lambadaria número 1

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a fantástica fábrica de lambadas lambar para lembrar de que somos feitos de sangue suor e melaço lambar para amplificar o grito matuto de nossos ancestrais afronautas lambar para caminhar descalço sobre peças de lego sem pestanejar lambar para falsificar figurinhas raras e trocar por jarras de limonada lambar para distrair e burlar os guardas das fronteiras transestaduais lambar para plantar bananeiras onde antes havia repartições públicas lambar para diminuir o ritmo do trânsito e acelerar o fluxo do transe lambar para destravar todos os combos e fatalities dos jogos de cintura lambar para hackear o sistema operacional das janelas do pelourinho lambar para cantar a eletricidade dos corpos na voltagem do planeta lambar para matar o tédio de renato com o T da transa de caetano lambar para meter pimenta no refresco dos que não sabem brincar lambar para comprar briga com os valentões do raciocínio lógico lambar para reencontrar amigos imaginários e dançar com eles lambar para mastigar chiclete de boca aberta em lugares fechados lambar para cumprir os prazos e pactos dos chamados da natureza lambar para quitar as dívidas com os agiotas da cultura do ego lambar para celebrar a nudez do poema diante do espelho da voz lambar para desafinar o extraordinário coro dos desavisados lambar para destruir tudo que é frágil com beijos e baionetas lambar para lembrar de onde fomos aonde vamos e a que viemos

poema 1 ! jonatas onofre ! recife, pernambuco poema 2 ! letícia leal ! brasília, df poema 2 II ! mariana vitti ! balneário piçarras, sc poema 3 ! camillo josé ! recife, pernambuco poema 4 ! joão victor dantas ! recife, pernambuco poema 5 ! fernanda gonçalves ! belo horizonte, mg


1 Let Star I’m alívio, cá estamos entre canários e canalhas de asa bifurcada, o nome circunvaga a profundidade de um grito numa rua frígida de Recife, ou de Montevidéu ou de São José do Rio Preto sob muitas águas, It’s long wave, mas não me arrasta, isso muito me arrasaria, ontem quando não havia roupas nem os olhos dela os olhos próximos demais desse grito,

vês o quanto famintos podemos ser aqui? O que é sobra, de fato, para nós que não aprendemos a fulgir? Há estrela e braços parados, um beijo que mais parece um enigma, deixe-os ir até seus motivos, enquanto entramos com passos definitivos nessa bactéria indecifrável em lágrimas todos sabem que esperamos the final blast tramando para que essa manhã não seja só uma velha biltre song


não me lembro dos carros, de como andavam os carros em 1999 poderiam ser leves como a Caloi do menino de baixo, eu não saberia dizer só me lembro da visão das minhas mãos: não alcançavam a torneira da pia, não fechavam completamente quando agarravam o céu

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manifesto mais olheiras, mundo, por favor mais olheiras de quem leu por horas cortázar olheiras de um escritor com seu novo romance olheiras de gente que pensa durante inquieta insônia olheiras de quem usou a noite no prazer com alguém por favor, mundo, mais olheiras mais cérebros cansados, mais canseira do rosto do olho mais olheiras mais jeanne moreau e marcello mastroianni com suas olheiras cinematográficas mais noites regadas a divagações e cachaças e dias com agendas lotadas sem tempo para descanso olheiras, mundo, mais olheiras, por favor mais olhar morto e profundo mais clima de filme francês e italiano da década de 60 olheiras vivas olheiras que indiquem vida olheiras de estilo vintage de vidas agitadas vidas com o retoque cult das olheiras sem pausa nem off-line


3 “a gente já era, a gente já era, a gente vai virar purê”

codinomes, condimentos, penteados afrodisíacos, parábolas de ônibus e flertes extracurriculares; ligações interurbanas para aviadoras aposentadas, amores plásticos e relatos selvagens nos letreiros de nossas testas oleosas, ereções amistosas e a catarse anti-heroica das cervejas quentes; um cigarro a menos no maço de platão, cebolas enfeitiçadas em esfirras de carne e preguiça, a última dose de morfina antes da cirurgia de remoção dos parasitas facultativos, uma vontade antiética de escavar os formigueiros do umbigo dela, a terra prometida virando fumaça nos pulmões dos papagaios de veraneio, o poema emprestando sua jaqueta vermelha aos meus zumbis, minhas amigas nefelibatas usando plugues anais em salas de espera e seminários de morfossintaxe, combos promocionais, kombis australianas; quilos e quilos de maria-mole apreendidos por crianças brincando de polícia, nosso canal lacrimal gotejando um misto de batata e leite pasteurizado, recife despejando lavagem e lodo em nossas capas de vampiro e o patrono dos patetas recalibrando os músculos zigomáticos para o coffe break do juízo final.


está tudo, tudo dentro dela – da tela; à tela pertence o punhal e ele dilacera, disseca, reitera seu poder nas alusões manicômicas atrás das grades da mente

tudo enquadrado e atrás da linha tênue entre real e surreal, está o filme: tu. tu, que estás aí, na chuva na calçada no papelão na ficha técnica na periferia do disco e da soundtrack

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na tela, é tudo tudo aeroporto strip clubs prostíbulos que emprestam constroem, arbitram. que consomem, para depois desconstruirem o mar de sonhos

na tela, é tudo o corpo é tudo queda, tudo parasita prótese dentária, lente de contato é tudo noir tudo vôo é tudo margem de erro e nunca de acerto

na tela, é tudo viagem, tudo. tudo esperança erradicada pelo ultra-realismo que se materializa à distância de um braço da testa fria e molhada

na tela, ah, sim, na tela é tudo arrepio é tudo beijo no pescoço tudo arranhões tudo unha suja de sangue é tudo plástico tudo multidão, arma de fogo punição divina

na tela, sim, na tela é tudo condicionado tudo bisbilhotado

na tela, és todo dissonante és todo carne e alma

és todo carcaça à espera de um papel dramático, todo gíria todo euforia és todo... todo vagalume dentro da barraca tudo que a tela quer que sejas, és és olho míope és flagrante de estupro és o reflexo da lua na janela do 33º andar és veia dilatada és tapete voador és jogo de xadrez entre morte e cavaleiro és odisseia espectral és cratera de vulcão és peito de loba fora da tela és homem. pura e simplesmente humano social, coagido, absurdo, agendado és apenas carne, vermelha e ensanguentada não és alma a alma está na tela a tela que dilatou meu olho.


“ I lie Whole On a whole world I cannot touch” Sylvia Plath eu quero chegar ao mar... aos semblantes de amor sobre os quais se sustentam, pesadas, as pálpebras de uma baleia ao pulmão que transcende os seus desígnios, dedicando-se a adorar o olho na nuca de uma ave de rapina ainda que seja o céu a emoldurar a fome; o meu sonho pleiteia a vaga de glossário dos livros de colorir com seus ossículos de giz: o ruído do telefone de lata fabricado com as artérias rompidas do firmamento é como o marulho que escapa de um lápis vermelho profanando a alvura do poente; ainda que sejam sempre as árvores a perder o fio do novelo da trégua de um pássaro quero me ungir do suor de uma galáxia concebendo uma flor ordinária chegar aos destinatários das aleluias que escoam para os poemas por acidente.

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