Ofício nº 582/2013-CNV

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COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE Centro Cultural Banco do Brasil (CBB) - 2" andar - Portaria 1 Setor de Clubes Sul - SCES - Trecho 2 Lote 22 70200-002 - Brasilia-DF Ofício n"58.2 /20 I3-CNV Brasilia,

OS'de outubro

de 2013.

A Sua Excelência o Senhor Juiz de Direito da Vara de Registro Públicos da Comarca de São Paulo Praça João Mendes, 22° andar - Sala 2209 01501-900 - São Paulo-SP

Assunto: Retificação da causa da morte de Alexandre

Vannucchi

Leme

Senhor Juiz, A Comissão Nacional da Verdade, instituição criada pela Lei n0I2.528, de 18 de novembro de 20 lI, tem a atribuição legal de examinar e esclarecer as !,'Taves violações de direitos humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988, podendo para tanto exercitar diversos poderes administrativos, e assim recomendar a adoção de medidas destinadas a efetivar o direito à memória, à verdade histórica e a promoção da reconciliação nacional ( arts. I", 3° e 4° I).

A esse propósito, recebeu o requerimento em anexo apresentado por Maria Regina Vannucchi Leme; Miriam Vannucchi Leme; Maria Cristina Vannucchi Leme; José Augusto Vannucchi Leme e Beatriz Vannucchi Leme, todos innãos de ALEXANDRE VANNUCCHI LEME, em que se pleiteia, com fundamento nos arts. 3° e 4° I da aludida Lei n° 12 528/11, scja procedida a retificação do atestado de óbito de Alexandre Vannucchi Leme, estudante de geologia da Universidade de São Paulo, encontrado morto após ter sido preso pelo DOI-COD! do II Exército, em 17/3/1973, durante a ditadura militar, para que conste como causa de sua morte as torturas, lesões e maus tratos por ele sofridas em março de 1973, e como local da morte as dependências do II Exército, restabelecendo-se assim, a verdade histórica dos fatos, com a preservação do direito à memória. O requerimento vem instruido com cópia de todos os documentos comprobatórios dos fatos nele mencionados. O objctivo dos requerentes é exatamente a reconstrução histórica das circunstâncias que envolveram a morte de Alexandre Vannucchi Leme, vitima de torturas e sevícias, dentre outras graves violações de direitos humanos.

Esta Comissão apreciando o citado requerimento, concluiu que, em síntese, o Estado brasileiro, pelo menos em três ocasiões reconheceu a falácia das três versões oficiais diferentes, inventadas pelos agentes oficiais ( item 3° do requerimento), de que Alexandre teria sido atropelado por um caminhão na Avenida Celso García, em São Paulo/SP e, em decorrência do acidente, veio a falecer ou de que teria se jogado contra o caminhão, num ato suicida .No


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COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE Centro Cultural Banco do Brasil (CBB) - 2" andar - Portaria I Setor de Clubes Sul- SCES - Trecho 2 Lote 22 70200-002 - Brasilia-DF entanto, esta mentira, de acidente e atropelamento, até hoje ainda consta no atestado de óbito. Ressalte-se o absurdo enterro de Alexandre como indigente, no Cemitério de Perus, apesar de ser pessoa plenamente identificada, inclusive no laudo necroscópico, e que era procurada pelos pais quatro dias antes da publicação da nota oficial de sua morte. Foi enterrado sem caixão, com cal espalhada na terra, para acelerar a decomposição do corpo e com isso apagar as marcas da tortura. Seus parentes só conse~,'uiram resgatar seus restos mortais dez anos após seu sepultamento. De acordo com as provas contundentes apresentadas, em especial o relato de testemunhas presenciais, Alexandre foi barbaramente torturado por militares até morrer.Foi preso no dia 16/3/73, por volta das 11 h da manhã, pelo DOl-CODl. No dia seguinte, às 17 hs, estava morto, vitima de torturas e sevicias, dentro de uma das celas do órgão de repressão, ou seja, nas dependências e sob a responsabilidade do Estado.

As torturas a que Alexandre foi submetido e que o levaram a óbito foram relatadas na Auditoria Militar, por ao menos nove pessoas que estiveram presas com ele no DOI-CODl, em São Paulo/SP, nomeadas no item 8" do requerimento.

Estes depoimentos foram transcritos no processo judicial que tramitou perante a Justiça Militar, em especial no voto vencido do Ministro General Rodrigo Octavio Jordão Ramos, do Superior Tribunal Militar, datado de 26 de abril de 1978 ( apelação n" 40 192), no qual o Ministro requereu a apuração de denúncias sobre as torturas e as sevicias sofridas por Alexandre que detenninaram a sua morte.

Os pais de Alexandre Vannuchi Leme, levaram ao conhecimento do Estado, em 12/3/1996, perante a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, instituida pela Lei 9140, de 4 de dezembro de 1995, vinculada à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, os fatos e as circunstâncias da morte de seu filho e, com base na citada lei, requereram o reconhecimento do filho como morto político, e pediram o pagamento de indenização. Em julho de 1996, o pedido foi deferido, ou seja, o Estado reconheceu que Alexandre Vannucchi Leme faleceu por causas não naturais, em dependências policiais ou assemelhadas (art. 4", I, "b" da Lei 9140/95), e autorizou o pagamento de indenização à làmilia Proc. n 020/96).

A Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, registrou às 11s.337 c seguintes, no livro-relatório intitulado Direito à Memória e à Verdade, elaborado durante onze anos e distribuido pela mencionada Comissão, com anuência do então Ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo de Tarso Vannuechi, e do então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que Alexandre foi assassinado, vítima de torturas e maus tratos, quando estava preso nas dependências do DOI-CODl, em São Paulo-SP. Mais um reconhecimento do Estado de


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COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE Centro Cultural Banco do Brasil (CBB) - 2° andar - Portaria I Setor de Clubes Sul- SCES - Trecho 2 Lote 22 70200-002 - Brasília-DF que Alexandre assemelhada.

foi assassinado,

após ser preso e torturado numa dependência

policial ou

Com base nos fundamentos invocados no requerimento, e presente a necessidade de promover o esclarecimento da verdade, esta Comissão faz encaminhar a Vossa Excelência as razões desenvolvidas pelos requerentes, que seh'llem em anexo, acolhidas pela Comissão, para recomendar a restauração da verdade, retificando-se a causa da morte de Alexandre Vannucehi Leme, de modo a considerá-Ia como decorrência de lesões e maus tratos sofridos durante interrogatório em dependência do 11Exército ( DOI-CODl), nos tennos e na fonna sugerida na manifestação deste colegiado.

Recordo a Vossa Excelência que a legitimidade desta Comissão extrai-se da própria detenninação legal de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos, do que é uma decorrência lógica a restauração da verdade dos registros, que assim se inclui entre os encargos de seu mandato, como já reconhecido no precedente judicial do requerimento dirigido à Comissão por Clarice Herzog, no caso de da morte de Vladimir Herzog, no qual foi pedida a retificação do atestado de óbito, para fazer constar a cal/sa mortis correta do jornalista, a fim de restaurar a verdade, citado no item 20° do requerimento anexo, no qual o MM Juiz Mareio Martins Bonilha, da 2a Vara de Registros Públicos de São Paulo, deferiu o pedido desta Comissão.

Atenciosamente,

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Coordel

JO a

os DIAS omissão NacionaI da Verdade


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