2 minute read
presença judaica
Durante o século XX, o mundo passou por uma série de mudanças socioeconômicas, políticas e tecnológicas. Na Europa, os avanços tecnológicos decorrentes da Revolução Industrial foram seguidos por um aumento dos índices de crescimento populacional e desemprego. Já no Brasil, após a abolição da escravatura e a proclamação da República nos anos finais do século XIX, deu-se a busca por alternativas para suprir a mão-de-obra em zonas agrícolas, o início do processo de industrialização do país e a rápida modernização dos centros urbanos.
O novo momento vivido pelo Brasil foi divulgado na Europa por empreendedores em busca de estrangeiros que pudessem ocupar postos de trabalho ao redor do país, o que ocasionou um aumento dos fluxos migratórios para o Brasil. A maioria dos imigrantes que se deslocaram para o país se concentrou em cidades das regiões Sul e Sudeste, contudo a presença desses estrangeiros no Recife foi bem expressiva e deixou como legado práticas vividas até hoje.
Advertisement
Dentre os grupos de imigrantes que ocuparam o Recife, destacam-se os judeus, que, inicialmente, viam na cidade a possibilidade de se tornarem bem-sucedidos financeiramente e, posteriormente, retornarem ao seu local de origem com os fartos proventos do seu trabalho. Mas, logo estabeleceram vínculos com o lugar e enxergaram a oportunidade de prosperar, relacionar-se com outros grupos sociais e manter as suas práticas sociais.
Devido a condições como localização, proximidade do
sistema de transporte público, disponibilidade do estoque imobiliário e, principalmente, possibilidade de se agregarem em torno de suas paulatinamente criadas instituições culturais, esse grupo social, a princípio, se instalou no bairro da Boa Vista, em endereços no entorno da Praça Maciel Pinheiro. Aí abriram estabelecimentos voltados para (a) o setor moveleiro – madeireiras, marcenarias, movelarias e estofarias, (b) para a importação de tecidos, confecção e comercialização de roupas e (c) para joalherias, óticas e equipamentos médico-hospitalares, existentes até os dias atuais.
No decorrer dos anos, a comunidade judaica viu os seus negócios crescerem, e, diante do cenário promissor, mais grupos de judeus se deslocaram para a Boa Vista. Estes se instalaram ao redor de instituições próprias da cultura judaica, edificadas pelos seus antecessores a fim de criar um ambiente próprio para as suas práticas culturais, como o Centro Israelita de Pernambuco, a Iídiche Schul e a Sinagoga Israelita da Boa Vista, cuja edificação ainda se encontra na Travessa Martins Júnior, 29.
Além de instituições culturais, os judeus também estavam envolvidos com diversas iniciativas artísticas, como a criação de um teatro em iídiche, a presença na Sociedade de Cultura Musical e a integração de artistas como Guita Charifker e Bernardo Dimenstein ao Atelier Coletivo, um projeto artístico encabeçado por Abelardo da Hora. Também vale ressaltar que, na Praça Maciel Pinheiro, precisamente
na casa de número 347, cresceu Clarice Lispector, ucraniana de origem judaica, que veio a se tornar um dos maiores nomes da literatura brasileira.
A partir da década de 40, os imigrantes judeus, agora naturalizados brasileiros e inseridos na sociedade recifense, iniciaram um processo gradativo de dispersão pela cidade e passaram a ocupar bairros compatíveis com as suas novas demandas, porém, deixaram na Boa Vista marcas materiais e imateriais da sua presença, as quais foram apropriadas por novos grupos sociais e, hoje, compreendidas pelas gerações atuais como aspectos essenciais da identidade do bairro.