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rua da conceição

Nos pouco mais de 200 metros de extensão da rua da Conceição (*), encontram-se atividades que representam diversos aspectos da essência da Boa Vista. É lá onde estão algumas das edificações que simbolizam a formação do bairro, alguns dos ofícios herdados das gerações passadas e uma das antigas instituições de ensino da área. Essa variedade de atributos faz com que essa rua seja frequentada por grupos sociais distintos e associada a múltiplas memórias.

Antes de se tornar uma via, a atual rua era então parte de um sítio de coqueiros que havia sido comprado pelo capitão Filipe Santiago em 1683. Dois dias após a compra, por motivos desconhecidos, as terras foram revendidas para o capitão-mor Cristóvão de Barros Rêgo. Este último foi responsável pela edificação da primeira capela de culto público do bairro, a qual foi dedicada à Nossa Senhora da Conceição e, em alusão tanto à santa quanto à vegetação presente no terreno, veio a se chamar Capela de Nossa Senhora da Conceição dos Coqueiros. Além disso, o capitão-mor promoveu a construção de residências no seu entorno e instituiu o Vínculo2 de Nossa Senhora da Conceição dos Coqueiros, que abrangia a capela e uma grande porção do atual bairro da Boa Vista.

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2. Vínculo era uma maneira institucional e jurídica de tornar as propriedades de uma família indivisíveis e intransferíveis. Esse sistema veio a ser abolido pelas leis de 30 de junho de 1860 e 19 de maio de 1863 e, a partir disso, as terras passaram a ser loteadas e vendidas para novos proprietários. (*) visualização no mapa: item 28.

(*) visualização no mapa: item 31.

(*) visualização no mapa: item 30.

Quase dois séculos depois, a área referente ao vínculo foi vendida e suas terras loteadas e transferidas para novos proprietários. Diante do contexto de dissociação dessas propriedades, no dia 31 de janeiro de 1882, os descendentes dos últimos donos do terreno doaram a antiga capela à Irmandade de Santa Cecília.

Contudo, naquela ocasião, a capela se encontrava quase em ruínas; a irmandade, impossibilitada de reconstruí-la. Apenas em 1899 foi possível intervir na edificação e, no mesmo ano, abrir as suas portas para o público, agora sob o nome de Igreja de Santa Cecília (*). O atual templo destaca-se pela sua assimetria, marcada pela presença de uma única torre e um único corredor lateral, e, na sua fachada, pela presença de arcos ogivais e pela representação de uma lira, em alusão à padroeira da capela.

Hoje, além de acomodar as missas que ocorrem todas as quartas-feiras, a edificação é a sede da Pastoral do Povo da Rua em Recife, iniciativa apoiada pela Arquidiocese de Olinda e Recife que promove encontros e atividades voltados para a população em situação de rua.

Na outra extremidade da Rua da Conceição, situa-se outro templo religioso, chamado de Igreja de Nossa Senhora do Rosário (*). Assim como a Igreja de Santa Cecília, as terras sobre as quais a igreja foi edificada pertenciam ao Vínculo de Nossa Senhora da Conceição dos Coqueiros, porém, após a sua dissolução, o terreno foi doado à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos.

Fachada da Igreja de Santa Cecília vista a partir da Rua da Conceição.

Fachada da igreja de Nossa Senhora do Rosário. 2021.

Em 26 de julho de 1788 foi iniciada a construção da igreja. No ano seguinte, ainda que inacabado, o local de culto passou a abrigar a irmandade. As obras foram concluídas em 1813, mas, infelizmente, suas instalações eram precárias, de forma que a irmandade passou a planejar uma arrecadação de fundos para a construção de um novo templo assim que a igreja foi aberta.

Ao mesmo tempo, mudou-se para um sobrado vizinho à igreja, o político recifense Gervásio Pires. Devoto de Nossa Senhora do Rosário, ele se surpreendeu com o estado do templo e decidiu contribuir financeiramente para a construção de uma edificação mais ampla e aprimorada. Seu apoio, junto a outros, permitiu que as obras tivessem início em 1815. Embora o ano do término da construção seja desconhecido, sabe-se que as obras da igreja já estavam concluídas em 1831, pois no chão, próximo ao altar da liturgia, foram enterrados os restos mortais de Gervásio Pires.

Quem se desloca pela rua do Rosário da Boa Vista percebe imediatamente a presença da igreja de mesmo nome numa de suas extremidades, bem como a sua conexão espacial com a igreja de Santa Cruz, localizada na outra ponta da via. Externa e internamente, é possível observar influências da arquitetura barroca, manifestadas nos seus traços sinuosos.

Até o final do século XIX, partia da Igreja de Nossa Senhora do Rosário uma das procissões mais populares do Recife: a procissão do Senhor Bom Jesus da Cruz, cujo percurso

(*) visualização no mapa: item 34. não abrangia apenas a Boa Vista, como também o bairro de Santo Antônio. Hoje, entre outros eventos religiosos, destacam-se a Missa Tridentina, que ocorre todos os domingos, e a procissão em homenagem à padroeira da igreja, todo dia 15 de agosto.

Além de acomodar símbolos da religiosidade local, a Rua da Conceição abriga no seu casario, predominantemente, antiquários de móveis antigos, onde são também feitos novos produtos e reformados os defeituosos. Ao longo desta rua, é possível sentir o cheiro de madeira, pó de serra e palhas sendo tecidas. Cadeiras de escritório das mais diversas cores, do verde-limão ao preto, ficam dispostas nas calçadas à espera de seus compradores. Assim como a Rua do Aragão, a Rua da Conceição é o destino de quem busca comprar móveis. A rua arborizada remete ainda ao verde dos sítios que ali estavam no início de sua ocupação, preservando um pouco da relação com o natural. Nela, vale destacar a presença do Colégio e Curso Bandeira (*), uma das principais edificações localizada no coração da Rua da Conceição. A escola foi fundada em 1965, período em que a Boa Vista era o destino de muitos estudantes da cidade inteira. Sendo uma das poucas escolas antigas que ainda permanece no centro da cidade, o Bandeira, como é conhecido por seus alunos e ex-alunos, proporciona uma dinâmica distinta à rua da Conceição, a qual é caracterizada pela grande presença de crianças e adolescentes na via ao longo do dia. Estes

costumam passar o tempo papeando em frente a escola antes de voltarem para casa e não é raro ver estudantes de outras instituições de ensino se divertindo por lá também.

Colégio e Curso Bandeira visto a partir da Rua da Conceição. 2021.

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