecimento das mulheres como sujeitos econômicos e produtivos na estruturação da política de ATER. Essa perspectiva não foi encarada apenas para dentro da DPMRQ, mas foi motivo de grandes debates e embates para “fora” da DPMRQ, na construção de um outro modelo de desenvolvimento. Em nossa análise, o feminismo foi o eixo orientador para questionar a lógica da economia que não reconhece o trabalho reprodutivo, nem as capacidades das mulheres como sujeitos produtivos e econômicos. Encontra essa perspectiva na economia feminista, central nos processos de formação e de fundamentação dos conteúdos feminista propostos pela DPMRQ para a política de ATER. Portanto entendemos que o Feminismo desenvolvido por essa Diretoria, está fundamentado em uma visão que incorpora classe nas relações de gênero, com centralidade no trabalho e na crítica à divisão sexual do trabalho. Como analisa Daniele Kergoat, sobre o feminismo materialista: Trabalho como mecanismo privilegiado para compreender, por meio de práticas sociais, as relações sociais de classe, raça e sexo, tríplice dimensão de exploração, dominação e opressão. Para ela o trabalho foi redefinido pelo feminismo seu status de produção de objetos e bens tornou-se atividade política. O trabalho como produção de viver em sociedade. Toda discussão sobre a emancipação deve necessariamente considerar o trabalho (KERGOAT, 2014, p. 17).

Baseada nessa abordagem da economia feminista e em diálogo com as organizações e movimentos feministas rurais, a DPMRQ orientou a proposta da ATER Mulher e desenvolveu estratégias de articulação com outras políticas públicas, a exemplo do Programa de Documentação, do Crédito, do acesso à mercados e ao Programa Aquisição de Alimentos-PAA, Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE, as feiras feministas entre outras. O que se observa é uma compreensão técnica e política dessa Diretoria sobre a centralidade e importância da ATER no âmbito do desenvolvimento rural, ligada a outros processos e


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dimensões para além da visão econômica e produtivista. Desafia-se a pensar, articular e executar a partir do ATER Mulher, outras dimensões social, econômica, política e ambiental. Concluímos a partir do apresentado, que a experiência da Diretoria, contribuiu nos processos de mudanças em favor da igualdade de gênero no âmbito do desenvolvimento rural, bem como para alterar, nas dimensões simbólica e normativa, a estrutura e a visão patriarcal do Estado brasileiro, no período de sua gestão. A ATER Mulher é um exemplo concreto, onde insere mecanismos normativos, novos conteúdos afirmando a perspectiva feminista, alterando sua composição, articulando diferentes instâncias do governo e criando novos arranjos institucionais. Outro destaque foi sua capacidade de articular, ampliar e manter o diálogo com os movimentos de mulheres rurais, assim como organizações feministas e universidades, como veremos no ponto seguinte.

3.4 OS ARRANJOS INSTITUCIONAIS NO ESTADO: COMITÊ DE ORGANIZAÇÃO PRODUTIVA E A SOCIEDADE CIVIL

Pra mudar a sociedade do jeito que a gente quer Participando sem medo se ser mulher! Porque a luta não se faz pela metade Participando sem medo de ser mulher! Fortalecendo os movimentos populares Participando sem medo de ser mulher! (música cantada pelo MMTR-NE) Figura 6 - I CNDRSS em Recife,2008.

Fonte: Acervo da autora.


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Como vimos no item anterior, a DPMRQ construiu várias estratégias em sua organização e estrutura no sentido de ampliar suas capacidades de incidência política relativas às demandas das mulheres rurais. Criou espaços de participação e gestão democrática junto aos movimentos de mulheres rurais, onde destacamos o Comitê Gestor do Programa de Organização Produtiva, criado em 2008, no âmbito da gestão do POPMR83. Através de uma Portaria Interministerial,84 cujo principal objetivo é fortalecer as organizações produtivas de trabalhadoras rurais, incentivando a troca de informações, conhecimentos técnicos, culturais, organizacionais, de gestão e de comercialização. Espaço de participação, monitoramento e concertação85, entre o Estado e a sociedade civil, representada pelos movimentos sociais do campo mistos e de mulheres. Segundo a portaria:

O Comitê terá uma instância de caráter deliberativo, constituída pelos órgãos governamentais e uma instância de caráter consultivo, constituída pelos órgãos governamentais e sociedade civil. § 1º Os órgãos governamentais que compõem o Comitê serão os seguintes: I - Ministério do Desenvolvimento Agrário – representado por quatro integrantes; II - Ministério do Trabalho e Emprego - representado por um integrante; III - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome representado por um integrante; IV - Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres - representado por um integrante; V - Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca– representado por um integrante; VI - Companhia Nacional de Abastecimento– representado por um integrante; § 2º Caberá ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, através do Programa de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia, ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e a Secretaria Especial de Política para as Mulheres, a coordenação geral do Comitê e do Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais. § 3º As entidades da sociedade civil serão representadas através de movimentos sociais e redes de produtoras rurais. § 4º Outras entidades governamentais e órgãos governamentais poderão integrar o Comitê Gestor do Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais. Art. 16 O Comitê Gestor tem a atribuição de efetuar a gestão do Programa de Organização Produtiva de Mulheres Produtivas. § 1º Aos órgãos governamentais do Comitê Gestor do Programa competem: I - reunir-se periodicamente a cada trimestre a fim de planejar as ações do Programa, bem como realizar ações de acompanhamento necessárias; II - acompanhar a elaboração e implementação da implantação do banco de dados; III - realizar ações de monitoramento e avaliação do programa; IV - consultar as organizações da sociedade civil envolvidas no Programa; V - reunir-se anualmente com as organizações da sociedade civil para apresentar relatório anual de atividades, planejarem ações de capacitação, debater o banco de dados, bem como o monitoramento de todas as suas ações; VI - estimular em nível local os Comitês 83

POPMR Programa de Organização Produtiva para Mulheres Rurais desenvolveu diferentes ações que contribuíram para qualificação da ATER Mulher e da política pública em geral voltadas para o desenvolvimento rural. Mais informações ver Mulheres Rurais e Autonomia. Andréa Butto ; Karla Hora; Miriam Nobre; Nalu Faria (2014). MDA. Autonomia e Cidadania Politicas de Organização Produtiva para Mulheres no meio Rural. Andrea Butto; Isolda Dantas, 2011. MDA 84 Portaria Interministerial Nº 2, de 24 de setembro de 2008. Diário Oficial da União Seção 1 nº 186, quinta feira, 25 de setembro de 2008 MDA Gabinete do Ministro. 85 Pactuar, ajustar, combinar. Estar de acordo, estar conforme (novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, 2008).


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Territoriais de Mulheres vinculados ao Colegiado Territorial, a se fortalecerem como estrutura auxiliar para encaminhamentos, resoluções específicas e acompanhamento operacional das políticas para as mulheres nos territórios. § 2º Compete às entidades da sociedade civil participarem do planejamento das ações de capacitação sobre políticas públicas de apoio à produção.

Nosso objetivo aqui é analisar a dinâmica e importância do Comitê Gestor do Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais no âmbito da ATER Mulher, a partir da experiência da sociedade civil, aqui representada pelo Movimento de Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste-MMTR-NE86. Em nossa pesquisa de campo realizamos entrevista semiestruturada com uma liderança trabalhadora rural, negra, mãe, casada, assentada da reforma agrária, militante da Marcha Mundial de Mulheres87 e integrante da coordenação colegiada do MMTR-NE. Desde 2007 integra a direção regional do MMTR-NE e em 2011 assume a Secretaria Executiva, hoje ampliada para uma coordenação colegiada. O MMTR-NE integrou o Comitê de Organização Produtiva desde sua criação em 2008, mas era uma outra liderança que acompanhava. O Movimento se aproxima da Diretoria em 2003 através da participação no Grupo de Trabalho sobre Crédito coordenado pela DPMRQ (na época PPIGRE) e desenvolve parceria em um projeto88 com a DPMRQ. A entrevistada começou a participar do Comitê por volta de 2010, e não tem muitas informações do período anterior. Destaca que participou pela primeira vez em uma reunião com a DPMRQ convocada pelo Grupo Mulheres da ANA89, e as organizações que compunham o Comitê. Segundo a entrevistada, havia uma pauta específica naquele momento relacionada às dificuldades enfrentadas por algumas organizações na execução de projetos financiados pelo MDA e coordenado pela DPMRQ. Ela destaca suas primeiras impressões sobre esse espaço:

Minha primeira impressão foi que era um espaço de muito conflito de pessoas que estão na sociedade nos espaços sociais e de pessoas que estão no governo.

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MMTR-NE criado em 1986 atua nos nove estados do Nordeste, como sede da Secretaria Executiva em Caruaru Pernambuco. Sua objetiva aumentar a autonomia das mulheres transformar a mentalidade de submissão e combater todo o tipo de discriminação e preconceito. Para saber mais: www.movimentodamulhertrabalhadoraruraldonordeste.org.br 87 Movimento mundial originado no Canadá em 1995. No Brasil em 2000 com lema “Contra a fome, a pobreza e a violência sexista”. Ver informações: www.marchamundialdemulheres.org.br 88 O projeto realizado foi 2010-2011 “O Desafio da Comercialização das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste.” 89 GT Mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia composto por ONGs feminista e agroecológica movimentos de mulheres rurais, pesquisadoras de universidades e militantes do movimento feminista e agroecológico. Tem importante atuação na articulação da agenda feminista na ANA e nas políticas públicas rurais. Desenvolve projetos em parceria com ONGs e universidades, na formação em feminismo e agroecologia, sistematização de experiências agroecológicas de mulheres e atualmente desenvolve pesquisa nos quintais em diferentes regiões com uso da “caderneta agroecológica”. Mais informações: agroecologia.org.br ou ctazm.org.br


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[...] mas eu não entendi muito bem o funcionamento daquilo no primeiro momento (Representante da sociedade civil).

Quando indagada por que sentia ser um espaço de conflito ela afirma, “porque tinha as mulheres do governo e as mulheres da sociedade.” Nos chama atenção essa observação por parecer estar estabelecido uma relação de poder, de disputa e conflito entre governo e sociedade, o que nos leva a pensar também sobre o pouco ou inexistente exercício democrático entre esses atores sociais no Brasil, ou seja, o diálogo na gestão das políticas públicas era algo novo para ambas as partes. Outro aspecto dessa mesma questão é que mais novo ainda era a gestão política executada por mulheres. Havia portanto um certo estranhamento daquela situação onde muitas daquelas mulheres já se conheciam em outros ambientes da militância feminista onde as relações hierárquicas não se colocavam de maneira tão clara e determinantes. A composição do Comitê garantiu uma diversidade em sua representação, no âmbito governamental, diversos ministérios de áreas estratégicas (MDA, MTE, MDS, SPM, MPA, SAF, SDT, CONAB, INCRA, CNS), indicando uma exigência mínima para pensar a organização produtiva, numa tentativa de desconstruir o pensamento patriarcal marcado nas políticas públicas onde as mulheres estão nas áreas da assistência social, da saúde e dos programas de transferência de renda apenas como beneficiárias da família. No âmbito da sociedade civil a representatividade também foi ampla e diversa. Estavam presentes os movimentos sindicais e mistos; CONTAG, FETRAF, UNICAFES, MST, MPA, Rede Xique Xique, movimentos de mulheres rurais como o MMTR-NE, MIQCB, MMC, REMERA, Rede Produtoras do Nordeste, Rede Bahia, GT Mulheres da ANA. Observamos aqui que esses movimentos são expressões da auto-organização das mulheres rurais. Outro elemento importante é que a representação dos movimentos mistos era feita a partir da auto-organização das mulheres nesses espaços, as comissões de mulheres, grupos de trabalho (exemplo o GT mulheres da ANA, Comissão de mulheres da CONTAG). Sendo assim apenas as mulheres participavam no Comitê representando a sociedade civil. Outro elemento que queremos destacar são os desafios da dinâmica interministerial, que a experiência do Comitê de Organização Produtiva da DPMRQ aponta. Essa forma exige mudanças na gestão do Estado, (que em sua cultura e aparato burocrático não está preparado), para garantir a integração de ações e programas. Como aponta Maluf (2006, p. 25-26 apud JALIL, 2009, p. 41) em sua análise sobre a política de SAN, destacando os desafios e a necessidade de promover a intersetorialidade das


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ações e políticas de diferentes áreas voltadas para autonomia e qualidade de vida da população, e o envolvimento da sociedade civil:

No tocante à promoção da intersetorialidade das ações e políticas por meio de ações e programas integrados, com envolvimento da sociedade civil, um dos principais desafios se localiza na conjugação de programas [...] O desafio da intersetorialidade diz respeito, também, à limitada conexão entre programas [...]que ampliem a capacidade de existência autônoma da população e a qualidade de vida[...] (MALUF, 2006, p. 25-26 apud JALIL, 2009, p.41).

Em nossa análise o Comitê Governamental Gestor do Programa de Organização Produtiva, desafiou a ordem estabelecida pelo modelo conservador de gestão de políticas públicas, por meio da ampliação dos processos de participação da sociedade civil, (fortalecendo e valorizando o movimento de mulheres rurais) e por meio do seu caráter interministerial, promovendo a integração, e a intersetorialidade das ações, voltadas para o fortalecimento da organização produtiva e econômica das mulheres rurais. O Comitê foi um espaço estratégico de fortalecimento da auto-organização das mulheres rurais, para incidência nas políticas públicas e na formulação de propostas. Compreendendo ser essa uma estratégia fundamental na prática feminista, de afirmação das mulheres rurais como as representantes de suas próprias demandas e realidades. A partir dos relatos da entrevistada, representante da sociedade civil, e também das Gestoras da DPMR, o Comitê foi um espaço estratégico para tratar as questões relativas à organização produtiva das mulheres e da ATER Mulher. Os projetos desenvolvidos em parceria com ONGs e movimentos sociais voltados para o fortalecimento da produção e comercialização de grupos de mulheres, enfrentaram muitos problemas e dificuldades em sua gestão. Por um lado a DPMRQ tentando aprender o funcionamento da máquina Estatal e enfrentar os entraves da burocracia. Por outro lado, as organizações da sociedade civil, também aprendendo a lidar com esses trâmites e enfrentando dificuldades na gestão dos convênios e da lei de licitação 8666, ainda recente, para a realidade das organizações não governamentais. Em especial para as organizações de mulheres em sua grande maioria com limites de pessoal em suas equipes e no montante de recursos nos seus orçamentos. No espaço do Comitê essas dificuldades eram apresentadas pelas organizações para DPMRQ e cobrado soluções dos problemas. As Gestoras apresentavam as impossibilidades a partir dos entraves da estrutura do Estado, gerando muitas discussões e conflitos como relata a entrevistada:


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As Chamadas começam acontecer dentro do Comitê, trazendo as propostas das Chamadas pra gente discutir, e gerava muitas discussões e conflitos. Sempre foi um espaço de muito desentendimento [...] porque algumas Gestoras era radical na defesa da política e as participantes não sentiam que era assim na prática [...]não concordava como estava sendo feito o procedimento. [...] muitas das discussões eram geradas quando traziam as impossibilidades do próprio Estado [...] aí teve umas das primeiras Chamadas para trabalhar as organizações das mulheres, a ideia era fortalecer a organização das mulheres nessa perspectiva de produção porque as mulheres que estavam em organização mais fragilizadas era difícil alcançar uma Chamada daquela, o MMTR assessorou uma Chamada para trabalhar a comercialização das mulheres no Nordeste. “O desafio da comercialização das mulheres trabalhadoras do Nordeste”. Foi um projeto ótimo, mas a gente tinha várias dúvidas na gestão [...] tivemos que cancelar o projeto pois não tínhamos condições de executar, prestamos conta das atividades realizadas e devolvemos os recursos. [...] Resultando no trauma para todas envolvidas, quando voltamos levamos isso para o Comitê Gestor não sendo só o MMTR, várias organizações tiveram bastantes problemas (Representante da sociedade civil).

Importante observar que há por parte da DPMRQ uma estratégia de apoiar e reconhecer as organizações de mulheres para acessar os projetos e programas. Por outro lado, as organizações apresentam suas fragilidades no acesso e gestão dos recursos públicos, como bem relata a entrevistada. Podemos indicar que havia um processo de aprendizado mútuo, em prol de objetivos comuns. Também podemos destacar que se tratava de relações entre sujeitos políticos, mulheres de diferentes segmentos de movimentos sociais reivindicando seus direitos, e mulheres gestoras tentando garantir esses direitos em uma estrutura do Estado patriarcal e burocrática que não facilitava a execução dos processos. Como analisou uma das Gestoras entrevistadas na pesquisa, já citada anteriormente e que trago aqui para ilustrar as dificuldades vivenciadas por ambos os sujeitos: [...] era fora de cogitação mudar a 8666, não foi feita pra nós, foi feita pra os grandes, pras licitações das grandes obras [...] mas é o que você tem no Estado e o Estado tem limites. Por que não mudou a 866?Porque não se muda por decreto, você não tem força no Congresso, você não tem uma série de coisas, e aí a gente procurava dentro do que existe onde são as brechas e as possibilidades (Gestora II).

Como analisamos até aqui a participação da sociedade civil (representada pelo movimento de mulheres rurais e feministas), integrante do Comitê, desempenhou papel fundamental para efetivação das mudanças no âmbito da organização produtiva e da ATER Mulher. Demonstrou sua capacidade propositiva e de articulação, ampliando seu poder de negociação e de disputas na relação com o Estado, questionando a institucionalidade dominante e as reações de poder, nas instâncias do Estado, mas também dentro dos próprios movimentos sociais mistos.


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Podemos afirmar segundo Oliveira (2001), que esses movimentos desenvolveram estratégias de ação na esfera pública com um caráter desformalizador, por mudar a forma de representação, quando propõe ser as mulheres as representantes dos movimentos e interlocutora com o Estado. Assim como desregulamentador, quando mudam as regras de representação, exigem ser as mulheres os sujeitos das políticas públicas. A exemplo da proposta de no mínimo 50% de mulheres em todas as Chamadas Públicas de ATER e 30% dos recursos voltados para a produção das mulheres. Quando questionado sobre a dinâmica do Comitê, viu-se que havia uma regularidade de reuniões. Segundo a entrevistada acontecia aproximadamente três reuniões por ano. Algumas reuniões eram temáticas, proporcionando momentos de formação e cursos, o que nos leva a compreender que esse espaço também fortaleceu os processos de trocas e de produção de conhecimentos e construção dos consensos. Como cita a entrevistada:

teve um momento que foi bem bacana da Diretoria que foi paralelo as Chamadas [...]a Diretoria convocou um curso nacional sobre políticas públicas para as mulheres, não lembro bem o nome do curso, as pessoas se inscreviam por região [...] várias pessoas do MMTR se inscreveu, a primeira etapa foi em Brasília, teve outra em Salvador e o último juntou as regiões e fez no Sul (Representante da sociedade civil).

Outro destaque foi a construção de laços de amizade e solidariedade entre as mulheres integrantes do Comitê. Oriundas de diferentes regiões, raças, etnias e segmentos dos movimentos sociais rurais, porém ligadas por objetivos comuns e envolvidas na luta em favor dos direitos das mulheres rurais. Um lugar para vivenciar diferentes lógicas e fazer política. A política vivida em suas diferenças, que dialoga com outras dimensões da subjetividade. Um aprendizado amoroso em estar juntas, compartilhar as dores e as vitórias, aprender com as diferenças e se fortalecer para as lutas em outros espaços mistos. Aqui chamamos atenção para discussões que trazem a luta das mulheres para o campo das relações pessoais, como sendo específica das mulheres, em oposição às questões gerais da sociedade. Como analisa Laeticia Jalil sobre a relação entre as mulheres e a luta pela organização e participação política:

Não como uma luta de mulheres, mas como uma questão política em que as mulheres passam a influenciar, questionar e propor outra forma de fazer e de pensar a ação do Estado em relação às políticas públicas[...] (JALIL, 2013, p. 44).


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Chamamos atenção para o papel da DPMRQ em garantir nesse espaço a participação das mulheres dos movimentos mistos, criando assim uma cumplicidade e solidariedade entre elas. Um espaço de mulheres e para mulheres. Como relata a entrevistada da sociedade civil:

[...] a Andrea (diretora da DPMR) teve uma atitude importante na criação do Comitê de realmente fazer com que as mulheres dos movimentos mistos comparecessem. A Andrea não negociava com os homens dos movimentos mistos, acho isso muito importante (Representante da sociedade civil).

A posição da DPMR e suas gestoras de afirmar autonomia das mulheres e o reconhecimento delas como os sujeitos políticos e econômicos, ou seja, afirmar uma posição feminista, causou muitas tensões não só internamente nas relações no Estado, mas também nas organizações e movimentos mistos. Como relata a entrevistada quando se referiu as tentativas de alguns homens de movimentos mistos, desrespeitar as mulheres da DPMRQ:

[...] Houve várias tentativas de vim falar com as mulheres dos movimentos mistos, para desqualificar as mulheres que estavam lá no governo, dizer que eram muito radicais. Mas as mulheres não entraram nessa. A gente entendia o jogo, mas não entrou nessa (Representante da sociedade civil).

Quando indagada sobre a experiência da ATER Mulher, ressalta a insuficiência para atender as demandas das mulheres rurais. Porém afirma sua importância como aprendizado. “Entender que o que a gente teve de experiência de ATER específica ainda foi muito reduzida, mas foi muito valiosa para gente experimentar uma prática do nosso discurso e mostrar para os demais o que é isso”. Também analisa o quanto essas experiências podem ajudar a enfrentar a atual conjuntura social e política no país e destaca as dificuldades para a sustentabilidade do movimento de mulheres nesse momento:

O desafio da auto-organização de financiar nossa sustentabilidade, de permanecer com a autonomia, para a gente ele é muito mais desafiador agora nessa conjuntura. [...] a gente precisa se fortalecer enquanto mulheres para enfrentar tudo isso, e cada vez que a gente foi abandonando nossos espaços específicos e fomos nos fortalecendo nos espaços mistos a gente foi se enfraquecendo, então eu acho que a gente se fortalecendo nos nossos espaços específicos, a gente se fortalece nos movimentos mistos, eu não vejo fazer isso separado, e tanto é que no próprio movimento misto as mulheres continuam sendo violentadas, então não tem outro jeito (Representante da sociedade civil).


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Ainda faz uma análise da conjuntura nesse momento onde aconteceram muitas mudanças no governo do presidente Michel Temer90, como a extinção da DPMRQ e do próprio MDA e consequentemente várias perdas no campo das políticas públicas para as mulheres. Entendemos ser pertinente situar o contexto político que foi desenvolvida essa pesquisa, como analisa Daniele Kergoat quando fala das temporalidades múltiplas e da importância de situar o trabalho de pesquisa:

Explicar temporalidades múltiplas significava reconstituir o meu intinerário. Não por ele ser extraordinário ou exemplar. Simplesmente porque a minha vida, como a vida de todo mundo, está inscrita simultaneamente em temporalidades diferentes, e para mim é essencial situar qualquer trabalho de pesquisa em seu contexto político e social (KERGOAT, 2014, p. 6).

E sobre os impactos na vida das mulheres a entrevistada complementa: [...] então cada vez que esse Estado retrocede é sobre a vida das mulheres que vai ser penalizada, então nós estamos em um momento de que o Estado recua no seu papel de ter as políticas públicas para as mulheres, mas de entender assim que não é só acabando com as políticas das mulheres que nos atinge. As políticas públicas para as mulheres é uma forma de potencializar um processo de desigualdade, então a gente precisa ter política de maneira geral, e a gente precisa ter políticas específicas para alguns segmentos que estão mais distantes desse processo, então precisa ter política para mulheres [...] (Representante da sociedade civil)

Nesse ponto analisamos a partir do depoimento da representante da sociedade civil, o papel do Comitê Governamental Gestor do Programa de Organização Produtiva. Em nossa visão o Comitê cumpriu o seu objetivo de reunir regularmente conforme previsto a sociedade civil para consultar, monitorar, planejar sobre as ações do Programa, assim como promover capacitações e debates com vistas ao fortalecimento da auto-organização das mulheres rurais em seus diferentes segmentos. Aqui observamos esse espaço como construção de diálogos e de conflitos, compreendendo conflitos como elemento fundamental na relação entre sujeitos, que apresentam seus posicionamentos e se colocam em uma arena que não é neutra como o Estado. “Estruturada contra os interesses das mulheres [...] ocasionalmente perturbada por objetivos feministas [...] uma arena onde tanto dano pode ser causado às mulheres, que as feministas não podem se dar ao luxo de abandoná-la” (KENNEY, 2003, p.182 apud PARADIS, 2014, p. 57).

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Michel Temer assumiu a presidência da República do Brasil em 2016 após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff eleita pelo voto popular. Ele era o seu vice presidente pelo partido do PMDB. Enfrenta hoje dificuldades em seu mandato, reconhecido por ilegítimo por não ter sido eleito pelo voto popular. A composição de seu governo é composta majoritariamente por homens brancos de partidos e correntes políticas conservadoras. Vive-se um momento de muitas incertezas e de muitos conflitos no cenário da política nacional e da democracia no Brasil, portanto ainda não temos dados concretos dessa situação.


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Foi a partir desse processo de diálogo e conflitos entre Estado e Sociedade Civil organizada que se constituiu a experiência da ATER Mulher, fruto de uma construção onde a auto-organização das mulheres em ambos espaços indica para nós ter sido fundamental para os avanços aqui destacados. No âmbito da gestão da política pública, observa-se que a estratégia foi a integração entre as políticas públicas, considerando a centralidade da ATER no âmbito da organização produtiva, partindo de uma análise de gênero da realidade rural. O Comitê Governamental Gestor do Programa Interministerial de Organização Produtiva de Mulheres Rurais criado no âmbito da DPMRQ, indica ter sido um importante espaço de formulação e controle social entre essas instâncias, voltadas para incidência da perspectiva feminista no âmbito da política pública em especial relacionada à organização produtiva das mulheres rurais, onde a ATER foi fundamental. Como analisa Rodica Weitzman: Essa nova institucionalidade, que refletiu um maior cuidado com as especificidades das mulheres, foi uma força impulsora para qualificação de programas já existentes e a criação de novas frentes de ação, mediante o exercício constante da intersetorialidade, na procura de possíveis interfaces temáticas e estratégicas (WEITZMAN, 2011, p. 88).

São muitas as questões e abordagens quanto à definição do que seja uma política pública e nos aportaremos na abordagem multicêntrica, onde as políticas públicas são elaboradas dentro do aparato institucional legal do Estado, embora as iniciativas e decisões tenham diversas origens (SECCHI, 2015, p. 1-3).

A abordagem multicêntrica adota um enfoque mais interpretativo e, por consequência, menos positivista, do que seja uma política pública. A interpretação do que seja um problema público e do que seja a intenção de enfrentar um problema público aflora nos atores políticos envolvidos com o tema (SECCHI, 2015, p. 4).

Essa abordagem cabe no caso em estudo. Na nossa análise as mulheres intermediaram um processo dialógico entre o Estado e Sociedade Civil. Sejam as gestoras, sejam as militantes, participaram, decidiram e lideraram processos no âmbito da construção da política de ATER Mulher. Destacamos nesse contexto a luta das mulheres e do movimento feminista no reconhecimento delas como sujeitos de direitos como agricultoras e no exercício de sua cidadania, que exigiram do Estado o reconhecimento do seu papel na organização produtiva, no acesso à uma assistência técnica que atendesse suas demandas. As mulheres problematizam


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a política exigindo uma política pública, como resposta às desigualdades entre homens e mulheres no âmbito da ATER, criando assim uma política setorial. Nesse aspecto a experiência de ATER Mulher demonstrou estar na perspectiva do feminismo da igualdade no âmbito da política pública de Estado, exigindo mudanças e construindo estratégias de paridade na composição das instâncias de participação política e controle social, assim como nas equipes técnicas de ATER e no atendimento do público das chamadas públicas (o mínimo de 50% de mulheres). Por outro lado, compreendemos que a experiência da ATER Mulher não ficou apenas nesse âmbito da igualdade, também reafirmou a necessidade de marcar a diferença reconhecendo as especificidades das mulheres rurais em suas identidades de gênero e valorizando a experiência das mulheres. Sendo assim nossa hipótese é que a política de ATER Mulher parece avançar para uma perspectiva que articula elementos de ambas correntes, numa ideia de paradoxo91, nem uma coisa nem outra.

Como analisa Scott (2005) sobre sua ideia de paradoxo:

[...] igualdade e diferença não são opostos, mas conceitos interdependentes que estão necessariamente em tensão. As tensões se resolvem de formas historicamente específicas e necessitam ser analisadas nas suas incorporações políticas particulares e não como escolhas morais e éticas intemporais.

A experiência de ATER Mulher em seu processo de institucionalização desenvolvido pela DPMRQ em uma relação dialógica com o movimento de mulheres rurais e feminista, demonstra sua contribuição na luta pelas mudanças políticas e pela democratização do Estado a partir da luta feminista. A luta política feminista para despatriarcalizar o Estado e construir as bases para igualdade, como nos provoca Paradis (2014). Nesse sentido nos arriscamos a indicar que a experiência de ATER Mulher contribuiu para alterar o padrão patriarcal arraigado no Estado, e criar novos arranjos e racionalidades, tanto na perspectiva da igualdade quanto na perspectiva da diferença para à recuperação da experiência feminista. No próximo capítulo iremos apresentar a experiência da política vivida, a partir dos olhares das agricultoras e das técnicas envolvidas no projeto ATER Mulher no Sertão do Pajeú.

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Desafia a ortodoxia prevalente, que é contrária a opiniões preconcebidas. Uma proposição que não pode ser resolvida e que é falsa e verdadeira ao mesmo tempo. Ver Scott (2002; 2005).


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Vamos analisar como essa política chega na vida dessas mulheres, as dificuldades enfrentadas, as capacidades desenvolvidas. E em que medida a ATER Mulher modifica as relações sociais na vida das mulheres (no questionamento a divisão sexual do trabalho, nas questões cotidianas), bem como as metodologias e relação com as técnicas.


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4 CAPÍTULO 4 - A POLÍTICA VIVIDA

Quem diz que a mulher não participa da produção econômica do país, Está errado não vê a realidade A mulher vai à roça todo dia, Volta meio dia para o almoço preparar, A tarde volta novamente ao seu roçado Lembrando o gado e o preparo do jantar Na roça produz tudo que precisa Para o país ter boa alimentação Cultiva o milho, a batata, a melancia, Arroz, maxixe, macaxeira e o feijão [...] Por tudo isso tenho profunda certeza E a clareza do que meu canto diz Que sem MULHER não existe produção Sustentação aos destinos de um país! (Nazaré Flor, trabalhadora rural de Itapipoca Ceará, militante do MMTR-NE)

Figura 7 - Comunidade Mundo novo no município de Tabira- Pajeú.

Fonte: Graciete santos (2016).Acervo particular


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4.1 A EXPERIÊNCIA DA CHAMADA DE ATER MULHER NO PAJÉU: A VISÃO DAS AGRICULTORAS E DAS TÉCNICAS

Nesse capítulo vamos apresentar a experiência do ATER Mulher, através da execução do Projeto92 inserido na Chamada Pública ATER Mulher, lote 03 no período de dezembro de 2013 à dezembro de 201693 . Participaram 240 mulheres agricultoras de diferentes municípios da Região do Sertão do Pajéu. Nossa abordagem toma como referência as experiências das mulheres agricultoras (usamos nomes fictícios) e das assessoras técnicas (usamos nomes fictícios), inseridas nesse Projeto. Aqui chamamos de política vivida o estágio onde as ações chegam à realidade das pessoas envolvidas, e são por elas vivenciadas e muitas vezes alteradas ou “adequadas” em conformidade com as suas necessidades, identidades e capacidades. Queremos compreender como essa política aconteceu na prática. Como chegou na vida real dessas mulheres em sua região? Quais os aprendizados e as dificuldades? As relações entre as agricultoras e as técnicas, o que mudou? Houve mudança ou alterações na divisão sexual do trabalho e na autonomia econômica e política em suas vidas? Para tal fizemos um Grupo Focal com as sete agricultoras, como já foi explicado anteriormente e vamos assim, iniciar trazendo suas visões sobre a política, destacando as seguintes questões: i) perfil das mulheres; ii) compreensão sobre o projeto ATER Mulher; iii) avaliação do conteúdo e metodologia; iv) relação técnica e agricultora; v) críticas e recomendações; vi) impactos e aprendizados.

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Esse Projeto foi executado por uma organização não governamental do movimento agroecológico em parceria com duas organizações feministas atuantes na região. O Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá foi a organização proponente da Chamada. Fundado em 1993, trabalha para promoção da agricultura familiar dentro dos princípios da agroecologia. Mais informações ver www.centrosabia.org.br. A execução foi realizada em parceria com a Casa da Mulher do Nordeste-CMN que atua no Sertão do Pajeú desde 2003 e com a Rede de Mulheres Produtoras do Pajéu, criada pela CMN e hoje auto gestionada. Para mais informações consultar www.casadamulherdonordeste.org.br; www.redemulherespajeu.org.br 93 Edital de chamada pública ATER Mulher 2013 cujo objeto é seleção de entidade para prestar assistência técnica e extensão rural para mulheres rurais, preferencialmente organizadas em grupos produtivos com vistas aso fortalecimento da produção agroecológica. Público exclusivamente mulheres agricultoras familiares e/extrativistas , quilombolas, pescadoras, artesanais, quilombolas, mulheres indígenas. Assegurar obrigatoriamente a atividade de monitoria infantil como insumo, para crianças de até 10 anos. Deve ser oferecida com duração igual ao período da atividade coletiva correspondente, assim como profissional contratado(a) para realiza-la.


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Figura 8 - Agricultoras entrevistadas no grupo focal realizado no município de Tabira- Pajeú.

Fonte: Graciete Santos (2016). Acervo particular.

As agricultoras pesquisadas têm idade entre 30 à 56 anos; casadas (apenas uma não é casada nem tem filhos), mães na maioria com 03 a 04 filhos. Todas são alfabetizadas, mas com níveis diferenciados de estudo, variando entre o ensino fundamental94 incompleto, maioria até a quarta série e poucas chegaram ao ensino médio. Com relação à raça, 03 se auto definiram como brancas, 02 como pardas e 01 como morena. Todas têm acesso à água para beber e para produção: cisternas, poços amazonas. Produzem no quintal e na roça95, galinhas, ovelhas, hortaliças, fruteiras, beneficiamento de frutas e artesanato com tecido. Muitas acessam mercados como o Programa de Aquisição de Alimentos-PAA e comercializam nas feiras agroecológicas nos seus municípios. São moradoras de diferentes comunidades dos municípios de Tabira e Afogados da Ingazeira. Aqui destacamos a participação de todas na Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú, através de grupos produtivos, como estratégia de fortalecimento da autonomia e organização política e econômica. Algumas participam do sindicato, do conselho desenvolvimento rural municipal, da diretoria de associação de caprinos e ovinos, e uma das mulheres era integrante do Comitê de Organização Produtiva da DPMRQ do MDA, representando a Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú, como podemos ver nas narrativas.

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Ensino fundamental corresponde hoje do primeiro ao nono ano. Antes chamado de primário e ginasial. O Ensino médio vai do primeiro ao terceiro ano. Antes chamado de científico. 95 Roça aqui significa o espaço maior dentro do agroecosistema, geralmente, de gestão dos homens . Com pouca diversidade, quase sempre monocultivo, ou consórcio de milho e feijão. O quintal é o espaço de gestão das mulheres na agricultura familiar. Marcados pela diversidade de espécies, áreas pequenas de até 1 hectar, próximos a casa. Destacamos que algumas mulheres também trabalham na roça ajudando os homens mas não tem acesso ao dinheiro da venda dos produtos que fica com os maridos.


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Eu participo da associação da minha comunidade, da Associação Agroecológica do Pajéu, Conselho de desenvolvimento rural e urbano-CDRU em Afogados. (Nazaré) Sou coordenadora do grupo de mulheres do Poço Redondo, vice presidente da associação, represento o Conselho Desenvolvimento Rural do município, participo do sindicato, sou sócia na Cresol-Cooperativa de Crédito e também participo dos movimentos religiosos da igreja. (Rejane) Eu coordeno o grupo Neros, sou coordenadora do Grupo Ama aqui no Mundo Novo, sou presidente da Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú, estou na Comissão de Mulheres Rurais do estado de Pernambuco, faço parte do Comitê Gestor de Organização Produtiva(DPMRQ), que eu nem sei se vai continuar, mas faço parte desse Conselho há oito anos. Também faço parte agora do Fórum de Mulheres do Pajeú e de grupos religiosos da minha comunidade e da igreja. (Nazaré)

Destacamos sobre a realidade dessas mulheres a organização produtiva, onde desenvolvem as suas atividades nos quintais96. Entendidos aqui97 como espaços ao redor da casa, com áreas pequenas, em torno de um hectare, e com uma variedade de cultivos: hortaliças, plantas medicinais, frutíferas, flores, além da criação de animais de pequeno porte como cabras, porcos e galinhas. Um espaço de gestão das mulheres. Observa-se também práticas agroecológicas98 como uso de defensivo natural, diversificação das espécies, manejo do solo com uso de adubação orgânica, cobertura morta (com folhas para proteção do solo da evaporação). São nesses espaços que as mulheres produzem conhecimentos, alimento para suas famílias e geram renda. É através dessas experimentações vivenciadas no cotidiano e da troca com outras mulheres, que fortalecem sua ação em rede e sua autonomia econômica. São nesses espaços também que a relação do trabalho produtivo e reprodutivo99 se misturam, e onde as mulheres dividem seu tempo e acumulam as tarefas, entre o quintal e o trabalho com a casa, a comida e cuidados com as crianças. Chamamos atenção para essa divisão onde a responsabilidade das atividades do trabalho da reprodução e do cuidado é das mulheres. Outro ponto a destacar, é sobre a importância da valorização do trabalho realizado pelas mulheres nos quintais no âmbito da agricultura familiar, como analisa Maria Emília Pacheco (2002).

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O termo quintal muda de acordo com a localidade e região no Brasil, conhecido também por arredor de casa, terreiro, jardim e oitão. 97 Ver Santos, 2015. 98 As práticas agroecológicas estão sintonizadas aos princípios da agroecologia em suas dimensões ecológicas (bioquímicos e agronômicos) mas também as interações entre os seres humanos, sua história e sua cultura. Ver Siliprandi, 2015; Caporal, 2015 99 A análise da divisão sexual do trabalho, parte da ideia de separação entre os trabalhos produtivo e reprodutivo. O trabalho produtivo atribuído aos homens realizado fora da casa e o trabalho reprodutivo realizado pelas mulheres no espaço da casa. Para mais informações ver os trabalhos de Daniele Kergoat, 2003; Helena Hirata,2003; Maria Emília Pacheco, 2005 entre outras.


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As mulheres adquiriram historicamente um vasto saber dos sistemas agroecológicos. Desempenham importante papel como administradoras dos fluxos de biomassa, conservação da biodiversidade e domesticação das plantas, demonstrando em muitas regiões do mundo um significativo conhecimento sobre as espécies de recursos genéticos e fitogenéticos, e assegurando por meios de sua atividade produtiva as bases para segurança alimentar [...] Esse papel é tão mais importante quando consideramos que a conservação e o uso da biodiversidade constituem-se como ponto-chave para a defesa da agricultura e do agroextrativismo familiar, bem como simultaneamente , que a biodiversidade é protegida pela diversidade cultural. (PACHECO, 2002, p. 20).

Segundo Emma Siliprandi e Maria Emília Pacheco (2015), seria necessário para reverter a situação de invisibilidade do trabalho das mulheres, enfrentar a questão do poder existente na relação familiar entre o homem e a mulher. Para tal, oferecer apoio a organização produtiva das mulheres (terra, assistência técnica, crédito) para que possam desenvolver suas capacidades de maneira igualitária e justa. Segundo as autoras, essa discussão leva a desconstruir o mito da família como um conjunto harmônico e integrado, em que todos exercem papéis complementares, sem opressão. Destacam a necessidade de reconhecer que a família é também um espaço onde se reproduz relações desiguais de poder entre homens e mulheres. Chamam atenção e afirmam que a agroecologia terá que se aproximar dessa discussão sobre o caráter familiar da agricultura camponesa. Analisa Pacheco,

as relações homens e mulheres no âmbito familiar e a forma como a família é constituída e reproduzida são tão importantes quanto as relações de classe, quando se trata de explicar as diferenças sociais do campesinato, assim como a sua reprodução social.(PACHECO, 2005, p. 2 apud SILIPRANDI, 2015, p. 103).

Chamamos atenção para esse contexto por entendermos ser fundamental para compreender as bases da organização produtiva das mulheres nessa região, marcada por relações patriarcais na família como veremos a seguir nos depoimentos e análises das agriculturas e das técnicas nesse capítulo. Para ilustrar, apresentamos os relatos de uma agricultora e de uma técnica, quando falam sobre a situação das mulheres na relação na família e sobre a violência sofrida em suas práticas de produção e de transição agroecológicas. A agricultora Nazaré relata a situação das mulheres em seu grupo e de como o Projeto ATER Mulher ajudou a enfrentar o machismo em sua região.

[...] Eu moro sozinha, né, mas vejo isso nas demais, minhas vizinhas mesmo, minha irmã. Eu acho que tem melhorado sim nesse sentido de esclarecimento, de compartilhamento, porque eles passaram a entender, num é, que tem as mesmas obrigações, não é , os mesmos deveres. Então tá tendo um entendimento, pouco ainda! Eu acredito, pouco. Mas foi plantada a sementinha alí. Algumas mulheres do Grupo


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Ama, já tão mais avançada, já deram um passinho a mais, né, que já é importante essas discussões nas oficinas, nas capacitações, com as orientações, com as rodas de conversas. A gente conversando, debatendo sobre isso, aos pouco eles tão começando a entender. Porque é um trabalho difícil nós moramos na região Nordeste, uma região muito machista, dos homem não gostar de fazer nada dentro de casa, pois acha que num é tarefa deles. Então, isso pra gente tá sendo implantado dessa forma, a gente tá tentando trabalhar isso com o grupo, passando isso pras mulheres. Algumas delas tão assimilando bem. Os esposos mais jovens, eles estão entendendo melhor isso, tão vendo que eles precisam participar, que tá sendo um novo ciclo que tá sendo formado, né e que eles vão ficar de fora! Então isso tá chegando aos poucos. É um tema que a gente tem que trabalhar mais na nossa comunidade, trabalhar mais no grupo. [...] eu vi aqui dentro do grupo que tinha esposo que não ajudava a esposa–falo ajudar eu não gosto disso! Eu gosto de “compartilhar”-nada com a esposa em tarefa doméstica, e hoje já faz! Então já houve um avanço, pouco tímido, mas tá acontecendo. (Nazaré).

Sobre a violência vivenciada pelas mulheres no âmbito das práticas agroecológicas a assessora técnica Helena, chama atenção para importância de valorizarmos a afirmativa construída pelo

movimento feminista e agroecológico,

Sem feminismo não há

Agroecologia.100Essa afirmação provoca a pensar sobre a relação entre a agroecologia e o feminismo, os pontos de convergências e tensões. Desafia a agroecologia como ciência, movimento e como prática, a superar as relações de poder entre homens e mulheres na família, e a opressão e exploração vivenciadas pelas mulheres em sua organização produtiva.

[...] a gente tem um lema sem feminismo não há agroecologia. Como a gente pode discutir agroecologia, quando as mulheres estão sendo desrespeitadas? Por aí a fora acha que agroecologia é só não usar veneno, mas é não existir violência contra às mulheres, é também não ferir a terra, não usar enxada, tem todo um processo de cuidar, da terra[...] se ainda existe violência não existe agroecologia completa. Temos práticas agroecológicas, troca de insumos, várias que proporcionam, mas quando a gente volta pra sem feminismo não há agroecologia, acho que a gente quer e pensa para o mundo, são poucos os exemplos. A gente vai caminhando porque a gente quer e acredita e quer que chegue. (Helena técnica)

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Essa afirmação surgiu no debate com algumas feministas no VIII Congresso Brasileiro de Agroecologia em Porto Alegre em 2013. Depois passou a ser o lema do GT Mulheres da ANA no III ENA em Juazeiro em 2014.Ver em www.agroecologia.org.br


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Figura 9 – Seminário de avaliação final do ATER Mulher em Afogados da Ingazeira.

Fonte: Graciete Santos (2016) Acervo particular.

Vamos observar a partir dos relatos nesse capítulo, que muitas dessas mulheres já desenvolviam sua produção e comercializavam seus produtos nas comunidades e nas feiras nos municípios, antes do Projeto ATER Mulher. Nos relatos das agricultoras e técnicas, fica evidente que já havia um trabalho de assessoria desenvolvido por uma organização não governamental feminista101, nessa região, antes da chegada do Projeto ATER Mulher. Reconhecer a existência de uma ATER Feminista desenvolvida por algumas organizações, embora poucas, antes da formulação da política de ATER, ajuda entender o processo de construção da ATER Mulher, como vimos no capítulo anterior. Vejamos o que dizem algumas mulheres sobre o acesso à mercados em seus municípios. Eu já participava das feiras na minha comunidade. Agora eu participo na feira do município e vendo para o PNAE da prefeitura. E também na minha comunidade. (Maria). É melhorou bastante. Porque eu já vendia nas feiras há muitos anos. Aí depois da chamada ATER Mulher, aí eu comecei entregar no PAA do IPA. É um programa muito bom! [...] entrego galinha, ovos, bolos. (Nazaré). [...] tenho o quintal produtivo, não estou vendendo ainda porque tô no começo, tô implantando agora. Mas eu sou costureira, eu vendo na comunidade. [...] sou representante também de algumas mulheres nas feiras pela Rede, quando tem produto a gente leva. [...] meu objetivo é criar e vender galinha e ovos aqui no sítio. (Nazaré).

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A Casa da Mulher do Nordeste desenvolve práticas educativas e assessoria feminista no Sertão do Pajeú desde 2003. Para mais informações consultar www.casadamulherdonordeste.org.br


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O Projeto fortaleceu as capacidades produtivas já existentes e ampliou o acesso à mercados. Destacamos também que, apesar do tempo limitado de execução, (dois anos) o Projeto construiu uma metodologia afinada com a realidade e demandas das mulheres. Essa é uma questão a ser problematizada no Projeto, o tempo insuficiente para se obter resultados do processo de organização, produção e comercialização. Em nossa análise dois elementos contribuíram para os avanços e resultados: a maioria das mulheres já produziam e comercializavam nas comunidades e feiras locais, e já haviam recebido assessoria antes de uma organização feminista. Comecemos pela compreensão do Projeto ATER Mulher para essas agricultoras, A política de ATER Mulher envolve tudo, né. Envolve aqui, a comunidade, a sua. Como se diz, seu convívio no dia a dia como agricultora e cidadã né. (Ana). [...] através do ATER Mulher eu comecei entregar as minhas polpas e bolo no PAA. O PAA é um programa muito bom (Severina). O ATER Mulher é diferente porque tem as capacitações que a gente aprendeu nos intercâmbios sobre as plantas medicinais para fazer remédios. Tanto ensina como aprende também. E a convivência do dia a dia com a violência que as mulheres sofre, que não é pouca. É muita! E tudo isso é esclarecido nas oficinas de ATER para Mulher. Por isso acho que é diferente das outras (Ana). O ATER Mulher é diferente, [...] ele é direcionado para as mulheres do campo. Então assim procurando atender as necessidades dessas mulheres. Porque procura ouvir a mulher, saber o que ela mais necessita na sua comunidade e como pode ser feito. Com a parceria das técnicas, com a agricultora alí discutindo, procurando o melhoramento das suas hortas, dos seus quintais produtivo. Essa é a razão de ser uma ATER específica que procura entender, procura o que as mulheres mais necessita (Nazaré ).

Para essas mulheres o Projeto atuou em várias dimensões de suas vidas: como o acesso à novas tecnologias e conhecimentos, na forma de fazer agricultura, na relação com a política, acesso à mercados, na maneira de pensar e agir como mulher no mundo. Nazaré analisa a importância desse Projeto em sua vida, ressaltando os aprendizados e conhecimentos adquiridos. Segundo ela o que se aprende não tem preço! E conclui dizendo que quando você tem o conhecimento, você tem aquela capacidade, você pode fazer. [...] sobre o auto consumo, o projeto aqui na nossa comunidade, melhorou bastante a nossa alimentação. Eu tenho meu quintal, mesmo eu não tendo pra vender, mas eu tenho pra consumo. Minha criação de galinha está pequena mas eu como ovos e a carne que já não compro. As meninas aqui na comunidade tem horta, pra gente facilitou, porque pega um coentrinho verde, vai alí na colega pega o pimentão, tem a cebolinha, tem o alface, tem o couve. Isso a gente tem uma alimentação hoje mais saudável, bem melhor aqui na nossa comunidade, de um preço acessível mais que na rua, melhor ainda, porque a gente compra na própria comunidade. [...] Então, houve uma troca, houve essa experiência, houve esse conhecimento. Financeiramente houve um crescimento do projeto ATER aqui dentro do grupo AMA. Porque tiveram novas


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técnicas de conhecimento de como reaproveitar melhor as sementes, a água, plantar de uma maneira correta, ter menos desperdício. Pra mim, isso foi ganho! Sem contar que eu considero bastante o ganho do aprendizado, porque eu acho que o ganho do conhecimento , aquilo que você conhece, aprende, não tem preço. [...] as vezes no meu grupo se fala muito no fomento, muito em dinheiro[...] mas se agente levar em consideração o que a gente recebe dentro do projeto desse, que eu sempre falei isso, que pra mim é o mais importante, tá? Quando você tem o conhecimento, você tem aquela capacidade, você pode fazer (Nazaré).

O relato da agricultora Nazaré, revela elementos da economia feminista, conceito trabalhado no capítulo 2, e conteúdo fundamental na metodologia da ATER Mulher. Ela ressalta o valor do bem-estar em sua vida através da alimentação saudável, das trocas solidárias entre as mulheres em sua comunidade, no valor imaterial do conhecimento, e do auto-consumo, princípio fundamental para agroecologia e para a economia solidária. Por fim ressalta o conhecimento como uma capacidade para fazer você mesma algo em sua vida. Aqui retomamos Carrasco (2012) em seu estudo, Estatísticas Sob Suspeita, citado no capítulo teórico dessa dissertação. Como vimos anteriormente, essa autora se aporta no conceito de desenvolvimento de Amartya Sen102, e a partir da economia feminista desenvolve o enfoque das capacidades. Compreende que a centralidade está nas necessidades humanas, e na oferta de oportunidade para as pessoas desenvolverem capacidades e escolherem o que querem para suas vidas. Capacidades aqui expressa no relato de Nazaré, no conhecimento sobre agroecologia e economia feminista que fez com que ela escolhesse mudar sua alimentação e investir em seu quintal produtivo103, onde contribui para sua segurança alimentar através do auto-consumo e das trocas de produtos com outras mulheres. Sua experiência demonstra ser um bom exemplo de indicadores com base na experiência das mulheres, como fala Cristina Carrasco. Em seu estudo indica algumas capacidades104 que aqui destacamos à saúde, à educação e ao conhecimento, que dialoga com a experiência de Neves aqui registrada. Quando indagadas sobre a relação com as Técnicas, observa-se nos relatos das agricultoras, a ênfase na amizade e aprendizagem estabelecida entre elas no desenvolvimento do Projeto.

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Ver, principalmente Sem, 2010. Quintal produtivo é um termo usado pela assessoria técnica feminista, para valorizar esse espaço como sustentável economicamente: auto consumo, segurança alimentar, saúde , renda em contraponto a ideia que desvaloriza o trabalho das mulheres e não considera como parte do agroecossistema. 104 As capacidades do estudo de Carrasco são: acesso à água, à educação e ao conhecimento, a um espaço doméstico adequado e seguro, a um trabalho remunerado e a rendimentos, à mobilidade, aos cuidados, ao tempo livre, a uma vida livre de violência , à participação social e política na comunidade e, por fim, inclui indicadores específicos para população imigrante (Carrasco, 2012, p. 21). 103


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Algumas falam de parceria e chegam a destacar que há uma troca entre elas, tanto ensina como aprende também. Indicando assim ser uma relação horizontal, onde a troca de saberes parece acontecer entre técnica e agricultora. Também enfatizam que a assistência técnica praticada por técnicas mulheres é melhor porque elas se sentem mais à vontade que por técnicos homens, e vale salientar que essa assessoria já vem sendo acompanhada por outros projetos há algum tempo, ou seja, há mais tempo que o do projeto ATER Mulher o que assegura essa intimidade. Vejamos o que elas analisam sobre essas questões.

[...] é diferente sim! Porque com os homens as mulheres ficam mais tímida e com as técnicas mulheres a gente desenrola e num fica envergonhada (Hilda). [...] as técnicas mulheres são mais sensíveis aos grupos de mulheres [...] (Nazaré). [...] a gente tem coisas que aprende muito com elas, elas aprende com a gente. E o convívio, a união do grupo também. É muito bom! A gente convive todos unidos aqui (Ana). A gente se dá muito bem com a técnica. Ela desenvolveu um sistema com a gente muito bom . A gente aprendeu a produzir muito. Ela dá força para gente produzir no nosso quintal. Se a gente desanima, ela dá muita força para gente. Sempre tá alí fortalecendo mesmo (Hilda). [...]a nossa convivência com elas foi como de amizade e carinho. E quando elas sai, nos deixa uma grande saudade. Porque nós se damos muito bem com todas técnicas que já trabalharam no nosso grupo (Severina). [...] foram ótimas, foram bem recebidas e a gente também fomos bem acolhidas por elas. E assim a gente tem no nosso grupo junto com elas muita união, muito carinho, amizade e diversão, porque a gente se diverte também (Ana). [...] assim a gente convive com as técnicas uma vivência assim de irmã. Ah! quando sai deixa muita saudade. Demora um pouquinho! Ave Maria! Por que foi que a técnica da gente não chegou aqui? Elas ensinaram muito mesmo! A gente não tem o que falar de jeito nenhum! (Raimunda).

Essa também foi uma observação feita pelas técnicas quando se referem que as agricultoras preferem técnicas mulheres porque acham que são melhor entendidas, sentem –se mais à vontade para falar de assuntos relativos à sexualidade ou a violência por exemplo. Essa questão indica para a política de ATER, o quanto se faz necessário trabalhar a formação sobre gênero e feminismo nas equipes técnicas, as questões específicas e que é necessário entender que existem questões do campo da subjetividade feminina que só compreende quem vive e senti, pois vivemos numa sociedade patriarcal. Outra questão é considerar que no contexto vivenciado pelas mulheres agricultoras, marcado pelo patriarcado nas relações familiares, onde muitos dos maridos não permitem que


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suas esposas ou filhas sejam acompanhadas por técnicos homens, faz com elas sejam excluídas dos processos de formação, dos cursos, intercâmbios e oficinas. Outro ponto que aqui chamamos atenção, é para os riscos com a proximidade e os laços de amizade criados com as técnicas enfatizados pelas agricultoras. É inquestionável a importância de haver uma avaliação positiva sobre as técnicas de respeito, cuidado e afeto e, como elas mesmas colocam, de aprendizado mútuo. Cabe aqui, o olhar de pesquisadora, questionar, estranhar, problematizar a realidade estudada, como nos fala Bourdieu (1999). E sobre isso indagamos, pode essa relação criar uma “certa intimidade” levando a confundir os papéis de cada uma, escondendo e dificultando explicitar as tensões? A relação de poder? As críticas e as insatisfações ocorridas no processo? Essas são questões que precisam ser observadas e consideradas. Vamos agora analisar a metodologia utilizada no Projeto, considerando o que foi concebido pela DPMRQ a partir do previsto no Edital 105, a visão das técnicas, das agricultoras pesquisadas e também da leitura de alguns relatórios técnicos de atividades106. No Edital está previsto o desenvolvimento de metodologias participativas e de temas como divisão sexual do trabalho, a economia feminista e solidária entre outros, como transcrevemos abaixo. Deverão ser abordados os conceitos de economia feminista e solidária, de igualdade de gênero, divisão sexual do trabalho, trabalho não remunerado, socialização do trabalho doméstico e dos cuidados, organização produtiva das mulheres [...] (Chamada Pública número 10/2013/DPRQ/MDA, p. 7).

O Projeto foi desenvolvido baseado nos princípios feministas, conteúdos e metodologia proposta pela DPMRQ e prevista no referido Edital. Os relatos das agricultoras indicam que o Projeto trabalhou com uma perspectiva ampla sobre ATER, articulando outras dimensões para além da econômica e produtiva, como a política, a sexualidade e subjetividades também. Em nossa análise existe coerência entre as narrativas das Gestoras107 e das Agricultoras quando se referem à importância da ATER Mulher incidir nos conteúdos e na ampliação da visão feminista. [...] a gente está discutindo a necessidade de superar a contradição do trabalho produtivo e reprodutivo, são todos trabalhos e precisam estar articulados, então preciso discutir isso com a ATER, porque se eu não discutir a economia feminista nesse tema, [...] a ATER vai pra campo e vai reproduzir os processos históricos de desigualdades, vai deixar a mulher dentro de casa, cerceada de direitos [...] (Gestora II). 105

Edital Chamada Pública ATER Mulheres 2013. Ver www.mda.gov.br. Relatórios de atividades elaborados pelas técnicas executoras enviados para a DPMRQ-MDA. Ver nos anexos. 107 Ver o capítulo 3 sobre a visão das Gestoras da DPMRQ. 106


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Vejamos o que dizem as Agricultoras sobre esse ponto em diálogo com o levantado pela Gestora acima. Nas primeiras reuniões teve um levantamento das necessidades, dos nossos desejos, das nossas curiosidades, das nossas dificuldades. [...]primeiro elas ouviram a gente, que eu acho que foi um ponto positivo. Ouvi nossas necessidades, o que estávamos querendo. Daí partiu o trabalho delas trazer o conhecimento pra comunidade. [...] então houve muita troca de conhecimento do nosso saber, valorizar o nosso saber, né, e trazer as técnica para auxiliar o nosso saber. Muitas trocas de experiências, muito relatos dentro dessas oficinas por pessoas mais velhas [...] as vezes a gente sabia fazer as coisas mas faltava um pouquinho pra melhorar [...] ( Nazaré). [...] tem um ponto bem positivo porque estamos aprendendo dentro da nossa realidade. Isso é uma coisa que a gente quer registrar. O compromisso delas com os grupos é bem importante ( Nazaré). [...] recebemos capacitação para beneficiar nosso produto, também a melhorar nosso artesanato, ampliar e diversificar nossa produção (Ana). Pra mim foi de grande importância, porque eu gosto de criar galinha, aves, e a técnica me orientou e me explicou como cuidar delas, alimentar com ração natural, com as planta o resto das frutas com milho. Também como organizar o galinheiro (Hilda). Assim, pra mim também ela ajudou na criação das minhas galinhas. Como arrumar, cuidar da água pra não adoecer. Preparar remédio caseiro do quintal mesmo( Raimunda) As técnicas foram na horta, colocamos mão na terra, aprendermos a manejar o solo, fazer adubo [...] Teve também oficina de forragem, na prática botando a mão na massa, indo pra o campo [...] (Nazaré).

Para além do conhecimento técnico relativo à produção das agricultoras foram trabalhados diversos temas como a violência, acesso à direitos, feminismo, a divisão justa do trabalho doméstico, agroecologia entre outros. O que chamamos atenção é para metodologia usada nesse Projeto, compreendendo a integração de todas essas questões, a valorização do conhecimento das mulheres e suas vivências individuais e coletivas. A convivência com o semiárido é também um destaque para os processos metodológicos desenvolvidos pelo Projeto. Vejamos o que dizem as agricultoras.

Na questão da violência foi tratado sim. Porque, muitas vezes a gente pode achar que a gente só tá sofrendo violência se o marido chegar junto da gente e dá um tapão nas orelhas da gente. Não é bem assim! A gente pode tá sendo violentada dentro da casa da gente em todos os sentidos. Quando a gente quer participar de uma reunião que o marido se opõe, ele tá violentando os nossos direitos. Quando a gente chega cansada do serviço porque tava trabalhando, ele às vezes quer fazer sexo e agente não quer. Ah! Vai fazer isso assim pra mim. Tudo isso são formas de violência. E todas essas questões foram tratadas. Eu achei muito importante, porque às vezes se dentro de um grupo a gente tem duas ou três que já tem conhecimento do que significa a violência contra a mulher a gente ajuda as outras (Rejane). Teve oficina nesse sentido, muito boa. Muito debatida, quais os nossos direitos. Isso veio esclarecer muitas coisas que a gente não sabia. É um tema que aqui é difícil de


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ser tratado. Tem muita coisa a fazer nessa área de violência contra a mulher, dentro dos grupos de mulher, principalmente na zona rural. [...] na comunidade rural é mais difícil saber quando uma mulher sofre violência, porque mora longe uma da outra né? As vezes ela sofre lá. Eu não tô falando só da violência física, não, eu tô falando da violência mental que é uma agressão, como ele trata a mulher [...] essa oficina que a gente teve nos orientou [...] é um tema pra ser trabalhado ainda, que eu acho que tem dar continuidade em outros sistemas, em outras atividades, ele precisa ser mais trabalhado.(Nazaré) Também foi debatido sobre as políticas públicas [...] no Brasil há indiferença grande entre homem e mulher né? Como reagimos, como correr atrás, como lutar pra isso (Ana). Assistimos vídeos, debatemos sobre violência. A gente falou muito [...] que as mulheres também assim, às vezes é agredida por palavras e não entende que é uma agressão. Pensa que é agressão só quando o marido bate nela. Elas escondem com vergonha. Porque tem muitas mulheres que são agredidas e não falam pra gente (Raimunda).

Percebe-se que o tema da violência é algo que precisa ser trabalhado e enfatizado na política pública. Viu-se que muitas não sabiam sobre os vários tipos de violência além da física. Em suas narrativas observamos que algumas sofrem violência e que os momentos de discussão e formação proporcionados pelo Projeto, ajudou-as entenderem sobre suas vivências e de outras mulheres de suas comunidades. O tema da violência ainda é algo velado que necessita de tempo e continuidade do processo para que as mulheres se fortaleçam e possam se colocar e denunciar. Por outro lado, falta ação por parte do poder público nos municípios rurais. No território do Pajéu, não há delegacias especializadas nem qualquer ação de apoio às mulheres que sofrem violência, o que não é diferente da realidade dos municípios rurais da maior parte do país. Outro tema mobilizador destacado pelas mulheres, foi a divisão justa do trabalho doméstico e de cuidados, presente nas rodas de conversa e práticas educativas do Projeto ATER Mulher no Pajeú. Porém ainda são poucos os avanços no cotidiano das Agricultoras. Observamos que há o reconhecimento por parte delas que não é obrigação nem natural apenas as mulheres serem as responsáveis por esse trabalho. Portanto estão mais conscientes sobre seus direitos. Também passaram a valorizar o trabalho realizado por elas em casa e em seus quintais, e assumirem uma postura mais firme e segura diante dos seus maridos. Percebe-se haver novos arranjos na família, mudanças na postura dos homens quando elas viajam ou saem de casa, quando alguns homens assumem o trabalho doméstico. Mas o cuidado com as crianças parece haver pouca mudança, pois muitos homens se negam a ficar com os filhos. Nas entrevistas com as técnicas foi apontado que são as mulheres jovens que têm conseguido superar essas barreiras na relação com seus maridos em especial o cuidado com os filhos e filhas.


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Vejamos o que dizem sobre a divisão sexual do trabalho, como foi trabalhado no Projeto e como impactou em suas vidas cotidianas. Esse tema ajudou muito, porque foi nesse encontro que eu descobrir o quanto eu trabalho. Aí hoje eu tenho coragem de dizer ao meu marido, eu sou esposa, mãe, dona de casa, eu lavo, eu passo, trabalho na roça, ajudo ele em tudo. Eu chego até a dizer a ele, assim que eu deveria ganhar um salário. Pra eu tá, pra gente tá em casa né? O tanto de coisa que a gente faz. Cuida dos animais, das criações que tem, ajuda na roça, cuida de casa, de menino. Dá conta de tudo! As mulheres bem que poderia já receber!(Rejane). Mudou lá em casa mudou! Porque encorajou mais né? A gente criou mais coragem (Hilda). Eu antes dessas capacitações, desses debates dentro do nosso grupo, eu fazia o serviço todo em casa, cuidava dos meninos. Assim, para mim o serviço era meu. E depois dessas discussões, desses debates dentro do grupo, mudei. Hoje meu marido me ajuda bastante, não só dentro de casa, como dos filhos. Já cheguei até viajar e deixar meus filhos três ou quatro dias com ele, sem me preocupar. Porque no começo eu achava que o serviço era só meu, mas sabendo, agora, que é dele também. Os direitos são iguais!(Ana). Assim, pra mim também, foi debatido aqui esse tema. E pra mim, assim, foi um tema muito bom também. Eu só que vô fazer as coisa em casa. As vezes eu saía, chegava em casa se não tivesse almoço pronto, chegava cansada da feira, de qualquer lugar, já tinha trabalho, ele você fez almoço? Ele, “não”!. Apôis, eu também num vou fazer, não! (risos). Porque o direito, assim pelo debate com as meninas, com as técnicas daqui, eu aprendi que as tarefas de casa não pode ser só minha.Porque também eu num ajudo ele fora? Ele também pode me ajudar muito bem em casa! Então, assim, eu cheguei pra ele e conversei: ou você faz ou, então, morre de fome! Porque, eu já comi fora. Então, faça também pra você e pros menino da gente, porque os meninos, os filhos não só da mulher. Tem que os dois tomar de conta dos filhos, cuidar da casa e da roça e de qualquer lugar. Os dois que tem direito (Raimunda). Complementando, assim, elas nos orientaram também nesse debate [...] mas não é assim pra criar conflito dentro de casa entre o esposo e a mulher, mas sentar e conversar, e dividir as tarefas (Maria). Eu também faço a mesma coisa que nem as meninas tão falando. Eu comprometo mesmo elas. Hoje mesmo era uma atividade pra eu entregar bolo. Aí eu recebi o convite pra vir. A menina foi me dá o convite sábado, na feira. Aí, eu digo, ói! Eu vou conversar com ele, ele vai ter que fazer a entrega, e eu vou pra reunião [...] Aí ele disse “E aí? Eu disse: você vai entregar, eu arrumo tudo, você vai, entrega os bolo. E quando chegar em casa, vai cuidar do almoço, vai dar água aos bichos, vai cuidar de tudo. E quando eu saio passo o dia fora, ele fica, ele toma de conta. Ele dá cumê a galinha, bota água, dá cumê a pinto. Ele ajeita tudo ( Severina).

E quanto ao trabalho fora de casa, na roça, no quintal, na feira e na reunião política, como é dividido esse trabalho? Veremos como as mulheres vão negociando e criando estratégias de irem se libertando. Ele, quando eu tô em casa ele vai pra roça, aí eu fico dentro de casa, porque só é nós dois, num tem criança, mas ele me ajuda. Eu saindo, ele me ajuda o suficiente. Tem o trabalho lá da roçaque trabalha nós dois junto, ele me ajuda muito. Só que tem uma coisa: ele me deu trabalho pra conseguir. Eu conseguir! Mas eu fui devagarinho e


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consegui! Porque ele é uma cabeça muito dura, mas eu consegui!E que vê ele gostar era dizer “não vai pra reunião”! Eu digo, eu vou! (risos) ( Severina). É pra mim também foi importante, porque a gente, sempre cada uma tem seu serviço. Agora, a gente trabalha tudo num serviço só. A gente trabalha na feira, vendendo, e trabalha plantando. Então, ele me ajuda porque eu também não posso fazer sozinha, e nem ele faz só. Então, a gente trabalha os dois no serviço. Só que o serviço de casa é meu! Mas a gente, essa parte aí das coisas a gente sempre trabalha os dois. Mas na casa ainda não deu não. Só a comida, se eu não tiver em casa. Mas como eu tenho quem faça, [...] quando eu saio de casa fico com uma moça em casa, e se não fica ninguém ele pelo menos faz alguma coisa pra comer. [...]Quando saía tinha aquela preocupação de deixar os menino. Eu tinha a preocupação de levar, deixar não! E agora, saio, deixo passo três quatro dias fora. [...] agora ninguém mais me prende. Eu quero ir pra lugar, eu vou! Achou ruim ou bom eu vou! Não preciso de opinião; Só faço informar que vou. Não peço ( Maria).

Sobre o trabalho de cuidados no Edital da Chamada Pública108, está previsto serviços de monitoria infantil, como forma de apoiar as mulheres para participar das atividades fora de casa com mais qualidade e tranquilidade. Como está transcrito no trecho abaixo, a contratada deverá assegurar obrigatoriamente a atividade e monitora infantil como insumo para crianças de até 10anos. A monitoria infantil deve ser oferecida com duração igual ao período da atividade coletiva correspondente, assim como o(a) profissional contratada(o) para realiza-la (Chamada Pública número 10/2013/DPMRQ/MDA).

Essa exigência é fruto da luta do movimento feminista por igualdade de condições para as mulheres. ATER Mulher inova no contexto das políticas públicas de ATER, chamando atenção para a responsabilidade do Estado no apoio ao trabalho de cuidado na família. Vejamos o que dizem as mulheres sobre a monitoria infantil no processo de execução do Projeto em suas comunidades. Teve esse apoio no projeto ATER Mulher, algumas atividades de capacitação aqui no grupo, havia duas técnicas e uma monitora que ficava com as crianças. Aqui em casa mesmo, aqui na sala de casa, com atividades recreativas para as crianças. [...] enquanto as mães estavam lá assistindo. A gente fazia aqui na garagem nossas reuniões. Nós tava lá e as crianças tava sendo atendida (Nazaré). Eu como mãe de um bebezinho pequeno também. Eu ainda amamentava, eu não podia deixar a minha criança em casa. Aí as técnicas traziam a monitora pra cuidar deles e elas também coordenavam. Foi uma coisa muito boa! ATER Mulher foi assim, a gente conversava muito, elas cuidava da criança da gente. [..]era umas pessoas, assim que a gente tinha confiança nelas porque já tinha o convívio com as monitora, com as técnica. [...] se foi as técnica que a gente tinha convívio traziam as monitora, então a gente confiava muito. E foi, era uma coisa muito boa mesmo! Pelo menos a gente não precisava ficar em casa cuidando da criança, porque num podia ir pra reunião porque tinha uma criança pequena, A gente vinha, entregava a criança a monitora e elas cuidava muito bem dela (Raimunda).

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MDA Chamada Pública número 10/2013/DPMRQ/MDA.


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O compartilhamento do trabalho do cuidado na família é uma questão crucial para se pensar a autonomia econômica das mulheres. Como vimos nos capítulos anteriores, esse trabalho é assumido pelas mulheres em seu cotidiano, e está naturalizado à sua identidade de mulher e mãe, trazendo impactos na sua condição enquanto agricultora e dificultando sua autonomia econômica. A economia feminista ajuda a pensar sobre a centralidade do trabalho doméstico e de cuidados para a sustentabilidade humana. Portanto o que queremos ressaltar aqui, é a valorização e visibilidade desse trabalho de cuidados como questão fundamental a vida social, econômica e política no âmbito da agricultura familiar. A experiência do ATER Mulher trouxe para agenda dos movimentos sociais do campo a discussão sobre o trabalho de cuidados, trabalho doméstico e creche no meio rural. Esse último tema ainda com pouco acúmulo e sem conclusões sobre qual o modelo mais adequado. Aqui chamamos atenção para necessidade de avançarmos para além de garantir a oferta de serviços de monitoria infantil na política de ATER, reconhecer o trabalho de cuidados e o trabalho doméstico como parte da sustentabilidade econômica das práticas agroecológicas nos agroecossistemas. Sendo assim entendemos ser fundamental o investimento em processos educativos109 para descontruir a ideia que a responsabilidade do trabalho doméstico e de cuidados é apenas das mulheres. Portanto estamos falando de mudanças de práticas e de valores, onde a estratégia seja a divisão justa do trabalho doméstico e de cuidado, entre homens e mulheres na sociedade e com o apoio do Estado. Entendemos que o Projeto ATER Mulher no Pajeú deu sua parcela de contribuição, mas é necessário uma continuidade dessas ações como avaliado pelas agricultoras e pelas técnicas entrevistadas nesse trabalho. Vimos que os princípios da Agroecologia e do Feminismo, são estruturantes desse Projeto. A metodologia usada nos processos formativos e de assessoria impactaram as práticas produtivas e as relações de gênero no contexto da família, segundo relato das entrevistadas. Na visão das agricultoras foram muitos os aprendizados e muitos também são os desafios de garantir as práticas agroecológicas, seja no âmbito da convivência com o semiárido, seja na resistência dos maridos em mudar suas práticas.

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Citamos um exemplo de uma ação educativa nesse tema. A campanha Pela Divisão Justa do Trabalho Doméstico: direitos são para mulheres e homens , responsabilidades também(lançada em março de 2017)construída pela Rede ATER Feminista em parceria com várias ONGS feministas e movimentos de mulheres rurais, UFRPE, UFC. Essa campanha está inserida no âmbito do Projeto Organização Produtiva de Mulheres e Promoção da Autonomia por meio do Estímulo às Práticas Agroecológicas, em parceria com a DPMRQ-MDA coordenado pela UFRPE e desenvolvido de 2014-2017.


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Lá foi tratado sim a agroecologia, na verdade reforçado porque já era tratado há tempos pela Casa da Mulher do Nordeste. Todas as técnicas que trabalhavam lá com a gente elas tratavam da agroecologia. E mudou muito, assim, a forma da gente trabalhar e também orientar os esposos da gente, porque eles, tudo deles era veneno, queimar tudo, danar veneno. “vamos passar veneno”! Se era uma roça de milho, “vamos passar veneno”! Se era uma roça de pasto, “vamos passar veneno”! E agente foi orientando e foi mudando essa lógica deles trabalhar ( Rejane).

. [..] aprendemos a utilizar os biofertilizantes, não agredir o meio ambiente, tudo isso foi ensinado. Só que uns a gente praticou e outros a gente ainda está. Eu sempre digo assim, lá a gente tem essa maneira de aprender, vê as coisas, e não por em prática. Nem tudo que a gente aprende de bom a gente põe em prática, aquelas coisas boas tanto pra gente, quanto pra nossa saúde e da nossa comunidade, né. [...] às vezes demora (Rejane). Aprendemos a fazer uns canteiros novos usando garrafa pet no chão. Uma nova tecnologia de irrigação de água. O reuso da água da pia da cozinha, do banheiro, retirar o sabão pra usar a água nas plantas. Iscas para pegar insetos com sucos com açúcar e garrafa pet. Muitas coisas que só veio nos ajudar! (Nazaré). O que melhorou muito também foi a história de fazer reflorestamento que foi debatido no projeto ATER mulher. Plantar árvore nativa da Caatinga pra terra reviver. Eu tenho uma beira de riacho que plantei tudo, todas as mudas. Tá muito bonita minhas plantas. E todas mudas nativa.[..]se nós deixar a terra morrer nós morre junto! (Severina). Assim antes do projeto às vezes a gente não sabia como a gente produzia aquelas plantas, principalmente as hortaliça né. Às vezes usava algum tipo de veneno. Eu mesma usava nas minhas. [...] e depois das capacitações do ATER, a gente viu aquilo alí tava errado e riscou aquilo do caderno. Jamais vai fazer aquilo (Ana). [...] esse consumo consciente que a gente tá falando não foi implantado nesse projeto. Antes a gente teve outros projetos com a Casa da Mulher do Nordeste e da Rede. Então a gente já vem tentando colocar em prática dentro da nossa comunidade. Agroecologia veio nos reforçar mais ainda a alimentação saudável [...] Quem vende essas hortaliças também passou a consumir melhor, porque antes não tinha esse consumo. Então houve uma diferença, sim![...] nesses cinco anos pra cá tem mudado, sim, a maneira de ver, de entender, de se alimentar [...] e principalmente fazendo mais uso né do que a gente tem na própria comunidade. Que as vezes a gente dispensava, achava que não era tão importante ( Nazaré).

Chamamos atenção para o relato de Rejane que refleti as contradições nas práticas agroecológicas, admitindo as dificuldades de não fazer uso dos agrotóxicos e mudar as práticas. Nos faz pensar que existem diferentes tempos, dimensões e processos na transição agroecológica110. Aqui também observamos que nessa transição agroecológica deve estar presente a igualdade entre mulheres e homens. Como chama atenção a técnica Eliane sobre isso, citada no início desse capítulo. Sem Feminismo não há Agroecologia. Esse parece ser um grande desafio

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Segundo Claudia Schmitt, construção social (ecosocial) em diferentes níveis de abrangência, dos múltiplos fatores envolvidos na transição para uma agricultura sustentável. Um movimento complexo não linear de incorporações de princípios ecológicos ao manejo dos agroecossistemas, mobilizando múltiplas dimensões da vida social, colocando em confronto visões de mundo, forjando identidades e ativando processos de conflitos e negociação entre distintos atores (SCHMITT, 2009, p.177 e 178). Ver também Gliessman (2005).


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na construção do diálogo entre o movimento feminista e o movimento agroecológico, já apontado pelo grupo de mulheres da ANA presente na Carta política do III ENA em 2014, como transcrevemos a seguir. Fortalecidas nos processos de auto-organização e atuando em diversos movimentos e redes, as mulheres reunidas no III ENA reafirmam o lema ‘sem feminismo não há agroecologia’ por compreenderem que a construção da agroecologia prima por uma visão ética de justiça social e ambiental que pressupõe o compartilhamento do trabalho doméstico e de cuidados e da gestão da produção, uma vida sem violência, regida pelo respeito e pela igualdade. Isso implica a garantia do direito das mulheres à plena participação na vida social e política em suas comunidades, bem como a garantia de seu acesso à terra, à agua, as sementes e às condições de produção e comercialização com autonomia e liberdade. (trecho da Carta Política do III ENA em Juazeiro em 2014. Disponível em www.agroecologia.org.br/index;php/publicaçõesda-ana/carta-política-do-terceiro-ena. Acesso em junho de 2017)

Podemos afirmar que o Feminismo estava presente como princípio orientador em todo momento no processo do Projeto, nos conteúdos dos materiais usados, nas metodologias e na postura das Técnicas como veremos mais adiante. As Agricultoras expressam seus entendimentos relacionando-os as suas vidas e realidades. O feminismo foi tratado o tempo todo nesse projeto. No nosso grupo houve uma oficina específica, o que é o feminismo, como ele atua. A gente discutiu muito, teve também roda de conversa, assim bem produtiva, né, porque às vezes muitas não tava entendendo bem o que era o feminismo. A gente falou sobre os direitos, as mulheres conhecerem seus direitos. [...] eu já participei de várias capacitações, sou uma feminista! Eu me declaro uma feminista, porque eu defendo os direitos das mulheres. E defendo o meu direito de ser mulher! Mesmo porque eu acho que o feminismo é isso, é você se reconhecer como mulher, você defender a si mesma, o que é que você é, qual o teu papel como mulher nesse mundo que a gente tá, na nossa comunidade, no nosso grupo, nas nossas atividades. Então isso é feminismo! (Nazaré). Reforçando o que Nazaré disse [...] a gente tem que saber defender os direitos da gente e não abrir mão dos direitos da gente, por nada neste mundo! A gente dizer eu sou, eu posso eu devo! E fazer o que é de direito da gente! E defender também as nossas companheiras, que às vezes muitas estão lá e não sabe nem qual o direito dela [...] a gente também tem que entrar em luta e defender elas. Isso é ser feminista. Eu também me considero uma feminista (Rejane). Foi discutido sim no grupo da gente. E assim fez com que as mulheres perdesse mais o medo de, e lutar mais contra o preconceito, porque há muito preconceito contra a mulher. As vezes vai, a pessoa em algum lugar assim , no caso acessar um projeto que tem aí. Ai se for por ser mulher, aí eles ficam, olham com uma cara meio feia, porque é mulher!O Feminismo assim foi tratado pra gente não desistisse na primeira cara feia que fizesse pra gente. Então pra mim é isso! (Ana).

Analisamos através de suas narrativas, que o feminismo para essas mulheres é vivenciado e sentido em várias dimensões de suas vidas. Subjetivamente quando se reportam a romper o medo para lutar e enfrentar os preconceitos. Como identidade ao se descobrirem mulheres e portadoras de direitos.


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Na dimensão política, individual e coletiva, como ressalta Rejane, defender também as nossas companheiras, que às vezes muitas estão lá e não sabe nem qual o direito dela [...] a gente também tem que entrar em luta e defender elas. Percebemos que as mulheres tomaram consciência da condição de desigualdade que vivem no seu cotidiano e entendem o feminismo como a luta para defender os seus direitos. Como um caminho sem volta daqui para frente! Para ilustrar esse sentimento trago aqui uma poesia para inspirar e coroar esse primeiro item do capítulo 4.

[...] o feminismo nos deu ar. Vamos agora é em frente, aprender sim a lutar, pois se ficamos paradas. Nada vamos transformar. E foi pensando deste jeito, nova forma de organizar, Na politização das mulheres, resolvemos atuar. Empoderadas pelo feminismo para a vida transformar. (Miriam Florêncio) Figura 10 – Oficina com as agricultoras atendidas pelo ATER Mulher no município de Santa Cruz da Baixa Verde- Pajeú.

Fonte: Graciete Santos (2016). Acervo pessoal.

Iremos aqui trazer a visão das três Técnicas que executaram o Projeto ATER Mulher no sertão do Pajéu, entrevistadas na pesquisa. Todas se identificam com o trabalho do campo, duas delas são filhas de agricultores e todas moradoras da região do Pajeú. São mulheres em idades entre 27, 35 e 46 anos. Com formação em técnica em agroecologia, história e técnica


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agropecuária e zootecnia. Quando indagadas qual sua raça, se declaram como brancas. Não têm filhos e apenas uma é casada. Uma questão importante no perfil dessas técnicas é reconhecer que já havia em suas trajetórias profissionais, experiências anteriores com a assessoria técnica feminista111 desenvolvidas pela Casa da Mulher do Nordeste desde 2003, quando inicia suas ações no sertão do Pajeú. Todas se reconhecem feministas e declaram ter sua formação feminista na Casa da Mulher do Nordeste. Essa chamada possibilitou trazer de volta esse trabalho, e foi muito bacana mesmo. Estar com as mulheres, Tinha tido lá atrás. [...] (Vera). Estou há dez anos no movimento social e de mulheres, iniciei na CMN a minha formação feminista.Tudo que eu aprendi tento trabalhar com as mulheres na construção de conhecimento que é o que acredito veio do trabalho da CMN[...] hoje há quatro anos estou na Rede de Mulheres Produtoras do Pajéu.[...]feminismo, agroecologia e economia solidária fui aprendendo na CMN. Com certeza essa minha formação me possibilitou fazer o que faço hoje. Esses temas trabalhamos e incorporamos dentro da chamada.[...] (Vera). Na minha trajetória o que mais me marcou foi o conhecimento sobre o feminismo, a minha formação, minha experiência na CMN. Eu nunca nas outras organizações mistas que trabalhei, tinha dialogado, discutido sobre feminismo. [...] estar na CMN é um desafio para mim, ainda hoje é um desafio. [...] Está na CMN não é estar formada totalmente, hoje estamos discutindo a questão racial [...] (Helena). [...] eu lembro que a CMN fez uma proposta na minha comunidade de montar um viveiro de mudas com as mulheres jovens. Eu lembro que foi a minha primeira renda [...] a partir da vendas das mudas que a CMN comprava para projeto de reflorestamento [...] meu processo de formação começa aí. Eu achava bem interessante,aquelas mulheres arretadas chegavam de carro (risos), ia lá pra frente falava muitas coisas que tocavam a gente. Eu disse poxa me identifico com isso. Que mulher deve dizer o que sente, que as mulheres devem ocupar os espaços, dizer o que sente, deve dirigir, que mulher entendi de agricultura. [...] fui estagiar na CMN, vivendo a dinâmica do campo, vi que as coisas não eram tão fáceis, a minha realidade como agricultora não era tão diferente. [...]sou fruto da CMN, porque faz parte da minha vida desde cedo. Uma grande honra está aqui também contribuindo [...] (Paula).

Todas se identificam como feministas e compreendem o feminismo como práticas e ações transformadoras em suas vidas e nas vidas de outras mulheres. É ser livre, ser uma mulher feliz, capaz de colocar as coisas na mesa, ser forte, ser gente. Ir para o embate. Ser uma mulher. A ideia radical de que nós somos gente (Paula). Pra mim é fazer o que eu tenho vontade, no palavriado mais popular. É o ir e vir, entrar sair, vestir, falar, pensar ser o que eu tenho vontade. Ter os meus direitos respeitados, conquistados ( Helena). Eu penso e acredito que ele transforma a vida da gente, começando pela minha como pessoa, e depois como profissional internamente depois se dá com o trabalho com as 111

Assessoria técnica feminista reconhece as mulheres como sujeitos do processo e produtoras de conhecimentos voltados para autonomia econômica e política das mulheres.


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mulheres [...] a gente quer transformar o mundo e [...] e as práticas tem que refletir o que a gente prega. Acredito que discurso e prática devem andar juntas (Vera).

Analisam a ação feminista em suas práticas cotidianas com as mulheres no trabalho de ATER e como essa postura causa reação e incomoda as instituições conservadoras a exemplo dos sindicatos. [...] antes trabalhava em instituições mistas, a gente não dava esse foco de empoderar as mulheres. Na experiência do CAR (cadastro ambiental rural) vimos como as mulheres não sabem de suas terras. Elas não acompanham a gente quem acompanha é o homem. Nós técnicas mulheres temos mais facilidade de chegar as mulheres. Alguns maridos não querem deixar sua mulher sozinha com um homem técnico (Helena). Às vezes a gente se coloca em alguns espaços e não é bem vista. A gente incomoda. Quando a gente fala de direitos das mulheres a sociedade não dar valor. Mas quando a gente abre a boca a gente incomoda, isso para mim aqui é marcante. Os sindicatos são muito machistas, muitas mulheres nos espaços mas não tem poder, são os homens. Temos muitos conflitos no território (Helena). Nós agregamos muito, qualificou muito, ter uma caminhada, conhecer as mulheres, elas estarem na luta. A gente agregou muito, qualificou muito, a partir do nosso olhar, da nossa caminhada, prática [...] o modelo foi bom mais melhoramos muito a partir do nosso olhar feminista. Por todo o contexto que estamos vivendo muito importante essa chamada (Paula).

Como vimos na análise das Agricultoras a violência contra às mulheres é assunto presente mas difícil de ser enfrentado e superado no campo. A visão das Técnicas vai na mesma linha do que foi colocado pelas Agricultoras. A falta de informação sobre os diversos tipos de violência, dificulta identificar os casos para além da violência física. A ausência de uma rede de apoio às mulheres que vivem situações de violência no Sertão do Pajéu, também foi enfatizado pelas Técnicas.

Observamos que elas vivenciam suas

dificuldades como mulheres, expressa pelo silêncio quando perguntadas se já sofreram algum tipo de violência.

Dificuldades em entender a passividade de algumas Agricultoras que vivem situações de violência e não se sentem em condições de denunciar ou mudar essa situação. Conflitos entre a revolta e a impotência diante desse fato. Vejamos o que relatam sobre suas vivências e conflitos [...] quando a gente está fora a gente quer resolver a vida de todo mundo, mas quando a gente está dentro da situação se ver sem condições de sair. Muitas vezes não estamos preparadas, prontas. Tivemos um caso perto de dentro. A gente conversou e a pessoa silenciou. A gente fica cobrando dela uma atitude, [...] as vezes é um conflito pra nós feministas. [...] muitas vezes não temos como intervir a gente sabe que acontece mas não tem como resolver acho que a política tem que melhorar. A própria assessoria apontar caminhos. Não ficar na linha de frente entre o casal mas construindo


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mecanismos para a própria assessoria apontar caminhos para tirar as mulheres dessa situação. A violência acontece de várias formas. Quando observamos a ausência de algumas mulheres nas reuniões vamos atrás saber o que é. Conversamos com elas, pra entender, identificamos a situação orientamos no que a gente entende. Às vezes elas contam rindo. O que quer dizer quando ela diz rindo situações pesadas? São vários fatores [...] É um desafio muito grande para essas chamadas.No diagnóstico mesmo não aparece isso. Está bem escondidinha. Quem sabe disso é quem está com as mulheres no cotidiano. Conhece as mulheres que a gente trabalha (Vera). A gente está para dialogar, orientar e apoiar. A gente não vai puxar um diálogo se a própria comunidade também não puxa. Eu peço para elas puxarem mas elas ainda estão muito tímidas nesse processo. Tem outros casos que as mulheres não chega a gente sabe por outras mulheres. [...] violência pra elas é só quando elas são espancadas. O fato do marido não deixar ela sair, proibir elas botar tal roupa. Elas não veem isso como violência. [...] nas oficinas elas muitas vezes colocam a experiência mas não explicitam que é com elas [...] muitas chegam na oficina na preocupação de sair mais cedo para fazer o jantar do marido, isso é muito forte. As mais idosas elas escutam, mais tímida, não dialogam, não falam, não se expressam. As mais jovens são mais abertas (Helena). Violência no campo mudou. Era muito uma violência física e financeira. Tinha essa característica muito mais forte. Com a própria lei Maria da Penha, pela própria cultura. Ela se transformou violência mais psicológica, ainda existe a violência física, talvez escondida. No meu olhar mudou, é mais hoje uma violência verbal. As mulheres tem mais coragem de ir para o embate, do posicionamento. Principalmente essas mulheres que a gente já acompanha. As mulheres se posicionam mais, já não são tão bestas. [...] observamos quando uma mulher falta ligamos para saber dela e uma vez uma liderança, estava faltando e falou que não foi porque o marido disse no dia de sua oficina para ela cozinhar para uns trabalhadores. Não avisou a ela no dia diz que ela tem que cozinhar[...]é uma violência! E é uma pessoa que tem uma história aqui no Pajeú, é uma liderança (Paula). Trabalhamos uma dinâmica da vassoura, [...] simbologia, varrer as coisas ruins que perturbavam elas. A maioria das coisas que querem se livrar é dos maridos, opressivos, agressores, bebum, bebem e fazem raiva. Todas sofrem violência no final das contas. São poucas as que chegam para contar. [...] (Vera).

Quando perguntadas, se já haviam sofrido algum tipo de violência de gênero, apenas uma relatou sua experiência, indicando o quanto esse tema é também difícil de ser tratado para as Técnicas em especial em relação a si próprias. [...] vivi uma situação de violência sexual e não sabia que era violência. Me sentir ameaçada, constrangida, com medo. Dentro de um carro em um intercâmbio. Tive vergonha de contar para minhas colegas. Não pensei ser uma situação de violência. Um cara com quatro mulheres e dois homens no carro [...] foi horrível [...] gosto nem de lembrar. Hoje avalio que foi uma violência (Vera).

Uma questão central na análise da ATER Mulher como já ressaltamos anteriormente, é sobre as mudanças no padrão da divisão sexual do trabalho ocorridas no caso em estudo, na organização produtiva na agricultura familiar. Como já identificado, nos relatos das Agricultoras e das Gestoras, o Projeto possibilitou problematizar a divisão sexual do trabalho, questionar o papel das mulheres para economia e para produção agroecológica.


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As Técnicas trazem elementos importantes para explicitar a metodologia feminista desenvolvida, valorizando a produção de conhecimento em diálogo com as Agricultoras, fato também ressaltado por elas. Fizemos oficinas pra levantamento do trabalho que elas realizam. No quintal o trabalho não é visto e tem uma sobrecarga muito grande. Elas trabalham muito, fizemos o mapa da propriedade, elas estão em tudo, trabalham muito e não enxergam isso. Quando a gente pergunta que horas levanta. Elas levantam as 4 horas da manhã e são as últimas a se deitar, quando todos dormem as 10 horas. Teve momentos que foi até chocante para elas. [...] muitas dizem que os companheiros ajudam mas no grande grupo não assumem, dizem que eles ajudam. Mas no que a gente ver no cotidiano não é real. É raro o caso que verdadeiramente os homens dividem o trabalho em casa. Não é fácil, é provocar um conflito. Quem faz isso são as lideranças, principalmente as que passaram pela escola feminista [...] já conseguem provocar esse conflito, não é fácil. São mulheres mais jovens. Muitas dizem ele ajuda, me permite ir na feira [...] já ouvi uma dizer, nasci pra isso pra carregar o fardo, lá em casa ninguém olha pra isso quer as coisas prontas. As mais jovens conseguem provocar mudanças (Vera). As mulheres estão em todos os espaços mas o mais forte é no arredor de casa. O trabalho dos quintais a criação dos pequenos porte, médio. O grande porte, criar gado? Bebe muita água come muito, as terras são pequenas [...] gado dar status não é realidade do semiárido, as mulheres já tem essa visão, dominam muito bem. O porco é a poupança dela. [...] as galinhas e as práticas de reaproveitamento. Aprendi com Bel, a molhar o milho pra inchar e reduzir a quantidade de milho [...] as mulheres são verdadeiras experimentadoras [...] elas também estão na roça plantam e colhem. Quando os maridos não estão são elas que vão pegar o gado pra casa. [...] estão na participação política em associações. [...] o tempo dessas mulheres, é muito trabalho! Quando a gente faz nas oficinas o relógio, elas só param pra dormir [...] acordam às 4 hora, faz o café , bota o feijão no fogo, vai pra o quintal, lava roupa, não param. Dormem tarde (Helena). [...] tinha a pergunta quantas horas elas trabalhavam em casa. Tinha um choque! Muitas vezes os homens não contribuíam em nada, 1 hora às vezes. Esse espaço ainda se caracteriza como espaço de obrigação, elas bem dizem. No diagnóstico tinha uma coisa bem interessante eu achei, a renda das mulheres deu mais alta que a dos homens [...] as mulheres tinham uma grande contribuição: artesanato, garantia safra, bolsa família, venda de produtos do quintal. Quando a gente somou todas as rendas deu superior a renda da família (Paula). [...] esse Projeto proporcionou uma das coisas mais importantes que foi oferecer recreação para as crianças, e isso fez uma diferença para as mulheres participarem [...] (Helena).

A metodologia foi um dos pontos relevantes do Projeto ATER Mulher no Pajeú. Diante das narrativas das Agricultoras e das Técnicas, observamos o quanto foi um processo de construção dialógica entre técnica e agricultora. Vejamos como elas analisam o processo de construção de conhecimento. [...] com base no feminismo e na realidade das mulheres [...]construímos a teoria a partir do conhecimento delas. As práticas acontecem com a participação das mulheres. Elas constroem. Na verdade a gente constrói um roteiro elas constroem os conhecimentos. Ex: armazenamento de alimentos, estocagem de alimentos para animais, silagem, feno, sementes [...] na perspectiva da convivência com o semiárido. Trabalhamos a fitoterapia animal e as mulheres deram show de bola! Algumas


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mulheres ministraram as próprias oficinas, ficamos na facilitação. [...] elas tem um conhecimento muito forte, fizemos momentos de intercâmbios, proporcionou isso uma ensinar a outra. Foi muito forte (Helena). A gente pensou numa metodologia a partir de um olhar que as mulheres apontaram no diagnóstico. A partir daí se planejava com as mulheres. Essa metodologia foi elaborada pelas técnicas da CMN e da Rede. Refletimos que já havia uma caminhada com essas mulheres, um dia mais teórica e outra de prática. Discutia sobre os quintais produtivos e no outros dias fazia uma intervenção a partir dos conhecimentos que a gente levantou, produziu. A gente convidava as agricultoras, e a partir do olhar das mulheres, contavam o que faziam e apontavam as dificuldades e como podemos avançar. Apontavam que tinham coisas que dependiam de acesso as políticas públicas, mas também tinham coisas que somos nós que fazemos não dependia de política nenhuma, só dependiam do conhecimento e da vontade de querer fazer (Paula). No planejamento a gente se reunia uma vez por mês. Tirou como prioridade fazer reunião de equipe pra planejar as ações e a metodologia de como ia fazer esse trabalho [...]tudo teve inicio a partir do diagnóstico. Levantou muitas questões [...] pra gente traçar o perfil das mulheres [...]uma discussão é que as atividades é tudo muito individual. O edital é muito fechado, tem fazer as atividades como previstas. Na prática não rolou. A gente optou, se agente fosse fazer tal e qual o edital exige a gente ia fragmentar as mulheres e mudar a metodologia que a gente já fazia com as mulheres, os trabalhos em grupos. Então a gente ia fazer só por causa do edital. A gente fez essa adequação [...] construímos o material didático para cada atividade e aproveitamos muita coisa que já tínhamos na nossa prática (Vera).

Sobre as dificuldades e as críticas ao Projeto ATER Mulher, as Técnicas assim como as Agricultoras identificam a dificuldade do tempo de execução previsto, ressaltando ser insuficiente o número de visitas previstas112 por técnica. Segundo os relatos das Técnicas, essas lacunas foram supridas aproveitando as ações coletivas para fazer o acompanhamento em grupos e também juntando ações de outros projetos das instituições executoras. Uma questão trazida pelas mulheres é que a ATER em geral precisa incorporar a visão de processo, dando continuidade as ações de maneira integral. A minha crítica vai diretamente sobre o tempo. Dois anos não dá pra você implantar, colher, saber se deu certo, ou não. Ao meu entender, no mínimo quatro anos. Também quando as práticas fossem aplicadas, tivesse um tempo maior de acompanhamento da técnica [..]fica muito curto pra gente avaliar se deu ou não certo [...]O material didático do projeto foi um material de esclarecimento necessário, tá certo, os temas trabalhados, as técnicas foi bom.[..] talvez seja necessário ter temas pra dar continuidade. Por exemplo a violência contra a mulher é um tema que tem ter continuidade. [...] porque não pode parar! Se pára perde todo o sentido do projeto que vem dando certo né aqui. A gente espera que outras chamadas venham atender outros grupos que não foram atendidos e esses que foram atendidos que tenha continuidade (Nazaré, agricultora).

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O edital prevê 20 meses de execução(podendo ser prorrogado). São três visitas de acompanhamento por ano para cada mulher previstas para cada técnica. No Pajeú o período de execução do Projeto foi de 2 anos.


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Outro ponto apresentado pelas Técnicas e mencionado pelas Agricultoras, é a falta do repasse do fomento113. Trata-se de um recurso previsto no Projeto para fortalecer a produção das mulheres, como compra de equipamentos ou de insumos para potencializar a produção. A partir dos relatos das mulheres esse recurso não chegou para as agricultoras até o momento de fechamento do Projeto, causando muitas expectativas, pois muitas planejaram seus investimentos, como também frustrações considerando que um número reduzido de mulheres foram selecionadas para receber. Essa é uma questão estratégica para as políticas públicas de ATER para as mulheres. Tratar da sustentabilidade produtiva e autonomia econômica das experiências das agricultoras, uma vez que são elas que encontram mais dificuldades no acesso aos recursos. Sendo assim a experiência do Projeto ATER Mulher no Pajéu, aponta para a necessidade de garantir nas chamadas públicas apoio financeiro. Vejamos o que dizem técnicas e agricultoras: Até hoje ninguém sabe explicar porque [...] explicamos para as mulheres e isso criou muitas dúvidas[...]. O que eu observei é que o processo de formação foi tão rico e grandioso, que superou a expectativa do fomento. [...] lógico que é um direito[...]mas possibilitou que elas não dependam do fomento[...]criaram proposta para investimento e agora estamos voltando e fazendo proposta para o Fundo Rotativo Solidário da Rede [...] elas disseram que se não vão acessar o fomento querem melhorar o quintal (Vera técnica).

[...] é uma sugestão nessa conversa aqui, que as próximas chamadas públicas de ATER Mulher venham acompanhada de fomentos. Porque aquilo que eu falei desde o começo, como é difícil para as mulheres acessar crédito. [...] tivesse uma orientação na capacitação no grupo, para aprender a fazer projeto[...]apresentar uma instituição financeira [...] a gente tem consciência que tem que correr atrás, fazer o nosso próprio projeto. Porque nem toda a vida a gente tem assessoria da CMN, da Rede. São as assessorias que são passageiras![...] quando os projeto se acabarem como a gente fica? [...] a gente tem o conhecimento! O que falta agora? A gente colocar na prática! (Nazaré agricultora).

As dificuldades na comunicação com a fiscal do MDA, responsável pelo acompanhamento a esse Projeto, foi outro destaque. Segundo umas das Técnicas a visão da fiscal era muito burocrática, inflexível sobretudo no preenchimento dos atestes e dos relatórios. Cabe aqui destacar que são diferentes racionalidades. A Técnica parte de sua ação de campo,

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Esse fomento foi uma reivindicação do movimento de mulheres rurais à DPMRQ. Segundo informações das mulheres e das técnicas foi solicitado uma lista de 124 mulheres identificadas que tinham de acordo com os critérios exigidos(ter a segunda água para produzir, está abaixo ou na linha da extrema pobreza) pela DPMRQ e o MDS, responsável pelo repasse do recurso. Apenas 24 foram selecionadas para receber o fomento. Até o momento de conclusão da pesquisa esse recurso não havia sido enviado as mulheres, nem maiores explicações sobre esse assunto. Segundo as técnicas a comunicação com o governo (extinto MDA) ficou mais difícil com a extinção da DPMRQ no final do Projeto.


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da execução da prática, e a fiscal do lugar do Estado, fiscalizador, de eficiência, de prestar constas. Também destacaram a demora do retorno por parte do MDA das informações e solicitações, atrasando e dificultando o processo de execução que apresenta suas complexidades e imprevistos próprios da realidade rural. A Técnica analisa que diante o nível de exigência da gestão desse Projeto, é necessário uma estrutura e um aparato administrativo, que as organizações menores não têm condições. E relata que, enquanto Rede, somos uma instituição nova, pequena, vamos tentar outras formas mas não junto com o governo. (Vera técnica) Sobre isso as Técnicas trazem a reflexão do quanto a gestão administrativa do Estado não está preparada para atender as demandas da realidade rural em especial das mulheres. Chamam atenção para as dificuldades vivenciadas com algumas mulheres com relação à Declaração de Aptidão do PRONAF-DAP, critério exigido no cadastramento da ATER Mulher. Como relata Vera a seguir: casos de mulheres que separaram do marido ou ficaram viúvas e casaram novamente encontravam dificuldades em acessar a DAP, pelo fato de ser conjunta e estar atrelado ao companheiro, as mulheres não tem autonomia de terem sua própria DAP. Teve caso que a mulher casou com o homem que trabalhava na cidade e a mulher teve que sair porque não pode ter a DAP (Vera técnica).

Esse é um ponto que as feministas têm debatido muito e que está relacionado à visão patriarcal da política pública que entende que o centro da família é o homem.

Segundo a

técnica Vera, apesar de hoje a DAP ser conjunta, a mulher não tem autonomia de ter sua própria DAP, independente de ser casada ou não. Hoje é uma amanhã é outra. A política não acompanha é estática. Ela continua sua análise destacando, [...] a chamada é burocrática e medida por metas mas não oferece as condições para obter os resultados que queremos. Nos leva para um lugar de cumprir metas e prestar contas. Tem que ter mais abertura, flexibilidade, diálogo. Queremos melhorar a vida das mulheres, tirar elas da violência (Vera). Foi super importante essa Chamada [...] que bom que somos nós. Somos uma organização que presta assessoria técnica feminista voltada para as mulheres com uma caminhada já construída. Nós agregamos muito, qualificou muito ter uma caminhada, conhecer as mulheres, elas estarem na luta. A gente agregou muito, qualificou muito, a partir do nosso olhar, da nossa caminhada [...] O modelo foi bom mais melhoramos muito a partir do nosso olhar feminista. Por todo o contexto que estamos vivendo muito importante essa Chamada. [...] extrema importância ter um ATER especifica para as mulheres. A vida toda a ATER foi negada a mulher. [...] Mulher é inho, quintalzinho, animalzinho, não importa para o agronegócio, para extensão. Eu acho que nós é que qualificamos esse modelo de ATER (Paula). Teve muitas experiências legais! Estamos em um período de seca grande de 5 anos. Dificuldade das mulheres pra produzir. Identificamos que as mulheres, guardam as sementes, milho, feijão, hortaliças. A assessoria técnica não tinha a dimensão desse armazenamento que as mulheres têm. O Projeto possibilitou que elas fizessem um compartilhamento de sementes. O impacto foi muito positivo. [...] a grande situação que elas colocam e a gente ver é a questão é a falta de investimento para infra estrutura


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[...] o Projeto criou muita expectativa sobre o fomento [...] uma agricultora liderança me disse o processo de formação foi muito bacana, técnicas de convivência, reaproveitamento de água, aprendemos muito masqueria mais investimento no quintal, aumentar a infra, o Projeto falhou nisso (Vera).

O que chama atenção e queremos destacar em nossa análise, é a capacidade das Técnicas em colocar na prática essa experiência, a despeito das condições impostas pela burocracia do Estado. Como o tempo insuficiente para realizar uma ATER feminista, o número reduzido de vistas de campo, a falta de flexibilidade do sistema em aceitar alguma mudança, como alteração nas atividades por exemplo, o preenchimento dos instrumentos de monitoramento e fiscalização como os atestes114, as fotos e as listas de frequência e os relatórios, inseridos no Siater.115 A ausência de um suporte financeiro para fortalecer as experiências produtivas das mulheres, também foi muito criticado por todas. Apesar de todos os empecilhos enfrentados nos âmbitos da cultura patriarcal, analisados aqui nesse trabalho, pode-se indicar que o Projeto ATER Mulher alcançou os seus objetivos. Destaca-se que o compromisso das Técnicas com a melhoria das condições de vida das Agricultoras e sua experiência de uma ATER feminista e de militância política, foram determinantes para o êxito dessa experiência. Como bem expressou a Técnica Vera sobre o feminismo a seguir. Eu penso e acredito que ele transforma a vida da gente, começando pela minha como pessoa, e depois como profissional internamente depois se dá com o trabalho com as mulheres [...] a gente quer transformar o mundo e [...] e as práticas tem que refletir o que a gente prega. Acredito que discurso e prática devem andar juntas (Vera).

O ATER Mulher também fortaleceu as ações de articulação em rede, e a autoorganização116 das mulheres no Sertão do Pajéu, com destaque para a Rede de Mulheres do Pajeú. Proporcionou encontros, capacitações e intercâmbios entre os grupos integrantes dessa Rede, fortalecendo assim os laços e articulações. Por conta das distâncias e da falta de apoio financeiro das assessorias nos últimos anos, o Projeto ATER Mulher ajudou a reativar esses vínculos e reanimar essa articulação no Pajéu.

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Atestes são instrumentos de comprovação para atestar que a atividade foi desenvolvida. Tem que ter assinatura e foto da agricultora cadastrada. 115 Sistema eletrônico de informação e cadastramento do ATER. Com a sanção da Lei número 12.188/2010/PNATER, toda instituição que trabalhe com ATER no Brasil seja ela pública ou privada, que deseja atuar em parceria com o MDA, deverá ser credenciada no Estado. 116 Auto-organização estratégia do movimento feminista de fortalecer a organização própria das mulheres para avançar na igualdade e liberdade diante as desigualdades enfrentadas com os homens. São grupos de trabalhos de mulheres, comissões, redes, associações entre outras.


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No próximo capítulo apresentaremos algumas conclusões sobre os achados desse trabalho de pesquisa presente nessa dissertação. Retomaremos algumas questões já indicadas nas análises apresentadas nos capítulos três e quatro, assim como indagações e provocações para futuros estudos.


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5 CONCLUSÕES O movimento de libertação das mulheres- o feminismo- é um texto que se desenvolve, não uma tese. É uma linha melódica, não uma marcha, militar. É uma inspiração. A inspiração de um sopro. O feminismo se respira mais do que se enuncia. De tanto dar o último suspiro, ele renasce (Françoise Collin).

Vamos apresentar algumas conclusões elaboradas a partir das análises desenvolvidas nessa dissertação, considerando o contexto histórico e político e os limites enfrentados nesse trabalho. Não temos a pretensão de apresentar conclusões fechadas, mas indicar pistas, levantar questões que, certamente, não se fecham aqui e esperamos contribuir para inspirar outras elaborações. Nos propusemos nesta dissertação analisar a experiência do Projeto ATER Mulher desenvolvido no Sertão do Pajeú, a partir da percepção das mulheres, envolvidas na sua execução. Desde os arranjos institucionais no âmbito do Estado, na visão das ex gestoras da DPMRQ; da sociedade civil, representada aqui por uma integrante do Comitê Gestor do Programa de Organização Produtiva, indo para a “ponta”, ou seja, na execução do projeto a partir da visão das técnicas e das agricultoras no âmbito local onde a política é vivida, experimentada. Do ponto de vista da institucionalidade da política de ATER Mulher no âmbito das políticas públicas no Estado, ressaltamos dois elementos fundamentais para as mudanças estruturantes: o rompimento com o padrão de políticas públicas dirigidos a um cidadão abstrato e genérico (masculino) e o reconhecimento que existe desigualdades de gênero; a mudança da perspectiva da inserção das mulheres nas políticas públicas naturalizadas à sua função na família, para o reconhecimentos destas como produtoras e sujeito econômico e político. A ação governamental, nesse caso o ATER Mulher, contribuiu para romper barreiras que se interpunham ao acesso das mulheres a oportunidades econômicas: como à documentação, à terra, ao crédito, aos mercados e a exigência de uma ATER que atendesse as necessidades e fortalecesse a autonomia das mulheres rurais. Desta forma, foi estratégico e eficiente a dinâmica de intersetorialidade criada pela gestão da DPMRQ, articulando a política de ATER a outras dimensões, outros programas e políticas governamentais. A exemplo do programa de documentação, as cirandas de crédito e programa de organização produtiva. Ressaltamos aqui que essas ações não foram fáceis de serem desenvolvidas e houve necessidade de muita discussão, e convencimento de outros ministérios, órgãos e até mesmo dentro do próprio MDA.


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No âmbito das capacidades de articulação com a sociedade civil e outros ministérios do governo, o Comitê Gestor de Organização Produtiva, foi estratégico no diálogo, na construção de propostas e concertação, entre a DPMRQ e os movimentos de mulheres rurais e mistos e organizações da sociedade civil. Esse espaço foi importante para o fortalecimento da relação entre a DPMRQ e movimentos de mulheres rurais e feministas, valorizando e exigindo aos movimentos mistos que a representação, nesse espaço, fosse ocupada apenas por mulheres. Foi um espaço de muitas trocas de conhecimentos e preparação de ambas as partes, gestoras e militantes, para enfrentar os debates e as disputas dentro e fora do governo. Foi aí que muitas decisões importantes passaram, como a proposta de garantir no mínimo 50% de mulheres nas chamadas públicas de ATER e 30% dos recursos destinados à produção das mulheres, aprovadas na II CNDSS em meio a muitos embates no âmbito da sociedade civil (movimento misto agroecológico) demonstrando as contradições existentes nesse campo. A experiência de ATER Mulher aponta para a necessidade de reconhecer a existência dos conflitos e disputas no âmbito da sociedade civil. Aqui retomamos Dagnino (2002), quando analisa “como um lócus privilegiado de ações, disputas e legitimação dos sujeitos políticos”. Nos ajuda a pensar que a sociedade civil não pode ser vista como espaço apenas do “bem”, mas reflete relações de poder e disputas de projetos políticos. E nesse sentido vimos no âmbito da construção da ATER, as disputas entre os movimentos em defesa da agroecologia e os movimentos feministas. O lema Sem Feminismo não há Agroecologia permanece enquanto desafio e necessita ser aprofundado e enfrentado por esse movimento. Chamamos também atenção para os discursos e posições em defesa às políticas universais e generalistas, (questionado inclusive o sentido de garantir ATER para mulheres), que parecem ganhar força nos debates entre os movimentos rurais mistos e no Estado nesse momento, levantando o alerta para os possíveis retrocessos. Como disse Francisco de Oliveira (2001, p. 21) citando Barbosa Lima Sobrinho117 “o ataque aos direitos adquiridos é um ataque ao próprio direito”. O Comitê Gestor de Organização Produtiva, demonstrou a possibilidade de aproximação e de interlocução direta entre gestoras e as mulheres rurais, aqui representando as “bases”, as realidades locais. Uma experiência de cidadania participativa, das mulheres pelo direito a fala, construindo novas racionalidades na política, por meio do conflito e da disputa pela hegemonia, em um Estado patriarcal, legalista e patrimonialista, como nos fala Oliveira (2001). A sociedade civil, (representada pelas mulheres lideranças dos movimentos rurais e

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Ver Francisco Oliveira, 2001.


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feministas), demonstrou suas capacidades propositivas, avançando no seu exercício de participação para além do protesto e contribuindo com propostas, colocando-as como sujeitos políticos reconhecidas em outros espaços e como negociadoras com o Estado (Dagnino, 2002). Podemos afirmar que esses movimentos alteraram as dinâmicas e estruturas do Estado em sua forma e regras. Desenvolveram estratégias de ação com um caráter desformalizador, por mudar a forma de representação, quando propõe serem as mulheres as representantes dos movimentos e interlocutoras com o Estado. Desregulamentador, quando mudam as regras de representação e exigem serem as mulheres os sujeitos das políticas públicas (Oliveira, 2001). E nesse sentido destacamos o papel determinante da DPMRQ e do movimento de mulheres rurais e feminista, no processo de inclusão da agenda das mulheres rurais na PNATER e na afirmação da ATER Mulher, no âmbito do desenvolvimento rural. Ousamos afirmar que o Feminismo, como teoria social e movimento político, foi o propulsor das mudanças no âmbito da política pública de ATER e do diálogo com o movimento de mulheres rurais. No que se refere à contribuição da política de ATER Mulher na mudança de conteúdos e de práticas, indicamos sua importância em questionar o Estado sobre a invisibilidade do trabalho das mulheres na agricultura familiar e exigir o reconhecimento delas como sujeitos econômicos e produtivos, no âmbito do desenvolvimento rural. A problematização da divisão sexual do trabalho foi central para análise da política de ATER, e compreensão das condições de opressão e violências vivenciadas pelas agricultoras nas relações na família. No âmbito da política vivida, concluímos que as mulheres, Agricultoras e Técnicas, passam tanto a trazer para a esfera pública questões que se relacionam as suas práticas, buscando recolocá-las e ressignificá-las, quanto propor outro projeto de sociedade, fortalecendo o movimento feminista e a auto-organização das mulheres rurais em sua pluralidade, articulando os vários espaços em que estão inseridas, partindo desde o local ao nacional, ampliando e complexificando o fazer política. E nesse sentido podemos concluir que a experiência de ATER Mulher no Pajéu, proporcionou às Técnicas e Agricultoras, refletirem criticamente sobre sua participação em suas comunidades, exigindo nos diversos espaços, nas organizações, sindicatos, conselhos e associações seus direitos e sua participação como cidadãs, transformando assim a política local O projeto ATER Mulher no Pajeú, contribuiu para inserir as agricultoras no circuito da organização produtiva e econômica das políticas públicas, no acesso à documentação, onde destacamos a aquisição da DAP (exigência dessa chamada pública) no acesso à mercados, como as feiras locais, e aos programas governamentais como o PAA e PNAE, fundamentais para fortalecer a autonomia econômica. O fomento foi destacado como uma importante


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estratégia do ATER Mulher, embora não tenha sido liberado para as mulheres no Pajeú, nem apresentado as devidas razões, causando muitas frustrações entre as mulheres. Demonstramos através das narrativas das Agricultoras e das Técnicas, o quanto a economia feminista, foi central nessa experiência, ampliando e resignificando os sentidos da economia, articulando outras dimensões além da produção, o auto-consumo, as trocas solidárias, a segurança alimentar, a saúde, as práticas agroecológicas e os benefícios ambientais. Além de trazer para o centro dos debates o trabalho doméstico e de cuidado como parte do trabalho econômico. A partir da visão da economia feminista, foi possível compreender a contribuição do Projeto ATER Mulher em sua experiência no Pajeú, no âmbito dos impactos, econômicos, sociais e ambientais. Na ampliação dos conhecimentos agroecológicos construídos pelas agricultoras em diálogo com as técnicas, desenvolvidos na produção das mulheres em seus quintais e também no agroecossistema. Na mudança de hábitos alimentares e do consumo nas famílias, contribuindo para a saúde e segurança alimentar. Nesse sentido compreendemos que o Projeto ATER Mulher no Pajéu, mais que resultados traduzidos em renda monetária, fortaleceu as capacidades das mulheres em seus conhecimentos materiais e imateriais e oportunizou ampliar possibilidades para que elas próprias façam suas escolhas sobre suas vidas. Aponta para avançarmos nas pesquisas sobre a economia feminista na construção de indicadores baseados na experiência das mulheres como analisa Cristina Carrasco (2012) e Amartya Sem (2010). Uma ATER que recupera a experiência das mulheres, e provoca a elaboração de novos indicadores que reflitam rupturas com o modelo econômico, patriarcal e androcêntrico, e que leve em questão os cuidados com a vida, com os bens naturais e a espiritualidade. As narrativas das Agricultoras e das Técnicas evidenciam o quanto essa experiência proporcionou ampliar e fortalecer a auto confiança e autonomia das mulheres rurais no Pajeú. Nos âmbitos individuais e coletivos, a partir do fortalecimento de uma consciência política, que passa a questionar a naturalização das diversas formas de violências contra si mesmas e contra as outras mulheres. Passam a enfrentar os conflitos nas relações na família, compreendendo que é possível e justo a divisão do trabalho doméstico e de cuidado entre homens e mulheres, e não obrigação apenas delas, como “parte do destino”. Passam assim a construir novos arranjos e acordos na organização do trabalho doméstico e de cuidados com os maridos e filhos, mas ainda encontram muitas dificuldades e resistências em romperem com a divisão sexual do trabalho em casa, o que demonstra ser uma questão que deve ser mantida como um “problema” social ( e assim de política pública), e não apenas individual.


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A experiência do ATER Mulher trouxe para agenda dos movimentos sociais do campo a discussão sobre o trabalho de cuidados e do trabalho doméstico. Aqui chamamos atenção para necessidade de avançarmos para além de garantir a oferta de serviços de monitoria infantil na política de ATER, e sim reconhecer o trabalho de cuidados e o doméstico como parte da sustentabilidade econômica das práticas agroecológicas nos agroecossistemas. Desta forma, entendemos ser fundamental o investimento em processos educativos para descontruir a ideia que a responsabilidade do trabalho doméstico e de cuidados é apenas das mulheres, e que o trabalho produtivo é o que gera renda econômica. Como vimos em nossas análises, os estudos da economia feminista118 contribuem para o olhar crítico à economia e para afirmar o valor do trabalho doméstico e de cuidados como parte das estatísticas e das políticas econômicas. A violência contra à mulher foi outro desafio apontado. De acordo com os relatos, o Projeto contribuiu para ampliar os conhecimentos sobre essa temática e compreender que existem diversas formas de violência, mas demonstra existir uma lacuna nesse campo na política de ATER. Indica a necessidade de enfrentar essa questão no âmbito das políticas públicas e desenvolver estratégias voltadas para a realidade rural, onde não existe uma rede de apoio a essa questão. A experiência também indicou que é necessário ampliar o tempo de assessoria e promover ações continuadas, garantindo assim o devido tratamento a essa questão. Ressaltamos o papel e compromisso das Técnicas com a melhoria das condições de vida das Agricultoras e sua experiência feminista, como determinantes para o êxito desse Projeto. Também contribuiu para fortalecer e visibilizar as capacidades das Técnicas em suas experiências de ATER feminista e práticas agroecológicas, articuladas as suas organizações e movimentos, comprometidas com a transformação das desigualdades de gênero. Aponta a necessidade de aprofundamento sobre a relação de poder entre técnica e agricultora, nas contradições das práticas de assessoria.

Evidencia a existência de um processo anterior

desenvolvido por organizações feministas que referendou e impulsionou o Projeto no Pajeú. As metodologias construídas em diálogo com as agricultoras, valorização dos saberes das mulheres, demonstram a coerência com a pedagogia feminista. Por outro lado, vimos o quanto os processos burocráticos presentes no Estado estão longe da realidade das mulheres rurais e dificultam a plena execução das políticas.

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Ver CARRASCO, 2012. Ver publicações da SOF SempreViva Organização Feminista: Economia Feminista, 2002; A Produção do Viver, 2003; Análises Feministas: outro olhar sobre a economia e a ecologia, 2012.


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Aqui chamamos atenção para os possíveis conflitos e tensões enfrentadas pelas técnicas, em suas experiências em organizações mistas, onde em muitos casos são elas que assumem e garantem em suas práticas à perspectiva feminista. A política de ATER Mulher chega ao Pajeú, convocando as mulheres, Técnicas e Agricultoras, a se constituírem sujeitos do processo. E numa relação de construção dialógica, provocando mudanças, questionando o padrão da divisão sexual do trabalho nas relações na família, nas práticas produtivas, contribuindo na produção de conhecimentos feministas e exigindo o reconhecimento delas como sujeitos de direitos econômicos. Concluímos então que o feminismo foi o grande elo constitutivo, o aporte teórico e político na construção dos conteúdos e metodologia da política de ATER Mulher desde sua elaboração à sua prática. Em que medida o Projeto ATER Mulher se constituiu uma experiência voltada para uma perspectiva da igualdade ou da diferença em sua ação feminista? Nos desafiamos a responder essa questão. Em nossa compreensão a experiência indica ter desenvolvido estratégias que se articulam, numa lógica paradoxal, como aponta Joan Scott(2002),mostrando que ambos os conceitos muito mais do que posições distintas e antagônicas, são duas estratégias discursivas que podem ajudar a pensar os feminismos em diferentes contextos históricos e realidades. Como nos provoca essa autora sobre a complexidade do feminismo e sua práxis. O feminismo tem sido, historicamente, um exemplo de complexidade, porque é complexa a sua práxis crítica. Esta, na verdade, faz com que a história do feminismo se torne até mesmo parte integrante do próprio projeto que elabora, isto é, a história do feminismo é, em si, uma história feminista. (SCOTT, 2002, p. 48).

Assim, levantamos questões para nos provocar a pensar sobre a complexidade da prática feminista em diferentes dimensões e contextos da política, (estrutural e local) e os desafios para garantir o projeto feminista de transformação social. Portanto nossa intenção no final desse trabalho, não é responder nem apontar o certo e o errado, mas indicar questões para aprofundar em futuros trabalhos. A experiência do ATER Mulher demonstrou fortalecer a perspectiva do feminismo da igualdade (pensado em um modelo de igualdade no masculino) cujo objetivo foi a igualdade de direitos entre homens e mulheres, no âmbito da política pública de Estado, exigindo a igualdade e construindo estratégias de paridade na composição das instâncias de participação política e controle social, assim como nas equipes técnicas de ATER e no atendimento do público das chamadas públicas (exigindo o mínimo de 50% de mulheres). Por outro lado, a experiência de ATER Mulher não ficou apenas no âmbito da igualdade na forma de participar na sociedade, também reafirmou a necessidade de marcar a diferença reconhecendo as especificidades e identidades das mulheres rurais e valorizando suas


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experiências. Foi além quando propôs alterar o modelo dominante, propondo mudanças nas estruturas do Estado, da família e resignificando a economia. Nesse sentido nos arriscamos a indicar que a experiência de ATER Mulher contribuiu para alterar o padrão patriarcal arraigado no Estado e criar novos arranjos e racionalidades, alterando as práticas políticas, incluindo novos conteúdos e recuperando a experiência feminista ( como uma novidade na política pública). Este é o desafio se ousarmos pensar em um projeto feminista de transformação social em que a igualdade é um horizonte e a diferença sua radicalidade. Percebe-se que essa experiência estava enraizada em um contexto histórico e político que demonstrou a capacidade dos mecanismos democráticos de participação entre a sociedade civil crítica e organizada, e o governo comprometido com a igualdade de gênero num momento histórico propício para o encontro e diálogo. A força da auto-organização dos movimentos de mulheres rurais e feministas, foi o motor impulsionador para efetivação da ATER Mulher, assim como de tantas outras políticas públicas específicas. (Pronaf Mulher entre outras). A experiência indica que o Estado pode ser outra coisa mais democratizante, desde que tenha uma sociedade civil forte, organizada e crítica e que se estabeleça um processo dialógico de disputas pela hegemonia. Os governos passam, muda-se a gestão, as políticas públicas, mas o Estado permanece.

O caminho para

despatriarcalizar o Estado, como vimos é longo, dinâmico e conflituoso. A experiência do ATER Mulher é inspiradora e provocadora!


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133

APÊNDICE A – Conferência Nacional de ATER para Mulheres Rurais

Trabalho de grupo na Conferência Nacional de ATER para Mulheres Rurais em 2015. Brasília.

Trabalho de Grupo na 2ºConferência Nacional de ATER para Mulheres Rurais em Brasília


134

Mesa de abertura da 2º Conferência Nacional de ATER para Mulheres Rurais:CONTAG,SPM,DPMRQ,MIQCB

Comissão organizadora da 2ºConferência Nacional de ATER para Mulheres Rurais-Brasília


135

Oficina com as agricultoras do ATER Mulher realizada no município de Santa Cruz da Baixa Verde no Sertão do Pajeú.

Elementos simbólicos componentes da dinâmica da oficina: em Santa Cruz da Baixa Verde no Sertão do Pajeú.


136

Atividade “coletiva” de campo com as mulheres atendidas pela ATER Mulher na comunidade Lagoa do Almeida, Pajéu

Agricultoras participantes do Grupo Focal na casa da agricultora Neves no município de Tabira, Sertão do Pajeú.


137

Bandeira para chamada da rádio Mulher, atividade desenvolvida durante ATER Mulher.

Seminário de Avaliação Final do ATER Mulher realizada em Afogados da Ingazeira, Sertão do Pajeú.


138

Seminário de Avaliação Final do ATER Mulher em Afogados da Ingazeira, sertão do Pajéu

Mulheres participantes do Seminário de Avaliação do ATER Mulher em Afogados


139

Visita de campo a agricultora Neves em Tabira, sertĂŁo do PajeĂş.

Oficina com as mulheres ATER Mulher na comunidade Quilombola de Mirandiba


140

Atividade de campo com as agricultoras do ATER Mulher no município de Mirandiba, sertão do Pajéu

Atividade de campo com as mulheres do ATER Mulher em Mirandiba


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ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA AS GESTORAS DA DPMRQ

Dados Gerais Nome, formação, cargo que desempenhou na DPMRQ e período que esteve.

Histórico da DPMR 1. Falar sobre o surgimento e marcos históricos da DPMR, sua proposta, dificuldades

2. Qual era o contexto? A relação com os movimentos sociais e de mulheres? E o papel nessa construção?(lembro que foi uma proposta dos movimentos de mulheres rurais na Marcha das Margaridas?)

2.1 Fale do processo até chegar a DPMR? O que mudou?

3. Qual era a missão, objetivos, estratégias da DPMR?

4. Explicar sobre as principais ações, programas ?

5. Qual a relação da DPMR e o feminismo?

6. O que é o feminismo para você?

7. Fale da estrutura da DPMRQ? Equipe? Recursos?

8. Relação com o MDA e outros ministérios? Quais as estratégias feitas? Os arranjos institucionais? Dificuldades internas?

9. E para fora? Com a sociedade civil como era sua relação? Participação e articulações políticas: redes, movimentos, conselhos. Suas estratégias?

10. Faça um balanço sobre o papel da DPMR no Estado nesses últimos 12 anos de governo: como os ministérios, secretarias e outras instâncias no governo federal e


142

nos estados e com os movimentos e organizações feministas do campo. Articulações entre políticas.

11. Principais entraves/dificuldades e Avanços

12. Os Aprendizados

13. O que fica? O que faltou? O que deu certo e deve ser replicado, ser referência?

14. Como você analisa as mudanças sofridas pela DPMR? Sua saída? Outra gestão? E entre a gestão Lula e Dilma? O que mudou?

15. Olhando para o momento político atual e o governo Michel Temer e a extinção da DPMR, assim como SPM, quais são suas observações? Perdas? Retrocessos? Saídas? Sobre a ATER Mulher 16. Vamos focar agora na política de ATER a. Antes gostaria de saber o que entendi por Política Pública? b. E sobre a PNATER? O que destaca? E para as mulheres rurais o que significa? c. Gostaria que falasse sobre a participação da DPMR na construção da PNATER: como participou? As contribuições? Estratégias? As dificuldades enfrentadas? A relação com o Estado? E com os movimentos?

17. Fale sobre a Política de ATER Mulher. Defina. Quando surgiu? Contexto? Como surgiu? Por quê? Qual sua intenção? Embates com a PNATER? Propostas? Estratégias? É uma ação afirmativa?

18. Em sua opinião qual o significado da política Setorial de ATER Mulher para institucionalidade das questões das mulheres no Estado? E para os movimentos de mulheres? E agricultoras? 19. Destaque as contribuições e avanços alcançados


143

20. Fale um pouco sobre a experiência nas chamadas do ATER Mulher? Como avalia para as mulheres agricultoras? Quais as principais dificuldades? Avanços? O que poderia melhorar? 20. Como você analisa o cenário hoje do governo Temer em relação a PNATER? 21. E em relação às mulheres e as rurais em especial? Impacto para as Mulheres a. Como você analisa o acesso da política de ATER em especial da Chamada de ATER Mulher para as agricultoras ? b. Principais dificuldades? c. Avanços? d. O que falta?

Contribuições do Feminismo e. Você acha que o feminismo contribuiu para a criação da DPMR? Se sim Como? Se não Por que não? f. E para a Política de ATER? g. Como? Quais as questões principais? h. Como o Estado incorporou essa perspectiva? Ou não? i. Como o feminismo contribui para agroecologia? j. Quais os principais entraves e tensões em se utilizar essa perspectiva na gestão de políticas públicas?

22. Você quer falar mais alguma coisa?

23. Qual a mensagem para as mulheres rurais nesse momento político?


144

ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM AS TÉCNICAS

1.

IDENTIFICAÇÃO DA TÉCNICA

Nome Completo: Formação: Idade: Entidade Contratante: Chamada Pública: Lote: Estado: Território em que atua: Municípios em que atua: Comunidades em que atua: Número de Mulheres que atende: Número de Visitas Técnicas que realiza por mês as mulheres: Elaboração de Material Didático: quais? Relatórios: periodicidade? Quais são os instrumentos que comprovam o trabalho de campo da técnica: lista de presença, Ateste? Qual seu uso, possui dificuldades?

2.

Questões Abertas relacionadas à TRAJETÓRIA da Técnica: 1.

Qual sua trajetória profissional antes de participar desse projeto?

2.

Em quais entidades trabalhou antes dessa entidade? Cite

3.

Qual trabalho realizava?

4.

O trabalho anterior deu subsídios para atuar nessa Chamada? Quais contribuições?

5.

Já recebeu alguma formação para a sua prática enquanto técnica? Quais foram?

6.

Participou da formação de Agroecologia em parceria com os Núcleos de Agroecologia das Universidades

7. Na sua compreensão o que é feminismo para você? Como relaciona na sua prática, dê um exemplo como técnica e na sua vida? 8. O Feminismo está presente na sua organização? Dê um exemplo como isso acontece no campo, na prática? Você encontra dificuldades?


145

9. Na sua compreensão o que é agroecologia para você? Como relaciona na sua prática, dê um exemplo como técnica e na sua vida? 10. A Agroecologia está presente na sua organização? Dê um exemplo como isso acontece no campo, na prática? Você encontra dificuldades? 11. Na sua prática de ATER como você vê a violência contra a mulher? 12. Essa é uma questão tratada pela sua organização? 13. Como é feito essa abordagem? Qual o método que utilizam para enfrentar a violência contras as mulheres? 14. Quais as dificuldade que você enfrenta para lidar com essa problemática da violência contra as mulheres?

3.

Questões Abertas relacionadas ao TRABALHO da Técnica com a organização:

1. Quais atividades você realiza nessa Chamada? 2. Como realiza cada uma? 3. Qual apoio você recebe da entidade em que trabalha? Cite. 4. Como a organização lida com os processos de formação e reconhecimento das técnicas/os? Quais os temas? Há uma política interna de formação, na perspectiva do feminismo e fortalecimento das técnicas? (aqui se busca identificar se há violência institucional, que muitas sofrem) Há reconhecimento por parte da instituição do papel da técnica como sujeito/a da política no papel de educadora, para além da execução de metas? 5. Como se dá a divisão de trabalho entre técnicas e técnicos na instituição? 6. Já passou por alguma situação de preconceito por ser mulher na organização ou com o publico (família, baneficiárias)? 7. Você já sofreu algum tipo de violência na sua vida?


146

Trabalho da técnica com as Metodologia das Chamadas:

1. Quais impactos você percebe desse projeto para o interior da entidade? E para as relações externas da entidade? Como se dá na prática a abordagem da ATER? Se é com a família ou individualmente com as mulheres? 2. Quais dificuldades você percebeu no âmbito da família para garantir a participação das mulheres no projeto? 3. O projeto executado optou por ações individuais com as mulheres? Quais? E por quê? 4. Atuou em ações coletivas? Quais? E por quê? 5.

Quais metodologias utilizadas você considera exitosas no projeto? Quais metodologias você considera desafiadoras e difíceis de realizar? As metodologias favorecem, respeitam e não reforçam o papel da mulher na unidade doméstica, sem a sobrecarregar de tarefas?

6. Quais os temas abordados com as mulheres? Como são trabalhados? Como as mulheres respondem a esses temas? 7. Como o tema do feminismo é abordado no projeto? 8. Como o tema da agroecologia é abordado no projeto? 9. Como a assessoria visibiliza/valoriza o trabalho e o conhecimento das agricultoras? Na Organização produtiva das mulheres qual é o foco com as mulheres? Nos quintais, na roça? Para além dos quintais? A ATER contribui com a auto-organização das mulheres? Favorece o exercício, por parte das agricultoras, de controle social das políticas públicas?

10.Como é seu papel no processo de elaboração dos projetos para acesso a fomentos e Pronaf? Me explique como se dá na prática e se tem dificuldades?

11.Como a assessoria trabalha ou não com as mulheres jovens? Negras? Lésbicas, Indígenas? Há ações específicas ou projetos?

12. Quais as principais dificuldades que as mulheres enfrentam nas dimensões do seu trabalho produtivo e na família?


147

13. Quais mudanças você percebe na vida das mulheres a partir das atividades desse projeto? (considerar as dimensões afetivas, conjugais, trabalho produtivo e reprodutivo, político, social). 1. Quais as dificuldades de incorporar as inovações trazidas pela nova chamada na organização? Como que a organização vem superando ou não? Explicitar a exigência dos 50% do público serem mulheres e 30% dos recursos serem destinados as mulheres? 2. Para sua organização como você avalia essa exigência do 50%? Identificar os conflitos e os avanços no desenvolvimento das chamadas? 3. Como que a organização se adequou para atender essas exigências?

15. O que proporia de sugestões ou mudanças nas chamadas? 16. Enxerga avanços na política e quais os desafios com o governo? 17. Como trabalham o descompasso da política, os entraves da pouca formação?

Roteiro para Entrevista com as integrantes do Comitê de Organização Produtiva Objetivos: •

Identificar as percepções das integrantes nesse espaço sobre a DPMRQ a partir de sua experiência no Comitê(objetivos, agenda, tensões, aprendizados e dificuldades);

Compreender a dinâmica do Comitê de Organização Produtiva nos âmbitos da DPMRQ, do MDA e das relações com a sociedade civil em especial com o movimento de mulheres rurais e ONGs feministas;

Identificar os temas e agendas tratadas nesse espaço;

Impressões sobre a política de ATER com foco na chamada de ATER Mulher;

Impressões e perspectivas sobre a atual conjuntura política para as mulheres rurais


148

Dados Gerais 1. Nome 2. Organização/movimento 3. Idade 4. Raça 5. Função/profissão 6. Formação

Dados sobre sua organização/ movimento

Quanto tempo existe? Qual seus objetivos e missão? Quais suas principais ações? Desenvolve ATER? Se sim desde quando? Onde e como? Qual a relação com o feminismo?

Sobre a relação com a DPMRQ

Qual o seu conhecimento sobre a DPMRQ? Fale um pouco sobre sua visão desse organismo Na sua opinião qual o papel desempenhado por essa Diretoria? Qual sua participação no processo da DPMRQ Como foi? Quando foi? Marcos relevantes? As dificuldades ? Tensões?

Sobre o Comitê de Organização Produtiva

Você participou do Comitê de Organização Produtiva? Explica o que era esse espaço. Como e porque surgiu? Fale de sua experiência. Sua importância? Contribuições? Dificuldades? Como se dava a relação com a DPMRQ? Para você o que significou esse espaço como mulher? Aprendizagens? Quem participava desse espaço?


149

Qual a relação com o movi mento de mulheres? Qual era a dinâmica? Reuniões? Período? Metodologia? Qual a pauta? Os temas tratados? Qual a relação desse espaço com as demais instâncias do governo? O que observou? Diga os principais avanços e resultados desse processo? As tensões? Dificuldades? Em sua opinião o que faltou? OBS: foi um espaço de participação e controle social de fato? Explicar

Sobre a experiência no Comitê de Organização Produtiva e sua organização/movimento

Fale sobre os ganhos e contribuições para sua organização/movimento participar desse espaço? E para outros movimentos de mulheres rurais como você analisa essa relação? Quais outros espaços de incidência política pública sua organização/movimento participa ? Como você analisa a conjuntura atual para as mulheres rurais? Quais as perdas ? Quais as possibilidades ? Como sua organização/movimento tem enfrentado?


150

ROTEIRO PARA GRUPOS FOCAIS COM AGRICULTORAS

1. DADOS DA CHAMADA PÚBLICA •

Entidade Contratante da ATER:

Chamada Pública:

Lote:

Território:

Estado:

2. IDENTIFICAÇÃO DAS AGRICULTORAS (Painel em targetas com apresentação de todas) •

Nome Completo:

Idade:

Nome da comunidade onde reside:

Nome do município/território:

Estado civil:

Tem filhos:

Escolaridade:

Condição da terra:

Tecnologias hídrica: Cisterna, poço outro

Raça/etnia : como se identifica

Comercializa ? Onde?

3. SOBRE A ATER 3.1O que entendem por ATER? 3.2 Desde quando recebem ATER? 3.3 O que acha do projeto ATER Mulher nessa Camada pública? 3.4 Como veem a assessoria técnica feita por mulheres? É diferente da que é feita por homens?

4. ATER E AS TÉCNICAS 4.1 Como as técnicas se relacionam com vocês?


151

4.2 Quantas visitas vocês recebem por mês? 4.3 As visitas são individuais ou em grupo? Quais as vantagens de uma ou de outra? 4.4 Quanto tempo dura cada visita? 4.5 Sentem alguma dificuldade com a técnica? Quais?

5. Metodologia da ATER 5.1 Quais os temas das capacitações realizadas? Qual a frequência das capacitações? (ver quais temas são ligados à agroecologia e à dimensão de gênero) 5.2 Analisar abordagem feminista: •

Violência contra à mulher

Divisão sexual do trabalho

Auto organização

Autonomia econômica e política

5.3 Houve dificuldades de discutir algum tema? Qual? Quais as dificuldades? 5.4 As técnicas disponibilizaram algum material didático? Houve dificuldade para ler e entender o material? 5.5 A assessoria incentiva a auto-organização das mulheres? Participam de algum grupo, rede de mulheres?

6. Acesso a Políticas Públicas e participação política 6.1Quais os espaços políticos de participação: conselhos, associações, redes, fóruns? 6.2 Como faz a gestão e comercialização da sua produção? Comercializam em feiras agroecológicas? Participam de alguma rede de comercialização? Qual? 6.3 Tem acesso às políticas públicas, como PAA, PNAE?

7. Mudanças na Vida das mulheres 7.1 Quais as principais mudanças na sua vida a partir da ATER Mulher? Quais os sonhos, desejos, perspectivas? 7.2 Quais as mudanças foram feitas na unidade produtiva a partir da assessoria? (identificar se houve introdução de novas variedades de plantas, animais, mudanças no manejo, nas técnicas aplicadas, disponibilidade de água, gestão da água, mudanças no ambiente de modo geral) 7.3 Houve mudanças na sua alimentação? Quais?


152

7.4 O que produz é consumido pela família? 7.5 Quais as mudanças na gestão da unidade produtiva? Na tomada de decisão? Na divisão sexual do trabalho doméstico? 7.6 Mudanças como mulher, em casa, fora de casa, na autoconfiança, se reconhecer enquanto sujeito. Nas relações de poder na família. Alguma mudança? 7.7 Sugestões para ATER Mulher


153

ATER MULHER ESTADO MDA Formulação Disputas

DPMRQ

Concertação Diálogo Proposição Monitoramento

(GESTORAS)

COMITÊ DE ORGANIZAÇÃO PRODUTIVA

REALIDADES E EXPERIÊNCIAS LOCAIS

TÉCNICAS

Vivido Materializado

AGRICULTORA S


154

PERFIL DAS AGRICULTORAS PARTICIPANTES DO ATER MULHER PAJEÚ GRUPO FOCAL Nome

Organiz ação

Estado civil

Comuni dade

Filhos(a s

Idade

Ativida de Produti va

Acesso a Tecnolo mercad gias os

Condiçã o da Terra

Escolari dade

Raça

Particip ação Política

Ação mais importa nte

Juliana Veras

Rede Pajeú

Casada

Mundo Novo Tabira

04 filhos(as )

30

Roça e quintal

Não tenho

Cisterna p/beber fogão agroecol ógico

Própria (esposo)

Ensino fundame ntal complet o

Parda

Intercâm bio São José do Egito melhora mento do quintal

Maria das Neves

Rede Pajeú

Solteira

Sitio Mundo Novo Tabira

Não tem

52

Quintal e costura

Feira e comunid ade

Cisterna Calçadã o, fogão agroeco. poço amazona s, água encanad a

Herdeiro

2º grau complet o

Branca

Sindicali zada e integrant e da Rede de Mulhere s Produtor as do Pajeú. Presiden ta da Rede de Mulhere s Produtor as do Pajeú. Comissã o de Mulhere s Rurais da Sec. de Politicas

Oficina forrage m


155

Maria das Dores Alves da Silva

Casa da Mulher

Casada

Rudiado r Afogado s

03 filhos

56

Hortaliç aproduç ãode mudas e benefici amento. Criação de galinha e ovelhas.

PAA e Feira Agroeco - lógica de Afogado s da Ingazeir a

Cisterna. Poço artesiano , viveiro de mudas, fogão agroecol ógico e biodiges tor

Herdeiro

Fundam ental incompl eto

Parda

para Mulhere s de PE. Integrant e do Comitê de Organiz ação produtiv a para as mulhere s rurais junto à diretoria de politicas para mulhere s do MDA Conselh o de desenvol vimento Rural Sustentá vel de Afogado s da Ingazeir a. Sindicali zada.

Intercâm bios e troca de experiên cias


156

Diretoria da Associaç ão de Caprinos e Ovinos de Afog. da Ingazeir a. Margari da dos Santos Garcias

Casa da Mulher

Casada

Poço Redondo Tabira

02 filhos

39

Criação galinhas, roça e pequeno s animais

Não PAA e PNAE

Cisterna beber, fogão agroeco. poço amazona s, cisterna produçã o

Própria

2º grau complet o

Morena

Sócia da associaç ão da comunid ade, sindicali zada, coorden ação do grupo de mulhere s, Integrant e da Rede de Mulhere s prod. Do Pajeú

Intercâm bio experiên cia de caprinos e ovinos


157

Robécia Daniel

Rede Pajeú

Casada

Caldeirã o Dantas Tabira

03 filhos

31

Criatório de galinhas

Não PAA e PNAE

Cisterna s poço artesiano

Da sogra

1º série do 2º grau

Branca

Integrant e da Rede de Mulhere s Produtor as do Pajeú.

Rita da Silva Furtunat o

Casa da Mulher

Casada

Poço Redondo Tabira

05 filhos

53

Criação pequeno s animais, alimento s p/consu mo da família

PNAE

Cisterna beber, calçadão e biodiges tor

Propriet ária

1º grau incompl eto

Parda

Vice presiden te da Associaç ão da comunid ade, Conselh o de desenv. Rural Sustentá vel de Tabira. Sindicali zada, Coorden ação do grupo de mulhere s, Integrant e de

Visitas dos técnicos na minha comunid ade troca muita experiên cia e vistas as hortas Intercâm bios


158

Rede de Mulhere s prod. Do Pajeú Marlene Pereira

Rede Pajeú

Casada

Mundo Novo Tabira

04 filhos

40

hortaliça

Poço amazona s

Do sogro

4º série

Branca

integrant e da Rede de Mulhere s Produtor as do Pajeú.

Intercâm bios


159 Organizaçã o

Escolaridad e

Idade

Raça

Ana Cristina

Rede Pajeú

História pós geo-política e história

35

branc a

Eliane

CMN

Zootecnista

46

branc a

Tatiane

CMN

Médio técnico em Agroecologi a

27

branc a

Nome

Formação Feminista e Agroecologia Sim na CMN, GT mulheres da ANA, redes e movimentos

Militância e Histórico

Atendimento

Dificuldades

Avanços

Sugestões

Iniciou na CMN hoje na Rede Pajéu

07 municipios120 mulheres pra Rede e 120 pra CMN média de 50 por técnica

tempo curto, metodologia fechada. Foco no individual.A fiscal rigorosa. DAP ser conjunta

Formação Feminista e agroecológica. Ampliação das mulheres Além das chamadas

Ampliar pra atividades coletivas; flexibilizar as atividades de acordo com as demandas das mulheres. Fomento pra investir na infra dos quintais.

Sim na CMN(feminista)e tb em outras organizações que trabalhou antes

Iniciou no MST, na Fase, no Caatinga e na CMN e no fórum de mulheres do Pajeú

06 municípios 120 (03 visitas por mês) média de 50 mulheres atendidas

Essas mulheres já eram atendidas pela CMN. O conhecimento feminismo e agroecologia.

Garantir o fomento só para as mulheres. A chamada ter mais tempo para garantir qualidade das visitas.

Iniciou no sindicato no grupo de jovem, grupo de mulheres na comunidade, pela CMN participou de formações e depois como técnica na CMN.

02 municípios Afogados da Ingazeira(Curral Velho e Umburanas) e São José do Egito(açude da Porta e São Miguel) 50 mulheres atendidas em média O TOTAL DA CMN 120 DIVIDIDO ENTRE VOCÊ E TATI

Chamada precisa de ajustes. Tempo curto interferi na qualidade Ter continuidade. DAP e o PRONAF as mulheres não acessam. Por ser jovem enfrentou algum preconceito. O fomento não ter chegado para as mulheres.

No Serta curso Agroecologia e CMN sua formação feminista

A CMN agregou ao modelo da chamada, caracterização ea metodologia pela experiência. “Nós é que qualificamos a ATER”.

Garantir o fomento para as mulheres. Aumentar as visitas e o tempo.


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ANEXO

Publicações da Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais e Quilombolas-DPMRQ


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RELATÓRIO DE ATIVIDADES ATIVIDADE: 9.13 (Seminário Final de Avaliação)

ENTIDADE EXECUTORA

CNPJ: 41.228.651/0001-10 Endereço: Rua do Sossego, nº 355, Bairro Santo Amaro – Recife/PE

Chamada Pública Nº 10/2013/DPMRQ/MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA Diretoria de Políticas para as Mulheres Rurais e Quilombolas CONTRATO Nº 210 – objetivando a prestação de serviços de assistência e extensão rural – ATER para Mulheres Agricultoras Familiares Rurais, no estado de Pernambuco.

2 - IDENTIFICAÇÃO DA ATIVIDADE


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Tipo de atividade: Seminário Título: Seminário Final de Avaliação Local: Território Sertão do Pajeú Município: São José do Egito /PE Data da realização da atividade: 22 de Novembro de 2016 Carga horária: 08 horas Público Participante:29 Mulheres

Entidade executora: Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá - PE

3 – OBJETIVO Avaliar com as beneficiárias os serviços de ATER, identificando os principais avanços, resultados, apontando desafios e as demandas das mulheres para continuidade dos serviços de ATER. 4 – METODOLOGIA UTILIZADA PARA REALIZAÇÃO DO SEMINÁRIO Para realização do seminário utilizou-se alguns recursos metodológicos para facilitar as discussões e os trabalhos com as mulheres no processo de avaliação da execução das ações do projeto Ater para mulheres: - Abertura dando boas vindas às participantes utilizando mais uma vez a dinâmica de construção

da mandala no centro da sala, essa dinâmica esteve presente em todas as atividades coletivas de construção do conhecimento, foi tida como sendo um espaço de exposição coletiva das várias experiências desenvolvidas pelas mulheres, no que se refere ao compartilhamento dos vários saberes, as troca de sementes, além da comercialização dos produtos das agricultoras. Para subsidiar todo o seminário foi utilizada a dinâmica da “rádio a voz da mulher”, essa metodologia da rádio funciona como um espaço interativo de diálogo com as mulheres, nessa dinâmica as agricultoras discutem o tema, mandam recados e interagem com as falas das convidadas a respeito dos temas em debate, além de ter a contribuição da facilitadora durante todo o tempo mediando às falas e instigando a participação das mulheres simulando a participação delas como se estivessem na realidade em um estúdio de uma rádio. Após a construção da mandala, a facilitadora da “rádio a voz da mulher” foi chamando as participantes para irem organizando os materiais e formando a mandala no centro da sala. Depois desse momento, foi feita a socialização da programação do seminário e feito os acordos de convivência. Para contribuir no diálogo com os temas do seminário, algumas


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organizações parceiras locais que também fazem trabalho de Ater na região, foram convidadas. As falas das mulheres convidadas representando as organizações parceiras locais focou nas políticas de Ater para as mulheres, onde destacaram as experiências em curso nos municípios de atuação, também subsidiou a identificação de questões importante a cerca dos avanços e desafios da Ater para as mulheres rurais, destacando a caminhada realizada para efetivação de direitos das mulheres no tocante ao acompanhamento técnico produtivo. Foi um momento muito rico de debate e de interação com as falas das facilitadoras e das agricultoras.

A programação do seminário teve foco nos principais pontos: - Roda de diálogo:

Análise da política de Ater, avanços e desafios;

- Debate; - Formação de grupos de trabalho com as mulheres para análise do processo vivenciado com as

agricultoras através do projeto Ater Mulher, além de identificar os desafios e as demandas para continuidade da Assistência técnica específica; – Apresentação

dos trabalhos de grupos;

-- Encaminhamentos; – Avaliação do Seminário.

5 – MATERIAL DIDÁTICO Os materiais didáticos utilizados para realização do seminário foram: Data show, notbook, CD com música, máquina fotográfica, caixa de som com microfone, lápis piloto, cartolinas, lápis de pintar, fichas de avaliação individual, banner, produtos das agricultoras, material expositivo como cartilhas, boletins informativos...

6 – DIFICULDADES APRESENTADAS E RESULTADOS OBTIDOS COM AS AÇÕES DE ATER Essa chamada pública de Ater para mulheres no Sertão de Pernambuco foi um processo muito importante de construção coletiva fortalecendo as várias experiências e vivências com as agricultoras, seja na ação coletiva, seja na ação individual. Desde o início da execução com a ação de mobilização que perpassou por todos os outros processos, de formação, troca de experiências, os diversos saberes construídos durante todo o projeto. Além de todo esse processo coletivo, a chamada fortaleceu também as ações com vários grupos de mulheres no território, principalmente na parte de mobilização das agricultoras para inserir-se em grupos


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coletivos de mulheres na própria comunidade. As atividades, sobretudo, de formação coletiva contribuíram para que as agricultoras compartilhassem seus conhecimentos e saberes, e mobilizou outras mulheres para juntar-se aos grupos já existentes nas comunidades, além da formação de novos grupos de mulheres no território do Pajeú. No processo de execução dessa chamada, outro destaque se refere ao fato de algumas mulheres também se firmarem, principalmente na participação das atividades tanto na comunidade como intercomunidades. Foi um processo participativo muito grandioso algumas mulheres no início dos trabalhos demonstraram muitas dificuldades para sair de casa, mas no decorrer das atividades de formação, principalmente, conseguiram refletir sua condição de submissão e participar do conjunto de todas as ações da chamada. As formações também merecem destaque, principalmente porque nos vários depoimentos das mulheres a metodologia das atividades de formação coletiva possibilitou a aplicação da prática dos conhecimentos teóricos trabalhados nas oficinas. Na avaliação das mulheres ter uma assessoria técnica continuada, faz toda a diferença nos vários trabalhos desenvolvidos por elas. Tendo um acompanhamento técnico continuado, podem contar com um apoio técnico na hora que tiverem alguma dificuldade na atividade produtiva, bem como nas atividades formativas coletivas. Outra contribuição do projeto para as mulheres foi na organização de documentos pessoais para inserção na chamada, teve o caso de agricultora que conseguiu retirar sua DAP a partir da intervenção da chamada de Ater e assim inserir-se em programas sociais. As reuniões que aconteceram com as agricultoras nas comunidades para discutir a participação delas nos projetos de acessos aos Pronaf´s através das articulações pelos Sindicatos foram momentos de muitos debates e diálogos na construção dos projetos produtivos de algumas agricultoras, e a assistência técnica contribuiu na orientação das mulheres para planejar suas propostas. Nesse sentido, a continuidade da chamada de Ater específica para as mulheres foi identificada e reconhecida pelas agricultoras como um desafio para efetivação dos processos produtivos em curso. As mulheres destacaram muitos avanços até agora, mas, reconhecem que precisam da continuação dos trabalhos de uma Ater que atenda suas necessidades tanto no campo da produção agrícola em seus quintais com essa situação de seca persistente na região, como também no apoio a auto organização, e também na construção de estratégias para comercialização da produção. As agricultoras reconhecem que os conhecimentos compartilhados, bem como as práticas agroecológicas de convivência com o semiárido realizadas nas formações dessa chamada pública tem contribuído para melhorar a estrutura do solo nos seus quintais, que as práticas de reutilização de águas nos pequenos sistemas de micro-irrigação tem favorecido ao plantio de plantas mais adaptadas a esse tipo de água e diminuído o impacto desse tipo de água jogada a céu aberto no meio ambiente. Outra questão importante identificada pelas agricultoras, refere-se diretamente aos fomentos produtivos, pois na avaliação das beneficiárias da chamada, esses recursos são de grande importância para melhoria da infraestrutura produtiva de seus quintais agroecológico. Mesmo sendo recursos pequenos, mas que fazem uma grande diferença na melhoria das condições de trabalho. Por ser a região do Pajeú, fortemente marcada por longos períodos de seca a exemplo da estiagem que vem castigando atualmente essa região, essa é uma das razões que justifica muitas das demandas das mulheres no tocante a produção agrícolas, que estão justamente relacionadas a pouca água para produção. Nesse sentido, faz-se necessário além de fortalecer as ações já existentes, pensar estratégias que possa contribuir e fortalecer as ações de convivência com o semiárido, seja no desenvolvimento de práticas e tecnologias simples que contribuam com a melhoria tanto para a captação de água, quanto para o melhor


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reaproveitamento da pouca água existente. Essa é uma das razões também que na avaliação das agricultoras é importante à continuação de uma Ater específica. Outro desafio identificado pelas mulheres participantes da chamada, está relacionada aos espaços de comercialização da produção agroecológica de seus quintais produtivos. Nos últimos anos, os programas PAA e PNAE tem sido estratégicos espaços para a comercialização de seus produtos. Mas, também muitos são os desafios desses programas nos municípios, sobretudo, pela pouca disponibilidade de vagas por município, demora nas prestações de contas que tem acarretado na descontinuidade dos programas e na perda da produção. As mulheres reconhecem que é muito importante buscar outros espaços de comercialização, a exemplo, das feiras agroecológicas nos municípios, além de outros espaços locais para escoamento de suas produções. Essa também é uma das razões que na opinião das agricultoras justifica a continuação de uma Ater específica. As agricultoras reconhecem que seus quintais produtivos são de grande potencial produtivo e econômico, são os alimentos produzidos nos quintais das mulheres que vem garantindo a soberania e segurança alimentar de suas famílias. Mas, também reconhecem que a sobrecarga de trabalho é enorme. Principalmente porque fazer a divisão de tarefas com outros membros da família ainda é um desafio. Esse é reconhecido como sendo também um desafio que deve ser focado no trabalho das chamadas de Ater, bem como em todas as atividades com as mulheres. As ações de formação coletiva tem sido estratégicas para o fortalecimento dos processos com as agricultoras, a construção coletiva do conhecimento é identificada pelas mulheres como de grande importância para melhoria das atividades que desenvolvem nos seus quintais. A auto organização das mulheres tem sido essencial, sobretudo, no fortalecimento de suas lutas, bem como na visibilidade de seus trabalhos seja na produção coletiva ou individual ou no desenvolvimento de seus conhecimentos. Porém, de todo o processo vivenciado com as mulheres nessa chamada, na avaliação delas a questão negativa foi a não implantação das propostas dos 24 fomentos produtivos. Isso porque do total de mulheres participantes dessa chamada, 24 agricultoras foram consideradas aptas a ser beneficiadas com o fomento produtivo, mas até o momento não saiu nenhum recurso com essa finalidade.


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7- SISTEMATIZAÇÃO DOS TRABALHOS DE GRUPOS

Dificuldades Mulheres participar de atividades tanto na comunidade como fora da comunidade;

Programas de comercialização nos programas PAA e PNAE; Acesso à água para produção;

Geração de renda e organização produtiva; Acesso às políticas públicas de acesso a crédito e comercialização; Mobilizar mais mulheres para fortalecer os grupos nas comunidades; Continuação da chamada de Ater específica; Implantação dos fomentos produtivos.

Estratégias Fazer uma mobilização mais direta com a participante refletindo a situação da mulher ali identificada;

Ampliar os espaços de comercialização da produção;

Conquistas O projeto Ater Mulher contribuiu na realização de atividades que favoreceram uma participação significativa das mulheres, um destaque para as oficinas de gênero que refletiram as dificuldades de muitas mulheres saírem de suas casas para participar de atividades; Feiras agroecológicas, eventos, vizinhança...

Criar tecnologia de reaproveitamento de águas cinzas;

Práticas agroecológicas de melhorias de solo e tecnologias simples de reaproveitamento de águas usadas;

Planejamento e atividades de formação;

Espaços de comercialização;

Participar dos espaços de discussões politicas em âmbito municipal,

estadual e federal; Articular mulheres para fortalecer a auto organização;

Formação de novos grupos de mulheres;

Dialogar nos espaços de poder a continuação da chamada específica. Trabalhar outras linhas de crédito para financiamento das atividades dos quintais.

Acessar Fundos rotativos solidários, pequenos investimentos que fortaleça as atividades produtivas das mulheres.


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8 – CONCLUSÃO Fortemente marcado por longos períodos de estiagem, o território do Pajeú também concentra questões sociais que impactam diretamente na vida produtiva e reprodutiva das mulheres. Um exemplo disso é o machismo, questão estruturante e que fortalece as estruturas de desigualdades, sobretudo, na vida das mulheres. Essa é uma das questões de grande relevância e que deveria ser considerada em todas as ações desenvolvidas ou a ser executada com as mulheres, principalmente com mulheres agricultoras. Por isso, faz-se necessário que as políticas públicas levem em consideração as especificidades e demandas das mulheres. Na avaliação das mulheres os serviços de Ater devem favorecer a construção coletiva do conhecimento, bem como fomentar a construção de metodologias que possibilite uma maior reflexão das diversas desigualdades vivida pelas mulheres, principalmente no acesso a terra, água e financiamento. Outra questão bastante relevante na avaliação das agricultoras é a diferença que conseguem fazer na execução da própria chamada de Ater específica para mulheres, na opinião das agricultoras quando a chamada é executada por mulheres técnicas o trabalho torna-se mais participativo e “diferente” de um trabalho de uma assistência técnica que não tem esse olhar, ou que está preocupada apenas em executar as atividades. Outro ponto importante considerado na execução dessa chamada é com relação às conquistas sociais direcionadas para as trabalhadoras rurais, porque algumas políticas públicas na prática não tem conseguido sua efetivação por diversos fatores, destaca-se aqui a política de crédito específico, “o Pronaf mulher” que no território do Pajeú ainda não tem sido acessada pelas agricultoras devido à burocratização e o fato dos bancos invisibilizarem as diversas atividades desenvolvidas pelas mulheres em seus quintais. Por muitas razões, as agricultoras enxergam na assistência técnica continuada uma oportunidade para o fortalecimento dos trabalhos que já desenvolvem, seja na construção coletiva do conhecimento, a exemplo das formações, seja no processo de auto organização. O acompanhamento da assistência técnica na avaliação das mulheres, tem contribuído muito no fortalecimento de processos em curso, seja na produção, comercialização ou nos espaços de construção e diálogos com as políticas públicas.


169

9- Avaliação Individual


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10. REGISTRO FOTOGRÁFICO


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