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os altos edifícios modernos

Quem parte dos núcleos iniciais do bairro em direção à Avenida Conde da Boa Vista logo experiencia uma sensação de expansão, que o leva a cogitar se não estaria em outro bairro. Sons mais intensos, vias largas e prédios que não podem ser totalmente abarcados pelo olhar à curta distância. Esses, ainda que altos, robustos e de cores menos vibrantes do que os sobrados da área, representam episódios importantes da história local, abrigam atividades essenciais ao bairro e estão atrelados a uma série de vínculos afetivos.

Entre os edifícios em altura presentes na avenida, ressalta-se o conjunto composto por prédios que partilham entre si algumas características. Entre elas, a marcação da estrutura em concreto nas fachadas, terraços-jardim, pavimentos vazados, pilotis, que são elementos estruturais que sustentam a construção e liberam espaço no térreo, e aberturas generosas para o exterior, que garantem melhor iluminação natural nos ambientes internos e oferecem uma vista panorâmica da cidade.

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Essas edificações foram construídas entre os anos 50 e 60 sob uma nova maneira de fazer arquitetura entendida como modernismo. Todos elas, que se estendem ao longo da Avenida Conde da Boa Vista e adjacências, possuem uso misto, sendo estabelecimentos comerciais e de serviço dispostos no térreo e, quando existentes, também nas sobrelojas, e unidades habitacionais alocadas, predominantemente, nos seus andares superiores. É interessante

(*) visualização no mapa: item 43. (**) item 44.

(***) visualização no mapa: item 45. observar que a criação desses edifícios modernos com uso misto foi uma tendência mundial que foi muito bem aderida na Boa Vista. Nos jornais das décadas de 1950, 1960 e 1970, são comuns os anúncios e artigos que divulgam algumas lojas e consultórios importantes. Ter um comércio ou prestar serviços nesses novos edifícios, há algumas décadas, simbolizava status de prestígio social. A moradia inovou com outras formas de viver, são introduzidos os, hoje tão comuns, quitinetes, que são apartamentos com apenas um quarto, um banheiro e uma sala, com a cozinha conjugada.

Entre os prédios modernistas mais conhecidos, destacam-se os edifícios Pirapama (*) e Santa Rita (**), ambos localizados na Avenida Conde da Boa Vista e projetados por um dos pioneiros desse novo momento artístico. Contudo, a produção arquitetônica moderna no bairro não se restringiu às edificações dessa grande avenida. Ao redor do bairro, encontram-se outros representantes dessa sensibilidade arquitetônica, como o Edifício Barão de São Borja e o Edifício União, ambos em ruas homônimas, e o Edifício Walfrido Antunes, localizado no cruzamento entre as ruas do Riachuelo e Gervásio Pires.

No Edifício Walfrido Antunes (***), os dois primeiros pavimentos são destinados ao uso comercial e de serviços e, entre os seus estabelecimentos, destaca-se o Bar da Morgana, citado por muitos entrevistados. Ponto de boemia do bairro, esse bar atribui um novo caráter à rua do Riachuelo, quando, à noite, mesas são distribuídas ao longo de toda

a calçada, até então vazias, e logo ocupadas por grupos de amigos interessados em compartilhar uma bebida ou um dos petiscos do cardápio, ou disputar uma partida num dos fliperamas localizados no mezanino.

Outra característica importante desse mesmo edifício, mas não tão conhecida, é a presença de um painel artístico de autoria de Abelardo da Hora no seu pátio interno. Essa obra foi uma das tantas outras que o artista concebeu em articulação com a produção arquitetônica da época. Assim como ele, vários artistas participaram desse intercâmbio entre artes plásticas e arquitetura, a exemplo de Francisco Brennand, que também criou painéis decorativos, e Lula Cardoso Ayres, autor do grande mural presente no hall do Cinema São Luiz.

Alguns arquitetos também elaboraram elementos artísticos que foram integrados a edifícios modernos, como Delfim Amorim, que foi autor dos azulejos empregados nas fachadas das suas próprias obras, os quais introduziram as cores tradicionais da azulejaria portuguesa, o azul e o branco, numa composição inovadora para o período.

Vista do Edifício Suape a partir do Edifício Pirapama. 2021.

Atualmente esses edifícios acolhem todos os tipos de pessoas, de diferentes classes sociais e faixas etárias. Muitos desses antigos prédios se encontram, no entanto, em situação precária de infraestrutura. Com a dificuldade de manutenção por inadimplência condominial, muitos estão com instalações internas defeituosas. Os revestimentos que demonstram uma tão importante qualidade do movimento da arquitetura que fez surgir esses edifícios estão, nos muitos casos, em grave estado de deterioração, proporcionando riscos de acidentes aos transeuntes das calçadas.

Ainda que possua diversos problemas, a relação de afeto entre muitos moradores antigos desses edifícios é grande. Há um amor pela dinâmica de movimentação, facilidade, praticidade, o gosto pela vida no coração da cidade. A vista do alto, observando todo o Recife é, para muitos, insubstituível diante de todas as problemáticas existentes. O sonho dessas pessoas é, certamente, de ver mais uma vez seu ambiente de moradia tal como era há algumas décadas.

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